marta do nascimento silva a favela como expressão de...
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Marta do Nascimento Silva
A Favela como expressão de conflitos no
espaço urbano do Rio de Janeiro:
o exemplo da Zona Sul carioca
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia do Departamento de Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Dr. Alvaro Ferreira
Rio de Janeiro Março de 2010
Marta do Nascimento Silva
A Favela como expressão de conflitos no
espaço urbano do Rio de Janeiro:
o exemplo da Zona Sul carioca
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia do Departamento de Geografia do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Alvaro Ferreira
Orientador Departamento de Geografia – PUC-Rio
Prof . João Rua Departamento de Geografia – PUC-Rio
Prof.ª Luciana Correa do Lago Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR
Prof.ª Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC Rio
Rio de Janeiro, 31 de março de 2010
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou
parcial sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
Marta do Nascimento Silva
Graduou-se bacharel e licenciada em geografia pela UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em 2007.
Ficha Catalográfica
CDD910
Silva, Marta do Nascimento A favela como expressão de conflitos no espaço urbano do Rio de Janeiro: o exemplo da zonal sul carioca / Marta do Nascimento Silva; orientador: Alvaro Ferreira. – Rio de Janeiro: PUC Departamento de Geografia, 2010. 157 f. : il.(color.) ; 30 cm 1. Dissertação (Mestrado em Geografia)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia. Inclui referências bibliográficas 1. Geografia – Teses. 2. Reprodução do espaço urbano. 3.
Favela. 4. Luta de classes. 5. O direito à cidade. I. Ferreira,
Alvaro. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia. III. Título.
Agradecimentos Este trabalho foi fruto de grande esforço profissional e pessoal, devido a
dificuldade constante de trabalhar e estudar ao mesmo tempo, fato comum durante toda a
minha vida acadêmica. Por isso, hoje tenho a certeza de que sozinha tudo isto não seria
possível, que sem a compreensão e o apoio de familiares, amigos e professores nunca
teria concluído mais esta etapa.
Agradeço muitíssimo ao professor Alvaro Ferreira, meu orientador, que com
muita paciência, amizade e boa vontade, muito contribuiu para minha formação
acadêmica, me apresentando um “mundo” ao qual eu tinha pouco contato e com o qual
acabei me identificando muito: a dialética. Com todas as dificuldades e toda a sua
paciência, me ajudou a evoluir bastante, mesmo que ainda tenha um longo caminho pela
frente.
Ao professor João Rua, que me acompanha de longa data e sendo um dos
profissionais que mais admiro na carreira acadêmica, por estar sempre disponível e por
aceitar tão gentilmente o convite de compor a banca examinadora.
A professora Luciana Correa do Lago, pelas contribuições durante a qualificação
que muito ajudaram na organização do trabalho, pela atenção dada a pesquisa e o carinho
com o qual aceitou compor a banca.
A todos os professores do Mestrado em Geografia da PUC-Rio, Rogério, Felipe,
Ivaldo, Regina, Denise, enfim, que enriqueceram tanto esta caminhada. Aos funcionários
do departamento de Geografia, em especial à Márcia e Edna, pela dedicação e o carinho
aos alunos.
À PUC-Rio, pela oportunidade de realização deste projeto a partir de uma bolsa
de estudos integral.
Muitos familiares e amigos participaram muito de perto da elaboração da pesquisa
e não existem palavras para descrever o quanto foram importantes. Aos meus pais, que
sempre me passaram a importância dos estudos e hoje tenho a consciência do quanto isso
mudou nossas vidas. Em especial a minha mãe, que sempre deu todo o apoio e me ajudou
muito, me “liberando” de muitos afazeres...
Meu marido Marcelo, que viveu essa fase “louca” comigo, participando desde o
início de tudo, opinando e ajudando a dar o rumo a pesquisa e inclusive participando dos
trabalhos de campo. Foram muitos finais de semana perdidos com leituras e campos, e
apesar de tudo você sempre esteve ao meu lado. Existe uma razão para você estar ao meu
lado, e agradeço a Deus todos os dias por isso.
Minha irmã Fernanda, que apesar de suas ocupações, sempre esteve presente,
ajudando, participando e torcendo.
A minha sogra Luciene, que foi mais que uma amiga neste momento, foi uma
mãe. Agradeço pelo empenho, pela ajuda e pela companhia nos árduos dias de PUC.
A amiga Andrea, pessoa especial que descobri após algum tempo de contato, e
hoje vejo que sua amizade foi fundamental nesta jornada, muito tempo de estudo, muitas
conversas e longas horas de viagem, mas que com você foram mais divertidas e felizes.
Hoje vejo que a distância, o cansaço, as inúmeras leituras, tinham uma razão de
ser: o meu amadurecimento profissional e pessoal, e o tão sonhado título. Apesar de tudo,
valeu a pena passar por tudo isso, por que vocês estavam ao meu lado. Obrigada.
Resumo
Silva, Marta do Nascimento; Ferreira, Alvaro. A favela como expressão de
conflitos no espaço urbano do Rio de Janeiro: o exemplo da Zona Sul
Carioca. Rio de janeiro, 2010, 157p. Dissertação de Mestrado – Departamento de
Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este estudo é decorrente de uma inquietação a respeito de um tema bastante atual:
A favela. A existência de uma crise urbana e habitacional na atualidade traz à tona a
discussão sobre as favelas nas grandes metrópoles brasileiras, como uma das questões
mais importantes a serem discutidas no espaço urbano. Cada vez mais as favelas estão
evidenciadas na paisagem urbana, tornando-se necessário o entendimento da dinâmica
das áreas faveladas e também da sua relação com a metrópole. Temos aqui o objetivo de
mostrar a favela como a expressão de alguns conflitos no espaço urbano atual, utilizando
como exemplo a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, buscando apontar as principais
contradições que envolvem a presença das áreas faveladas em bairros voltados para
grupos sociais de alta renda na cidade. Buscamos, portanto, observar os elementos que
expressam estes conflitos e entender até que ponto esta população favelada participa do
cotidiano dos bairros em estudo, uma discussão que envolve, portanto, a questão do
direito à cidade. Entendemos que estes conflitos são também simbólicos e perpassam a
questão do estigma que envolve a favela e o favelado no Rio de Janeiro, por isso,
buscamos também exemplificar o quanto estes conflitos e contradições contribuem para
acirrar este estigma e a distância entre a favela e o bairro.
Palavras-chave Reprodução do espaço urbano; favela; cotidiano; luta de classes; o direito à cidade.
Abstract
Silva, Marta do Nascimento; Ferreira, Alvaro.. The slum as an expression of
conflict in urban areas of Rio de Janeiro: the example of South Zone Carioca.
Rio de Janeiro, 2010, 157 p. MSc. Dissertation - Departamento de Geografia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This study is due to a concern about a very current topic: the slum. The existence
of an urban and housing crisis in the news brings up the discussion on the slums in major
Brazilian cities, as one of the most important issues to be discussed in the urban space.
More and more are discussed in the slums in the urban landscape, making it necessary to
understand the dynamics of slum areas and also its relationship with the metropolis. Here
we have the objective of showing the slum as the expression of some conflicts in urban
areas, utilizing the example of the South Zone of Rio de Janeiro, pointing the main
contradictions involving the presence of the shantytowns in neighborhoods facing social
groups high income in the city. We seek, therefore, to observe the elements that express
these conflicts and to understand the extent to which this part of the slum population of
the districts daily in the study, a discussion that involves, therefore, the issue of right to
the city. We believe that these conflicts are also symbolic and run through the issue of
stigma surrounding the slum and the slum in Rio de Janeiro, so, we seek also illustrate
how these conflicts and contradictions contribute to exacerbate the stigma and the
distance between the slum and the neighborhood.
Keywords
Reproduction of the urban; slum; everyday; class struggle; the right to the city.
Sumário 1. Introdução 10
2. A produção e reprodução do espaço urbano 24
2.1 O papel do espaço: o espaço como fonte de poder social 28
2.2 Sobre a importância da forma 38
2.3 O Processo de produção e reprodução no espaço urbano 40
2.4 Apropriação e dominação no urbano: conflitos e contradições 43
2.5 A dimensão do cotidiano como categoria de análise 53
2.6 O direito à cidade 57
3. As favelas no Rio de Janeiro: origem e situação atual 60
3.1 O surgimento das favelas na paisagem carioca 61
3.2 A expansão das favelas: Subúrbio e Zona Sul 64
3.3 A Chegada do migrante 69
3.4 A favela ganha destaque no cenário carioca: A atuação do poder
público 72
4. Zona Sul: proximidade física, distância social 83
4.1 A formação das favelas na Zona Sul 85
4.1.1 A política de Remoções: a atuação do poder público na área
mais valorizada da cidade 89
4.2. As favelas na Zona Sul 97
4.3. Conflitos e contradições - A idéia de fronteira como contato: como
se dá a relação entre a cidade legal e a cidade ilegal 106
4.3.1 As áreas de contato entre o bairro e a favela 108
4.3.2 A natureza como fronteira – questão ambiental e a construção
de muros 120
4.3.3 A dinâmica da relação entre o bairro e a favela 124
4.3.4 A estigmatização do favelado: favela como locus da violência 132
4.3.5 O controle a partir da força: das incursões policiais às Unidades
de Policias Pacificadoras 134
4.3.6 A “espetacularização” da pobreza: a favela como ponto turístico 138
Considerações finais 144
Referências 148
Anexos 154
10
Introdução
Desde os primórdios do capitalismo comercial a sociedade como
um todo vivencia a existência de uma grave crise urbana, uma crise nas
formas de produção e reprodução do espaço urbano, crise esta baseada
nas questões de apropriação e dominação do espaço urbano. Esta crise
urbana ocorre em escala mundial, em sociedades ditas desenvolvidas e
principalmente nos países subdesenvolvidos. A produção e a reprodução
do espaço urbano pelo modo de produção capitalista permitem que
surjam novos aspectos da realidade urbana, ou mesmo que se evidencie
o que estava oculto. A dinâmica urbana, atualmente, exprime os conflitos
e contradições que permeiam a sociedade, principalmente o conflito entre
as classes, a luta dos diferentes atores sociais pela apropriação e
produção do espaço.
