marcos josegrei da silva

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Marcos Josegrei da Silva O Direito Penal Econômico e o artigo 17 da Lei nº 7.492/86 Análise de suas elementares, circunstâncias e conseqüências jurídico-penais Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito final para a obtenção do título de mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Ríos CURITIBA Agosto de 2006

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Page 1: Marcos Josegrei da Silva

Marcos Josegrei da Silva

O Direito Penal Econômico e o artigo 17 da Lei nº 7.492/86 Análise de suas elementares, circunstâncias e

conseqüências jurídico-penais

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito final para a obtenção do título de mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Ríos

CURITIBA Agosto de 2006

Page 2: Marcos Josegrei da Silva

Marcos Josegrei da Silva

O Direito Penal Econômico e o artigo 17 da Lei nº 7.492/86 Análise de suas elementares, circunstâncias e

conseqüências jurídico-penais

Dissertação apresentada como requisito final para a obtenção do título de mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Prof. Dr. Rodrigo Sánchez Ríos Orientador

Prof. Dr. Vladimir Passos de Freitas Membro

Prof. Dr. Luiz Antônio Câmara Convidado

Curitiba, 29 de agosto de 2006

Page 3: Marcos Josegrei da Silva

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.

Marcos Josegrei da Silva

Graduou-se em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1997. É Juiz Federal desde janeiro de 2000 e atualmente exerce a judicatura junto à 1ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu, Seção Judiciária do Paraná. Foi professor da Disciplina de Direito Penal na Faculdade de Direito de Curitiba e na Universidade Tuiuti do Paraná.

Ficha Catalográfica

Silva, Marcos Josegrei da

S586d 2006 O direito penal econômico e o artigo 17 da Lei nº

7.492/86: análise de suas elementares, circunstâncias e conseqüências jurídico-penais / Marcos Josegrei da Silva; orientador, Rodrigo Sánchez Ríos. – 2006.

135 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade

Católica do Paraná, Curitiba, 2006 Inclui bibliografia 1. Direito penal. 2. Direito econômico. 3. Brasil. Lei n.

7.492, de 16 de Junho de 1986. I. Sánchez Ríos, Rodrigo. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDD 20. ed. – 341.5 341.378

Page 4: Marcos Josegrei da Silva

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Rodrigo Sánchez Ríos pelo apoio, orientação e, acima de

tudo, pela convivência respeitosa, cordial e fraterna que mais se acentuou neste

período de contato acadêmico freqüente.

A Maria Emília Loyola Ponestk, bibliotecária exemplar, pelo valoroso auxílio na

busca de obras que muito enriqueceram este trabalho, sem o que a pesquisa

certamente se ressentiria de conteúdo.

A Eva de Fátima Curelo, secretária do curso, por sua atenção e presteza ao longo

de todo o período.

Ao Programa de Aperfeiçoamento do Magistrado da Escola da Magistratura

Federal e à Corregedoria-Geral do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pelo

apoio prestado para viabilizar a freqüência ao curso.

Especialmente, a minha dedicada e incansável esposa Bianca de Freitas Mazur,

pela compreensão, carinho, amizade, paciência e apoio em todos os momentos, a

quem aprendo a amar, respeitar e admirar cada dia mais.

Page 5: Marcos Josegrei da Silva

Resumo

Silva, Marcos Josegrei da. O Direito Penal Econômico e o artigo 17 da

Lei nº 7.492/86 – análise de suas elementares, circunstâncias e conseqüências jurídico-penais. Curitiba, 2006. 135p. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Direito. Direito Econômico e Social. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

O Direito Penal Econômico e o artigo 17 da Lei nº 7.492/86 – análise de

suas elementares, circunstâncias e conseqüências jurídico-penais consiste no

estudo dos tipos contidos no citado artigo da Lei dos “crimes contra o sistema

financeiro”, que integra o Direito Penal Econômico. Este abarca bens jurídicos

merecedores de proteção penal de titularidade supra-individual, sucedendo

tradicionais dispositivos penais decorrentes do tripé vida-integridade física-

patrimônio. Desde sua entrada em vigor, os tipos contidos naquela lei,

destacando-se aquele objeto desta dissertação, ressentem-se de um estudo mais

aprofundado, devido à reduzida tradição deste em lidar com bens jurídicos de

titularidade predominantemente coletiva, bem como da historicamente pequena

abordagem destes delitos pela jurisprudência nacional. Com o incremento da

persecução criminal capitaneada pela criação de Varas Federais especializadas no

julgamento dessa espécie delitiva no país, e a instituição de núcleos específicos de

trabalho no âmbito do Ministério Público e da Advocacia, impõe-se o estudo

cientificamente orientado de seus dispositivos, à luz da teoria do Direito

Constitucional, Penal e Econômico. Assim, busca-se uma análise detalhada do

tipo em exame em face dos valores extraídos da Constituição da República,

notadamente decorrentes das garantias fundamentais e do capítulo da Ordem

Econômica, propondo-se, adiante, soluções mais consentâneas com a natureza

dessas práticas delitivas, guardada a proporcionalidade entre ação, bem jurídico e

resposta social esperada, objetivando a inserção, para além do encarceramento

celular, de outras modalidades de pena mais ajustadas aos ditames da pós-

modernidade, legitimando a atuação do Direito Penal na tutela destes bens

jurídicos em um Estado Democrático e Social de Direito.

Page 6: Marcos Josegrei da Silva

Palavras-chave

Direito. Penal. Econômico. Financeiro. Constituição. Garantias. Vedações.

Estado. Legitimidade. Penas.

Page 7: Marcos Josegrei da Silva

Abstract

Silva, Marcos Josegrei da. Penal Economic Law and the article 17 of Law

7492/86 – analysis of its legal-penal basis, circumstances and consequences. Curitiba, 2006. 135p. MSc Dissertation – Programa de Pós-Graduação em Direito. Direito Econômico e Social. Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Penal Economic Law and the Article 17 of Law 7492/86 – analysis of its

legal-penal basis, circumstances and consequences, consisting of the study of the

types contained in above-mentioned article of Law about “crimes against the

financial system”, which integrates the Economic Penal Law. The latter includes

legal assets which merit penal protection of supraindividual titleship, succeeding

traditional penal devices resulting from the life-physical integrity-patrimony

tripod. Since it came into force, the types contained in that law, with emphasis

given to the one which is the object to this dissertation, resent a deeper study, due

to the reduced tradition for dealing with legal assets of predominantly collective

titleship, as well as the historically limited extent to which these crimes are

addressed by national jurisprudence. With the increase of criminal persecution

headed by the creation of Federal Jurisdictions specialized in judging that type of

crime in the country, and the establishment of specific work nuclei in the area of

the Department of Justice and of the Practice of Law, the need arises for a

scientifically oriented study of its mechanisms, in the light of the theory of

Constitutional, Penal and Economic Law. In this way, we seek a detailed analysis

of the crime studied in view of values extracted from the Constitution of the

Republic, notably resulting from fundamental rights and from the chapter on

Economic Order, proposing, further on, solutions more suitable to the nature of

those criminal practices, with a proportionality maintained between action, legal

asset and expected social response, having as an objective the implantation,

beyond the cellular imprisonment, of other modalities of penalties more

appropriate to post-modern principles, legitimating the performance of Criminal

Law in the tutelage of these legal assets in a Democratic and Social State of Law .

Page 8: Marcos Josegrei da Silva

Keywords

Law. Penal. Economic. Financial. Constitution. Rights. Prohibition. State.

Legitimacy. Penalties.

Page 9: Marcos Josegrei da Silva

Sumário

Introdução................................................................................................................10

1. Constituição, Economia e Bem Jurídico ...........................................................13

1.1 O Direito Fundamental ao Desenvolvimento, a Constituição

Federal e a Tutela da Ordem Econômica .........................................................13

1.2 O Direito Econômico, Monetário e o Sistema Financeiro Nacional.............19

1.3 O Bem Jurídico como Objeto de Tutela Penal e a Constituição

Federal..............................................................................................................26

1.4 A Economia como Bem Jurídico Penalmente Protegido: o Direito

Penal Econômico ..............................................................................................32

2. O Direito Penal Econômico ................................................................................39

2.1 Origem e Desenvolvimento Histórico..........................................................39

2.2 Âmbito de Abrangência e Limites ...............................................................45

2.3 Os Crimes contra o Sistema Financeiro: Generalidades ............................53

3. O Artigo 17, caput e parágrafo único, I, da Lei de Crimes contra o

Sistema Financeiro Nacional..................................................................................59

3.1 Antecedentes Históricos e o Âmbito de Incidência do Tipo ........................59

3.2 Os Sujeitos Ativos do Crime e o Artigo 25 da Lei nº 7.492/86 .................. 71

3.3 O Princípio da Lesividade e o Crime Capitulado no Artigo 17 da

Lei: a Aplicação do Princípio da Insignificância e o Caso das

Administradoras de Consórcio ........................................................................ 77

4. Direito Penal Econômico, Crimes contra o Sistema Financeiro e

(re)Legitimação do Direito Penal: atualidades e perspectivas .......................... 90

4.1 Um Novo Paradigma para o Direito Penal? .............................................. 90

4.2 As Respostas Criminais Adequadas para os Crimes contra o

Sistema Financeiro ......................................................................................... 98

4.3 A Neocriminalização, a Intervenção Penal Econômica e a

(re)Legitimação Social do Direito Penal na Pós-Modernidade........................112

Conclusão ..............................................................................................................119

Referências Bibliográficas ...................................................................................126

Page 10: Marcos Josegrei da Silva

INTRODUÇÃO

A escolha do tema em questão decorre de sua atual importância no âmbito

do Direito Penal, em um dos seus ramos denominado Direito Penal Econômico,

sobretudo em um momento histórico em que se vislumbra um incremento da

persecução criminal envolvendo a prática de delitos dessa espécie, com a

especialização de Varas Federais e o conseqüente despertar da comunidade

acadêmica e dos operadores do direito em geral para a necessidade de um maior

aprofundamento dos estudos em torno das particularidades que cercam os

elementos e institutos contidos nos chamados crimes econômicos, dentre os quais

avultam os denominados ‘crimes de colarinho branco’.

Nesse passo, verifica-se que o adequado estudo dos preceitos e tipos penais

insculpidos na Lei nº 7.492/86, em particular no seu artigo 17 e inciso I,1 à luz dos

dispositivos constitucionais contidos na Carta de 1988, viabiliza a sua correta

aplicação, auxiliando na construção de modernos paradigmas de justificação,

interpretação e resposta jurídica por parte do Direito Penal nacional, ao tempo em

que se contribui para a superação de modelos criminais convertidos em

verdadeiros dogmas, dentre os quais o manejo exacerbado da pena de privação de

liberdade como resposta social à prática delitiva, o que é, na maior parte dos

casos, incompatível com a natureza e lesividade das condutas perpetradas nos

crimes econômicos, em especial aquelas contidas no artigo 17 da Lei nº 7.492/86.

Demais disso, a análise aprofundada dos tipos penais em questão faz-se

indispensável para que se busque verdadeira relegitimação do Direito Penal

perante a coletividade e a comunidade acadêmica, respondendo assim às

modernas demandas sociais decorrentes de novos tipos penais que reclamam

1 Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo; II – omissis.

Page 11: Marcos Josegrei da Silva

11

apreciação por uma ótica ainda pouco desenvolvida desse ramo do direito,2

efetivando uma leitura constitucional dos delitos em espécie, evitando-se, assim, a

perpetuação de injustiças decorrentes da incorreta aplicação de suas disposições,

tanto pela violação da cláusula de proibição de excesso quanto da de proibição de

proteção insuficiente, como implicação do próprio Estado Democrático e Social

de Direito, suas funções e configuração, em face da ausência de estudo

aprofundado acerca das elementares e circunstâncias que envolvem essas espécies

delitivas.

A Lei nº 7.492/86 instituiu os “crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional” (também conhecidos como “crimes do colarinho branco”) e situa-se no

campo do chamado Direito Penal Econômico, que se vem desenvolvendo com

maior ênfase ao longo das últimas três décadas no Brasil. Este traz consigo uma

nova geração de bens jurídicos elencados como merecedores de proteção jurídico-

penal, de viés supra-individual, sucedendo os tradicionais dispositivos assentados

no tripé vida-integridade física-patrimônio, seguidos de outros de nítida titulação

individual.

Sem o objetivo de reduzir a importância desses últimos, os preceitos

decorrentes do Direito Penal Econômico vêm a eles se agregar, inaugurando, por

assim dizer, uma outra geração de bens objeto de alcance penal. Ocorre que, desde

sua entrada em vigor, os tipos contidos naquela lei, destacando-se aqueles que são

objeto desta dissertação, ressentem-se de um estudo mais aprofundado, o que se

pode facilmente verificar em face da escassa bibliografia nacional existente a

respeito. A origem dessa circunstância está, de um lado, na reduzida tradição de o

Direito Penal em lidar com bens jurídicos fluidos, de titularidade cuja

identificação é predominantemente coletiva e, de outro lado, na pequena

repercussão até hoje que estes delitos tiveram na jurisprudência nacional, tendo

2 A legitimidade do Direito Penal como meio de expressão e controle social de há muito vem sendo objeto de questionamento por parte dos estudiosos e operadores jurídicos. Boa parte dessas interrogações decorrem dos efeitos maléficos oriundos da aplicação da pena de privação da liberdade ao condenado. A par disso, questiona-se a forma de seleção dos bens jurídicos que são objeto de tutela desse ramo do Direito – como já se disse usualmente expressa por valores de titularidade individual –, que historicamente suscita discussões acerca de sua real importância e credibilidade no seio social, uma vez que, segundo alguns autores, tem servido exclusivamente para a opressão das classes menos favorecidas e em favor da manutenção do status quo vigente. Nessas condições, muito se discute sobre aquele que seria o verdadeiro assim chamado ‘público-alvo’ do Direito Penal em seu pólo passivo, composto majoritariamente de indivíduos de reduzida capacidade econômica, recrutados na base da pirâmide social. Nesse sentido, dentre outros: BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. p. 175-196.

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surgido alguns precedentes somente em meados da década de 1990. Com isso,

renova-se o desafio de se decomporem, cientificamente, tipos penais introduzidos

na legislação de regência no último quarto de século, que, como já se disse,

contemplam bens jurídicos de viés econômico supra-individual, potencialmente

ofendidos por indivíduos que se encontram no topo, ou bem próximo dele, da

pirâmide social.

Assim, estudam-se inicialmente a conformação constitucional da Ordem

Econômica e do Sistema Financeiro e do próprio Estado Democrático e Social de

Direito para, adiante, se reconhecer a importância do bem jurídico para o Direito

Penal e a sua correta identificação nas normas jurídicas criminais. Esgotada esta

fase, examina-se o Direito Penal Econômico, suas características, histórico e bens

objeto de tutela, identificando-se dentre eles o Sistema Financeiro Nacional, no

bojo do qual se localiza o artigo 17 e parágrafo único, I da Lei nº 7.492/86, objeto

de acurado estudo neste trabalho.

Após a análise, portanto, de todas as elementares e circunstâncias do

mencionado artigo, expondo-se as divergências doutrinárias existentes sobre a

própria viabilidade teórica da existência de delitos desta natureza, propõem-se

soluções para uma contradição evidenciada em uma duplicidade de postura do

legislador que, de um lado, contempla novas condutas incriminadas e, de outro,

propõe soluções e respostas a estas condutas de há muito superadas no âmbito do

pensamento jurídico nacional e internacional, evidenciadas no recrudescimento da

pena de encarceramento, em absoluto descompasso, muitas vezes, com os

princípios constitucionais da proporcionalidade, da necessidade e da suficiência.

Isso contribui para a deslegitimação social desse ramo do Direito, gastando

preciosa oportunidade de se resgatá-la e, mesmo, reconstruí-la à luz dos anseios

da comunidade acadêmica e da sociedade em geral.

Em síntese, examina-se, a partir da revisão da bibliografia disponível, o tipo

em face dos valores constitucionais extraídos da Constituição da República de

1988, notadamente aqueles insertos nas garantias fundamentais e no capítulo da

Ordem Econômica, propondo-se, ao fim, soluções mais consentâneas com a

natureza das práticas delitivas em apreço, guardada a proporcionalidade entre

ação, resultado e resposta social esperada.

Page 13: Marcos Josegrei da Silva

13

1 CONSTITUIÇÃO, ECONOMIA E BEM JURÍDICO

1.1. O DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO, A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A TUTELA DA ORDEM ECONÔMICA

A partir da constituição da ONU em 1945 inaugura-se a história de sua

preocupação com as questões referentes ao desenvolvimento, como parte dos

direitos humanos. Inicia com a Carta de São Francisco e a Declaração Universal

dos Direitos do Homem de 1948. Até a década de 1960 os termos

‘desenvolvimento’ e ‘crescimento econômico’ eram considerados sinônimos. A

partir de então, passa-se a observar uma sensível modificação em seu conteúdo,

impulsionado por movimentos multilaterais capitaneados pela Organização das

Nações Unidas. Exemplos disso são a instituição, em 1961, do 1º Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento, reconhecendo o subdesenvolvimento

como um problema global, que exige a solidariedade internacional para sua

solução; a adoção do Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais (1966), em que surgem como conceitos-chave a

autodeterminação dos povos e o direito das pessoas a uma condição de vida

adequada; e a proclamação pela ONU da Declaração sobre o Progresso e o

Desenvolvimento no Campo Social (1969), em que se reafirma a responsabilidade

internacional quanto ao desenvolvimento global. Durante a 2ª Década das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (1971-1980) continua a se modificar o conceito

de desenvolvimento, aliando-se a necessidade de crescimento econômico à de

desenvolvimento cultural e social no plano nacional e internacional para defini-lo,

o que é, por fim, complementado na 4ª Década das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (1991-2000), em que, a partir dos postulados da Declaração

sobre Cooperação Econômica Internacional de 1990, se evidencia a relevância de

um clima econômico internacional favorável, de políticas nacionais apropriadas e

da valorização dos recursos humanos para se atingir o desenvolvimento.3

3 PERRONE-MOISÉS, Cláudia. Direitos Humanos e Desenvolvimento: a contribuição das Nações. In AMARAL JR., Alberto; et alli. O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, p. 179-196.

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14

Seguindo esta linha evolutiva, percebe-se que o termo ‘desenvolvimento’

adquire, na Comunidade Internacional, um novo significado, ultrapassando o

puramente econômico para ganhar outras conotações, pressupondo uma

aproximação integrada (econômica e social) e uma ação global. O direito ao

desenvolvimento, pois, compreende-se como um dos direitos fundamentais do

Homem, ultrapassando a mera petição de princípios que, de forma passiva,

norteava os Estados, para se concretizar em uma atividade fundada no conceito de

solidariedade e de justiça econômica distributiva. É tido, desde então, como um

direito de crédito, oponível contra terceiros. É visto como um meio a serviço de

uma finalidade que é o desenvolvimento humano. O direito ao desenvolvimento

inclui-se entre os direitos humanos e liberdades fundamentais, somente se

justificando nesse contexto. A idéia de desenvolvimento passa a se centrar na de

desenvolvimento social, focado no ser humano.4

No Brasil, o art. 174 da CF/88 caracteriza a passagem de um Estado ausente

para um Estado presente no setor econômico.5 Esta presença é reforçada pelo art.

3º da mesma Carta. O direito ao desenvolvimento econômico é, pois, direito

fundamental. Os fins da República delimitam a interpretação dos dispositivos da

Constituição, evidenciando a opção por um verdadeiro Estado Social e

Democrático de Direito, cuja característica diferenciadora do mero Estado

Democrático de Direito reside no fato de que aquele é “positivamente atuante para

ensejar o desenvolvimento (não o mero crescimento, mas a elevação do nível

cultural e a mudança social) e a realização de justiça social (é dizer, a extinção das

injustiças na divisão do produto econômico)”.6

A produção da riqueza se orienta pelo princípio distributivo da ação

interventiva do Estado na ordem econômica, observado o princípio do

desenvolvimento nacional. O Estado, por sua atuação, materializa os princípios e

organiza a produção, neutralizando tensões inerentes ao processo produtivo entre

o público e o privado, entre democracia e capitalismo. Nesse sentido é que se

investiga a função do Estado dentro da realidade social concreta, no bojo do que o

desenvolvimento econômico é garantia de um melhor nível de vida coordenada

4 Ibid., p. 179-196. 5 Nada obstante a Constituição Federal de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, disciplinasse a questão da Ordem Econômica em quatorze artigos, sem entretanto alterar a sistemática constitucional adotada no Brasil desde 1934, marcada pela ausência estatal na regulação e planificação econômicas em termos de normatividade constitucional.

Page 15: Marcos Josegrei da Silva

15

com um equilíbrio na distribuição de renda e de condições de vida mais saudáveis.

O desenvolvimento, por seu turno, tem de estar relacionado com a melhora da

vida e das liberdades e não somente com o aumento da riqueza produzida. É o

crescimento a serviço do homem, já que multiplicidade de bens sem divisão justa

ou possibilidade razoável de adquiri-los não é fator de paz social.7

Esse modo de enxergar o desenvolvimento é permitido pela interpretação

dos princípios da ordem econômica constitucional, concluindo-se que o art. 174

da nossa Constituição Federal assenta-se em: apresentação de um direito

fundamental ao desenvolvimento nacional planejado e descrição de um dever do

Estado em promover o desenvolvimento econômico nacional, com qualidade de

vida para cada cidadão. Isso é feito por intermédio do que se convencionou

denominar em direito como política pública, que é o planejamento qualificado no

mencionado art. 174 da CF. Nesse passo, o termo ‘desenvolvimento nacional’ é

mais do que indicativo e menos do que cogente, é determinante. Encerra conteúdo

de dirigir, coordenar, impor a relevância de determinadas condições e aspectos

essenciais com vistas ao desenvolvimento nacional, condicionando o econômico

ao jurídico.8

Tem-se a possibilidade de controle da ação estatal sob a égide deste

mandamento nuclear. Volta-se à melhoria das condições sociais que repercutirão

sobre todos, sem exclusão, e tem em conta, além do progresso econômico, a

elevação de níveis educacionais, culturais e tecnológicos, diminuição de desníveis

sociais e solução de problemas de saúde, como superação daquela concepção cujo

auge se deu no curso do século XIX, até as primeiras três décadas do século XX,

em que o mercado auto-regulável era considerado instituto natural, surgido a

partir das realizações espontâneas dos homens, em que reinava o entendimento

segundo o qual a apropriação privada – e a atividade econômico-empresarial em

geral – caracterizava um fim em si mesma, marcada pela pura e simples

acumulação de ativos, visto que uma sociedade assim seria o objetivo de todo o

progresso, porque se fundamentava nas características imutáveis da raça humana.

Assim, o sistema econômico deixa de organizar a lei da sociedade, garantindo-se

o primado desta sobre aquele. O mercado deixa de ser auto-regulável, uma vez

6 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público, p. 55. 7 SILVA, Guilherme A. C. Direito ao Desenvolvimento, p. 62-66. 8 Ibid., p. 66-67.

Page 16: Marcos Josegrei da Silva

16

que dele se retira o trabalho, a renda e o dinheiro, os quais passam a ter controle e

regulação social. A retirada desses fatores das mãos da auto-regulação do mercado

implica o reconhecimento de que eles não mais se enquadram no conceito de

‘mercadoria’ em que até então estavam situados.9

Nesse contexto histórico ainda atual, o constituinte, a par de estabelecer a

execução de políticas públicas, dotou o Estado de inúmeros instrumentos capazes

de implementá-las, a saber, dentre outros: o art. 5º, XXIX (proteção da criação

industrial e obra intelectual); art. 21, IX (planos nacionais e regionais de

ordenação do território e desenvolvimento econômico e social); art. 21, XX

(diretrizes para desenvolvimento urbano e redução de desigualdades regionais);

art. 43 (obrigatoriedade dos mandatários de apontar o desenvolvimento nacional

orientado e racional, superando, inclusive, os óbices decorrentes do pacto

federativo); art. 151 (tributação e seus critérios); art. 159, I, c (transferência de

recursos tributários para superação de desigualdades regionais); art. 23, § único

(cooperação entre entes federados para equilíbrio no desenvolvimento e bem-estar

nacional); art. 35, III (intervenção nos casos de descumprimento de aplicação

constitucional de verbas); art. 48 (competência do Congresso Nacional para

programas de desenvolvimento); art. 170, VI (defesa do meio ambiente); art. 171

(benefícios fiscais para empresas nacionais de atividade estratégica e

desenvolvimento de tecnologias); art. 174 (planejamento econômico para o

desenvolvimento nacional equilibrado); art. 180 (estímulo ao turismo); art. 182

(desenvolvimento urbano para desenvolvimento nacional); art. 192 (sistema

financeiro nacional para servir aos interesses da coletividade e ao

desenvolvimento nacional); art. 219 (mercado interno como patrimônio nacional a

ser estimulado); art. 239 (repartição do PIS para financiamento de projetos de

desenvolvimento); art. 34, § 11, do ADCT (Banco de Desenvolvimento do

Centro-Oeste para cumprir os arts. 159, I, c e 192, § segundo, da CF).10

9 POLANYI, Karl. A Grande Transformação, p. 289-301. 10 Merece registro a circunstância de que efetivamente a Constituição Federal de 1988 inovou significativamente quanto ao destaque (é a primeira vez em que o ‘Título’ Ordem Econômica dividiu-se em quatro ‘capítulos’, distribuindo-se em vinte e dois artigos a tratar do tema), relevância e instrumentos de que dotou o Estado com relação à atividade econômica, comparativamente às Cartas que a antecederam. Entretanto, convém ressaltar que todas as Constituições brasileiras, desde 1934, seguindo a evolução histórica experimentada mundialmente pelas razões ora destacadas, trataram da chamada ‘ordem econômica’, atribuindo em maior ou menor escala relevância estatal no planejamento econômico nacional e sua implementação. Para um panorama mais detalhado acerca da matéria veja-se: SOUZA, Washington Peluso Albino de. A

Page 17: Marcos Josegrei da Silva

17

Portanto, as políticas públicas, tais como as acima mencionadas, são normas

cogentes e diretivas, voltadas ao Poder Público, cabendo a este implementá-las,

com publicidade, transparência e objetividade, motivadamente, transmutando-se,

por isso, de questão política em questão jurídica, podendo ser contrastadas perante

o Poder Judiciário, seja por ação errada, seja por omissão indevida.11 É por meio

delas que o Estado tem a obrigação de direcionar, organizar e regular a atividade

empresarial que, como toda e qualquer atividade exercida no País, deve estar

conforme a Carta Magna, os objetivos nacionais e a implementação dos direitos

humanos, sem que isso implique desprezo ao que se entende por liberdade e ao

exercício dos poderes inerentes à propriedade, em uma verdadeira compreensão

da ação econômica como meio e não como fim, consentânea com o entendimento

que se vem consolidando desde o fim da primeira quadra do século XX. Afinal, “a

Constituição de 1988 consagrou sistema capitalista, fundado na propriedade

privada dos meios de produção e no livre exercício das atividades econômicas.

Mas foi atribuída ao Estado a competência para intervir no domínio econômico”.12

Nesse contexto merece destaque a noção de política econômica – uma das

políticas públicas – que tal como se conhece atualmente remonta ao pós Primeira

Guerra, intensificando-se a partir da crise de 1929 nos Estados Unidos, sendo

conseqüência direta da concentração de empresas e relacionamento de massas, “a

exigir a interferência de um intermediário a influir no direcionamento e condução

da economia”.13 Surgiram, então, medidas de política econômica adotadas pelos

Estados. Estas passaram a interessar ao Direito, à vista do conjunto sistemático de

normas destinadas a reger a economia, emanadas pelo ente estatal. Daí, então, o

Direito Econômico, que deriva dos princípios constitucionais insertos na Ordem

Econômica de nossa Carta Magna,14 dos quais destacam-se, além dos

expressamente dispostos no Título VII, sobretudo em seu art. 170, os seguintes:

dignidade da pessoa humana; soberania nacional; propriedade privada; função

social da propriedade; valores sociais do trabalho e livre iniciativa; garantia do

desenvolvimento nacional; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do

meio ambiente; construção de uma sociedade livre, justa e solidária; redução das

experiência brasileira de Constituição Econômica, in Revista de Informação Legislativa nº 102, p. 21-49. 11 SILVA, G. A. C., Ob. cit., p. 121-128. 12 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, p. 466. 13 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico, p. 24.

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18

desigualdades regionais e sociais; pleno emprego; tratamento favorecido para

empresas brasileiras de pequeno porte; proteção da empresa nacional; garantia do

direito de greve; erradicação da pobreza.

A esse propósito, as palavras de GRAU:

A ordem econômica (mundo do dever-ser) produzida pela Constituição de 1988 consubstancia um meio para construção do Estado Democrático de Direito que, segundo o artigo 1º do texto, o Brasil constitui. Não o afirma como Estado de Direito Social – é certo – mas a consagração dos princípios da participação e da soberania popular, associada ao quanto se depreende da interpretação, no contexto funcional, da totalidade dos princípios que a conformam (a ordem econômica), aponta no sentido dele.15

Atualmente, considerando-se, pois, o Estado de Direito Democrático e

Social em que se vive, impõe-se a observância, por parte das autoridades que

exercem os poderes econômico e monetário, dos princípios constitucionais

descritos, calcados nos valores da livre iniciativa, da dignidade da pessoa e da

promoção do bem comum, o que, como já se teve ocasião de mencionar, justifica

a própria intervenção estatal indireta (ou normativa) e direta16 neste ramo das

relações sociais. De todo modo, evidentemente, esta deve respeitar as diretrizes da

necessidade e da proporcionalidade, com vista a que se logre o atingimento dos

objetivos sociais contidos em nossa Constituição visto que, como disse Jean Paul

VEIGA DA ROCHA, “em todos esses casos, são criadas pesadas restrições a

princípios jurídicos constitucionais, como a autonomia da vontade, liberdade

14 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 24. 15 Ibid., p. 274. Anote-se que, conquanto não se possa de fato considerar que nossa Carta Constitucional expressamente assume o Estado brasileiro como um Estado Social, os preceitos descritos efetivamente apontam para que se perceba nítida e efetiva conformação política desta natureza, conforme se deduz do que até agora foi apresentado. Daí, pois, o entendimento adotado neste trabalho de que se tem no Brasil atual verdadeiro Estado Democrático de Direito e Social, em face da opção constitucional adotada em 1988, nada obstante ainda se esteja intentando a concretização de boa parte dos direitos reconhecidos na Constituição Federal vigente. A propósito da dificuldade desta concretização, relevante é o trabalho de STRECK, Lênio em seu ‘A concretização de direitos e a validade da tese da Constituição dirigente em países de modernidade tardia’ in NUNES, Antônio José Avelãs; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Org.). Diálogos Constitucionais: Brasil/Portugal, p. 301-371. 16 A distinção nos é fornecida por JUSTEN FILHO (ob. cit.) que cita como fundamento da intervenção indireta o art. 174 da CF/88 e da intervenção direta os arts. 173 e 175, ambos da CF/88.

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19

contratual, propriedade privada, livre iniciativa, livre concorrência e mesmo ao

princípio federativo”.17

1.2. O DIREITO ECONÔMICO, MONETÁRIO E O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

Dessa matriz constitucional é que deriva a noção de Direito Econômico que,

de acordo com Fábio Konder COMPARATO, pode ser definido como “o conjunto

das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de

sua política econômica”.18 Acorde com Washington Peluso Albino de SOUZA,

este é “o ramo do Direito, composto por um conjunto de normas de conteúdo

econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica

referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as – pelo

princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica”.19

Ainda, merecem relevo as palavras de Celso BASTOS, para quem:

O Direito Econômico surgiu a partir do desenvolvimento de um ordenamento jurídico destinado a regular a intervenção do Estado na Economia. Esse desenvolvimento se deu precipuamente a partir da noção de ‘Estado do Bem-Estar Social’ (Welfare State), é dizer, após a Primeira Guerra Mundial. Pode-se conceituar o Direito Econômico como sendo o ramo autônomo do direito que se destina a normatizar as medidas adotadas pela Política Econômica através de uma ordenação jurídica, é dizer, a normatizar as regras econômicas, bem como a intervenção do Estado na economia.20

Na mesma ordem de idéias Geraldo de Camargo VIDIGAL afirma que:

O Direito Econômico é a disciplina jurídica de atividades desenvolvidas nos mercados, visando a organizá-los sob a inspiração dominante do interesse social. Seu objeto não exaure as relações de mercado, que, enquanto prevalentemente inspiradas nas soluções da autonomia de vontade, desenvolvem-se no plano do Direito Comercial. Orientado o Direito Econômico teleologicamente pelos ideais do Desenvolvimento e do Bem-Estar, marcado pelos métodos nascidos na macroanálise da evolução dos mercados, preocupado com a disciplina de variáveis comportamentais e instrumentais, seu objeto reclama consideração minuciosa.21

17 ROCHA, Jean Paul C. Veiga da. O Controle de Constitucionalidade da Capacidade Normativa de Conjuntura do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central: O Caso do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, p. 118-119. 18 COMPARATO, Fábio Konder. O Indispensável Direito Econômico,Revista dos Tribunais, v.353, p.22. 19 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito Econômico, p. 3. 20 BASTOS, Celso. Curso de Direito Econômico, p. 51. 21 VIDIGAL, Geraldo de Camargo. Teoria Geral do Direito Econômico, p. 44.

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20

Evidentemente, outras definições há acerca do real significado do Direito

Econômico como ramo da ciência jurídica, destacando-se a discussão existente

sobre a própria denominação da disciplina, travada a partir da alegada distinção

conceitual existente entre aquele e o chamado Direito da Economia, acirrando-se a

divergência intelectual sobretudo entre franceses e italianos, com estes, em regra,

entendendo ser de melhor técnica a segunda denominação e aqueles optando pela

primeira. Enfim, atualmente, a questão parece estar melhor definida, concluindo-

se que o chamado Direito Econômico se caracterizaria pelo seu objeto e o Direito

da Economia pela especificidade das normas que produz, não havendo, dessa

forma, contraposição conceitual relevante entre um e outro.22

Claro está que os autores citados adotam um conceito restrito de Direito

Econômico, uma vez que o entendem destinado a solucionar questões postas pela

intervenção do Estado nas relações econômicas, não acolhendo em sua obra o

chamado conceito amplo, que reconhece a existência deste ramo jurídico em toda

a regra que tenha sido editada para reger relações humanas de índole econômica.23

De qualquer modo, adotando-se seja o conceito amplo, seja o conceito restrito, o

Direito Econômico compreende também o chamado direito monetário, que

representa o conjunto de normas aplicáveis à moeda, entendida esta tanto como

instrumento de pagamento, abrangendo o curso legal e o curso forçado (moeda de

liquidação), quanto como denominador comum de valores (unidade de conta),

abrangendo os índices ou indexadores24. Este passou, a partir da década de 1920, a

ser tratado na doutrina estrangeira “com os trabalhos de Arthur Nussbaum, na

Alemanha, e Tullio Ascarelli, na Itália, mas só começou a preocupar os juristas

brasileiros a partir da década de 1950, quando se admitiu a existência, por parte do

Estado, de um verdadeiro poder monetário”.25

O Estado, a partir do reconhecimento da inexistência de uma moeda estável

e, por conseqüência, da ocorrência da inflação, passou a interferir nas relações

patrimoniais, antes desenvolvidas apenas entre o credor e o devedor, fixando o

valor da moeda e o índice e redimensionando as prestações das partes.

22 FONSECA, J. B. L. da. Ob. cit., p. 12-13. 23 Ibid., p. 13. 24 WALD, Arnoldo. O Novo Direito Monetário: Os Planos Econômicos, o FGTS e a Justiça, p. 35-36. 25 Ibid., p. 35-36.

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21

Imprescindível, pois, a atuação do direito monetário, afirmando-se que “os limites

entre os interesses individuais e o aparente interesse geral, entre o patrimônio

individual, que deve ser resguardado, e a necessidade de combater a inflação e de

garantir a paz social é tarefa difícil, tornando-se o calvário, não só dos credores,

mas também dos juristas, dos advogados e, especialmente, dos juízes”.26

Com relação especificamente à chamada política monetária pode-se afirmar

que ela se insere em um grupo de quatro políticas que se devem identificar com a

política econômica global de um determinado Estado, a saber: política fiscal,

cambial e de rendas, além, é claro, da própria política monetária. A política

econômica global deve estar de acordo com os objetivos desse Estado.27 Tais

objetivos independem de uma ou outra corrente ideológica que,

momentaneamente, ocupe a posição de governo, pois, como vimos, têm eles

assento constitucional.28 Assim, devem sempre consistir “em promover o

desenvolvimento econômico, garantir o pleno emprego e sua estabilidade,

equilibrar o volume financeiro das transações econômicas com o exterior,

estabilidade de preço e controle da inflação, promover a distribuição da riqueza e

das rendas”.29

A política monetária pode ser definida “como o controle da oferta da moeda

e das taxas de juros que garantam a liquidez ideal de cada momento

econômico”.30 Segundo Henrique MARINHO “é, sem dúvida, um importante

instrumento por intermédio do qual as autoridades governamentais procuram atuar

com a finalidade de promover a estabilidade econômica do país. Quanto mais

desenvolvido é o sistema financeiro, mais eficiente se torna a utilização de

instrumentos tradicionais de controle monetário”.31

A respeito dos mencionados instrumentos podem eles ser elencados na

seguinte ordem: recolhimentos compulsórios (depósitos compulsórios),

redesconto (empréstimo de liquidez ou assistência financeira de liquidez),

26 Ibid., p. 35-36. 27 No ponto, ao abordar a importância da noção de política econômica, após defini-la, José Nabantino RAMOS afirma que “contrariamente ao que se tem afirmado, não são as forças econômicas que governam a sociedade, mas a Política, que por intermédio do Direito domina o econômico”, aduzindo ainda que “para realizar a sua Política Econômica é que o Estado dirige a Economia, com os poderes absolutos de que dispõe”. Sistema Brasileiro de Direito Econômico, p. 96. 28 Relembre-se, a propósito, o disposto no art. 3º da Constituição Federal de 1988. 29 FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços, p. 33. 30 Ibid., p. 33. 31 MARINHO, Henrique. Política Monetária no Brasil, p. 37.

