maria aparecida garcia lopes rossi

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  Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi Universidade de Taubaté [email protected] A PERSPECTIVA DIALÓGICA PARA A LEITURA CRÍTI- CA DE ARTIGO DE OPINIÃO EM SALA DE AULA RESUMO A formação de um leitor profi- ciente e crítico é um dos princi- pais objetivos do ensino de lín- gua portuguesa. Para esse fim, é necessária a articulação de conceitos advindos de diversas fontes teóricas sobre leitura, linguagem, ensino e, ainda, a consideração de que os Parâ- metros Curriculares Nacionais recomendam o trabalho com leitura de gêneros discursivos no ensino de língua portugue- sa. Gênero discursivo é um conceito bakhtiniano e deve ser abordado em sala de aula de acordo com a perspectiva e- nunciativo-discursiva da lin- guagem proposta por Bakhtin (1992), da qual se destaca como característica principal o dialo- gismo. O objetivo desta pesquisa é, a partir de um corpus de 6 tex- tos do gênero discursivo jornalístico artigo de opinião, publicados em VEJA e em O Estado de S. Paulo, indicar procedimentos de leitura úteis para orientar o aluno para um nível de leitura crítica desse gênero. A análise fundamenta-se nos conceitos bakhtinianos de dialogismo e gênero discursivo, na concepção sociocognitiva de leitura e em estudos sobre o artigo de opinião. Os resultados da análise evidenciam que a leitura crítica desse gênero depende cru- cialmente de conhecimentos enciclopédicos e de atualidades, e de inferências sócio-histórico-ideológicas sobre o gênero e de suas características constitutivas. Esse é um gênero cujas relações dia- lógicas com enunciados atuais e passados estabelecem-se muito fortemente, e por isso, como conclusão, sugerem-se alguns cuida- dos para a seleção de textos a serem levados para a sala de aula a fim de que os procedimentos sugeridos orientem eficientemente o percurso de leitura do aluno que ainda apresenta poucas habili- dades desenvolvidas em sua trajetória de leitor. Palavras-chave:  Leitura, artigo de opinião, dialogismo.

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  • Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi Universidade de Taubat [email protected]

    A PERSPECTIVA DIALGICA PARA A LEITURA CRTI-CA DE ARTIGO DE OPINIO EM SALA DE AULA

    RESUMO

    A formao de um leitor profi-ciente e crtico um dos princi-pais objetivos do ensino de ln-gua portuguesa. Para esse fim, necessria a articulao de conceitos advindos de diversas fontes tericas sobre leitura, linguagem, ensino e, ainda, a considerao de que os Par-metros Curriculares Nacionais recomendam o trabalho com leitura de gneros discursivos no ensino de lngua portugue-sa. Gnero discursivo um conceito bakhtiniano e deve ser abordado em sala de aula de acordo com a perspectiva e-nunciativo-discursiva da lin-guagem proposta por Bakhtin

    (1992), da qual se destaca como caracterstica principal o dialo-gismo. O objetivo desta pesquisa , a partir de um corpus de 6 tex-tos do gnero discursivo jornalstico artigo de opinio, publicados em VEJA e em O Estado de S. Paulo, indicar procedimentos de leitura teis para orientar o aluno para um nvel de leitura crtica desse gnero. A anlise fundamenta-se nos conceitos bakhtinianos de dialogismo e gnero discursivo, na concepo sociocognitiva de leitura e em estudos sobre o artigo de opinio. Os resultados da anlise evidenciam que a leitura crtica desse gnero depende cru-cialmente de conhecimentos enciclopdicos e de atualidades, e de inferncias scio-histrico-ideolgicas sobre o gnero e de suas caractersticas constitutivas. Esse um gnero cujas relaes dia-lgicas com enunciados atuais e passados estabelecem-se muito fortemente, e por isso, como concluso, sugerem-se alguns cuida-dos para a seleo de textos a serem levados para a sala de aula a fim de que os procedimentos sugeridos orientem eficientemente o percurso de leitura do aluno que ainda apresenta poucas habili-dades desenvolvidas em sua trajetria de leitor.