A produção do espaço nas sociedades capitalistas sempre esteve
marcada pela desigualdade nas relações sociais de produção, e é
principalmente no meio urbano, onde estão concentradas as grandes
massas populacionais, que esta desigualdade mais se evidencia
atualmente. Entendemos aqui que a sociedade urbana é marcada por
intensos conflitos que envolvem a produção do espaço, sendo este o
principal foco de nossa análise. Os conflitos que queremos salientar são
principalmente as disputas territoriais, a luta pelo espaço, baseadas nas
relações de apropriação e dominação do espaço urbano, o controle do
espaço funciona assim como um instrumento de dominação, de controle
das classes sociais mais desfavorecidas. A produção e a reprodução do
espaço são, assim, elementos fundamentais à reprodução do capital e da
sociedade como um todo, reprodução esta que se realiza no cotidiano.
Para realizar esta discussão, é necessário deixar claro o que
entendemos por cotidiano, luta de classes e reprodução do espaço, além
da questão da propriedade privada, categorias analíticas que vão nortear
a pesquisa. Estas categorias de análise foram escolhidas pela relevância
11
no que tange ao objeto de estudo que pretendemos desenvolver aqui,
buscando analisar os conflitos e contradições existentes na organização e
distribuição das classes sociais no espaço urbano, na luta pela
reprodução do espaço que envolve as diferentes classes sociais nas
grandes cidades. A segregação, a partir da propriedade privada, a
constituição de espaços periféricos e pobres permite a reprodução das
relações de produção e das relações de classes (exploração), conforme
nos aponta Lefebvre (1994).
A atual tendência de internacionalização do capital e a evolução
técnica do capitalismo têm contribuído para gerar uma grande massa de
pobres urbanos, principalmente nos países periféricos. Os impactos desta
nova dinâmica do capital vão gerar um processo de favelização e de
pauperização cada vez mais acentuado, principalmente em cidades dos
países periféricos onde a questão habitacional não é levada como
prioridade. Apontar o impacto das transformações do capitalismo e os
conflitos que este impacto evidencia torna-se cada vez mais necessário
para o entendimento das questões urbanas.
A Geografia pode contribuir para um melhor entendimento da
discussão que envolve a análise da realidade urbana, e acreditamos que
a busca do entendimento das disputas territoriais e dos conflitos que
envolvem a apropriação no espaço urbano de uma grande cidade pode
contribuir para novas discussões sobre a dinâmica urbana. Para isto,
pretendemos realizar a análise da dinâmica urbana de uma grande cidade
brasileira, a cidade do Rio de Janeiro, e tendo como recorte espacial uma
área da cidade que apresenta grande valorização imobiliária, mas que
possui também grande número de favelas, a Zona Sul, na área litorânea
da cidade.
Partindo das idéias de Henri Lefebvre e David Harvey, dentre
outros, e baseados no materialismo histórico dialético, pretendemos
analisar a cidade do Rio de Janeiro a partir de certos conflitos que se
expressam no seu espaço urbano. Buscamos apontar que a presença de
favelas no Rio de Janeiro, especificamente nos bairros da Zona Sul da
cidade, se configura atualmente como expressão de importantes conflitos
e contradições no espaço urbano, entendendo aqui que as favelas não
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representam os únicos conflitos do espaço urbano, mas sim um dos mais
importantes, dentro de um contexto maior de um movimento de
valorização do solo urbano e da inexistência de políticas de habitação
realmente eficazes.
Entendemos o urbano como expressão da realidade, e a partir das
formas concretas do real, buscamos compreender os aspectos e
elementos contraditórios da realidade urbana. O materialismo dialético
nos fornece uma base material para a realização desta análise; partindo
das formas presentes no urbano, entendemos que as formas concretas
do real contribuem para corroborar as contradições e os conflitos da
sociedade atual, mas é fundamental também levar em consideração o
simbólico, o imaginário que estas formas representam. A análise,
portanto, está voltada para o empírico que está em foco em nossa
pesquisa, a Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, mas entendendo que
esse local, assim como as favelas ali inseridas, fazem parte de uma lógica
maior, a lógica da reprodução do capital. Não são, portanto, organismos
isolados, separados, e sim parte de um sistema que gera intensos
conflitos e contradições que se expressam no espaço. A lógica espacial é
a mesma na favela e fora dela, e a presença das favelas no espaço
urbano está ligada a essa lógica.
A cidade do Rio de Janeiro é marcada pelo grande número de
favelas existente em seu território. Desde o início da formação da cidade,
as classes sociais de menor poder econômico procuraram ocupar áreas
não utilizadas ou desprezadas pelo capital imobiliário, primeiramente
ocupando áreas de encostas próximas às áreas centrais, depois se
dispersando para as áreas periféricas da cidade. É importante aqui
entender a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, principalmente
dando enfoque ao movimento das classes sociais menos favorecidas no
espaço urbano. A cidade do Rio de Janeiro, como capital do Império e da
República, foi marcada pela presença de classes sociais antagônicas,
sempre tendo passado por problemas envolvendo a questão habitacional.
Já no século XIX, a cidade não oferecia moradias disponíveis suficientes
para a sua população pobre, tendo esta que residir em cortiços e
moradias afins, muitas vezes em situações insalubres e é a partir da
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política de demolição dos cortiços na área central da cidade que
iniciaremos a análise proposta.
A Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro é basicamente formada
por bairros tradicionalmente voltados para as classes mais abastadas, e
se diferencia bastante do restante da cidade pela qualidade da infra-
estrutura que oferece (econômica, política, cultural e de serviços), e pelo
cotidiano que essa estrutura possibilita.
Entendemos aqui a favela como uma das questões do urbano, uma
questão relativa à lógica da desigualdade e da segregação. A
revalorização do solo urbano fez aumentar ainda mais esta lógica,
aumentando o número de pessoas que vivem em favelas na atualidade.
Na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, com todo o simbolismo que
este local emana, o solo é visto como uma mercadoria bastante
valorizada, o espaço é consumido, assim como as amenidades1
presentes no local. A Zona Sul, além de toda a beleza natural, é a área
que recebe maior atenção por parte do poder público.
Temos como objetivo central, portanto, analisar os conflitos e
contradições que se expressam no espaço urbano da cidade do Rio de
Janeiro, mais especificamente em se tratando da presença de favelas nos
bairros da Zona Sul.
As questões que se colocam como fundamentais para o
entendimento desta dinâmica são:
a) Quais são os elementos que expressam a intenção dos atores
sociais dominantes em manter a lógica segregadora da/na Zona
Sul da cidade do Rio de Janeiro?
b) Como é a relação nas áreas onde as classes sociais se
misturam, na zona de fronteira entre o bairro e a favela?
1 “Entendemos por amenidades urbanas um conjunto de características específicas de uma
localidade com contribuição positiva ou negativa para a satisfação dos indivíduos. As amenidades
não estão restritas a características naturais, como áreas verdes, praias, clima etc. Também estão
incluídos na definição os bens (ou males) gerados pelo próprio homem, tais como trânsito,
poluição, oferta de entretenimento, segurança etc.” (HERMAN E HADDAD, 2005). Bartik (1996,
p 271), também contribui para esta discussão, afirmando que, quando as pessoas escolhem os
lugares que vão viver ou trabalhar, estão consumindo amenidades.
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c) Como nossa análise se baseia na categoria do cotidiano, até
que ponto essa população que habita as favelas da zona sul
participa do cotidiano dos bairros, do direito à cidade?
Para responder a estes questionamentos e atingir o objetivo aqui
proposto de apontar as favelas da Zona Sul como exemplo de expressão
dos conflitos entre as classes no espaço urbano, pretendemos discutir a
questão do direito à cidade, entendendo aqui este direito como o direito à
vida urbana e tudo que este cotidiano possibilita: acessibilidade, infra-
estrutura, lazer, etc. O direito à cidade também envolve o direito à
apropriação do espaço de moradia, apropriação no sentido de produzir
seu próprio espaço, de construção do espaço de acordo com as
necessidades dos atores sociais ali presentes (LEFEBVRE, 1991, p. 104).
Acreditamos estar na falta do direito à cidade, imposta aos moradores de
favelas, a disputa territorial que envolve a apropriação do espaço na Zona
Sul do Rio de Janeiro.
Para operacionalizar essa leitura da realidade urbana e o
entendimento dos diferentes conflitos que envolvem a presença das
favelas na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro foram feitos
levantamentos de alguns dados para análise das condições de vida da
população desta área, tendo como fontes principais o IPP2 e o IBGE3,
além de um levantamento das bibliografias mais relevantes no processo
de construção teórica do objeto de estudo.
Diferentes autores nortearão a discussão sobre o espaço aqui
proposta. Dentro da perspectiva do materialismo histórico dialético, Henri
Lefebvre nos guiará na discussão do espaço como um instrumento
político, como produto social e também como uma dimensão influente nas
relações sociais. O autor analisa a cidade e o urbano buscando elucidar
as contradições existentes no espaço urbano, a reprodução do espaço
urbano como elemento que permite a reprodução da sociedade e da 2 O Instituto Pereira Passos é um órgão da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,
vinculado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento, responsável, entre outras coisas, pela
produção de informações estatísticas, geográficas e cartográficas da Cidade do Rio de Janeiro.