Page 22: Marcos Josegrei da Silva

22

operações de mercado aberto e controle e seleção de crédito. O primeiro regula o

multiplicador bancário, imobilizando uma parte maior ou menor dos depósitos,

restringindo ou alimentando o processo de expansão dos meios de pagamento; o

segundo é o socorro que o órgão de centralização bancária oficial fornece aos

bancos para atender a suas necessidades momentâneas de caixa, fazendo com que

os meios de pagamento sejam reduzidos ou expandidos; o terceiro é o mais ágil

deles e, por seu intermédio, são permanentemente reguladas a oferta monetária e o

custo primário do dinheiro na economia, manipulando as taxas de juros de curto

prazo e garantindo a liquidez dos títulos públicos, por meio da negociação do

mercado de tais títulos; o quarto constitui um instrumento de restrição ao livre

funcionamento das forças de mercado, controlando o volume e o destino do

crédito, taxas de juros, bem como limites e condições de créditos.32

No Brasil, até 1964 não existia controle monetário rigoroso, limitando-se a

política respectiva à arrecadação de encaixes compulsórios e concessão de

redescontos aos bancos por parte do Banco do Brasil. Segundo Henrique

MARINHO:

Apesar disso, a base monetária fugia ao seu controle, já que as decisões de programação orçamentária estavam sob responsabilidade do governo federal, enquanto a política cambial era controlada pelo Ministério da Fazenda, tornando ineficiente qualquer tentativa de estabelecimento de metas de controle orçamentário, uma vez que não havia interdependência de objetivos.33

Esclareça-se que no âmbito daquele Ministério da Fazenda criara-se a

Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), por meio do Decreto n.º

293/45, objetivando exercer o controle monetário, atuando como órgão

consultivo, cujo poder de decisão era na prática bastante reduzido, incumbindo,

como se citou, ao Banco do Brasil a execução do rudimento de política monetária

até então existente. Somente a partir daquele ano, com o advento da Lei nº

4.595/64, que instituiu o Sistema Financeiro Nacional, é que se passou a adotar as

políticas descritas.

A partir daí, portanto, se inaugura uma nova fase na história do Direito

Econômico e do Direito Monetário no Brasil, com a criação das chamadas

autoridades monetárias e a definição de suas competências legais.

32 FORTUNA, E. Ob. Cit., p. 33-34. 33 MARINHO, H. Ob. Cit., p. 38.

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23

Nas palavras de Henrique MARINHO:

O Sistema Financeiro Nacional é composto por dois principais grupos institucionais: as autoridades monetárias, que são responsáveis pelo funcionamento do sistema, fiscalizando-o e regulando sua atuação através de normas de interesse da Economia Nacional, e as instituições financeiras, que são responsáveis pela intermediação entre os que poupam e investem, operando no sistema em conformidade com as orientações traçadas pelas autoridades monetárias. A Lei n.º 4.595, de 31.12.64, estruturou o atual Sistema Financeiro, delimitando áreas de atuação das instituições componentes do Sistema Financeiro, limitando-o quanto à captação e aplicação de recursos específicos, de modo que umas não interfiram nas operações das outras. As autoridades monetárias são o Banco Central do Brasil e o Conselho Monetário Nacional. São consideradas autoridades de apoio a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e a Caixa Econômica Federal. As instituições financeiras são os bancos comerciais, demais bancos de desenvolvimento, cooperativas de crédito, sociedades de crédito, financeiras, DTVM, corretoras, sociedades de arrendamento mercantil, de crédito mobiliário, dentre outras.34

As competências de cada um desses órgãos são fixadas originariamente no

diploma legislativo já mencionado (também conhecido como “Lei da Reforma

Bancária”), com as alterações que posteriormente lhe foram introduzidas,

especificamente a Lei n.º 4.728/65, a Lei n.º 6.024/74, a Lei n.º 6.045/74, a Lei n.º

6.385/76, a Lei n.º 6.404/76 e a Lei n.º 7.450/85.

Nesse passo, o Conselho Monetário Nacional é o órgão máximo do sistema,

competindo-lhe traçar normas de política monetária e fixar as diretrizes de política

monetária creditícia e cambial no país. Não lhe cabem funções executivas, tendo

se transformado num verdadeiro conselho de política econômica. É ele quem

adapta o volume interno dos meios de pagamento às necessidades da economia,

objetivando prevenir surtos inflacionários, orienta a aplicação de recursos das

instituições financeiras, vela pelo equilíbrio do balanço de pagamentos e zela pela

liquidez e solvência das instituições financeiras. Igualmente, autoriza as emissões

de papel-moeda até um limite restrito, disciplina o crédito, determina taxas de

recolhimento compulsório, estabelece normas para transações com títulos

públicos, regulamenta as operações de redesconto e fixa diretrizes da política

cambial.

Por seu turno, o Banco Central do Brasil é uma autarquia federal, sucedeu a

SUMOC, sendo o órgão executivo central do sistema, detendo a responsabilidade

de cumprir e fazer cumprir as disposições que regulam o seu funcionamento e as

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24

normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse contexto, cabe-lhe a

emissão de papel-moeda autorizado pelo CMN ou pelo Poder Legislativo, receber

os recolhimentos compulsórios dos bancos comerciais, realizar operações de

redesconto e empréstimo às instituições financeiras, regular o serviço de

compensação de cheques, instrumentalizar a política monetária por meio da

compra e venda de títulos públicos federais, exercer o controle do crédito e a

fiscalização das instituições financeiras, autorizando-lhes o funcionamento, vigiar

a interferência de outras empresas nos mercados financeiros e de capitais e

controlar o fluxo de capitais estrangeiros no mercado cambial. Ele, então,

funciona como “banco dos bancos”, gestor do sistema financeiro, executor da

política monetária, banco emissor e financiador do Tesouro Nacional,

administrando a dívida pública.

Nas palavras de FORTUNA:

É por meio do Banco Central que o Estado intervém diretamente no Sistema Financeiro e, indiretamente, na economia. Em países como Alemanha, Japão e Estados Unidos, o Banco Central é independente, ou seja, seus diretores são designados pelo Congresso, eleitos com um mandato fixo de oito a quatorze anos. Não há subordinação ao Tesouro. Ele atua como um verdadeiro guardião da moeda nacional, garantindo a pujança e o equilíbrio do mercado financeiro e da economia, protegendo seu valor, impedindo que os gastos do governo sejam bancados pela emissão de dinheiro, fator de desvalorização da moeda. É um quarto poder, além do Executivo, Legislativo e Judiciário. Os tesouros desses governos emitem títulos federais para se endividarem, enquanto os Bancos Centrais lançam papéis para garantir a liquidez do sistema. Se a inflação sobe, o Banco Central local vende mais papéis, aumentando a taxa de juros para recolher dinheiro do mercado e controlar a demanda da população, reduzindo o ritmo de alta dos preços.35

Por fim, quanto às autoridades de apoio, cabe mencionar que a Comissão de

Valores Mobiliários é o órgão normativo do sistema, voltado para a disciplina e

fiscalização do mercado de valores mobiliários não emitidos pelo Sistema

Financeiro e pelo Tesouro, ou seja, para o mercado de debêntures e ações.

Objetiva o fortalecimento deste mercado. O Banco do Brasil, até janeiro de 1986,

era considerado co-responsável pela emissão de moeda, ocasião em que o CMN

suprimiu essa sua condição, tendo-se tornado um banco múltiplo tradicional, com

a particularidade de operar como agente financeiro do governo, sobretudo na

execução do crédito rural, e nele funcionar a Câmara de Compensação de

34 FORTUNA, E. Ob. Cit., p. 13-18. 35 Ibid., p. 16.

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25

Cheques. O BNDES, criado em 1952, é a instituição responsável pela política de

investimentos de longo prazo da União, sendo a principal instituição financeira de

fomentos do país, voltada para fortalecer o setor empresarial, atenuar

desequilíbrios regionais, desenvolver exportações e, sobretudo, impulsionar o

desenvolvimento econômico-social do país. Por fim, a Caixa Econômica Federal é

a responsável, como instituição financeira, por operacionalizar as políticas da

União para habitação popular e saneamento básico, sendo um banco de apoio ao

trabalhador de menor renda, captando a economia popular e concedendo

empréstimos de caráter assistencial sócio-econômico.

Como se viu, a política monetária nacional, ditada pela União, é

implementada pelas autoridades monetárias e, em um segundo momento, por

aquelas que lhes prestam apoio, de acordo com a discriminação de competências

funcionais anteriormente mencionadas. A questão que se pretende perquirir nesta

ocasião diz com as limitações jurídicas decorrentes do ordenamento constitucional

no âmbito de atuação estatal no exercício do seu poder monetário.

Nesse contexto, de acordo com WALD:

O exercício do poder monetário, que tem os seus fundamentos na Constituição e na lei, deve resguardar o valor da moeda e ser exercido no interesse do desenvolvimento do país. Assim, cabe ao Estado, e, de modo específico, aos seus órgãos de política monetária, atuar como guardião da moeda, assegurando não somente o seu curso legal e forçado e a sua função de instrumento de pagamento, mas também a permanência e a constância do seu valor, a função que a moeda exerce de unidade de conta e de reserva de valor.36

Então, reconhecendo-se o acerto da afirmação acima, há de se concluir que

toda a formulação de política monetária possui assento constitucional, derivando

indiscutivelmente dos princípios inseridos na Carta de 1988. Esses princípios, já

antes mencionados, possuem entre si a característica de identificar o modelo

econômico pelo qual o constituinte optou, marcadamente o capitalista. Por outro

lado, os mesmos princípios, ao tempo em que demonstram a adoção do

capitalismo, também reconhecem a superação da ordem econômica liberal em

favor de uma ordem econômica intervencionista.37

Afinal, como reconhece WALD:

36 WALD, A. Ob. Cit., p. 28. 37 GRAU, E. R. Ob. Cit., p. 273.

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A União Federal exerce o poder monetário dentro dos limites de sua competência e atendendo às normas constitucionais vigentes, não se tratando, todavia, de um poder discricionário, mas de uma atribuição condicionada pelo espírito e pelo sistema da própria Constituição e que encontra, assim, limites nos direitos individuais. O abuso ou desvio de poder, tanto na área monetária quanto na área tributária ou administrativa, não encontra amparo na Constituição e na lei, sendo condenado o exercício do poder arbitrário ou desarrazoado, conforme tem entendido o Supremo Tribunal Federal. 38

1.3. O BEM JURÍDICO COMO OBJETO DE TUTELA PENAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O ordenamento jurídico-penal está dirigido para a proteção de algo e esse

algo se chama bem jurídico, que pode ser definido sinteticamente como toda a

situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões, ou, nas palavras

de Francisco de Assis TOLEDO, “valores ético-sociais que o direito seleciona,

com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não

sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.39 Ainda segundo o

mesmo autor, o conceito resultou de elaboração doutrinária lenta na busca de um

conteúdo para o injusto penal, tendo, primeiramente, se procurado identificá-lo

com a lesão ou exposição a perigo de direitos subjetivos; depois, na lesão ou

exposição a perigo de interesses vitais; e, por fim, na lesão ou exposição a perigo

de um bem jurídico.40

De acordo com Nilo BATISTA:

O espaço teórico para o conceito de bem jurídico surgiu quando, na primeira metade do século XIX, contestou-se a concepção clássica corrente do crime como ofensa de um direito subjetivo, em favor de uma concepção do crime como ofensa a bens (Birnbaum). A partir daí, inúmeras teorias foram elaboradas para a compreensão do bem jurídico ofendido pelo crime: ora se retornava aos direitos subjetivos, ora se propunha um direito público subjetivo do estado, aqui o próprio direito objetivo, ali uma obrigação jurídica, logo os interesses, adiante os valores.

E depois afirma que as dificuldades para a sua definição:

Estão ligadas à diversidade categorial dos bens jurídicos, que podem ser uma pessoa, uma conduta, uma coisa, um atributo jurídico ou social da pessoa, da

38 WALD, A. Ob. Cit., p. 29. 39 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 16. 40 Ibid., p. 17.

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27

conduta ou da coisa, uma relação vital, uma relação jurídica, um estado de fato, um valor, um sentimento, etc.

E conclui:

O bem jurídico põe-se como sinal da lesividade (exterioridade e alteridade) do crime que o nega, ‘revelando’ e demarcando a ofensa. Essa materialização da ofensa, de um lado, contribui para a limitação legal da intervenção penal, e de outro a legitima.41

Na mesma ordem de idéias, Luiz LUISI assegura que:

Os bens jurídicos estão na base da criação dos tipos penais. Esta resulta da necessidade de proteção daqueles bens indispensáveis ao convívio ordenado dos homens. O legislador, ao plasmar os tipos, descreve condutas e fatos que, em tese, são antijurídicos porque atentam contra bens e interesses a eles vinculados, que a sociedade reconhece da mais alta valia e significação.42

Por seu turno, após reconhecer, na linha da doutrina estrangeira, a

dificuldade de se obter uma definição única acerca do conceito de bem jurídico43,

procurando sintetizar as diversas conceituações existentes, a partir das concepções

de Roxin, Von Liszt e Navarrete, Ângelo SILVA o define como “o bem valorado

como essencial à convivência social de certa comunidade, em dado momento

histórico, e por isso tutelado pela norma penal”.44

Afirmada, portanto, a definição de bem jurídico, é correto dizer, com Juarez

TAVARES, que:

Na verdade, a questão do conceito de bem jurídico, como fundamento da incriminação, não pode deixar de ser um resultado de uma escolha política, ingênua ou comprometida, acerca do que se pretende com a sua proteção. Embora, no âmbito de um direito penal democrático, o que realmente se exija seja a absoluta transparência do objeto lesado, como forma de comunicação normativa, independentemente do engajamento político do seu intérprete, o conceito de bem jurídico ou, pelo menos, sua delimitação, por meio de argumentos compatíveis ao panorama da linguagem ordinária, deve ser levado a sério, porque nele reside todo o processo de legitimação da norma penal.45

41 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, p. 94-95. 42 LUISI, Luiz. O tipo penal, a teoria finalista e a nova legislação penal, p. 50. 43 Neste sentido aponta com precisão Günther STRATENWERTH (Derecho Penal: Parte General I, p. 65) ao afirmar que “apesar dos múltiplos esforços, até hoje não se logrou esclarecer o conceito de bem jurídico, nem sequer de modo aproximado”. 44 SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição, p. 38. 45 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal, p. 181.

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28

A partir, pois, desse entendimento é que se torna válida a assertiva de Hans

WELZEL de que “a missão do Direito Penal é proteger os valores elementares da

vida em comunidade” e deve ser definido como:

Aquela parte do ordenamento jurídico que determina as características da ação delituosa e impõe penas ou medidas de segurança. Missão da ciência penal é desenvolver e explicar o conteúdo destas regras jurídicas e sua conexão interna, é dizer, ‘sistematicamente’. Como ciência sistemática estabelece a base para uma administração de justiça igualitária e justa.46

Em realidade, o Direito Penal não se restringe unicamente à mera proteção

de bens jurídicos, devendo também preservar valores ético-sociais. De acordo

com WESSELS47 é bastante discutível a matéria referente às funções do Direito

Penal. Dentre as orientações existentes, há três grupos principais: a) dos que

entendem que sua tarefa consiste, primeiramente, em proteger os valores ético-

sociais da ação e apenas secundariamente os bens jurídicos concretos; b) dos que

se fixam exclusivamente (ou quase exclusivamente) na proteção dos bens

jurídicos; c) dos que vinculam a proteção aos bens jurídicos com outros fins ou

mais propriamente com a paz jurídica ou social.

Para Von LISZT, “se o direito tem como missão principal o amparo dos

interesses da vida humana, o direito penal tem como missão peculiar a defesa

mais enérgica dos interesses especialmente dignos e necessitados de proteção por

meio da ameaça e execução da pena, considerada como um mal contra o réu”.48

Por isso que se diz que nem todo o bem é um bem jurídico e nem todo bem

jurídico merece tutela penal, dado o caráter limitado e fragmentário do Direito

Penal, que elege condutas específicas e pinçadas da realidade social para que o

integrem. O bem jurídico penal é aquele que exige uma proteção especial, por se

revelarem insuficientes as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico para ele

em outras áreas extrapenais e, mesmo em relação aos bens jurídicos penalmente

protegidos, restringe o direito penal sua tutela a certas espécies e formas de lesão,

real ou potencial – as mais graves e fundamentais à coexistência social. Protegem-

se penalmente certos bens jurídicos e, ainda assim, contra determinadas formas de

46 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, p. 11. 47 WESSELS, Johannes. Direito Penal: Parte geral, p. 3. 48 LISZT, Franz von. Tratado de Derecho Penal, p. 9.

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29

agressão.49 A forma de proteção se dá pela seleção das situações de risco e das

formas de agressão que se quer evitar, transformando-as em tipos delitivos (os

crimes previstos na legislação de regência). Portanto, ao fundo de cada tipo penal

há um bem jurídico que se pretende proteger por meio da incriminação prevista,

que tem como objetivo a prevenção geral (que, pela intimidação, não se cometa o

fato delituoso) e, secundariamente, a prevenção especial (que, se cometido, haja

uma resposta do sistema penal, juridicamente prevista). As penas previstas variam

com a intensidade da lesão ou da exposição a perigo, o bem jurídico objeto de

tutela e a forma como a lesão ou exposição à lesão se deu, observados os

princípios da proporcionalidade e a própria importância social do bem objeto de

proteção jurídica.50

O bem jurídico tem inúmeras funções na seara criminal, destacando-se:

garantia ou limitação do direito de punir do Estado; teleológica ou interpretativa;

individualizadora; e sistemática. De acordo com Luiz Régis PRADO, “a função

limitadora opera uma restrição na tarefa própria do legislador, a função

teleológico-sistemática busca reduzir a seus devidos limites a matéria de proibição

e a função individualizadora diz respeito à mensuração da pena/gravidade da lesão

ao bem jurídico”.51

Enfim, pode-se dizer com Claus ROXIN que “o direito penal deve garantir

os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens,

na medida em que isso não seja possível através de outras medidas de controle

sócio-políticas menos gravosas”. Afinal:

São chamados bens jurídicos todos os dados que são pressupostos de um convívio pacífico entre os homens, fundado na liberdade e na igualdade; e subsidiariedade significa a preferência a medidas sócio-políticas menos gravosas. De maneira substancialmente análoga diz-se também que o direito penal tem a finalidade de impedir danos sociais, que não podem ser evitados com outros meios, menos gravosos. Proteção de bens jurídicos significa, assim, impedir danos sociais.52

49 TOLEDO, F. de A. Ob. cit., p. 17. 50 Sobre a missão do Direito Penal, suas características e os princípios da subsidiariedade lógica, política e social e fragmentariedade, destaca-se o trabalho de Paulo de Souza QUEIROZ, intitulado “Do Caráter Subsidiário do Direito Penal”, particularmente nas p. 55-70, em que explora as questões mencionadas no parágrafo em referência. 51 PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico-Penal e Constituição, p. 48-49. 52 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal, p. 32 e 35

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Efetuadas essas considerações e entendido o bem jurídico como fundamento

e legitimação do próprio Direito Penal53 mostra-se necessário esclarecer que o

legislador, ao erigir determinada conduta como crime, não está livre para fazê-lo

da forma e como bem entender, a pretexto de que ela ofende um suposto bem

jurídico fundamental. A questão que, todavia, exsurge é se esclarecer quais os

parâmetros jurídicos que definem e limitam a atuação do legislador penal ao

estabelecer um agir ilícito como um ilícito penal.

No ponto, uníssono é o entendimento de que o bem jurídico penal deve ser

buscado na sociedade, daí se concluindo, com Janaína PASCHOAL, que:

É a Constituição que reflete os referidos bens, ou seja, tendo-se em vista o fato de a Constituição ser o documento que alberga os valores mais caros para uma dada sociedade, é nela que o legislador deverá se pautar quando da escolha dos bens a serem protegidos pelo Direito Penal. Pode-se deduzir que, enquanto o constituinte busca os bens jurídicos penais na sociedade, o legislador os retira da Constituição.54

Afinal:

O desenvolvimento de uma ótica de exclusiva proteção de bens jurídicos faz crer ser absolutamente necessária a definição não só do conceito de bem jurídico como também das suas fontes de legitimação, e, a partir daí, definir-se quais bens devem ser tutelados penalmente. Desta forma, temos que, para que seja legítima a intervenção criminalizadora do Estado, é preciso que sejam considerados bens jurídicos fundamentais apenas aqueles que tenham suporte constitucional, mais ainda, apenas aqueles representativos de valores que tenham a capacidade de relativizar os princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana.55

Em outras palavras, se está a dizer que não é dado ao legislador ordinário

criminalizar condutas que, por detrás, não violem um bem jurídico merecedor da

53 No ponto, merece destaque a posição dissonante de Günther JAKOBS que, sem abdicar totalmente da importância da presença do bem jurídico no Direito Penal, não o coloca como primordial no exercício das suas funções, e propõe como seu fundamento principal a idéia de ‘asseguramento de expectativas’, que justificaria a legitimidade da intervenção penal, particularmente em situações tais em que a presença do bem jurídico tutelado não seria mais do que um mero exercício retórico do doutrinador, como no caso dos chamados crimes contra a ‘paz pública’, em que, conquanto se considere válida a intervenção penal nestes casos, não haveria efetivamente um bem jurídico fundamental protegido, justificando-se a legitimidade do Direito Penal em face da necessidade de reforçamento da própria legislação penal incriminadora tendo em consideração as expectativas dos integrantes daquele dado agrupamento social. O entendimento, todavia, é absolutamente minoritário, porquanto a presença do bem jurídico fundamental em todos os casos citados pelo autor em seus trabalhos é reconhecida pela doutrina com sólidos fundamentos, conforme se exporá ao longo desta pesquisa. Sobre as idéias de JAKOBS, veja-se especialmente Fundamentos do Direito Penal, p. 108-144. 54 PASCHOAL, Janaína Conceição. Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo, p. 49.

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proteção penal, havendo essa constatação de ser buscada no ordenamento

constitucional.

Assim:

O pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade –, norteada pelos princípios fundamentais da personalidade e individualização da pena; da humanidade; da insignificância; da culpabilidade; da intervenção penal legalizada; da intervenção mínima e da fragmentariedade.56

E também:

Em um Estado de Direito democrático e social, a tutela penal não pode vir dissociada do pressuposto do bem jurídico, sendo considerada legítima, sob a ótica constitucional, quando socialmente necessária. Isto vale dizer: quando imprescindível para assegurar as condições de vida, o desenvolvimento e a paz social, tendo em vista o postulado maior da liberdade.57

Nesse contexto, ainda segundo PRADO, “a noção de bem jurídico implica a

realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou situação

social e de sua relevância para o desenvolvimento do ser humano”,58 para adiante

referir que “em uma concepção democrática, o ponto de partida do Direito Penal é

dado pelo conceito de pessoa. O cidadão, o indivíduo, considerado como pessoa, é

o protagonista da política e da história e, portanto, do direito”,59 concluindo que “a

liberdade, a dignidade pessoal do homem – qualidades que lhe são inerentes – e a

possibilidade de desenvolver-se livremente constituem um limite infranqueável ao

Estado”.60

Enfim, com Jorge de Figueiredo DIAS pode-se dizer que:

(...)Se deve concluir que um bem jurídico político-criminalmente vinculante existe ali – e só ali – onde se encontre refletido num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social total e que, deste modo, se pode afirmar que ‘preexiste’ ao ordenamento jurídico-penal. O que por sua vez significa que entre a ordem axiológica jurídico-constitucional e a ordem legal – jurídico-penal – dos bens jurídicos tem por força de se verificar uma qualquer relação de mútua referência. Relação que não será de ‘identidade’, ou mesmo só de ‘recíproca cobertura’, mas de analogia material, fundada numa essencial correspondência de

55 COELHO, Yuri Carneiro. Bem jurídico-penal, p. 105 56 PRADO, L. R. Bem Jurídico..., p. 54. 57 Ibid., p. 59-60. 58 Ibid., p. 63-64. 59 Ibid., p. 64. 60 Ibid., p. 65.

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sentido e – do ponto de vista da sua tutela – de fins. Correspondência que deriva, ainda ela, de a ordem jurídico-constitucional constituir o quadro obrigatório de referência e, ao mesmo tempo, o critério regulativo da atividade punitiva do Estado. É nesta acepção, e só nela, que os bens jurídicos protegidos pelo direito penal se devem considerar concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais. É por esta via – e só por ela em definitivo – que os bens jurídicos se ‘transformam’ em bens jurídicos dignos de tutela penal ou com dignidade jurídico-penal.61

Nesse contexto, a matriz constitucional da qual deriva a determinação dos

bens jurídicos considerados fundamentais passíveis de intervenção do Direito

Penal impõe a conclusão de que “dignos ou merecedores de tutela penal são

aqueles bens que integram a ordem constitucional por terem sido reconhecidos em

uma dada sociedade como relevantes para sua conservação, observando-se que

essa dignidade não é suficiente para justificar a criminalização, fazendo-se ainda

mister verificar, no caso concreto, se existe a necessidade da tutela de natureza

penal”62 em face dos já citados princípios fundamentais da personalidade e

individualização da pena, da humanidade, da insignificância, da culpabilidade, da

intervenção penal legalizada, da intervenção mínima e da fragmentariedade.

Acolhe-se, assim, o entendimento de que a Constituição atua não somente como

limite negativo ao Direito Penal – segundo o qual o Estado pode instituir crimes

abarcando qualquer bem jurídico, desde que não fira valores constitucionais –,

mas como verdadeiro limite positivo ao Direito Penal – significando que pode o

legislador ordinário tipificar apenas as condutas que caracterizem lesão a bens

jurídicos reconhecidos pela Constituição como caros em uma dada coletividade.63

1.4. A ECONOMIA COMO BEM JURÍDICO PENALMENTE PROTEGIDO: O DIREITO PENAL ECONÔMICO

Assentadas essas premissas, reconhecida a ordem econômica como valor

constitucional do qual deriva a noção de Direito Econômico, bem como a

relevância transcendental do bem jurídico como instrumento legitimador e

fundante do Direito Penal, é chegada a hora de se analisar a incidência dos

pressupostos do direito penal na proteção do bem jurídico atividade econômica.

61 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas, p. 67. 62 PASCHOAL, J. da C., Ob. Cit., p. 51.

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Enfim, seria o bem jurídico economia passível de proteção penal, podendo-se

deduzir da Constituição Federal a sua condição de valor fundamental capaz de

conferir-lhe dignidade jurídico-penal?

Inicialmente, com o fim de se responder às questões postas, convém

reforçar, com Jorge Figueiredo DIAS, que “os bens jurídicos protegidos pelo

direito penal devem considerar-se concretizações dos valores constitucionais

expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais”.64 Ou

seja, para que um bem jurídico possa ser considerado de tal relevância que faça

incidir a tutela penal sobre ele é necessário que esteja ligado aos direitos e deveres

fundamentais contidos na Carta Constitucional e a exata compreensão disso deve

ser buscada nos valores albergados pela Constituição, que variam de acordo com a

concepção de Estado adotada em certo momento histórico em uma dada

coletividade, o que se reflete nos bens jurídicos tidos como capazes de serem

penalmente tutelados.

Em um Estado Democrático e Social de Direito os abismos sociais e as

desigualdades devem ser, tanto quanto possível, corrigidos, incumbindo ao poder

público promover as condições para que a liberdade e a igualdade sejam efetivas.

É nesse contexto, pois, que ocorre a transformação do catálogo de bens jurídicos

passíveis de proteção penal, reconhecendo-se a inserção do homem no universo da

vida econômica como uma garantia constitucional fundamental, repousando aí a

lei penal econômica.65

Na mesma ordem de idéias afirma Renato de Mello Jorge SILVEIRA:

O Estado liberal democrático, sem dúvida, impôs uma preocupação exacerbada quanto a bens jurídicos orbitantes à pessoa. Isso, porém, não implica uma desconsideração quanto a outros bens, tais como: a fé pública, a administração da Justiça, ou mesmo a saúde pública. Todavia, e sempre com os olhos num liberalismo democrático à pessoa, não se vislumbra a necessidade de intervenção nos processos sociais e econômicos. Assim, ao lado desses bens de cunho clássico (de caráter individual ou mesmo supra-individual), formatam-se, no momento e criação das sociedades de risco pós-industriais, novos bens jurídicos, supra-individuais.66

Este é, como se disse, o momento atual na quadra da História.

63 Ibid., p. 55-68. 64 DIAS, J. de F., Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 47-48. 65 ARAÚJO Jr., João Marcello de. O Direito Penal Econômico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 25, p. 142-156. 66 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual, p. 56-57.

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Afinal, “o direito penal não é senão um dos muitos instrumentos de política

social de que se vale o Estado para a realização dos fins que lhe são

constitucionalmente assinalados (CF, arts. 1º a 5º)”,67 caracterizando uma opção

política de reafirmação dos valores constitucionais fundamentais.

No ponto deve-se ressaltar que os direitos econômicos e o direito ao

desenvolvimento são efetivamente reconhecidos pela doutrina como direitos

fundamentais de segunda e terceira dimensões respectivamente,68 sendo os

primeiros decorrentes do impacto da industrialização e dos graves problemas

sociais e econômicos que a acompanharam, impondo um comportamento ativo do

Estado na realização da justiça social, materializado nas Constituições do segundo

pós-Guerra, e tendo os segundos como característica fundamental o fato de

possuírem titularidade coletiva, decorrendo dos efeitos do avanço tecnológico e do

processo de descolonização, também após o fim da Segunda Guerra Mundial. Não

se cuida mais unicamente, no dizer de Ingo SARLET, “de liberdade do e perante o

Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”,69 que assume um papel de

agente positivo na concretização desses direitos.

A esse respeito, pode-se dizer, com Lênio STRECK:

Não pode restar qualquer dúvida no sentido de que o bem jurídico tem estrita relação com a materialidade constitucional, representado pelos preceitos e princípios que encerram a noção de Estado Democrático e Social de Direito. Não há dúvida, pois, que as baterias do direito penal do Estado Democrático de Direito devem ser direcionadas para o combate dos crimes que impedem a concretização dos direitos fundamentais nas suas diversas dimensões. Neste ponto, aliás, entendo

67 QUEIRÓZ, Paulo. Funções do Direito Penal, p. 116. 68 De acordo com Ingo Wolfgang SARLET (A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 54-61) reconhece-se pacificamente na doutrina hoje a existência de direitos fundamentais de três dimensões (ou gerações). Os de primeira dimensão são relacionados ao pensamento liberal-burguês do século XVIII, de cunho marcadamente individualista, de afirmação do sujeito perante o Estado, ditos direitos de defesa, notadamente os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei, sendo secundados pelas liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião e associação, bem como os direitos de participação política. São os chamados direitos civis e políticos. Os de segunda dimensão decorrem do impacto da industrialização e dos graves problemas sociais e econômicos daí decorrentes e têm sua gênese já no decorrer do século XIX, a exigir um comportamento ativo do Estado na realização da justiça social, se intensificando no segundo pós-Guerra já no século XX, consistindo nos direitos à assistência social, saúde, educação, trabalho e direitos fundamentais dos trabalhadores. Ainda são direitos titularizados individualmente pelas pessoas. Os de terceira dimensão são os direitos de solidariedade e fraternidade e têm como nota distintiva o fato de que se destinam a proteção de grupos humanos (família, povo, nação), caracterizando-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Enquadram-se nesta categoria os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação. 69 Ibid., p. 57.

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que é neste espaço que reside até mesmo uma obrigação implícita de criminalização, ao lado dos deveres explícitos de criminalizar constantes no texto constitucional.70

Evidentemente, ao lado dos direitos fundamentais mencionados, dentre os

quais reside a economia e o desenvolvimento, há os valores constitucionais da

liberdade, da mínima intervenção, da subsidiariedade, da fragmentariedade e da

lesividade,71 a nortearem a atuação do Direito Penal, evitando-se, assim, que se

converta o postulado do Direito Penal mínimo, garantia conquistada por todos os

indivíduos a partir das idéias do Iluminismo, em um Direito Penal máximo, uma

vez que, dada a ampliação crescente do rol de Direitos Fundamentais,72 haveria a

possibilidade de praticamente se criminalizar qualquer conduta com fundamento

em tais valores contidos na Constituição se não observados adequadamente os

princípios acima referidos. Logo, deve-se buscar na própria Constituição uma

função de dupla garantia e fundamento para a incriminação, consubstanciada, por

um lado, na necessidade de se abarcarem bens jurídicos de viés constitucional

fundamental para se viabilizar a atuação do Direito Penal (operando como

fundamento legitimador da incriminação) e, por outro, atentar-se fortemente aos

postulados da liberdade, da mínima intervenção, da subsidiariedade, da

fragmentariedade e da lesividade (operando como limite à incriminação).73

70 STRECK, Lênio Luiz. Bem jurídico e Constituição: da proibição de excesso (ubermabverbot) à proibição de proteção deficiente (untermbverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXXX, p.311. 71 O princípio da intervenção mínima não está legalmente previsto e decorre do próprio Estado Democrático de Direito e seus princípios políticos. Já a fragmentariedade e a subsidiariedade advêm dos princípios da legalidade (Art. 5º, XXXIX, da CF/88) e da intervenção mínima e têm como fundamento o fato segundo o qual somente as condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens jurídicos relevantes carecem dos rigores do direito penal e ainda assim somente por meio de algumas formas de ação. Já a lesividade determina que somente seja considerada criminosa a conduta que efetivamente lese ou exponha a perigo relevante o bem jurídico objeto de proteção penal. A respeito do tema, veja-se, por todos, CERNICCHIARO, Luiz Vicente e COSTA Jr., Paulo José da. Direito Penal na Constituição, 3.ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 72 Começa-se hoje já a se reconhecerem os chamados Direitos Fundamentais de Quarta Dimensão, notadamente o direito à democracia, à informação e ao pluralismo, cf. SARLET, Ob. cit., p. 60-61. 73 No ponto, vale a lição de RÍOS, ao afirmar que “ao passo que a lei ordinária é a fonte principal do Direito Penal, a ordem valorativa constitucional do Estado Democrático de Direito possui a função de contornar a sua aplicabilidade e interpretação. Assim, a doutrina, a jurisprudência e o poder legislativo, ao estabelecer a definição de uma política criminal, devem adotar as devidas reservas no que diz respeito ao princípio democrático, a adequação ao princípio da proporcionalidade (que se traduz na disponibilidade de meios e fins perseguidos) e a observação da proteção específica frente a outros meios preventivos, além de guiar-se por critérios materiais de justiça e igualdade”. RÍOS, Rodrigo Sánchez. Reflexões sobre o princípio da legalidade no Direito Penal e o Estado Democrático de Direito, Revista dos Tribunais, v. 847, p. 414.

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Somente atendidos estes requisitos é que estará o legislador autorizado a prever

certas ações como criminosas, infligindo-lhes as penas respectivas.74

É em vista desta realidade que, considerando-se o direito ao

desenvolvimento como garantia fundamental, na construção de uma sociedade

justa, solidária e voltada ao bem-estar de todos em um Estado Democrático e

Social de Direito, o que se realiza por meio da ordenação das políticas econômicas

e monetárias implementadas pelo Estado,75 que se reconhece a economia como

bem jurídico hábil a exigir a intervenção penal para garantir a eficácia deste

direito fundamental que, antes de ser uma prerrogativa do Estado, caracteriza

verdadeiro dever, decorrente da proibição de proteção jurídica deficiente.76

Reconhecem-se, assim, os valores constitucionais simultaneamente como limite e

como fundamento para incriminação de condutas, na concreção dos ditames

sociais neles contidos.

A esse propósito, Luciano FELDENS, após longamente demonstrar a

indispensabilidade do agir estatal, inclusive em seara criminal, no que diz com a

efetividade dos direitos fundamentais dispostos na Constituição, exigindo-se do

Estado, para a sua consecução, duas formas de atuação, uma omissiva

(relativamente aos direitos individuais, como a liberdade) e outra comissiva

(relativamente aos direitos sociais, como a segurança), conclui que “exemplos

eloqüentes de bens jurídicos de relevo social inequívoco são – além da vida e da

dignidade da pessoa humana, em toda sua ampla dimensão conceitual – a ordem

econômico-tributária, a higidez do sistema financeiro e a probidade na

administração pública”77 a exigir a intervenção do sistema penal em tais casos.

Nesse ponto vale dizer com Rodrigo Sánchez RÍOS:

O Direito Penal não tem apenas um caráter limitativo, no sentido de negativo e proibido, mas também um caráter prospectivo, no sentido de concretizar ou efetivar os valores ou as normas da Constituição, servindo de instrumento para a sua realização efetiva. Ao se espraiar pelas mais diversas áreas e interesses novos que surgem na sociedade (como, por exemplo, aqueles atinentes à ordem econômica), o Direito Penal cumpre uma função de efetivação de todos os valores da CF/88 e imprime as condições de possibilidade para que o sistema repressivo seja igual para todos (atingindo o ideal do princípio isonômico do art. 5.º, caput).