    Palavras-chave: Leitura, artigo de opinio, dialogismo.

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    1. INTRODUO

    A formao de um leitor proficiente e crtico um dos principais objetivos do en-

    sino de lngua portuguesa. Pela concepo de linguagem e de ensino assumidas pelos do-

    cumentos oficiais de orientao sobre o ensino especialmente Parmetros Curriculares

    Nacionais PCN (BRASIL, 1998) e pelos resultados de pesquisas desenvolvidas no m-

    bito da Lingustica Aplicada ao ensino, um bom trabalho com leitura em sala de aula exi-

    ge a articulao de conceitos advindos de diversas fontes tericas sobre leitura e, especi-

    almente, sobre gnero discursivo, um conceito bakhtiniano e que deve ser abordado em

    sala de aula de acordo com a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem proposta

    por Bakhtin (1992), da qual se destaca como caracterstica principal o dialogismo. O obje-

    tivo desta pesquisa analisar um corpus de 6 textos do gnero discursivo jornalstico arti-

    go de opinio, publicados em VEJA e em O Estado de S. Paulo, e indicar procedimentos

    de leitura teis para orientar o aluno para um nvel de leitura crtica desse gnero.

    2. PRESSUPOSTOS TERICOS

    A fundamentao terica desta pesquisa baseia-se nos conceitos bakhtinianos de

    dialogismo e gnero discursivo, na concepo sociocognitiva de leitura e em estudos sobre

    o artigo de opinio.

    A proposta atual para o ensino de Lngua Portuguesa, de acordo com os Parme-

    tros Curriculares Nacionais PCN (BRASIL, 1998), baseia-se na concepo enunciativo-

    discursiva da linguagem, pela qual a linguagem concebida como um fenmeno scio-

    histrico, de acordo com Bakhtin (1992), no dissociado de seus falantes e de seus atos,

    das esferas sociais, dos valores ideolgicos. Os atos de linguagem se realizam por meio de

    enunciados orais e escritos, produzidos nas inmeras esferas sociais, sendo cada enuncia-

    do reconhecido e nomeado pelos falantes da lngua por suas caractersticas tpicas e cons-

    titutivas, quais sejam: aspectos scio-comunicativos (condies de produo e de circula-

    o), propsito comunicativo, temtica, elementos composicionais verbais e no-verbais,

    estilo. Cada enunciado uma realizao de um gnero discursivo, unidade real e concreta

    da comunicao humana e, portanto, toda a interao humana se d por meio desses g-

    neros.

    Um gnero discursivo escrito compe-se no apenas por elementos verbais. Em

    certas esferas de atividade humana, como a jornalstica que interessa particularmente a

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    este artigo diagramao, cores, fotos, infogrficos, tamanho das letras, elementos grfi-

    cos so constitutivos de seus gneros discursivos. Muito mais do que uma organizao

    lingustico-textual, os gneros discursivos, So formaes interativas, multimodalizadas

    e flexveis de organizao social e de produo de sentidos. (MARCUSCHI, 2006, p. 19).

    Dionsio (2005) explica que os gneros discursivos so multimodais porque so produzi-

    dos por, no mnimo dois modos de representao, como palavras, gestos e entonaes, pa-

    lavras e imagens, palavras e cores, fotos, padres de diagramao, texturas no papel, apli-

    ques.

    Com base nos trabalhos de pesquisadores da Universidade de Genebra, dentre

    os quais Dolz e Schneuwly (1996), os PCN sugerem que os gneros discursivos das diver-

    sas esferas sociais (literria, jornalstica, publicitria, comercial, de divulgao cientfica,

    entre outras) sejam tomados como objetos privilegiados no ensino de lngua portuguesa,

    visando ampla e rica abordagem das condies de produo de linguagem, situaes de

    comunicao e relaes dialgicas constitutivas dos enunciados para que o aluno amplie

    seu domnio ativo do discurso nas diversas situaes comunicativas.