3 Os dados utilizados foram relativos ao CENSO 2000.
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manutenção das contradições atuais e o direito à cidade. Cabe aqui
ressaltar a importância da dimensão espacial no trabalho desse filósofo,
que coloca o espaço como tendo um papel ativo na sociedade. Na obra
de Lefebvre, o espaço deixa de ser visto somente como receptáculo e
ganha destaque, assim como a vida cotidiana. David Harvey também
analisa a cidade e o espaço apontando as contradições no espaço urbano
e contribui para este estudo com discussões sobre as relações de poder
no espaço e a justiça social. Buscamos em Milton Santos a discussão
sobre o espaço e sobre as formas-conteúdo, sobre a intencionalidade nas
ações e na reprodução do espaço. Ana Fani Alessandri Carlos também
nos traz uma importante discussão sobre a produção e a reprodução do
espaço urbano, entendendo o espaço como um produto social, como
produto não só da reprodução do capital, mas também, e principalmente,
dos conflitos e contradições entre as necessidades do capital e as
necessidades da sociedade como um todo. Edward Soja discute a
abordagem marxista nos estudos sobre política e espacialidade, nos
apresentando possíveis categorias analíticas de estudo.
A bibliografia sobre a favela é muito extensa. Diversos autores têm
as favelas como objeto de estudo e muitos na cidade do Rio de Janeiro,
dentre eles Mike Davis, que discute o processo de favelização do terceiro
mundo e aponta como causas a atuação do capital global; Maurício de
Almeida Abreu, que discute toda a evolução da cidade do Rio de Janeiro,
apresentando o processo histórico que deu forma e conteúdo ao espaço
urbano da cidade e o processo de formação das principais favelas na
Zona Sul Carioca; e Lícia do Prado Valladares, que discute o processo de
remoção de favelas na cidade do Rio de Janeiro e questões de identidade
e estigmatização do favelado.
Após levantamento bibliográfico, foram realizados diferentes
trabalhos de campo pelos bairros da Zona Sul da cidade do Rio de
Janeiro, com o objetivo de aproximar-nos da realidade e do cotidiano das
pessoas que vivenciam os bairros e as favelas da região. Foram visitadas
três favelas da Zona Sul, escolhidas pelas suas características
diferenciadas: a favela Santa Marta, a favela com as piores condições de
vida na Zona e que passa recentemente por uma ocupação policial; a
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favela Chácara do Céu, favela relativamente pequena e bastante isolada
no costão do morro Dois Irmãos; a favela da Rocinha, uma das maiores
favelas da América Latina e com importante dinâmica social e econômica.
Foram visitados também dois bairros, principalmente as áreas próximas
aos acessos de favela, o bairro do Flamengo e do Leme, onde foi possível
observar a dinâmica das áreas de contato entre os bairros e as favelas,
alem de conversar com moradores a respeito destas áreas de contato.
Como segunda etapa, realizamos alguns questionários abertos
para os atores envolvidos nesta dinâmica, moradores de bairros e favelas,
presidentes de associações de moradores de bairros e favelas, com
intuito de ouvir o que todos têm a dizer sobre seus problemas e suas
necessidades. Os trabalhos de campo e as entrevistas nos permitiram, de
forma bastante ampla, uma aproximação do cotidiano dos bairros em
análise.
Qualquer discussão da dinâmica urbana que envolva a questão
das áreas faveladas tem sempre muitas considerações importantes. Uma
delas é a dificuldade de se encontrar uma única definição oficial de favela
e das áreas faveladas, existindo várias definições de órgão oficiais. Para
definir as favelas que estarão presentes na pesquisa, utilizaremos a
delimitação das áreas feitas pelo IPP (Instituto Pereira Passos), sobre a
qual pretendemos construir um mapeamento das áreas faveladas. A
dificuldade de se obter dados oficiais realmente corretos é grande quando
se trata de favelas, além da grande divergência entre os dados oficiais,
que ocorre devido à diferença entre as metodologias utilizadas por
diferentes órgãos, como o IBGE e o IPP, que gera dados divergentes.
Outra consideração importante é a polêmica em torno da utilização
do termo favela, ao invés do termo “comunidade”. Comunidade ou
comunidade carente nos passa a idéia de uma interação do grupo com o
seu entorno, da identidade social de um grupo que vive em harmonia com
o seu espaço, que não cabe ser discutida aqui, pois o termo comunidade
tem um sentido muito amplo4. Neste estudo, utilizaremos sempre o termo
4 Sobre o conceito de comunidade D’Avila Neto (2004) , citando Simmel (1909) afirma
que “A concepção de comunidade, cujos laços de solidariedade, engendramento de iguais e
fraternos poderiam ser os elementos de nossa nostalgia de uma unidade perdida, tornar-se-ia o
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favela e áreas faveladas, é não é nossa preocupação explicitar
exatamente o que ele significa. O termo favela, para nós, representa o
espaço de uma população que vive sob determinadas formas de
habitação e determinadas considerações simbólicas e culturais,
antagônicas e complementares a classes sociais mais abastadas.
As características das favelas da área estudada também devem
ser levadas em consideração, principalmente quanto a heterogeneidade
das áreas estudadas. Ao mesmo tempo em que é na Zona Sul que se
encontra uma das maiores favelas da América Latina, a Rocinha, muitas
favelas são bem pequenas e antigas na área. Os movimentos sociais e a
representação política destas populações também serão levados em
consideração nas favelas da Zona Sul, principalmente em relação às
favelas maiores, sendo um aspecto muito importante na discussão
proposta. A questão ambiental também será considerada, visto a
existência de uma política de controle de favelas que serve a uma opinião
pública que cobra ações governamentais de remoção de populações
faveladas, uma política baseada na proteção de áreas florestais e no
controle de mananciais.
O desenvolvimento da sociedade como um todo só pode ser
concebido pela realização da sociedade urbana. Acreditamos que a
cidade deveria reunir os interesses de todos aqueles que a habitam e não
apenas refletir conflitos e contradições entre os atores sociais. Esperamos
que a análise desses conflitos possa servir para a tentativa da criação de
um espaço urbano mais justo, que garanta a todos o direito à cidade.
Neste sentido, concordamos com Harvey (1980, p. 125) quando afirma
que a Geografia pode contribuir na orientação do pensamento “para
formular conceitos e categorias, teorias e argumentos que possamos
aplicar a tarefa de possibilitar a mudança social humanizadora”, e não de
forma abstrata, mas de forma a buscar no real, na prática, “com respeito a
eventos e ações, tais como eles se desdobram em torno de nós”. oposto de uma sociedade fragmentada , perdida a unidade e desfeitos os laços”. Entendemos que a
utilização do eufemismo Comunidade para designar as favelas seria uma tentativa de caracterizar o
grupo que vive neste local diferenciando-o dos que não vivem lá, além de quebrar certos
estereótipos de que a favela seria o lugar da Malandragem e da violência, um mecanismo de defesa
da própria comunidade.
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Esperamos que a análise nos permita contribuir ainda para a busca
de uma nova visão da favela, livre de estigmas e integrada no contexto da
cidade, como o local escolhido como moradia do trabalhador pobre
urbano, e não como o local preferencial da violência e da marginalidade.
Para tentar acabar com este estigma, a busca pelos conflitos e
contradições pode contribuir, pois tentaremos mostrar aqui o quanto o
imaginário social pode contribuir para aumentar a desigualdade e a
distância social. Acreditamos também que acabar com o estigma
permitiria também ampliar a luta pelo direito à cidade.
A questão de uma definição metodológica para uma teoria
geográfica do urbano se coloca desde muito tempo. Muitos termos e
conceitos utilizados pela Geografia vêm de outras áreas do
conhecimento, principalmente da sociologia urbana. Mesmo assim, a
geografia urbana, avançou bastante nas últimas décadas, principalmente
com a introdução do método dialético.
A importância deste método para a Geografia consiste na prática
de não isolar o objeto considerado, no caso os fenômenos do urbano,
investigando as suas ligações, as suas relações constantes com outros
fenômenos (LEFEBVRE, 1974, p. 27). A importância da análise dialética
também está no fato de não realizar uma leitura fechada da realidade,
observando o fenômeno de forma isolada, mas observando a lógica da
reprodução do capital. A realidade contemporânea apresenta enormes
desafios para sua análise, desafios estes que precisamos superar, e
acreditamos que a análise dialética fornece importantes ferramentas para
o entendimento da realidade atual.
Karl Marx e Friedrich Engels nos fornecem a mais importante
contribuição deste método, sendo os primeiros efetivamente a pensar o
materialismo histórico dialético, partindo de idéias baseadas no
materialismo de Feuerbach e na dialética de Hegel. Para estes autores a
base de qualquer estudo deve ser a base material, a forma pela qual o
homem produz seus meios de existência, realizando uma crítica à filosofia
alemã, desvinculada da realidade.
19
As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua própria ação. Essas bases são pois verificáveis por via puramente empírica (MARX E ENGELS, 1932, p. 10).
Para os autores, a historiografia deve levar em consideração as
bases naturais e de sua transformação pela ação do homem (MARX E
ENGELS, 1932, p. 10). Entendem que o homem representa na verdade
“um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de
gerações”, visto que cada geração predecessora é também produtora do
seu espaço, já que modifica as relações de produção de acordo com a
modificação de suas necessidades (MARX E ENGELS, 1932, p. 43).
Quanto a produção simbólica, Marx e Engels acreditam que está
bastante ligada a produção da vida material, que as idéias e a consciência
do homem são subordinadas à produção material e às relações de
produção. Segundo eles, a “produção das idéias, das representações e
da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade
material e ao comércio material dos homens; ela é a linguagem da vida
real” (MARX E ENGELS, 1932, p. 18). Para entender a realidade do
homem, portanto, acreditam que devemos partir da vida real, da produção
material, passando também pela produção simbólica advinda da
materialidade existente. A vida material, a evolução da história material do
homem é marcada pelas relações de produção capitalistas, baseadas na
divisão do trabalho e na propriedade privada, e, portanto, a realidade está
marcada por intensos conflitos e contradições entre as diferentes classes.
Para Gurvich (apud QUEIROZ, 1978), observar os conflitos, buscá-
los no interior de fenômenos, mesmo aqueles que pareçam mais
equilibrados e em harmonia, é tarefa fundamental da dialética, sendo esta
o principal método de estudo deste autor para entender a realidade social.