74 A propósito do tema, veja-se interessante trabalho de PASCHOAL, J. da C. Ob. cit., p. 59-78. 75 Assim sustentamos ao longo das seções 1 e 2 supra. 76 STRECK, L. L. Ob. cit., p. 303-345. 77 FELDENS, Luciano. Tutela penal de interesses difusos e crimes do colarinho branco, p. 98.

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Por outro lado, na medida em que a atuação penal do Estado abrange algo além das meras proibições/punições ao direito à vida, à propriedade, etc – visto que geralmente tais noções estão presas a concepções liberais individualistas próprias da época da “Constituição Garantia, e não da Constituição Dirigente” – poderá se verificar a seletividade do sistema penal clássico que afasta o ideal de justiça que deveria ser aplicado de modo isonômico a todos.78

Reconhecida, portanto, a economia como um valor constitucional capaz de

ser protegido na esfera penal, impositivo se faz definir o que se entende pelo

chamado Direito Penal Econômico.

Manoel Pedro PIMENTEL afirma que o Direito Penal Econômico é:

Um sistema de normas que defende a política econômica do Estado, permitindo que esta encontre os meios para a sua realização. São, portanto, a segurança e a regularidade da realização dessa política que constituem precipuamente o objeto do Direito penal econômico. Além do patrimônio de indefinido número de pessoas, são também objeto da proteção legal o patrimônio público, o comércio em geral, a troca de moedas, a fé pública, e a administração pública, em certo sentido.79

Na mesma balada, Roberto Santiago Ferreira GULLO aduz que:

É o conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas, ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes. O Direito Penal Econômico tem por finalidade proteger os bens e os interesses humanos relacionados com a economia.80

Raul Peña CABRERA entende o Direito Penal Econômico como “um

direito interdisciplinar punitivo que protege a ordem econômica como última

ratio”, e que “as graves disfunções e crises socioeconômicas justificam a

intervenção do Estado na matéria econômica, que recorre ao Direito Penal para

resolvê-los e assegurar o bem estar comum”.81

Enfim, René Ariel DOTTI o define com agudeza sustentando que o Direito

Penal Econômico resguarda através da pena criminal os bens jurídicos de caráter

supra-individual ou social, distintos do patrimônio, embora possa alcançar o

interesse dos particulares, consumidores ou competidores.82

78 RÍOS, R. Reflexões sobre o Delito Econômico e a sua Delimitação, Revista dos Tribunais, v. 775, p. 437-438. 79 PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito Penal Econômico, p. 21. 80 GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico, p. 02. 81 CABRERA, Raul Pena. El bien jurídico en los delitos econômicos (com referencia al Código Penal peruano), Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.11, p. 36-49. 82 DOTTI, René Ariel. A criminalidade econômica. Revista do Advogado da Associação dos Advogados de São Paulo, n. 24, p. 39.

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Em todas as definições citadas o traço comum que caracteriza uma norma

como integrante do Direito Penal Econômico é o reconhecimento de que se está a

proteger criminalmente a economia enquanto bem jurídico supra-individual, como

meio para a realização dos objetivos sociais de um determinado Estado e não

enquanto bem passível de titularização e apropriação particular por parte de cada

integrante de uma dada sociedade em um certo momento histórico. Assim, é de se

considerar que a delinqüência econômica causa dano à sociedade como um todo,

ofendendo a coletividade e não apenas os indivíduos isoladamente considerados,

porquanto nesta modalidade a inserção do homem é bastante mais ampla,

abrangendo todos os quadrantes da vida dos cidadãos.83

Assim, reconhece-se a existência de um verdadeiro direito penal econômico,

lastreado no entendimento de que, para além da utilização da atividade econômica

como simples expressão da liberdade e da propriedade privada com objetivo único

de lucro para seus investidores, deve ela estar comprometida com um projeto

nacional e supranacional encartado na Constituição, bem assim que violações

mais sérias ao bem jurídico que se extrai do ordenamento constitucional

referentemente à economia merecem a tutela deste ramo do direito penal.

83 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O contrabando, uma revisão de seus fundamentos teóricos, p. 14.

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2. O DIREITO PENAL ECONÔMICO

2.1. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO

O Direito Penal Econômico ganha força como conseqüência do

reconhecimento da necessidade da intervenção do Estado no domínio econômico

a partir da compreensão, incrementada ao fim do primeiro quartel do século XX,

de que o mercado auto-regulável não era perfeito e acabado nem tampouco

propiciava inata e irremediavelmente a plenitude da realização humana.84 Nada

obstante, é necessário se reconhecer que ele já dava mostras embrionárias de

existência nos Direitos Romano e Grego, em que se consideravam crimes

infrações relacionadas aos preços de víveres, monopólio, usura e falsificação de

pesos e medidas, o que evidencia que, em certa medida, a tutela de bens jurídicos

supra-individuais relacionados à economia não é propriamente fenômeno tão

recente quanto se imaginaria em uma primeira aproximação, embora sequer se

cogitasse, à época, acerca da existência em termos teóricos de um assim chamado

“Direito Penal Econômico”.85 O crescimento do liberalismo econômico no século

XVIII pelas mãos de Adam Smith e John Locke, entretanto, acarretou a retirada

gradativa da intervenção estatal neste campo e, por conseqüência, o

desaparecimento da proteção penal dos bens jurídicos que, já em Roma e na

Grécia, caracterizavam uma espécie de Direito Penal a incidir sobre elementos

típicos da ordem econômica.

Em sua conformação atual, atribui-se o nascimento do chamado Direito

Penal Econômico ao pós Primeira Guerra Mundial – seja pela necessidade de

orientação na alocação de recursos econômicos e industriais na Europa para fazer

frente à escassez decorrente dos efeitos da Guerra, seja pelo destaque obtido na

América com a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 –,

consolidando-se a denominação por ocasião do VI Congresso de Direito Penal da

Associação Internacional de Direito Penal ocorrido em Roma em 1953,

84 Sobre a evolução desses conceitos e o próprio surgimento da necessidade de intervenção estatal na economia, veja-se o contido na Seção 1 do Capítulo 1 acima. 85 GULLO, R. S. F. Ob. cit., p. 16-17.

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denominado ‘o direito penal social econômico’,86 em que se atribuiu à época ao

Direito Penal Econômico a missão de tutelar tanto as atividades econômicas

regulamentadas pelo Estado como também por associações profissionais que

visassem o aumento e a justa distribuição de bens na comunidade.87

Para se ter uma idéia, objetivando apenas evitar a especulação financeira na

Alemanha, foram publicadas, durante a Primeira Grande Guerra, cerca de

quarenta mil disposições penais, cujas vigências foram prolongadas na forma de

leis reguladoras de preços, reconhecendo-se, após a promulgação da Constituição

de Weimar, o caráter dirigista daquele país relativamente à economia – a

Alemanha que, com a assinatura do Tratado de Versalhes em 1919, se viu

obrigada a arcar com uma indenização equivalente a trinta e três bilhões de

dólares, percebia os efeitos da hiperinflação de tal forma que, em agosto de 1923,

um dólar valia quatro bilhões e duzentos milhões de marcos –, originando

verdadeira hipertrofia das disposições penais envolvendo esta matéria, que foram

consolidadas na ‘lei penal da economia’ de 1949, que desde então sofreu diversas

modificações – a última das quais em 1975 – e que se encontra em vigor até hoje

naquele país.88

Em paralelo, e no mesmo momento e contexto históricos, Edwin H.

Sutherland cunhou a expressão ‘white-collar criminality’ referindo-se à

criminalidade típica dos setores econômicos mais abastados,89 durante o encontro

anual da Sociedade Americana de Sociologia, no Natal de 1939,90 definindo-o

como um crime cometido por pessoas respeitáveis, com elevado ‘status’ social, no

exercício da sua profissão, constituindo, normalmente, uma violação de confiança.

Essa definição teve, como se vê, como pontos de apoio a condição pessoal do

autor do fato e a relação da atividade delituosa com a sua profissão, em uma

perspectiva nitidamente subjetivo-profissional.91

O fato é que, a partir da definição inicial de Sutherland, a doutrina se

encarregou de enriquecer o seu conteúdo, tornando expressões sinônimas tanto a

86 CABRERA, R. P. Ob. cit., p. 41. 87 SILVEIRA, R. de M. J. Ob. cit., p. 142-143. 88 DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Problemática Geral das Infracções contra a Ordem Econômica Nacional, in PODVAL, Roberto (Org). Temas de Direito Penal Econômico, p. 71-72. 89 Ainda hoje se costuma, nos Estados Unidos da América, denominar os empresários e detentores de cargos diretivos e gerenciais de ‘white collar workers’ e os trabalhadores da base da pirâmide, normalmente exercendo atividades típicas do operariado, de ‘blue collar workers’. 90 JAPIASSÚ, C. E. A. Ob. cit., p. 06-07.

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chamada criminalidade de ‘colarinho branco’ quanto a chamada ‘criminalidade

econômica’, gradativamente afastando-a do seu aspecto puramente subjetivo que

fazia assentar a definição no sujeito ativo da prática delitiva para fixá-la em seu

objeto, acorde com o momento histórico vivido. Afinal, a complexidade das

relações da vida moderna na sociedade pós-industrial passou a demandar certas

proteções até então inexistentes, elegendo-se, em um juízo político-criminal,

novas condutas dignas de sanção penal, e a economia, ante a quantidade de

fraudes e prejuízos causados pela criminalidade econômica, violando o dever de

confiança que se deve manter nas instituições desta natureza, passou a integrar

uma nova classe de delitos previstos nas legislações penais mundo afora: a

criminalidade econômica, ou criminalidade de ‘colarinho branco’.92

A partir destas matrizes desenvolveu-se toda a evolução histórica do Direito

Penal Econômico ao longo do século XX tanto na Europa quanto nas Américas,

sendo relevante registrar o seu conteúdo marcadamente histórico e evolutivo,

relacionado às características de cada Estado em um dado momento de sua

trajetória, fosse ele capitalista, fosse ele socialista, respeitadas ainda, em cada um

desses modelos, as circunstâncias nacionais específicas que os particulariza.93

Em um momento inicial, durante o primeiro quartel do século XX e o

período que mediou as duas Grandes Guerras, adotou-se um conceito amplo de

Direito Penal Econômico, centrando-o em uma visão pragmática, agrupando os

tipos que tinham significação econômica, fosse protegendo bens jurídicos

individuais, fosse tutelando bens jurídicos coletivos, a partir da regulação jurídica,

em sentido lato, da produção, distribuição e consumo de bens e serviços em um

determinado Estado, tendo como norte também os autores das práticas delitivas,

como derivação da concepção inicial de ‘crimes de colarinho branco’. Adiante,

sobretudo após o término da Segunda Guerra Mundial, evoluiu-se para uma

concepção restrita do Direito Penal Econômico para se considerar como delito

desta natureza apenas aqueles que tutelavam interesses supra-individuais,

entendendo-se a ordem econômica como a regulação jurídica do intervencionismo

estatal da economia.94

91 FELDENS, L. Ob. cit., p. 115-116. 92 DEODATO, Felipe Augusto Forte de Negreiros. Direito Penal Econômico, p. 46-47. 93 DIAS, J. de F.; ANDRADE, M. da C., Ob. cit., p. 79. 94 RIGHI, Esteban. Los Delitos Econômicos, p. 93-118.

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Atualmente, sobretudo nas últimas três décadas, pode-se dizer que a

delimitação do que seja o delito econômico se nutre tanto dos elementos

constantes na concepção ampla, quanto na concepção restrita, não sendo

recomendável concluir-se, simplesmente, pela adoção no presente momento de

uma ou outra das teorias em sua pureza originária.95 Assim, os traços distintivos

desta espécie de criminalidade que permitem a sua correta identificação pela

doutrina residem nos fatos de tutelarem bens jurídicos supra-individuais

relacionados à preservação e implementação dos valores da Ordem Econômica

(sendo possível também a preservação, mediata ou imediata, de bens jurídicos

individuais simultaneamente), de envolverem em seu pólo ativo pessoas de

elevado estatuto social, e de serem um meio para a realização dos objetivos

delineados pelo chamado Estado Democrático e Social de Direito

consubstanciados na intervenção do Estado na economia para propiciar o

desenvolvimento das potencialidades de cada integrante da coletividade e a

redução das desigualdades sociais, que é chamado a atuar também como um meio

de preservação da confiança das pessoas nas instituições econômicas em sentido

amplo (nestas compreendidas as chamadas ‘instituições financeiras’).96

No Brasil, a exemplo do que ocorrera primeiramente na Europa e adiante

nas Américas, o surgimento de tipos penais que têm como objeto a tutela da

Ordem Econômica acompanhou a evolução da compreensão de Estado exposta

nas Constituições Federais que foram vigendo ao longo de sua História.

Assim, impõe-se registrar que as Constituições de 1824 e de 1891 nada

referiram acerca da chamada Ordem Econômica, não deixando qualquer espaço

para que houvesse uma intervenção penal que a detivesse como bem jurídico

objeto de tutela, seguindo a ideologia liberal em termos de política econômica,

nada obstante alguns autores visualizem a existência de rudimentos do Direito

Penal Econômico no artigo 223 (que criminalizava a conduta de exercer o

comércio por parte de detentores de alguns cargos públicos, como a magistratura)

e no artigo 340, § 3º (criminalizava a ação de se promover falsa cotação das ações

por parte de administradores de empresas), ambos do Código Penal de 1890, além

do Decreto-lei nº 22.626, de 07/04/1933 (que previa o crime de usura),97 o que, se

95 Ibid., p. 93-118. 96 OLIVEIRA, William Terra de. Algumas questões em torno do novo Direito Penal Econômico, Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 11, p. 235. 97 GULLO, R. S. F. Ob. cit., p. 34-35.

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43

vale como registro histórico, em nosso entendimento não se coaduna com o

moderno entendimento do que seja o Direito Penal Econômico, que possui caráter

de concretização dos valores fundamentais contidos na Magna Carta do país,

relacionados à tutela de interesses supra-individuais com vista à realização do

desenvolvimento e da justiça social.

Por seu turno, a Carta de 1934, em seu artigo 115, já inspirada nas

constituições européias do pós-Guerra, mencionava a necessidade de incidência

dos princípios da justiça e atenção aos interesses da vida nacional quando tratou

da Ordem Econômica e Social, deixando, todavia, de referir ao abuso do poder

econômico.

No Estado Novo, por meio da Constituição de 1937 (art. 135), atrelou-se

uma vez mais a atividade econômica individual aos interesses nacionais,

prevendo-se, por seu turno, expressamente a possibilidade de intervenção estatal

no domínio econômico para se conciliar o bem coletivo aos direitos individuais,

sendo de se considerar, todavia, que a maior parte de seus ditames permaneceram

como letra morta, porquanto o que se passou não foi além de uma ditadura pura e

simples, com concentração de poder nas mãos do Presidente da República, que

governava por meio de Decretos-lei. Em termos de legislação penal econômica,

destaca-se o advento do Decreto-lei nº 869, de 18/11/1938 (crimes contra a

economia popular, como manipulação dos mercados e eliminação da

concorrência), em que pela vez primeira se criminaliza claramente uma conduta

atentatória ao bem jurídico economia. De seu turno, deve-se atentar para o fato de

que o Código Penal de 1940 não previu um título em sua Parte Especial que

tratasse especificamente dos crimes econômicos, mas há delitos que, por suas

características, podem ser entendidos como protetivos do bem jurídico economia,

a saber os dos artigos 187 a 196 (privilégios de invenção, marcas da indústria e

comércio e concorrência desleal); artigo 172 (duplicata simulada); artigo 175

(fraude no comércio); artigo 177 (fraudes e abusos na fundação ou administração

de sociedades por ações); artigos 272, 273, 274 e 279 (adulteração ou falsificação

de substâncias alimentícias ou medicinais e venda de substância alimentícia

avariada ou em desacordo com as normas sanitárias). De outra parte, o Decreto-lei

nº 7.661, de 21/06/1945, previu crimes falimentares em seus artigos 186 a 199 que

também têm como bem jurídico tutelado a economia.

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Já a Constituição Federal de 1946, ao tratar da Ordem Econômica e Social,

seguiu essa linha evolutiva e previu expressamente a repressão ao abuso do poder

econômico, que veio a ser penalmente prevista na Lei nº 4.137, de 10/09/1962,

podendo-se ainda citar, na vigência desta Constituição, o advento de dispositivos

penais em vista da prática de violações a Ordem Econômica na Lei nº 1.521, de

26/12/1951 (Economia Popular), na Lei nº 4.591, de 16/12/1964 (Incorporação e

vendas Imobiliárias), na Lei nº 4.595, de 31/12/1964 (Instituições Financeiras), na

Lei nº 4.728, de 14/07/1965 (Mercado de Capitais) e na Lei nº 4.729, de

14/07/1965 (Sonegação Fiscal).

Por sua vez, a Constituição Federal de 1967 – assim como também a

Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – e a atual Constituição Federal de 1988

trilharam a mesma linha evolutiva de suas antecessoras desde 1934, destacando-

se a concepção de que a ordem econômica deve ter por fim a realização da justiça

social e o desenvolvimento nacional, com a particularidade de a Constituição

Federal promulgada em 1988 ser mais analítica e tratar mais pormenorizadamente

das possibilidades de intervenção estatal no campo da ordem econômica,

definindo formas e estabelecendo regras substancialmente mais claras para este

fim.98 99

É sob a égide dessas últimas duas Constituições que se visualiza a

proliferação de normas de direito penal econômico no Brasil, incrementando-se a

produção legislativa – exemplificativamente: a Lei nº 5.741, de 01/02/1971

(Esbulho Possessório de Imóvel Financiado pelo Sistema Financeiro da

Habitação), a Lei nº 6.453, de 17/10/1977 (Exploração e Utilização de Energia

Nuclear), a Lei nº 6.766, de 19/12/1979 (Parcelamento Irregular do Solo Urbano),

Lei nº 7.646, de 18/12/1987 (Proteção Intelectual sobre Programas de

Computador), a Lei nº 8078, de 11/09/1990 (Defesa do Consumidor) e a Lei nº

8.212, de 24/07/1991 (Seguridade Social)100 –, em face sobretudo dos valores da

igualdade e da solidariedade vigentes em tempos atuais, que necessitam de outros

meios para se firmarem, aliados ao desequilíbrio entre as forças econômicas e a

98 PRADO, L. R. Direito Penal Econômico, p. 28-34. 99 NUNES, Simone Lahorgue. Os fundamentos e os Limites do Poder Regulamentar no Âmbito do Mercado Financeiro, p. 10-24. 100 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O Controle Penal nos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 110-116.

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crise pela qual passou a economia mundial nos anos oitenta e noventa do século

passado.101

Nesse contexto, releva destacar especialmente, com as palavras de Renato

SILVEIRA, que:

Quanto às leis extravagantes, são de se mencionar, em termos penais, a Lei 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, a Lei 8.137/90, a qual estabelece crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, a Lei 8.176/91, em que são previstos crimes contra a ordem econômica e cria o sistema de Estoques de Combustíveis, bem como a Lei 9.613/98, que dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores e a prevenção da utilização do sistema financeiro para fins ilícitos, além de dar outras providências.102

Diante disso, a relação intrínseca existente, como se viu, ao longo da

História entre o Direito Penal Econômico e o Direito Econômico, cujos contornos

surgem da previsão constitucional de regulação da Ordem Econômica, conduziu

originariamente ao entendimento de que aquele seria um ramo deste e, portanto,

dele fazia parte103, o que, todavia, não se coaduna com o entendimento ora

vigente, que o coloca adequadamente como ramo do Direito Penal. A esse

propósito, aliás, João Marcello de ARAÚJO Jr assim se manifesta:

Podemos afirmar que existe um ramo do Direito Penal, que ainda denominamos de Direito Penal Econômico, que, embora esteja, em sua origem, vinculada ao Direito Econômico, é direito Penal, sujeito aos princípios liberais e garantias deste, a despeito de possuir, por se tratar de um Direito prático, destinado a garantir e fazer funcionar a política econômica, algumas características próprias.104

2.2. ÂMBITO DE ABRANGÊNCIA E LIMITES

Assentadas todas essas premissas, mostra-se viável se concluir que o Direito

Penal Econômico é um ramo do Direito Penal e, para mais além, em vista dos

bens jurídicos que tutela, integra o chamado Direito Penal Administrativo,

101 SILVEIRA, R. de M. J. Ob. cit., p. 143. 102 Ibid., p. 144. 103 A este propósito, René DOTTI (A Criminalidade Econômica..., p. 39) entende, a nosso ver de maneira equivocada, que o Direito Penal Econômico “vem a ser um ramo específico do chamado Direito Econômico”. 104 ARAÚJO Jr., J. M. de, O Direito Penal..., RBCCrim, p. 149.

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Secundário ou Extravagante, ao lado do denominado Direito Penal de Justiça,

Clássico ou Primário.

A esse propósito, aliás, afirma Jorge de Figueiredo DIAS que:

Enquanto os crimes do direito penal de justiça se relacionam em último termo, direta ou indiretamente, com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos direitos, liberdades e garantias das pessoas, já os do direito penal secundário – e de que se encontram exemplos por excelência no direito penal econômico (da empresa, do mercado de trabalho, da segurança social...), financeiro, fiscal, aduaneiro, etc – se relacionam primariamente com a ordenação jurídico-constitucional relativa aos direitos sociais e à organização econômica. Diferença que radica, por sua vez, na existência de duas zonas relativamente autônomas na atividade tutelar do Estado: uma que visa proteger a esfera de atuação especificamente pessoal (embora não necessariamente ‘individual’) do homem: do homem ‘como este homem’; a outra que visa proteger a sua esfera de atuação social: do homem ‘como membro da comunidade’.105

No ponto, vê-se clara a correlação existente entre o que o autor chama de

Direito Penal Secundário (Administrativo ou Extravagante) e os direitos

fundamentais de segunda e terceira dimensões consagrados nas Constituições do

século XX, particularmente no pós Guerra, e o Direito Penal de Justiça (Clássico

ou Primário) e os direitos fundamentais de primeira dimensão, típicos do

Iluminismo e do Liberalismo-burguês abraçados a partir do século XVIII.106

Assim, reconhece-se a existência de duas categorias distintas de bens

jurídicos objeto de tutela por parte da norma penal (teoria dualista do bem

jurídico), a caracterizar, para fins dogmáticos, as duas distintas espécies de Direito

Penal citadas, conquanto se reconheça que haja divergência doutrinária acerca da

admissibilidade da classificação exposta, dado que, para os adeptos da teoria

monista do bem jurídico, seria verdadeiramente impossível o reconhecimento de

duas classes de bens jurídicos, porquanto os bens jurídicos somente possuem

validez como fundamento legitimador de incriminação quando examinados de um

ponto de vista individual, pessoal.107 108 109

105 DIAS, J. de F. Questões Fundamentais..., p. 67-68. 106 A este respeito, veja-se novamente a nota 68 supra. 107 Para um panorama histórico sobre ambas as correntes, veja-se SCHÜNEMANN, Bernd. Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia jurídico-penal alemana, p. 11-41. 108 FELDENS, L. Ob. cit., p. 55. 109 No ponto, destaca-se a posição de Winfried HASSEMER, que rechaça fortemente a possibilidade da chamada intervenção penal secundária, entendendo que para os casos de criminalidade econômica bastaria a intervenção dos regulamentos do que se denomina na Alemanha de ‘Direito Penal Administrativo’ (que atua quando se verifica alguma das infrações

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A rigor, o reconhecimento da existência de um Direito Penal Secundário

com as bases mencionadas é mesmo corolário do término de uma sociedade

industrial em que os riscos para a existência provinham de acontecimentos

naturais ou de ações humanas definidas e próximas, para o que bastava a tutela

penal de bens jurídicos de nítida feição individual. Ocorre que, mais uma vez nas

palavras de Figueiredo DIAS:

O fim desta sociedade e a sua substituição por uma sociedade exasperadamente tecnológica, massificada e global, onde a ação humana, as mais das vezes anônima, se revela susceptível de produzir riscos também eles globais ou tendendo para tal, susceptíveis de serem produzidos em tempo e em lugar largamente distanciados da ação que os originou ou para eles contribuiu e de poderem ter como conseqüência, pura e simplesmente, a extinção da vida.110 Isso impõe a necessidade de que o Direito Penal, relativamente a essas

formas de ataque a uma nova gama de bens jurídicos fundamentais a exigir efetiva

tutela jurídica, assuma “uma função promocional e propulsora de valores

orientadores da ação humana na vida comunitária: eis a única via que se revelaria

adequada aos desafios formidáveis da ‘sociedade do risco’”.111 112

previstas nas chamadas ‘Ordnungswidrigkeiten’), em que se atribui competência à Administração para infligir penas pecuniárias de caráter não-criminal aos delitos econômicos, sem a intervenção do Juiz Penal. Sustenta o autor, ao criticar a inclusão do denominado Direito Penal Secundário na Ciência Penal, que “a proteção de bens jurídicos modernos é a proteção de bens jurídicos universais descritos do modo mais diverso possível. Os âmbitos nos quais o legislador atua, protegendo, invocando as fortes e atuais ameaças – isto é, onde ele não só modifica o mecanismo das antigas regras, como também procura encontrar novas exigências – aceitam bens jurídicos individuais somente no campo preliminar da lesão do bem jurídico e tratam, ao contrário, de interesses públicos, do sistema social. (...)Atualmente é difícil dizer o que se deve manter deste desenvolvimento. O que merece saudação é a tentativa de manter o contato teórico do Direito Penal com as modernas explicações do desenvolvimento social que ocorre em nossa volta e conosco. Mas seria precipitado o contentamento com o aumento de tarefas e significados com que se tem carregado o Direito Penal. Principalmente a vinculação às normas e aos princípios que marca o Direito Penal, impede a sua transformação em um instrumento eficaz flexível e superficial de orientação social global. O Direito Penal deve esperar que a violação ao Direito ocorra e não pode criminalizar profilaticamente (princípio do ‘Direito Penal do ato’); de acordo com o princípio da imputação individual, ele deve poder apontar um indivíduo concreto como o causador responsável pelos ‘transtornos’, antes de intervir; ele deve mensurar as suas intervenções de acordo com os critérios da proporcionalidade e não deve intervir se o caso em conflito é duvidoso (‘in dúbio pro reo’). Deve reparar no fato de que o sistema jurídico-penal pode preservar as vinculações clássicas mesmo sob a pressão da modernização, sem as quais pode se tornar perigoso com os seus instrumentos severos principalmente para uma sociedade moderna”. Introdução aos Fundamentos do Direito penal, p. 359-362. 110 DIAS, J. de F. Temas Básicos..., p. 158. 111 Ibid., p. 160. 112 De acordo com os ensinamentos de Ulrich BECK, os riscos da sociedade pós-industrial são globais, sistemáticos, invisíveis e, no mais das vezes, irreversíveis, freqüentemente escapando da percepção humana imediata. Decorrem do processo da industrialização e podem mesmo comprometer a própria existência das futuras gerações. Baseiam-se em decisões humanas calcadas freqüentemente na obtenção de vantagens econômicas mediatas ou imediatas. O autor cita como

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48

Assim, embora se reconheça a existência de vozes dissonantes que apontam

para uma controvérsia doutrinária acerca da própria viabilidade técnico-jurídica de

utilização do Direito Penal para um tal fim,113 decorrente das diferentes

perspectivas da funcionalidade deste instituto, o fato é que a existência de um

Direito Penal Econômico é hoje amplamente aceita e tem como fundamento

teórico a concepção de um Estado Democrático e Social de Direito – conforme

largamente demonstrado acima – que, em uma sociedade de risco, adota uma

feição clara de ação positiva para a efetivação dos direitos fundamentais,

examinando-se o garantismo penal não somente pelo viés negativo, mas também

como garantismo positivo, consubstanciado no dever de proteção de determinados

bens fundamentais por meio do Direito Penal.114

A questão que a partir daí agora se coloca diz com os limites e as formas de

incriminação do Direito Penal Econômico.

Primeiramente, impõe-se reconhecer que em tais crimes, dada a natureza do

bem jurídico objeto de proteção, de titularidade supra-individual, tutela-se não

unicamente o dano experimentado por uma pessoa ou certo grupo de pessoas a

partir da ação, mas também e principalmente o perigo que dela decorre para a

coletividade,115 mediante a formulação de tipos de perigo concreto e, mais ainda,

exemplo clássico o despertar para a existência do que chama de sociedade de risco a tragédia radioativa experimentada em Chernobil que atingira a todos indistintamente, independentemente das fronteiras geográficas e da condição pessoal de cada sujeito passivo. La Sociedade del Riesgo, p. 11-13 e 25-56. 113 Vide nota 109 supra e a Seção 1 do Capítulo 4 infra. 114 STRECK, L. Ob. cit.,p. 308-311. 115 Usou-se a advertência de que o Direito Penal Econômico não tutela ‘unicamente o dano experimentado por uma pessoa ou grupo de pessoas’ porque não se pode excluir a possibilidade de um delito econômico vir a afetar ou pôr em perigo o patrimônio de certos indivíduos, considerados particularmente, sem, contudo, descaracterizar a sua natureza, ou seja, a circunstância de, prioritariamente, colocar em risco a correta ordenação econômica do país, no todo ou em parte dela. No ponto, vale ressaltar, com BUJAN PÉREZ, que também fazem parte do Direito Penal Econômico os crimes em que se “tutelam diretamente um bem jurídico individual de conteúdo econômico, mas com a particularidade de que se orientam a proteção de um bem jurídico mediato supra-individual, ou se se prefere, se caracterizam pelo fato de que entre os motivos ou razões que influíram na decisão do legislador de outorgar-lhes viés penal se conta a existência de interesses coletivos ou supra-individuais necessários para um correto funcionamento do sistema econômico em vigor”. Excluem-se desta categoria, ainda de acordo com o mesmo autor, os delitos patrimoniais clássicos (apropriação indébita, falências, estelionato) e aqueles que, ainda que possuindo indiscutível conteúdo econômico, orientam-se à proteção de outros bens jurídicos, como nos crimes envolvendo servidores públicos e malversação de fundos públicos. PÉREZ, Carlos Martínez-Buján. Derecho Penal: Parte General, p. 59-65. No mesmo sentido, Pablo Galain PALERMO sustenta que “o bem jurídico é um dos critérios diferenciadores desta classe de delitos, que os torna um grupo homogêneo, com similares características e problemas de interpretação distintos dos delitos clássicos. Estes delitos afetam diretamente um bem jurídico coletivo ou supra-

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tipos de perigo abstrato, sendo, nas palavras de Klaus TIEDEMANN, “forçoso

concluir que o delito de perigo abstrato constitui a forma típica da infração,

ajustada em essência aos bens jurídicos supra-individuais tutelados”.116 São

considerados de perigo aqueles crimes que se contentam com a probabilidade de

dano ao bem jurídico objeto de tutela, sendo a divisão entre crimes de perigo

abstrato e de perigo concreto ainda bastante dissonante na doutrina, dizendo-se

usualmente que os primeiros contentam-se com a presunção legal de atuação

perigosa e os segundos exigem a demonstração da objetiva e real exposição a

perigo do bem jurídico tutelado.117 Em outras palavras: nos crimes de perigo

concreto o que se exige é que, com a ação, seja provável uma lesão que não possa

ser evitada, porque se criou, assim, uma acentuada desproteção ao bem jurídico,

enquanto nos crimes de perigo abstrato se vêem afetadas, com a ação por si só,

determinadas condições de segurança que são indispensáveis para que o titular do

bem jurídico possa desfrutar dele de forma despreocupada.118

Assim Rodrigo Sanchez RÍOS:

Na elaboração de um tipo penal que tutela bens jurídicos tradicionais, o legislador não tem dificuldades em delimitar a conduta do agente e a objetividade jurídica. A vida, a integridade física, a liberdade individual, entre outros, são bens jurídicos facilmente perceptíveis. O contrário ocorre na tutela dos bens jurídicos relacionados com a ordem econômico-financeira, posto que quando o autor sonega o Fisco, ou quando efetua operação de câmbio não-autorizada com o fim de promover evasão de divisas do país, a lesão ao bem jurídico não é de fácil percepção, pois afeta a sociedade em geral. Por exemplo, se se verificar que o auxílio prestado pelo Banco Central a determinados bancos pequenos mediante informação privilegiada, pelo qual se comprove que houve efetivo benefício patrimonial por meios ilícitos para um número restrito de pessoas, a percepção desta lesão aos cofres públicos não é imediata, pois não é o Banco Central a única e principal vítima; é a coletividade como um todo que é lesada. Vale dizer, quando o Governo por falta deste recurso deixa de investir em saúde, e em educação, por exemplo. Por isso a denominação bem jurídico coletivo ou supraindividual.

individual, de conteúdo econômico, conferindo deste modo a infração a qualidade de sócio-econômica. Também se incluem nesta categoria os delitos que tutelam de forma direta um bem jurídico individual de conteúdo econômico que se orienta a proteção de um mediato supra-individual (por ex: delitos contra a propriedade industrial, de concorrência desleal, delitos societários, etc). Por isso, se excluem da categoria dos delitos sócio-econômicos aqueles que protegem bens jurídicos patrimoniais clássicos que não incluem em seus elementos básicos uma afetação a ordem econômica”. RESTUTIA, Dardo Preza, ADRIASOLA, Gabriel e PALERMO, Pablo Galain. Delitos Econômicos, p. 106. Assim também TIEDEMANN, Klaus. Lecciones de Derecho Economico (comunitario, español, alemán), p. 30-33. 116 TIEDEMANN, Klaus, apud CABRERA, R. P. Ob. cit., p. 46. 117 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, v. 1, p. 110-111. 118 RIGHI, E., Ob. cit., p. 118.

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Se a intervenção do Estado na Economia é inquestionável, ela vai se dar através de diversos órgãos estatais que controlem a atuação dos agentes econômicos, o funcionamento do sistema financeiro, previdenciário etc. E estas atividades funcionais configuram-se na doutrina penal moderna como verdadeiros bens jurídicos a serem tutelados. Dessume-se, portanto, que o controle penal não estará direcionado apenas a prever e reprimir a lesão objetiva da conduta, mas também a inobservância de normas de organização na qual esteja inserida a finalidade pública da atividade funcional. Perante estes objetos de tutela – uma vez identificado o objeto – a preferência da técnica de tipificação será pela modalidade dos tipos de perigo e as normas penais em branco.119

Muito se discute acerca da validade da utilização de tais técnicas legislativas

– normas penais em branco120 e tipos de perigo – na construção de tipos penais,

particularmente a que diz respeito à possibilidade de incriminação de ações que

impliquem a exposição do bem jurídico a mero perigo abstrato,121 em face dos

postulados constitucionais garantistas que orientam o Direito Penal, dentre os

quais se destaca o princípio da lesividade,122 que vedaria a estipulação de uma tal

espécie delitiva. Todavia, bem examinada a questão, temos que a objeção não tem

razão de ser, relevando-se considerar, no ponto, o que diz Ângelo Roberto Ilha da

SILVA:

O princípio da lesividade ou da ofensividade é, portanto, observado, sempre que o tipo penal tiver por finalidade proteger bens jurídicos, sendo que alguns, por suas características, tais como o meio ambiente, a ordem econômica, a fé pública e a saúde pública, entre outros, só podem ser, em certos casos, eficazmente tutelados de forma antecipada mediante tipos de perigo abstrato, seja em razão dos resultados catastróficos que um dano efetivo traria, seja pela irreversibilidade do bem ao estado anterior, seja pelo fato de não se poder mensurar o perigo imposto em certas circunstâncias, ou a inviabilidade de estabelecer o entrelaçamento entre

119

RÍOS, R. S. Reflexões sobre o Delito Econômico..., p. 439. 120 “Normas penais em branco são normas de tipo incompleto, normas em que a descrição das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra disposição legal, já existente ou futura. Nelas a enunciação do tipo mantém deliberadamente uma lacuna, que outro dispositivo legal virá integrar. Nessas leis existe sempre um comando ou uma proibição, mas enunciados, em geral, de maneira genérica, a que só a disposição integradora dará a configuração específica. A norma integradora estabelece, então, as condições ou circunstâncias que completam o enunciado do tipo da lei em branco. Traz para a lei em branco um complemento necessário, mas na lei penal é que se encontra, embora insuficientemente definido, o preceito principal”. BRUNO, Aníbal. Direito Penal, p. 190. 121 Sustentam a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato com presunção absoluta de lesão ao bem jurídico, dentre outros, FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón; ZAFFARONI, Eugênio Raul. Manual de Derecho Penal; SANTOS, Juzarez Cirino. A Moderna Teoria do Fato Punível; BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Penal. 122 De acordo com Nilo BATISTA este princípio possui quatro funções, a saber: proibir a incriminação de uma atitude interna; proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor; proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais; e proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico. Introdução...., p. 91-97.

