marcas e engajamento digital: algumas considerações

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1 Marcas e Engajamento Digital: algumas considerações Renata Cerqueira 1 Tarcízio Silva 2 Mais de 70 milhões de usuários de internet no Brasil. E não é só isso: dezenas de pesquisas apontam os brasileiros entre os internautas que mais participam, produzem conteúdo e se expressam nas mídias sociais 3 . Poderíamos elencar aqui dezenas de informações, gráficos, números e mais indicadores da atual força da web no país; contudo, o mais interessante é que qualquer dado que adicionarmos aqui, certamente, estará desatualizado na publicação deste livro. Algumas semanas antes de escrevermos este artigo, circulou a notícia sobre o share atualizado do investimento publicitário no Reino Unido. Lá, a internet já atrai mais dinheiro publicitário do que a televisão. Com as particularidades de cada país desenvolvido economicamente, a atenção das pessoas e, conseqüentemente, o investimento publicitário, passam a se intensificar na web. Mas por que isso acontece? As pessoas estão preferindo utilizar os novos meios de comunicação? Em alguns momentos, sim. A cartela de opções de conteúdo, entretenimento, informação, comunicação e experiências na internet é muito maior do que qualquer outro meio de comunicação pode oferecer. Para a comunicação organizacional e todas as áreas que envolve: marketing, relações públicas, publicidade e propaganda, assessoria de imprensa etc., a internet é um ambiente que fascina e, ao mesmo tempo, desafia os profissionais. Em torno dessa discussão, um termo que está sendo cada vez mais utilizado é "engajamento digital", em referência ao ato de se engajar por meio de ambientes digitais. Os usuários de internet, por exemplo, utilizam a rede para engajar-se em atividades de mobilização social, troca de informações, criação coletiva ou, até mesmo, ações em torno do próprio consumo. Nesse cenário, constata-se que possuir pessoas engajadas é um dos principais objetivos das empresas contemporâneas e, por isso mesmo, compreender melhor esse

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Artigo "Marcas e Engajamento Digital: algumas considerações", por Renata Cerqueira e Tarcízio Silva. Publicado no livro "Publicidade Digital - Formatos e Tendências da Nova Fronteira Publicitária".

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Page 1: Marcas e Engajamento Digital: algumas considerações

1

Marcas e Engajamento Digital: algumas considerações

Renata Cerqueira1

Tarcízio Silva2

Mais de 70 milhões de usuários de internet no Brasil. E não é só isso: dezenas

de pesquisas apontam os brasileiros entre os internautas que mais participam,

produzem conteúdo e se expressam nas mídias sociais3. Poderíamos elencar

aqui dezenas de informações, gráficos, números e mais indicadores da atual

força da web no país; contudo, o mais interessante é que qualquer dado que

adicionarmos aqui, certamente, estará desatualizado na publicação deste livro.

Algumas semanas antes de escrevermos este artigo, circulou a notícia sobre o

share atualizado do investimento publicitário no Reino Unido. Lá, a internet já

atrai mais dinheiro publicitário do que a televisão. Com as particularidades de

cada país desenvolvido economicamente, a atenção das pessoas e,

conseqüentemente, o investimento publicitário, passam a se intensificar na

web.

Mas por que isso acontece? As pessoas estão preferindo utilizar os novos

meios de comunicação? Em alguns momentos, sim. A cartela de opções de

conteúdo, entretenimento, informação, comunicação e experiências na internet

é muito maior do que qualquer outro meio de comunicação pode oferecer. Para

a comunicação organizacional e todas as áreas que envolve: marketing,

relações públicas, publicidade e propaganda, assessoria de imprensa etc., a

internet é um ambiente que fascina e, ao mesmo tempo, desafia os

profissionais.

Em torno dessa discussão, um termo que está sendo cada vez mais utilizado é

"engajamento digital", em referência ao ato de se engajar por meio de

ambientes digitais. Os usuários de internet, por exemplo, utilizam a rede para

engajar-se em atividades de mobilização social, troca de informações, criação

coletiva ou, até mesmo, ações em torno do próprio consumo. Nesse cenário,

constata-se que possuir pessoas engajadas é um dos principais objetivos das

empresas contemporâneas e, por isso mesmo, compreender melhor esse

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2

fenômeno, analisado pela perspectiva da comunicação digital, é o objetivo do

presente artigo.

