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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO MARCOS AURÉLIO GOMES RESPONSABILIDADE CIVIL EM DECORRÊNCIA DE MÁ PRÁTICA MÉDICA: Complicações relacionadas à cirurgia videolaparoscópica SÃO PAULO 2020

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Page 1: MARCOS AURÉLIO GOMES

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO

MARCOS AURÉLIO GOMES

RESPONSABILIDADE CIVIL EM DECORRÊNCIA DE MÁ PRÁTICA MÉDICA:

Complicações relacionadas à cirurgia videolaparoscópica

SÃO PAULO

2020

Page 2: MARCOS AURÉLIO GOMES

Marcos Aurélio Gomes

RESPONSABILIDADE CIVIL EM DECORRÊNCIA DE MÁ PRÁTICA MÉDICA:

Complicações relacionadas a cirurgia videolaparoscópica

Dissertação apresentada à Universidade Cidade de São Paulo, como exigência para a obtenção do título de BACHAREL em DIREITO , sob a orientação do Professor Mestre José Julio Gonçalves de Almeida.

SÃO PAULO

2020

Page 3: MARCOS AURÉLIO GOMES
Page 4: MARCOS AURÉLIO GOMES

Especialmente, dedico a minha querida mãe

Rosmary Hnilica pelo exemplo de amor e

dedicação aos estudos.

Dedico ao meu pai José Maria Gomes pelos

valorosos ensinamentos de vida.

Page 5: MARCOS AURÉLIO GOMES

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por todas as coisas e por permitir que eu possa

completar mais essa etapa em minha jornada e por sua graça e caráter imutável de

amor e justiça, com a qual colocou pessoas que, de maneira expressa ou tácita me

prestaram auxílio para a conclusão da presente tese. À elas, ofereço meus efusivos

agradecimentos e inexorável gratidão.

Ao meu ilustre orientador, Professor Mestre José Júlio Gonçalves de Almeida,

pelos ensinamentos prestados com árdua dedicação, disponibilidade, amizade,

fraternidade, incentivo e por seu amor ao ensino. À ele, minha sincera admiração e

respeito.

Aos Professores Doutores Rogério Tineu e Expedito Leandro, exemplos de

amor a sabedoria consubstanciado na arte e na humildade de lecionar, com os quais

tive ensinamentos de grande valia, minha profunda admiração e respeito. Agradeço,

sobremaneira, pelos ensinamentos que transpassaram o âmbito das ciências sociais

e jurídicas, os quais carregarei por toda a vida.

À minha querida irmã Denise Hnilica Gomes pela disponibilidade e inestimáveis

orientações sobre língua portuguesa, com as quais foi possível enriquecer,

sobremaneira, a presente tese.

Page 6: MARCOS AURÉLIO GOMES

“...Qual é a tua petição? E ser-te-á concedida;

E qual é o teu rogo? E se te dará,

Ainda que seja metade do reino”.

(Bíblia Sagrada – Ester 5:6)

“Há que ter o máximo de cuidado com aquilo que

se julga saber, porque por detrás se encontra

escondida uma cadeia interminável de incógnitas, a

última das quais, provavelmente, não terá solução”.

(Ensaio sobre a Lucidez – José Saramago)

“Segundo a definição dos estóicos, a sabedoria

consiste em ter a razão por guia; a loucura, pelo

contrário, consiste em obedecer às paixões; mas

para que a vida dos homens não seja triste a

aborrecida Júpiter deu-lhe mais paixão do que

razão”.

(Elogio da Loucura – Erasmo de Rotterdam)

Page 7: MARCOS AURÉLIO GOMES

RESUMO

O presente estudo tem por objetivo analisar a má prática médica inserida no contexto

da Responsabilidade Civil, além de promover enfoque sobre as complicações

relacionadas as cirurgias videolaparoscópicas, à luz da jurisprudência brasileira. A

pesquisa fundamenta-se no método monográfico, descritivo e bibliográfico. Para o

desenvolvimento desta pesquisa, tornou-se, imprescindível, portanto a análise dos

institutos jurídicos relacionados a Responsabilidade Civil, bem como a forma com que

o Poder Judiciário vem se posicionando ao apreciar problemáticas dessa natureza,

considerando-se, o aspecto subjetivo e as peculiaridades de cada caso, no intuito de

elucidar a problemática em comento.

Palavras-chave: Erro médico. Responsabilidade Civil. Complicações relacionadas à

cirurgia videolaparoscópica. Subjetividade. Jurisprudência.

Page 8: MARCOS AURÉLIO GOMES

ABSTRACT

This study aims to analyze the bad medical practice inserted in the context of Civil

Liability, in addition to promoting a focus on complications related to laparoscopic

surgeries in the light of Brazilian jurisprudence. The research is based on the

monographic, descriptive and bibliographic method. For the development of this

research, therefore, the analysis of the legal institutions related to Civil Liability has

become essential, as well as the way in which the Judiciary has been positioning itself

when considering problems of this nature, considering, the subjective aspect and

peculiarities of each case, in order to elucidate the problem in question

Keywords: Medical error. Civil responsability. Complications related to laparoscopic

surgery. Subjectivity. Jurisprudence.

Page 9: MARCOS AURÉLIO GOMES

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8

2 PRECEITOS HISTÓRICOS .................................................................................. 9

2.1 A vingança positivada .................................................................................. 10

3 RES IN IPSA LOQUITUR ................................................................................... 11

3.1 Res in ipsa loquitur na jurisprudência brasileira ........................................... 13

4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................ 14

4.1 A culpa na responsabilidade civil ................................................................. 15

4.2 A teoria do risco na responsabilidade civil ................................................... 16

4.3 Responsabilidade contratual x responsabilidade extracontratual. ................ 18

5 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................... 19

5.1 Funções relativas aos danos patrimoniais ................................................... 21

5.2 Funções atinentes aos danos extrapatrimoniais .......................................... 22

5.3 Caráter punitivo da responsabilidade civil .................................................... 24

5.4 Doutrina dos Punitive Damages ................................................................... 24

6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO ....................................................... 26

6.1 Aspectos contratuais .................................................................................... 29

6.2 Termo de consentimento informado ............................................................. 30

7 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE

MÉDICA. ................................................................................................................... 35

8 RESPONSABILIDADE MÉDICA À LUZ DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO .. 37

8.1 TRANSGRESSÕES PENAIS MEDICAS ...................................................... 39

9 CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E OS DEVERES DO PROFISSIONAL ............... 40

9.1 A função médica ........................................................................................... 42

10 RESPONSABLIDADE ESTATAL ...................................................................... 44

11 COMPLICAÇÕES RELACIONADAS A CIRURGIA VIDEOLAPAROSCOPICA

.............................................................................................................................48

11.1 Eletrocirugia: sistemas mono e bipolar em cirurgia videolaparoscopica. ..... 54

12 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 56

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 59

Page 10: MARCOS AURÉLIO GOMES

8

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que com a democratização do acesso à saúde no Brasil, bem como o

acesso à justiça, passou a ocorrer o fenômeno de judicialização de causas

relacionadas a má prática médica.

Com o advento de novas tecnologias e as mudanças culturais em nossa

sociedade, tais como descobertas significativas no campo da ciência e novas formas

do consumidor de se relacionar, desencadeou-se um processo inevitável para a

superação entorno da imagem clássica do médico de família.

Antes os médicos atendiam todos os membros de uma família por longos anos,

os atendimentos se davam diretamente no lar do paciente, o que desencadeava status

de respeito e autoridade para o médico.

Dada a proximidade do médico clássico no seio familiar, tornava-se

relativamente menos complexa a pretensão de responsabiliza-lo em decorrência de

má pratica médica e a consequente incidência de danos que ele tenha causado ao

paciente.

Nos tempos hodiernos, cindiu-se a relação de proximidade entre médico e

paciente, tal qual era nos tempos antigos. No presente os médicos são tidos como

prestadores de serviço.

Com a ascensão no campo científico, novas terapêuticas passaram a ser

empregadas pelos médicos em seus pacientes, com isso, novas medidas foram

adotadas para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, quer seja com a cura

definitiva de sua patologia ou com terapêuticas e procedimentos inovadores capazes

de proporcionar sobrevida ao paciente. Todavia, em que pese os benefícios, novos

riscos também nasceram com as novas práticas.

Com isso, intrínseco aos avanços também estão os riscos e a possibilidade da

ocorrência da má prática médica capaz de gerar dano ao paciente.

Page 11: MARCOS AURÉLIO GOMES

9

2 PRECEITOS HISTÓRICOS

Nos primórdios da humanidade, quando das primeiras civilizações, o dano

ocasionado não era objeto do Direito, desta forma não se falava em racionalização da

culpa e a vítima promovia a chamada vingança privada.

Dentro do paradigma do Estado de natureza as regras do direito positivo como

conhecidas hodiernamente inexistiam, assim como a presença do Estado, sendo certo

de que os indivíduos se utilizavam do uso da força enquanto uma conduta retributiva

em face de eventuais danos sofridos, a vingança privada, conforme ilustra Carlos

Roberto Gonçalves.1

Tratava-se da reparação do mal por meio do mal, no que concerne a vingança

do individuo cujo dano ocorreu contra o ofensor pelo prejuízo ocorrido.

Se faz oportuno ilustrar a abordagem histórica acerca da responsabilidade civil

a partir do pensamento do Direito Romano cujas raízes jurídicas trazem reverberações

ao direito ocidental moderno.

A partir dessa constatação se vislumbra que as raízes do instituto da

Responsabilidade Civil se encontram lastreadas na ideia de vingança privada das

antigas civilizações pré-romanas. Por certo, verifica-se que a denominada vingança

privada é uma maneira pouco sofisticada de lidar contra o mal sofrido, todavia se

assentou dentro do paradigma humano de reação legítima à época.

Corrobora com esse entendimento histórico o jurista Alvino Lima:

[...] partimos, como diz Lhering, do período do período em que o sentimento de paixão predomina no direito; a reação violenta perde de vista a culpabilidade, para alcançar tão somente a satisfação do dano e inflingir um castigo ao autor do ato lesivo. Pena e reparação se confundem; responsabilidade penal e civil não se distinguem. A evolução operou-se, consequentemente, no sentido de se introduzir o elemento subjetivo da culpa e diferenciar a responsabilidade civil da penal. E muito embora não tivesse conseguido o direito romano libertar-se inteiramente da ideia da pena, no fixar a responsabilidade aquilana, a ideia de delito privado, engendrando uma ação penal, viu o domínio de sua aplicação diminuir, à vista da admissão, cada vez mais crescente, de obrigações delituais, criando uma ação mista ou

1 LIMA, Alvino. Responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 56

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10

simplesmente reipersecutória. A função da pena, transformou-se, tendo por fim indenizar, como nas ações reipersecutórias, embora o modo de calcular a pena ainda fosse inspirado na função primitiva da vingança LIMA (1999, p. 26-27)

Denota-se que o uso da autotutela para administrar a reparação do injusto pelo

injusto sofrido na resolução dos conflitos no seio das antigas civilizações se mostrava

inserido numa atmosfera de insegurança jurídica, sendo certo que se trava do período

da soberania da selvageria.

Destaca-se o posicionamento da autora Maria Helena Diniz2 ao constatar a

existência de uma fase antecedente denominada vingança privada, leia-se, vingança

coletiva. Nesse diapasão compreende-se a agressão violenta contra um grupo

familiar, uma pessoa ou grupo social, sendo correto afirmar que a reação ocorrida era

naturalizada, espontânea e violenta em face do injusto sofrido pela vítima

2.1 A vingança positivada

Num momento ulterior passa-se a superação da vingança privada oriunda do

Estado de natureza para a vingança positivada inserida dentro de uma perspectiva

Estatal, esta última passa ao monopólio jurídico do Estado administração que, por

conseguinte, as proíbe ou as permite de acordo com seus preceitos legiferantes.

De conseguinte é exemplo a lei de talião, olho por olho, dente por dente, era

utilizada para causar sofrimento ao indivíduo gerador da conduta danosa. Partindo-se

de um prisma histórico leciona a doutrina jurídica que o Código de Manu proveniente

da cultura Hindu demonstra sofisticação jurídica se comparado ao código de

Hamurabi, pois existia a previsão de retribuição pecuniária a favor da vítima do dano.

Constata-se, desta forma, que nesse período histórico houve a superação da

vingança perpetrada por meio de penas corpóreas pelas penas de reparação

pecuniária por influência do Pacifismo. Havendo, por consequência a mentalidade de

superação do ideário de vingança privada.

2 7DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011,

Page 13: MARCOS AURÉLIO GOMES

11

Assim encontramos indícios da vingança privada na Lei das XII tabuas

instituída na República romana. Foi nesse período que o Estado tomou para si a

precípua função de dirimir as relações jurídicas quando da ocorrência de eventos

danosos entre indivíduos.

Em um primeiro momento, cumpre elucidar que no intuito de suprimir os

problemas oriundos deste período, eis que surge a lei de Talião, explique-se melhor,

a reparação do mal pelo mal, conhecida por meio da expressão “olho por olho, dente

por dente” inserido na lei das XII Tábuas, dando origem ao ideário de proporção entre

o malgrado infringido e a retribuição ao agente perpetrador do dano para que se pague

na medida de sua ação.

Observa-se, então, que o Estado afastou para si a função de punir, substituindo

os anseios particulares dos indivíduos, assim como criou a composição compulsória.

Além disso, instituiu diversas espécies de indenizações pecuniárias para as hipóteses

de lesão ou dano existentes. Origina-se, portanto, o ideal embrionário de ação

indenizatória.