A dialética serve como base, como um instrumento fundamental para
qualquer análise social, não sendo simplesmente a explicação. A
explicação estaria na história, na evolução histórica da sociedade e nos
20
fenômenos intrínsecos a ela. Os fenômenos sociais estão sempre
apresentando contradições e conflitos,
a realidade socioeconômica, cultural e política é de diversidade infinita, com multiplicidade de aspectos que não podem nunca se harmonizar totalmente entre si, - pluridimensionalidade que, devido às suas próprias características, nem estaciona e nem se equilibra (GURVICH apud QUEIROZ, 1978, p.35).
Para Lefebvre (1974, p.26), o método dialético busca analisar uma
realidade objetiva, concreta, buscando entender as contradições que
estão presentes nessa realidade. Este autor afirma ainda que “após ter
distinguido os aspectos ou elementos contraditórios, sem negligenciar as
suas ligações, sem esquecer que se trata de uma realidade, Marx
reencontra-a na sua unidade, isto é, no conjunto de seu movimento”.
A dialética dá ênfase à pesquisa (investigação), seguida da
explanação. Portanto, fica clara a necessidade de análises empíricas para
se chegar às contradições e aos conflitos que sustentam a realidade
social, econômica e política atuais. É necessário ainda ter em mente a
importância de se chegar ao movimento da sociedade, das relações que
sustentam a sociedade urbana capitalista, conforme nos aponta Lefebvre
(1987, p. 238),
o método dialético busca captar a ligação, a unidade, o movimento que engendra os contraditórios, que os opõe, que faz com que se choquem, que os quebra ou os supera. Assim, no mundo moderno, o exame e a análise mostram que as condições econômicas – a própria estrutura das forças produtivas industriais – criam as contradições entre os grupos concorrentes, classes antagonistas, nações imperialistas. Portanto, convém estudar esse movimento, essa estrutura, suas exigências, com o objetivo de tentar resolver estas contradições.
As proposições feitas até aqui exemplificam um método de estudo
que nos serve aqui como a ferramenta de análise mais apropriada para o
entendimento da realidade urbana que pretendemos observar. A análise
da produção do espaço urbano a partir do método dialético, segundo
21
Carlos (1994, p. 14) não é uma transposição de categorias marxistas para
a geografia, mas de sua superação, criando novas categorias de análise
propriamente geográficas. Para isto, torna-se importante “repensar a
geografia e a sua capacidade de analisar os fenômenos que se propõe.
Trata-se, em princípio, de entender a relação homem-natureza num outro
patamar, o que significa repensar o lugar do homem dentro da geografia e
o significado do espaço” (CARLOS, 1994, p.14).
A análise urbana marxista, via análise dialética, vem buscando
alternativas que busquem entender os fenômenos sociais em sua
totalidade. As abordagens marxistas mais comuns, o marxismo ortodoxo e
o estruturalismo, não forneceram as respostas que se esperavam diante
de toda a complexidade dos fenômenos urbanos. Desde a década de 50,
surgem autores que visam inserir uma perspectiva humanista nas leis
inexoráveis do marxismo.
A perspectiva humanista, segundo Gottdiener (1997, p. 116), busca
se estender “desde o nível de estruturas abstratas, como a economia e a
política, ao nível individual, comportamental da vida cotidiana alienada”. O
que se busca, na verdade é a inserção da dimensão subjetiva, do sujeito
individual, nas análises urbanas. Para estes autores, o entendimento do
espaço urbano em sua totalidade deve abarcar, sem sobrepor, o material
e o imaterial, o objetivo e o subjetivo, o sujeito, o objeto e as
representações.
A utilização do método dialético também enfatiza principalmente a
busca pela totalidade sem o afastamento do cotidiano, o olhar para os
conflitos sem se fixar neles, entendendo que eles fazem parte de um todo.
Entendemos aqui a favela como um dos conflitos do urbano, mas não o
único, o urbano é muito mais que isso. Conforme aponta Lefebvre (2008,
p. 54) “a totalidade não está presente imediatamente nesse texto escrito,
a Cidade. Há outros níveis de realidade que não transparecem (não são
transparentes) por definição”. Entendemos também que a pobreza urbana
não está só na favela, está muitas vezes dispersa por várias áreas da
cidade, e somente o olhar para as especificidades dos lugares nos
revelam aquilo que está escondido, fora dos padrões.
22
Baseados nestas afirmações, estamos propondo aqui uma visão da
cidade como símbolo da lógica atual, de contradições que se mostram na
organização espacial das cidades. Na maioria das cidades, as
contradições e os conflitos são evidentes e ficam ainda mais claros
quando analisamos as formas espaciais e a organização do espaço
urbano, onde se observa a segregação de grupos sociais, a presença de
favelas, a distribuição irregular de equipamentos de infra-estrutura
urbana, de serviços e lazer.
Além das contradições que se evidenciam nas formas e na
organização espacial, é importante considerarmos o papel da questão
simbólica presente nas formas, o caráter subjetivo do espaço urbano, que
também influencia na própria formação da sociedade urbana, já que a
forma está imbricada de simbolismo. Para discutir esta visão da cidade
como símbolo de uma lógica atual, que expressa toda a contradição
presente na sociedade, é importante também entender o papel do espaço
na reprodução da sociedade.
Nossa pesquisa está estruturada em três capítulos além deste
introdutório e das considerações finais. No primeiro capítulo, intitulado a
produção e reprodução do espaço urbano, buscamos realizar uma análise
do papel do espaço na reprodução da sociedade, pensando em como a
produção do espaço pode contribuir para a manutenção de uma
sociedade desigual e segregadora. Realizamos um debate teórico sobre a
reprodução do espaço pela sociedade capitalista, mas sem nos afastar da
realidade da sociedade e do objeto de estudo.
No capítulo dois, intitulado as favelas do Rio de Janeiro: origem e
situação atual, realizamos um pequeno histórico sobre a origem e a
formação das favelas na cidade do Rio de Janeiro, assim como trazemos
dados oficiais sobre a situação atual do favelado na cidade. A intenção
aqui é situar a favela atual da Zona Sul no contesto de formação da
cidade, buscando justificativas do porquê da situação atual das favelas
permanecer pouco modificada em relação ao surgimento das favelas.
No capítulo três, intitulado, Zona Sul: proximidade física, distância
social, discutimos especificamente as contradições e conflitos gerados
pela presença de favelas na Zona Sul, como a chegada da favela na Zona
23
Sul, entendida já como um conflito, assim como o período de remoções
de favelas concentradas nesta área da cidade. Discutimos ainda as áreas
de contato entre os bairros e as favelas, a estigmatização do favelado e a
espetacularização da pobreza. Todos esse elementos apontam para a
existência de conflitos e contradições na relação entre a favela e os
bairros onde estão inseridos.
24
2. A produção e reprodução do espaço urbano
Enseada de Botafogo, Rio de Janeiro - 2009
25
A análise que nos propomos aqui é a da produção e reprodução do
espaço dentro da perspectiva do materialismo histórico dialético,
buscando entender de que forma o espaço é produzido pela sociedade
urbana, partindo da concepção de que o espaço é produzido a partir de
relações sociais de produção marcadas pela atuação dos atores sociais.
Para isto, realizamos uma análise baseados no espaço urbano da cidade
do Rio de Janeiro, aproximando toda a discussão teórica da realidade
empírica observada. Entendemos aqui que é necessária esta construção
do pensamento de forma bastante reflexiva, buscando na teoria a análise
mais completa da realidade contemporânea, mas em nenhum momento
descolada da prática e da totalidade.
Para isto, utilizaremos como base as discussões de Henri Lefebvre,
David Harvey, Karl Marx e outros autores que discutem o urbano a partir
da visão dialética. Estes autores nortearão toda a pesquisa aqui
desenvolvida e fornecerão nossas bases teóricas pelas quais guiaremos o
nosso olhar para a realidade urbana da cidade do Rio de Janeiro.
O urbano, segundo Carlos (1994, p. 14), é entendido como
condição geral de realização do processo de reprodução do capital, além
de produto desse processo. O urbano, portanto, é visto aqui,
principalmente, como “produto de contradições emergentes do conflito
entre as necessidades da reprodução do capital e as necessidades da
sociedade como um todo”. A cidade do Rio de Janeiro, e especificamente
a Zona Sul da cidade, refletem bem esta realidade, um urbano marcado
pela contradição, pela intensa desigualdade e segregação, tendo como
expressão máxima a presença de áreas de favelas nos bairros em
estudo.
É importante aqui ressaltar que a presença de favelas nos bairros
voltados para classes média e média-alta não se configura como a única
expressão de conflitos de interesses entre o capital e o social nesta área
da cidade1, mas que colocamos as favelas aqui em evidencia como foco
1 Como exemplo podemos citar a questão da proteção ao patrimônio cultural e histórico
do Rio de Janeiro, no que se refere a documentos, obras e locais de valor histórico, artístico e
arqueológico, o que tem causado muitas discussões entre os interesses da população e os interesses
do Estado. Bairros tradicionais da Zona Sul têm passado pelo processo de tombamento de imóveis
particulares, como Flamengo, Botafogo, Catete, Glória, entre outros.
26
da pesquisa. A paisagem da Zona Sul fica muito marcada por estas
desigualdades, e a favela se torna um símbolo destas na paisagem
urbana dos bairros da Zona Sul.
Foto 01 – Favela Pavão-Pavãozinho
Foto: Marta do Nascimento, novembro de 2009.
Vista da Avenida Atlântica, esquina da Rua Almirante Gonçalves. Destaque para a presença da favela Pavão-
Pavãozinho na encosta do morro, paisagem que pode ser vista da Praia de Copacabana e da Avenida Atlântica, principal
avenida do bairro de Copacabana, onde se localizam hotéis e restaurantes de luxo.