As marcas na sociedade em rede

A sociedade é, e sempre foi, uma sociedade em rede. Cada pessoa é um ponto

nesta rede social, que é ligada a outras pessoas, que são ligadas a outras

pessoas e assim por diante. Um dos marcos fundadores dos sites de redes

sociais foi o SixDegrees. Lançado em 1997, tinha em seu nome referência à

teoria dos "seis graus de separação". Essa teoria foi criada nos anos 60,

quando o psicólogo social Stanley Milgram4 realizou uma experiência, nos

Estados Unidos, para avaliar como duas pessoas poderiam estar ligadas

através de conhecidos. O pesquisador enviou cartas para centenas de

pessoas, pedindo que elas fossem entregues para alguém do outro lado do

país. Mas não havia endereço nem código postal específico. Com isso, todos

precisaram resolver a questão: “Quem eu conheço que pode conhecer alguém

que conheça esta pessoa?”. O experimento de Milgram resultou em um

máximo de seis graus de separação entre quem enviou a carta e quem a

recebeu. Ou seja: em teoria, entre quaisquer duas pessoas no mundo,

estariam, no máximo, outras cinco.

Para o marketing, é interessante pensar essa conclusão como um imperativo a

ser considerado na produção e avaliação de estratégias: as pessoas estão

conectadas e, com as tecnologias avançadas da comunicação, essa ligação foi

incrivelmente potencializada. Como resultado, já não é mais segredo que a

comunicação digital alterou significativamente o modo como as organizações

se comunicam e se relacionam com os seus públicos de interesse (TERRA,

2008, p.12). Com a ascensão da segunda geração da World Wide Web,

resultando na chamada web 2.05, destacou-se uma das principais

características da cibercultura: a liberação do pólo emissor6. A

descentralização na produção, armazenamento e disseminação de

informações alterou as possibilidades de comunicação na internet, trazendo

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novos desafios para as marcas que desejam se relacionar com as pessoas que

compõem essa nova era.

Imagine, por exemplo, que um comercial de TV ou uma notícia no jornal

incomodasse alguma pessoa nos anos 80. Em relação estrita à comunicação,

ela poderia comentar com seu amigo ao lado, telefonar para o jornal da cidade

ou, em casos mais extremos, fazer panfletagem, fanzine ou um jornal caseiro.

Hoje, qualquer pessoa com uso médio de internet já tem, em seu email ou

mídia social, o contato direto com centenas de pessoas, que podem virar

milhares ou até milhões caso uma informação se dissemine.

As pessoas com possibilidades de acesso detêm um maior poder da

informação, podendo produzir, publicar e se comunicar através de uma

estrutura em rede, em que as conexões são fluídas e rápidas. Em

contrapartida, elas também querem ser ouvidas e participar dos processos das

organizações. Destacam-se, portanto, pessoas mais exigentes, que rejeitam

autopromoção de marcas, informam-se mais antes de efetuar uma compra,

compartilham impressões sobre produtos e que, principalmente, desejam

dialogar e interagir com marcas e outros usuários.

O cenário, portanto, está apresentado para as organizações: é preciso buscar

uma relação diferenciada com as pessoas, evitando a prática da informação

unidirecional. Nota-se, assim, a necessidade de interagir de maneira relevante

com o público, cuja participação tem sido determinante para o sucesso das

ações organizacionais. E é justamente diante desse novo contexto, em que o

público produtor ainda mais importante de ser conquistado, que as

organizações estão cada vez mais entendendo o engajamento por meio de

ambientes digitais como um grande trunfo a ser alcançado.

O Engajamento e os ambientes digitais

Em um cenário de constantes mudanças tecnológicas, é natural que o mercado

se aproprie de uma série de terminologias que tentem abraçar a quantidade de

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fenômenos que ganham destaque na contemporaneidade. Com a ascensão da

chamada web 2.0, que de algum modo reinventou a relação entre marcas e

pessoas, o número de novas expressões se multiplica a cada dia. Em blogs e

sites especializados, pessoas propõem neologismos, pegam emprestados

conceitos de áreas distintas e criam modismos. Com isso, basta um pequeno

instante e, com o boca-a-boca da internet, todos já estão discutindo e

batizando um determinado assunto, muitas vezes sem o cuidado de sequer

saber: afinal, será que estamos falando todos da mesma coisa?