A lei de Aquíla se evidência enquanto uma fonte da jurisprudência clássica a

respeito da injúria, tanto quanto um nascedouro da concepção da culpa aquiliana

consoante o que leciona Carlos Roberto Gonçalves:

Malgrado a incerteza que ainda persiste sobre a “injúria” a que se referia a

Lex Aquilia no damnum injuria datum consiste no elemento caracterizador da

culpa, não paira dúvida de que, sob o influxo dos pretores e da

jusrisprudência, a noção de culpa acabou por deitar raízes na própria Lex

Aquilia, o que justificou algumas das passagens famosas: in lege Aquilia,

Levvissima culp venit (GONÇALVES, Carlos Roberto,2003, p.5)

3 RES IN IPSA LOQUITUR

Dentro do paradigma das teorias acerca da responsabilização médica, impõe-

se a análise da chamada Res in Ipsa Loquitur que significa: “a coisa fala por si mesma”

De início saliente-se que a Res in Ipsa Loquitur – a coisa fala por si - possui

aplicação prática em alguns estados nos Estados Unidos da América e no Canada.

Page 14: MARCOS AURÉLIO GOMES

12

Extrai-se, por consequência desta teoria que diante da singela eventualidade

de um fato danoso, por exemplo o evento morte de um paciente, amputação ou

paralisia de um membro do corpo, exsurge a presunção de negligência em face do

profissional da área médica. De conseguinte, infere-se, a partir desta ótica que tal fato

não teria ocorrido se o médico não tivesse incorrido em culpa.

Tem sido disseminado na doutrina estrangeira que a Res In Ipsa Loquitur

possui o condão de reverter o ônus da prova e, efetivamente criar responsabilidade

objetiva nos casos onde tem aplicabilidade, pois profissionais médicos demandados

seriam instados a fornecer informações acerca do que de fato ocorreu no evento

danoso.

“its have been argued thet res in psa loquitur reeversing the burden of proof and and efecctively

creating strict liability in cases when it applyes because it is almoost for the defendant to provide an

explanation as to exactly happened” (HARPWOOD, 2005, p. 153).

Ademais, a formula da teoria Res in Ipsa Loquitur é tão antiga quanto Cícero3,

bem como tem sido igualmente familiar ao direito moderno. O princípio foi declarado

pela primeira vez pelo Chefe de Justiça Erle, em Scott v. London Dock Co:

There must be reasonable evidence of negligence. But where. the thing is

shown to be under the management of the defendant or his servants, and the

accident is such as in the ordinary course of things does not happen if those

who have the management use proper care, it affords reasonable evidence,

in the absence of explanation by the defendants, that the accident arose from

want of care. (DENTON, 1943, p.402)

Desta feita, infere-se que deve existir evidência razoável da negligência por

parte do profissional da área médica, sendo certo que o instituto fornece presunção

de que o acidente surge por falta do dever de cuidado.

3 Marcus Tullius Cicero, em grego clássico: Κικέρων; transl.: Kikerōn; 106 – 43 a.C.) foi um advogado, político, escritor, orador e filósofo da gens Túlia da República Romana eleito cônsul em 63 a.C

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3.1 Res in ipsa loquitur na jurisprudência brasileira

Tem sido verificado na jurisprudência brasileira casos de aplicação da teoria

Res in Ipsa Loquitur. Sua aplicabilidade ocorre quando da ocorrência do evento

danoso em relação a fatos que normalmente não resultariam em dano, salvo quando

o agente incorre em culpa em qualquer de suas espécies.

Note-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ALTA INDEVIDA A

PACIENTE. INTERNAÇÃO E TRATAMENTO EM HOSPITAL PÚBLICO.

DANO MORAL CARACTERIZADO IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO

MAJORADA. RECURSO DOS RÉUS NÃO PROVIDO. APELO DOS

AUTORES PROVIDO. Responsabilidade civil. Erro médico. Alta indevida do

pai dos autores do hospital do plano de saúde. Sintomatologia ignorada.

Paciente levado incontinenti a hospital público, no qual foi atendido, internado

e operado. Má prestação de serviços médico-hospitalares. Responsabilidade

civil configurada. Dano moral caracterizado in re ipsa. Indenização majorada.

Recurso dos réus não provido. Apelo dos autores provido.

(TJ-SP - AC: 00448822420118260564 SP 0044882-24.2011.8.26.0564,

Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 09/04/2019, 10ª Câmara de

Direito Privado, Data de Publicação: 09/04/2019).

Diante da evidência de má prática médica, conclui-se que o magistrado possui

a faculdade de dispensar diligências periciais, inferindo-se a existência de culpa do

profissional em relação aos indícios existentes que demonstrem que o fato inexistiria

se não houvesse culpa do médico.

Cumpre destacar apesar da inexistência de previsibilidade legal, no que atine

a doutrina da Res in Ipsa Loquitur no ordenamento jurídico brasileiro, esta tem sido

aplicada enquanto um construto jurisprudencial lastreado na inteligência doutrinária,

eis o que se depreende do que leciona o ministro Marco Aurélio Bellizze:

Como exemplos dessas novas ideias e práticas jurisprudenciais que estão

apontando, há décadas, para uma tal flexibilização da prova do nexo de

causalidade, citam-se a doutrina da market share liability, a doutrina da perda

de uma chance (parte d'une chance), a doutrina da res ipsa loquitur; a

doutrina da causalidade alternativa; a doutrina da presunção de causalidade;

a doutrina do more probable than not; a doutrina da redução do módulo da

prova; a doutrina sueca da verossimilhança, bem como a admissão de

probabilidades estatísticas (essa última especialmente importante para o

Page 16: MARCOS AURÉLIO GOMES

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caso em tela). Essas teorias/doutrinas/práticas jurisprudenciais não

constituem simples construções subjetivas que expressam um desejo íntimo

e imperscrutável do julgador, mas sim construtos que guardam uma lógica e

uma racionalidade que resistem ao diálogo intersubjetivo. Boa parte dessas

construções teóricas e jurisprudenciais são conhecidas pela nossa doutrina e

aplicadas pela nossa jurisprudência. (STJ - REsp:1843850 RS

2019/0312134-3, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de

Publicação: DJ 15/04/2020).

Denota-se, portanto, que o instituto Res in Ipsa Loquitur traduz-se em

construtos doutrinários e jurisprudenciais que se projetam para a flexibilização do

conjunto probatório do nexo de causalidade.

4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Inicialmente impõe-se a investigação sobre os pressupostos da

responsabilidade civil. Todavia, destaque-se, consoante a doutrina pátria não há

consenso sobre quais seriam tais elementos estruturais que constituem a

responsabilidade civil, e, por conseguinte, a obrigação de reparar o dano.

Porém, compete a presente análise estratificar as fontes do direito

concernentes a responsabilidade civil, o que se fará em busca de elucidar o que há

de mais pacifico e aceitável em termos pressupostos da responsabilidade civil.

Num primeiro plano, primordial é a diferenciação entre a responsabilidade civil

subjetiva versus a reponsabilidade civil objetiva. A primeira diz respeito ao agente

causador de dano em função de um ato doloso ou culposo.

No que tange a culpa, a luz do art. 186 do Código Civil, temos que o agente

que atua por ação ou omissão voluntariamente, com negligência ou imprudência,

cometendo violação de direito e ocasionando dano a outra pessoa, mesmo que

estritamente moral, incorre em ato ilícito. Portanto, extrai-se do citado dispositivo legal

o ato ilícito propriamente dito.

Desta forma, infere-se que a teoria da responsabilidade civil subjetiva passa

por variadas classificações quanto a natureza e a extensão da culpa, a saber: culpa

grave, leve e levíssima.

Page 17: MARCOS AURÉLIO GOMES

15

É o que se extraí das lições de Silvio de Salvo Venosa:

A gradação de culpa, das fontes romanas, culpa grave, leve e levíssima, com influência dos glosadores, não foi adotada por nossa legislação com inteligência. Em algumas passagens do Código, há menção de culpa grave, mas como a culpa civil abrange o dolo, a distinção, como regra geral, é irrelevante. O exame da existência de culpa, ou não, caberá ao juiz no caso concreto. E, fatalmente, o juiz chegará à conclusão de que se somente o homem diligentíssimo poderia evitar o dano no caso concreto (o caso da culpa levíssima), não haverá culpa. O padrão a ser examinado pelo julgador é do homem médio no caso em exame. O que poderá ser culpa para um técnico num contrato de equipamento de seu mister, certamente não será culpa para um leigo (VENOSA, Silvio, p. 348, 2016)

4.1 A culpa na responsabilidade civil

A noção de culpa aparece pela primeira vez na república Romana na Lei de

Aquilia, trazendo consigo o ideal embrionário acerca do instituto da culpa que reflete

até os tempos contemporâneos em outros ordenamentos jurídicos.

É o que se vê no código civil francês,4 igualmente, o códex civil brasileiro de

1916,5 e outros ordenamentos jurídicos ocidentais modernos.

A culpa como requisito para a imposição do dever de reparar subsistiu em

variados ordenamentos jurídicos ao longo do tempo. Todavia, com o advento da

revolução industrial,6 todo o contingente tecnológico à época propiciou o

desencadeamento de acidentes relacionados ao trabalho em linhas de produção nas

4 “o direito civil francês foi o feliz resultado da combinação do droit écrit do sul da França, de origem romanista, com o droit coutumier no norte francês, baseado nos costumes germânicos”. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/198/ril_v50_n198_p59.pdf> . 5 “Código instituído pela Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916, também conhecido como Código Beviláqua. Entrou em vigor em janeiro de 1917 e permaneceu vigente no país até janeiro de 2002”. Disponível em: < https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/C%C3%93DIGO%20CIVIL%20DE%201916.pdf > . Acesso em: 10 de outubro de 2020. 6 “Usamos essa expressão para nos referirmos a todas as mudanças no trabalho industrial, que se deram a partir dos meados do século XVIII. A mais importante dessas alterações, ocorridas em primeiro lugar na Grã-Bretanha, foi a invenção de máquinas que produziam muito mais que o trabalho manual. As primeiras foram as máquinas de fiação e tecelagem. Homens, mulheres e até mesmo crianças trabalhavam nas novas fábricas, onde grande parte das máquinas funcionavam, a princípio, pela força hidráulica, passando depois a ser movida a vapor”. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672006000400015 >. Acesso em: 10 de outubro de 2020.

Page 18: MARCOS AURÉLIO GOMES

16

fábricas, tecelagens e linhas férreas e com isso a natureza axiomática do direito

precisou entrar em ação com soluções eficientes diante da rápida mutação social do

período.

O Direito brasileiro, em linhas gerais, adotou o instituto da culpa como

arcabouço da responsabilidade civil, ato continuo, importante é o posicionamento

crítico do catedrático professor de direito romano, o húngaro Géza Marton através da

obra de José de Aguar Dias:

O reputado professor de Budapeste, investigando a causa que teria levado a ciência jurídica ao acolhimento de construção teórica tão defeituosa, como é o princípio da culpa subjetiva, chegou à conclusão de que "o fenômeno tem uma explicação histórica, contida no fato de que a ciência do direito se inspira no direito romano, onde a responsabilidade extracontratual nunca foi um problema. A imposição do ressarcimento sempre teve caráter penal: delito e reparação se identificavam de tal modo que a ação aquilianà era a única via judiciária por que se podiam estabelecer as obrigações de um e outro caráter. O grande erro e a grave omissão da teoria moderna do direito civil consistem precisamente em que, embora assistindo à obra de distinção entre o delito e a reparação, libertando esta ideia das restrições objetivas da Lei Aquilia - obra realizada pelas codificações européias e, em primeiro lugar, pelo Código francês - pensava poder manter esse ponto de vista ingênuo e antiquado, segundo o qual o fundamento da reparação não se poderia encontrar senão no delito, e que, portanto, sempre que se deparasse uma responsabilidade sem delito, conviria de qualquer forma imaginá-lo". (MARTON, Géza, apud Dias, p. 50, 2011)

4.2 A teoria do risco na responsabilidade civil

O trabalhador acidentado, até então, convivia com a inexistência da

possibilidade da reparação de seu dano; ultrapassada essa etapa, eis que surge a

teoria do risco, criada justamente para a imputação da responsabilidade objetiva, isto

é, sem culpa. A teoria impõe tratar com justiça o dano ocasionado em razão de uma

atividade arriscada.

Nos tempos hodiernos, se faz possível afirmar que os indivíduos vivem na

sociedade do risco. Afasta-se, pois o ideário de que os acidentes no mundo moderno

ocorrem, majoritariamente, na indústria como era no tempo das revoluções industriais.

Por outro lado, os danos oriundos de acidentes se mostram sobremaneira mais

presentes nas atividades quotidianas das pessoas.

Page 19: MARCOS AURÉLIO GOMES

17

A teoria do risco criado propõe que incorre na obrigação de indenizar, ainda que ausente conduta culposa, aquele que gera danos no interstício de desenvolvimento de atividade determinada – mesmo que não empresarial e sem função lucrativa – quando realizadas em prol de seu interesse particular ou sob seu comando (MORAES, 2006, p. 13 apud MARTINS, 2016, p. 44)

Portanto, vislumbra-se a existência de certas situações onde há patente

dificuldade na atribuição da culpa a outrem, tal dificuldade subsiste na formulação do

conjunto probatório do ofendido. Eis que nesses casos o legislador pátrio instituiu

presunções em favor daquele cujas consequências do dano recaí. Fazendo-se alusão

novamente a teoria do risco: faz-se presunção de culpa para aqueles que exploram

atividades de arisco.

É o exemplo supra do trabalhador insalubre que se exime de provar a culpa

quando de um acidente de trabalho.

Em síntese, o ordenamento jurídico pátrio pressupõe o elemento denominado

dolo ou culpa para a obrigação de reparação de dano por parte do agente causador.

Em casos fortuitos ou de força maior, assim como dano sofrido por quem propriamente

o cometeu, isto é, dolo ou culpa da própria vítima, não há que se falar em dever de

reparação por parte de outrem.