    A propriedade dialgica da linguagem humana, uma de suas caractersticas mais

    marcantes de acordo com Bakhtin (1992), pode ser definida pelo conceito de dialogismo:

    todo enunciado sempre uma rplica (no necessariamente imediata) a outro enunciado.

    A palavra sempre perpassada pela palavra do outro; um enunciado uma reao-

    resposta a outros enunciados, revela sua posio em relao queles outros enunciados a

    que se contrape, no neutro traz consigo vises de mundo, emoes, juzo de valor

    mantm com outros enunciados uma interao viva e tensa, permite resposta, como co-

    mentam Fiorin (2006), Marcuschi (2006), Rodrigues (2005). Para apreender o sentindo de

    um enunciado, explica Fiorin (2006, p. 23), "[...] preciso perceber as relaes dialgicas

    que ele mantm com outros enunciados.

    Da decorre o fato de a lngua no poder ser dissociada de seus falantes e de seus

    atos, das esferas sociais, dos valores ideolgicos. Bakhtin (1992) comenta que:

    O enunciado est repleto dos ecos e lembranas de outros enunciados, aos quais est vinculado no interior de uma esfera comum da comunicao verbal. [...] refuta-os, con-firma-os, completa-os, baseia-se neles, supe-nos conhecidos e, de um modo ou de ou-tro, conta com eles. (BAKHTIN, 1992, p. 316)

    por essa caracterstica da linguagem que Fiorin (2009) afirma que o sen-

    tido no pode constituir-se seno nas relaes dialgicas; a apreenso dessas relaes do

    texto fundamental compreenso.

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    Na perspectiva bakhtiniana de gnero discursivo, destacam Faraco (2003)

    e Fiorin (2006), a produo do enunciado vincula-se s condies e coeres da situao

    de interao, da lngua, do gnero, sendo, pois, a situao social constitutiva dos gneros

    discursivos. A vinculao dos enunciados ao contexto scio-histrico-ideolgico, por meio

    da relao dialgica que cada produo de linguagem (enunciado) estabelece com outros

    enunciados, fundamental para orientar as prticas de leitura de gneros discursivos.

    A partir desses pressupostos sucintamente apresentados, assumimos que

    um dos requisitos essenciais para a leitura crtica de um exemplar de um gnero discursi-

    vo um artigo de opinio, por exemplo a percepo de suas relaes dialgicas com

    outros enunciados atuais e antigos, bem como com outros futuros que podero dela de-

    correr. Supe-se, para isso, um leitor com determinadas habilidades de leitura e conheci-

    mento das principais caractersticas constitutivas do gnero objeto da leitura. Para um

    trabalho em sala de aula de formao de um leitor mais proficiente de artigo de opinio,

    faz-se, portanto, necessria a articulao desses pressupostos com os de uma abordagem

    sociocognitiva de leitura e com conhecimentos sobre as caractersticas especficas do gne-

    ro discursivo alvo da leitura.

    Abordagens cognitivas de leitura desenvolvidas a partir dos anos 80, co-

    mo as apresentadas por Kato (1985), Kleiman (1989), Sol (1998), sugerem procedimentos

    de leitura muito eficientes como ativao de conhecimento prvio sobre o assunto antes

    da leitura, leitura global (de explorao) do texto, estabelecimento de objetivos de leitura e

    leitura detalhada apoiada em processos inferenciais. Atribuem grande importncia aos

    conhecimentos prvios do leitor mobilizados durante a leitura.