Para nós, é isso que vem acontecendo com o “engajamento”. Como a última

coca-cola do deserto, com o perdão do antigo bordão, a palavra ganhou

popularidade entre especialistas e entusiastas da comunicação digital, que

afirmam: obter o engajamento de diferentes públicos é um dos maiores

„prêmios‟ que as marcas podem ter, principalmente em meio às tecnologias

avançadas da comunicação. De forma sucinta, vamos ao argumento que nos

parece mais recorrente para tal afirmação: ao mesmo tempo em que está cada

vez mais difícil de ser conquistado, o indivíduo 2.0, uma vez engajado, traz

benefícios crescentes para as marcas.

Segundo o Relatório Anual de Engajamento Digital do Consumidor de 20107,

por exemplo, os atributos mais alcançados por organizações que têm

consumidores engajados são: Recomendação de produto, serviço ou marca

(42%), Participação em comunidades online ou grupos de apoio (34%),

Melhorias no feedback regularmente (30%), Menor propensão a trocar de

fornecedor (30%), Conversão obtida mais prontamente (23%), Compras

regulares (22%), Participação em inovação e design (20%), Menor foco em

preço (16%), Menor reação a problemas econômicos (13%) e Mais tolerância

com erros (9%).

Fascinados por tantos pontos positivos, muitos especialistas buscam

ansiosamente entender como obter o engajamento das pessoas, que cada vez

mais rejeitam o distanciamento das empresas. Longe de propor um manual de

soluções, identificamos algumas posturas que, a partir da leitura de cases de

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sucesso1, mostram-se importantes na hora de construir uma relação mais

próxima e diferenciada com os públicos a partir de ambientes digitais: 1)

Entender o comportamento de quem se presente alcançar; 2) Oferecer

produtos, serviços e conteúdos relevantes; 3) Interagir; 4) Abrir espaço para a

participação; 5) Gerar experiências etc. Todos esses pontos, que têm sido

exaustivamente debatidos em postagens de blogs, entrevistas, artigos e

trabalhos acadêmicos, abrem uma série de possibilidades de estudos e, em

paralelo, ainda deixam no ar: o que estamos chamando mesmo de

“engajamento”?

Explicando Engajamento

Todos já se depararam com aquelas expressões que, de tão comuns, poucos

se esforçam por explicá-las; dão-se simplesmente por entendidas. Talvez

“engajamento”, analisado sob a ótica de marcas e pessoas, seja uma delas.

Em qualquer rápida pesquisa na internet, é possível observar que poucos são

os autores que deixam claro o que entendem por esse termo e, ainda assim,

não faltam visões com enfoques distintos.

Para o já citado Relatório Anual de Engajamento Digital do Consumidor, o

engajamento pode ser entendido como “interações repetidas que fortalecem o

investimento emocional, psicológico ou físico que um consumidor tem em uma

marca (produto ou empresa)”. Nota-se nesta definição que o engajamento é

visto pela perspectiva do consumidor, o que já pressupõe uma relação de

„empresa x cliente‟ com a marca. Já o instituto de pesquisas norte-americano

Forrester Research propõe uma definição mais ampla, em que o “engajamento

é o nível de envolvimento, interação, intimidade e influência que um indivíduo

tem com uma marca ao longo do tempo”.

Defenderemos a definição do Forrest Research entre as duas para aprofundar

a discussão, embora ainda esteja longe de esgotar o tema e gerar consenso. A

escolha por esta definição pode ser explicada pelo exemplo a seguir. Vamos

supor que João nunca tenha comprado um computador da Apple, mas apenas

1 Ver os casos descritos no final deste artigo.

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por não ter dinheiro suficiente para bancar o equipamento. No entanto, ele é

um grande fã da empresa, participa de comunidades virtuais da marca, faz

resenha dos produtos em seu blog e sempre divulga novidades relacionadas

em seu Twitter. Será que ele não seria alguém engajado com a Apple, embora

nunca tenha, de fato, comprado os seus produtos? Com isso, por acreditarmos

que engajamento com marcas é algo que vai muito além de ser ou não

consumidor, vamos nos guiar pela definição do Instituto Forrester Research.