No que diz respeito a responsabilidade civil objetiva, o que importa é o nexo

de causalidade entre a conduta do agente ofensor e o dano ocorrido para o surgimento

da obrigação de reparar o dano, dispensando-se os elementos culpa e dolo, pois são

juridicamente indiferentes nesse instituto.

O Código Civil brasileiro consagra a responsabilidade civil objetiva em seu art.

927, parágrafo único, que diz: “Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem”

Conforme dito acima, aqui repousa-se a teoria do risco, comumente verificada

em casos de danos que se originem de trabalho subordinado, quando verificada que

Page 20: MARCOS AURÉLIO GOMES

18

tal atividade laboral gere riscos aos prepostos. A evolução da inversão do ônus da

prova fazendo presunção de culpa contra o empregador foi de precípua importância

no ordenamento jurídico brasileiro.

É notório o avanço da teoria da responsabilidade civil objetiva ou também

conhecida como: responsabilidade sem culpa. No que concerne tal instituto, verifica-

se que sua criação se deu a partir da dificuldade na demonstração de culpa do agente

causador do dano ou da antijuridicidade de sua conduta para oportunizar a obrigação

de reparação do dano.

4.3 Responsabilidade contratual x responsabilidade extracontratual.

Se a conduta que institui o dano decorre do descumprimento de um dever

contratual, estamos, pois diante da responsabilidade contratual que faz presunção de

culpa contra quem haja violado um dever em que havia se obrigado, isto é, da

inexecução de um dever.

De outra banda se vislumbra a responsabilidade extracontratual ou aquiliana

como também é conhecida, nesta o agente comete ato ilícito civil, infringindo preceito

normativo, diferentemente da responsabilidade civil extracontratual, pois o que se

viola nesta é a avença anteriormente pactuada entre as partes.

De grande valia é a ponderação de André Gustavo C. de Andrade:

A doutrina, na verdade, acusa uma tendência ao desaparecimento da

tradicional divisão da responsabilidade civil em contratual e extracontratual, a

partir da constatação de que os contratos, cada vez menos, retiram sua força

da vontade das partes, em razão da crescente interferência do direito positivo

nas relações jurídicas. O emprego disseminado dos contratos de adesão na

sociedade de consumo coloca em xeque o princípio da autonomia da vontade

e retira a razão de ser da summa divisio da responsabilidade civil.

(ANDRADE, André. Evolução do Conceito de Dano Moral p. 172, 2003)

Feitas as devidas ponderações, conclui-se, portanto, ser comum a distinção

existente na doutrina entre a responsabilidade civil e o dever de indenizar que surge

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19

da quebra de obrigação derivada de negócio jurídico cuja ruptura ocasiona um ilícito

civil e de outro lado a responsabilidade Aquiliana ou extracontratual, que surge a partir

de um ato ilícito propriamente dito, absoluto, violador dos preceitos de convívio social.

O Código Civil de 1916 apresenta em seu artigo 1.056 a hipótese de

reparação de danos derivada da obrigação extracontratual: “não cumprindo a

obrigação ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o

devedor por perdas e danos”; e no caso da responsabilidade Aquiliana preceitua o

artigo 159 do Código Civil de 2002 que: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,

negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado

a reparar o dano”.

Em que pese a distinção dos códigos, conforme demonstração supra, a

moderna doutrina vem mitigando tal aplicação, pois nela, não se visualiza grande

aplicabilidade prática. A unicidade do sistema tem dado lugar a antiga concepção.

A responsabilidade médica não se restringe a um sistema unitário, pois ela

poderá ter sido estabelecida entre paciente e profissional médico tacitamente, o que

ocorre conforme usos e costumes sociais, na grande parcela dos casos tendo em vista

que abrangem o âmbito da medicina privada.

A responsabilidade extracontratual também pode ser vislumbrada em casos

de emergência médica, nestas inexiste possibilidade de a vítima celebrar o contrato.

Incube ao profissional médico o dever de prestar assistência.

5 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A priori, sobre as funções da responsabilidade civil, a doutrina pátria

majoritária comunga com três acepções: reparar o dano, prevenir o dano e punir o

causador do dano. De acordo com à época e o local, numa perspectiva historicista,

segundo Cristiano Chaves de Farias5 , a responsabilidade civil é permeada por quatro

funcionalidades elementares, sendo a primeira, a funcionalidade de reação contra o

ato ilícito causador do dano, cuja precípua finalidade é reparar o dano que recaiu sobre

Page 22: MARCOS AURÉLIO GOMES

20

a vítima, a segunda função é repristinatória, isto é, a função de restaurar o estado

anterior da coisa – status quo ante - , que seria o estado com a qual a vítima estava

antes de suportar o dano, a terceira função, neste paradigma, é: a funcionalidade de

ratificação do poderio punitivo e sancionatório estatal. Derradeiramente, neste prisma,

a quarta funcionalidade seria a de natureza preventiva, consubstanciada e

desenvolvida por meio dos atos de desestímulo em face de atividades que possuam

o condão de gerar efeitos danosos a terceiros. Cristiano Chaves de Farias reforça:

As quatro funções são perfeitamente compatíveis e não excludentes. Ilustrativamente, uma simples condenação à reparação de um dano patrimonial ou dano moral, reflexamente desencadeia consequências inibitórias sobre o ofensor; este aspecto pedagógico é redobrado na função punitiva, pois a condenação recairá apenas diante de comportamentos demeritórios, servindo ainda de desestímulo aos potenciais ofensores; por fim, na função precaucional, a prevenção de comportamentos alcança o seu ponto extremo, já que o ordenamento intervém com anterioridade para dissuadir o exercício de um empreendimento potencialmente danoso. (FARIAS, Cristiano, p. 79-80, 2017)

Prima facie, a precípua função da responsabilidade civil busca reparar a lesão

sofrida pelo ofendido, igualmente, sempre que possível, com a restituição da coisa em

seu estado anterior – statu quo ante -, dentro da função principiológica da reparação

integral. Cabe frisar que a indenização pecuniária ocorre, segundo a justificativa de

impossibilidade de reparação do dano ocasionado, por exemplo, quando da

ocorrência dos chamados danos extrapatrimoniais ou quando a coisa é

completamente destruída.

O quantum estipulado pelo juízo possui caráter de reparação compensatória

sobre a lesão. Saliente-se que a obrigação de reparar não depende do grau de culpa,

quer seja em grau elevado ou diminuto, visto que, no que concerne a responsabilidade

subjetiva, culpa em grau leve já ensejaria a obrigação de reparar os danos suportados

pela vítima. Os danos ocasionados pelo agente à vítima podem ser de natureza

variada, isto é, materiais ou morais.

No particular caso da prevenção dos danos se faz oportuno suscitar o princípio

Pacta sunt servanda, em outras palavras, o contrato faz lei entre as partes, desta

premissa, extrai-se que os contratos são convencionados, cada vez mais, com

clausulas sobre reparação de eventuais danos ou descumprimento de obrigações. Tal

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21

comportamento ocorre para inibir a pratica de ilícitos civis e inadimplementos,

caracterizando uma prática preventiva em relação aos eventuais danos.

Nessa perspectiva preleciona Ruy Stoco:

Aqueles que vivem em sociedade e aceitaram as regras sociais, as obrigações

anímicas impostas pela moral e pela ética, enquanto compromissos supralegais, e

pelo regramento institucional imposto pelo tegumento social, expresso no Direito

Positivo, assumem o dever de não ofender, nem de lesar, causar dano ou prejuízo

sem que tenham justificativa ou eximente, expressamente prevista na legislação de

regência. (STOCO, 2014, p. 49).

5.1 Funções relativas aos danos patrimoniais

A precípua função da responsabilidade civil se assenta na busca pela

reparação do dano causado, o que se nomeia no sistema common law como:

compesation, tal acepção se mantem desde os primórdios das civilizações, a partir da

superação da vingança privada exteriorizada através de penas corpóreas, com o

advento do código de Manu que prescreve reparação pecuniária. Constata-se, feitas

as devidas delimitações, portanto, que a função embrionária na responsabilidade civil

desde as antigas civilizações até os tempos hodiernos parte deste denominador

comum.

Partindo-se do prisma da responsabilidade civil inserida em diferentes

contextos históricos, verifica-se a busca por diferentes objetivos a serem perseguidos

em diferentes épocas, contudo, sua eximia função como se tem observado tem

recaído ao longo do tempo no objetivo compensatório materializado no ressarcimento

pecuniário diante do dano patrimonial sofrido.7

A indenização é o instrumento jurídico necessário para alcançar o

ressarcimento pecuniário. Aponta Paulo Nader que considera-se dano de cunho

patrimonial quando da ocorrência de supressão do repositório de bens materiais do

indivíduo lesado, assim como da ocorrência de percalços que impeçam o

acrescentamento dos referidos bens.

7 Por Dano patrimonial compreende-se aquele que atinge os bens que compõem o patrimônio de uma pessoa, passíveis de quantificação pecuniária.

Page 24: MARCOS AURÉLIO GOMES

22

O dano se diz patrimonial quando provoca a diminuição do acervo de bens materiais da vítima ou, então, impede o seu aumento. Materializa-se por danos emergentes, com a diminuição do patrimônio, ou por lucros cessantes, quando a vítima se vê impedida da atividade que lhe traria proveito econômico. (NADER, Paulo, 2016, p. 239).

A ocorrência de danos oriundos da responsabilidade civil Aquiliana, consoante

o que afirma Carvalho,8 isto é, extracontratual como regra geram responsabilidade

objetiva, desta forma, no que tange a pretensa indenização não deve ser levado em

conta numa análise primaria as condições de cunho subjetivo atinentes à ação ou

omissão que origina o evento danoso, pois ao contrario sensu, impõe-se a busca pelo

quantum indenizatório capaz de satisfazer a lesão suportada pela vítima, repondo-se

a restauração do status quo ante.

O artigo 402 do código civil brasileiro9 dispõe que:

“Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos

devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que

razoavelmente deixou de lucrar.”

Da análise do supracitado dispositivo legal, aduz-se que, quando da

apuração dos prejuízos, se deve considerar além do bem perdido, aquilo que o agente

lesado relativamente deixou de perceber como lucro. Hipótese cabível frente ao

inadimplemento de obrigações.

5.2 Funções atinentes aos danos extrapatrimoniais

No que atine aos danos extrapatrimoniais, a responsabilidade civil brasileira à

luz do artigo 186 do Código Civil preceitua expressamente a configuração dos

chamados: atos ilícitos. Ademais, mesmo aquele que por ação ou omissão voluntária,

negligência ou imprudência, incorre em violação de direito e causa dano a outrem,

mesmo que restritamente moral, incorre em cometimento de ato ilícito.

8 CARVALHO, Luis. As funções da responsabilidade civil. As indenizações pecuniárias e adoção de outros meios reparatórios. São Paulo: 2013. 9 BRASIL, Código civil (2002), Capítulo III – Das Perdas e Danos, Art.402. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 16 de outubro de 2020.

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23

Já o dispositivo legal 944 do citado diploma, prescreve a obrigação de

reparação do dano sob a ótica de sua extensão, obrigando-se o ato de indenizar pelo

agente que lhe deu causa.

Assim, denota-se que o artigo 927 do Código Civil brasileiro possui

correspondência com o chamado regula aurea do direito civil francês10, em seu artigo

1.382 que diz:

“Tout fait quelconque de i´homme, qui causa à autrui un dommage, oblige

celui par la faute du quel il est arrivé, à le réparer",11

Extrai-se do citado diploma estrangeiro que: a palavra “dommage”, isto é,

dano, igualmente em nossa legislação, trata-se de um imperativo categórico,12 para a

incidência de lucros cessantes e perda patrimonial, se faz necessário que o dano seja

efetivamente injusto por força legal, assim como sob a égide do princípio da

proporcionalidade.

Outrossim, o artigo 927 do Código Civil pátrio faz alusão aos dispositivos

legais 186 e 187 do mesmo diploma, demonstrando, por via de consequência que,

aquele que deu casa o ato ilícito fica obrigado a repará-lo.

Nessa toada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sob a

ótica da hierarquia das leis, inaugura a previsão dos danos extrapatrimoniais dentro

do paradigma do Estado Democrático de Direito, por força do que prevê o artigo 5º,

incisos V e X, refletindo no códex civil e reafirmando o direito a indenização.

10 FARIAS, Cristiano et al, Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Salvador. Ed 2011.

Juspodvm.2017.

11 todo e qualquer feito, de um homem, que causa dano a outrem, o obriga, através da culpa que lhe é atribuída a repará-lo, Farias et al, 2011, p. 64, tradução nossa. 12 A norma ética constitui um “imperativo categórico” kantiano. Trata-se do dever de toda pessoa agir de acordo com os princípios que ela quer que todo ser humano siga, no caso em tela, concerne ao dever de reparação a que um indivíduo causa a outro. A previsão legal acerca da reparação de danos personifica o sentimento de justiça dos seres humanos que subsiste desde as civilizações antigas.

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24

5.3 Caráter punitivo da responsabilidade civil

O sistema romano-germânico tem servido de alicerce para construções

doutrinarias de países parametrizados no sistema jurídico do common law, por

exemplo, a doutrina dos punitive damages que, frequentemente, são irrogadas em

decisões judiciais.

A punição na responsabilidade civil na experiência norte-americana possui

caráter de indenização pecuniária onde o ofensor assumirá o encargo de indenizar

por meio de pagamento à vítima, todavia tal pagamento não será de cunho

estritamente compensatório em relação a lesão ocorrida como é na experiência do

direito brasileiro, mas sim com a fixação de um quantum que objetiva a punição, além

daquele já fixado em relação a lesão suportada pela vítima.