O espaço urbano do capitalismo, portanto, reflete uma contradição
fundamental, que se expõe claramente na forma urbana: o conflito de
interesses entre o capital e o social. Salientamos aqui que o espaço
geográfico, é visto como produto de relações baseadas na divisão do
27
trabalho, ou seja, na produção material do homem, na forma como o
homem busca na natureza os seus meios de existência (MARX, ENGELS,
1932, p. 11). Ocorre, portanto, em um determinado momento histórico,
fundamentado na acumulação técnico-cultural e em uma relação dialética
entre o velho e o novo, sendo este um processo de produção e
reprodução. Carlos (1994, p. 34) entende que
na discussão do espaço como produto social e histórico se faz necessário articular dois processos: o de produção e o de reprodução. Enquanto o primeiro se refere ao processo específico, o segundo considera a acumulação do capital através de sua reprodução, permitindo apreender a divisão do trabalho em seu movimento. A perspectiva da reprodução coloca a possibilidade de compreensão do geral.
A morfologia urbana da cidade do Rio de Janeiro é marcada por
essa contradição entre os interesses do capital e os interesses sociais.
Uma cidade que foi durante muito tempo o mais importante foco político
do país e onde todas as intervenções urbanas que ocorreram foram
voltadas para atender a grupos sociais abastados, não ocorrendo políticas
habitacionais eficazes para atender a demanda da população pobre e a
população que chegava à cidade. Esta falta de preocupação com a
questão habitacional deixa marcado na morfologia urbana um aparente
caos, uma desordem. Atualmente, misturam-se no espaço urbano áreas
abandonadas pelo capital e pelos investimentos do Estado,
principalmente na área central, áreas voltadas para uma população pobre,
áreas faveladas e áreas que refletem com grande expressão a riqueza e a
modernidade.
Para evidenciar a contradição na produção e reprodução do
espaço urbano em uma grande cidade como o Rio de Janeiro, é
necessário entender aqui algumas discussões que permeiam a produção
do espaço urbano, como o papel do espaço, o espaço como produto de
relações sociais, a influência da dimensão espacial na produção do
espaço, a apropriação e dominação no urbano, entre outras questões.
28
2.1 - O papel do espaço: o espaço como fonte de poder social2
Nestas considerações torna-se importante enfatizar o papel da
dimensão espacial na reprodução da sociedade, a partir do que se
entende por espaço na perspectiva do materialismo dialético, onde cabe
buscar a forma, o conteúdo, o movimento, o simbólico e a contradição.
Nesta perspectiva, o espaço deixa de ser um receptáculo e passa a ter
um papel importante na reprodução da sociedade. As formas materiais
influenciam a práxis, e o controle das formas é fundamental para a prática
do poder e para a apropriação e domínio do espaço. O espaço, sua
materialidade e as significações que se constroem dessa materialidade
são a expressão da sociedade, mas também influenciam a reprodução da
sociedade.
Lefebvre (2008, p.26) vê o espaço como um produto social, que
assume uma realidade própria, de acordo com o modo de produção e a
sociedade presente. O espaço como produto serve como uma ferramenta
para a ação e para o pensamento, funcionando como um meio de
produção, de controle e de dominação. O autor vê o espaço como produto
da sociedade, o espaço sendo “um modo e um instrumento, um meio e
uma mediação. (...) O espaço é um instrumento político intencionalmente
manipulado, mesmo se a intenção se dissimula sob as aparências
coerentes da figura espacial”.
Nesta mesma direção, Soja (1983, p.38) apresenta uma concepção
materialista da espacialidade, utilizando-se do método dialético, vendo a
espacialidade como uma força importante na produção e reprodução das
relações sociais, sendo a espacialidade para ele a forma material das
relações sociais de produção, a expressão territorial concreta da divisão
do trabalho. Afirma que
2 A idéia de poder social está ligada a “capacidade ou a possibilidade de agir, de
produzir efeitos”; no caso mais específico, na “capacidade do homem em determinar a vida do
homem: poder do homem sobre o homem (...) a capacidade de um governo de dar ordens aos
cidadãos . O homem não é só sujeito, mas também objeto do poder social”. O poder social é
exercido a partir da vida em sociedade. “Não existe poder se não existe, ao lado do indivíduo ou
grupo que o exerce, outro indivíduo ou grupo que é induzido a comportar-se tal como aquele
deseja” ( BOBBIO et al, 1998, p. 933-934).
29
O espaço social e político tornou-se cada vez mais reconhecido como uma força material (e não material, isto é, ideológico) influente, ordenando e reordenando as próprias relações sociais produtivas. Longe de ser um reflexo passivo, incidental, um “espelho”, a espacialidade tornou-se ativa como uma estrutura concreta e repositório de contradições e conflitos, um campo de luta e estratégia política. As relações sociais e espaciais, a divisão social e espacial do trabalho, a práxis social e espacial estão deste modo interativamente engajadas e concatenadas, ao invés de reduzidas a simples gênese-reflexo, causa inicial e efeito subseqüente.
Thrift (2007, p. 96) se volta para a construção de um conceito de
espaço que deixe claro a dimensão material, subjetiva e o movimento. O
autor nos apresenta o espaço como uma construção contínua que se dá
através da ordenação de coisas encontrando-se mutuamente de forma
mais ou menos organizada. O autor constrói uma visão relacional do
espaço, em que é visto como um receptáculo no qual o mundo avança,
mas também como co-produto dos processos, ressaltando a importância
de se entender o espaço como construção da sociedade e que
consequentemente tem influência sobre esta.
A cidade assim pode ser vista como uma produção contínua da
sociedade, que materializa na paisagem diferente períodos de reprodução
das relações sociais. Em grandes cidades, diferentes períodos de
reprodução do capital, de maior ou menor intensidade, estão refletidos na
paisagem e contribuem para criar novas relações sociais de produção.
Em diversas áreas da cidade do Rio de Janeiro é possível entender este
processo, locais onde o espaço foi amplamente apropriado pelo capital
em associação com o Estado, que é o caso da Zona Sul da cidade, e
outros onde a reprodução do espaço se desenrolou a parte, onde não
houve interesse do capital e, consequentemente, estiveram
completamente à parte de intervenções políticas. Conforme exemplifica
Kleiman (2002, p. 128), no Rio de Janeiro, o início da distribuição dos
investimentos em infra-estrutura foi muito desigual, sendo muito
concentrados nos espaços de camada de renda alta, principalmente em
termos de água e esgoto.
30
Outra autora que também contribui para esta discussão é Massey
(2008, p. 89), quando afirma que o espaço deve ser entendido como uma
produção aberta e contínua, chamando a atenção para a incorporação da
idéia de movimento, de contínua construção do espaço. A autora entende
o espaço como “uma multiplicidade discreta, cujos elementos, porém,
estão, eles próprios, impregnados de temporalidade. Uma
contemporaneidade estática foi rejeitada em favor de uma multiplicidade
dinâmica”. Para Massey (2008, p. 94), também deve-se levar em
consideração as experiências, a construção subjetiva do espaço, e aponta
que a verdadeira relevância do espaço são “as múltiplas coletâneas de
outras trajetórias e a necessária mentalidade aberta de uma subjetividade
espacializada” .
Outro autor que aponta a importância da análise espacial no
processo de produção e reprodução das relações sociais é Santos (2008,
p. 63), que considera que “o espaço é formado por um conjunto
indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro
único no qual a história se dá”.
Fica claro nas idéias apresentadas acima como o autor vê o
espaço, sendo impossível separar as formas materiais das técnicas
aplicadas sobre elas e das ações do homem. O espaço para o autor é
sempre este conjunto, que está constantemente interagindo, com os
objetos condicionando as ações e as ações criando novos objetos e
dotando-os de funcionalidades.
A idéia de sistemas de objetos e sistemas de ações é bastante
abrangente. Os sistemas de objetos não são simplesmente as coisas que
existem, pois as coisas passam a ser objetos quando são dotadas de
intenção social, sendo produto de uma elaboração social, da técnica
atuando naquele momento histórico. Os sistemas de objetos são,
portanto, aqueles objetos utilizados pelo homem, com a intenção da
prática social, que estão em interação direta com a sua atuação, o que
acaba por incluir entre os objetos a natureza, quando esta torna-se objeto
de valor social, passível de ser utilizado.
31
Nos sistemas de ações o autor chama a atenção para a
intencionalidade da ação. A ação é um processo dotado de propósito,
orientado pela práxis social, e “as práticas são atos regularizados, rotinas
ou quase rotinas, que participam da produção de uma ordem” (SANTOS,
2008, p. 79). O autor ressalta ainda que a ação está cada vez mais
estranha aos fins próprios do homem, sendo necessário diferenciar a
escala da realização da ação da escala de seu comando, ou seja, a
intencionalidade não está diretamente ligada a quem realiza a ação,
podendo partir de terceiros. O autor também enfatiza a importância de se
analisar os processos que formam o espaço, incorporando o movimento à
análise espacial.
Santos vê o espaço como uma totalidade que está sempre em
movimento, sempre se recriando, e formando uma nova totalidade. “É o
espaço que, afinal, permite a sociedade global realizar-se como
fenômeno” (SANTOS, 2008, p. 119).
Torna-se aqui importante retornarmos às idéias de Lefebvre, pois a
contribuição filosófica deste autor sobre uma teoria marxista do espaço
também é de grande relevância para a Geografia. Lefebvre defendeu a
idéia de uma teoria do espaço que estudasse a dimensão real e a
dimensão ideal do espaço, ou seja, o objetivo e o subjetivo, sendo
importante, portanto, considerar o imaginado na dimensão espacial.