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múltiplas ações e um determinado resultado danoso nos moldes rigorosos do processo penal. Em suma, os crimes de perigo abstrato não afrontam o princípio da lesividade sempre que estiverem a tutelar determinados bens que requeiram uma tal forma de proteção antecipada, ou seja, quando a infração penal não configure uma mera violação de dever de obediência, e, para tanto, é mister uma rigorosa técnica de tipificação, bem como uma precisa e taxativa descrição do modelo incriminador.123

Então, não se pode, a priori, descartar, por vício de inconstitucionalidade, a

utilização dessas técnicas de incriminação de condutas relativamente aos delitos

abarcados pelo Direito Penal Econômico,124 devendo, todavia, o legislador atentar,

ao erigir certas condutas que atentem contra a ordem econômica ao status de

infração penal, aos princípios que norteiam a intervenção penal em geral, a saber,

a lesividade, proporcionalidade,125 intervenção penal mínima e culpabilidade,126

desde que, mesmo se reconhecendo as particularidades do Direito Penal

Econômico como integrante de um Direito Penal Secundário, permanece ele se

sujeitando aos postulados constitucionais explícitos e implícitos que presidem a

elaboração dos tipos penais. Tudo isso observado, cumpridos estarão os requisitos

necessários à constitucionalidade da norma em questão, seja ela de dano ou de

perigo, concreto ou abstrato, seja ela mediante uma norma penal em branco.127 128

123 SILVA, Â. R. I. da., Ob. cit., p. 101. 124 O XIII Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, que versou sobre ‘o conceito e os princípios fundamentais do direito penal econômico e da empresa’, ocorrido no Cairo em 1984, por meio da sua 9ª Recomendação estabeleceu que “o emprego de tipos delitivos de perigo abstrato é um meio válido para a luta contra a delinqüência econômica e da empresa, sempre e quando a conduta proibida pelo legislador venha especificada com precisão e a proibição se refira diretamente a bens jurídicos claramente determinados. A criação de delitos de perigo abstrato não está justificada quando obedeça exclusivamente o propósito de facilitar a prova dos delitos”. Referentemente à normas penais em branco, embora de maneira mais comedida, as admitiu por meio da 8ª Recomendação, recomendando, todavia, prudência em sua utilização: “em relação à descrição dos delitos, o emprego de técnicas de remissão a instâncias normativas fora do direito penal, para determinar quais são as condutas que se incriminam, pode conduzir ao perigo da imprecisão e falta de clareza, assim como ao excesso de delegação do poder legislativo para a Administração. A conduta ou o resultado proibidos devem estar especificados, tanto quanto possível, no próprio preceito penal”. VALLEJO, Manuel Jaén. Cuestiones Actuales Del Derecho Penal Econômico, p. 28 e 37. 125 No ponto, adquire relevância a utilização da técnica legislativa da norma penal em branco. LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. O princípio da proporcionalidade no Direito Penal Econômico. Temas de Direito Penal Econômico, p. 278-318. 126 Ibid., p. 83-146. 127 O Tribunal Constitucional Espanhol vem reconhecendo a constitucionalidade dos tipos de perigo concreto e de perigo abstrato reiteradamente. Assim, os acórdãos (‘sentencias’) 145/1985, 42/1999, 111/1999 e 02/2003. Da mesma forma o acórdão prolatado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Espanhol, de 14/02/2002, ao tratar de um delito alimentar, estabeleceu que “quando existe uma proibição formal desta natureza, baseada no princípio da precaução, a realização do tipo não depende de um perigo concreto”. VALLEJO, M. J., Ob. cit., p. 29-33. 128 Assim também entendeu o Supremo Tribunal Federal recentemente, no julgamento do RHC 81.057-SP, Rel. Min. Ellen Gracie, ao rechaçar a tese da inconstitucionalidade da existência no

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52

Assim, entende-se que não há regras específicas a incidirem sobre o Direito

Penal Econômico relativamente às garantias constitucionalmente asseguradas aos

indivíduos, em termos penais ou processuais, não havendo qualquer razão para

não se aplicarem os dispositivos a tanto referentes existentes desde o

Iluminismo,129 conforme mencionado por Rodrigo RÍOS, para quem a função de:

(...) efetivação dos valores impregnados na CF de 1988, e do ideal de justiça a ser cumprido pelo Direito Penal num Estado de Direito democrático e social, deve ser alcançada dentro – e no fiel respeito – dos princípios penais de garantia. Isso inclui a observância do princípio da intervenção mínima. Se estamos convencidos de que a finalidade do sistema penal é tutelar bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à coletividade, a intervenção deste na ordem econômica é legítima e necessária dentro dos limites válidos para o Direito Penal clássico.130

No mesmo sentido se pronuncia Manoel Pedro PIMENTEL aduzindo

conclusivamente que o Direito Penal Econômico não é autônomo e, por isso, a ele

se aplicam todos os princípios fundamentais da doutrina consagrados pelo Direito

positivo penal.131

Quanto ao âmbito de abrangência, o Direito Penal Econômico abarca todos

os delitos que atentem contra a segurança e a regularidade da boa execução da

política econômica do Estado, dentre o que se colocam, por exemplo, a exata

aplicação das rendas públicas e arrecadação dos tributos (Direito Penal Financeiro

e Direito Penal Tributário),132 além dos crimes contra o sistema financeiro

nacional, que, nas palavras de PIMENTEL, “se refere muito mais à ordem

ordenamento jurídico-penal pátrio de crimes de perigo abstrato, reconhecendo, porém, que, mesmo nestes, deve sempre ser aquilatado quanto à lesividade potencial ao bem jurídico objeto de tutela referenciada ao caso concretamente sujeito a exame pelo juiz. RTJ 193, p. 984-985. 129 Em entendimento contrário se manifesta Jesús-Maria Silva SANCHEZ (A Expansão do Direito Penal, RT, 2002), que propõe, diante da inevitabilidade do que chama de Expansionismo Penal, e após criticá-lo, a criação de um direito penal de duas velocidades, que se baseia fundamentalmente na sanção que, por força do tipo penal, se haveria de aplicar às novas condutas objeto de incriminação, reservando-se as garantias previstas aos acusados somente aos casos em que a sanção prevista no tipo fosse a de privação da liberdade, impondo-se relativizá-las quando a apenação cominada consistisse em penas outras que não implicassem aquela. Tal entendimento não vem tendo boa acolhida por parte da doutrina, sobretudo porque significa um retrocesso na evolução da ciência penal em, ao menos, dois séculos, afora a circunstância de que propugnar a existência de dois sistemas de garantias completamente distintos no mesmo ramo do conhecimento jurídico implica, por certo, no futuro a sobreposição de um sobre o outro, havendo razões históricas para se crer que o segundo acabará por suplantar o primeiro. Em razão das críticas que assolam a Teoria em exame, não foi ela acolhida no presente trabalho. Veja-se mais detalhadamente sobre a questão na nota 287 adiante. 130 RÍOS, R. S., Reflexões sobre o Delito Econômico..., p. 438. 131 PIMENTEL, M. P., Direito Penal..., p. 111. 132 Ibid., p. 109-110.

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econômica do que à ordem financeira”,133 porquanto os crimes contra a ordem

financeira dizem respeito a algo bem diverso, que é a política financeira do

Estado, nesta compreendidos o emprego irregular de verba, o excesso de exação, a

violação de sigilo de proposta de concorrência pública, a fraude em concorrência

pública, os contratos irregulares de serviços ou de obras públicas e outros, vistos

no Código Penal como crimes contra a Administração.134

Especificamente, podem-se considerar crimes contra a ordem econômica e,

portanto, integrantes do Direito Penal Econômico, acorde com o disposto nos

artigos 3º e 170 da Constituição Federal do Brasil, as seguintes espécies delitivas,

seguindo-se a divisão proposta pelo anteprojeto da nova Parte Especial do Código

Penal de 1984/87, posteriormente substituído pelo esboço de nova Parte Geral de

1994: crimes contra a dignidade, liberdade, segurança e higiene do trabalho;

crimes de abuso do poder econômico e contra a livre concorrência, a economia

popular e as relações de consumo; crimes falimentares; crimes contra o

ordenamento urbano; crimes contra o sistema de tratamento automático de dados;

crimes contra o sistema financeiro nacional; crimes contra o sistema tributário;

crimes cambiais e aduaneiros.135

2.3. OS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO: GENERALIDADES

A Lei nº 7.492, de 16/06/1986, é composta por trinta e cinco artigos e

resulta da aprovação do anteprojeto de lei apresentado em 1983 pelo então

Deputado Federal Nilson Gibson, com as alterações contidas no Substitutivo

apresentado pelo Senador José Lins, transformado no projeto de lei nº 273. Foi

antecedido por diversos trabalhos que, embora não tenham sido aprovados, de

alguma forma colaboraram para a construção das idéias que vingaram na lei

aprovada, destacando-se o anteprojeto apresentado pelo Grupo de Trabalho do

Banco Central, formado em 1977; o anteprojeto da nova Parte Especial do Código

Penal, apresentado em 1984, que contemplava a matéria; o anteprojeto

apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; e o anteprojeto

apresentado pela comissão instituída pelo Decreto nº 91.159, de 18/03/1985, e seu

133 Id., Crimes contra a Ordem Econômica, Financeira e Tributária. Revista dos Tribunais, v. 633, p. 251. 134 Ibid., p. 251.

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substitutivo elaborado por comissão formada no âmbito da OAB/RJ, dentre

outros.136 É fruto da experiência surgida após a aprovação da Lei nº 6.024, de

13/03/1974, que dispôs sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de

instituições financeiras, oferecendo meios para que o Banco Central interviesse

nas instituições financeiras privadas e públicas não federais, bem assim nas

cooperativas de crédito, quando isso se tornasse necessário, de acordo com as

prescrições contidas na mesma lei que, todavia, não previa qualquer hipótese de

responsabilização criminal para os responsáveis pelas entidades submetidas à

intervenção ou liquidação extrajudicial, deixando de tipificar as condutas que

pudessem acarretar as situações tais que conduzissem a instituição financeira à

situação em que se encontrava quando da necessária ação estatal.137

O fato é que, a partir de 1974, em face da entrada em vigor da Lei nº 6.024,

veio à lume uma série de quebras e escândalos envolvendo instituições que

compunham o Sistema Financeiro Nacional, sendo de se registrar que, entre

13/03/1974 e 31/12/1986, o sistema de dados do Banco Central registrou 316

(trezentas e dezesseis) empresas submetidas a regime especial de intervenção ou

liquidação, com destaque para os casos Halles, Áurea, Ipiranga, Lume, Tieppo,

Delfin, Capemi, Coroa-Brastel, Haspa, Letra, Sulbrasileiro, Habitasul,

Brasilinvest, Comind, Auxiliar e Maisonnave. Nesse contexto, diante da situação

verificada e da ausência de qualquer previsão de tipo legal de crime envolvendo

os administradores destas entidades, é que se logrou aprovar a Lei nº 7.492/86, 138

em absoluto acordo com o disposto nos artigos 157 e 163 da Constituição Federal

de 1967 então em vigor, que, embora não previsse expressamente o Sistema

Financeiro Nacional,139 dispunha de forma clara sobre a Ordem Econômica e

Social e os deveres relacionados ao exercício das atividades a tanto relativas,

dentre as quais se inclui, como vimos anteriormente, a regularidade de exercício

do mencionado sistema.

De acordo com Rodolfo Tigre MAIA, a lei federal em referência:

135 ARAÚJO Jr., J. M. de, O Direito Penal..., RBCCrim., p. 145-146. 136 CASTILHO, E. W. V. de, Ob. cit., p. 128-129. 137 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional..., p. 13-24. 138 Ibid., p. 125. 139 Ao contrário, a atual Constituição Federal o prevê expressamente em seu art. 192 nos seguintes termos: “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.

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(...) tem por escopo assegurar na esfera do Direito Penal a proteção ao Sistema Financeiro Nacional. Ainda que com nuanças e especificidades marcantes, que emergem dos diversos tipos penais que a conformam, o bem jurídico que fundamenta e valida globalmente sua existência é o Sistema Financeiro Nacional. Assim, são criminalizadas aquelas ações ou omissões humanas, praticadas ou não por agentes institucionalmente ligados ao sistema, dirigidas a lesionar ou colocar em perigo o SFN, enquanto estrutura jurídico-econômica global valiosa para o Estado brasileiro, bem como as instituições que dele participam, e o patrimônio dos indivíduos que nele investem suas poupanças privadas.140

Nas palavras de João Marcello de ARAÚJO Jr.:

Os delitos financeiros se destinam a punir as condutas intoleráveis, que importem em manobras lucrativas em prejuízo geral, mediante o aproveitamento da estrutura e organização do sistema financeiro, no qual se incluem as empresas de capital aberto. Assim sendo, o delito financeiro expressa uma disfunção do sistema financeiro e o seu conteúdo está limitado pelo bem jurídico a ser protegido.141

A rigor, analisando-se o objeto e a forma de tutela das normas penais

contidas na Lei em apreço, adquire especial relevância o aspecto da confiança no

mercado financeiro que os investidores e o próprio Estado devem ter quanto ao

bom funcionamento das instituições,142 sobretudo quando se está a referir ao

investimento de capitais para guarda e depósito, uma vez que o investidor confia,

além da liquidez da instituição em que aplica seus recursos econômicos, na

organização, estrutura e eficiência de controle do mercado em que aquela se

insere, daí, pois, também a justificativa para a criminalização de certas condutas

que atentem contra esse sistema.143

O sistema financeiro, reprise-se, foi estruturado com o advento da Lei nº

4.595/64, que instituiu o chamado Sistema Financeiro Nacional. O seu órgão

máximo é o Conselho Monetário Nacional, que dita as regras gerais, secundado

pelo Banco Central, entidade executiva, e este pelas autoridades de apoio, que são

a Comissão de Valores Mobiliários, o Banco do Brasil, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e a Caixa Econômica Federal.

Na base do sistema estão as instituições financeiras (bancos comerciais, demais

140 MAIA, Rodolfo Tigre. Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 15. 141 ARAÚJO Jr., J. M. de, Os crimes contra o Sistema Financeiro no Esboço de Nova Parte Especial do Código Penal de 1994. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 11, p. 148. 142 No ponto, veja-se o contido na Seção 1, Capítulo 2 supra. 143 MAZLOUM, Ali. Crimes do Colarinho Branco, p. 42-43.

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bancos de desenvolvimento, cooperativas de crédito, sociedades de crédito,

financeiras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, corretoras e sociedades

de arrendamento mercantil e de crédito mobiliário, bolsas de valores e fundos de

investimentos) a quem incumbe a responsabilidade pela intermediação entre os

que poupam e os que investem, operando em conformidade com as orientações

traçadas pelas autoridades monetárias (CMN e BACEN). Referentemente ao

Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal merece registro o fato de serem

considerados, a um só tempo, autoridades de apoio – o Banco do Brasil porque é

agente financeiro do Tesouro Nacional e porque nele funciona a câmara de

compensação de cheques, entre outras atribuições,144 e a Caixa Econômica

Federal por ser a responsável pela execução das políticas financeiras da União

relacionadas à habitação popular, saneamento básico e concessão de empréstimos

a baixo custo a certos setores da atividade econômica145 – e também instituições

financeiras, por atuarem igualmente como bancos comerciais.146

O mercado financeiro pode ser subdividido em Mercado Monetário, em que

se transacionam haveres de curto e curtíssimo prazo, financiando-se necessidades

imediatas de caixa de bancos comerciais e do Tesouro Nacional, dele participando

o Banco Central em conjunto com o sistema financeiro; do Mercado de Crédito,

em que se atendem às necessidades de curto e médio prazos, como o

financiamento de bens duráveis aos consumidores e de capital de giro às

empresas, atuando nele os intermediários financeiros bancários; Mercado de

Capitais, em que se realizam operações de médio e longo prazos para o

financiamento de capital fixo das empresas, por meio de operações em Bolsa de

Valores; e Mercado Cambial, em que se realizam as operações de compra e venda

de moeda estrangeira por instituições financeiras devidamente autorizadas pelo

Banco Central.147

Para os fins de incidência da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional – também conhecida como Lei de Crimes do Colarinho Branco – o

conceito de instituição financeira é alargado e não coincide totalmente com aquele

144 Veja-se a respeito o art. 19 da Lei nº 4.595/64. 145 Conforme estabelece o art. 22 da Lei nº 4.595/64. 146 Veja-se a propósito da estrutura do Sistema Financeiro Nacional o contido na Seção 2, Capítulo 1 supra. 147 HILLBRECHT, Ronald. Economia Monetária, p.22.

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ofertado pelo art. 17 da Lei nº 4.595/64148 para que, assim, não escape qualquer

conduta lesiva, de dano ou de perigo, contra o sistema financeiro praticada por

qualquer pessoa jurídica ou física que nele interfira, sendo fruto da experiência do

Banco Central na identificação e trato das diversas entidades que lidavam com

recursos de terceiros ou com títulos ou valores mobiliários.149 No mesmo sentido

– evidenciando mais uma vez a crescente importância social e jurídica do Sistema

Financeiro Nacional e a necessidade de sua regulação, em quaisquer de suas

modalidades de expressão, acompanhando aquelas que surgiram ou foram

incrementadas no final do século XX em razão das mudanças do mercado –,

convém se atentar para a abrangente definição de instituição financeira prevista na

Lei Complementar nº 105/2001, que, ao dispor sobre a questão do sigilo das

operações financeiras, evidencia a tendência contemporânea de alargamento de

seu âmbito de abrangência não só na esfera do Direito Penal, tal como já

preconizava a mencionada Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro, mas

também em outros ramos do Direito, como aquele de que se ocupa a novel

disposição legal.150

Assim, considera-se, de acordo com o art. 1º, da Lei nº 7.492/86, instituição

financeira, para efeitos penais, a pessoa jurídica de direito público ou privado que

148 “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.” 149 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 25-32. 150 LC 105/2001. Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. § 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar: I – os bancos de qualquer espécie; II – distribuidoras de valores mobiliários; III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários; IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos; V – sociedades de crédito imobiliário; VI – administradoras de cartões de crédito; VII – sociedades de arrendamento mercantil; VIII – administradoras de mercado de balcão organizado; IX – cooperativas de crédito; X – associações de poupança e empréstimo; XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros; XII – entidades de liquidação e compensação; XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional. § 2o As empresas de fomento comercial ou factoring, para os efeitos desta Lei Complementar, obedecerão às normas aplicáveis às instituições financeiras previstas no § 1o.

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tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação,

intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda

nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação,

intermediação ou administração de valores mobiliários,151 sendo considerada

instituição financeira por equiparação a pessoa jurídica que capte ou administre

seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou

recursos de terceiros, bem como a pessoa natural que exerça qualquer das

atividades referidas no artigo de lei em questão, ainda que de maneira eventual.

Percebe-se claramente que a amplitude do conceito de instituição financeira

para fins criminais, destacando-se as chamadas ‘instituições financeiras por

equiparação’, teve como norte “a preocupação do legislador em tutelar todas as

atividades que envolvam recursos financeiros de terceiros e a credibilidade do

Sistema Financeiro em geral. Em última instância: a proteção do patrimônio e da

ordem pública”,152 nesta compreendida, obviamente, a ordem econômica, como se

viu. Independe, portanto, da formatação jurídica de que reveste o ente que exerce

a função, nem da sua habitualidade, nem da existência de prévia autorização ou

não emitida pelo ente público para seu funcionamento, sendo relevante para o fim

de incidência da norma penal a espécie de atividade desenvolvida, principal ou

acessoriamente.153

É, pois, com essa perspectiva que se passa, doravante, a analisar a prática

delitiva prevista no artigo 17, caput e parágrafo único, I, da lei em comento,

relevando-se para outra oportunidade a análise do tipo constante no seu inciso II,

dada a sua distinção ontológica do contido na cabeça do artigo.

151 Os valores mobiliários são os documentos emitidos por empresas para captação de recursos financeiros de terceiros no mercado, materializados na emissão e negociação de ações no chamado mercado financeiro, em especial no mercado de capitais (bolsas de valores e mercado de balcão), na forma da regulamentação existente na Lei nº 4.728/65. 152 COSTA Jr., Paulo José da, et alli. Crimes do Colarinho Branco, p. 65. 153 SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Crimes do Colarinho Branco: Lei nº 7.492/86, p. 26-27.

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3. O ART. 17, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI DE CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

3.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS E O ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO TIPO

Assim dispõe o art. 17 da Lei nº 7.492/86:

Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo; II – omissis.

Por seu turno o art. 25 da mesma Lei assim prevê:

Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado). § 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico.

Remotamente o antecedente legislativo penal brasileiro relacionado a este

crime é o artigo 177, III, §1º, do Código Penal,154 do qual derivou por

especialização o artigo 34, I e § 1º, da Lei nº 4.595/64,155 que acabou por ser

154 Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular. § 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular: III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral. 155 Art. 34. É vedado às instituições financeiras conceder empréstimos ou adiantamentos: I - A seus diretores e membros dos conselhos consultivos ou administrativo, fiscais e semelhantes, bem como aos respectivos cônjuges; II - Aos parentes, até o 2º grau, das pessoas a que se refere o inciso anterior;

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sucedido pelo mencionado artigo 17 da Lei dos Crimes contra o Sistema

Financeiro Nacional que revogou o anterior exclusivamente com relação às suas

disposições criminais, em vista do princípio segundo o qual a lei posterior que

disciplina a matéria revoga a anteriormente em vigor, mantendo-se vigente o

artigo da Lei da Reforma Bancária em seus cinco incisos no que diz com as

prescrições de caráter administrativo.156

Trata-se de crime pluriofensivo, pois tem várias objetividades jurídicas

passíveis de lesão ou de colocação em perigo, sendo a principal a boa execução da

política econômica do Estado e, secundariamente, a fé pública, em especial na

hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do artigo e o patrimônio de

terceiros, nestes compreendidos os sócios e os credores da instituição financeira. É

crime doloso, podendo ser direto ou eventual,157 próprio,158 de mera conduta159 e

de perigo presumido,160 constituído de tipos anormais,161 pela presença de

III - As pessoas físicas ou jurídicas que participem de seu capital, com mais de 10% (dez por cento), salvo autorização específica do Banco Central da República do Brasil, em cada caso, quando se tratar de operações lastreadas por efeitos comerciais resultantes de transações de compra e venda ou penhor de mercadorias, em limites que forem fixados pelo Conselho Monetário Nacional, em caráter geral; IV - As pessoas jurídicas de cujo capital participem, com mais de 10% (dez por cento); V - Às pessoas jurídicas de cujo capital participem com mais de 10% (dez por cento), quaisquer dos diretores ou administradores da própria instituição financeira, bem como seus cônjuges e respectivos parentes, até o 2º grau. § 1º A infração ao disposto no inciso I, deste artigo, constitui crime e sujeitará os responsáveis pela transgressão à pena de reclusão de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Código Penal e o Código de Processo Penal. § 2º ‘omissis’. 156 PAULIN, Luiz Alfredo. Dos empréstimos e adiantamentos de instituições financeiras a pessoas ligadas. Disciplina em face do art. 17 da Lei 7.492, de 16.06.1986. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, n. 2, p.76. 157 Não se admite sua realização na forma culposa e o dolo é o chamado ‘dolo de perigo’, que, ao contrário do ‘dolo de dano’, mesmo eventual ou da culpa consciente, se caracteriza por necessitar exclusivamente que o agente esteja “ciente de sua conduta, do resultado potencialmente lesivo, ou seja, da exposição de perigo ao bem penalmente tutelado e do liame de causalidade entre aquela e este. Deve, pois, ter conhecimento da possibilidade do implemento do dano, sem que este seja perseguido ou mesmo admitido por ele”. SILVA, Â. R. I. da., Ob. cit., p. 61. Igualmente, admite-se o dolo eventual, como aliás ocorre com a maioria dos delitos econômicos. Assim, PÉREZ, C. M.B., Ob. Cit., p. 166-176. 158 Também chamados de ‘crimes especiais’ são aqueles em que “o círculo de agentes possíveis fica reduzido àquelas pessoas designadas pelo legislador (exemplo: funcionário público, no peculato; militar, nos crimes militares). Nestes, quem não possuir a característica prevista no tipo só pode ser considerado co-autor ou partícipe, jamais autor do crime”. TOLEDO, F. de A., Ob. cit., p. 142. 159 Nos delitos de mera atividade não é necessário que a ação seja seguida da causação de um resultado separável espaço-temporalmente da conduta. MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal, Parte General, p. 225. 160 A figura do crime de perigo presumido, na definição de Francesco Antolisei, cunhada em 1914, se identifica, para a doutrina moderna, com o delito de perigo abstrato, referido na Seção 2, Capítulo 2. Assim: BATISTA, N., Empréstimos Ilícitos na Lei nº 7.492/86, Revista Forense, v. 352, p. 143-144.

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61

elementos normativos162 tais como aqueles designados pelas expressões

‘empréstimo’, ‘adiantamento’, ‘controlador’, ‘administrador’, ‘conselho

estatutário’, etc.163

Inicialmente, impõe-se examinar, a partir do reconhecimento da natureza do

crime em referência e dos bens jurídicos que procura tutelar, a razão que presidiu

a incriminação das condutas em exame, a partir da vedação da realização do

mútuo entre as pessoas listadas no tipo e a instituição financeira, tendo em conta a

estrutura dos entes que compõem um sistema financeiro e sua função

desempenhada na coletividade.

A rigor, o sistema financeiro é composto por intermediários financeiros que

captam depósitos ou fundos de terceiros e, a seguir, os emprestam a outras

pessoas. Nas palavras de Luiz Alfredo PAULIN:

As instituições financeiras intermediam moeda. E, com isso, desempenham um papel de relevância ímpar para a sociedade como um todo, a saber: otimizam a atividade econômica alocando capitais de espera ou superavitários para empreendimentos que gerarão renda e emprego.164

Ou seja, com os valores obtidos por meio dos depósitos realizados nas

instituições financeiras por quem possui disponibilidade para guarda ou

investimento, decorrente de sobra de ativos, esta financia, mediante empréstimos a

terceiros, as atividades daqueles que necessitam destes recursos para realizar

alguma atividade econômica e deles não dispõem momentaneamente, fazendo

com que haja maior crédito em circulação e, com isso, seja a economia

alavancada. É pressuposto do sistema que haja certos indivíduos com

161 Tipos anormais são aqueles que retiram do tipo sua característica puramente objetiva e descritiva e nele inserem elementos subjetivos e normativos do injusto que passam a integrar a descrição da conduta incriminada. NORONHA, E. M., Ob. cit., p. 99-100. 162 Os elementos normativos do tipo só podem ser determinados mediante especial valoração jurídica ou cultural. São exemplos os casos em que o tipo se refere a elementos cujo conhecimento exige por parte do juiz recurso a valores éticos no meio cultural e que são, em última análise, valores culturais. Os elementos normativos enfraquecem a função de garantia do tipo, introduzindo certa indeterminação no conteúdo da conduta punível. A valoração realizada pelo juiz deve ser objetiva, ou seja, segundo os padrões vigentes, e não conforme o entendimento peculiar do julgador (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, p. 194-195). Para Luiz LUISI (Ob. cit., p. 58), os elementos normativos se dividem em tipos normativos propriamente ditos e tipos axiológicos, sendo os primeiros aqueles elementos do tipo já valorizados, isto é, de aplicações de valorações já realizadas pelo ordenamento jurídico. São conceitos já expressos em normas jurídicos, e com significações consagradas. Exemplos de juízos normativos propriamente ditos são as expressões ‘funcionário público’, ‘estrangeiro’, ‘poder publico’, etc. 163 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o sistema financeiro..., p. 133. 164 PAULIN, L. A., Ob. cit., p. 78.

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disponibilidade financeira superior às suas necessidades e outros com

disponibilidade financeira inferior às suas, pois somente neste contexto é que

ingressam os intermediários que farão com que ocorra, mediante a aplicação das

regras de um mercado capitalista, a redistribuição circunstancial desses haveres.

Tendo em consideração, portanto, a natureza sensível dessa atividade é que

se exige, para o seu exercício, autorização especial por parte da autoridade pública

responsável pelo controle da atividade.165 Só a partir de então é que se poderá

efetuar a captação da poupança popular e:

A autorização estatal está vinculada ao cumprimento pelo interessado de suas obrigações, a saber: a de servir como intermediária. Ou seja, deve ele possibilitar que capitais de setores superavitários que, em princípio ficariam estéreis, sejam direcionados para setores deficitários, que só não iniciaram novos empreendimentos por falta de recursos. Com isto ganham a economia e a sociedade como um todo, já que a poupança popular é direcionada para a geração de desenvolvimento econômico.166

Nesse contexto é que a instituição financeira que toma recursos do público e

os alcança a si mesma, seus colaboradores ou coligados não cumpre a sua função

dentro do sistema do qual faz parte, pois não está intermediando recursos, mas

efetivamente fazendo parte dessa relação que se propõe a figurar como terceira.

Demais, outra razão se impõe considerar, que é o mau gerenciamento dos

riscos, uma vez que, ao mutuar os valores que formalmente são seus – mas que, na

verdade, pertencem aos investidores em geral que lhe confiaram a guarda e

podem, quando necessário, efetuar seu resgate – a pessoas com as quais possui

estreito grau de ligação, a instituição financeira não atende aos ditames da

prudência que devem reger as relações financeiras, porquanto dificilmente haverá

imparcialidade na análise da concessão de um tal crédito por parte do

empreendimento e, assim, se estará elevando os riscos de inadimplemento

demasiadamente para além do razoável, criando um clima de desconfiança

relativamente ao sistema em geral por parte dos poupadores, que se sentirão

menos predispostos a depositar e investir seus haveres em qualquer ente que dele

faça parte. Daí advêm sérios riscos para o sistema econômico, referentemente à

165 Art. 18, da Lei nº 4.595/64. 166 PAULIN, L. A., Ob. cit., p. 79.

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concessão de linhas de crédito para quem delas necessita, em face da escassez dos

depósitos existentes e disponíveis para realocação.

Por tudo isso, sintetizando as questões postas, Nilo BATISTA afirma que o

tipo em referência se inscreve na classe dos ‘delitos de infidelidade’, entendida

esta como especial modo de execução,167 a partir da administração desleal, no

abuso de confiança. No caso particular dos crimes contra o sistema financeiro,

havendo a conduta tipificada no artigo 17 da Lei, ocorre o chamado ‘abuso de

crédito’.168

Nas palavras de José Carlos TÓRTIMA:

A norma sub examen coíbe a indevida locupletação dos diretores e sócios da instituição financeira e dos seus parentes às custas do patrimônio desta, através de empréstimos ou adiantamentos que, aliás, freqüentemente não passam de operações fictícias, montadas com o único fim de desviar os recursos da empresa para as contas de particulares.169

De uma primeira leitura do tipo é imperioso se concordar com o que disse

Fábio Konder COMPARATO ao afirmar que:

Decididamente, a definição criminal constante do art. 17 da Lei 7.492, de 16.06.1986, pela sua sofrível redação, continua a suscitar extravios interpretativos. O legislador violou aí, com efeito, a regra elementar de boa técnica, consistente em não encambulhar várias figuras delitivas na mesma unidade normativa, encadeando orações em um período espichado, com uma multiplicidade de intercalações e retrorreferências.170

Exemplo disso é que existem vários comportamentos que podem constituir

os elementos objetivos do tipo, havendo, na cabeça do artigo, os verbos ‘tomar’,

‘receber’ e ‘deferir’, enquanto no inciso I do parágrafo único são eles ‘conceder’ e

167 O autor adverte para “um risco teórico que espreita todo esforço de reconstrução dogmática de qualquer delito de infidelidade. Uma coisa é considerar a infidelidade da perspectiva de especial modo de execução, certamente menos estudado do que, por exemplo, a violência ou a fraude, porém com identidade própria e importantes funções a desempenhar na economia do tipo objetivo, do tipo subjetivo, do erro etc. Outra coisa é tomar a infidelidade como conteúdo substancial do injusto, fundante de sua própria punibilidade. (...) Cabe, contudo, advertir veementemente para o risco que operadores jurídicos afrontam ao se debruçarem sobre um delito que contém um modo de execução infidelidade: o risco de repetirem, no microcosmo teórico do delito em questão, o gravíssimo desvio do direito penal nazista, convertendo a infidelidade no eixo material do injusto e menosprezando a sempre indispensável ofensa ao bem jurídico tutelado”. BATISTA, N., Empréstimos Ilícitos..., Revista Forense, p. 141-142. 168 Ibid., p. 140-141. 169 TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 111. 170 COMPARATO, F. K., Crime contra a ordem econômica. Interpretação do art. 17 da Lei 7.492/86, Revista dos Tribunais, v. 749, p.555.

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‘receber’, e no inciso II do mesmo parágrafo são ‘promover’ e ‘receber’, sendo

diversos também os objetos materiais, destacando-se no ‘caput’ e no inciso I do

parágrafo o ‘empréstimo’, o ‘adiantamento’, os ‘honorários’, a ‘remuneração’, o

‘salário’, ou ‘qualquer outro pagamento’, e no inciso II o ‘lucro’, desde que

distribuído de forma disfarçada.171

Examinemo-los quanto ao que é objeto específico deste estudo.

As primeiras figuras típicas previstas e que constituem objeto do presente

estudo são as de ‘tomar’ ou ‘receber’, as pessoas dispostas no art. 25 da Lei, direta

ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, devendo-se compreender que o

verbo ‘tomar’ tem por objeto material ‘empréstimo’ e o verbo ‘receber’ tem por

objeto material o adiantamento,172 bem como deferi-lo – melhor teria sido dizer

‘deferi-los’173 – a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário,

aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha

colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja

por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas.

De início, a questão que se coloca diz com o exato significado dos

vocábulos ‘empréstimo’ e ‘adiantamento’, que são entendidos como elementos

normativos do tipo, tanto quanto das palavras ‘controlador’ e ‘administrador’.

Nesse sentido, impositivo se mostra pesquisar o significado destas expressões em

face da legislação pátria.

Assim, deve-se buscar a definição de ‘empréstimo’, que é uma espécie de

contrato, prevista no Código Civil pátrio, particularmente nos artigos 579174 e

586,175 que tratam respectivamente do comodato e do mútuo.176 Pesquisando-se na

doutrina, por seu turno, obtém-se um conceito único para o instituto: de acordo

com Orlando GOMES, “é o empréstimo o contrato em que uma das partes recebe,

para uso ou utilização, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou dar

171 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 134. 172 MAIA, R. T., Ob. cit., p. 111. 173 TÓRTIMA, J. C., Ob. cit., p. 108. 174 Art. 579. O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto. 175 Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade. 176 “O mútuo é empréstimo de consumo. No comodato, a coisa é cedida para uso; no mútuo, para consumo, material ou jurídico. Essa destinação decorre da qualidade das coisas que podem ser mutuadas”. No mútuo a propriedade é transferida ao mutuário e no comodato ela permanece com o comodante. GOMES, Orlando, Contratos, p. 319.

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outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade”.177 O empréstimo, tanto na

modalidade de comodato quanto na de mútuo, é um contrato real e, portanto,

depende, para a sua realização, da tradição da coisa e, enquanto não ocorrer a

transferência da posse do bem, o contrato não se aperfeiçoa.178

Ante o princípio da lesividade, por seu turno, entende-se que a modalidade

delituosa em apreço não se aperfeiçoa se o empréstimo se der sob a forma de

comodato, uma vez que, neste caso, não ofende o bem jurídico objeto de tutela o

simples uso de bens ou haveres sociais, visto que não coloca sob risco o bem

objeto de proteção criminal,179 desimportando, no caso, o fato de se tratar de tipo

incriminado de perigo presumido,180 sendo de relevo registrar, com Nilo

BATISTA, que “situações nas quais a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma

se apresenta impossível – negando cabalmente o caráter perigoso da conduta – são

afastadas da incidência penal”,181 sendo evidentemente esta a hipótese quando se

toma ou recebe empréstimo sob a forma de comodato. Na mesma balada vai a

lição de Manoel Pedro PIMENTEL ao dizer que “ao contrário do que dispõe o CP

(art. 177, §1º, III) relativamente às sociedades anônimas, a lei ora examinada não

prevê o uso dos bens ou haveres sociais. Portanto, o objeto material não alcança o

acervo social, quanto ao simples uso”.182 Luiz Alfredo PAULIN endossa estas

palavras com sólidos argumentos e assevera que:

Somente seria possível, em se tratando de instituição financeira, se falar em assumir riscos ‘contra si mesmo’ na medida em que o empréstimo fosse de valores, bem sabidamente fungível. Não haveria, obviamente, risco, no sentido aqui utilizado, em uma instituição emprestar a uma coligada veículos, por exemplo. Haveria, isto sim, risco no empréstimo de coisas fungíveis, como, por exemplo, dinheiro. Também não se poderia falar que a instituição estaria deixando de cumprir sua função básica, qual seja, de direcionar poupança de setores superavitários para setores deficitários, exceto na hipótese de empréstimo de coisa fungível, especialmente dinheiro. Portanto, não pode subsistir dúvida que o empréstimo a que se refere o art. 17, na verdade, é o mútuo. É que na linguagem bancária utiliza-se deste termo como mútuo.183

177 Ibid., p. 314. 178 WALD, A. Obrigações e Contratos, p. 377. 179 Na mesma ordem de idéias têm-se as palavras de Rodolfo Tigre MAIA, Ob. cit., p 111, e DOTTI, René Ariel, Crime contra o Sistema Financeiro Nacional, Revista dos Tribunais, ano 84, v. 718, p. 366-370. 180 Neste sentido, veja-se a posição do Supremo Tribunal Federal exposta em RTJ 193, p. 984-985, cujo julgado restou sintetizado neste trabalho na nota 128 supra. 181 BATISTA, N., Empréstimos Ilícitos..., Revista Forense, p. 143. 182 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 134.

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O objeto do empréstimo – exclusivamente na modalidade de mútuo – pode

ser dinheiro ou qualquer outra coisa fungível, nos precisos termos do disposto no

art. 586 do Código Civil, desde que possua valor econômico e esteja vinculado à

instituição financeira.