5.4 Doutrina dos Punitive Damages

A punição da responsabilidade encontra embasamento nas ciências penais,

por exemplo, com a violação do preceito normativo, tem-se a lesão de bens jurídicos

importantes caracterizados pela conduta criminógena. Questões avessas a esfera

criminal.

No particular campo do Direito Civil, tem-se a relativização da punição da

responsabilidade, pois não é corriqueiro que a obrigação de reparar o dano imponha

agruras e sacrifícios de natureza pessoal ao agente causador do dano.

Reglero Campos preceitua que os punitive damages agem como

desestimulantes para a pratica de ilícitos civis, não bastando condenações com

valores exorbitantes enquanto caráter pedagógico. Ensina o citado autor que tais

medidas necessitam atuar em conjunto com outras técnicas legais, por exemplo,

impedimentos de cobertura para certos tipos de danos (CAMPOS, Luiz Fernando et

al, 2002).

Na acepção do direito norte-americano o encargo punitivo é capaz de gerar o

enriquecimento ilícito. Numa outra perspectiva, quando da violação de direitos

humanos fundamentais consubstanciados na dignidade da pessoa humana, o que se

Page 27: MARCOS AURÉLIO GOMES

25

verifica nas cortes norte-americanas é o arbitramento de elevado quantum

indenizatório, em especial, considerando-se o status econômico do causador da lesão

e a extensão do dano ocasionado.

No ordenamento pátrio, admite-se o efeito punitivo da reparação com a

cumulação de danos materiais e morais. Mas, o ordenamento jurídico brasileiro veda

o enriquecimento sem causa, não coadunando, portanto, com a doutrina dos punitive

damages. No prisma do direito processual civil brasileiro, por outro lado, admite-se as

chamadas astreintes, isto é, uma espécie de penalidade imposta pelo magistrado em

razão do descumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer fixada, em tese,

em dias multa ou por períodos.

O descumprimento de uma obrigação, se prolongado no tempo, eleva a pena

pecuniária imposta a título de astreintes, fazendo com que seu efeito preventivo

imponha a parte demandada ao pagamento de valores excessivos, o que na prática

pode ocasionar o chamado enriquecimento ilícito, pois a pecúnia é revertida em favor

do autor da causa.

Feitas tais considerações, cabe elucidar que o ordenamento jurídico brasileiro

inadmite a doutrina dos Punitive Damages, o que, vem sendo objeto de controvérsias,

inclusive, em seu país de origem, os EUA. Nessa linha, preleciona Paulo Nader:

O nosso sistema não comporta os punitive damages, prática esta que tem

sido objeto de questionamento, inclusive nos Estados Unidos, onde somas

vultosas são impostas em casos de danos físicos. A Superior Court Judge

Charles W. McCoy Jr., em 2001, condenou o fabricante de cigarros Philip

Morris ao pagamento de cem milhões de dólares a Richard Boeken, de 56

anos, em razão de um câncer no pulmão, diagnosticado após fumar durante

quarenta anos. À luz da dialética hegeliana, o sistema norte-americano atua

como antítese do ordenamento pátrio e vice-versa. Como a antítese tende a

fundir na tese, gerando uma nova realidade – a síntese –, pensamos que o

nosso sistema de responsabilidade civil pode assimilar em parte as punitive

damages e, de igual modo, aquele ordenamento pode ser revisto de acordo

com a nossa experiência, que é também a da família romano-germânica,

evitando-se as exorbitâncias que a atual orientação permite (NADER,

Paulo, 2015, p. 87)

Page 28: MARCOS AURÉLIO GOMES

26

6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO

Em primeiro plano, a título de elucidar a matéria em estudo, se faz necessário

trazer apontamentos históricos acerca do nascedouro da responsabilidade civil

médica. Segundo Stocco13 os primeiros registros confiáveis sobre a atividade médica

datam dos séculos XVII e XVIII a. C, praticado pelo sexto rei da primeira dinastia da

Babilônia, Khamu-Rabi (Hamurabi), que teve seu império a partir de 1686 até1728 a.

C., e foi conhecido pelo chamado Código de Hamurabi que dentre seus 282 artigos,

descreveu três preceitos versando sobre cuidados médicos:

"Art. 215. Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de

bronze e o cura ou se ele abre a alguém uma incisão com a lanceta de bronze

e o olho é salvo, deverá receber dez siclos".

"Art. 218. Se um médico trata alguém de uma grave ferida com a lanceta de

bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze e o olho

fica perdido, dever-se-lhe-á cortar as mãos".

"Art. 219. Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com

a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo.”

Constata-se, partindo-se dos dispositivos supra que a responsabilidade civil

do médico nessa época era lastreada na máxima: “olho por olho, dente por dente”, o

que, na prática configurava responsabilidade objetiva, isto é, sem aferição de culpa e

preceitos de ordem subjetiva.

Em momento ulterior, já nos séculos 460 a.C. e 450 a. C., remetemo-nos a

Hipócrates14 enquanto uma das figuras mais importantes da área médica que

modificou as estruturas do pensamento de sua época sobre a medicina e trouxe novas

acepções, além de tudo, tão importantes que ainda reverberam na medicina até o

presente.

13 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil - doutrina e jurisprudência. 9 ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013. p. 783 14 Hipócrates é considerado o “pai da medicina”. Exercia o oficio de médico e filosofo. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil - doutrina e jurisprudência. 9 ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013. p.787

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27

Ademais, Hipócrates redigiu um juramento15 que é invocado

pelos médicos recém-formados para ressaltar a dedicação ao doente, igualmente a

boa prática na medicina por meio da infindável busca pelo conhecimento:

"Eu juro por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza à perda. Do mesmo modo, não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça".

A medicina passou a ter uma ampliação de seu sentido ético com o corpus

hippocraticum, consiste em sessenta e seis tratados de medicina com conteúdo

relacionado ao corpo humano. Já o juramento de Hipócrates (Nómus), se trata de um

livro de leis para aqueles que se iniciavam nas ciências médicas. Acerca dos tratados

hipocráticos elucida Carlos Garcia Gual16 expert no tema:

Os escritos mais significativos, os que constituem o centro fundamental da coleção, foram compostos entre 420 e 350 a.C, etapa que podemos considerar definitiva na formação da doutrina hipocrática. Talvez haja no Corpus hippocraticum algum escrito um pouco anterior a estas datas, e também alguns notadamente posteriores ( ... ). Mas o fundamental e a maior parte dos textos recolhidos no amplo Corpus hippocraticum é produto da investigação e do ensinamento de alguns escritores que compuseram suas

15 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil - doutrina e jurisprudência. 9 ed. t. I e II, São Paulo: RT, 2013. p. 787 16 Gual et al. 1983, p. 10 apud Cairus, 2005, p. 25. Disponível em: < http://books.scielo.org/id/9n2wg/pdf/cairus-9788575413753-04.pdf>. Acesso em: 20 de outubro.

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28

obras nos decênios finais do séc. V a.C e nos primeiros do séc. IV a.c. Ou seja, de médicos contemporâneos a Hipócrates, senão do próprio Hipócrates e de seus discípulos mais próximos, da geração imediata.

Diante dessa modificação no caráter da medicina, influenciado pelo

pensamento hipocrático, viu-se uma profunda relação de paternalidade na relação

médico paciente que deu origem a ideia do médico de família.

Desta forma, nesse período não se via questionamentos em relação a

eventuais falhas na atividade médica; ao contrário, o que existia era uma relação de

plena credibilidade do paciente em relação ao médico, pode se dizer que isso corria

em razão do status conferido ao licenciado a exercer medicina, sendo certo que

raríssimos eram os casos de descrédito.

O título de medicina suprimia qualquer dúvida em relação a sua capacitação

técnica e cientifica para exercer a medicina, conforme didaticamente ilustra Ruy

Rosado de Aguiar Jr17 sobre o tema.

A partir do século XX o mundo se viu diante um acelerado processo de

ascensão tecnológica e cientifica, isso possibilitou que cientistas e demais

profissionais que atuam dentro da multidisciplinariedade médica dessem um salto

extraordinário em relação ao aprimoramento desta ciência.

Com a ruptura do ideal do médico de família, aquele que tratava seus pacientes,

acompanhando-os durante toda a vida, passa-se ao período onde o paciente começa

a figurar como cliente.

Na atualidade, os tempos são outros, diria o sociólogo polonês Zygmunt

Bauman que a característica marcante das relações sociais do mundo contemporâneo

tem sido “dissolver tudo o que é sólido.”18 Nessa linha, não poderia ter sido diferente

nas relações médico paciente que se tornaram relações consumo.

Desta forma, as relações sólidas concernentes da relação entre médico e

paciente inspiradas no paternalismo de Hipócrates se veem cada vez mais efêmeras

17Disponível em: http://www.ruyrosado.com.br/upload/site_producaointelectual/23.pdf. Acesso em: 20 de outubro de 2020. 18 BAUMAN, Zugmunt. A cultura no mundo líquido moderno. Ed. Rio de janeiro: Zahar.2013.

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29

no mundo hodierno. Hoje tais relações limitam-se a breves encontros do paciente num

consultório médico

.

6.1 Aspectos contratuais

O código civil de1916 regulamentava a responsabilidade civil do profissional

médico, o artigo 1.545 dispunha que:

“Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a

satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos

profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento”

Com isso, desde a regulamentação jurídica anterior, isto é, o preceito legal

contigo no código de 1916, repara-se que a concepção basilar prevalece, ou seja,

aquele que gera dano a outrem ficará obrigado a repará-lo, considerando-se, ainda,

os requisitos autorizadores para o surgimento da obrigação de indenizar, quais sejam:

aqueles epigrafados no artigo 927 do Código Civil de 2002 que diz: “Aquele que, por

ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”

O parágrafo único do artigo 927 do Código civil de 2002 diz que: “haverá

obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados

em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,

por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

O bem jurídico violado no particular oficio dos médicos recai sobre a vida

humana, à integridade física e psíquica do paciente.

Com relação a classificação do dano, este pode ser de origem moral, material

ou estético.

Para a responsabilização de um médico por má pratica, impõe-se a

necessidade de que o paciente tenha sofrido danos que tenham se originados a partir

da atividade médica.

A responsabilidade do médico, assim como de outros profissionais liberais

como o advogado, é de ordem subjetiva, pois será necessária a configuração de culpa

para demonstrar que o profissional tenha gerado dano (negligência, imprudência e

Page 32: MARCOS AURÉLIO GOMES

30

imperícia), e possa ser responsabilizado por má prática. Por essa razão, a

responsabilidade sob o prisma objetivo torna-se inadequada, porquanto o exercício

da atividade médica é, sobretudo, intelectual, desta forma, o profissional emprega

teses e preceitos científicos em busca da melhor terapêutica para seu paciente, sendo

certo que a medicina não é uma ciência exata e resultados adversos podem ocorrer a

depender da subjetividade clínica de cada paciente.

A imputação de responsabilidade por dano é uma árdua tarefa desenvolvida

por peritos técnicos19, pois os juízes de direito não possuem notório saber específico

para medicina, sendo necessário que um especialista o oriente por meio de emissão

de laudos e pareceres técnicos a fim de orientar sua convicção sobre a causa.

Os laudos versam sobre a atividade médica ensejadora do dano e buscam

elucidar os critérios subjetivos de culpa do médico, assim como o nexo de causalidade

e o resultado.

Ademais, na relação contratual entre médico e paciente, sob o prisma dos

negócios jurídicos, veda “clausula de cura”, pois conforme já dito, o médico não pode

comprometer-se a curar o paciente. O Art. 107 do Código civil brasileiro de 2002 em

seu inciso II, dispõe que a validade do negócio jurídico requer objeto lícito, possível,

determinado ou determinável, desta forma, verifica-se que a promessa de cura para

um paciente violaria o citado diploma em face da impossibilidade jurídica da

promessa.

6.2 Termo de consentimento informado

O termo de consentimento informado é a vontade livre e consciente exercida

pelo paciente ou seu representante legal autorizando o médico a exercer determinado

procedimento, quer seja de natureza cirúrgica ou terapêutica. O médico deve

cientificar o paciente, dando-lhe ampla informação sobre as possíveis intercorrências

do procedimento.

19 Trata-se de um médico perito na área médica objeto da ação.

Page 33: MARCOS AURÉLIO GOMES

31

Outrossim, no que atine o termo de consentimento informado, é dever do

médico fornecer todas as informações inerentes ao tratamento do paciente de forma

clara, por exemplo, informando-o sobre seu estado atual de saúde, diagnóstico,

prognóstico, objetivo do tratamento, riscos e efeitos colaterais adversos dos remédios

prescritos.

Ademais, o termo de consentimento informado é uma condição sine qua non

na relação médico-paciente, igualmente no que diz respeito a pesquisa e testes in

vivo, isto é, em seres humanos. Desta forma, se faz possível que uma pessoa

juridicamente capaz, ao ser devidamente cientificada, conclua deliberadamente por

participar de um experimento ou tratamento especifico estando em posse das

informações acerca de sua natureza, objetivo e eventuais intercorrências e riscos a

ele inerentes.

Um dos casos mais emblemáticos por má pratica médica decorrente da falta

de consentimento remonta o ano de 1767, na Inglaterra. Trata-se do caso Slater

versus Baker & Stapleton20, os médicos Dr. Baker e Dr. Stapleton desuniram o calo

ósseo, isto é, quebraram a perna de um paciente deliberadamente para tratar uma

fratura mal consolidada, sem o prévio consentimento do enfermo.

Os médicos foram condenados pela corte inglesa à época, evidenciando-se,

por consequência, a indispensabilidade do termo de consentimento informado nas

relações entre médico e paciente desde o século XVII.