Brian Haven, analista sênior do instituto, defende que o engajamento tem

quatro componentes, conforme descrito anteriormente: envolvimento,

interação, intimidade e influência. Cada um deles, que contém dados coletados

on e offline, representaria uma forma de participação dos indivíduos, que pode

variar de uma simples visita a um website a uma apaixonada recomendação de

um produto. A análise de todos esses indicadores levaria a uma visão holística

do público, entendendo-o como um valor que ultrapassa dimensões

monetárias. Confira abaixo uma breve descrição de cada componente, tendo

em vista a perspectiva digital:

1) Envolvimento – Trata-se do elemento mais básico do engajamento,

referindo-se a contatos simples com as marcas, tais como freqüência de visita,

tempo gasto em um website, páginas visitadas, recursos utilizados etc.;

2) Interação – Abrange itens que exigem mais ação do que em Envolvimento,

como solicitação de informação extra, comentários em blogs, compras em

sites, conexões em redes sociais, upload de vídeos e fotos etc.;

3) Intimidade – Envolve sentimentos e opiniões que alguém cultiva por uma

marca, representados nas palavras utilizadas para referir-se a ela;

4) Influência – Inclui a (possível) recomendação da marca, produto e/ou

serviço para outras pessoas, tendo relação com aspectos como lealdade etc.

Com base nessas descrições, é possível observar que a participação das

pessoas constitui o elemento mais básico do engajamento, que pode existir de

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diferentes níveis e maneiras. Cláudia pode falar bem de uma marca em seu

fotolog, mas não fazer uma recomendação direta dos produtos. Joana pode

dizer que a calça da Levi´s é confortável em seu Orkut, e Pedro pode fazer o

mesmo elogio, só que em todas as suas redes sociais online. Diferenças como

essas são cotidianas e precisam ser consideradas pelas marcas, que se

deparam aqui com um conceito de „engajamento‟ mais elástico à amplitude de

comportamentos que se verificam hoje com as tecnologias avançadas da

comunicação.

A partir das considerações do instituto, é possível notar também que o

engajamento não é o benefício em si atingido pela empresa. Não se pode falar,

por exemplo, que pessoas engajadas são necessariamente “mais tolerantes

com erros”, porque isso constitui apenas uma das possíveis e incalculáveis

conseqüências que podem advir de alguém engajado. Grosso modo, engajar-

se abrange o ato de participar - e participações podem trazer diferentes

benefícios, a depender do contexto existente. Além de variar em tipos e

intensidades, o „participar‟ está relacionado ao universo em que uma

organização está inserida; certamente, integrar comunidades virtuais de

empresas distintas pode trazer benefícios igualmente díspares para as

organizações em questão.

Uma nova métrica?

No relatório Marketing's New Key Metric: Engagement8, de autoria do próprio

Brian Haven, há a seguinte afirmação: o engajamento deve ser considerado

como a nova métrica do marketing.

Diante do novo contexto sócio-comunicativo que vivemos, como explicitado

anteriormente, já não é suficiente apostar apenas nas métricas mais

tradicionais, como o tempo gasto vendo um website ou número de visitantes

em uma determinada página. Com a popularização das mídias sociais, por

exemplo, novos indicadores surgem para as marcas medirem o retorno de suas

ações: número de conexões; taxa de crescimento dos fãs, seguidores e

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amigos; número de embeds, downloads e uploads etc. Ciente dessa

complexidade, que a cada dia ganha novos contornos, Haven propõe que o

engajamento (e seus quatro componentes) pode e deve ser medido pelas

marcas; com isso, surgiria uma maneira de abraçar as potencialidades

disponíveis hoje, em que as pessoas podem participar e expressar, como

nunca antes, as suas opiniões, sentimentos e afinidades.

Ao propor uma ampliação das métricas existentes, Haven chama a atenção

para a necessidade de acompanhar as rápidas mudanças que marcam as

relações entre pessoas e marcas. A iniciativa, extremamente válida para o

momento atual, deve ser vista com algumas ressalvas, no entanto.