De sua vez, entende-se por ‘adiantamento’, na precisa lição de Rodolfo

Tigre MAIA, “a percepção antecipada de valores pertinentes a honorários,

comissões, salários, pro labore, produtividade, participação nos lucros ou

qualquer outra forma de remuneração por realização de serviços”184 ou ainda

qualquer antecipação em dinheiro referente a honorários, salários ou outra

remuneração eventualmente devida.185 A rigor, merece registro que o

‘adiantamento’ pode se dar sob a forma de recebimento a título de antecipação de

qualquer vantagem que possua caráter econômico, não se traduzindo

necessariamente na percepção de dinheiro em espécie.186

Assim, o tipo se perfaz, quanto às primeiras figuras mencionadas, toda a vez

que alguma das pessoas referidas no art. 25 da Lei tomar empréstimo ou receber

adiantamento de alguma das instituições financeiras elencadas no artigo 1º da Lei

dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional em que figure como

administrador, nos termos da lei, ainda que por interposta pessoa (também

conhecido por ‘testa de ferro’). É fundamental para a realização da conduta típica

que o empréstimo ou adiantamento tenha como destino final uma das pessoas

referidas no art. 25 da Lei em questão, uma vez que o que o tipo pretende evitar é

que o administrador, ao conceder um empréstimo, contrate consigo mesmo,

desempenhando os papéis de representante legal da sociedade e de terceiro

contratante187 e, ao receber adiantamento, considere que ‘a empresa sou eu’, em

um rompante de megalomania,188 auferindo assim benefícios potencialmente

indevidos em prejuízo da saúde financeira da instituição.

Adiante, tipificam-se as condutas consistentes no deferimento tanto de

adiantamento quanto de empréstimo a controlador, administrador, membro de

conselho estatutário da instituição financeira, aos respectivos cônjuges, aos

ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o segundo grau,

183 PAULIN, L. A., Ob. cit., p. 88. 184 MAIA, R. T., Ob. Cit., p. 111. 185 TÓRTIMA, J. C., Ob. cit., p. 111. 186 MAZLOUM, A., Ob. cit., p. 104. 187 COSTA Jr., P. J., et alli., Ob. cit, p. 120.

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consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta

ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas.

No ponto, observe-se que as definições dos elementos normativos do tipo do

empréstimo e do adiantamento devem ser rigorosamente as mesmas já acima

mencionadas, restando se analisarem as demais elementares constantes no tipo em

referência.

Assim, considera-se controlador – nos termos da Lei nº 6.404/76 que prevê

esta figura – a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por

acordo de voto, ou sob controle comum, que seja titular de direitos de sócio que

assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da

assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia

e que, de conseqüência, use efetivamente seu poder para dirigir as atividades

sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.189 Já o administrador

é o efetivo gestor da empresa e se personifica, conforme dispuser o estatuto, no

conselho de administração e na diretoria, ou somente na diretoria.190. Por sua vez,

o membro do conselho estatutário é a pessoa que integra este órgão colegiado,

formado de acordo com o previsto no contrato social, no bojo das empresas que o

detiverem, conforme faculta a lei comercial, à semelhança do conselho fiscal, de

existência obrigatória.191 192

188 MAIA, R. T., Ob. Cit., p. 111. 189 Lei nº 6.404/76. Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender. 190 Lei nº 6.404/76. Art. 138. A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria. § 1º O conselho de administração é órgão de deliberação colegiada, sendo a representação da companhia privativa dos diretores. § 2º As companhias abertas e as de capital autorizado terão, obrigatoriamente, conselho de administração. Art. 139. As atribuições e poderes conferidos por lei aos órgãos de administração não podem ser outorgados a outro órgão, criado por lei ou pelo estatuto. 191 Lei nº 6.404/76. Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas. 192 No ponto, vale dizer, com Paulo José da COSTA Jr. et allii (Ob. cit., p. 151), que “embora a definição de controlador decorra da Lei das Sociedades Anônimas, o conceito pode ser aplicado

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A vedação se estende aos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a

parentes na linha colateral até o segundo grau, consangüíneos ou afins, das

pessoas mencionadas acima. O conceito de cônjuge deve ser interpretado

restritivamente, como convém a um tipo penal, em razão da aplicação do princípio

da legalidade estrita, segundo o qual se veda a incriminação de qualquer conduta a

partir do uso da analogia,193 não se estendendo aos companheiros que vivam em

união estável, compreendendo, portanto, apenas as pessoas que sejam legalmente

casadas.194 São considerados ascendentes aqueles que compõem a linha reta195 que

se observa dos filhos196 para os genitores, ou seja, da geração às anteriores, como

por exemplo, pai, avô, bisavô, etc e descendentes os integrantes da linha reta

descendente, vindo da geração remota às mais próximas, ou seja, bisavô, avô, pai,

filho, neto, etc.197De seu turno, consideram-se parentes na linha colateral198 até o

segundo grau199 consangüíneos o irmão, a irmã e os tios e tias, tanto maternos

também às sociedades por cotas de responsabilidade limitada”, podendo-se dizer o mesmo com relação às demais definições constantes na Lei nº 6.404/76. 193 MAIA, R. T., Ob. cit., p. 112. 194 Código Civil. Art. 1.514. O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados. Art. 1.515. O casamento religioso, que atender às exigências da lei para a validade do casamento civil, equipara-se a este, desde que registrado no registro próprio, produzindo efeitos a partir da data de sua celebração. Art. 1.516. O registro do casamento religioso submete-se aos mesmos requisitos exigidos para o casamento civil. § 1o O registro civil do casamento religioso deverá ser promovido dentro de noventa dias de sua realização, mediante comunicação do celebrante ao ofício competente, ou por iniciativa de qualquer interessado, desde que haja sido homologada previamente a habilitação regulada neste Código. Após o referido prazo, o registro dependerá de nova habilitação. § 2o O casamento religioso, celebrado sem as formalidades exigidas neste Código, terá efeitos civis se, a requerimento do casal, for registrado, a qualquer tempo, no registro civil, mediante prévia habilitação perante a autoridade competente e observado o prazo do art. 1.532. 195 Código Civil. Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes. 196 Incluem-se nesta categoria os filhos adotivos, a teor do disposto no art. 227, § 6º da CF/88, do art. 1.596 do Código Civil e do art. 20 da Lei nº 8.069/90, observando-se que, a teor do disposto no art. 1.626 do Código Civil, o adotado desliga-se completamente dos vínculos de seus pais e parentes consangüíneos, salvo quanto aos impedimentos para o casamento, uma vez que a adoção lhe atribui a situação de filho de forma plena, estabelecendo, a partir do trânsito em julgado da sentença de adoção, relações de parentesco com toda a família do adotante, para todos os fins. Assim o Código Civil: “Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o adotante e o adotado, como também entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante”. 197 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, tomo 9, p. 33. 198 Código Civil. Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. 199 Para Pontes de MIRANDA (Ob. cit., p. 33-34), “grau é a distância que existe entre dois parentes. Na linha reta, contam-se os graus de parentesco pelas gerações. Os parentes em linha

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quanto paternos, e afins200 são o cunhado, a cunhada, o marido da tia e a esposa do

tio. Observe-se que o tipo penal não vedou o deferimento de empréstimo ou

adiantamento aos parentes na linha reta afim em qualquer grau, que incluem, mais

proximamente, o sogro, o genro, a sogra e a nora que, assim, não são impedidos

de figurarem como beneficiários de qualquer destas operações.

Por fim, a cabeça do artigo em apreço estipula a mesma conduta delituosa

quando se defere empréstimo ou adiantamento a sociedade cujo controle seja

exercido pela instituição financeira,201 direta ou indiretamente ou por qualquer das

pessoas listadas no artigo, nestas incluídas todas aquelas referidas no artigo 25 da

Lei, além daquelas acima mencionadas. 202 203

A figura típica do inciso I do parágrafo único do artigo de lei em comento

não merece qualquer apreciação específica visto que simplesmente repete, com

relação à prática do adiantamento, o que já fora previsto na cabeça do artigo 17 da

Lei nº 7.492/86, uma vez que menciona as condutas já compreendidas no corpo do

‘caput’204, com a diferença de que, agora, esclarece que o adiantamento se refere a

transversal não descendem uns dos outros, mas de tronco comum, de modo que, para se medir a distância que separa dois parentes colaterais, se têm de considerar duas linhas distintas, que possuam o seu ponto de convergência no autor comum”(...) “O traço de união existente entre dois parentes colaterais é o autor comum; de modo que, para se calcular a distância existente entre eles, ou, melhor, para se contarem os graus de parentesco, se devem somar as distâncias que vão de cada um deles ao autor comum, ou desse a cada um deles. Assim, dois irmãos são parentes no segundo grau, porque de um deles ao pai vai um grau, ou distância, e, do pai ao outro, vai outro grau”. 200 Código Civil. Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade. § 1o O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro. § 2o Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável. 201 Observe-se que o tipo penal não abarca as chamadas ‘empresas coligadas’, assim entendidas, nos termos do art. 243, § 1º, da Lei nº 6.404/76, as sociedades em que uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da outra, sem controlá-la. 202 Lei nº 6.404/76. Art. 243, § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 203 Nilo BATISTA entende que o tipo neste ponto desatende ao princípio da legalidade, uma vez que não permite a compreensão adequada do âmbito da conduta incriminada sem que se viole a taxatividade do modelo de conduta incriminada, uma vez que o pronome ‘ela’ constante na parte final do tipo somente poderia se referir a ‘lei’ ou ‘sociedade’ – com o que, aliás, perderia completamente o sentido – e jamais à ‘instituição financeira’. O autor cita José Carlos TÓRTIMA e Antônio Carlos Rodrigues da SILVA como autores que perfilham de idêntico entendimento. Ob. cit., p. 146-147. Com isso não concordamos e, no ponto, entende-se que o pronome ‘ela’ se refere claramente a ‘instituição financeira’, não restando violado qualquer preceito garantista decorrente dos princípios que presidem a tipicidade, na linha do pensamento de Manoel Pedro PIMENTEL, Rodolfo Tigre MAIA, René Ariel DOTTI, Paulo José da COSTA Jr., Ali MAZLOUM e Maria Carolina de Almeida DUARTE, nas obras destes doutrinadores citadas ao longo desta dissertação. 204 MAIA, R. T., Ob. cit., p. 111.

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‘honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento’, de forma

completamente tautológica e desnecessária.205 Isso já foi objeto de estudo acima.

A consumação do crime se realiza, em todos os casos, com o efetivo

recebimento do dinheiro ou da vantagem econômica – seja mediante a entrega em

espécie em mãos do receptor, seja com a efetiva disponibilização em conta

bancária de sua movimentação, em nome próprio, ou de interposta pessoa –, e não

somente com o simples ajuste ou acordo de vontades, sendo, aliás, mesmo

dispensável a existência de prévia solicitação das operações de mútuo ou

adiantamento.206 Assim é tanto porque, quanto ao empréstimo, se trata de contrato

real, e que, por isso, se aperfeiçoa apenas com a tradição da coisa, quanto porque,

de qualquer forma, em ambos os casos, o tipo de crime exige o efetivo

recebimento do valor ou benefício econômico – no caso do adiantamento a

irregularidade consiste no fato de ser ele alcançado de forma antecipada – para

que seja atendido o princípio da lesividade, porquanto, sem isto, não estaria

efetivamente exposto o sistema financeiro ao risco na forma como o exige a Lei,

mesmo que presumido. Admite-se, todavia, a tentativa, uma vez que – por poder

se tratar, em muitos casos, de verdadeira ação criminosa complexa, composta de

vários atos entre a concessão da operação e a efetiva disponibilização da

vantagem –, iniciada a execução com o ato concessivo do empréstimo ou do

adiantamento, poderá ela não se aperfeiçoar por completo, desde que, entre a

abertura de crédito e o efetivo recebimento do numerário, poderá haver uma

fiscalização do ente regulador que impeça a concretização do ato ou pela

incidência, de outra forma, do disposto no art. 14, II, do Código Penal.207 Por fim,

consigne-se que desimporta a destinação emprestada à coisa adiantada ou

mutuada, bem como se houve efetivo prejuízo à instituição financeira, bastando,

para a completa execução do tipo, porquanto se trata de crime de mera conduta e

de risco presumido, conforme se viu, a realização da operação vedada.208

A pena prevista para o tipo em referência varia de 02 (dois) a 06 (seis) anos

de reclusão, e multa. A pena privativa de liberdade poderá ser cumprida em

205 TÓRTIMA, J. C., Ob. cit., p. 140. 206 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 135. 207 Assim: SILVA, A. C. R. da, Ob. cit., p. 134; MAIA, R. T., Ob. cit., p. 115; TÓRTIMA, J. C., Ob. cit., p. 116. Contrariamente: PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 135. 208 Observar a questão da lesividade e da ofensa ao bem jurídico objeto de estudo na Seção 3 deste Capítulo.

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quaisquer dos três regimes de execução previstos no artigo 33 do Código Penal

(aberto, semi-aberto e fechado), cabendo ainda, de acordo com a quantidade de

pena fixada na hipótese concreta, a substituição da reprimenda corporal por

restritivas de direitos em quaisquer das modalidades dispostas no artigo 43 do

Código Penal, desde que atendidos os preceptivos do artigo 44 do mesmo

Diploma e, ainda, não sendo cabível esta (artigo 77, III, do Código Penal), a

aplicação da suspensão condicional da pena, se a condenação não ultrapassar o

patamar mínimo previsto no tipo (artigo 77 do Código Penal). Quanto à multa,

deverá ser fixada em vista dos parâmetros do artigo 49 do Código Penal observada

a possibilidade de extensão do limite até o décuplo do montante previsto no artigo

49, §1º, do Código Penal, de acordo com a previsão inserta no artigo 33 da Lei nº

7.492/86.

A competência para processo e julgamento do crime será, sempre, da Justiça

Federal, a teor do disposto no artigo 109, VI, da Constituição Federal209 e do

artigo 26 da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro.210

3.2. OS SUJEITOS ATIVOS DO CRIME E O ARTIGO 25 DA LEI Nº 7.492/86

De acordo com o artigo 25 da Lei nº 7.492/86 são penalmente responsáveis

o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os

diretores e gerentes, para, adiante, equiparar aos administradores o interventor, o

liquidante ou o síndico. Considerando que a primeira parte do tipo inserto no

artigo 17 da mesma Lei àquele remete de forma expressa, se incorporam a ele

todas as definições que se podem extrair do artigo objeto de remissão, devendo-se

dessumir do artigo 25 quem são as pessoas que, atuando em nome da instituição

financeira ou na condição de instituição financeira, não poderão, dentre outras

condutas, receber empréstimos ou adiantamentos ou deferi-los aos indivíduos

listados na segunda parte do artigo 17 em questão, sob pena de responsabilização

penal. Esses é que haverão de ser considerados os autores do crime que, como se

viu, classifica-se como crime próprio.

209 Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. 210 Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

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72

Inicialmente, registre-se que o artigo 25 da lei em exame pretendeu, em

virtude da relativa complexidade e sofisticação dos crimes praticados por

intermédio das instituições financeiras e suas repercussões na coletividade, em

que os agentes poderiam se valer das facilidades que permitiriam encobrir seus

atos por detrás da figura da ficção da pessoa jurídica para lograr a impunidade,

apontar quem, na hipótese de cometimento de um crime previsto na Lei, haveria

de ser responsabilizado.

Em termos de antecedentes históricos na legislação pátria de uma tal

formulação, com pequenas variações, podem-se citar o artigo 44, §7º, da Lei nº

4.595/64,211 o artigo 73, § 2º, da Lei nº 4.728/65212 e o artigo 6º da Lei nº

4.729/65.213

A doutrina unanimemente214 afirma que, tanto no vigente artigo quanto em

seus antecessores, deve-se considerar o postulado maior presente em nosso Direito

Penal da responsabilidade pessoal consagrado no artigo 5º, XLV, da Constituição

Federal em vigor,215 a mitigar, regra geral, os rigores que, em uma primeira

leitura, deles derivam, devendo ser entendida a lista de agentes como apenas um

mero indicativo, ora a permitir que outros que dela não tomem parte figurem

como acusados da prática de crimes contra o sistema financeiro, ora a determinar

211 Art. 44. As infrações aos dispositivos desta lei sujeitam as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes, e gerentes, às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: § 7º Quaisquer pessoas físicas ou jurídicas que atuem como instituição financeira, sem estar devidamente autorizadas pelo Banco Central da Republica do Brasil, ficam sujeitas à multa referida neste artigo e detenção de 1 a 2 anos, ficando a esta sujeitos, quando pessoa jurídica, seus diretores e administradores. 212 Art. 73. Ninguém poderá fazer, imprimir ou fabricar ações de sociedades anônimas, ou cautelas que as representem, sem autorização escrita e assinada pela respectiva representação legal da sociedade, com firmas reconhecidas. § 2º A violação de qualquer dos dispositivos constituirá crime de ação pública, punido com pena de 1 a 3 anos de detenção, recaindo a responsabilidade, quando se tratar de pessoa jurídica, em todos os seus diretores. 213 Art 6º Quando se trata de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta Lei será de todos os que, direta ou indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal. 214 Destaquem-se, dentre outros, COSTA Jr., P. J. et alli, Ob.cit., p. 148-150; DOTTI, R. A., A Criminalidade Econômica…, p 368; BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 72-74; SILVA, A. C. R. da, Ob.cit., p. 170-174; PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 171-177. 215 Art. 5º, XLV. Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.

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73

que, não obstante a sua condição ostentada no empreendimento, não respondam

criminalmente por todas as condutas delituosas praticadas no bojo da empresa.216

A questão, todavia, que se impõe analisar no que diz com o delito capitulado

no art. 17 da Lei nº 7.492/86 é distinta e, neste ponto, não valem as ponderações

doutrinárias mencionadas. Afinal, no caso, a descrição das pessoas referidas no

art. 25 da mesma lei deve ser entendida como exaustiva, não admitindo qualquer

acréscimo, uma vez que integra o próprio tipo fundamental de crime, por expressa

remissão. Assim, admitir a sua relativização, nestes termos, significaria negar

vigência ao princípio da tipicidade estrita,217 que decorre do princípio da

legalidade, que tem assento constitucional expresso.218

Logo, para o fim de se verificar especificamente quem são efetivamente as

pessoas que não podem, sob pena de responsabilização criminal, tomar

empréstimo ou receber adiantamento ou, ainda, deferi-los a controlador,

administrador, membro de conselho estatutário e respectivos cônjuges e parentes,

bem como a sociedade que seja controlada tanto pela instituição financeira que

realiza a operação quanto por aquelas primeiras pessoas individualmente

consideradas, deve-se recorrer ao artigo 25 da Lei, observado rigorosamente, sem

a utilização de qualquer recurso que implique a alteração de seus precisos termos.

Assim, podem figurar como autores do crime em referência exclusivamente

o controlador e os administradores da instituição financeira, assim considerados os

diretores e gerentes e, por equiparação legal, também o interventor, o liquidante e

o síndico (hoje denominado de ‘administrador judicial’). Estes, a exemplo do que

já se disse alhures, quando da análise do tipo legal de crime do artigo 17 na seção

anterior, são elementos normativos do tipo e devem ter sua significação buscada

no direito, em quaisquer de seus ramos, porquanto se tratam de definições

essencialmente jurídicas, não havendo falar em valoração cultural de outra

natureza, no caso posto.

Dessa forma, considera-se, como já se abordou na seção anterior,

controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por

216 MAIA, R. T., Ob. cit., p. 143-144. 217 Consiste na “proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia”. TOLEDO, F. de A., Ob. cit., p. 22. 218 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

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74

acordo de voto, ou sob controle comum, que seja titular de direitos de sócio que

assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da

assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia

e que, de conseqüência, use efetivamente seu poder para dirigir as atividades

sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Já os

administradores são os efetivos gestores da empresa e se personificam, de acordo

com a expressa disposição do artigo em comento, exclusivamente na figura do

diretor ou do gerente, diferindo nesta parte da definição estipulada nos artigos 138

e 139 da Lei nº 6.404/76 – que estende esta condição ao conselho de

administração –, podendo-se defini-los como a pessoa ou grupo de pessoas a

quem se comete a direção ou gerência de qualquer negócio ou serviço, a quem se

confia uma gestão do negócio, devendo-se ressaltar particularmente que o

‘gerente’ a que alude o artigo de lei é quem administra ou dirige um

estabelecimento em nome e por conta do empresário, podendo ser sócio-gerente

ou gerente contratado. No ponto, objetivando esclarecer quem deve ser

considerado como diretor ou gerente para efeitos penais, valiosas são as palavras

de Manoel Pedro PIMENTEL, para quem:

O sujeito ativo do crime em questão será o mandatário da instituição financeira que tenha poderes para conceder empréstimos ou fazer adiantamentos, podendo ser uma só, ou diversos, caso mais de um deles participarem da deliberação que autorize a operação vedada, atendendo-se sempre ao princípio da responsabilidade subjetiva.(...) Os meros executores da deliberação ou da ordem não serão considerados co-autores, desde que funcionem apenas como instrumentos inocentes, no cumprimento das obrigações de rotina, tais como o preenchimento ou assinatura autorizada do cheque, a entrega do numerário ou outro comportamento semelhante.219

Assim, o diretor e o gerente a que alude o artigo de lei devem ser entendidos

apenas no contexto em que as funções exercidas caracterizem sua condição de

administradores da empresa, assim considerados os detentores de parcelas de

gestão, com razoável grau de autonomia e poder de deliberação, possuindo, no

caso dos diretores, controle sobre todas as etapas da administração em uma certa

área de abrangência ou em todas elas e, no caso dos gerentes, uma parcela menor

e mais setorizada de gestão, observada a existência de um grau de autonomia tal

que os qualifique efetivamente como responsáveis por parte da administração da

219 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 136.

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75

instituição. São, pois, aqueles que detêm de fato a capacidade de decisão e

representação da instituição financeira durante a realização de alguma das

mencionadas operações, no que tange à prática delitiva prevista no art. 17 da Lei

nº 7.492/86 consistente no seu deferimento, o que somente pode ser aferido no

exame das particularidades do caso concreto, não se estendendo, quanto às demais

figuras delitivas do artigo 17 da Lei – tomar empréstimo ou receber adiantamento

– àquele que, conquanto cognominado diretor ou gerente, seja de que área

administrativa for e não apenas aquela relacionada à concessão de créditos, atua

no empreendimento sem qualquer poder decisório e apenas, intitulando-se gerente

ou diretor em razão de denominação adotada no seio da empresa, apõe sua

assinatura em documentos com valor legal por força de obrigação de contrato

trabalhista ou de qualquer relação de subordinação, somente cumprindo o que já

restou deliberado em instâncias superiores da organização.220

Quanto aos administradores por equiparação define-se o interventor como

sendo o administrador temporário investido nessa função, por designação do

220 No ponto, divergimos dos autores que, de antemão, consideram que o art. 25 da Lei não se aplica a gerentes empregados ou administradores locais do empreendimento, em particular de bancos, sem poder de deliberação sobre os rumos das operações da instituição globalmente considerada, porquanto entendemos que o efetivo ‘poder de gestão’ de um diretor ou gerente deve ser sopesado tendo em consideração as operações que realiza e a sua condição no transcorrer da realização delas, evidenciando a existência ou não de poder de mando e autonomia, de acordo com o objeto social da empresa e sua estruturação interna. A não ser assim, em face da cada vez maior pulverização de funções nos empreendimentos, entendendo-se que quem possui apenas parte da autonomia da empresa não estaria abrangido pela norma do art. 17 c/c art. 25 da Lei, por certo se exporia a risco o bem jurídico tutelado um sem-número de vezes cotidianamente, em centenas de agências bancárias e filias de instituições financeiras no país, já que somente estaria excluído da disposição o reduzidíssimo grupo integrante da cúpula de uma entidade centralizada em uma sede com ramificações expressivas no país inteiro, em franco atingimento do princípio da lesividade, que obriga à proteção penal, e não só a faculta, como já se viu neste trabalho. Em sentido contrário Sérgio de Morais PITOMBO (em conferência realizada em 1987 em São Paulo), apud Francisco de Assis BETTI (Ob. cit., p. 74-75), para quem “a interpretação lógica e sistemática da Lei 7.492 leva a crer que seu art. 25 chamou gerentes apenas a determinadas pessoas, de posição equivalente, em certas instituições financeiras, às que ocupam em outras os ‘diretores’. De fato, instituições financeiras estrangeiras, com agências em nosso país, não possuem, freqüentemente, no Brasil, diretores, mas somente gerentes. A mais alta responsabilidade administrativa no Brasil, nesses casos, cabe a funcionários que têm a denominação de ‘gerentes’, mas que possuem responsabilidade administrativa equivalente à dos diretores das instituições financeiras. (...)Todas essas considerações convergem para a conclusão de que ‘gerentes’, na Lei 7.492, não são os funcionários competentes para atos específicos de ‘gerência’, recebam ou não funcionalmente essa denominação de ‘gerentes’, mas sim os gerentes de instituição financeira de estabelecimento no Brasil, responsáveis por toda a administração da instituição no país, ou sócios-gerentes de instituições financeiras que funcionem ou venham a funcionar em regime de sociedade limitada”. Também assim se pronuncia PIMENTEL afirmando que “o gerente de uma agência bancária, que está ligado à empresa por laços empregatícios, na verdade não dirige a instituição financeira – no caso, um banco – mas apenas administra uma pequena parcela do todo, como preposto, executando a política traçada pelos seus superiores e cumprindo as tarefas subalternas que lhe são confiadas e aos seus subordinados”. PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 132.

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Banco Central, em vista do disposto no art. 5º da Lei nº 6.024/74.221 Liquidante é

o administrador ad hoc designado também pelo Banco Central no caso de

liquidação extrajudicial de instituição financeira, na forma do art. 16 da Lei nº

6.024/74222. Síndico (denominado na atualidade de Administrador Judicial) é o

administrador da massa falida, designado pelo juízo processante, na forma do art.

21 da Lei nº 11.101/05.223 224 Quanto a este último ponto, esclarece-se que a mera

alteração da denominação efetuada pela nova lei não impõe a conclusão de que o

tipo penal em exame, em razão da aplicação do princípio da legalidade, não

alcança o agora nominado ‘administrador judicial’, porquanto as funções e

encargos permanecem os mesmos, e a simples modificação do ‘nomen juris’ em

nada modifica sua condição. A única ressalva que se deve realizar é a de que a

disposição em referência aplica-se somente ao administrador judicial pessoa

física, e, sendo este ‘pessoa jurídica especializada’, conforme faculta o

mencionado artigo da Lei de Recuperação e Falências, inaplicável a disposição

em estudo da Lei nº 7.492/86, pois este diploma legislativo não prevê

expressamente penas compatíveis com a natureza jurídica de um ente desta

condição, sendo inviável a responsabilização penal do empreendimento em si no

caso de se realizarem as operações vedadas com relação a ele, sob pena de, então,

haver violação ao princípio da legalidade estrita.

Esclarecidas as definições, por fim impõe-se acrescer que, também, é

possível o concurso de pessoas e freqüentemente ele ocorre, pois, de regra, haverá

concerto prévio de vontades de quem, sabendo que não poderia receber o

adiantamento ou empréstimo, o faz assim mesmo, figurando como co-autor da

ação.225 Igualmente, é cabível também a participação de outras pessoas –

normalmente na condição de interpostas para emprestar uma aparência de

legalidade à operação vedada – que não ostentem quaisquer das condições

previstas no artigo 17 da Lei e que, nada obstante se tratar de crime próprio, por

221 Art . 5º A intervenção será executada por interventor nomeado pelo Banco Central do Brasil, com planos poderes de gestão. 222 Art . 16. A liquidação extrajudicial será executada por liquidante nomeado pelo Banco Central do Brasil, com amplos poderes de administração e liquidação, especialmente os de verificação e classificação dos créditos, podendo nomear e demitir funcionários, fixando-lhes os vencimentos, outorgar e cassar mandatos, propor ações e representar a massa em Juízo ou fora dele. 223 Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada. 224 SILVA, A. C. R. da, Ob. cit., p. 174. 225 PIMENTEL, M. P., Crimes contra o Sistema Financeiro..., p. 135.

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ele também respondem, na forma do artigo 29 do Código Penal,226 como co-

autoras ou partícipes, nas modalidades de induzimento, instigação ou auxílio.227

3.3. O PRINCÍPIO DA LESIVIDADE E O CRIME CAPITULADO NO ARTIGO 17 DA LEI: A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CASO DAS ADMINISTRADORAS DE CONSÓRCIO

Questão delicada a ser examinada e que merece apreciação específica diz

com a realização das operações incriminadas no tipo do artigo 17 da Lei nº

7.492/86 e o princípio da lesividade.

Como já se teve ocasião de apreciar no corpo deste estudo o tipo penal

mencionado encerra um crime de mera conduta e de perigo abstrato ou presumido,

ou seja, se insere dentre aqueles que não exigem resultado para sua completa

execução, em que, nas palavras de Juarez TAVARES, “a infração à norma se

satisfaz exclusivamente com o desvalor do ato, quando a conduta já se tenha

postado de modo perigoso ao bem jurídico”,228 e, por se tratar de delito de perigo

abstrato, de acordo com Juarez Cirino dos SANTOS, “a típica ou presumida

perigosidade da ação para o objeto de proteção é suficiente para sua penalização,

independente da produção real de perigo para o bem jurídico protegido”.229 No

caso, por ser um crime pluriofensivo, identificam-se como bens jurídicos passíveis

de ofensa a boa execução da política econômica do Estado, a fé pública e,

secundariamente, o patrimônio de terceiros, assim considerados os investidores e

mesmo sócios da instituição.

Assim entendido, reconhecendo-se a natureza do delito em exame e o bem

jurídico como fundamento e legitimação do direito penal, consoante entende a

quase unanimidade da doutrina,230 cabe perquirir se, toda a vez que se verificar a

ocorrência de alguma das condutas descritas no modelo incriminador referido,

haverá de forçosamente se entendê-la como típica ou se, ao contrário, em vista do

226 Neste sentido já decidiu o STF, HC 84.238-BA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 10/09/2004. 227 SILVA, A. C. R. da, Ob. cit., p. 134. 228 TAVARES, J., Ob. cit., p. 298-299. 229 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Moderna Teoria do Fato Punível, p. 41. 230 No ponto, vejam-se as considerações contidas na Seção 3 do Capítulo 1 supra, assim como, em particular, a posição dissonante de JAKOBS referida na nota de rodapé 53.

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princípio da lesividade, de alguma forma se haverá de apreciar mais detidamente a

ação executada e suas condicionantes para se poder chegar a esta conclusão.231

Para se obter uma resposta, primeiramente, incumbe se apreciar a questão

com relação às características dos chamados crimes de perigo e a questão da

respectiva exposição dos bens jurídicos por eles tutelados.

No ponto, subdividem-se os delitos em de ‘perigo concreto’ e de ‘perigo

abstrato’ (ou presumido). Crime de perigo concreto é aquele em que, para que o

tipo se aperfeiçoe, exige-se a verificação efetiva da presença do perigo,

examinando-se esta ocorrência caso a caso. O perigo, neste modelo de conduta

incriminada, é um elemento do tipo explícita ou implicitamente colocado, sendo,

pois, indispensável que se demonstre, ‘a posteriori’, para a completa realização do

delito, a efetiva exposição a ele do bem jurídico tutelado.232 Caso isso não se

verifique, a conduta é atípica.233

No de ‘perigo abstrato’, conforme já se adiantou, este está contido, ‘a

priori’, na conduta, sendo presumido, de acordo com a doutrina majoritária, juris

et de jure. O perigo não é elemento do tipo, mas é a motivação da sua existência

como abstração jurídica. Daí as palavras de Ângelo Roberto Ilha da SILVA, para

quem:

Deve-se atender, na técnica de tipificação dos crimes de perigo abstrato, a uma necessidade decorrente da natureza das coisas, ou seja, as figuras delituosas assim tipificadas devem atender ao reclamo de tutela baseado na lesividade que a ação encerra, em razão da inerência do perigo que guarda em si. Esse perigo deverá ser próprio da conduta, inerente a ela, deve, no momento da construção legal, ser calcado na experiência, no real.234

231 Evidentemente, sempre se haverá de, independentemente da natureza intrínseca do tipo, avaliar se não se trata de crime impossível, por ‘ineficácia absoluta do meio’ ou ‘absoluta impropriedade do objeto’, o que, obviamente, não se confunde com a necessidade, ou não, de avaliação da exposição efetiva ou potencial a perigo do bem jurídico tutelado, uma vez que a análise da eficácia do meio ou propriedade do objeto é requisito que precede a todo e qualquer reconhecimento de tipicidade de uma conduta, constituindo um ‘prius’ sempre necessário, esteja como estiver o tipo construído, seja ele de mera conduta ou resultado, seja ele de dano ou perigo concreto ou abstrato. Somente após a constatação de que não se está diante de um crime impossível, juridicamente falando (art. 17 do Código Penal), é que se passa a apreciar a questão da exposição do bem jurídico a lesão efetiva ou potencial, já pela ótica das características do tipo em análise. Portanto, não há confundir os institutos e as respectivas análises que se devem realizar em vista disso. 232 São exemplos de crimes de perigo concreto o delito capitulado no art. 250 do Código Penal (“causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem”) e o delito previsto no art. 4º da Lei nº 7.492/86 (“gerir fraudulentamente instituição financeira”). 233 SILVEIRA, R. de M. J., Ob. cit., p. 95. 234 SILVA, Â. R. I. da., Ob. cit., p. 73.

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79

No caso tais condicionantes estariam perfeitamente delineadas nas hipóteses

de concessão ou obtenção de empréstimos ou adiantamentos por certas pessoas

físicas ou jurídicas ligadas à instituição financeira, porquanto isso consistiria em

verdadeira situação de risco não permitida pela legislação aplicável.

Logo, em uma primeira análise, admitida a constitucionalidade da

construção de tipos de perigo abstrato e a sua legitimidade para a proteção de bens

jurídicos supra-individuais, em particular o da Ordem Econômica,235 verificada a

subsunção da ação à tipificação legal, não restaria outra alternativa que não o

reconhecimento da tipicidade da conduta.

Entretanto, a questão merece análise mais acurada.

Conquanto se reconheça que, efetivamente, a situação de perigo é a

motivação da existência do crime previsto no artigo 17 da Lei nº 7.492/86 e não o

seu conteúdo, sendo ela presumida, também é fato que não se pode olvidar,

jamais, do plexo de bens jurídicos que são tutelados pelo tipo em referência, assim

entendidas principalmente a regularidade da política econômica – consistente no

exercício da função precípua de uma instituição financeira, que é a de servir como

intermediário de haveres monetários e não monetários entre terceiros e não para si

mesma ou seus administradores e parentes – e a fé pública – decorrente da certeza

de que os valores guardados pela instituição estão sendo bem empregados e que

serão restituídos quando necessários – e, secundariamente, o patrimônio dos

sócios e investidores – que não pode ser dilapidado ou transferido aleatoriamente

a um determinado número de apaniguados da empresa sob a capa de uma aparente

regularidade formal. Em outras palavras, como disse Nilo BATISTA:

As importantes funções interpretativas e metodológicas que o bem jurídico desempenha devem ser referidas, na análise do tipo do art. 17 da Lei nº 7.492/86, a alguma ofensa ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, ao patrimônio social da instituição administrada, e aos interesses dos acionistas e investidores.236

Não pode o estudioso do Direito Penal, em um Estado Democrático e Social

de Direito, jamais, se demitir da função de confrontar a conduta com a

possibilidade de ofensa ao bem jurídico objeto de tutela, esteja ela

235 A propósito da constitucionalidade desta construção típica, veja-se o que já se escreveu no Seção 2 do Capítulo 2 supra, e em especial nas notas de rodapé 124, 127 e 128. 236 BATISTA, N., Empréstimos Ilícitos..., Revista Forense, p. 142-143.

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consubstanciada no desvalor da ação ou do resultado, de perigosidade concreta ou

abstrata. Nesse contexto, sobrevém a necessária confrontação do tipo em apreço

com o princípio da lesividade, segundo o qual apenas é penalmente relevante

aquele comportamento que lese ou exponha a perigo direitos de outrem e que não

seja apenas um comportamento imoral. Aquelas condutas que digam respeito a

características individuais dos cidadãos, que possam ser consideradas imorais,

pecaminosas ou escandalosas, mas que não afetem nenhum bem jurídico tutelado

pelo Estado, não possuem a lesividade necessária para legitimar a intervenção

penal, uma vez que o direito penal só pode ser utilizado se afetar bens jurídicos

relevantes, ou seja, o fato deve causar uma lesividade tal que legitime a

intervenção penal,237 evitando assim que se castigue a mera desobediência ou a

violação formal da lei por parte de uma ação inócua em si mesma.238 Afinal,

seguindo uma vez mais a advertência de Nilo BATISTA, “o bem jurídico põe-se

como sinal de lesividade (exterioridade e alteridade) do crime que o nega,

‘revelando’ e demarcando a ofensa. Essa materialização da ofensa, de um lado,

contribui para a limitação legal da intervenção penal, e, de outro a legitima”.239

Com isso, rechaça-se uma simples concepção formal de tipo, em que a tipicidade

é vista como mera correspondência entre uma conduta da vida real e o tipo legal

de crime,240 de modo que se procura atribuir ao tipo penal também um caráter

material, que veja nele algo dotado de conteúdo valorativo, verdadeiro modelo de

conduta proibida, não apenas pura imagem formal, diretiva.241

É, portanto, tendo sempre como norte a questão do bem jurídico que se quer

proteger com o tipo erigido em uma lei que se deve analisar os delitos de perigo

abstrato e, particularmente, aquele que é objeto do presente trabalho,

reconstruindo a noção segundo a qual nestes delitos a presunção de dano é,

sempre e invariavelmente, ‘juris et de jure’, para concluir-se pela existência de

duas espécies de crimes de perigo abstrato: uma em que a presunção de

perigosidade é absoluta e outra em que esta é relativa.242

237 LOPES, M. A. R. Alternativas para o Direito Penal e o Princípio da Intervenção Mínima. Revista dos Tribunais, n. 757, p. 84-85. 238 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, p. 479. 239 BATISTA, N., Introdução...., p. 95. 240 MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal, p 52. 241 TOLEDO, F. de A. Ob. cit., p. 129. 242 Este é o entendimento de MESTIERI, João. Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, p. 242.