No particular caso dos experimentos científicos, destaca-se o caso Hansen21,

o médico inoculou material leproso nos olhos de uma paciente sem o seu

consentimento, ela ajuizou uma ação contra o médico perante a corte norueguesa,

sendo este provavelmente o primeiro caso de condenação por falta de consentimento

informado.

20 Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2009-abr-20/paciente-direito-informacao-decidir-melhor-tratamento#:~:text=O%20direito%20ao%20consentimento%20remonta,de%20uma%20fratura%20mal%20consolidada>. Acesso em: 22 de outubro de 2020. 21 Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702012000300003>. Acesso em 22 de outubro de 2020.

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32

Também se destaca o caso de Louis Pasteur ocorrido no ano de 1884 no

Brasil,22 o médico tentou realizar experimentos com a vacina contra a raiva em

indivíduos sentenciados a pena de morte. Todavia, as penas de morte no Brasil do

século XVIII não tinham aplicabilidade na prática, sendo correto afirmar que o

imperador não autorizou o experimento sob o argumento de que a febre amarela era

muito mais letal no Rio de janeiro do que a raiva em todo o mundo.

Em meados de 1930 na Alemanha eclode a notícia que deixou o mundo

perplexo, o episódio ficaria conhecido como “acidente de Lubeck”23, por ser conhecido

como um dos maiores desastres médicos do mundo. Realizou-se na época um teste

com a vacina para tuberculose (BCG), objetivando à imunização contra a bactéria.

Duzentas e cinquenta e uma crianças foram submetidas ao teste, sem o

consentimento de seus representantes legais, dentre as quais, cerca de 72 faleceram

em decorrência da tuberculose durante seu primeiro ano de vida em decorrência do

experimento.

Reforça tal incidente a dissertação de doutorado da médica alemã Dra. Hanna

Elisabeth Jonas24

der insgesamt 251 geimpften Kinder starben in ihrem ersten Lebensjahr an einer ausgedehnten Tuberkulose oder erlagen Krankheiten, die durch ihre Tuberkuloseinfektion bedingt oder verschlimmert worden waren. Diese Tragödie sollte als 1 „Lübecker Impfunglück“ bekannt werden und bis heute in Erinnerung bleiben – zumindest in Lübeck und in medizinischen Fachkreisen. Damals beschäftigten die Geschehnisse eine große Öffentlichkeit und flossen auch in medizinkritische Diskussionen der Weimarer Republik um Impfungen und Menschenversuche ein (JONAS, Hanna Elisabeth, 2017, p.6).

Setenta e duas de um total de duzentas e cinquenta e uma crianças vacinadas morreram no primeiro ano de vida de tuberculose extensa ou sucumbiram a doenças causadas ou exacerbadas por sua infecção tuberculosa. Essa tragédia ficaria conhecida como 1 “acidente de vacinação de Lübeck” e seria lembrada até hoje - pelo menos em Lübeck e nos círculos médicos. Naquela época, os eventos preocuparam um grande público e também fluíram para as discussões médico-críticas da República de Weimar

22 Disponível em: <https://www.conexaoparis.com.br/d-pedro-ii-e-o-instituto-pasteur/>. Acesso em: 23 de outubro de 2020. 23 Disponível em: <http://www.sopterj.com.br/wp-content/themes/_sopterj_redesign_2017/_revista/1994/n_01/do-acidente-de-lubeck-ao-advento-do-bdg-recombinante-com-maior-poder-protetor-e-polivalente.pdf >. Acesso em: 23 de outubro de 2020 24 Disponível em:< https://www.zhb.uni-luebeck.de/epubs/ediss1952.pdf>. Acesso em 23 de outubro de 2020.

Page 35: MARCOS AURÉLIO GOMES

33

sobre vacinas e experimentos em humanos. (JONAS, Hanna, Elisabeth, 2017, tradução nossa).

Em 1896 Albert Neisser anunciou publicamente ter supostamente imunizado

três meninas e cinco prostitutas por meio de plasma sanguíneo de pacientes

sifilíticos25

Os casos mostrados vinculam-se a uma indagação ética sobre os limites e as

possibilidades dos procedimentos médicos e científicos. Os questionáveis

experimentos apontados viabilizaram o surgimento de mecanismos para barrar os

crimes cometidos principalmente contra parcelas mais vulneráveis da sociedade como

crianças, prisioneiros e doentes mentais.

O período da II guerra mundial evidenciou diversos crimes contra a dignidade

humana, experimentos médicos em cobaias humanas eram realizados em prisioneiros

vítimas do holocausto nazista.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, fez-se necessária a criação do que

ficou mundialmente conhecido como Tribunal Internacional de Nuremberg na

Alemanha, com a qual jugou-se os crimes de guerra de autoria dos membros do

Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei26 (NSDAP), incluindo os experimentos

médicos.

Relata Dirceu Greco e James Welsh em sua publicação cientifica intitulada:

Direitos Humanos, ética e prática médica27, sobre o que descreveu Telford Taylor, o

chefe de promotoria do Tribunal internacional de Nuremberg acerca dos experimentos

médicos nazistas julgados e condenados por homicídio:

Os réus (…) são acusados de assassinatos, torturas e outras atrocidades cometidas no nome da ciência médica (…) Estes réus não mataram no calor do momento, nem para enriquecimento pessoal. Alguns deles podem ser sádicos (…) mas nem todos são pervertidos. Não são homens ignorantes. A maioria deles são médicos treinados e alguns são cientistas distintos. E ainda assim, esses réus, todos os quais eram completamente capazes de compreender a natureza de seus atos, e a maioria dos quais eram

25 Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422016000100037>. Acesso em: 23 de outubro de 2020 26 Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, comumente conhecido como partido Nazista. 27 Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422016000300443#B18. Acesso em: 23 de outubro de 2020.

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34

excepcionalmente qualificados para formar um juízo moral e profissional a este respeito, são responsáveis por assassinato em massa e torturas indescritivelmente cruéis

O termo de consentimento informado, portanto, se mostrou necessário após a

experiência bioética do regime nazista.

Uma das razões preponderantes para o surgimento de demandas judiciais

contra médicos na atualidade, nasce da inexistência de informações prestadas por

estes profissionais em torno da terapêutica adotada, igualmente pela falta de

explicação sobre o prognóstico do paciente segundo constata a revista científica The

Lancet. (Vincent et al., 1994)

The decision to take legal action was determined not only by the original injury, but also by insensitive handling and poor communication after the original incident28

A acepção sobre a declaração de consentimento informado encontra lastro na

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, é o que se infere a partir do

artigo 1º que diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e

direitos. Estão dotados de razão e consciência e devem agir uns para com os outros

com espirito de fraternidade” e o artigo 3º do citado diploma que diz: “todos tem direito

à vida, liberdade, e segurança pessoal”, gualmente seu artigo 5º que preceitua:

“ninguém será submetido à tortura ou punição cruel, desumana ou degradante”.

Outrossim, é possível vislumbrar o embasamento da teoria do consentimento

informado a partir dos princípios fundamentais da Constituição Federal do Brasil que

institui a dignidade da pessoa humana em seu artigo 1º, inciso III.

A partir da estratificação de diversas regulamentações internacionais se faz

possível verificar a incidência e a evolução da teoria do termo de consentimento

informado. O código de Nuremberg de 1947 abarca tal concepção enquanto

“consentimento voluntário”, a Declaração de Helsinque de 1964 aduz o termo:

“consentimento informado”

28 Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(94)93062-7/fulltext. Consultado em: 28 de outubro de 2020.

Page 37: MARCOS AURÉLIO GOMES

35

A regulamentação do termo de consentimento informado entrou em vigor no

Brasil em 1988,29 o Conselho Nacional de Saúde prescreveu o consentimento

informado enquanto uma manifestação de concordância por escrito, com a qual o

indivíduo submete-se a realização da pesquisa ou é autorizado por quem o represente

legalmente, tornando-se plenamente cientes acerca dos procedimentos, riscos e

possibilidades a ele inerentes.

O artigo 34 da recomendação do Conselho Federal de Medicina30 (CFM) Nº

1/2016 veda ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico,

os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe

provocar danos, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Revela-se, portanto que o Termo de Consentimento Informado passa a ser

imprescindível ao ofício da medicina hodierna e demonstra o papel ético do

profissional na relação com seu paciente.

7 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A RESPONSABILIDADE MÉDICA.

No que concerne a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas

relações entre médico e paciente, ainda existe controvérsia doutrinária sobre a

natureza jurídica da relação.

Os estudos doutrinários brasileiros apontam que a aplicabilidade do Código de

Defesa do consumidor deve ser determinada sob o prisma subjetivo, isto é, ratione

personae, considerando-se que, a priori, a aplicação do CDC abrange toda relação

entre consumidores e fornecedores, quer seja na relação contratual quer seja

extracontratual.

Apesar disso, se vê que a classe médica se opõe à regulamentação do CDC

por não considerarem uma relação de consumo. Inclusive, corrobora com esse

entendimento o capítulo I, inciso XX do Código de Ética Médica que dispõe que:

29 Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-72032002000100009&lng=en&nrm=iso#:~:text=Em%201988%2C%20o%20Conselho%20Nacional,n%C3%A3o%20em%20participar%2C%20livre%20de. Consultado em: 28 de outubro de 2020. 30 Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/Recomendacoes/1_2016.pdf. Consultado em: 28 de outubro de 2020.

Page 38: MARCOS AURÉLIO GOMES

36

“A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza

relação de consumo”

Nesse aspecto é importante frisar o que preceitua o Código Consumerista

sobre o tema.

A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, dispõe em art. 14, parágrafo 4º que:

“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante

a verificação de culpa”.

Infere-se, portanto, que a responsabilidade médica perante o citado diploma

legal é de natureza subjetiva.

Nos casos de profissionais médicos que se filiam a clinicas ou hospitais,

cumpre destacar que os primeiros continuarão a responder de forma subjetiva,

mediante culpa, enquanto que os segundos responderão na forma objetiva, pois o

fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela

relação dos danos causados, bem como por dados insuficientes e inadequados

acerca de sua fruição ou risco, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do

Consumidor.

Ilustra Analucia Graziano em sua tese de mestrado sobre tal antinomia

existente entre os sistemas:

Ademais, eventual discordância entre normas de conduta (conhecidos como códigos deontológicos) e as normas da legislação ordinária (CDC) só pode ter uma solução: as normas deontológicas têm de se subordinar à legislação ordinária. Assim sendo, as normas deontológicas não podem contrariar o microssistema do consumidor, pois são normas que o complementam. Por isso, conclui-se que o Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado às relações firmadas entre o médico e o paciente.

Conclui-se, portanto que os Códigos Deontológicos, devem se submeter ao

sistema dos Direitos dos Consumidores à luz da hierarquia das leis, devendo a relação

entre médico e paciente ser classificada enquanto consumerista.

Page 39: MARCOS AURÉLIO GOMES

37

8 RESPONSABILIDADE MÉDICA À LUZ DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Tem-se, na literatura jurídica quatro pressupostos para a caracterização da

responsabilidade médica penalmente relevante, a saber: conduta humana, resultado

naturalístico, liame de causalidade entre a conduta e o resultado e conduta prevista

em lei, isto é, positivada.

Saliente-se, contudo, a responsabilidade penal diverge da responsabilidade

civil, porquanto há que se levar em consideração o preceito normativo infringido tanto

quanto o agente que sofre a lesão penalmente relevante.

A responsabilidade penal nasce quando da violação de preceito normativo

cogente, qual seja, todos aqueles instituídos no códex penal brasileiro, pois são

normas de direito público. Hipótese em que se afigura a conduta delitiva do agente

violador, que sofrerá os efeitos da pena a partir de privação de sua liberdade e ou

restrição de direitos.

Ocorre que, na responsabilidade civil o bem juridicamente relevante se

encontra na esfera privada, sendo o patrimônio sua precípua representação.

Exemplifique-se: é o devedor que satisfaz sua dívida a partir de seu patrimônio, mas

se este não for antes demandado pelo credor, nada sofrerá, Dormientibus non succurit

jus.

No seio penal, ressalvadas as hipóteses de ação actio civilis ex delicto, a

conduta delituosa capaz de lesar bens relevantes também pode lesar bens

disponíveis, quais sejam, os de ordem patrimonial, desta forma, além dos efeitos da

privação de liberdade e restrição de direitos, é perfeitamente possível se pleitear ação

indenizatória na esfera civil a título de reparação.

Já no peculiar caso da responsabilidade civil, o agente causador do dano ficará

obrigado a restaurar o status quo ante da coisa indenizando-se os prejuízos

suportados pelo agente lesado.

Considerando-se a repercussão do ato ilícito na esfera penal e no âmbito do

direito civil, necessária será uma reação dupla do estado juiz, impondo-se punição ao

agente causador do ato ilícito, igualmente, a obrigação de indenizar a vítima nos

termos do artigo 948 do Código Civil, que dispõe que no caso de homicídio, a

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38

indenização consiste, sem excluir outras reparações, ao pagamento das despesas

com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; na prestação de alimentos

às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida

da vítima.

No que se refere o oficio do médico, por ser um profissional liberal, sua

responsabilidade é subjetiva, isto é, de meio, o médico deve aplicar todos os seus

conhecimentos técnico-científico na busca da melhor terapia, igualmente se cercar de

diligência para o êxito do tratamento. Todavia, o sucesso das terapias médicas está

adstrito a circunstâncias imprevisíveis, assim como nas peculiaridades de cada

paciente, desta forma, nem sempre se falará em culpa pelo insucesso do tratamento

ou por riscos inerentes aos procedimentos.

Entretanto, ocorrem situações onde a culpa médica consubstanciada na

negligência, imprudência e imperícia, será o fator preponderante para gerar dano,

agravar o quadro clínico ou levar o paciente a óbito, por exemplo, quando um médico

cirurgião esquece uma gaze dentro do corpo do paciente; quando prescreve

medicamento errado ou dosagem nociva ao organismo; quando opera instrumentais

sensíveis sem a capacidade técnica como é o exemplo de manuseio imperito com

bisturi elétrico.