    Atualmente, a abordagem sociocognitiva de leitura, representada

    no Brasil, principalmente, por Kock e Elias (2006) e Marcuschi (2008), revisita o conceito

    de leitura de base cognitiva e o amplia porque, como explica Marcuschi (2006, p. 19), a

    lngua, a partir da perspectiva bakhtiniana, vista como atividade social, histrica e cog-

    nitiva, e os gneros discursivos Devem ser vistos na relao com as prticas sociais, os

    aspectos cognitivos, os interesses, as relaes de poder, as tecnologias, as atividades dis-

    cursivas e no interior da cultura.. A compreenso , portanto, mais do que uma atividade

    cognitiva, [...] uma atividade de seleo, reordenao, reconstruo, em que certa mar-

    gem de criatividade pemitida. (MARCUSCHI, 2008, p. 256). A compreenso uma ativi-

    dade dialgica.

    Koch e Elias (2006, p. 10-11) definem leitura como:

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    [...] uma atividade interativa altamente complexa de produo de sentidos, que se reali-za evidentemente com base nos elementos lingsticos presentes na superfcie textual e na sua forma de organizao, mas requer a mobilizao de um vasto conjunto de saberes no interior do evento comunicativo.

    Essa atividade de leitura, certamente, pressupe habilidades e criticidade do lei-

    tor, embora a abordagem sociocognitiva de leitura no defina leitura crtica. As vrias de-

    finies de leitura crtica disponveis desde os anos 80, como comenta Taglieber (2000), em

    essncia pressupem um leitor capaz de compreender o contedo proposicional de um

    texto; de avali-lo a partir de um determinado contexto scio-histrico; e de tomar deci-

    ses que afetem positivamente esse contexto e/ou sua vida. Alguns autores caracterizam

    o leitor crtico por suas atitudes e comportamentos a partir da leitura.

    As definies de leitura crtica so muito similares s de pensamento crtico, sen-

    do citadas como habilidades caractersticas de ambos, de acordo com muitos autores cita-

    dos por Taglieber (2000): reteno de julgamento at a obteno de evidncias, questio-

    namento, flexibilidade de pensamento, inferncias, processamento de informaes, anli-

    se, sntese, predies de conseqncias, reconhecimento de tendncias, avaliao de idi-

    as, elaborao de julgamento.

    3. O GNERO DISCURSIVO ARTIGO DE OPINIO

    De acordo com Martins Filho (1990) e o Manual de Estilo da Editora Abril (1992),

    o artigo de opinio um gnero discursivo da esfera jornalstica; tambm chamado de

    coluna de opinio. sempre assinado; pode apresentar foto do autor do artigo (no pa-

    dro 3x4); pode ser escrito por jornalista (certamente um profissional bem experiente no

    assunto) ou por profissionais de outras reas convidados pelo jornal ou revista (nesses ca-

    sos h sempre informaes sobre o autor, no final do artigo); pode aparecer em todos os

    cadernos versando sobre assunto pertinente ao caderno, por exemplo: economia, poltica,

    esportes. Em revistas, pode ocupar a pgina toda ou parte dela, sempre delimitada por

    um box (uma margem). A diagramao destaca, com letras maiores e eventualmente cores

    e traos, o ttulo, o nome do autor e uma frase (destacada como olho).

    Rodrigues (2005) e Lopes-Rossi (2010) comentam que os temas abordados so po-

    lmicos na sociedade, relevantes para o momento, ou fatos recentes que despertaram o-

    pinies divergentes da populao e que, na opinio dos editores do veculo de comunica-

    o, interessam aos leitores daquela publicao.

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    O autor do artigo, seja ele um jornalista que vem acompanhando a polmica ou

    um especialista no assunto, tem uma opinio formada sobre o assunto e a manifesta no ar-

    tigo de forma a tentar convencer os leitores daquele seu ponto de vista. O propsito co-

    municativo do gnero artigo de opinio colocar um assunto em discusso, mostrar um

    ponto de vista e provocar outras discusses, pois os leitores no so obrigados a concor-

    dar com aquela opinio. No entanto, para dialogar com o texto, o leitor precisa conhecer

    essas caractersticas sociocomunicativas do gnero e perceber que um determinado texto

    pode trazer um propsito implcito de promover determinada figura poltica, defender in-

    teresses poltico-partidrios, comerciais ou outros.