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81

Nesse contexto, inserem-se na primeira categoria os crimes de rixa,243 de

falsificação de moeda244 e de tráfico de substâncias entorpecentes,245 porquanto

nestes os bens jurídicos tutelados estão em completo acordo com a técnica

utilizada para a incriminação das condutas, atendendo-se perfeitamente ao

princípio da lesividade, não se admitindo, sequer, prova de que, pelas especiais

condições da ação ou do objeto material do crime, não houve atingimento ao bem

objeto de proteção, o que poderia ensejar a aplicação, inclusive, do princípio da

insignificância que, à vista dessas características dos tipos citados, resta inviável.

Nestes, verificada a realização da ação incriminada, preenchido estará o requisito

da tipicidade.

Na segunda categoria podem-se citar os delitos de abandono de incapaz,246

maus tratos247 e o crime capitulado no artigo 17 da Lei nº 7.492/86, objeto da

presente pesquisa, tendo em vista que, embora possuam como técnica de redação

a de um tipo de perigo abstrato, ajustando-se formalmente a esta categoria, a

análise dos bens jurídicos tutelados, interpretados em conformidade com o

princípio da lesividade, permitem a conclusão de que, observadas as

particularidades de certas formas de realização da conduta, se pode afastar a

presunção de exposição a perigo do bem jurídico, concluindo-se pela sua

243 Código Penal. Art. 137 - Participar de rixa, salvo para separar os contendores: Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa. 244 Código Penal. Art. 289 - Falsificar, fabricando-a ou alterando-a, moeda metálica ou papel-moeda de curso legal no país ou no estrangeiro: Pena - reclusão, de três a doze anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem, por conta própria ou alheia, importa ou exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda ou introduz na circulação moeda falsa. § 2º - Quem, tendo recebido de boa-fé, como verdadeira, moeda falsa ou alterada, a restitui à circulação, depois de conhecer a falsidade, é punido com detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 3º - ‘omissis’ § 4º - ‘omissis’ 245 Lei nº 6.368/76. Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 246 Código Penal. Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. 247 Código Penal. Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

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inocorrência, conquanto a verificação objetiva da ação descrita no modelo legal de

incriminação. Tal é permitido toda vez que, analisado o bem jurídico objeto de

proteção em consonância com o princípio da lesividade, se concluir que “o

legislador, de forma equivocada, empreende uma tipificação sem atender ao bom

senso e à natureza da ação criando um modelo de perigo abstrato de forma

artificial(...)noutras palavras, o delito se ajustaria a um modelo de perigo concreto

em que o perigo poderá ocorrer ao desencadear a conduta, mas não

necessariamente”.248

Como não se pode transformar um tipo de perigo abstrato em concreto,

viável é a possibilidade de, em vista das diretrizes informadas, reconhecê-lo como

de perigosidade presumida relativa (juris tantum), esclarecendo-se que,

ressalvadas estas hipóteses particulares e específicas, em regra os delitos de perigo

abstrato trazem consigo uma tal presunção absoluta (juris et de jure).

Aquela é a hipótese ocorrente no artigo 17 da Lei dos Crimes de Colarinho

Branco, porquanto não há considerar, em face dos bens jurídicos objeto de tutela

insertos na norma penal incriminadora em apreciação, que o só fato da realização

de alguma das condutas nele descritas traz consigo a conclusão no sentido da

lesão ao bem jurídico tutelado, permitindo-se verificar se, com o agir, houve a sua

exposição de perigo, sendo de se presumir, em princípio, a sua ocorrência.

Casos interessantes e que demonstram efetivamente a existência da

possibilidade de afastamento da incidência do tipo em certas condições, ainda que

reconhecida a realização da conduta efetivamente, dizem com a aplicação do

princípio da insignificância e com a realização de operação de empréstimo a

pessoas ligadas às empresas administradoras de consórcio, valendo-se de recursos

obtidos com o pagamento das taxas de administração.

Referentemente à insignificância, esse princípio foi introduzido no direito

penal por Claus Roxin, a partir dos estudos desenvolvidos por Hans WELZEL em

sua teoria da adequação social, cujo fundamento está na constatação de que os

tipos só assinalam as condutas proibidas socialmente relevantes, inadequadas a

uma vida ordenada, de modo que “ficam excluídas dos tipos penais as ações

socialmente adequadas, ainda que pudessem ser subsumidas a estes de acordo

com sua dicção literal”.249 Diferencia-se o princípio da insignificância, todavia, na

248 SILVA, A. R. I. da, Ob. Cit., p. 78. 249 WELZEL, Hans. El Nuevo Sistema Del Derecho Penal, p. 88.

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medida em que, enquanto a adequação social pressupõe a aprovação do

comportamento pela coletividade – ou seja, a conduta é socialmente tolerável –,

aquele leva em conta a tolerância do grupo em relação a determinada conduta de

escassa gravidade – ou seja, ela é desconsiderada por se tratar de lesão

insignificante ao bem jurídico.250 Seu correlato na doutrina italiana se encontra na

formulação da concepção realística do crime, expressa na exigência da necessária

“ofensividade” do delito,251 que sugere sejam os conceitos de bem jurídico e de

evento típico repensados, de modo que a “ofensa ao interesse tutelado pela

norma” seja elevada a requisito autônomo do tipo (princípio da ofensividade).252

Segundo essa concepção, não configura crime a conduta que se revela inofensiva

e, portanto, inidônea para lesar o interesse protegido,253 não obstante formalmente

típica.254

Os tribunais brasileiros acolhem amplamente a aplicação desse princípio255

em todos os crimes, exceção feita àqueles classificados como de perigo abstrato

revestido de presunção absoluta, como são os casos, por exemplo, do delito

envolvendo a falsificação de moeda corrente256 257 e do tráfico de

250 SANGUINÉ, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância, in: Fascículos de Ciências Penais, v. 3, n. 1, p. 38. Sobre o princípio da insignificância, escreve Claus ROXIN: “... hacen falta principios como el introducido por Welzel, de la adecuación social, que no es una característica del tipo, pero sí un auxiliar interpretativo para restringir el tenor literal que acoge también formas de conductas socialmente admisibles. A esto pertenece además el llamado principio de la insignificancia, que permite en la mayoría de los tipos excluir desde un principio daños de poca importancia: maltrato no es cualquier tipo de daño de la integridad corporal, sino solamente uno relevante; análogamente deshonesto en el sentido del Código Penal es sólo la acción sexual de una cierta importancia, injuriosa en una forma delictiva es sólo la lesión grave a la pretensión social de respeto. Como ‘fuerza’ debe considerarse únicamente un obstáculo de cierta importancia. Igualmente también la amenaza debe ser ‘sensibile’ para pasar el umbral de la criminalidad. Si con estos planteamientos se organizara de nuevo consecuentemente la instrumentación de nuestra interpretación del tipo, se lograría, además de una mejor interpretación, una importante aportación para reducir la criminalidad en nuestro país” (in Política criminal y sistema del derecho penal, Trad. Francisco Muñoz Conde e Diego-Manuel Luzon Peña, p. 53). 251 Ibid., p. 39. 252 MAÑAS, C. V., Ob. cit., p. 34. 253 O princípio da ofensividade equivale ao princípio da lesividade citado, sendo expressões sinônimas. Assim: BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mínimos da Tutela Penal, p. 54-56. 254 SANGUINÉ, O., Ob. cit., p. 39. 255 Por todos, Supremo Tribunal Federal: HC 84.424/SP, Rel. Min. Carlos Britto, DJU 07/10/2005, p. 26. 256 Assim decidem ambas turmas criminais do TRF 4ª Região: Acr. 2004.72.00.0150629/SC, 8ª T. Rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJU 14/09/2005, p. 963; Acr. 1999.71.02.0044215/RS, 7ª T., Rel. Maria de Fátima Labarrere, DJU 14/07/2004, p. 549, dentre outros inúmeros julgados. 257 Em sentido aparentemente contrário manifestou-se o Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 83.526-CE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 07/05/2004, p. 25, em que, na ementa, constou ter havido absolvição da prática do delito de introdução em circulação de moeda falsa pela aplicação do princípio da insignificância quando, na verdade, a absolvição se deu porque a cédula

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entorpecentes.258 O Supremo Tribunal Federal o acolheu expressamente pela

primeira vez em julho de 1988, por votação unânime da Segunda Turma, no RHC

n.º 66.869-1. Na época assentou-se que uma “equimose de três centímetros de

diâmetro, decorrente de um acidente automobilístico, escapa ao interesse punitivo

do Estado em virtude do princípio da insignificância”, sustentando-se que o

prosseguimento da ação penal não atingiria resultado algum, apenas

sobrecarregaria mais os serviços da Justiça e incomodaria inutilmente a vítima.259

Especificamente com relação ao delito previsto no artigo 17 da Lei nº

7.492/86, conquanto sejam muito reduzidos os casos até o momento levados a

julgamento nos tribunais brasileiros e, via de conseqüência, poucos os precedentes

existentes, pode-se dizer que a jurisprudência nacional acolhe concretamente a

possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, desde que os valores

objeto de adiantamento ou empréstimo sejam de tal monta reduzidos que não

coloquem em risco sequer minimamente os bens jurídicos tutelados.260

Mas não é só.

Sendo certo que não há como se estabelecer um limite objetivo para

caracterizar a insignificância nos crimes contra o sistema financeiro, fica ao

prudente exame do magistrado essa quantificação, sempre tendo em conta que se

trata de crime pluriofensivo e que, tendo como uma das objetividades jurídicas a

tutela da confiança no sistema, deve-se analisar a conduta levada a cabo em vista

era de tal grosseira falsificação, a ponto de não caracterizar nem mesmo o delito de estelionato, a teor do disposto na Súmula 73/STJ. Assim, vê-se que, a rigor, o que houve foi a má redação da ementa. 258 Assim entende o Supremo Tribunal Federal, de que é exemplo o HC 83.191-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, DJU 13/02/2004, p. 18; no mesmo sentido as duas turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça, unanimemente: RHC 15.422-RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 01/08/2005, p. 472; REsp 550.653-MG, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 09/02/2004, p. 218, dentre vários outros julgados. 259 SANGUINÉ, O., Ob. cit., p. 36-50. 260 Assim: TRF 2ª R., Acr 1962/RJ (Proc. 99.02.00247-1), 2ª Turma, Rel. Paulo Espírito Santo, DJU 28/11/2000, p. 78-112, em que restou assentado expressamente que “nenhuma ameaça à liquidez da distribuidora, ou à estabilidade do mercado financeiro era possível resultar da conduta dos apelados. É certo que, nos crimes de perigo abstrato, não há que se indagar se efetivamente houve o risco. Mas, é indispensável que haja, ao menos, a possibilidade de vir, a conduta, a colocar a empresa em perigo. Se não há a possibilidade de dano, ainda que meramente hipotética, não haverá perigo algum, abstrato ou concreto.(...)Não me parece que tenha gravidade suficiente para escapar ao Princípio da Insignificância a atitude de diretores de uma instituição financeira que, tendo como empresa controlada um haras, adiantem pequenas quantias que, obviamente, serão restituídas (pois também é óbvio que, como pessoas físicas, as reporiam, se fosse o caso) para pagar a instalação de uma bomba d´água (R$ 78,05), a taxa de manutenção do Jokey Club (R$ 427,82), um remédio veterinário (R$ 9,18). Quando se fala em ‘crimes contra o sistema financeiro’, se pensa, naturalmente, em centenas de milhares de Reais, quando não milhões, e não 50, 100, 200, ou, vá lá que seja, 1.000 ou 2.000!”

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da situação particular da instituição e também da representatividade que a

operação pode ter relativamente ao abalo à confiabilidade do sistema, seja pelo

perigo de sua repetição pelos demais integrantes dele, seja pelo porte, objeto

social e clientela daquela instituição objetivamente considerada, seja também pelo

montante econômico envolvido.261 Logo, não se haverá de, somente, considerar

objetivamente o valor da operação cuja realização é proibida pela norma, sendo

este apenas um dos elementos a serem considerados, uma vez que, em uma certa

conjuntura, examinada a operação de forma isolada, pode não representar, à

primeira vista, ofensa ao bem jurídico tutelado, mas, no conjunto das instituições

que englobam o sistema financeiro, pode auxiliar decisivamente, ao lado de uma

infinidade de condutas análogas perpetradas por outros integrantes dele, a própria

quebra de confiança que lança o sistema à bancarrota, com prejuízos a toda a

coletividade, indistintamente.

Na mesma ordem de idéias e pelas mesmas razões decorrentes da aplicação

do princípio da lesividade discute-se se o empréstimo realizado com violação à

norma que decorre do artigo 17 da Lei nº 7.492/86 com valores pertencentes à

própria administradora de consórcios ofende os bens jurídicos tutelados pelo tipo

em referência.

No ponto, vale transcrever o entendimento exposto por René Ariel DOTTI,

que, ao analisar as particularidades distintivas das administradoras de consórcios

das demais instituições financeiras assim consideradas, afirma que:

No sistema de consórcios existem, assim, duas espécies de patrimônio: a) o formado com os recursos injetados pelos integrantes dos grupos e destinado à aquisição de bens; b) o pertencente à administradora como contrapartida pelo capital e mão de obra postos à disposição do objetivo do Consórcio. Os recursos coletados dos consorciados são, por expressa disposição legal, depositados em conta bancária própria cuja movimentação somente se dá para atender aos objetivos do contrato de Consórcio. Assim, os diretores, gerentes, sócios e prepostos com função de gestão na empresa administradora são depositários, para todos os efeitos, das quantias que a empresa receber dos consorciados, até o cumprimento da obrigação assumida.

261 Abordando parte desse plexo de valores que merecem ser sopesados na análise da conduta destaca-se julgado do TRF 4ª R., Acr. 2001.70.01.0474229/RS 8ª Turma, Rel. Volkmer de Castilho, DJU 11/06/2003, em cuja ementa se afirmou: “caso em que as transferências de valores entre empresas coligadas mantendo saldos devedores em contas clientes por curtíssimos prazos e alguns valores inexpressivos, não podem ser tomadas como empréstimos para o fim do art. 17 da Lei 7492/86”. O julgado restou confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça ao apreciar o REsp 607.931-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 21/02/2005.

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Adiante, afirma categoricamente o supracitado autor que:

não se incluem no tipo as atividades que importem na aplicação de recursos próprios, ainda que essa tenha sido a vontade do projeto de lei.(...)Assim, evidentemente, não podem, de modo algum, ser equiparadas a instituição financeira as empresas que realizarem a aplicação de recursos próprios.262

Diante disso, entendendo que, durante a realização de tais operações com

recursos próprios, não se ofendem os bens jurídicos tutelados, porque nessa

condição a administradora não estaria atuando como verdadeira instituição

financeira – entendida como intermediadora de haveres –, o que somente se daria

se ela adiantasse ou emprestasse valores pertencentes aos grupos de consórcio, o

autor sustenta não ocorrer o crime, porquanto a aplicação do conceito de

instituição financeira por equiparação prevista no artigo 1º, parágrafo único, I, da

Lei nº 7.492/86 somente é cabível quando os entes ali descritos atuem

efetivamente como instituição financeira.

Em sentido oposto, aduz-se que as operações realizadas no mercado

envolvem certo grau de risco e, vedando-se a realização de empréstimos e

adiantamentos entre certas pessoas ligadas à empresa, evitar mesmo também a sua

‘autoconcentração’, fazendo com que o desempenho necessário para que a dívida

fosse saldada dependesse do próprio ente mutuante, ainda que indiretamente263 e,

no caso, independentemente de se tratar de valores pertencentes a terceiros em

depósito na instituição ou alcançados por terceiros a ela como contrapartida

econômica devida pela remuneração da intermediação, ainda assim, a conduta de

emprestar ou adiantar o valor a certas pessoas estaria revestida de lesividade.

Efetivamente, embora se reconheçam inegáveis méritos jurídicos aos

primeiros argumentos no sentido da não-caracterização do crime nas

circunstâncias mencionadas, temos que, em face dos bens jurídicos objeto de

tutela do tipo, razão está com a segunda corrente, uma vez que a proteção da

regularidade da política econômica e da fé pública e conseqüente credibilidade do

sistema financeiro impõe que as instituições que dele fazem parte se abstenham de

realizarem as condutas incriminadas em exame, independentemente da origem dos

recursos nela depositados. Afinal, a garantia da intangibilidade do patrimônio dos

262 DOTTI, R. A., Crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Consórcio – Empresa administradora – Empréstimo em dinheiro para empresas do mesmo grupo – Caracterização, Revista dos Tribunais, v. 718, p. 361-362.

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investidores caracteriza somente uma das objetividades jurídicas contidas no

modelo legal delitivo, e ainda assim secundariamente, não esgotando em si toda a

sua potencialidade lesiva.

O fato, por seu turno, de se ter de escriturarem os valores recebidos pelas

empresas deste ramo de atividade a título de taxa de administração e de cotas dos

consorciados em partidas separadas264 em nada altera a situação e, aliás, tem como

fim atender ao ditame legal que estabelece que os diretores, sócios, gerentes e

prepostos da administradora são considerados depositários dessas quantias até a

entrega dos bens consorciados,265 individualizando o montante destes valores para

fins de fiscalização e eventual mensuração de responsabilidades que não aquelas

previstas no artigo 17 da Lei. Afinal, desarrazoado e contra toda e qualquer lógica

de lesividade e isonomia seria fazer repousar a distinção entre as demais

instituições mencionadas no artigo 1º e parágrafo único da Lei dos Crimes contra

o Sistema Financeiro e as administradoras de consórcio nessa circunstância

escritural, pois, seguindo-se esta linha de raciocínio, seria impositivo concluir que,

exclusivamente devido à ausência de uma tal obrigação imposta, por exemplo, a

um banco múltiplo, é que não se reconheceria a atipicidade da conduta de um

administrador deste que, alegando ter-se utilizado de valores obtidos com o

pagamento de tarifas de manutenção de contas ou de utilização de serviços

bancários pelos clientes, realizasse operações de empréstimos ou adiantamentos

vedadas. Ou, contrariamente, então seria o caso de se considerar que,

comprovando-se cabalmente que a operação bancária vedada fora realizada com

recursos provenientes desta origem, não se teria aperfeiçoado o tipo?

Evidentemente que este entendimento não se mostraria correto, sob aspecto algum

e ninguém se atreveria a sustentá-lo.

263 MAZLOUM, A., Ob. cit., p. 107 264 Circular Bacen nº 2.381, de 18.11.1993. 265 Lei nº 5.768/71. Art. 11. Os diretores, gerentes, sócios e prepostos com função de gestão na empresa que realizar operações referidas no artigo 7º: I - serão considerados depositários, para todos os efeitos, das quantias que a empresa receber dos prestamistas na sua gestão, até o cumprimento da obrigação assumida; II - responderão solidariamente pelas obrigações da empresa com o prestamista, contraídas na sua gestão. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se também aos administradores da operação mencionada no item I do artigo 7º. Art 7º Dependerão, igualmente, de prévia autorização do Ministério da Fazenda, na forma desta lei, e nos termos e condições gerais que forem fixados em regulamento, quando não sujeitas à de outra autoridade ou órgãos públicos federais:

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Em verdade, a saúde financeira das instituições referidas na Lei é elemento

primordial para a proteção dos bens jurídicos tutelados pela norma e esta saúde se

compõe de todos os ativos nela existentes, independentemente de sua origem e

forma, tudo porque efetivamente todas as empresas listadas no artigo 1º da Lei nº

7.492/86, em maior ou menor grau, com maior ou menor freqüência, captam a

poupança popular, que é o fundamento mediato da proteção decorrente do tipo

examinado neste trabalho, devendo-se cercar de todos os cuidados para que a

integridade e confiabilidade deste sistema não seja abalada sob pena de sua ruína,

com conseqüências verdadeiramente catastróficas para toda a coletividade. Daí,

pois, a conclusão de que as administradoras de consórcio atuam também como

intermediários financeiros entre todos os consorciados, que, isoladamente, não

possuem capitais superavitários para efetuar a aquisição dos bens, organizando-os

de forma tal que façam com que a economia siga uma dinâmica construtiva na

sociedade, injetando os haveres no mercado. Isso torna falsa toda a premissa que

fundamenta a tese da inaplicabilidade do tipo aos casos em que se realiza a

operação com haveres próprios da entidade.

Daí, pois, entendermos que não se pode excluir da incidência do tipo em

exame as operações realizadas pelas administradoras de consórcios com recursos

próprios, provenientes dos valores recebidos a título de remuneração por serviços

prestados ou de qualquer outra origem análoga – e, por extensão, por quaisquer

das entidades listadas no artigo 1º da Lei – que objetivamente se enquadrem na

disposição do artigo 17 da Lei nº 7.492/86.

De todo modo, a questão está ainda longe de ser pacificada tanto na esfera

doutrinária quanto na jurisprudencial, embora atualmente se venham os tribunais

inclinando no sentido de reconhecer a ocorrência do delito em tais casos266 e a

controvérsia doutrinária vale menos pela resposta em si e muito pelo fundamento

que está por detrás dela, que é rigorosamente idêntico àquele que permite a

aplicação do princípio da insignificância da conduta, a saber: a necessidade de se

I - as operações conhecidas como Consórcio, Fundo Mútuo e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer natureza (...). 266 No sentido da ocorrência do delito: STJ, REsp 328.913-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 13/12/2004; RHC 15.792-RS, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU 01/07/2004; REsp 331.393-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 02/02/2004; HC 5.582-SP, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJU 23/03/1998; TRF 3ª R., ACr. 95.03.038357-9/SP, 2ª Turma, Rel. Eva Regina, DJU 31/01/1996; TRF 4ª R., ACr. 1999.04.01.062188-6/SC, 1ª Turma, Rel. Amir Sarti, DJU 09/02/2000. No sentido da inexistência do crime: TRF 3ª R., ACr 97.03.060448-0, 1ª Turma, Rel. Casem Mazloum, DJU 27/10/1998.

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analisar a existência de lesividade da conduta perpetrada que, formalmente, se

amolda ao tipo em apreciação, ainda que este seja caracterizado doutrinariamente

como de mera conduta e perigo abstrato. Afinal, não fosse esta possibilidade, a

partir do reconhecimento da construção doutrinária acima mencionada, não

haveria espaço teórico para uma discussão jurídica em tal nível de argumentação e

controvérsia, a ponto de existirem doutrinadores de grande relevância advogando

uma ou outra corrente, indo, na mesma balada, os precedentes jurisprudenciais.

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4. DIREITO PENAL ECONÔMICO, CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E (RE)LEGITIMAÇÃO DO DIREITO PENAL: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS

4.1. UM NOVO PARADIGMA PARA O DIREITO PENAL?

A grande questão que aflige o Direito Penal no alvorecer do século XXI diz

com a necessidade de se identificar qual o papel que lhe estará reservado para as

próximas gerações, o que implica necessariamente analisar a sua aptidão para a

tutela de novos bens jurídicos supra-individuais – como é o caso do meio

ambiente e, particularmente, da ordem econômica – ou, se, ao contrário, uma

neocriminalização nestes termos confronta com a estruturação principiológica de

um direito penal liberal da pós-modernidade e simplesmente não pode ser aceita,

sob pena de sua completa e absoluta violação.

Em verdade, toda a discussão que se coloca envolvendo essas questões tem

como ponto fulcral a compreensão da função exercida pelo bem jurídico no

âmbito da ciência criminal: se como limite negativo para a criação de tipos penais

ou se como limite negativo e também limite positivo para a atividade legiferante

penal. A partir da concepção adotada a esse respeito é que se aceitará, ou não, a

validade de construções de novos tipos penais como aqueles envolvendo a ordem

econômica.

A primeira concepção entende que o Direito Penal deve ser visto como uma

limitação à política criminal, que tem como função o combate à criminalidade

mediante a seleção de comportamentos socialmente perigosos ou danosos,

competindo àquele a função liberal-garantística de assegurar a uniformidade da

aplicação do direito e a liberdade individual em face da voracidade do Estado

“Leviatã”.267 Winfried HASSEMER esclarece que o chamado Direito Penal

Clássico surgiu a partir do reconhecimento da inexistência – ou da

impossibilidade de comprovação concreta – do direito natural, não sendo mais

invocado como fonte dos mandatos e proibições jurídicas, passando a derivar

então do chamado Contrato Social, por meio do qual a coletividade cede certas

liberdades em favor do Estado para que este garanta juridicamente a coexistência

267 LISZT, Franz Von apud ROXIN, C., Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal, p. 02-03.

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dos contratantes. Nesse contexto, o Direito Penal cumpre uma função

estabilizadora das condições do contrato social, evitando lesões às liberdades

individuais para além da parcela de que se abriu mão, igualitária e

reciprocamente, vedando, conseqüentemente, o domínio de uns sobre outros.

Somente, pois, a lesão das liberdades asseguradas no Contrato Social se considera

delito, sendo o bem jurídico um critério negativo que impede a criminalização

ilegítima pois, onde não há lesão de bem jurídico, não há crime. O Direito Penal é

a mais enérgica proteção dos direitos individuais, um instrumento de garantia da

liberdade cidadã.268

A segunda concepção entende que em um Estado Democrático de Direito

tanto o Estado quanto o Direito adquirem uma função transformadora, daí advindo

a conclusão de que uma série de valores constitucionais coletivos necessitam de

proteção penal, devendo o Direito Penal Moderno ser concebido, além da função

de limite negativo, evitando assim a criminalização injustificada, também a partir

de um garantismo positivo (limite positivo), pois há um verdadeiro dever de

proteção penal destes bens fundamentais assim extraídos da Constituição, sendo

cabível, inclusive, a utilização da cláusula de ‘proibição de proteção deficiente’

para obrigar o legislador a fazê-lo,269 porquanto pode-se considerar a existência de

um direito fundamental a uma tutela penal, decorrente do direito à proteção como

prestação positiva do Estado, em torno de um núcleo essencial de bens

relacionados à proteção da dignidade da pessoa humana, categoria que informa o

Estado Democrático de Direito.270 Afinal, na atualidade, a originária função

garantista negativa não basta à realização dos fins de um Estado que atua de forma

positiva para a concretização dos direitos fundamentais (“administração

prestadora”) e não mais unicamente na modalidade de atuação negativa

(“administração de intervenção”). Nas palavras de Claus ROXIN, “o próprio

princípio nullum-crimen possui, ao lado de sua função liberal de proteção, a

finalidade de fornecer diretrizes de comportamento; através disto, torna-se ele um

significativo instrumento de regulação social”.271

Em síntese: a compreensão do bem jurídico exclusivamente como limite (ou

garantia) negativo ou, ao lado dele, também como limite positivo determina o

268 HASSEMER, W., Persona, Mundo y Responsabilidad, p. 43-46. 269 STRECK, L., Ob. cit., p.308-310. 270 FELDENS, L., Ob. cit., p. 91-92. 271 ROXIN, C., Política-Criminal…, p. 13-15.

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âmbito de abrangência do Direito Penal e, via de conseqüência, a possibilidade ou

não de criminalização de ofensas à ordem econômica.

Adota a primeira concepção a Escola de Frankfurt (destacando-se:

HASSEMER, HERZOG, NAUCKE, ALBRECHT), cujo discurso, sintetizado por

Rodrigo RÍOS:

Tem criticado severamente a decisão de que o Direito Penal estenda seu objeto para além dos seus limites – que tradicionalmente tem sido a proteção dos bens jurídicos clássicos – e acabe convertendo-se num Direito Penal meramente funcionalista, orientado exclusivamente à finalidade de lograr uma defesa da sociedade o mais eficaz possível diante dos riscos derivados das disfunções do moderno sistema social.272

Em sentido contrário, grande parte da doutrina considera perfeitamente

possível e necessária a intervenção penal para além dos bens jurídicos individuais

historicamente tutelados (exemplificativamente: DIAS, STRATENWERTH,

ROXIN, TIEDEMANN, MIR PUIG, BOTTKE273). Nesse sentido, destaquem-se

as palavras de Günther STRATENWERTH, para quem:

A restrição da idéia de bem jurídico às condições de existência e desenvolvimento do indivíduo na comunidade ou ainda às especiais condições de liberdade externa dos demais ignoram que cada grupo humano conhece (e necessita!) múltiplas normas de conduta assimiladas culturalmente, que não caracterizam ‘bens’ mais ou menos concretos.(...) Esforçando-se por fazer voltar atrás a roda da história e voltar a restringir o Direito Penal a um ‘âmbito nuclear’ definido de modo mais ou menos estreito, que corresponde aos modelos ‘clássicos’ do século XIX.274

Portanto, o nó da questão está em se aderir a uma ou a outra corrente. No

presente trabalho muito já se expôs acerca da possibilidade de intervenção penal

para a proteção dos bens jurídicos supra-individuais, em particular aqueles

protetivos da ordem econômica e, nesta, do sistema financeiro nacional,

evidenciando a que linha de pensamento o autor se filia.

Resta, todavia, enfrentar a questão que diz com a necessidade de obediência

aos princípios do Direito Penal Clássico no âmbito do chamado Direito Penal

272 RÍOS, R. S., Reflexões sobre o Delito Econômico..., p. 435. 273 Registre-se que este autor admite também a existência de um Direito Penal Econômico, fundamentando esta possibilidade, diferentemente dos demais e das idéias sustentadas nesta dissertação, em que a tutela da Ordem Econômica se dá pela soma dos interesses das atividades dos sujeitos econômicos concretamente considerados, e não pela proteção da Ordem Econômica considerada como um todo, abstratamente. Assim: PÉREZ, C. M. B., Ob. Cit., p. 102-107. 274 STRATENWERTH, G., Ob. cit., p. 66-68.

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Moderno275 ou se seria indispensável uma profunda e completa reordenação dos

postulados do Direito Penal no âmbito deste .

São considerados princípios legitimadores do sistema penal a legalidade,276

a intervenção mínima,277 a humanidade,278 a culpabilidade,279 a pessoalidade,280 a

adequação social281 e a insignificância,282 entre outros que derivam de seus

desdobramentos.283

Para a Escola de Frankfurt o chamado Direito Penal Moderno abandona os

postulados do Direito Penal Clássico, sendo com ele incompatível,

particularmente no que diz com a necessidade de lesão a bens jurídicos, a partir da

constatação de que se vale fundamentalmente da construção de tipos de perigo

abstrato, desprezando os princípios da legalidade, na medida em que não descreve

as condutas suficientemente, da culpabilidade como limite da responsabilidade e

da pena e da intervenção mínima, uma vez que se presta à utilização política

extremada por meio de uma excessiva funcionalização comunicativa do Direito

275 As denominações são utilizadas por HASSEMER para se referir, respectivamente, ao Direito Penal atuante sobre bens jurídicos individuais, historicamente objeto de proteção, e sobre bens jurídicos supra-individuais como o ambiente e a economia. Assim: HASSEMER, W., Ob. cit., p. 39-51. 276 O princípio da legalidade insere a máxima “nullum crimen, nulla poena, sine lege”, construída por Feuerbach, no começo do século XIX. Segundo ele, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes tenham sido instituídos por lei. Está no art. 5º, XXXIX, da CF/88. 277 O princípio da intervenção mínima, por sua vez, tem o intuito de limitar ou eliminar o arbítrio do legislador, haja vista que o princípio da legalidade apenas impõe limites ao arbítrio judicial. Visa restringir a incidência das normas incriminadoras aos casos de ofensas aos bens jurídicos fundamentais. O direito penal só deve intervir nos casos de ataques graves aos bens jurídicos mais importantes Dele decorrem os princípios da fragmentariedade e da subsidiaridade. 278 Este princípio atua na cominação, na aplicação e na execução da pena, exigindo dela uma racionalidade e uma proporcionalidade, pois não pode olvidar que o réu é uma pessoa humana e nem objetiva infligi-lo suplícios. 279 Impede a responsabilidade objetiva da pessoa, exigindo a perquirição da existência de dolo ou, nos casos previstos em lei, da culpa, e funciona como medida da reprovabilidade social da conduta, fundamentando e limitando a pena. 280 Nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Somente o causador da ação ou omissão penalmente reprovada poderá responder por ela. Está previsto no art. 5º, XLV, da CF/88. 281 É um princípio geral de hermenêutica, pois a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, não sendo objeto de reprovação social. 282 Leva em conta a tolerância do grupo em relação à determinada conduta de escassa gravidade, ou seja, ela é desconsiderada por se tratar de bem jurídico insignificante. 283 Como o da proporcionalidade, que ganha especial relevância nos casos de delitos de bagatela, em que haveria desproporção entre a ação e a pena aplicada, por mínima que fosse, pois sua inobservância se afastaria da idéia de finalidade de um direito penal comprometido com um Estado Social e Democrático de Direito; o da lesividade ou alteridade, segundo o qual só pode ser penalizado aquele comportamento que lese ou efetivamente exponha a perigo um bem jurídico, excluindo de sua incidência as condutas que digam respeito a características individuais das pessoas, que possam ser consideradas imorais, pecaminosas ou escandalosas, mas que não afetem nenhum bem jurídico tutelado, violando simples deveres de obediência a um ‘standard’ social ou mesmo legal.

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Penal, supervalorizando as suas possibilidades como meio de controle social.284

Daí, pois, entendendo-se incabível na moldura desse ramo do Direito as situações

por ele abarcadas, propõe-se a criação do chamado “Direito de Intervenção” que

se colocaria entre o direito penal e o direito sancionatório administrativo, entre o

direito civil e o direito público, com um nível de garantias e formalidades

processuais inferior ao do direito penal, mas também com menos intensidade nas

sanções que poderiam impor-se aos indivíduos.285 286

Jesus-Maria SILVA SANCHEZ, após reconhecer a indispensabilidade da

expansão do Direito Penal na direção da proteção dos bens jurídicos supra-

individuais, entende, todavia, também ser incompatível, com relação a estes, a

aplicação em sua inteireza dos princípios que o regem, propugnando, então, um

‘Direito Penal de duas velocidades’, em que se deveriam observar todos os

rigores, princípios e garantias apenas ao núcleo tradicional desse ramo do Direito,

que efetivamente lesasse ou colocasse em perigo real bens individuais e que

previsse a pena de privação de liberdade, reservando ao Direito Penal

Socioeconômico, porque utiliza a técnica da incriminação por meio de tipos de

perigo presumido e protege bens coletivos, a flexibilização dos postulados penais

clássicos, como os critérios da imputação (responsabilidade pessoal), legalidade e

culpabilidade. A condição que estabelece para tanto é que, nestes últimos, não seja

cominada a pena de privação da liberdade, mas somente a restritiva de direitos ou

a pecuniária, ressalvando que, ainda que o crime se enquadre dentre aqueles do

Direito Penal Moderno, deverão ser observados todos os rigores do Direito Penal

Clássico quando no tipo se cominar a pena privativa de liberdade.287

Para outros, porém, deve-se mesmo admitir a extremada funcionalização do

Direito Penal em uma sociedade de risco pós-industrial, acatando-se as teses

acima, sem contudo retirá-las do núcleo existencial do Direito Penal, modificando

sumamente o seu perfil, por meio da supressão do Parlamento da tarefa exclusiva

da produção legislativa penal, passando-a também ao Poder Executivo; da

antecipação da tutela penal para estados prévios da lesão ao interesse socialmente

significativo, de modo que somente remotamente se vislumbre a ofensa ao bem

284 ALBRECHT, Peter-Alexis. El Derecho Penal em la Intervencion de La Política Populista, in CASABONA, Carlos Maria Romeu (dir.), La Insostenible Situacion del Derecho Penal, p. 473-480. 285 HASSEMER, W. Persona, Mundo...., p. 70-73. 286 Id., Três Temas de Direito Penal, p. 83-97.

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jurídico; da redução da incidência do princípio da responsabilidade pessoal; e da

extensão tal do âmbito da incidência penal de forma que reste superado o

princípio da intervenção mínima.288

A partir daí se constrói a idéia recorrente de que ao “Direito Penal

Moderno” carece legitimidade, uma vez que se mostra incompatível, pela sua

natureza, com os princípios orientadores do Direito Penal. Essa é a base do

raciocínio da Escola de Frankfurt, da posição de SILVA SANCHEZ e mesmo de

parte dos doutrinadores que reconhecem a necessidade de incriminação a partir da

concepção de um Direito Penal do Risco, sendo mesmo indispensável a

relativização dos princípios e garantias do Direito Penal Clássico.

Entendemos, contudo, que o raciocínio não se mostra correto e parte de uma

premissa equivocada, incompatível com a pós-modernidade e com um Estado

Social e Democrático de Direito.289

No ponto, razão está com FIGUEIREDO DIAS290 que, após afirmar que o

paradigma do Direito Penal se assenta na política criminal, na proteção subsidiária

de bens jurídicos e na noção de prevenção geral e de prevenção especial, a partir

do que se constrói a ordenação dos princípios incidentes, reconhece a necessidade

de intervenção penal para a prevenção dos grandes riscos que assombram a

sociedade pós-industrial, que ameaçam, em muitos casos, a própria subsistência

da humanidade, entendendo, por outro lado, pela absoluta imprescindibilidade de

observância dos princípios penais construídos a partir do Iluminismo e

caracterizadores de um Direito Penal Liberal.

Assim, ao lado dos bens jurídicos individuais, há a necessidade de tutela

penal de bens jurídicos sociais, trans-individuais, trans-pessoais, coletivos, que se

apresentam:

(...) por sua própria natureza, como muito mais vagos e carentes de definição precisa, de mais duvidosa corporização ou mesmo de impossível tangibilidade. Mas nada disso impõe uma mudança ou um abrandamento na proposição penal básica segundo a qual é função exclusiva do direito penal a tutela subsidiária de bens jurídicos; porque também neste âmbito é de verdadeiros bens jurídico-penais que se trata. O que implica é que se trabalhe no aprofundamento do seu estudo, se progrida no estabelecimento dos seus contornos e se tome sempre a benefício de inventário, com o auxílio indispensável da ordem axiológica jurídico-

287 SANCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do Direito Penal, p. 136-147. 288 DIAS, J. de F., Sobre os fundamentos da Doutrina Penal, p. 167-170. 289 A esse respeito vide o contido na Seção 4 do Capítulo 1 supra. 290 DIAS, J. de F., Ob. cit., p. 155-185.