Não existe uma equação fixa que possa aferir o engajamento entre pessoas e

marcas. Como visto, as participações são distintas em tipos e intensidades,

assim como se diferem também os contextos individuais das empresas. O

desafio, portanto, é buscar a combinação ideal de indicadores que possam ser

úteis para uma determinada ocasião.

Os indicadores têm limite em suas avaliações. Será que avaliar as palavras

utilizadas em uma postagem pode, realmente, definir o sentimento da pessoa

que o escreveu? Qual o conceito de sentimento em jogo? E será que

recomendar um produto com freqüência é sinônimo de lealdade? Em resumo: é

preciso ter cautela com o que se pretende aferir e com os meios que serão

utilizados para isso.

Se as novas métricas não forem desenvolvidas de forma comedida, e com

seus limites claramente estabelecidos, corre-se o risco de ser superficial nas

aferições. Avaliar a opinião dos consumidores, por exemplo, pode ser coletar

apenas um retrato momentâneo do que eles estão pensando sobre as marcas

(o que pode variar com contextos e épocas, por exemplo); dizer o contrário

pode banalizar as métricas, mostrando falta de rigor em sua elaboração. É

preciso tomar cuidado com a superficialidade.

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O elemento humano é indispensável. Desenvolver softwares e equações pode

ser muito útil na hora de coletar e medir dados, mas isso não dispensa o

elemento humano no desenrolar do processo. Uma avaliação do engajamento

entre pessoas e marcas requer análises que vão muito além de dados

objetivos, devendo trazer interpretações sobre tudo aquilo que acabou de ser

aferido.

A expressão „engajamento digital‟ pode levar a alguns equívocos. Conforme

apontou a definição do Instituto Forrester, o engajamento é composto e deve

ser medido com base em dados coletados online e offline. Ou seja: deve-se

falar de ambientes digitais apenas como uma dimensão que pode viabilizar e

expressar o engajamento, e não como o único espaço onde o fenômeno se

origina e se manifesta.

Enquanto o aprofundamento das métricas ainda está apenas no começo,

confiram abaixo breves casos que se destacaram pela participação do público,

contribuindo para as reflexões sobre o engajamento. São cases escolhidos

aleatoriamente, atendendo apenas ao quesito de terem se destacado entre os

debates acerca da comunicação de marcas em ambientes digitais.

Starbucks: referência em engajamento

Starbucks é uma marca com certa predisposição a fazer sucesso entre os

consumidores, graças a seu excelente posicionamento de marketing. A marca

da cadeia de cafés, criada em 1971, transformou-se ao longo de sua história e

hoje é a maior franquia de seu tipo.

O seu website9 é um hub das possibilidades que a marca oferece de

experiências na web; praticamente um portal de conteúdo, é possível partir das

principais áreas da página inicial para dezenas de percursos de navegação

possíveis, cada um mais rico que o outro. Sobre a rubrica “Comunidade”, a

comunicação digital do Starbucks reúne links para mídias sociais e projetos

colaborativos, como o MyStarbucksIdea.com. Este site permite que o fã de

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Starbucks, conhecedor das minúcias do preparo das bebidas à base de café e

da marca, possa dar ideias e opiniões sobre a empresa. Já o site Starbucks

Shared Planet é uma iniciativa que incentiva o consumo e a extração

responsável de produtos naturais, como o café. O site da Starbucks traz, ainda,

a tradicional seção de notícias sobre a marca. Tudo, desde cada abertura, novo

produto, prêmio alcançado e ação social empreendida, é noticiado.

A Starbucks lança periodicamente diversos produtos especiais. Cada data ou

período comemorativo, como início da Primavera, Natal, Páscoa etc., origina

um novo grupo de produtos ‒cada um deles com sua história, conceitos e

visualidades próprias abordados no site. Como se posiciona como marca

sofisticada para consumidores sofisticados, que gostam de falar sobre seu

produto, o site traz uma página para cada nova mistura. O consumidor pode

saber de onde vieram os grãos, o tipo de planta, melhores tipos de preparo e

todo tipo de carga simbólica envolvida. O grau de Envolvimento dos

consumidores não se restringe, portanto, a procurar informações sobre qual

loja é mais próxima ou quanto custa o seu café preferido.