Portanto, conclui-se que a atuação culposa do médico poderá lhe ensejar

problemas com a justiça civil e criminal a depender do caso em concreto.

No campo da culpa, importante são as lições apresentadas por Carlos Roberto

Gonçalves:

“Convém lembrar que não se exige que a culpa do médico seja grave, para responsabilizá-lo. Para tanto, basta a culpa levíssima, desde que haja o dano. Esta severidade é ainda maior no tocante aos médicos

especialistas ‘Ao médico que diz ter conhecimento e habilidade especiais para o tratamento de um órgão ou doença ou ferimentos específicos, é exigido desempenhar seu dever para com o paciente,

empregando como tal especialista, não meramente o grau normal de habilidade e cuidado que os médicos de igual posição, que dedicam especial estudo e atenção ao tratamento de tal órgão, doença ou ferimento, normalmente possuem, considerando-se o estagio de conhecimento cientifico àquele tempo.” (Gonçalves R. Carlos apud Angela R. Holder; apud Wanderby Lacerda Panasco, A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos, Forense, 1979, p.21).

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39

Nesse sentido, dentro do limiar de culpa, a doutrina pátria considera que

mesmo uma culpa considerada levíssima, considerando-se o dano, será o suficiente

para a responsabilização do médico.

8.1 TRANSGRESSÕES PENAIS MEDICAS

Tanto crimes comuns, quanto os próprios podem ser cometidos por médicos,

os primeiros divergem dos segundos, pois podem ser cometidos por qualquer pessoa,

isto é, inexiste exigência de característica especial do sujeito para o seu cometimento,

desta forma, devido a característica de sua profissão, o médico esta propicio ao

cometimento de alguns crimes comuns, quais sejam, lesão corporal culposa,

epigrafada no artigo 129 § 6º do código penal; o delito de omissão de socorro contida

no artigo 135 e o delito de homicídio culposo do artigo. 121 § 3º todos do mesmo

diploma legal.

No que concerne a pratica de crimes especiais, isto é, crimes que somente

podem ser cometidos em razão da característica especial do sujeito, no caso em

comento, por médicos, encontram-se os seguintes: artigo 269: deixar de denunciar à

autoridade pública doença cuja notificação é compulsória, artigo 268: infração de

medida sanitária preventiva, artigo 302: falsidade de atestado médico, artigo 154:

violação de segredo profissional, todos do código penal brasileiro.

Ademais, sujeitam-se também os profissionais da área da saúde a legislações

extravagantes, por exemplo, a lei de transplante de órgãos nº 9.434/97 e a lei de

biossegurança nº 11.105/05.

O médico, além de poder atuar com culpa em sua conduta, também poderá

atuar de forma dolosa (artigo 18. Inciso I do C.P), explique-se melhor, a forma dolosa

existirá quando o médico quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo, o que

diverge da forma culposa, a saber, quando o médico atua com negligência,

imprudência e imperícia (artigo 18, inciso II do supracitado diploma).

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40

9 CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA E OS DEVERES DO PROFISSIONAL

O código de ética médica se trata de um documento deontológico,31 isto é, uma

resolução do Conselho Federal de Medicina com disposições de condutas epigrafadas

axiologicamente, constituindo-se normas de caráter disciplinar objetivando abarcar

diversos comportamentos adstritos na relação médico e paciente.

Ocorrido um evento danoso por ocasião da atividade do médico, este poderá

ser demandado na justiça civil e criminal, assim como perante seu órgão de classe

por infração ética.

O poder legislativo cria as leis com sentidos gerais e abstratos com o objetivo

de elevar seu alcance abarcando todos os casos da mesma espécie.

Realizar a subsunção, isto é, passar do texto abstrato ao caso em concreto, da

norma positivada ao caso real, é tarefa do operador do direito, quer seja juiz, advogado

ou promotor de justiça.

Trata-se da atividade de interpretação da norma. Compete observar que a

existência de lacunas na lei não exime o poder público de apreciar lesão ou ameaça

a direito consoante o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal e 3º do Código

de Processo Civil instituído pela Lei 13.105. de 16 de março de 2015.

Art.5º, inciso XXXV da Carta magna: “a lei não excluirá da apreciação do poder

judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Art. 3º do Código de Processo Civil: “não se excluirá da apreciação jurisdicional

ameaça ou lesão a direito.”

O peculiar caso de má pratica médica envolve questões de caráter subjetivo

para apuração de culpa do profissional. Conforme o instituído na Lei n.º 3.268, de 30

de setembro de 1957, em seu artigo 2º, verifica-se que o Conselho Federal,32

igualmente os Conselhos Regionais de Medicina são competentes pela supervisão da

31 Relativo a deontologia, à ciência dos deveres morais, especialmente os deveres inerentes a certas

profissões: médicos, advogados, jornalistas. 32 BRASIL, Lei Federal nº 3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e da outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3268.htm>. Acesso em: 27 de outubro de 2020.

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41

ética profissional no exercício da medicina em toda a República Federativa do Brasil,

assim como são órgãos que podem julgar e disciplinar atos médicos.

O artigo 2º da Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957 diz:

Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam

legalmente.

O artigo 5º, letra “e” do supracitado diploma diz que são atribuições do

Conselho Federal de Medicina, entre outras, votar e alterar o código deontológico

médico, isto é, o Código de Ética Médica, ouvidos os Conselhos Regionais.

Dada as explicações, importante salientar que o julgador, em caso de lacunas

nas leis, poderá se utilizar dos paradigmas instituídos no Código deontológico da

classe médica para a formação de seu convencimento e respectivamente para a

prolação da sentença que envolva casos médicos.

O artigo 126 do Código de Processo Civil reforça.33

O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos

princípios gerais de direito.

Atualmente, encontra-se em vigor o diploma denominado Novo Código de Ética

Médica instituído por meio da Resolução do Conselho Federal de Medicina nº

1.931/2009, que passou a ter vigência aos 13 de abril de 2010.

O novo diploma deontológico foi aprimorado, sendo criado vinte e cinco

princípios basilares, com os quais, elenca-se os deveres do médico e amplifica os

direitos dos pacientes.

33 BRASIL, Lei Federal nº 13.105, DE 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm >. Acesso em 27 de outubro de 2020.

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42

9.1 A função médica

A atividade médica passou por profundas alterações ao longo do

desenvolvimento cientifico, o que reflete em diferentes terapêuticas e modos de

tratamento a depender do período e contexto social.

A figura do médico de família que remonta os tempos antigos, evidenciava um

profissional com plenos poderes de decisão em razão do tratamento que seria

ministrado ao paciente.

A figura do médico de família acabou perdendo espaço para novas tendências

nas relações de consumo, principalmente sob a lógica do liberalismo econômico que

hoje se encontra intrínseco na evolução da parcela majoritária das sociedades.

Desta forma, a evolução médica acompanhou o dinamismo da evolução social

e consequentemente a evolução das relações de consumo.

Nas lições de Fernando Campo Scaff, a medicina dos tempos modernos

metamorfoseou-se em contraposição a dos tempos antigos, pois a medicina moderna

passou a ter seu objeto de atividades administradas por estruturas cada vez mais

eficientes e complexas do ponto de vista empresarial.34

Denota-se, portanto, que tais estruturas empresariais buscam continuamente a

implementação do aperfeiçoamento do trabalho relacionado a atividade médica,

igualmente, objetivando ganho de eficiência nos processos que englobam tais

atividades e por via de consequência a obtenção de lucro.

A realidade dos serviços médicos dos tempos modernos impõe que o paciente

é um sujeito de opiniões e desejos, a conjectura atual faz oposição direta com o

médico de família dos tempos antigos que era uma figura de autoridade em face do

paciente, que, por sua vez, tendia a ter suas opiniões e desejos mitigados no

transcurso das terapêuticas adotadas.

Um grande marco para a mudança do paradigma ético na relação médico-

paciente, originou-se com as lições deixadas após a Segunda Guerra Mundial a partir

de experimentos médicos com resultados moralmente inescusáveis como

34 SCAFF, Fernando Campos, Direito à saúde no direito privado. São Paulo: Saraiva, 2010. p.24

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43

esterilização compulsória de deficientes mentais. 35 A ruptura do paradigma vigente

teve origem com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e

proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217, A, III), em 10

de dezembro de 1948.

O mundo de 1933 até o final da segunda guerra mundial em 1945 se viu diante

de eventos cataclísmicos com profundo desrespeito pelos direitos humanos que

ocasionariam atos cruéis que ultrajaram a consciência da humanidade.36

Diante disso, eis que se exsurge uma indagação fundamentalmente pertinente

sob o prisma ético, qual seja, binômio: terapêutica médica versus a autonomia da

vontade do paciente e como seria possível integralizar tal fórmula?

Quais seriam os limites da autonomia da vontade manifesta pelo paciente

versus a responsabilidade médica no exercício de seu oficio, quando do aparecimento

de posições diametralmente opostas entre ambos?

Denota-se, a partir da avaliação do Código de Ética Médica, em seu artigo 32,

que é vedado ao médico se furtar de empregar todos os meios disponíveis para o

diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecido e a seu alcance em benefício

do paciente.

Da leitura do artigo 31 do citado código deontológico, extrai-se, também que é

vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de

deliberar livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas,

excetuando-se casos de iminente risco de óbito.

Quando, ainda assim, subsistir o antagonismo de opiniões acerca da

terapêutica médica proposta entre médico e paciente, predomina a vontade do

paciente ex vi lege, isto é, por força de lei conforme preceitua o artigo 5º, inciso II,

contido no capítulo intitulado: Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da

Constituição Federal Brasileira que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e o artigo 15 do Código Civil que diz:

35 Disponível em:<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422016000300443>. Acesso em 27 de outubro de 2020. 36 Disponível em: < https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 27 de outubro de 2020.

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44

“ninguém poderá ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento

médico ou a intervenção cirúrgica”.

Posto isso, verifica-se que a boa prática médica deve respeitar as decisões do

paciente, exceto em caso de iminência de morte, pautando-se em seu Código de ética

médica, sob pena de responsabilização civil, criminal e demais sanções dos

Conselhos de Medicina.

10 RESPONSABLIDADE ESTATAL

À luz da diretriz constitucional37 prevista no artigo 37, § 6º, extrai-se o preceito

da responsabilidade objetiva do Estado diante da ocorrência de má prática médica em

hospitais da administração pública. O § 6º do citado dispositivo preceitua que: “As

pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços

públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo

ou culpa”.

A responsabilidade civil estatal em decorrência de eventos danosos causados

contra terceiros, é em regra, objetiva, consoante as linhas do artigo acima citado.

Trata-se da máxima principiológica da responsabilidade objetiva do Estado que

estipula que, evidenciado o evento danoso, invariavelmente, se houver ou não culpa,

incorrerá o Estado administração no dever de indenizar, excetuando-se casos

peculiares, quais sejam, caso fortuito ou força maior e culpa exclusiva do usuário.

No que tange a responsabilidade civil objetiva do Estado, faz-se necessário

esquadrinhar a Teoria do Risco Administrativo,38 eis que tal concepção confere

proteção ao cidadão diante do Estado- Administração que é um ente dotado de

supremacia, isto é, possui hiperssuficiância (recursos técnicos e econômicos),

portanto sua responsabilidade é objetiva a fim de fornecer paridade de armas em

eventual disputa judicial, conferindo, por conseguinte, equilíbrio entre direitos e

37 Constituição da República Federativa do Brasil, art. 37, §6º 38 Teoria que confere proteção ao cidadão hipossuficiente ante o Estado administração soberano e hipersuficiente.

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45

deveres, despossando o poder público estatal de seu monopólio, assim como,

garantindo eficácia do Estado no que concerne sua prestação de serviços.

O artigo 927 parágrafo único do Código Civil, seguramente se trata do corolário

da Teoria do Risco, pois evidência a obrigação de reparar o dano independentemente

de culpa em razão da natureza lesiva da atividade:

Art. 927 parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano,

independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, r isco para

os direitos de outrem.”

Ilustre-se, sobre a responsabilidade do Estado a inteligência contida no acordão

da 3º turma do TRF3:

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. ERRO DE DIAGNÓSTICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. DANO MORAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 2. No caso, a autora foi atendida e submetida a cirurgias em hospital pertencente ao Exército Brasileiro, por meio do Fusex - Fundo de Saúde do Exército, tendo em vista ser esposa de militar, de modo que se aplica, na espécie, o § 6º do art. 37 da Constituição Federal. 3. Dessa forma, para fazer jus ao ressarcimento em juízo, basta à vítima que a instrução probatória comprove a existência de fato ofensivo (que, segundo a orientação do Supremo Tribunal Federal, pode ser comissivo ou omissivo) e o nexo de causalidade entre este e o dano a ser indenizado, sendo irrelevante, em casos de responsabilidade objetiva do Estado, a averiguação da culpa ou do dolo do agente. 4. Como se pode observar da simples leitura dos autos, o dano é patente, pois a autora foi submetida a uma cirurgia desnecessariamente, que ensejou a realização de outra cirurgia, em decorrência de fratura em uma vértebra provocada pela primeira cirurgia, postergando-se o diagnóstico correto - metástase mamária, bastando-se saber se este foi ocasionado pela conduta comissiva ou omissiva dos agentes, ou seja, se está comprovado o necessário nexo de causalidade. 5. Sendo assim, caracterizada está a responsabilidade do Estado e o dever de reparar os danos sofridos. 6. O montante de R$40.000,00 a título de danos morais não parece exorbitante, mas, ao contrário, plenamente compatível com os transtornos causados pela conduta do agente estatal.