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constitucional, a erupção de novos bens jurídicos deste tipo que apelem para a tutela penal.291

Nestes termos, a criminalização torna-se legítima na medida em que

encontra esteio na ordem constitucional (direitos sociais, econômicos, culturais e

ambientais), sendo necessária, tanto de um ponto de vista da prevenção geral

negativa, pois a punibilidade se revela suscetível de influenciar a escolha daquele

que poderia decidir infringir a norma, quanto da prevenção geral positiva,

reforçando a disposição de obediência da norma por parte do indivíduo fiel ao

direito.

Na mesma ordem de idéias, a advertência de Wilfried BOTTKE:

O Direito criminal econômico que caracteriza como criminais este tipo de comportamentos sustenta sua legitimidade na lesividade ou colocação em perigo de bens jurídicos, que motiva sua criminalização com independência de seu aspecto econômico e de outras considerações gerais desnecessárias. O Direito penal econômico em sentido amplo participa sob todos os aspectos da legitimidade de um direito penal que abarca também comportamentos que não afetam a economia. Sua legitimidade depende do cumprimento dos critérios gerais que sustentam desde qualquer ponto de vista a pretensão de validade do Direito penal e não necessita de nenhuma justificação especial.292

Com isso – o reconhecimento de que os pressupostos de um Direito Penal

assim considerado não diferem do Clássico Direito Penal quanto aos seus

paradigmas de sustentação –, afastam-se os argumentos no sentido da

ilegitimidade de tais incriminações à luz dos postulados básicos do Direito Penal,

bem como os argumentos no sentido de que esta neocriminalização, em verdade,

caracterizaria verdadeiro braço de um reprovável direito penal simbólico293 ou que

poderia permitir, em última análise o retorno a um ‘direito penal da vontade’

291 Ibid., p. 175. 292 BOTTKE, Wilfried. Sobre la legitimidad del derecho penal económico en sentido estricto y de sus descripciones típicas específicas, p. 638. 293 O Direito Penal simbólico teria por objeto situações conhecidas na criminologia como situações sociais problemáticas perfeitamente individualizáveis, vale dizer, situações sociais tipicamente características do capitalismo tardio e da vida numa sociedade pós-industrial, como as que dizem respeito à ordem econômico-financeira e ao meio ambiente e, na verdade, por detrás destas novas tipificações de condutas, em um exame mais aprofundado, se perceberia que o Estado não estaria verdadeiramente interessado em fornecer uma solução real ao problema, preferindo, portanto, apenas uma solução penal, aparentemente eficaz. A tutela penal serviria para mascarar a necessidade de o legislador socorrer-se dos instrumentos extrapenais para a efetiva tutela jurídica dos bens em questão. O Direito Penal, nestas questões, não seria utilizado para ser efetivo. Assim: BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, p. 159-182.

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vigente na Alemanha durante a época do nazismo nos anos 30, de triste

lembrança.294

Por fim, pode-se concluir, uma vez mais com FIGUEIREDO DIAS, que:

O novo século e o novo milênio devem, em conclusão, assistir à persistência da função do direito penal de exclusiva tutela subsidiária de bens jurídico-penais tanto individuais e pessoais, como sociais e trans-pessoais; porque essa função é exigida pela persistência do ideário personalista, pelo patrimônio irrenunciável dos direitos humanos, numa palavra, pelo quadro axiológico de valores que nos acompanha desde o século XVIII e deve ser aperfeiçoado no futuro – mesmo num futuro onde tenha mudado radicalmente a relação entre o Homem e a Natureza. O direito penal deve continuar a resguardar-se de tentativas de instrumentalização como forma de governo, de propulsão e promoção de finalidades da política estadual, ou de tutela de ordenamentos morais – porque aí mesmo abica o movimento de secularização que se apresenta como um dos fatores mais importantes de superação da razão instrumental. A dogmática deve evoluir, fornecendo ao aplicador critérios e instrumentos que não podem ser decerto os dos séculos passados como formas adequadas de resolver os problemas do século XXI; mas sem por isso ceder à tentação de ‘dogmáticas alternativas’ que podem, a todo o momento, volver-se em ‘alternativas à dogmática’ incompatíveis com a regra do Estado de Direito e, como tal, democraticamente ilegítimas. Tanto bastará, assim o cremos, para nos dar o direito de esperar que os novos e grandes perigos da sociedade pós-industrial possam ser contidos dentro de limites ainda comunitariamente suportáveis, num quadro axiológico regido pelos valores da vida, da dignidade humana e da solidariedade; e comunitariamente suportáveis tanto por nós próprios, como pelas gerações futuras que temos todos o dever indeclinável de, dentro das nossas forças e da nossa previsão, proteger.295

Assim, pode-se afirmar que não há a necessidade de criação de um

verdadeiro ‘novo paradigma do Direito Penal’ para se lidar com o Direito Penal

Moderno – dentro do qual ressai o Direito Penal Econômico –, sendo puramente

indispensável que se sigam observando os princípios que norteiam o Direito Penal

desde a Ilustração, inserindo-se a admissão da proteção jurídico-penal para os

bens jurídicos supra-individuais como corolário lógico e indispensável de um

Estado Democrático e Social de Direito, em uma sociedade que ultrapassou a era

da industrialização e ingressou na pós-modernidade, marcada pela presença de

riscos elevados e fluidos que determinam também a intervenção penal, em

algumas situações, a partir de uma leitura de um garantismo positivo e negativo.

294 Era um direito penal autoritário que dispensava a presença do princípio da lesividade, aproximando a noção de crime da noção de traição ao Estado, banindo da teoria do delito o bem jurídico e proclamando que a essência de todo e qualquer crime residia na violação de um dever de fidelidade ao mandamento estatal, sendo o braço jurídico-penal da Alemanha nazista. Sobre o tema: BATISTA, N., Empréstimos Ilícitos..., p. 140-142, e HASSEMER, W., Três Temas...., p. 09-17. 295 DIAS, J. de F., Sobre os Fundamentos..., p. 185.

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O único paradigma realmente novo e necessário é o da imprescindibilidade

da proteção penal de bens trans-individuais, o que, como se viu, não abala os

demais fundamentos e princípios do Direito Penal liberal.

4.2 AS RESPOSTAS CRIMINAIS ADEQUADAS PARA OS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

A pena criminal é comumente entendida como o mal que impõe o legislador

pela realização de um delito por parte de alguém. É a sua conseqüência. Ocorre

que uma tal definição nada esclarece acerca da natureza desse mal, por que e para

que ele é imposto. Para se chegar a uma aproximação cientificamente mais correta

sobre a questão mostra-se indispensável pesquisar sobre a justificação, o sentido e

o fim da pena no Direito Penal296 e, a partir de então, analisar-se quais suas

espécies e efetivamente quais respostas criminais se mostrariam mais adequadas

às práticas dos crimes contra a Ordem Econômica e, particularmente, contra o

Sistema Financeiro Nacional.

De acordo com MUÑOZ CONDE:

A pena se justifica por sua necessidade como meio de repressão indispensável para a convivência de pessoas de uma comunidade. Sem a pena, a convivência humana na sociedade atual seria impossível. Sua justificação não é, por conseguinte, uma questão religiosa nem filosófica, mas uma amarga necessidade em uma sociedade de seres imperfeitos como são os homens.297

Quanto às indagações relacionadas ao sentido e ao fim da pena, as respostas

variam de acordo com a concepção doutrinária que se possuir a respeito, que se

colocam nas Teorias Absolutas, Relativas e Unificadoras.

Para as Teorias Absolutas, a pena é a retribuição da culpabilidade, a partir

da conclusão de que à ação criminosa do autor deve corresponder uma imposição

de um mal correspondente, independentemente de qualquer outro objetivo,

calcada exclusivamente na retribuição da sua culpabilidade, a partir das

concepções do imperativo categórico de Kant e da pena como negação da negação

do direito – e, em conseqüência, a afirmação deste – de Hegel.298 De acordo com

296 CONDE, Francisco Muñoz. Introduccion al Derecho Penal, p. 69-70. 297 Ibid., p. 70. 298 STRATENWERTH, G., Ob. cit., p.30.

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essa teoria, a pena não tem qualquer fim social que não seja o de servir de

instrumento para que a justiça prevaleça. Tem como grande ponto positivo o fato

de vincular a pena aplicada ao grau de culpabilidade do autor, servindo como

importante fator de limitação incidente no âmbito do Direito Penal. Por outro

lado, possui o inconveniente de determinar sua aplicação mesmo quando ela não

seja necessária para garantir a paz social ou quando os danos de sua aplicação

sejam mesmo superiores àqueles decorrentes do próprio agir delituoso;

igualmente, não oferece critério algum para que a execução penal tenha caráter

correcional, colaborando para a ocorrência da reincidência do condenado no

futuro.299

As Teorias Relativas, por sua vez, fornecem à pena a função de prevenir

delitos, por meio da proteção de certos interesses sociais. A rigor, passa-se a

reconhecer a função utilitarista da pena desde a sua cominação, fundada agora na

sua necessidade para a manutenção de certos bens sociais. A pena passa a ser

concebida não como uma resposta ao mal proporcionado pelo autor do fato, mas

como uma forma de prevenir a prática delitiva pela sua só existência e

conseqüente possibilidade de aplicação, pela sua real aplicação e também pela

efetividade de sua execução. As Teorias Relativas se dividem em duas correntes:

prevenção geral e prevenção especial.300

A primeira foi introduzida por Feuerbach (1775-1833) e entende que a

função da pena é a coação psicológica decorrente da sua própria existência,

criando no espírito do potencial criminoso um ‘contra-motivo’ de tal forma forte

que seja capaz de dissuadi-lo da prática criminosa. Assume, modernamente, para

além da sua concepção inicial, uma dupla perspectiva, subdividindo-se em

‘prevenção geral negativa’, consubstanciada na intimidação dos demais

integrantes do corpo social a partir da efetiva aplicação da pena ao criminoso,

desmotivando aqueles que decerto pretenderiam violar a norma jurídico-penal a

fazê-lo, e em ‘prevenção geral positiva’,301 assim entendida como a confiança que

a comunidade, sobretudo aquela parcela que sequer cogitava a hipótese de

cometer a ação incriminada, deve ter na validade e na força de vigência das

299 ROXIN, Claus et alli. Introduccion al Derecho Penal e al Derecho Procesal Penal, p. 25. 300 MIR PUIG, S., Ob. cit., p. 90-91. 301 DIAS, J. de F., Questões Fundamentais..., p.111.

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100

normas penais, informando às pessoas sobre o que está penalmente vedado de se

fazer e, por conseqüência, estimulando uma atitude de respeito pelo Direito.302

A segunda surge no último terço do século XIX e estabelece que em

verdade a finalidade da pena criminal é a de evitar que o autor concretamente de

um delito cometa outros no futuro, operando-se tanto por meio da internação do

condenado em estabelecimento prisional por um determinado período de tempo

quanto também por meio de sua ressocialização ou socialização.303 Essa

concepção baseia-se na idéia de que a pena tem como função a prevenção da

reincidência do criminoso, concretamente considerado.

Ambas as concepções, conquanto possuam inegáveis pontos dignos de

elogios – sobretudo em vista de não entender a pena como um fim em si mesma,

mas como um meio de evitação do crime e de reinserção social do condenado –

também merecem questionamentos profundos, tais como a eventual violação da

dignidade humana nos casos em que o réu opte por não se socializar, embora sua

condenação; e também a possibilidade de instituição de um ‘direito penal do

terror’, em que, para se atender a um postulado de prevenção geral positiva e

negativa se elevem as penas cominadas de tal forma que restem violados os

princípios da proporcionalidade e da culpabilidade, dentre outros questionamentos

possíveis.

Por fim, merecem registro as Teorias Unificadoras, cuja concepção domina

hoje o Direito alemão – e o Direito brasileiro também – e decorrem da conclusão

de que nenhuma das teorias até então vigentes304 pode ser considerada satisfatória

para o fim de fundamentar suficientemente a pena criminal desde um ponto de

vista jurídico-científico. Assim, combinam-se as três idéias fundamentais para que

se aproveitem as virtudes de cada uma delas, eliminando seus aspectos negativos.

Considera-se, portanto, atualmente que a pena deve ter como limite a

culpabilidade do autor, bem como que razões de prevenção geral ou especial não

podem conduzir à imposição de uma pena de maior gravidade do que a que

302 MIR PUIG, S., Ob. cit., p. 92. 303 ROXIN, C., Política-Criminal..., p. 25. 304 Até o início dos anos 60 na Alemanha predominou exclusivamente a concepção retributiva da pena e, a partir do Projeto Alternativo do Código Penal de 1966, elaborado por quatorze professores daquele país, passou-se a dar especial destaque, doutrinariamente, às teorias da prevenção geral e especial como fim da pena, e a nova Parte Geral do Código Penal alemão, aprovada em 1969, em vigor desde 1975, procuraram equilibrar ambas correntes, adotando como ponto de partida acerca da finalidade da pena as Teorias Unificadoras, equilibrando-se entre o

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corresponda ao fato cometido, na medida da culpabilidade do criminoso, devendo

ser, por outro lado, suficiente em seus limites mínimos e máximos para que a

prevenção geral negativa e positiva se opere adequadamente. A partir do norte da

culpabilidade é que se buscam cumprir os distintos fins da pena, assim

entendidos: retribuição pelo fato cometido, ressocialização e prevenção geral

positiva e negativa.305

Na mesma ordem de idéias é a posição de CEREZO MIR, para quem:

Uma concepção unitária da pena, que encontre sua justificação no delito cometido e na necessidade de evitar a comissão de delitos no futuro, é dizer, que considere que a pena não apenas deve ser justa, mas também necessária, satisfaz em maior medida as exigências de um Estado social e democrático de Direito, ao proporcionar um sólido fundamento à exigência de proporcionalidade entre os delitos e as penas.306

Assim compreendidas as concepções da pena, pode-se por fim dizer com

STRATENWERTH que:

Em retrospectiva histórica, o conceito de pena não apenas compreende uma multiplicidade infindável de formas externas de aparição, mas também uma quantidade igualmente ampla de significados: tanto o sacrifício do infrator do direito, marcado por concepções mágico-sacrais, como o horror das penas de morte e corporais medievais, dirigidas à mais crua das intimidações, ou a pena privativa de liberdade da Idade Moderna, orientada à ‘correção’. Por isso não se pode colocar em dúvida que, desde um ponto de vista histórico, sequer se pode falar de ‘a’ pena como um só e mesmo fenômeno. Isso não quer dizer que a pena, no momento atual, em nosso lugar histórico, possa ser dotada de qualquer sentido. Antes, sua natureza vem co-determinada, precisamente, pela história em que surge.307

Logo, é de se concluir que não há uma pena criminal típica por excelência e

essa concepção varia de acordo com o momento histórico em que se vive, com os

princípios que regem o Direito Penal e a cominação e execução das respectivas

penas.

Assentadas, pois, essas considerações sobre a natureza da pena criminal e

suas funções, cabe indagar: quais seriam as respostas que o Direito Penal poderia

mais adequadamente oferecer para uma ação que ofendesse a Ordem Econômica

novo e o velho entendimento dominantes naquele país. Assim: ROXIN, Claus. Politica Criminal y..., p. 10-33. 305 ROXIN, C., Política Criminal..., p. 27. 306 CEREZO MIR, José. Temas Fundamentales del Derecho Penal, tomo I, p. 379.

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e, em particular, o Sistema Financeiro Nacional, tendo em vista os vetores

mencionados?

As penas criminais usualmente previstas no Direito Penal da pós-

modernidade são as privativas de liberdade e pecuniárias, secundadas pelas penas

restritivas de direitos, que podem ser acessórias ou autônomas, e muitas vezes

substituem as penas privativas de liberdade, registrando-se exemplificativamente

que assim ocorre na Alemanha,308 Itália,309 Espanha310 e Brasil311 e são fruto de

um movimento de crescente humanização das penas, que se inaugurou com o livro

‘Dos Delitos e das Penas’ escrito pelo Marquês de Beccaria em 1764, acentuando-

se com o advento das idéias Iluministas que colocaram em xeque as penas cruéis

(morte, tortura, açoites, mutilação) utilizadas até então como a resposta básica do

sistema penal para a prática de um delito.312 A partir de então – sobretudo ao

longo do século XIX –, gradativamente suprimiram-se as penas corporais, sendo

estas substituídas pela privação da liberdade e, para além, no decorrer do século

XX presenciou-se cada vez mais a diminuição da pena de morte e a restrição da

utilização da pena de privação da liberdade como resposta típica a uma violação

da norma criminal para os crimes graves, incrementando-se as penas pecuniárias e

os institutos destinados a evitar o encarceramento, em vista de ser considerado por

si uma aflição desumana e excessiva, não sendo necessário para a maior parte dos

delitos313 (suspensão condicional da pena, suspensão condicional do processo,

penas substitutivas da privação da liberdade, dentre outros).314

Para se ter uma idéia da redução do impacto prático da pena de privação de

liberdade atualmente, veja-se exemplificativamente que na Alemanha, em 1882,

76,8 por cento de todas as condenações implicavam na prática a privação de

liberdade, contra 22,2 por cento convertidas em penas pecuniárias (multa),

enquanto que, em 1990 naquele país, as penas privativas de liberdade alcançaram

efetivamente apenas 5,3 por cento das execuções penais, impondo-se, em 83,3 por

cento dos casos de condenação, uma efetiva sanção pecuniária, por outro lado.315

307 STRATENWERTH, G., Ob.cit., p. 29. 308 ROXIN, C. et allii, Ob.cit., p. 29-34. 309 FERRAJOLI, L., Ob. cit., p. 410-420. 310 MIR PUIG, S., Ob. cit., p. 657-691. 311 DOTTI, R. A., Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 444-447. 312 Para um panorama completo sobre o assunto: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 30-86. 313 FERRAJOLI, E., Ob. cit., p. 419. 314 MIR PUIG, S., Ob. cit., p.657-660 315 ROXIN, C., Dogmática Penal y Política Criminal, p. 452.

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No Brasil, as penas, atendendo a este entendimento segundo o qual a

privação da liberdade, diante dos efeitos deletérios do isolamento, deve ser

reservada apenas para delitos revestidos de especial gravidade,316 podem ser

divididas em ‘penas institucionais’ e ‘penas alternativas’, entendendo-se como as

primeiras todas aquelas que se cumprem em instituições totais como

penitenciárias, presídios, cadeias públicas e demais estabelecimento assemelhados

(em regime de reclusão, detenção e prisão simples) e como as segundas todas as

sanções diversas e menos graves do que a privação da liberdade, dentre as quais se

destacam as restritivas de direitos e pecuniárias.317

Não obstante, no sistema brasileiro, na cominação das penas prevalecem,

em regra, a privação da liberdade, cumulativamente ou não com a de multa, e,

para crimes menos graves, somente esta última em muitos casos. Às penas ditas

alternativas, observadas as particularidades da multa, que pode estar cominada no

tipo ao lado da pena privativa de liberdade, restam, de regra, as funções de

substituir autonomamente as penas privativas de liberdade, nas hipóteses previstas

no artigo 44 do Código Penal, ou, ainda, servir como parâmetro para a aplicação

do instituto da transação penal previsto no artigo 76 da Lei nº 9.099/95. Há

algumas ainda que se aplicam como pena principal, sem qualquer caráter

substitutivo, nos casos dos crimes relacionados ao Código de Trânsito. São elas:

restritivas de direitos (art. 43 do CP), multa penitenciária (art. 49 do CP), multa

reparatória (art. 297 do CTB), suspensão de permissão ou habilitação para dirigir

veículo automotor (art. 292 do CTB), proibição de se obter a habilitação para

dirigir veículo (art. 292 do CTB), suspensão de atividades (art. 8º, III, da Lei nº

9.605/98), recolhimento domiciliar (art. 8º da mesma Lei), proibição de contratar

com o poder público (art. 10 da mesma Lei), proibição de receber incentivos

316 No ponto, vale a advertência de PASSOS DE FREITAS que, ao abordar esta questão relativamente aos delitos contra o meio ambiente e as respectivas penas aplicáveis – devendo-se reconhecer que os argumentos são válidos para todos os delitos, destacando-se em particular aqueles integrantes da criminalidade econômica –, sustenta que a superpopulação carcerária e as despesas para o Poder Público conduziram à modificação do regime de cominação, aplicação e execução de penas no País, o que, aliado à necessidade de prevenção dos danos, a sua recomposição e a ressocialização do condenado, que usualmente não se mostra extremamente perigoso para o convívio social, impõem a adoção de ‘penas alternativas à pena de privação de liberdade’. FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a Natureza, p. 290-291. 317 DOTTI, R. A., Curso de Direito Penal..., p. 444.

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104

fiscais e outros benefícios (art. 10 da mesma Lei), proibição de participar de

licitações (art. 10 da mesma Lei).318

Todas essas penas mencionadas possuem caráter criminal, seja porque

atendem ao requisito formal (estão previstas em uma lei penal), seja porque

atendem ao requisito material (tolhem ou restringem um bem jurídico também

objeto de tutela do sistema normativo).

Examinando-se os tipos inseridos na Lei nº 7.492/86 observa-se que as

penas previstas variam entre um mínimo de um ano de reclusão e o máximo de

oito anos de reclusão, exceto para o crime de gestão fraudulenta, em que este

patamar alcança o limite máximo de doze anos, donde se pode concluir que, em

muitos destes, em vista da pena concretizada em sentença, não se ultrapassará o

limite de quatro anos previsto no artigo 44 do Código Penal, a ensejar a

substituição da pena de privação de liberdade por algumas das restritivas de

direitos previstas no artigo 43 do mesmo Código (prestação pecuniária; perda de

bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana), bem como a

aplicação, em alguns casos, da suspensão do processo, nos termos do artigo 89 da

Lei nº 9.099/95, e, naqueles em que porventura for esse patamar ultrapassado,

haverá a necessidade de cumprimento de pena de privação da liberdade em regime

aberto, semi-aberto ou fechado.

Diante disso, indaga-se se, em vista da natureza dos delitos caracterizados

como típicos da criminalidade econômica – e reprise-se: em particular nos casos

de crimes contra o Sistema Financeiro –, se estariam atendendo aos fins da pena,

seja com a aplicação das mencionadas medidas substitutivas, seja com o eventual

encarceramento do autor do fato, ou se, ao contrário, se deveriam buscar outras

formas de resposta penal a tais condutas perpetradas.

No ponto, consigne-se que é forçoso concluir, a partir das idéias de DIAS,

que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas

comunitárias que a pena se deve propor alcançar, acima do que não pode ela ser

elevada sem violação do princípio da necessidade, reconhecendo-se ainda que,

abaixo deste ponto ideal, há outros em que a tutela ainda é efetiva e consistente

até atingir um patamar mínimo, e a sua cominação e fixação em montante a tanto

inferior coloca em xeque a função de tutela de bens jurídicos pelo Direito Penal,

318 Ibid., p. 447.

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105

esvaziando-o de sentido e conteúdo material.319 Em última análise, a questão das

penas a serem aplicadas a esses casos está em se realizar verdadeiro equilíbrio

entre as chamadas ‘proibição de excesso’ e ‘proibição de insuficiência’,

reconhecendo-se a existência de verdadeira imposição constitucional de proteção

penal adequada, que não se mostre, pois, desproporcional, seja pela afetação por

demais desarrazoada dos direitos fundamentais objeto de privação como resposta

criminal, seja pela indiferença das penas cominadas e impostas, quando fixadas

abaixo dos níveis mínimos de proteção necessários em vista da lesão ou perigo de

lesão a que se sujeitou com a conduta o bem jurídico tutelado. Em verdade, trata-

se de corretamente aplicar o princípio da proporcionalidade, em sua dupla função:

positiva – enquanto dever de ação estatal na medida adequada para efetivação dos

direitos fundamentais – e negativa – enquanto dever de abstenção e limitação do

Estado também frente aos direitos fundamentais.320

Especificamente, trata-se de perquirir, enfim, onde estará a tal ‘medida

ótima’ das penas dos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional.

A primeira questão que avulta diz com a imediata necessidade de

substituição do paradigma da pena privativa de liberdade como resposta estatal

principal nesses delitos, juntamente com a multa, em que somente se reserva a

possibilidade de substituição de sua execução por algumas das restritivas de

direito dispostas no artigo 43 do Código Penal quando a pena aplicada não supera

os quatro anos de reclusão, seja porque, ante a atual configuração destas,

dependendo da culpabilidade do agente e do dano experimentado ao bem jurídico

com a ação, isso pode ofender o princípio da proibição de insuficiência,321 seja

porque, nas hipóteses em que a pena concretamente considerada ultrapassar este

patamar ou não concorrerem todos os requisitos contidos no artigo 44 do Código

Penal,322 a privação de liberdade, a depender do caso, pode ser desproporcional,

319 DIAS, J. de F., Ob. cit., p. 131-132. 320 SARLET, Ingo. Constituição e Proporcionalidade: o Direito Penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista de Estudos Criminais, n. 12, p. 107. 321 STRECK, Lênio Luiz. As (novas) penas alternativas à luz da principiologia do Estado Democrático de Direito e do Controle de Constitucionalidade, p. 127-131 322 Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente § 1o (VETADO)

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106

desnecessária e, ainda, desatender aos postulados de prevenção especial e de

prevenção geral positiva e negativa, tendo em consideração a natureza do

delito.323

Em verdade, efetivamente deve-se considerar que, em muitos casos, a pouca

expressividade das penas restritivas de direitos previstas em nosso Código Penal

atual contrasta com a gravidade de muitos delitos praticados contra o Sistema

Financeiro Nacional, que não raro colocam em sério e elevadíssimo risco o

sistema ou parte dele, em evidente prejuízo a uma infinidade de pessoas, a uma

coletividade inteira, que acaba por determinar a conclusão de que ‘a prática

criminosa compensa’ em uma relação custo-benefício levada a cabo pelo autor do

fato e pelo sentimento dos demais integrantes da sociedade.324

Em tais casos, não raramente, o condenado, a par de não ressarcir

objetivamente os prejuízos econômicos que eventualmente tenha causado, segue

exercendo suas funções tranqüilamente e, muitas vezes, transferindo o ‘know-

how’ de seu ‘modus operandi’ para terceiros no bojo do empreendimento, sendo

mesmo guindado a posições mais relevantes na instituição, desde que seu agir,

independentemente da conformação jurídica que tenha adotado, tenha sido

lucrativo no âmbito da empresa. Afinal, muitas vezes, a lógica de mercado não

segue a ética e os valores contemplados pelo Direito na proteção da Ordem

Econômica.325

§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. 323 FERRAJOLI, L., Ob. cit., p. 418-420, em que observa a necessidade de superação da pena privativa de liberdade para casos que envolvam fraudes e crimes assemelhados. 324 O Brasil, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça, vem tentando repatriar cerca de quatrocentos milhões de dólares norte-americanos que foram remetidos ao exterior ilegalmente e, até o momento, logrou o retorno ao país de somente trinta e sete milhões de dólares (cerca de 8,4 por cento do total). CHRISTOFOLETTI, Lilian. País repatria menos de 10% do dinheiro da corrupção. Folha de São Paulo, p. A4. 325 PINHEIRO Jr., Gilberto José. Crimes Econômicos – As Limitações do Direito Penal, p. 85.

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107

Por outro lado, a privação da liberdade, nas hipóteses em que concretamente

aplicada, ressalvadas hipóteses bastante específicas, para os crimes mais graves,

sempre medida pela culpabilidade do agente, particularmente espelhada no dano

ou na exposição a perigo concreto do bem jurídico tutelado, mostra-se em geral

demasiada, porquanto se está a tratar quase sempre de criminoso que não

apresenta transtorno grave de socialização e que, portanto, não demonstra

necessidade de segregação social total,326 que se deve reservar, conforme o

entendimento doutrinário dominante na atualidade, aos crimes gravíssimos e que

impõem, para que a pena atinja suas funções, o recolhimento celular do

condenado.327

Daí, pois, a indispensabilidade da adoção de outros paradigmas para as

penas cominadas aos crimes contra o Sistema Financeiro, mais ajustadas às

funções da reprimenda penal, acordes com a pós-modernidade e com essa espécie

de delito, que aflige o Estado Democrático e Social de Direito em suas bases mais

relevantemente. Pretender a adoção da vetusta pena de prisão como marco legal

principal para as respostas a essas condutas criminosas328 significa a negação da

evolução do Direito Penal e a sua deslegitimação como ramo do Direito, tanto

quanto o seria se este excluísse de seu âmbito de incidência esta

neocriminalização329 evidenciada no Direito Penal Econômico, renunciando a ela

indevidamente nesta quadra da História.

Assim, propugna-se a adoção, ‘de lege ferenda’, ao lado da pena privativa

de liberdade – a ser cominada e aplicada em casos específicos de especial

gravidade, sendo cabível, evidentemente, nos delitos que ofendem o Sistema

Financeiro de forma especialmente relevante – e da multa como penas principais:

326 No ponto, cabe referir a acertada crítica de CÂMARA ao demonstrar a equivocada opção do legislador pátrio ao prever medidas subcautelares de privação da liberdade aplicáveis aos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional como forma de efetividade da jurisdição criminal econômica, evidenciadas no art. 1º, ‘o’, da Lei nº 7.960/89 (prisão temporária) e no art. 30 da Lei nº 7.492/86 (prisão preventiva calcada na ‘magnitude da lesão’). Para além da inconstitucionalidade explícita das medidas frente às garantias constitucionais, o autor esclarece com absoluta propriedade a violação clara ao princípio da proporcionalidade, à vista das características da maior parte dos delitos econômicos e dos parâmetros fixados para as penas mínimas e máximas cominadas nos tipos delitivos previstos na Lei dos Crimes contras o Sistema Financeiro Nacional. CÂMARA, Luiz Antônio. Reflexões acerca das medidas cautelares pessoais nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, in GEVAERD, Jair e TONIN, Marta Marília (coord.). Direito Empresarial e Cidadania: questões contemporâneas, p. 231-248. 327 FERRAJOLI, L., Ob. cit., p. 419-420. 328 Assim, a nosso sentir, de forma equivocada: FELDENS, L., Ob. cit., p. 180-190 329 A expressão se refere justamente aos ‘crimes de colarinho branco’ abarcados pelo Direito Penal mais recentemente. DIAS, J. de F. e ANDRADE, M. da C. Ob. cit., p. 434-441

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a semiliberdade, evidenciada na restrição do exercício do seu direito de ir e vir

sem implicar o recolhimento a estabelecimento prisional, acarretando a limitação

de se afastar da sede da comarca sem prévia autorização judicial,330

comparecimento pessoal e obrigatório a Juízo periodicamente para comprovar

suas ocupações,331 acompanhamento de suas atividades;332 a perda de bens e

valores, ainda que estejam, em certas condições, já na propriedade de terceiros,333

objetivando não só a reparação integral dos danos econômicos acaso causados,334

acrescida de correção monetária e de juros, mas, também, impedir que o

criminoso usufrua do patrimônio que tenha amealhado ao longo do tempo total ou

parcialmente também como resultado da forma de condução dos negócios;335 336e

330 Medidas análogas, que serviriam como um interessante paradigma para a adoção desta modalidade de pena, já vêm sendo admitidas reiteradamente pela jurisprudência brasileira, via das quais se impõe a proibição de o réu, no curso do processo, viajar para o exterior, ora as fixando como substitutivas de decisões judiciais que decretaram prisão preventiva, ora reafirmando o acerto de decisões de caráter cautelar que impuseram uma tal restrição no direito de ir e vir (assim: TRF 4ª R., HC 2004.04.01.036199-0/RS, 8ª Turma, Rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJU 22/09/2004; TRF 4ª R., HC 2005.04.01.023573-3/PR, 7ª Turma, Rel. Maria de Fátima Labarrere, DJU 17/08/2005). No mesmo sentido e para os mesmos fins, há diversos precedentes que determinam o depósito de passaporte em Juízo como medida acautelatória necessária e suficiente, ao invés da decretação da prisão preventiva (assim: STJ, HC 56.164-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, decisão monocrática proferida no ‘caso Maluf’, DJU 07/04/2006; TRF 4ª R., HC 2004.04.01.017015-1/PR, 7ª Turma, Rel. José Luiz Germano da Silva, DJU 09/06/2004; : TRF 4ª R., HC 2003.04.01.049119-4/PR, 7ª Turma, Rel. Tadaaqui Hirose, DJU 26/11/2003). 331 Semelhante restrição já se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico por meio do art. 89, IV, da Lei nº 9.099/95 em que, como condição para a suspensão condicional do processo, impõe-se o comparecimento mensal em Juízo, pessoal e obrigatório, do denunciado para justificar suas atividades. Ressalte-se que os incisos II e III do mesmo artigo de lei determinam restrições outras que também caracterizam o que se entende como regime de semiliberdade ora proposto como pena principal, a saber, proibição de freqüentar determinados lugares e proibição de se ausentar da comarca sem autorização judicial. 332 FERRAJOLI, L., Ob. cit., p. 420. 333 Essa tese é acolhida, com relação à medida de seqüestro de bens para ressarcimento de danos causados à Fazenda Pública em razão de conduta criminosa, conforme estipula o art. 4º do Decreto-lei nº 3.240/41. 334 VALLEJO, J. M., Ob. cit., p. 46-49; e ROXIN, C., Política Criminal y..., p. 29-33. 335 BARBOSA, Marcelo Fortes. O autor, após discorrer longamente sobre a importância desta pena para os ‘crimes de colarinho branco’, sustentando ser ela a mais adequada para estas práticas, estipula – com o que concordamos plenamente – como condições para o confisco: o locupletamento da pessoa; o empobrecimento de outra; o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; a inexistência de uma causa jurídica entre os dois eventos. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo penal na Constituição de 1988, p. 69-70. 336 Evidenciando a linha evolutiva do Direito Penal estrangeiro e nacional quanto à imposição da perda de bens como conseqüência do crime, pode-se observar o contido no art. 31 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; no art. 5º da Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Decreto nº 154/1991); no art. 3º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Decreto nº 3.678/2000); e no art. 12 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Decreto nº 5.015/04). Ainda, são inúmeros os precedentes no Brasil que admitem, atualmente, a determinação de arresto dos bens e direitos dos acusados da prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, independentemente de sua origem lícita

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a vedação para exercer cargo de administração e gerência de instituição financeira

por um certo período de tempo.337

Em verdade, vem-se observando que, gradativamente, ao longo dos últimos

anos, já no Direito brasileiro, se incrementam as medidas penais desta natureza,

para além da sua mera condição de substitutiva da privação da liberdade,

particularmente relacionadas à perda de bens e valores, como está a ocorrer com a

imposição desta como efeito secundário da sentença condenatória (artigos 46 e 48

da Lei nº 10.409/02 – crimes de tráfico de entorpecentes – e artigo 7º da Lei nº

9.613/98 – crimes de lavagem de ativos), independentemente mesmo da

comprovação da origem lícita dos bens, cabendo posteriormente ao interessado

postular no Juízo Criminal a sua restituição quando entender indevida a

decretação de perda, o que bem evidencia o movimento atual do Direito Penal em

direção ao exercício de suas funções mais ajustadas ao momento histórico que se

vive.

A questão está, agora, em se dar mais um passo rumo à adoção dessas

espécies de penas chamadas de alternativas à condição de apenamento principal,

tal como ocorre com a privação da liberdade e com a multa, o que seria de

especial relevância no caso dos crimes contra o Sistema Financeiro, como se vê.

Ou seja, seria correto que se cominassem, já no tipo fundamental, atendendo

sempre ao bem jurídico tutelado e a relevância de sua lesão ou exposição a perigo,

as penas de perda de bens e valores, de semiliberdade, de vedação imediata do

exercício de função de gerência e administração de instituição financeira por um

certo limite de tempo (advoga-se como prazos máximos os atuais limites

respectivos das penas de privação de liberdade previstos em cada tipo),

isoladamente, ou em combinação com outras destas, com a de multa ou até com a

ou ilícita, para o fim de recomposição de danos, multas e de outras obrigações devidas à Fazenda Pública. Assim: TRF 4ª R., Acr. 2003.70.00.045594-8/PR, 7ª Turma, Rel. Maria de Fátima Labarrere, DJU 21/06/2006; ACr. 2004.70.00.015248-8/PR, 7ª Turma, Rel. Néfi Cordeiro, DJU 14/06/2006; ACr. 2003.70.00.041410-7/PR, 8ª Turma, Rel. Élcio Pinheiro de Castro, DJU 14/06/2006;ACr. 2001.04.01.057892-8/PR. No mesmo sentido, há precedentes determinando a perda de bens e valores em crimes desta natureza, como efeito secundário da sentença (TRF 4ª R., ACr. 94.10.001277/RS, 7ª Turma, Rel. Vladimir Passos de Freitas, DJU 19/06/2002) e como pena substitutiva (TRF 4ª R., 1ª Turma, ACr. 94.10.001277-2/RS Rel. Amir Sarti, DJU 27/01/1999). 337 O art. 44, IV, da Lei nº 4.595/64 já a prevê como penalidade administrativa, a se aplicar quando verificada a prática de infrações graves (art. 44, §§ 4º e 5º, da mesma Lei) e o Projeto de Lei nº 3473/2000, encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados em 18/8/2000 e ainda em tramitação nesta Casa, prevê a reforma da Parte Geral do Código Penal e estabelece esta como uma das penas de restrição de direitos, na modalidade de interdição em seu artigo 47, V, mantendo, contudo, seu caráter substitutivo de pena de privação da liberdade.