Muitas das idéias de Milton Santos se aproximam bastante de Lefebvre,
que vê o espaço como fonte fundamental de poder social na vida
cotidiana, enfatizando o papel do capitalismo e da ideologia em torno dele
como os produtores do espaço. O autor nos apresenta uma importante
contribuição quando insere a dimensão simbólica, fornecendo uma
importante tríade conceitual para se analisar o espaço do homem, uma
contribuição das três dimensões do espaço: a prática espacial, que
engloba a produção e a reprodução da sociedade, o espaço percebido da
realidade cotidiana; as representações do espaço, que diz respeito às
relações de produção e a ordem que as impõe, é o espaço concebido,
relativo ao conhecimento e ao poder, nos remetendo a Santos (2008)
quando este fala de ações que são estranhas ao próprio homem; e os
espaços de representação, englobando os símbolos e os códigos,
32
também ligados ao lado clandestino e subterrâneo da vida social, é o
espaço vivido através de símbolos que o acompanham (Lefebvre, 1994,
p. 33). A concepção dessas três dimensões do espaço nos serve como
análise, mas estes devem ser vistos sempre juntos, ocorrendo
simultaneamente. Para o autor, somente o entendimento destas três
dimensões do espaço – o percebido, o concebido e o vivido – nos confere
uma análise mais completa do espaço.
Lefebvre também considera o papel ativo e passivo do espaço na
reprodução da sociedade. O autor vê o espaço como o local passivo das
relações sociais e de seus desdobramentos, mas nos aponta que ele
também tem um papel “ativo”, pois serve como instrumento para as forças
hegemônicas; inclusive, como é produzido com intencionalidades, exerce
forte papel no cotidiano da sociedade. Trazendo estas considerações
para o empírico, podemos observar que no Brasil a posse da terra sempre
foi utilizada como ferramenta de controle das classes sociais mais
desfavorecidas, que dependiam da terra para garantir sua sobrevivência,
o que aponta intensa contradição na reprodução do espaço no país, visto
que a terra sempre esteve concentrada nas mãos de poucos
proprietários, que adquiriam assim grande importância política no local.
Historicamente, a formação espacial brasileira sempre esteve
baseada na posse da terra, e a transição para uma economia urbana vai
gerar intensos conflitos, mas que ainda estão ligados a mesma fonte: a
propriedade da terra, as mudanças nos meios rural e urbano e ao papel
do estado na regulação da terra. Segundo Moreira (2005, p.18-19), a
chegada da indústria na cidade trouxe diferentes reivindicações,
principalmente quanto à redistribuição da terra e o direito a moradia na
cidade. O surgimento de novos atores traz à tona diferentes discussões,
que vão acirrar a luta pela posse da terra no Brasil, tanto no meio rural
quanto no urbano
O espaço geográfico, portanto, engloba a materialidade, a
subjetividade, o real e o imaginado, os objetos e as ações, sempre vistos
de forma interligada, é esse o espaço que nos serve aqui, o espaço do
movimento das sociedades, e é nesta dimensão que pretendemos
analisar determinados conflitos e contradições que se desenrolam no
33
espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro. A subjetividade a que nos
referimos aqui é a materialidade dotada de significação, sendo assim
específica para cada grupo social, e essa relação
materialidade/subjetividade nos servirá como ponto de partida para
buscarmos entender o papel atual do espaço na sociedade e os conflitos
e contradições que estão expressos no espaço.
O espaço, conforme nos apontaram os autores, influencia a prática
social, e seu controle é fundamental para a prática do poder. O espaço,
sua materialidade e as significações que se constroem dessa
materialidade, colaboram para determinar a reprodução da sociedade.
No Rio de Janeiro, as formas na morfologia urbana e as
representações que se faz delas marcam uma sociedade desigual e
contribuem para a manutenção dessa desigualdade no imaginário social.
A estigmatização do favelado e da violência associada às áreas faveladas
contribuem para manter a dualização e os conflitos entre os diferentes
grupos sociais no cotidiano. A opinião pública, na forma da imprensa,
coloca hoje a favela como o grande problema urbano, e defende seu
controle de forma mais efetiva pelo Estado. Sobre a estigmatização da
favela associada a violência, Ribeiro (2004, p. 35) considera que
as representações sobre as causas da violência, ao atribuí-las à existência de um estado de anomia prevalecente nas favelas e bairros pobres, concorrem eficazmente para a construção de imagens coletivamente apropriadas que impedem as camadas populares de transformar o acesso aos valores da ordem igualitária em fermento para se constituírem em atores sociais legítimos. Ao mesmo tempo a adoção das classes médias de um comportamento de secessão urbana, traduzido na busca de fronteiras simbólicas e materiais que as separem do mundo das classes populares.
Na cidade do Rio de Janeiro, a questão da violência urbana ganha
enfoque cada vez maior e a associação das áreas faveladas como locus
da violência e da marginalidade contribui para aumentar a distância
simbólica entre a população urbana e a população favelada, entre a
chamada população do “asfalto” e da favela. Esta própria denominação já
34
representa uma separação entre a cidade legal e a cidade ilegal, um
afastamento simbólico entre mundos com cotidianos tão diferenciados. O
que determina a reprodução desses espaços diferenciados é a forma
como cada grupo social vai se apropriar do espaço, ou a forma como o
espaço está sendo concebido.
A questão da apropriação da sociedade sobre seu espaço é
bastante relativa. Como vimos, a imposição de uma materialidade a um
determinado grupo não significa que aquele espaço tenha o mesmo
significado para todos os grupos. O que vai ser importante é se aquele
grupo se apropria realmente daquele espaço ou não, se as formas
presentes ali foram concebidas por e para eles, e é essa apropriação que
vai determinar sua importância na sociedade como um todo.
Conforme nos aponta Souza (1997, p. 26),
o espaço é a base de sobrevivência, fonte de poder e, por via da conseqüência, alvo de cobiça e desejo de apropriação e controle. A isso se deve adicionar a importância não apenas “instrumental”, militar ou econômica (...) de um espaço, mas também a sua relevância cultural para um grupo.
Diferentes espaços são apropriados de diferentes formas por
diferentes grupos, tanto grupos religiosos, étnicos, classes sociais, entre
outros. Cabe aqui retomar a Lefebvre no que tange à
diferenciação/relação entre as representações do espaço e as os espaços
de representação, entre o espaço que pode ser imposto e o que é
realmente vivido pelos indivíduos. Se o espaço é concebido pelas
mesmas pessoas que vão estar presentes neste espaço, o controle é
mais efetivo; conforme nos aponta Ferreira (2007, p. 203), “se as práticas
espaciais forem concebidas pelos moradores do lugar, desmancham-se
os fetiches, pois o espaço carrega em si a dominação por meio das
formas”.
Harvey (2005, p. 206) também dá enfoque a essa questão,
considerando como fato “as relações de poder sempre estarem
implicadas em práticas temporais e espaciais”. Os autores referenciados
35
nos deixam clara a idéia de que o domínio do espaço é uma importante
fonte de poder social sobre a vida cotidiana.
Essa discussão a respeito do espaço como fonte de poder social é
profunda e muitos autores já se dedicaram a esse tema, em que muito se
discute o papel do capitalismo como poder hegemônico mundial sobre o
espaço. O que concordamos aqui é que o domínio do espaço é
fundamental no cotidiano dos grupos e que em geral ele é imposto pelos
grupos dominantes por meio das formas e dos usos impostos às formas,
mas ao mesmo tempo existem alguns exemplos de resistência de grupos
quanto ao que é imposto a eles; e essa resistência pode vir a se
materializar por meio da criação de novas formas ou das novas funções e
usos atribuídas às formas já existentes. Aqui podemos citar como
exemplo as diferentes formas de apropriação ilegal de moradias na
cidade, como as favelas, a invasão de prédios públicos, os movimentos
sociais, entre outros, que representam uma forma de resistência ao que
está sendo concebido no espaço. O espaço, portanto, é construído e
reconstruído pela experiência cotidiana das pessoas, tendo estas também
sua reprodução influenciada pelo próprio espaço.
Esta última afirmação nos aponta uma outra questão que pode aqui
ser pensada: como se constroem essas experiências cotidianas, a
vivência do lugar? Em uma visão mais geral, mais global, a reprodução do
espaço parece seguir uma lógica, a lógica da acumulação capitalista e da
segregação de grupos excluídos desta lógica, e se observa esse fato
principalmente nas grandes cidades capitalistas. Mas quando buscamos
analisar a dinâmica dos lugares, vemos que apresentam características
distintas, que os caracterizam como um lugar específico, e que se
relacionam de forma diferente com a lógica global de acumulação
capitalista. Conforme afirma Massey (2000, p. 179), “há muito mais coisas
determinando nossa vivência do espaço do que o 'capital' ”, acreditamos
que a experiência cotidiana dos lugares sofra variações de acordo com as
características de cada grupo ali presente.
A análise da relação global-local pode contribuir para que
possamos entender o papel do espaço hoje, se entendermos que o
espaço deve ser visto como uma totalidade que se presta a análise, para
36
que possamos conhecer o movimento do universal para o particular e do
particular para o universal (Santos, 2008, p. 115) e assim compreender a
lógica que forma os espaços, percebendo a sua influência na experiência
cotidiana das pessoas.
Para Santos (2008, p. 314), “cada lugar é, a sua maneira, o mundo.
(...) Mas, também, cada lugar, irrecusavelmente imerso numa comunhão
com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais. A uma
maior globalidade corresponde uma maior individualidade”. Para esse
autor e também para Massey (2000, p. 185), é preciso não tratar nem
especificamente do local, nem especificamente do global, pois todos os
lugares contêm uma carga histórica mas também recebem influências
externas, que vão se “encaixar” em cada local de acordo com as
características presentes ali. A individualidade de cada lugar vem de sua
ligação com o global e com os outros lugares. Estas especificidades vão
se expressar na produção e reprodução dos espaços urbanos na
atualidade, e vão interferir no cotidiano das diferentes sociedades
urbanas, sujeitas a processos e transformações globais e locais.