7. Apelação não provida.

Page 48: MARCOS AURÉLIO GOMES

46

(TRF3 – AP: 2304243 / SP 0015449-89.2012.4.03.6100, Relator: Antônio Cedinho, Data de julgamento: 03/07/2019, Data de publicação: 11/07/2019)

Por outro lado, cumpre ponderar, quando da impossibilidade de se elucidar o

nexo de casualidade entre a conduta do Estado- Administração e o evento danoso

ocasionado, incidir-se-á, hipoteticamente, excludentes de responsabilidade civil

Estatal, prevalentemente quando houver, repita-se, culpa exclusiva da vítima

(paciente), caso fortuito ou de força maior.

Complementa Paulo Nader:

As reflexões encetadas no âmbito da Ciência do Direito e da Ciência Política induziram à revisão na postura do Estado em face do ordenamento jurídico. Ao absolutismo, que situava o Estado apenas como um centro de poder e de direitos, envolvido em uma aura de imunidade, seguiu-se o Estado de Direito, visão humanista que situa o titular da soberania como ente portador de direitos e obrigações. No mundo contemporâneo a evolução alcançou o chamado Estado Democrático de Direito, que possui como fundamento básico a dignidade da pessoa humana. (Nader, Paulo, 2016, p.783)

Exposta a importante ilustração propedêutica cunhada por Paulo Nader,

importante é a elucidação acerca da dicotomia entre responsabilidade subjetiva e a

responsabilidade objetiva. Na primeira importará para sua configuração que um

agente ocasione dano a outrem, igualmente será necessário a mensuração do nexo

de casualidade, isto é, o lastro entre a conduta do ato lesivo e o resultado danoso. A

segunda, por sua vez, é regra, nos casos de danos ocasionados por agentes públicos

ao cidadão, no caso em comento, dos médicos funcionários de hospitais públicos que

geram dano ao cidadão (paciente usuário do sistema), nesse caso, tem-se a

responsabilidade objetiva, o que importará para sua figuração será a comprovação do

ato lesivo, isto é, apenas sua existência, independentemente da existência de culpa.

Assim, as entidades políticas da República Federativa do Brasil, quais sejam,

União, os estados membros, o distrito federal, os munícipios, igualmente os hospitais

e outros órgãos prestadores de serviço de natureza pública, responsabilizam-se

mesmo que inexista culpa, hipótese de incidência da responsabilidade objetiva civil

Estatal, excetuando, os casos supra ilustrados.

Page 49: MARCOS AURÉLIO GOMES

47

A prestação de serviços públicos de saúde no Brasil ocorre por meio do Sistema

único de Saúde (SUS),39 consoante o artigo 4º da Lei nº 8.080, de 1990 que dispõe:

“O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas

federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações

mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).”

No que se refere ao paradigma Constitucional relacionado a saúde, constata-

se que este fica adstrito à tríplice regulamentação federal, estadual e municipal por

serem de interesse a todas as entidades políticas. É o que se aduz da inteligência da

Constituição, com fulcro no art. 23, II, que estipula a competência executiva comum

da União, Estados e Municípios, evidenciando-se que as ações públicas voltadas a

saúde devem parametrizar-se a um “Sistema único de Saúde” (SUS), cujas regras de

organização encontram-se nos arts. 198 e 200 do repositório Constitucional Brasileiro.

Hodiernamente, diversas são as infrações imputadas aos profissionais da

saúde, principalmente devido ao fenômeno da judicialização e ao acesso aos meios

de comunicação e acesso à justiça a partir da redemocratização do Brasil.

Com tal fenômeno, tem sido imputado aos profissionais da saúde,

especialmente no caso dos médicos, faltas como: diagnósticos errados, prescrições

inadequadas; negligência pré e pós- operatórias, uso de técnicas cientificamente não

comprovadas ou aceitas, omissão no tratamento, omissão quanto ao prognóstico,

omissão quanto ao objetivo do tratamento e eventuais intercorrências, uso de

equipamento defeituoso, entre outros.

A Constituição Federal Brasileira comunga com o entendimento de que todos

os entes da federação responsabiliza-se pela saúde, eis o que se dessume do artigo

196 do diploma em comento que diz: “a saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, proteção e recuperação.”40

39 BRASIL, Lei nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990, Dispões sobre condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: < http://conselho.saude.gov.br/legislacao/lei8080.htm>. Acesso em: 29 de outubro de 2020. 40 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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48

Todavia, se faz importante trazer à baila o caráter deficitário dos serviços

públicos relacionados a saúde no Brasil, portanto, imperiosa é a máxima legal de que

aquele que comete dano a outrem deverá ser responsabilizado, indenizando a vítima.

O Estado administração, portanto, possui o dever de indenizar o cidadão

conforme preleciona o ordenamento jurídico Brasileiro.

11 COMPLICAÇÕES RELACIONADAS A CIRURGIA VIDEOLAPAROSCOPICA

Pouco tempo após ser implementada, a cirurgia videolaparoscópica tornou-se

o procedimento cirúrgico eleito para o tratamento de diversas doenças.

A cirurgia videolaparoscópica foi realizada no ano de 1987, pela primeira vez,

em Lyon na França 41 pelo médico Mouret. De acordo com a literatura médica o

procedimento possui inúmeros benefícios, todavia, numerosas são as complicações

advindas de má prática médica por erro técnico ou relacionado ao próprio

procedimento têm sido reportadas.

Destaca-se o levantamento realizado nos Estados Unidos da América42 de

77.604 colecistectomias laparoscópicas onde se constatou que metade dos óbitos

decorreram de complicações técnicas inerentes ao procedimento.

Apesar do procedimento possuir vantagens43, tais como cicatriz reduzida,

recuperação acelerada do paciente, encurtamento do período de internação

hospitalar, retorno as atividades cotidianas e índice de complicações reduzida (SALIM

et al, 2008).

A cirurgia laparoscópica inicialmente limitava-se à procedimentos

ginecológicos, tais como: ligadura tubária e lise de aderências. Com o avanço

41 Disponível: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400001&lang=pt. Acesso em: 03 de novembro de 2020. 42 Disponível em: <https://www.sobracil.org.br/revista/rv010101/artigo04.htm>. Acesso em 03 de novembro de 2020. 43 Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400001&lang=pt>. Acesso em: 03 de novembro de 2020.

Page 51: MARCOS AURÉLIO GOMES

49

tecnológico e o consequente surgimento da microcâmera, admitiu-se a utilização de

técnicas consideradas minimamente invasivas em outras especialidades da medicina,

quais sejam, cirurgia ortopédica, torácica, cirurgia geral e outras.

No presente, entorno de 90 % das cirurgias eletivas e 50% das cirurgias em

caráter de urgência em razão da vesícula biliar são feitas por meio da laparoscopia

(MELO et al, 2005).

Destaca Marco Antônio Cezário de Melo:44

De acordo com estudo informal da Society of Laparoendoscopic Surgeons estima-se que 40% dos procedimentos urológicos, 50% das cirurgias gerais e 70% dos procedimentos ginecológicos sejam efetuados via laparoscópica em 2000 nos Estados Unidos (MELO, Marco, 2005, p.277).

A colecistectomia é o tratamento eleito para doenças da vesícula biliar

objetivando alivio e prevenção no que concerne eventuais complicações. Trata-se da

segunda cirurgia abdominal mais realizada hodiernamente.

A respeito da mortalidade da colecistectomia, constata-se que sua taxa tem

diminuído nos últimos anos, sendo certo que no presente sua taxa é menor que 0,1,

(SALIM et al, 2008).

Conforme prelecionam Fábio Guilherme C. M. de Campos e Sérgio Roll45, a

maioria das complicações decorrentes da cirurgia videolaparoscópica decorre a partir

da fase inicial, isto é, de aprendizagem do médico com relação a técnica. E, dado as

novas aplicações da metodologia, tanto o cirurgião quanto o anestesista devem

conhecer as possíveis complicações inerentes à laparoscopia ou qualquer outro

procedimento realizado por meio dessa técnica.

44 Eletrocirurgia na Videolaparoscopia – Riscos e Aspectos Éticos. Recife, 2005. Disponível em: <https://www.sobracil.org.br/revista/rv030304/rbvc030304_226.pdf >. Acesso em: 04 de dezembro de 2020. 45 Complicações do Acesso Abdominal e do Pneumoperitônio em Cirurgia Laparoscópica - Causas, Prevenção & Tratamento. São Paulo, 2003, Disponível em: <https://www.sobracil.org.br/revista/rv010101/artigo04.htm>. Acesso em: 03 de novembro de 2020.

Page 52: MARCOS AURÉLIO GOMES

50

No particular caso das possíveis complicações segundo a literatura médica,

destacam-se as seguintes: a inserção da agulha e ou trocarte na cavidade peritoneal;

a manipulação de instrumentais usados durante o procedimento; a manutenção e

criação; do pneumoperitônio.46

No que se relaciona à introdução e manipulação de instrumentos cirúrgicos,

constata-se que, os diferentes tipos de instrumentais introduzidos na cavidade

abdominal do paciente durante a videolaparoscopia pode resultar na perfuração de

diversos órgãos essenciais a mantença da vida humana, quais sejam, vísceras ocas

como estomago, intestino e bexiga,47 assim como pode ocasionar lesão de vasos da

parede do abdômen.

Nesse diapasão adverte Fábio Guilherme C. M. de Campos Sérgio Roll:

A maioria das complicações decorrentes do acesso à cavidade ocorre pela realização de manobras sem a visualização direta do operador, principalmente na punção da cavidade com a agulha de Veress e na introdução do primeiro trocarte. A incidência de lesões viscerais varia de 0.05 a 0.2% 21. Muitas lesões podem ser evitadas pelo prévio esvaziamento ou descompressão do estômago e bexiga, assim como pela adoção da posição de Trendelemburg durante a introdução da agulha na cavidade. Neste momento, esta deve ser direcionada em direção à pelve do paciente. A confirmação de seu correto posicionamento (pela instilação de soro fisiológico e aspiração) é necessária antes da insuflação abdominal, que deve ser suficiente para permitir o distanciamento adequado entre a parede abdominal e as vísceras. A introdução da agulha às cegas na cavidade (técnica "fechada") ainda é mais popular que a técnica "aberta", apesar do maior risco envolvido. A técnica "aberta" consiste em inserir uma cânula na cavidade sob visualização direta, a fim de prevenir lesões iatrogênicas, principalmente em pacientes com cirurgias prévias. Entretanto, os cirurgiões que advogam a mini-laparotomia para posicionar o primeiro trocarte podem encontrar dificuldades técnicas especialmente em pacientes obesos. Outras alternativas técnicas consistem em utilizar cânulas especiais acopladas à câmera de vídeo, que permitem melhorar a capacidade do cirurgião de localizar a extremidade do instrumento, evitando lesões (Campos et al, apud Kaali SG, 1992, p. 37)

46 CAMPOS FGCM, ROLL S - Complicações do acesso abdominal e do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópica. Causas, prevenção e tratamento. São Paulo, 2003. Disponível em: https://www.sobracil.org.br/revista/rv010101/artigo04.htm. Consultado em: 04 de novembro de 2020. 47 Ibidem, p.21-28

Page 53: MARCOS AURÉLIO GOMES

51

Ademais, veja-se a posição comungada em acordão pela 10º Câmara de

Direito Privado da Comarca de Santos:

APELAÇÃO CÍVEL. Ação Indenizatória Sentença de Improcedência Insurgência que prospera Cerceamento de defesa Inocorrência Prova documental e pericial suficientes para demonstrarem a extensão dos danos sofridos Preliminar afastada Mérito - Erro médico configurado Videolaparoscopia realizada para extração de cálculo renal que culminou na perfuração do intestino da Autora Necessidade de realização de procedimento suplementar invasivo para a limpeza interna, com iminente risco de vida Cicatriz abdominal de grande extensão decorrente do procedimento Danos morais configurados - Arbitramento do “quantum” indenizatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com base no bom senso e moderação - Sentença de Primeiro Grau reformada. RECURSO PROVIDO para se condenar a Ré ao pagamento de danos morais arbitrados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), além do pagamento dos ônus sucumbências e honorários advocatícios, arbitrados em 15 % (quinze por cento) do valor global da condenação, devidamente atualizado.

[...] não é crível se conceber como aceitável e normal que o resultado do procedimento citado seja a perfuração de órgãos internos de cunho essencial para a mantença da vida humana, como no caso em exame[...]

(TJ-SP - AP: 1020308-47.2016.8.26.0562 , Relator: Penha Machado, Data de

Julgamento: 29/07/2019, 10ª Câmara de direito privado, Data de Publicação:

29/07/2019).

As informações elucidadas, segundo a literatura médica, apontam que as

complicações cirúrgicas decorrentes da videolaparoscopia com manuseio de

instrumentais são consideradas de baixa incidência e dependerão de causas

diretamente relacionadas à doença, ao paciente ou ao médico cirurgião.

Elucida Fábio Guilherme C. M. de Campos e Sérgio Roll que, majoritariamente,

as complicações advindas desse tipo de procedimento ocorrem logo na fase inicial do

procedimento e estão associadas a falhas de natureza técnica e ou falta de atenção

do operador durante o manuseio, durante a inserção da agulha e ou trocartes em

meio a cavidade do peritônio. Sendo correto afirmar que as lesões mais significativas

são as intestinais, ainda mais quando desapercebidas durante a operação, assim

como as vasculares, pois ambas geram consequências graves ao paciente.48

48 CAMPOS FGCM, ROLL S - Complicações do acesso abdominal e do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópica. Causas, prevenção e tratamento. São Paulo, 2003. Disponível em:< https://www.sobracil.org.br/revista/rv010101/artigo04.htm>. Acesso em: 04 de novembro de 2020.