Muito além da web para computadores de mesa, também foram desenvolvidos

aplicativos iPhone para os consumidores Starbucks. O aplicativo Starbucks

Card serve como um cartão eletrônico nos cafés Starbucks. Já o aplicativo

myStarbuck permite que o consumidor acesse informações sobre a marca e

produtos, além de preparar uma receita própria.

Não é por acaso que o Engagement Report realizado pelas empresas Wetpaint

e Altimeter10 colocam a Starbucks como primeira colocada entre as marcas

mais positivamente presentes nas mídias sociais. O time, composto por seis

pessoas dedicadas à Starbucks, conseguiu resultados incríveis. Segundo Chris

Bruzzo, Vice-Presidente de Marca, Conteúdo e Online, para cada pessoa que

interage com um conteúdo na página do Facebook da marca, outras três

tornam-se fãs da página. Nesta mídia social, esse tipo de recomendação de

fato influencia outras pessoas. Hoje, a marca se encaminha aos 6,5 milhões de

fãs no Facebook.

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Transformando embalagem em experiência: Doritos Sweet Chili

Um caso brasileiro de ação de engajamento digital, voltada a um produto, foi a

ação de lançamento do produto Doritos Sweet Chili11. A agência responsável, a

CuboCC foi incumbida de criar o conceito e a embalagem do novo produto da

Elma Chips, assim como participar da escolha do novo sabor. Voltada a jovens

adultos de classes abastadas, a produção do conceito do sabor, do produto e

da embalagem trouxe elementos culturais do cotidiano desse público. O sabor

se refere a tempero de comida mexicana, e a embalagem e alguns anúncios

trazem personagens que bebem da toy art, um tipo de arte urbana que se

popularizou nesse início do século: são bonecos produzidos por artistas, com

elementos visuais trazidos do grafitti, sticker art e cultura pop em geral.

Assim nasceu o Doritos Sweet Chili. A Elma Chips possui uma tradição,

principalmente voltada ao público infanto-juvenil, de distribuir brindes

colecionáveis nas embalagens de seus produtos alimentícios, como

salgadinhos. Seguindo esse costume, o Doritos Sweet Chili trouxe os tais

personagens inspirados em toy art para cada comprador do produto, mas com

uma grande diferença: os personagens "monstrinhos", chamados Doritos

Lovers, eram virtuais.

Quando ainda era novidade a utilização de Realidade Aumentada em

campanhas publicitárias, o Doritos Sweet Chili trouxe um marcador de

realidade aumentada que, quando posicionado em frente à webcam do usuário

visitante, fazia "nascer" um Doritos Lover em frente à câmera. Cada

embalagem dava origem a um monstrinho diferente, animado em gráficos 3D.

Isso por si só já vinculava um valor muito interessante à embalagem do

produto, já que ela deixou de ser apenas um invólucro chamativo e informativo

dos salgadinhos, e passou a ser uma fonte de experiência lúdica.

Mas a novidade não parava por aí. A experiência de realidade aumentada

acontece através do site oficial do produto, onde cada monstrinho pode receber

um nome e "identidade", com nome e cidade do dono. A partir disso, cada

usuário pode tirar foto com seu Doritos Lover e publicar no mural, onde

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também pode ver imagens de vários outros usuários. Já no Orkut, através de

um aplicativo social, cada pessoa pode exibir seu Doritos Lover para a rede de

amigos e, adicionalmente, cada monstrinho pode interagir aleatoriamente com

outros. Assim, os criadores do aplicativo tentaram também trazer o aspecto da

interação social online para o produto; mesmo que não explore todas as

possibilidades do formato aplicativo social, a exibição do aplicativo Doritos

Sweet Chili em mais de 20 mil perfis no Orkut permitiu que, potencialmente,

cerca de 100 vezes esse número de pessoas (os amigos de quem usou o

aplicativo) visualizassem a marca e produto.

Fiat Mio levando aos limites a colaboração

A Fiat constitui uma das empresas automobilísticas com maior crescimento no

mercado brasileiro e líder de vendas no setor. A organização, que levanta a

bandeira do pioneirismo em seu posicionamento institucional, está lançando

constantes esforços para abraçar uma comunicação diferenciada. Em meio às

ações lançadas pela marca, há o projeto Fiat Mio (2009), lançado com a

proposta de convidar os internautas para conceber o primeiro carro

colaborativo do mundo.