    Esse conhecimento sobre aspectos sociocomunicativos do gnero e outras infor-

    maes ou comentrios sobre a esfera jornalstica, como: o perfil editorial das publicaes

    que os alunos conhecem, os critrios para o convite a um determinado profissional para

    escrever um artigo de opinio para aquela publicao, a relao do pblico com os meios

    de comunicao, as relaes de poder que a mdia estabelece com o pblico-alvo, as influ-

    ncias polticas sobre os meios de comunicao, ajudam na formao do leitor proficiente

    de artigo de opinio porque ampliam seu conhecimento sobre o funcionamento da esfera

    jornalstica e porque permitem a compreenso do texto, em nvel inferncial, no que se re-

    fere ao assunto da reportagem e s escolhas discursivas do reprter.

    A organizao textual bsica do artigo de opinio a da argumentao clssica:

    introduo ao tema (opcional); posicionamento do autor (a tese que ele defende, ou seja,

    se contra determinada idia ou a favor dela, se defende determinado ponto de vista no-

    vo sobre um assunto) em geral esse posicionamento assumido aparece explcito, mas

    pode s vezes no ser apresentado claramente, cabendo ao leitor inferi-lo; argumentos a-

    presentados para sustentar esse ponto de vista; contra-argumentos possveis e refutao

    desses (opcional); concluso. Os argumentos podem ser: 1) evidncias: fatos histricos, fa-

    tos atuais, exemplos, dados estatsticos; 2) raciocnios lgicos: explicao, relaes de cau-

    sa e consequncia, reflexes ou outros; 3) argumento(s) de autoridade(s). O artigo de opi-

    nio termina com uma concluso.

    4. ANLISE DO CORPUS

    O corpus desta pesquisa constitudo dos artigos Sucesso tem frmula, de

    Claudio de Moura e Castro (VEJA, 24/02/2010); Quem descobriu o Brasil? Lula ou Ca-

    bral?, de Malson da Nbrega (VEJA, 05/05/2010); Lula, os pobres e a carga tributria,

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    de Malson da Nbrega (VEJA, 30/06/2010); A bolsa dos votos, de Gaudncio Torquato

    (O Estado de S. Paulo, 11/07/2010); Duro escapar de vizinhos, de Mauro Chaves; (O

    Estado de S. Paulo, 27/03/2010); Havana no s de Fidel, (O Estado de S. Paulo,

    28/03/2010).

    Seguindo procedimentos de leitura especficos para o gnero, estabelecidos a

    partir dos pressupostos tericos mencionados, iniciamos a anlise de cada um dos artigos

    pelo primeiro procedimento de leitura, constitudo da leitura global (rpida, de explora-

    o) dos elementos verbais e no-verbais mais destacados, como: ttulo, frase em desta-

    que (olho), foto do autor (quando h), informaes sobre o autor, data, parte do jornal ou

    da revista em que o texto se encontra.

    Destacamos que essa leitura rpida permite a compreenso do assunto abordado

    pelo artigo, em funo do ttulo, e at possvel, em muitos casos, identificar o posicio-

    namento do autor ou levantar algumas hipteses sobre ele, seja por inferncias a partir do

    ttulo e do olho, seja por conhecimento prvio sobre o autor e sua atuao na rea aborda-

    da pelo artigo. Por exemplo: Malson da Nbrega identificado como Economista, mas

    se sabemos que ele foi um colaborador do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e

    que continua alinhado com a proposta poltica do PSDB. A partir desse conhecimento

    prvio e de outros sobre o contexto scio-histrico especialmente o poltico de produ-

    o dos seus artigos, podemos inferir que ele no vai falar bem do presidente Lula nos ar-

    tigos Quem descobriu o Brasil? Lula ou Cabral? e Lula, os pobres e a carga tributria.