A experiência cotidiana, o simbólico e as representações que
surgem na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, são fundamentais para
entender a lógica da reprodução do espaço urbano, marcado pela
ideologia da cidade-cenário, vendida para o mundo todo como “cidade
maravilhosa”, servindo para a apropriação turística da cidade, que deixa
oculta a desigualdade e a injustiça social. Somente a partir do
entendimento desta simbologia da cidade é possível entender
determinados processos que ocorrem na cidade. Trata-se, portanto, do
entendimento de que a cidade do Rio de Janeiro está inserida em um
contexto, em uma lógica dentro da reprodução do capital que não é a
lógica da industrialização, e que a reprodução do espaço na cidade se dá
a partir da relação entre esse contexto mundial e as especificidades do
local.
Entender o espaço como atuante nas relações sociais, como uma
ferramenta de poder, significa entender o espaço como político. O objetivo
aqui é que esta discussão teórica nos forneça a base para uma discussão
empírica em uma grande cidade de um país subdesenvolvido, o Rio de
37
Janeiro, que possa contribuir para o debate sobre a reprodução do
espaço nas metrópoles. Entendemos que atualmente as grandes cidades
vivenciam fortemente as contradições e o conflito, onde o espaço ganha
alto valor de troca e onde o controle e a apropriação dos espaços se torna
fundamental (FERREIRA, 2007). Buscamos até agora entender o papel
do espaço como componente fundamental da reprodução da sociedade,
como fonte de poder social dos grupos que detém o seu controle, e ainda
que este espaço é formado a partir de relações entre elementos internos
e externos a sua realidade.
Lefebvre (2008, p.82) e Santos (2008, p. 63) nos apontam que o
espaço é um produto social, construído coletivamente por atores sociais
que possuem intencionalidades. O espaço é a expressão da sociedade
que o produz, os espaços produzidos pela sociedade capitalista moderna
vão contribuir então para a manutenção de toda a desigualdade existente
nela, todos os conflitos e contradições, reflexos das relações de produção
e da luta de classes. Nas cidades atuais a apropriação e a dominação do
espaço se dão de forma completamente desigual, com as relações de
produção e a luta de classes se estendendo à luta pelo espaço, pela sua
apropriação. Na cidade do Rio de Janeiro, conforme já foi citado aqui,
esta desigualdade está completamente aparente na paisagem, pois o
processo de segregação social se sobrepôs ao processo de segregação
espacial, já que grupos sociais distintos sempre ocuparam os mesmos
bairros, desde o início da formação da cidade. Portanto, concordamos
com Lefebvre (1991, p. 53) quando afirma que “a cidade e o urbano não
podem ser compreendidos sem as instituições oriundas das relações de
classe e de propriedade”.
Para Carlos (1994, p. 24), o espaço é condição e é produto, tanto
da reprodução do capital quanto das relações sociais. A sociedade produz
o espaço e com ele todo um modo de vida. Esta afirmação fica bastante
clara quando voltamos a análise para as cidades atuais, forma máxima de
reprodução do espaço, de um modo de vida urbano. Harvey (1980, p. 17)
chama ainda a atenção para as formas, afirmando que uma vez criadas,
as formas espaciais tendem a institucionalizar e as vezes “determinar o
futuro desenvolvimento do processo social”.
38
2.2 – Sobre a importância da forma
Para a compreensão do que estamos nos propondo aqui cabe uma
definição do que entendemos por cidade e por urbano. A cidade seria a
organização espacial, a forma, um conjunto de elementos ordenados. O
urbano estaria mais ligado a um tipo de sociedade, sendo a expressão de
idéias, éticas, valores, estética hoje na cidade; a cidade, portanto, é
datada. O urbano, ou a cultura urbana, se realiza como práxis na cidade,
através das atividades políticas econômicas e culturais, o urbano reúne
todos os elementos da vida social (LEFEBVRE, 2008, p. 84).
Devemos entender, portanto, que cidade e urbano não são
sinônimos. O urbano deve ser entendido como um modo de vida, ligado a
uma certa divisão do trabalho, uma forma social, enquanto a cidade seria
a materialização dessa forma (HARVEY, 1980, p. 175). O urbano deixa de
ser a simples oposição ao rural e passa a designar a sociedade que
constitui uma realidade que engloba e transcende a cidade enquanto
lugar (CARLOS, 2005, p. 191). Para Pechman (1991, p. 126) “o urbano
representa um novo sistema de idéias”. O urbano contemporâneo
representa, portanto, novas formas de idéias, pensamentos e ações, uma
nova forma de vida, que não mais se relacionam diretamente com o
modelo antigo de cidade, o urbano deixa de estar completamente
relacionado a forma da cidade para estar além dela, como uma ideologia.
O autor deixa clara esta ideologia quando afirma que “onde existe a
cidade não existe necessariamente o urbano; mas onde existe o urbano
existe a cidade”.
O urbano, portanto, expressa um conceito de grande abrangência,
pois está além das fronteiras da cidade. Rodrigues (2007) nos fornece
também uma definição bastante ampla do que entendemos por urbano e
por cidade, quando diz que
o urbano é um conceito, pois qualifica um modo de vida que atinge a maioria da sociedade. As atividades urbanas extrapolam limites de cidades como no agronegócio, nas atividades turísticas, nas áreas inundadas para produção de energia hidroelétrica, e muitas outras atividades. Cidade é
39
uma definição. É a projeção da sociedade urbana num dado lugar, política e territorialmente demarcado, marcado e estabelecido. As cidades contêm delimitação espacial. Lugar de concentração da população urbana, produção, circulação e consumo de bens e serviços. A cidade é o centro da decisão política do urbano. O conceito de urbano compreende o espaço em sua complexidade. (grifo da autora)
Por isso, a cidade e o urbano aqui nos interessam, a cidade,
enquanto forma, enquanto construção, cria representações que se
expressam na sociedade urbana. As formas nos servirão para que
possamos, através de sua análise, entender a sociedade urbana atual;
conforme já enfatizamos aqui, a importância da análise empírica, da
descrição, para que se chegue ao conteúdo, ao que está subjetivo,
simbolizado por determinados tipos de formas. A cidade aparece aqui
como o local que expressa com mais força a segregação e a
desigualdade social, e o urbano aparece como condição, meio e produto
do processo de reprodução da sociedade
Segundo Lefebvre (1991, p. 59) a análise dos fenômenos urbanos
exige a utilização de instrumentos metodológicos, chamando a atenção
para a forma, a função e a estrutura. Estes três termos são essenciais
para a análise da cidade e do urbano. A forma, os aspectos visíveis, deve
ser levada em conta, mas nunca separada de seu conteúdo, pois “não há
forma sem conteúdo, não há conteúdo sem forma. Aquilo que se oferece
a análise é sempre uma unidade entre a forma e o conteúdo”. As funções
dizem respeito as funções internas à cidade, as funções da cidade em
relação ao território e a função da cidade no conjunto social. Quanto à
estrutura, devemos levar em consideração a estrutura da cidade, a
estrutura urbana da cidade e ainda a estrutura social das relações cidade-
campo.
Santos (2008) apresenta como ferramenta metodológica as formas-
conteúdo, enfatizando a importância de ir além das formas de se chegar a
intenção da forma, ao subjetivo. O autor ressalta ainda a importância da
materialidade como componente imprescindível do espaço geográfico,
entendendo as formas como “condição para a ação, uma estrutura de
40
controle, um limite a ação, um convite a ação (...) nada fazemos hoje que
não a partir dos objetos que nos cercam” (SANTOS, 2008, p. 321).
É no nível das formas que é possível observar a materialização das
relações sociais, a forma como a cidade está estruturada. As relações
sociais tendem a aparecer como relações entre coisas, e estas só existem
como tal porque se relacionam entre si. Na análise do espaço socialmente
construído, Soja (1983, p. 37) explicita a importância das formas quando
conceitua a espacialidade3 como a
forma material das relações sociais de produção, a expressão territorial concreta da divisão do trabalho e a articulação dos modos de produção. (...) A espacialidade, na forma do ambiente construído, do arranjo geográfico da produção, troca e consumo, da alocação de indivíduos para lugares e posições em todos os processos sociais e da implantação de sistemas de poder territorial destinados a preservar esses arranjos no lugar, representa o mapeamento particularizado da sociedade, da vida social.
Consideramos aqui a importância da análise empírica para revelar
o conteúdo da forma. Determinados processos que ocorrem nas cidades
hoje podem servir para revelar o urbano e os processos que influenciam a
sua reprodução e a reprodução das relações sociais, e utilizaremos
principalmente aqui como exemplo destes processos a segregação, a
formação dos espaços periféricos e pobres, tão comuns nas grandes
cidades hoje. Estes fenômenos permitem uma leitura do urbano, um
urbano marcado pela reprodução das relações sociais de produção e pela
luta de classes sociais na apropriação do espaço.
2.3 – O Processo de produção e reprodução no espaço urbano
O processo de produção do espaço urbano não é homogêneo. É
fragmentado e articulado de acordo com as necessidades de reprodução
3 O autor especifica a utilização do termo espacialidade como forma de diferenciar do
termo espaço per se, que ele acredita estar ligado a uma imagem física, geométrica, algo externo
ao contexto social e a ação social. O termo espacialidade, para ele remete ao espaço socialmente
produzido (SOJA, 1993, p. 101).
41
do capital e com o modo de produção, gerando um espaço altamente
complexo (FRIDMAN, 1991, p. 145). Desta forma, a produção do espaço
é desigual, pois o espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro é fruto de
uma produção capitalista que se reproduz desigualmente no espaço, que
se materializa pela divisão do trabalho entre parcelas do espaço e se
mantém a partir das relações simbólicas estabelecidas. Cada sociedade
produz e reproduz sua existência de modo determinado, deixando no
espaço as marcas de suas características históricas específicas
(CARLOS, 1994, p. 26-33).