Page 54: MARCOS AURÉLIO GOMES

52

Veja-se a jurisprudência no que atine procedimento laparoscópico com

incidência de má pratica médica configurada:

APELAÇÃO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ERRO MÉDICO CIRURGIA DE COLECISTECTOMIA VIDEOLAPAROSCÓPICA PARA RETIRADA DE VESÍCULA BILIAR INTESTINO PERFURADO NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA CIRURGIA RETIRADA DE PARTE DO INTESTINO CICATRIZ DANOS MORAIS E ESTÉTICOS Pretensão inicial da autora voltada à condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos morais e estéticos que alega ter suportado, em decorrência de erro médico perpetrado por funcionários de hospital vinculado à Fazenda Estadual, que teriam perfurado o intestino da autora durante cirurgia e, consequentemente, teve a necessidade de uma segunda intervenção cirúrgica, além de ter seu abdômen aberto, com sutura que ultrapassou 40 pontos sentença de primeiro grau que concluiu pela existência de negligência e imperícia no atendimento médico prestado à postulante análise da responsabilidade civil que deve se dar sob a ótica objetiva (Fazenda Estadual) pelos atos de seus agentes (art. 37, §6º, da CF/88) acervo fático-probatório coligido aos autos que se mostra suficiente para evidenciar os elementos constitutivos da responsabilidade civil do Estado em decorrência de negligência de seus servidores no tratamento da paciente documentos técnicos que comprovam a postura negligente dos funcionários da FESP durante todo o tratamento realizado procedimento adotado pelos médicos que se mostrou negligente e imperito precedentes do TJ/SP sentença de primeiro grau reformada em parte tão somente para fins de majorar a indenização pleiteada pela postulante. Recurso da FESP improvido. Recurso da autora parcialmente provido. (TJ-SP - AP: 008276-14.2018.8.26.0053 , Relator: Paulo Barcellos Gatti, Data

de Julgamento: 09/06/2020, 4ª Câmara de Direito Público, Data de

Publicação: 09/06/2020).

Estudos realizados acerca da colecistectomia laparoscópica49 com elevado

número de pacientes não têm encontrado grandes índices de óbito; pelo contrário, a

mortalidade operatória possui índices de óbito menores do que 1%, Todavia,

importante frisar que dentro desses estudos, concluiu-se que 54% das mortes

relacionadas a tal procedimento ocorrem em razão de complicações técnicas

ocasionadas no intraoperatório. (CAMPOS et al, 2003).

49 CAMPOS FGCM, ROLL S - Complicações do acesso abdominal e do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópica. Causas, prevenção e tratamento. São Paulo, 2003. Disponível em: < https://www.sobracil.org.br/revista/rv010101/artigo04.htm>. Acesso em: 04 de novembro de 2020.

Page 55: MARCOS AURÉLIO GOMES

53

Tem-se na jurisprudência nacional casos emblemáticos de configuração de má

prática médica decorrente de procedimento de colecistectomia via

videolaparoscopica, eis o julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. COLECISTECTOMIA VIA VIDEOLAPAROSCOPIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CARACTERIZAÇÃO. ATO ILÍCITO COMPROVADO. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CABIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. DATA DE CITAÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I - Para que se configure o dever de indenizar, em se tratando de erro médico, faz-se necessária a confluência de três requisitos, quais sejam, a prática de uma conduta antijurídica, comissiva ou omissiva, a existência de um dano e o nexo de causalidade entre um e outro. II - A responsabilidade do hospital é objetiva, isto é, independe, em regra, da prova de culpa. III - Comprovada a prática de ato ilícito, consistente em erro médico, do qual resultou a morte da paciente, bem como evidenciada a falha na prestação de serviços por parte do corpo clínico do hospital, a procedência dos pedidos deduzidos na petição inicial é medida impositiva. IV - Nessa esteira, devido ao falecimento da mãe da autora, torna-se imperioso o dever de indenizar das rés de forma a reparar os danos morais reflexos suportados pela parte. V - No arbitramento do dano moral, o julgador deve levar em conta o caráter reparatório e pedagógico da condenação, cuidando para não permitir o lucro fácil do ofendido, mas também não reduzindo a indenização a valor irrisório, sempre atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como às nuanças do caso concreto. V - No que diz respeito aos juros de mora, por se tratar de responsabilidade contratual, sua incidência deve ter início a partir da citação válida, nos termos do art. 405 do Código Civil. VI - Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-MG - AP: 1.0338.12.004682-0/001 0046820-79.2012.8.13.0338 (1),

Relator: Vicente de Oliveira Silva, Data de Julgamento: 15/04/2020, 20ª

Câmara Cível, Data de Publicação: 09/06/2020).

Segundo Fábio Guilherme C. M. de Campos, Sérgio Roll50 a ocorrência de

lesão de órgãos digestivos como perfuração de vísceras ocas como o estomago ou

intestino com uso de agulha, não necessita da técnica chamada laparotomia51 para

reparação, pois conforme elucida o autor, quando da ocorrência dessa modalidade de

perfuração gástrica poderá o anestesista ouvir sons de eructação no abdômen, caso

de reparação via aspiração com sonda naso-gástrica e sutura para reparo de lesão

via laparoscopia.

50 Ibidem, p.21-28 51 Abertura cirúrgica do abdômen para fins diagnósticos.

Page 56: MARCOS AURÉLIO GOMES

54

Nessa linha, de grande valia é o acordão da 17º câmara de Cível de Minas

Gerais acerca da configuração de lesão de vias biliares em procedimento

laparoscópico:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA POR VIDEOLAPAROSCOPIA. LESÃO DE VIAS BILIAIS. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. Comprovada a imperícia do médico na realização do procedimento cirúrgico que ocasionou a lesão de vias biliares, evidente a obrigação de indenizar. Para a fixação do quantum indenizatório, o Juiz deve pautar-se pelo bom senso, moderação e prudência, devendo se pautar, também, pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Os danos estéticos necessitam de comprovação em virtude do procedimento mal sucedido. Estando as cicatrizes dentro dos padrões de normalidade não há que se falar na existência daqueles. v.v. APELAÇÃO CÍVEL - ERRO MÉDICO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. - O quantum da indenização por lesão extrapatrimonial deve ser arbitrado de

forma proporcional às circunstâncias do caso, com razoabilidade e

moderação, e em atenção aos parâmetros adotados pelos Tribunais. (TJ-MG

- AP: 1.0271.14.002131-9/001 0021319-62.2014.8.13.0271 (1), Relator:

Aparecida Grossi, Data de Julgamento: 28/03/2019 17ª Câmara de Direito

Cível, Data de Publicação: 09/04/2019).

Conclui-se, portando, à luz dos estudos científicos elucidados, as complicações

relacionadas a cirurgia videolaparoscópica estão fundamentalmente adstritas à duas

situações: inexperiência dos cirurgiões com a metodologia laparoscópica (fase de

aprendizagem) e as variações do corpo humano, isto é, anatomia, com a qual até

mesmo os cirurgiões experts no procedimento podem encontrar. (SALIM et al, 2008).

11.1 Eletrocirugia: sistemas mono e bipolar em cirurgia videolaparoscopica.

Tem sido relatado na literatura médica que as lesões associadas a

eletrocirurgia via videolaparoscopia estão relacionadas ao do eletrodo monopolar,

com casos registrados de uma a duas lesões a cada mil cirurgias. A ocorrência das

lesões depende de fatores influenciadores.

Page 57: MARCOS AURÉLIO GOMES

55

Explica Manoel Roberto Trindade, Rodrigo Ughini Grazziotin, Rossano Ughini

Grazziotin sobre os fatores que influenciam nas lesões térmicas52

(...)densidade da corrente; o tipo de onda e de coagulação usadas, com suas respectivas voltagens; as condições de isolamento dos dispositivos; a ocorrência do fenômeno de capacitância; e os riscos oferecidos pelo uso em pacientes com marcapasso. No sistema bipolar, a densidade de corrente encontrada ao redor de seus eletrodos é bem menor, levando a menos lesões e, ainda, elimina vários dos outros mecanismos lesivos(...) (TRINDADE, Manoel et al, 1998)

Ademais, consoante o que exemplifica os estudos médicos, nas cirurgias

abertas o operador possui excelente campo de visualização do bisturi elétrico, assim

como da corrente de energia que o dispositivo emite e fundamentalmente visualização

dos tecidos humanos; diferente da cirurgia videolaparoscopica. Tem sido registrado

lesões graves na cirurgia videolaparoscópica, principalmente quando o operador se

utiliza de recursos como a eletrocoagulação.

É seguro afirmar que a ocorrência de lesões nas operações

videolaparoscópicas ocorrem cerca de duas vezes a cada mil procedimentos quando

o instrumental monopolar é utilizado. (Trindade, Manoel et al, 1998).

Dessume-se, portanto, a eletrocirurgia monopolar, embora amplamente

popularizada, possui potencialidade de riscos inerentes ao procedimento, o qual tem

sido fundamentado por meio de estudos na literatura médica. Dentre as falhas

técnicas relativas ao procedimento, destacam-se as seguintes: aquelas intrínsecas ao

mecanismo, como falha na vedação da corrente elétrica que ocasiona fuga da

corrente, relacionadas a capacitância, além de má visualização do campo cirúrgico

pelo cirurgião. (Trindade, Manoel et al, 1998).

52 TRINDADE, Manoel Roberto et al, Eletrocirurgia: sistemas mono e bipolar em cirurgia videolaparoscópica. São Paulo, 1998. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86501998000300010>. Acesso em: 05 de novembro de 2020.

Page 58: MARCOS AURÉLIO GOMES

56

12 CONCLUSÃO

A responsabilidade civil se trata de um dever ex vi lege, isto é, ocorre por força

de lei, seu nascedouro se encontra na máxima latina nominem laedere (a ninguém

ofender), tal máxima impõe a obrigação de reparação de danos efetivamente

causados a outros, quer sejam danos morais ou patrimoniais consubstanciados por

meio de condutas por de ação ou omissão.

No particular caso dos médicos, sua responsabilidade civil é de cunho

subjetivo, isto é, exige-se a comprovação do nexo de casualidade entre o resultado

lesivo e o dano, igualmente a prova de sua culpa, quer seja por negligência,

imprudência ou imperícia.

Dentro do paradigma contratual avençado na relação médico paciente, em que

pese a construção jurisprudencial e doutrinaria da res in ipsa loquitur, a culpa médica

não deve ser presumida. Cabe ao paciente o ônus da prova em sede de culpa

(negligência, imprudência e imperícia), para eventuais reparações.

Mesmo que o médico seja autônomo ou empregado de uma clínica hospitalar

sua responsabilidade será de cunho subjetivo, portanto, imperiosa é a aferição de

culpa no caso dos profissionais médicos.

O médico reponde pelos atos por si mesmo praticados causadores de dano,

assim como pelo fato de outrem, isto é, também responde por ato de terceiros.

Em virtude de caso fortuito ou de força maior, a relação contratual entre médico

e paciente poderá ocorrer dentro do espectro extracontratual em razão de situações

de socorro e emergência.

A relação contratual entre o médico e o seu paciente se caracteriza por sua

natureza singular, isto é, sui generis, por não se tratar de um típico contrato

consumerista ou de prestação de serviços.

Page 59: MARCOS AURÉLIO GOMES

57

No que concerne a obrigação do médico em regra, sua obrigação é de meio,

pois o médico parte de premissas dentro de sua ciência e emprega atividade cognitiva

e intelectual na persecução dos melhores resultados terapêuticos para o paciente,

sendo seguro afirmar que inexiste obrigação de cura.

Em ínfimas situações a obrigação do médico na relação sinalagmática com seu

paciente poderá ser de natureza objetiva, é o que ocorre na oferta de procedimentos

médicos de natureza estética.

O termo de consentimento informado é uma obrigação de natureza legal, moral

e ética do médico na relação bilateral com seu paciente ou quem o represente

legalmente. A informação deve dar ampla ciência ao paciente sobre diagnóstico,

prognóstico, possíveis intercorrências nas terapêuticas e efeitos colaterais nos

procedimentos e terapêuticas.

Nos procedimentos de natureza arriscada deverá o médico colher o termo de

consentimento informado do paciente por meio de documento dando-lhe ampla

ciência acerca do procedimento e eventuais intercorrências. Situação que pode

ensejar excludente de responsabilidade civil em favor do médico em razão da boa-fé

e pratica diligentíssima.

Procedimentos e experimentos médicos que firam a dignidade da pessoa

humana, em patente evidencia de suas desvantagens à saúde e integridade física do

paciente são absolutamente vedados. Caso incida algum médico em tais práticas

estará sujeito a medidas criminais e cíveis.

No palco dos deveres médicos, o cuidado se caracteriza enquanto uma das

práticas fundamentais, razão pela qual, deve o médico atuar com amplo espírito de

humanidade, ética e a acurácia, antes, durante e depois, quer seja da consulta ou

cirurgia.

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Os comportamentos diligentes e preventivos, traduzem-se na melhor estratégia

para preservar o médico de geração de danos ao paciente e consequente

acionamento jurisdicional por sua responsabilidade civil.

Tem se verificado na literatura médica que lesão de órgãos durante a cirurgia

videolaparoscópica não é considerada usual, representando um percentual mínimo

segundo estudos médicos. A partir dos referidos estudos, denota-se que a lesão

ocorre por falha técnica do operador no manuseio dos instrumentais laparoscópicos

durante a cirurgia, assim como pelas lesões térmicas advindas do manuseio com o

bisturi elétrico.

Por derradeiro, se faz indispensável que os médicos compreendam a relação

jurídica que nasce na relação médico-paciente, acerca de seus direitos e deveres para

o bom exercício do ofício médico.

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