    De fato, lendo o artigo, confirmamos essa hiptese inicial.

    O esquema a seguir representa alguns elementos desse primeiro procedimento, a

    leitura rpida dos elementos mais destacados exemplificado com o artigo Quem desco-

    briu o Brasil? Lula ou Cabral?, de Malson da Nbrega (VEJA, 05/05/2010).

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    Esse primeiro nvel de compreenso suscita curiosidades motivadoras para a lei-

    tura detalhada, que devem ser formalizadas como objetivos de leitura, no segundo proce-

    dimento. Sabendo que a organizao do artigo de opinio segue predominantemente a es-

    trutura da argumentao clssica: ttulo, apresentao do tema, explicitao da idia (opi-

    nio) do autor a ser defendida, argumentos, refutao de contra-argumentos e concluso,

    o leitor proficiente pode sempre estabelecer como objetivos de leitura detalhada, para

    compreenso do contedo proposicional bsico do texto, as seguintes perguntas: Qual o

    assunto do texto? Ou: O assunto do texto mesmo o que imaginei pelo ttulo? Qual a

    posio assumida pelo autor (ele contra o qu ou a favor de qu?) Quais os argumentos

    que ele apresenta para sustentar sua posio?

    Nos artigos analisados, observamos que o leitor sempre encontra respostas a es-

    sas perguntas e que, alm da compreenso das proposies bsicas do texto, a leitura de-

    talhada ainda pode permitir inferncias a partir de habilidades como: comparar informa-

    es, sintetizar, distinguir fato de opinio, prever consequncias, interpretar dados, entre

    CONTEXTO SCIO-HISTRICO Aspectos sociocomunicativos (esfera jornalstica, condies de

    produo e de circulao, propsito comunicativo, temtica)

    Ttulo

    Nome do autor Foto do

    autor

    olho

    Fonte, Data

    Profisso do autor

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    outras possibilidades. H vrias informaes dessa natureza que podem ser exploradas

    por um leitor proficiente.

    O posicionamento crtico do leitor de artigo de opinio pressupe esse nvel de

    compreenso das proposies do texto e inferncias a partir delas como pr-requisito, mas

    no pode ficar apenas no nvel do assunto do texto. Julgamento e posicionamento crtico

    exigem critrios, parmetros. Confirmamos, pela anlise do corpus, que o leitor de artigo

    de opinio deve se basear em caractersticas scio-discursivas do gnero e em seus aspec-

    tos dialgicos para chegar leitura crtica, como anunciaram os textos tericos de Faraco

    (2003) e Fiorin (2006; 2009). Para refletir um pouco mais sobre o que leu e situar essa in-

    formao no contexto atual, o leitor no caso do aluno, com a ajuda do professor pode

    realizar uma leitura crtica a partir das seguintes perguntas, embora no sejam todas ne-

    cessrias em todas as leituras de um artigo:

    Por que o autor escolheu esse assunto?

    O ponto de vista do autor ficou claro? Ele apresentou argumentos convincentes?

    Que relao tem o assunto desse artigo com temas discutidos no passado ou em

    discusso atualmente na nossa sociedade? Para quem esses temas so relevantes?

    Quem na nossa sociedade poderia ter pontos de vista diferentes e divergentes

    dos do autor do artigo?

    Que contra argumentos essas pessoas teriam? (O leitor pode ser uma dessas pes-

    soas que no concordam com o ponto de vista do autor).

    Que influncias ou reaes (de concordncia ou de divergncia) esse artigo pode

    provocar nos leitores?