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de privação de liberdade, cabendo ao juiz, no caso concreto, atendendo aos fins da

pena, eleger a pena a ser aplicada, dosando-a em seguida, sempre justificadamente

(artigo 93, IX, da Constituição Federal).338

No caso do artigo 17 da Lei nº 7.492/86 consideramos que a cominação que

melhor atenderia aos ditames da proporcionalidade seria a de vedação imediata de

exercício de função de administração e gerência pelo mesmo prazo constante no

atual tipo penal ou multa – que seria aplicável principalmente nos casos em que o

co-autor ou partícipe não ostentasse a condição prevista no art. 25 da Lei nº

7.492/86 –, acrescendo-se em um novo parágrafo que, se houvesse prejuízo

efetivo à instituição financeira em decorrência da realização das operações,

poderia o juiz aumentar a pena de um terço a um meio, impondo, ainda, a perda de

bens e valores do condenado até o montante do dano causado, acrescido de

correção monetária e juros ou a semiliberdade.

Por fim, não se trata de se entender que a chamada ‘criminalidade do

colarinho branco’ mereça tratamento privilegiado em vista das demais práticas

delitivas. Ao contrário, trata-se de, por um lado, ajustar as penas aplicáveis

justamente à natureza desses crimes e, por outro, adotar um discurso teórico de

redução da aplicação da pena privativa de liberdade como resposta criminal

principal para expressiva parcela dos crimes, nestes incluídos também a maioria

338 Em sentido radicalmente oposto – com o que, aliás, não se concorda, pelos argumentos já expostos nesta dissertação, inclusive por se entender que os princípios e fins do Direito Penal aplicáveis são os mesmos tanto para a dita ‘criminalidade tradicional’ quanto para a chamada ‘criminalidade moderna’ – está a posição de José de Faria COSTA, para quem “as penas, no campo do direito penal econômico, vivem debaixo da sigla dos três sh: sharp, short, schock. Ora, basta a enunciação de que nesse campo as penas devem ser acutilantes, curtas e chocantes para, de imediato, se perceber como se está longe de qualquer fim que classicamente (prevenção geral positiva, prevenção geral negativa, prevenção especial; ressocialização; retribuição; neo-retribuição) se possa atribuir às penas. E pergunta-se: justifica-se um tal afastamento do sentido ‘normal’ das penas? A resposta tem surgido seca, afirmativa e com argumentação fundamentada. Na verdade, aqui, está-se a lidar com agentes de infrações que não necessitam de qualquer efeito ressocializador, pois, se se quisesse ser desconstrutivista, poder-se-ia até dizer que tais agentes "sofrem" é de socialização a mais. Para além disso, nem as mais elevadas sanções pecuniárias tem qualquer efeito dessuasor, não só porque pouco desconforto provocam quando se está perante fortunas astronômicas como, em certas circunstâncias, podem ter só a conseqüência de se verem diluídas na opacidade da sua repercussão nos preços dos produtos da empresa ou empresas pertencentes ou dominadas pelo agente da infração. Daí que a pena curta de prisão, com efeito, com efeito estigmatizante, seja a que proporciona o efeito dessuasor e complexivo a que toda a pena criminal aspira. A idéia forte de que, de certa maneira, a pena de prisão é, no direito penal econômico, central pode ainda ser detectada ou percebida na imposição que resulta no artigo 5º do mencionado DL 28/84, de 20 de janeiro (legislação portuguesa). Com efeito, essa nova excepção vem, seguramente, mostrar que a intenção do legislador é a de tornar claro que a pena de prisão, mesmo que a pena curta de prisão, é o paradigma punitivo quando se está a trabalhar com o direito penal econômico”. COSTA, José de Faria. Direito Penal Econômico, Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n. 29, p. 67-68.

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daqueles que compõem o chamado Direito Penal Clássico, como os de índole

patrimonial, de astúcia (e.g. estelionato) e de falso por exemplo, mantendo-a

apenas para aqueles casos revestidos de especial gravidade, em que o

encarceramento se mostre proporcional e necessário – o que, como já se disse,

pode mesmo ocorrer no âmbito também dos delitos econômicos, a depender da

ofensa ao bem jurídico verificada, em tese, quando da cominação da pena e, em

concreto, quando de sua aplicação, como pode se admitir, por exemplo, nos casos

de grandes quebras de instituições financeiras em prejuízo efetivo de todo o

sistema financeiro e do patrimônio dos investidores, de remessas ilegais de

valores estratosféricos, normalmente de origem espúria, para o exterior, dentre

outros – sempre observada a intensidade da lesão ou exposição do bem jurídico

tutelado e a culpabilidade do agente, o que ocorre muito comumente nos crimes

que atingem a vida, a liberdade sexual, a integridade física em suas formas mais

abjetas, como por meio de tortura e, por qualquer meio, contra crianças e idosos,

dentre outros.

Em conclusão, irretocáveis as palavras de FERRAJOLI que, após afirmar

que as penas pecuniárias e demais restritivas de direitos são as mais adequadas a

figurarem como conseqüência jurídico-penal da prática de delitos contra o

patrimônio, de fraudes, falsidades, corrupção e de circulação viária, dentre outros

– e aqui se propugna a inserção da maioria dos crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional –, postulando sua elevação à categoria de penas principais, e não

meramente substitutivas, arremata dizendo:

Os tipos de penas privativas que podem se conceber como alternativa à privação da liberdade são numerosas e variadas, podendo ter por objeto singulares faculdades incluídas na liberdade pessoal ou direitos diversos e menos extensos.(...)Enfim, as penas privativas de direitos, que deverão ser previstas como penas principais para determinados delitos próprios, as quais privam ou restringem certas formas de capacidade de que o réu tenha abusado em concreto. Todas estas penas deveriam estar previstas pela lei segundo uma escala que permitisse sua graduação proporcional e sua ponderação eqüitativa conforme a gravidade dos delitos. A privação de liberdade resultaria como a sanção mais severa, reservada aos casos mais graves.339

339 FERRAJOLI, L. Ob. cit., p. 420.

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4.3 A NEOCRIMINALIZAÇÃO, A INTERVENÇÃO PENAL ECONÔMICA E A (RE)LEGITIMAÇÃO SOCIAL DO DIREITO PENAL NA PÓS-MODERNIDADE

Partindo-se da premissa de que Claus ROXIN está correto ao afirmar que,

ao menos pelos próximos cem anos, o Direito Penal continuará a existir, uma vez

que a análise retrospectiva dos últimos três mil anos da História da Humanidade

nos conduz à conclusão de que “não é possível renunciar à proteção do indivíduo

e da sociedade, e que esta proteção, caso necessário, deve ser inclusive imposta

pela força”340 e de que “nenhuma sociedade de variedade alguma pôde renunciar

alguma vez ao Direito Penal”,341 impõe-se apreciar sobre a sua possível

conformação, em vista sobretudo do seu âmbito de incidência e da ordenação de

bens jurídicos tutelados e penas aplicáveis, que revelam sua verdadeira função na

atualidade, e a sua legitimidade no atual contexto histórico.

Um primeiro ponto que merece ser abordado diz com a necessidade de

reconhecimento de que a concepção do Direito Penal e de sua função está

intimamente relacionada com o modelo de Estado que se adota em um

determinado contexto histórico e, na atualidade, a imagem do Estado Democrático

e Social de Direito é de onde derivam as funções do Direito Penal.342 Aliem-se a

isso as características específicas da pós-industrialização e da conseqüente criação

dos grandes riscos não-mensuráveis a curto prazo, cujos danos decorrentes de seu

injustificado incremento sequer são passíveis de identificação e percepção

imediata.343 Com isso, tem-se um boa base jurídico-política a partir da qual se

podem investigar os contornos que o Direito Penal deve possuir na atualidade.

No ponto, conquanto já se tenha estudado ao longo do presente trabalho a

questão envolvendo tanto um aspecto quanto outro,344 cabe afirmar,

referentemente às características do Direito Penal em um Estado Democrático e

Social de Direito, uma importante distinção que se deve fazer, conforme

Francesco PALAZZO:

340 ROXIN, C., Dogmática Penal y..., p. 442. 341 Ibid., p. 442. 342 MIR PUIG, S., Ob. Cit., p. 144-145. 343 SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem Jurídico-Penal e Engenharia Genética Humana, p. 112-126.

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(...) é a existente entre o princípio do Estado de direito (Rechtsstaatsprinzip) e o princípio do Estado social (Sozialstaatsprinzip). A influência desses princípios generalíssimos sobre o direito penal se, em certo sentido, se pode dizer mediata, enquanto tendem a incidir sobre a fisionomia do sistema, revelam os princípios de direito penal constitucional ou os valores constitucionais influentes em matéria penal, os quais, com efeito, são os primeiros a se ressentirem de uma acepção, ora em sentido Rechtsstaatsprinzip, ora em sentido Sozialstaatsprinzip. Ademais, deve-se recordar que não existe - como poderia parecer à primeira vista - uma coincidência perfeita entre o superior Rechtsstaatsprinzip e os princípios de direito penal constitucional, de um lado, e o Sozialstaatsprinzip e os valores constitucionais influentes, de outro. Existe, tão-só, uma prevalência de influência, respectivamente, do primeiro sobre os princípios de direito penal constitucional, e do segundo sobre os demais. E, inequivocamente, faz-se cristalina a prevalente matriz liberal-garantidora de princípios como os da legalidade ou da culpabilidade, tanto quanto é evidente que o Sozialstaatsprinzip faz sentir os seus efeitos sobretudo quanto ao conteúdo do direito penal.345

Em outras palavras, o aspecto social do Estado deve estar contido no

conteúdo do Direito Penal, ou seja, em quais condutas se devem criminalizar,

considerando a eleição dos bens jurídicos fundamentais a partir de uma leitura da

Constituição Federal. Por seu turno, a sua feição ‘de Direito’ diz com a forma da

incriminação e os limites a serem impostos pelo ‘jus puniendi’.

Nesse ponto, então, observada a questão pelo prisma da conformação do

Direito Penal ao seu momento histórico é que avultam as palavras de Lênio

STRECK ao asseverar que:

As baterias do Estado Democrático de Direito devem ser direcionadas preferentemente para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado. Ou seja, no Estado Democrático de Direito – instituído no art. 1º da CF/88 – devem ser combatidos os crimes que fomentam a injustiça social, o que significa afirmar que o direito penal deve ser reforçado naquilo que diz respeito aos crimes que promovem e/ou sustentam as desigualdades sociais.(...)Em outras palavras, o direito, inclusive o penal, assume novos contornos no novo modelo estabelecido pelo Estado Democrático e Social de Direito. Com efeito, enquanto no Estado Liberal o direito tinha uma função meramente ordenadora (dicotomia proibido/permitido), e no Estado Social sua função é reguladora/promovedora, no Estado Democrático (e Social) de Direito a função do direito tem um caráter transformador (o Estado Democrático de Direito estabelece uma espécie de plus normativo em relação aos estágios anteriores).346

Evidentemente, ao lado desta nova geração de bens jurídicos passíveis de

proteção penal, também seguem sendo relevantes e de criminalização necessária

aqueles de titulação individual clássica (vida, patrimônio, integridade física,

344 Ver a propósito a Seção 4 do Capítulo 1 acima. 345 PALAZZO, Francesco C., Valores Constitucionais e Direito Penal, p. 25.

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liberdade sexual, honra, dentre outros), devendo-se, como se viu anteriormente,

cominarem penas ajustadas às características de cada um, tendo em conta as

finalidades daquelas.

Por outro lado, também legitima e justifica a intervenção penal na pós-

modernidade a inarredável conclusão da necessidade de evitação de riscos que

podem comprometer, em um horizonte mais ou menos imediato, a realização

humana com todas as suas nuances. Uma tal visão do Direito Penal surgiu a partir

dos ensinamentos de BECK em sua obra Risikogesellschaft, publicada em 1986,

em que adverte para que, “na modernidade avançada, a produção social de riqueza

vem acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos”,

reconhecendo que “a autêntica pujança social do argumento do risco reside na

projeção de ameaças para o futuro”,347 assumindo o Estado uma verdadeira feição

política de prevenção contra esses riscos, inclusive evidenciada na criminalização

de condutas. Daí, pois, também o surgimento do chamado ‘Direito Penal do

Risco’, como elemento do Direito Penal Moderno, que pode ser bem visualizado

nas hipóteses de criminalização ambiental, de condutas ofensivas à genética

humana e de diversos tipos da criminalidade econômica, a partir da consideração

de que certas condutas que trazem consigo demasiado e injustificado incremento

de riscos ao bem jurídico fundamental tutelado, ainda que isoladamente incapazes

de efetivamente danificá-lo significativamente, devem ser criminalizadas, o que se

realiza, por essas razões, usualmente, mediante a utilização da técnica de tipos de

perigo abstrato ou de tipos penais em branco.

É, portanto, em vista dessas duas razões, atentando-se ao modelo de Estado

e de sociedade em que se vive, conforme demonstrado, é que se haverão de

examinar os influxos de neocriminalização envolvendo o chamado Direito Penal

Econômico – no bojo do que, como se viu largamente, se encontram os Crimes

contra o Sistema Financeiro Nacional. Afinal, como sustentam DIAS e COSTA

ANDRADE:

A história do direito penal é também a história de constantes e sucessivos movimentos de neocriminalização. Mesmo um período como o do racionalismo-iluminismo, tão celebrado pelo seu empenho descriminalizador, não deixou de conhecer o reflexo de um movimento de neocriminalização, alargando significativamente a área global do criminalmente relevante. Tal sucedeu, por

346 STRECK, L. L., As (novas) penas alternativas..., p. 124 e 126. 347 BECK, U., Ob. cit., p. 25 e 39.

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exemplo, no domínio das infracções contra o patrimônio e em homenagem, segundo a interpretação de FOUCAULT, aos interesses das novas classes possidentes em vias de afirmação. Já o período seguinte - recorde-se ainda a título exemplificativo -, sob a influência cultural do romantismo e os ensinamentos da escola histórica do direito, se caracterizaria por voltar a elevar os valores religiosos, morais, etc., à categoria de bens jurídico-penais, reconvertendo as suas violações em autênticos crimes. Isto em manifesta reação contra o direito penal do iluminismo que, sob a influência da doutrina de Feuerbach, remetera tais infrações, quando muito, para o domínio do mero ilícito de polícia.348

Adiante, concluem dizendo que “a verdade é que as transformações do

mundo em que vivemos (transformações tecnológicas, econômico-sociais,

políticas e culturais) vêm reclamando um ajustamento, vale dizer, um alargamento

do espaço coberto por este específico sistema de controle social”,349 abarcando

legitimamente, como seu viu, os delitos contra a Ordem Econômica.

Enfim, pode-se dizer que, ao lado do Direito Penal dito tradicional surge,

com força política e jurídica expressiva, o chamado Direito Penal Moderno, a

abranger outras ordens de bens jurídicos, de titularidade predominantemente

supra-individual, sem que com isso se olvidem as garantias penais e os princípios

que norteiam o Estado de Direito. Nesse sentido, vale o pertinente clamor de

William Terra de OLIVEIRA:

Que o combate às novas formas de criminalidade (especialmente a especializada e a econômica) tenha fundamento num sólido aparato dogmático, de caráter hodierno, que além de encontrar as respostas tão pungentemente reclamadas pela sociedade moderna, não contribua à flexibilização de garantias criminais, verdadeiras bases de qualquer sistema jurídico-penal.350

Essa, pois, a feição do Direito Penal no Estado Democrático de Direito, em

que se reconhece, na lição de Ingo SARLET, que:

O princípio da proporcionalidade não pode deixar de ser compreendido – para além de sua função como critério de aferição da legitimidade constitucional de medidas que restringem direitos fundamentais – na sua dupla dimensão, como proibição de excesso e de insuficiência, já que ambas as facetas guardam conexão direta com as noções de necessidade e equilíbrio. A própria sobrevivência do garantismo (e com ele, do Estado Democrático – e proporcional – de Direito) está em boa parte atrelada ao adequado manejo da noção de proporcionalidade também na esfera jurídico-penal e na capacidade de dar respostas adequadas (e, portanto, sempre afinadas com os princípios superiores da ordem constitucional) aos avanços de um

348 DIAS, J de F.; ANDRADE, M. da C., Ob. Cit., p. 434-435. 349 Ibid., p. 436. 350 OLIVEIRA, W. T. de, Ob. Cit., p. 239.

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fundamentalismo penal desagregador, do qual apenas podemos esperar a instauração do reinado da intolerância.351

Por isso que não pode prevalecer o entendimento propugnado pela Escola de

Frankfurt, que, ao postular pela recondução do Direito Penal aos delitos de

resultado, exclusivamente referentes aos bens titulados por individualidades, está,

conforme bem assevera Bernd SCHÜNEMANN, “advogando por uma negativa à

modernização do Direito Penal, negativa que necessariamente deve fracassar

quanto à finalidade deste de proteger bens jurídicos, ao ignorar as condições de

atuação da sociedade moderna”.352

Enfim, no Direito Penal da pós-modernidade, continua pleno de importância

o bem jurídico para a seleção das condutas puníveis, com a evidente interferência

da conformação social da coletividade e conseqüente delineamento constitucional

do Estado, com a observância de todos os princípios garantistas do Estado Liberal,

agora aliados àqueles do Estado Democrático. Ao lado dos crimes protetivos de

bens jurídicos fundamentais e social incumbe a tutela de novos bens jurídicos, que

são decorrência do acolhimento de imperativos éticos de solidariedade, sendo

parte da garantia das prestações públicas necessárias a uma existência em

condições de dignidade, elevando muitos dos interesses relacionados com o

intervencionismo dirigista à categoria de bens jurídicos fundamentais, donde

deriva a neocriminalização, abrangendo ilícitos em áreas como a saúde, a

segurança social e a economia.353

Acorde com este ponto de vista, Alessandro BARATTA sustenta ser

necessário recorrer:

(...) à ampliação e ao reforço da tutela penal, em áreas de interesse essencial para a vida dos indivíduos e da comunidade: a saúde, a segurança no trabalho, a integridade ecológica etc. Trata-se de dirigir os mecanismos da reação institucional para o confronto da criminalidade econômica, dos grandes desvios criminais dos órgãos e do corpo do Estado, da grande criminalidade organizada. Trata-se, ao mesmo tempo, de assegurar uma maior representação processual em favor dos interesses coletivos.354

351 SARLET, I.W., Constituição e Proporcionalidade..., p. 120. 352 SCHÜNEMANN, B., Ob. Cit., p. 33. 353 DIAS, J. de F.; ANDRADE, M. da, Ob. Cit., p. 437. 354 BARATTA, A., Ob. Cit., p. 202.

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Na correta, balanceada e proporcional abordagem penal – tanto na

criminalização, quanto na cominação e aplicação das penas e na persecução

criminal – na proteção de bens jurídicos individuais e na proteção de bens

jurídicos coletivos reside a (re)legitimação do Direito Penal, a partir do

redimensionamento das penas quantitativa (veja-se que, por exemplo, os delitos

contra o patrimônio se encontram sobrevalorados em nosso Código Penal) e

qualitativamente, podendo-se concluir que o aprisionamento de qualquer pessoa

se deve restringir ao mínimo indispensável, circunscrevendo-se àqueles cuja

convivência social seja de tal maneira prejudicial à coletividade que determine sua

segregação, incrementando-se a restrição do exercício de direitos diversos: a perda

da disponibilidade e uso de bens e valores adquiridos, direta ou indiretamente,

com o produto do delito; a cobrança de pesadas multas que ultrapassem o valor do

proveito obtido com a prática criminosa, dentre outros são possibilidades que se

sugerem, como meio de superação, para a maioria dos crimes do encarceramento

celular.

Também a legitimidade social do Direito Penal está em se redimensionar a

importância dos bens jurídicos supra-individuais na hierarquia dos bens passíveis

de proteção criminal, pois estes atingem fortemente as bases da estrutura social,

em particular o disposto no artigo 3º da Constituição Federal,355 incrementando-se

os estudos acadêmicos e a persecução penal respectiva como forma de

reafirmação dos valores constitucionais e da própria legitimação social deste ramo

do Direito.

O Direito Penal surgiu – e existe – para preservar e incrementar valores

sociais elevados, mediante a imposição de uma grave sanção àqueles que

inobservam a mensagem que subjaz ao tipo penal. Em um dado – e prolongado –

período histórico, aqueles se limitavam aos delitos titulados individualmente e a

sanção consistia na privação da liberdade. Com base nesses postulados o Poder

Público (neste incluído o Judiciário) se aparelhou e os estudiosos do Direito se

prepararam. O momento atual, porém, é outro: aos tradicionais valores sociais a

serem preservados se agregaram outros igualmente – em alguns casos, mais –

355 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

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valiosos com relação aos quais – a maioria, incluindo-se boa parte dos

tradicionalmente tutelados – a privação da liberdade não é suficiente e, sequer,

adequada e necessária para que atinja seus fins.

Um tal reconhecimento deve orientar o estudo da Ciência Penal e da

aplicação do Direito Penal. Ou assim se faz, ou nada estará reservado ao Direito

Penal no novo século e, contrariando mesmo as palavras de ROXIN, na abertura

desta última seção, estará ele fadado a ser estudado pelas gerações futuras em

livros de História, em função de sua ineficácia social, como meio de prevenção de

delitos de toda ordem, decorrente de sua crescente deslegitimação perante a

coletividade, em vista da constatação de que não alberga significativa parcela dos

interesses desta no alvorecer do novo século, de vital importância na era pós-

industrial.

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Page 119: Marcos Josegrei da Silva

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CONCLUSÃO

No Brasil, acorde com a conformação de Estado que adota, o direito ao

desenvolvimento econômico é considerado direito fundamental, evidenciando

uma opção constitucional (artigo 3º da CF/88) por um verdadeiro Estado Social e

Democrático de Direito, em que se entende o desenvolvimento como, além de

simples crescimento econômico, também como elevação do nível cultural e

mudança social. Com base nesses vetores, organiza-se a produção da riqueza e sua

distribuição, por meio da ação interventiva do Estado na Ordem Econômica. Uma

tal conclusão decorre da interpretação dos princípios da Ordem Econômica

constitucional contidos expressamente no artigo 174 da nossa Constituição

Federal, que sucedeu outros de viés assemelhado contidos nas Cartas anteriores.

Dessa matriz constitucional advêm diretamente o Direito Econômico, o

Direito Monetário e a organização do Sistema Financeiro Nacional,

condicionando o político ao jurídico, na medida em que se estipula o dever de

regulação e de adoção de políticas públicas voltadas à preservação e à

concretização dos valores constitucionais que possam levar ao desenvolvimento

da coletividade. Isso vincula a atuação política do legislador e do administrador,

no exercício de suas funções públicas, sendo determinante à criação legislativa

nessas áreas do conhecimento jurídico.

No mesmo contexto de supremacia dos valores constitucionais é que se deve

interpretar o bem jurídico como objeto de tutela penal, verdadeiro instrumento

legitimador e fundante do Direito Penal. Aquele expressa a indispensabilidade

deste ramo do Direito de proteger os valores sociais mais caros e indispensáveis à

coletividade, porquanto impõe, como resposta à violação de seus preceitos, as

sanções mais severas, dentre as quais se destaca a privação da liberdade. Os

elementos passíveis de proteção penal devem ser buscados na sociedade, por meio

da seleção de condutas específicas que a ofendem mais significativamente, e o

meio para se atingir este fim, em um Estado Democrático e Social de Direito, é a

sua correta extração dos valores constitucionais mais relevantes, observados todos

os princípios que devem, nesta mesma sociedade, reger a ação do legislador

criminal, destacando-se o da legalidade, da subsidiariedade, da mínima

intervenção.

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120

Seguindo-se essa linha de raciocínio, mostra-se perfeitamente possível e,

mais, desejável e obrigatório mesmo que o Direito Penal, em um Estado que

possui uma tal conformação, em que cabe ao Poder Público promover as

condições para que a liberdade e a igualdade sejam concretizadas, atue sobre a

Ordem Econômica, visto que a posição integrada do homem no universo

econômico, como forma de realização efetiva do direito ao desenvolvimento na

forma como já mencionada, é elevada à condição de direito fundamental,

adquirindo vital importância nesta fase da História. Reconhece-se, assim e por

essas razões, a economia como bem jurídico hábil a determinar a intervenção: o

Direito Penal Econômico.

O Direito Penal Econômico, portanto, nasce da necessidade da intervenção

do Estado no domínio econômico, cujo surgimento, na forma como hoje se

conhece, remonta ao pós Primeira Guerra Mundial, como imperativo das

carências surgidas à época e da necessidade de reordenação dos fatores

econômicos de produção e distribuição da riqueza e, paralelamente, à queda da

Bolsa de Nova Iorque ocorrida em 1929. Na mesma época, cunhou-se a expressão

‘white-collar criminality’ para designar os crimes cometidos por pessoas dos mais

altos estamentos sociais. A fusão desses elementos resultou na disseminação do

Direito Penal Econômico, também conhecido como criminalidade de ‘colarinho

branco’. Mais recentemente, redobra-se a importância desse ramo do Direito

Penal com a conclusão de que a complexidade das relações da vida moderna na

sociedade pós-industrial exige proteções até então inexistentes, impondo-se a

escolha de novas condutas dignas de sanção penal, dentre o que se destacam

aquelas que ocorrem na vida econômica. Este, na atualidade, caracteriza-se por

tutelar bens jurídicos supra-individuais, envolvendo em seu pólo ativo pessoas de

elevado estatuto social, sendo um meio para a realização dos objetivos delineados

pelo chamado Estado Democrático e Social de Direito, e abarca todos os delitos

que atentem contra a segurança e a regularidade da boa execução da política

econômica estatal.

No Brasil, sob a égide da Constituição Federal de 1967 – e também da

Emenda Constitucional nº 1 de 1969 – e da atual Constituição Federal de 1988,

incrementaram-se sobremaneira as normas de Direito Penal Econômico no Brasil,

em face sobretudo dos valores da igualdade e da solidariedade nestas

expressamente abraçados.

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121

Assim, pode-se dizer que o Direito Penal Econômico é um ramo do Direito

Penal e, em razão da natureza dos bens jurídicos que protege (direitos

fundamentais de segunda e terceira dimensões), integra o chamado Direito Penal

Administrativo, Secundário ou Extravagante, ao lado do denominado Direito

Penal de Justiça, Clássico ou Primário (direitos fundamentais de primeira

dimensão).

São crimes que integram o Direito Penal Econômico: contra a dignidade,

liberdade, segurança e higiene do trabalho; de abuso do poder econômico e contra

a livre concorrência, a economia popular e as relações de consumo; falimentares;

contra o ordenamento urbano; contra o sistema de tratamento automático de

dados; contra o sistema financeiro nacional; contra o sistema tributário; cambiais e

aduaneiros.

Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional estão previstos na Lei nº

7.492, de 16/06/1986, e decorrem da necessidade da preservação da confiança no

mercado financeiro que os investidores e o próprio Estado devem ter quanto ao

bom funcionamento das instituições que o integram. O Sistema Financeiro

Nacional foi estruturado com o advento da Lei nº 4.595/64, que instituiu o

chamado Sistema Financeiro Nacional, e na sua base estão as instituições

financeiras (bancos comerciais, demais bancos de desenvolvimento, cooperativas

de crédito, sociedades de crédito, financeiras, distribuidoras de títulos e valores

mobiliários, corretoras e sociedades de arrendamento mercantil e de crédito

mobiliário, bolsas de valores e fundos de investimentos) a quem incumbe a

responsabilidade pela intermediação entre os que poupam e os que investem.

Para os fins de incidência da Lei de Crimes do Colarinho Branco o conceito

de instituição financeira é alargado e não coincide totalmente com aquele ofertado

pela Lei nº 4.595/64, considerando-se, de acordo com o art. 1º, da Lei nº 7.492/86,

instituição financeira, para efeitos penais, a pessoa jurídica de direito público ou

privado que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou

não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros,

em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição,

negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários, sendo ainda

considerada instituição financeira por equiparação a pessoa jurídica que capte ou

administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de

poupança, ou recursos de terceiros, bem como a pessoa natural que exerça

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122

qualquer das atividades referidas no artigo de lei em questão, ainda que de

maneira eventual. Isso evidencia a preocupação do legislador em tutelar todas as

atividades que envolvam recursos financeiros de terceiros e a credibilidade do

Sistema Financeiro, como espelho da Ordem Econômica nacional.

O artigo 17 e seu parágrafo único, inciso I, da Lei nº 7.492/86 engloba um

crime pluriofensivo, doloso, próprio, de mera conduta e de perigo presumido,

constituído de tipos anormais, pela presença de elementos normativos,

justificando-se a incriminação das condutas nele descritas pela vedação da

realização das operações descritas entre as pessoas listadas no tipo e a instituição

financeira, tendo em conta a estrutura dos entes que compõem um sistema

financeiro e sua função desempenhada na coletividade, que é a de servir como

intermediário entre terceiros que tenham disponibilidade financeira e aqueles que

dela não dispõem. Assim, contraria absolutamente seus fins econômicos e sociais

a instituição que toma recursos do público e os empresta a si mesma, seus

colaboradores ou coligados, gerenciando, ademais, mau os riscos ínsitos a seu

negócio, pois, mutuando assim os recursos, não atende aos ditames da prudência

que devem reger as relações financeiras, porquanto dificilmente haverá

imparcialidade na análise da concessão de crédito por parte do empreendimento, o

que pode prejudicar todo o funcionamento do sistema.

O tipo se perfaz toda a vez que alguma das pessoas referidas no art. 25 da

Lei tomar empréstimo ou receber adiantamento de alguma das instituições

financeiras elencadas no artigo 1º da Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro

Nacional em que figure como administrador, nos termos da lei, ainda que por

interposta pessoa. Da mesma forma, ocorre quando se defere adiantamento ou

empréstimo a controlador, administrador, membro de conselho estatutário da

instituição financeira, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes,

a parentes na linha colateral até o segundo grau, consangüíneos ou afins, ou a

sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por

qualquer dessas pessoas. A consumação do crime se dá com o efetivo recebimento

do dinheiro ou da vantagem econômica, e não somente com o simples ajuste ou

acordo de vontades, admitindo-se a forma tentada, desimportando a destinação

emprestada à coisa adiantada ou mutuada, bem como se houve efetivo prejuízo à

instituição financeira. A pena prevista para o tipo em referência varia de 02 (dois)

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123

a 06 (seis) anos de reclusão, e multa. A competência para processo e julgamento

do crime será, sempre, da Justiça Federal.

São penalmente responsáveis o controlador e os administradores de

instituição financeira, assim considerados os diretores e gerentes, bem como as

pessoas a tanto equiparadas, tais como o interventor, o liquidante ou o síndico

(atualmente denominado administrador judicial), devendo-se concluir, também,

que essas mesmas pessoas mencionadas no artigo 25 da Lei são as que, atuando

em nome da instituição financeira ou na condição de instituição financeira, não

poderão, dentre outras condutas, receber empréstimos ou adiantamentos ou deferi-

los aos indivíduos listados no artigo 17 em questão, sob pena de responsabilização

penal.

Enfim, cabe esclarecer que, embora se trate na espécie de crime de mera

conduta e de perigo presumido, é indispensável a realização da necessária

confrontação do tipo em apreço com o princípio da lesividade, sendo de se

concluir que, no caso, a presunção de lesão ao bem jurídico é relativa, permitindo-

se, pois, a aplicação do princípio da insignificância, havendo, ainda, controvérsia,

justamente por se tratar de presunção juris tantum, quanto à caracterização do

delito quando a instituição financeira efetua a operação servindo-se de recursos

que lhe são próprios, e não pertençam aos investidores e estejam sob sua guarda

somente.

Esgotadas as fases de análise da economia como bem objeto de tutela do

Direito Penal, formando o ramo do Direito Penal Econômico, e do tipo objeto de

estudo, cabe perquirir sobre qual o papel que estará reservado ao Direito Penal

para as próximas gerações, a partir do estudo de sua aptidão para a tutela de novos

bens jurídicos supra-individuais ou se um tal movimento de criminalização

moderna confronta com os postulados de um direito penal liberal e, portanto, não

pode ser aceita, ao menos sem violação de toda a estruturação principiológica do

Direito Penal.

No ponto, confrontam-se duas posições diametralmente opostas. Uma,

entendendo que o Direito Penal deve ser visto como limitação à política criminal,

sendo o bem jurídico um critério negativo que impede a criminalização ilegítima,

assim entendidos os bens jurídicos supra-individuais. Outra, sustentando que, em

um Estado Democrático de Direito, tanto o Estado quanto o Direito adquirem uma

função transformadora, daí advindo a conclusão de que uma série de valores

Page 124: Marcos Josegrei da Silva

124

constitucionais coletivos necessitam de proteção penal, devendo o Direito Penal

Moderno ser concebido, além da função de limite negativo, evitando assim a

criminalização injustificada, também a partir de limite positivo, havendo

verdadeiro dever de proteção penal destes bens fundamentais coletivos.

Entende-se como legítima a criminalização econômica, por possuir esteio

constitucional, desde que observe todos os pressupostos do chamado Clássico

Direito Penal, não diferindo seus paradigmas de sustentação. Não há, pois, a

necessidade de criação de um verdadeiro ‘novo paradigma do Direito Penal’ para

se lidar com o Direito, sendo indispensável que se sigam observando os princípios

que norteiam o Direito Penal desde a Ilustração.

Como resposta penal mais adequada a uma tal espécie de criminalidade, e

em particular aos delitos previstos na Lei nº 7.492/86, tendo em consideração as

funções da pena (prevenção geral positiva e negativa, prevenção especial e

retribuição), e diante da proibição de excesso e proibição de proteção deficiente

que também deve nortear o Direito Penal, sustenta-se a imediata necessidade de

substituição do paradigma da pena privativa de liberdade como resposta estatal

principal por outras medidas mais ajustadas às funções da reprimenda penal,

acordes com a pós-modernidade e com essa espécie de delito – também em razão

da perda de fôlego demonstrada pela pena de prisão ao longo do último século

para todas as práticas criminosas – que aflige o Estado Democrático e Social de

Direito em suas bases mais relevantemente.

Assim, propõe-se a adoção, ao lado da pena privativa de liberdade e da

multa como penas principais, a semiliberdade, a perda de bens e valores, e a

vedação para exercer cargo de administração e gerência de instituição financeira

por um certo período de tempo, o que, de alguma forma, já se vem observando no

Direito brasileiro, na condição de penas substitutivas apenas, ou como efeito

secundário da condenação. Postula-se, no caso, entretanto, a adoção dessas

espécies de penas como apenamento principal, prevendo-as, já no tipo

fundamental, atendendo sempre ao bem jurídico tutelado e a relevância de sua

lesão ou exposição a perigo. No caso do artigo 17 da Lei nº 7.492/86, propugna-se

a cominação da vedação imediata de exercício de função de administração e

gerência pelo mesmo prazo constante no atual tipo penal, acrescendo-se em um

novo parágrafo que, se houvesse prejuízo efetivo à instituição financeira em

decorrência da realização das operações, poderia o juiz acrescer à pena de um

Page 125: Marcos Josegrei da Silva

125

terço a um meio, impondo, ainda, a perda de bens e valores do condenado até o

montante do dano causado, acrescido de correção monetária e juros ou a

semiliberdade.

Em conclusão, em uma mirada para o futuro do Direito Penal, pode-se dizer

que, ao lado do Direito Penal dito tradicional surge, com força política e jurídica

expressiva, o chamado Direito Penal Moderno, a abranger outras ordens de bens

jurídicos, de titularidade predominantemente supra-individual, protegendo novos

bens jurídicos decorrentes do acolhimento de imperativos éticos de solidariedade,

sendo parte da garantia das prestações públicas necessárias a uma existência em

condições de dignidade, elevando muitos dos interesses relacionados com o

intervencionismo dirigista à categoria de bens jurídicos fundamentais, donde

deriva a neocriminalização, abrangendo ilícitos em áreas como a saúde, a

segurança social e a economia.

A legitimidade social do Direito Penal está também em se redimensionar a

importância dos bens jurídicos supra-individuais na hierarquia dos bens passíveis

de proteção criminal, pois estes atingem fortemente as bases da estrutura social,

em particular o disposto no artigo 3º da Constituição Federal, incrementando-se os

estudos acadêmicos e a persecução penal respectiva como forma de reafirmação

dos valores constitucionais e da própria legitimação social deste ramo do Direito.

O Direito Penal existe para a preservação e incremento de valores sociais

elevados, mediante a imposição de uma grave sanção àqueles que inobservam a

mensagem que subjaz ao tipo penal; aos tradicionais valores sociais a serem

preservados se agregaram outros igualmente ou mais valiosos com relação aos

quais a privação da liberdade não é suficiente e, sequer, adequada e necessária

para que atinja seus fins. Essa perspectiva deve conduzir o estudo da Ciência

Penal e da aplicação do Direito Penal.

Esse é o caminho que se deve trilhar para a (re)legitimação social do Direito

Penal no novo século, reconhecendo-se a relevância de sua incidência e aplicação

tanto com referência aos bens mais caros à sociedade, de viés supra-individual,

quanto com referência àqueles titulados individualmente, cuja importância

permanece presente nessa quadra da História. Na correta e proporcional

intervenção penal em ambos reside a fonte a partir da qual se legitima socialmente

este ramo do Direito em face dos destinatários da norma, renovando-se a

confiança na sua força normativa.

Page 126: Marcos Josegrei da Silva

126

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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