No site12, pessoas de cinco países (Brasil, Itália, Espanha, França e Inglaterra)

foram estimuladas a postar suas idéias e opiniões sobre como deveria ser o

carro-conceito. Para tanto, os participantes criaram um perfil no site e, a partir

dele, puderam contribuir para conceber o automóvel em categorias como:

design, propulsão, segurança, ergonomia, sustentabilidade etc. Segundo a

montadora, as ideias dos participantes foram analisadas, testadas e

viabilizadas juntamente com as propostas dos engenheiros da companhia. O

resultado da ação, cuja estratégia de comunicação digital foi pensada pela

AgênciaClick, poderá ser visto em outubro de 2010, no Salão Internacional do

Automóvel, em São Paulo.

Ao total, os brasileiros responderam por 65% das participações entre os

internautas, e o projeto registrou mais de sete mil sugestões. Além disso, em

2009, o projeto foi eleito como uma das melhores ideias do ano em todo o

mundo, de acordo com a revista londrina Contagious.

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Conclusão

A participação do público é de vital importância e pode vir a constituir, em

diferentes tipos e níveis, o engajamento com as marcas. O que nos parece,

contudo, após as considerações tecidas neste trabalho, é que a participação

por si só não garante pessoas engajadas: Joaquim, por exemplo, pode muito

bem visitar um site ou fazer um comentário pontual sobre uma empresa e, nem

por isso, ser engajado com essa organização. Cabe a outros estudos, portanto,

verificar os limites existentes entre participação e engajamento, propondo uma

definição mais precisa sobre o tema.

De qualquer forma, a partir das reflexões de Brian Haven, propomos que o

engajamento ocorre, entre pessoas e marcas, somente quando existem,

simultaneamente, aquelas quatro dimensões: envolvimento, interação,

intimidade e influência. Com essa proposta, que ainda mantém a ideia de que o

engajamento pode ocorrer de diferentes maneiras e intensidades, conseguimos

uma demarcação mais explícita do fenômeno, que hoje tanto carece de ser

problematizado.

A partir dessas considerações, constata-se a importância de entender melhor,

primeiramente, o que leva as pessoas a participarem de ações em ambientes

digitais, compreendendo as principais estratégias utilizadas pelas

organizações. Entender essa dinâmica, que é cada vez mais interessante para

as empresas, pode indicar frutíferas observações sobre o engajamento, bem

como caminhos sobre o próprio futuro da comunicação das marcas, que, como

se sabe, não cansa de se reinventar.

1 Renata Cerqueira é sócio-diretora da PaperCliQ - Comunicação e Estratégia Digital. Formada em Jornalismo, faz Especialização em Comunicação Organizacional pela UFBA. Email: [email protected] 2 Tarcízio Silva é pesquisador e professor em monitoramento de mídias sociais. Atua como Coord. de Monitoramento e Métricas. Organizador de diversos ebooks na área. Email: [email protected] 3 O estudo da ComScore que pode ser acessado em www.comscore.com/Press_Events/Press_Releases/2009/7/Russia_has_World_s_Most_Engaged_Social_Networking_Audience

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4 Milgram, Stanley. "The Small World Problem". Psychology Today, 1(1), May 1967. pp 60 – 67 5 COBO, Roman; KUKLINSKI Hugo. Planeta Web 2.0. Inteligencia colectiva o medios fast food. México, Uvic y Flaxo: 2007. Disponível em: www.planetaweb2.net 6 LEMOS, André. Cibercultura. Alguns pontos para entender nossa época. In: LEMOS, André; CUNHA, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2003; pp. 11-23 7 Relatório global lançado pela agência inglesa cScape e Econsultancy referente ao ano de 2009. http://econsultancy.com/press-releases/4655-econsultancy-and-cscape-launch-4th-annual-online-customer-engagement-survey 8 Pode ser acessado em www.forrester.com/rb/Research/marketings_new_key_metric_engagement/q/id/42124/t/2 9 www.starbucks.com 10 www.engagementdb.com/downloads/ENGAGEMENTdb_Report_2009.pdf 11 www.doritos.com.br/sweetchili/site/ 12 www.fiatmio.cc