    A anlise do corpus desta pesquisa demonstrou que essas podem no ser as ni-

    cas perguntas possveis para a avaliao crtica do artigo, nem necessariamente todas es-

    sas precisam ser propostas para um nico artigo, mas certamente orientam o leitor num

    percurso de leitura crtica que inclui a reflexo sobre a qualidade das informaes dispo-

    nibilizadas pelo texto seu contedo proposicional e sobre o modo de atuao scio-

    discursiva que aquele exemplar do gnero discursivo realiza em nossa sociedade.

    A leitura crtica exige que o leitor identifique o dilogo que o artigo estabelece

    com outros enunciados antigos e atuais da nossa sociedade e as atitudes responsivas que

    podem assumir seus leitores. Com isso, o leitor pode situar o evento comunicativo que o

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    artigo representa no contexto scio-histrico e tomar decises sobre seu prprio posicio-

    namento diante do assunto abordado no texto lido.

    Com essas perguntas, o leitor comea a tecer a rede dialgica que o artigo que

    um enunciado estabelece com outros enunciados: ecos e lembranas, refutaes, confli-

    tos, confirmaes, complementaes, respostas variadas que projetam outros enunciados

    futuros. A anlise dos dados evidenciou que, nesse nvel de leitura, principalmente, o lei-

    tor precisa ter muitos conhecimentos enciclopdicos e de atualidades. Alguns temas so

    mais fceis, talvez por serem mais veiculados pela mdia ou mais prximos da realidade

    do grande pblico, como o tema educao, do artigo Sucesso tem frmula; outros so

    mais difceis, pois exigem conhecimentos dos fatos polticos e econmicos do passado e

    do presente, como Quem descobriu o Brasil? Lula ou Cabral?, Lula, os pobres e a carga

    tributria, A bolsa dos votos, Duro escapar de vizinhos. Outros, ainda, como Ha-

    vana no s de Fidel, exigem conhecimentos de histria, de poltica internacional, de

    economia, de conflitos globais atuais. Um artigo com essa dificuldade no seria uma leitu-

    ra adequada em aulas de Lngua Portuguesa do ensino fundamental. Para o ensino m-

    dio, seria necessrio o professor avaliar se o grau de conhecimento pressuposto encon-

    trado nos seus alunos.

    5. CONCLUSO

    Os resultados da anlise do corpus desta pesquisa, a partir de pressupostos teri-

    cos sobre leitura, concepo enunciativo-discursiva da linguagem e o conceito de gnero

    discursivo, especificamente o gnero discursivo artigo de opinio, mostram que o posi-

    cionamento crtico do leitor de artigo de opinio depende de trs nveis de leitura a lei-

    tura rpida dos elementos mais destacados; a leitura detalhada com objetivos relaciona-

    dos compreenso das proposies bsicas do texto; e a leitura crtica dependente de in-

    ferncias scio-histrico-ideolgicas, de conhecimentos enciclopdicos, de atualidades,

    das caractersticas sociocomunicativas do gnero discursivo artigo de opinio e das rela-

    es dialgicas do artigo lido com enunciados presentes, passados e futuros, determina-

    das pelo posicionamento ideolgico do meio de comunicao e de seu autor e, ainda, pelo

    suposto perfil do seu pblico-alvo.

    Tambm podemos concluir que possvel sugerir alguns procedimentos de leitu-

    ra de artigo de opinio em sala de aula, organizados por meio das perguntas citadas nesta

    pesquisa independentemente de perguntas especficas sobre o assunto de cada texto lido

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    num trabalho direcionado formao do aluno que ainda apresenta muitas lacunas de

    conhecimentos pressupostos para a leitura crtica.

    O professor deve levar em considerao o tipo de conhecimento pressuposto por

    um determinado artigo e avaliar se esse texto pode resultar em uma leitura agradvel e de

    interesse de seus alunos. Escolhidos os textos, os procedimentos de leitura sugeridos o a-

    judam a orientar eficientemente o percurso de leitura de seus alunos.

    REFERNCIAS

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