Voltamos a falar aqui sobre a contradição fundamental existente na
reprodução do espaço urbano: o espaço como condição da reprodução
econômica e o espaço como condição de reprodução da vida na
metrópole. Posta esta contradição fundamental, o espaço urbano torna-se
uma campo de luta, onde se instaura uma luta dos diferentes agentes
pelo espaço, pelo solo urbano. Estabelece-se, portanto, um conflito entre
o espaço abstrato, concebido pelos interesses e necessidades do capital,
e o espaço vivido, fragmentado pelas estratégias dos diferentes atores
sociais, percebido pelo indivíduo através de sua vida cotidiana (CARLOS,
2005, p. 291). No Rio de Janeiro, a luta pelo espaço deixa marcas na
paisagem urbana, sendo as áreas voltadas para a população pobre um
símbolo dessa luta. Desde sua formação, a cidade deixa de fora das
políticas de urbanização e habitação as áreas voltadas para a população
pobre, realizando muitas vezes a sua expulsão das áreas onde houve
interesse de reprodução do capital imobiliário, por exemplo4.
A respeito da contradição entre o espaço concebido e o espaço
vivido, retornamos a Lefebvre e sua construção da categoria de espaço
social que se refere ao espaço de valores de uso produzidos pela
complexa interação de todas as classes na vivência diária, que se
confronta com o espaço abstrato, que corresponde a exteriorização de
práticas econômicas e políticas que se originam com a classe capitalista e
com o Estado (GOTTDIENER, 1997, p. 131). O espaço social perdeu
4 Sobre este assunto ver Lessa (2000, p. 291-296); Vaz (1991, p. 137-141); Ribeiro e
Azevedo (1996, p. 13-21) entre outros. Sobre as remoções de populações pobres, discutiremos de
forma mais aprofundada no capítulo 2.
42
espaço na sociedade moderna, onde houve predomínio do espaço
abstrato, que se apresenta como homogêneo, fragmentado e hierárquico,
principalmente nas grandes cidades, onde surgem áreas segregadas, que
marcam a hegemonia do capitalismo. A essência do espaço social é
justamente a vida cotidiana que transcorre no urbano, que perpetua o
espaço abstrato através de representações.
A produção do espaço se dá no plano da vida cotidiana, na relação
que se estabelece entre os diferentes agentes responsáveis pela
reprodução do espaço urbano. Salientamos aqui que existem diversos
atores sociais responsáveis pela reprodução do urbano e que cada um
atua de acordo com seus interesses de classe. Os agentes responsáveis
pela produção do espaço urbano, de forma geral, são os proprietários dos
meios de produção, os proprietários fundiários e usuários de moradia, os
promotores imobiliários, o Estado e as instituições governamentais, e os
grupos sociais excluídos (CORREA, 1993, p. 12; HARVEY, 1980, p. 139).
Esses atores possuem estratégias próprias, que geram conflitos entre
eles e estratégias comuns que os unem, como a apropriação da renda da
terra. Ao atuar sobre o espaço urbano, a reprodução das relações de
produção e a continuidade da acumulação de capital está garantida. A
apropriação da terra, então, torna-se objeto de conflito na cidade.
O Estado tem um papel fundamental na produção deste espaço
desigual ao impor determinadas organizações espaciais. Para Lefebvre, o
Estado utiliza o espaço como um instrumento político, buscando
assegurar o controle sobre os lugares. A organização espacial, portanto,
representa a hierarquia de poder existente na sociedade. Nesta direção
também aponta Harvey (1996, p. 212), quando afirma que a organização
espacial serve para constituir uma ordem social e uma hierarquia, através
do assentamento de pessoas e atividades em espaços e tempos distintos.
A análise da organização espacial, portanto, nos fornece a base para o
entendimento dos processos de apropriação e dominação no espaço.
43
2.4 – Apropriação e dominação no urbano: conflitos e contradições
A reprodução das relações sociais de produção e da luta de classe
se dá na apropriação e dominação do espaço no cotidiano, sendo
internalizada: no lazer, cultura, na escola e na universidade, ou seja, no
espaço inteiro (LEFEBVRE, 2008, p. 47). A reprodução da sociedade se
materializa no espaço; a cidade, portanto, é pensada, desejada e
construída pelos agentes responsáveis pela produção e reprodução do
espaço urbano. A partir da perspectiva que estamos entendendo o
espaço urbano, todas as formas de apropriação e dominação no urbano
representam contradições e conflitos que se materializam no espaço.
Uma das principais formas de apropriação e dominação do espaço
urbano que queremos salientar aqui é a caracterização do solo como
mercadoria nos espaços urbanos capitalistas. O valor do solo urbano
funciona como regulador da ocupação, e segundo Meyer (1978, p. 152), o
solo urbano visto como mercadoria está sujeito às regras do sistema
produtivo e de consumo. Concordamos com a autora quando afirma que a
apropriação da cidade é, portanto, um processo organizado, ordenado
segundo regras, métodos, princípios e estratégias. Estas ações são
coordenadas pelos agentes que atuam no urbano, tanto os que buscam a
manutenção do capital quanto os que buscam a reprodução da vida
cotidiana. O urbano, e todas as possibilidades que oferece, acaba por se
tornar o principal alvo da lógica capitalista, e as cidades, sua forma
material, viram alvo de intensa especulação, principalmente aquelas que
apresentam vantagens comparativas. Conforme aponta Rodrigues (2007),
a cidade-mercadoria não é trocável no “mercado como um objeto”. Não se transmite, em tese, a “propriedade da cidade em sua totalidade”. O que se vende são fragmentos de lugares, pólos de investimentos para capitalistas nacionais e estrangeiros com o objetivo de aumentarem lucros, rendas e juros. Os fragmentos de lugares para eventos, atividades turísticas e de investimento, visando à incorporação imobiliária de bairros nobres, de condomínios murados e, como totalidade, a cidade-mercadoria vende imagem de prefeitos como “gestores” capitalistas. Nas democracias eleitorais, simbolicamente um prefeito
44
entrega ao novo a “chave da cidade”, mas não a “propriedade da cidade”.
O espaço como mercadoria acaba por ocultar as suas
especificidades, que é então apropriada como valor de troca pelos
proprietários fundiários e promotores imobiliários, cujo conteúdo não é
mais percebido pelos indivíduos, posto que estão submetidos à troca e à
especulação. Segundo Carlos (1994, p. 193), a troca se sobrepõe ao uso
“num processo de produção assentado na propriedade privada da terra
que gera a apropriação diferenciada do espaço por extratos diferentes da
sociedade”. Vale ressaltar também que o alto valor do solo urbano em
cidades localizadas em países do terceiro mundo contribui
consideravelmente para a manutenção da pobreza, funcionando como
causa e conseqüência desta (SMOLKA, 1986, p.208). Além disso, após a
crise econômica da década de 1970 e as modificações nas relações
sociais de produção, as cidades refletem e alimentam esse processo,
funcionando como locus da naturalização e expansão da miséria nos
grandes centros urbanos do país (FRIDMAN, 1991, p. 143). Na cidade do
Rio de Janeiro, a escassez de espaços disponíveis para a construção e
com infra-estrutura adequada5 faz com que o valor do solo em áreas
dotadas de infra-estrutura e de amenidades naturais suba bastante, como
é o caso da Zona Sul, deixando grande parte da população pobre da
cidade sem acesso ao solo, estando sujeita às disposições da livre
atuação do mercado imobiliário na cidade e do Estado. A ocupação da
Zona Sul da cidade por grupos sociais de alta renda permite a geração de
renda diferencial para os agentes sociais envolvidos com a valorização
imobiliária. A cidade do Rio de Janeiro possui atualmente o metro
quadrado mais caro do país, mas é na Zona Sul que estão os bairros com
os mais altos valores do solo, com os bairros do Leblon, Ipanema e Lagoa
5 É importante ressaltar aqui que nunca houve intensa escassez de solo na cidade do Rio
de Janeiro, mas as áreas de maior interesse econômico passaram por uma rápida ocupação,
forçando a busca por novas áreas de interesse econômico. Ao longo da ocupação da cidade, as
classes de maior poder aquisitivo já ocuparam os morros, depois os abandonaram em busca das
planícies litorâneas.
45
liderando a lista6. As grandes avenidas localizadas a beira-mar colaboram
para elevar o preço do metro quadrado nestes bairros, principalmente as
avenidas Vieira Souto, em Ipanema e Delfim Moreira, no Leblon. Além
das amenidades naturais, como a praia, parques naturais e áreas de
lazer, a área é muito bem dotada de infra-estrutura urbana, possui grande
acessibilidade, disponibilidade de transportes e proximidade de teatros e
cinemas. A presença do poder público também é constante na região, e
todos estes fatores levam ao aumento do metro quadrado nestas áreas
(Foto 02).
Para aprofundar essa discussão a respeito do solo urbano como
mercadoria, torna-se importante discutir alguns aspectos do solo como
uma mercadoria que assume características diferentes, além de
aprofundarmos os conceitos de valor de uso e valor de troca que
assumem uma significação diferente dentro desta discussão.
Foto 2 – Avenida Vieira Souto, Ipanema
Fonte: Site Skyscrapercity.com
6 Segundo notícia veiculada no jornal O Globo de 09 de janeiro de 2008, intitulada “Rio de
Janeiro tem metro quadrado mais caro do país”. Disponível na internet
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL252524-9356,00.html
46
Foto da Avenida Vieira Souto, localizada na área litorânea do bairro de Ipanema, onde estão localizados alguns dos imóveis de
maior valor da cidade.
O solo não pode ser colocado como uma mercadoria qualquer,
visto que possui um valor de uso de grande importância, que é a garantia
da manutenção da vida, do solo como moradia e como fonte de riqueza.
Torna-se aqui relevante resgatar os conceitos de valor de uso e valor de
troca, visto que estes encontram-se ainda como a melhor forma de
entender a contradição fundamental existente na premissa do solo urbano
como mercadoria. Partindo das idéias de Marx (apud Harvey, 1980, p.
132), observamos que estes conceitos não podem ser entendidos de
forma separada, já que só existem porque se relacionam entre si. “Um
valor de uso tem valor somente em uso, e realiza-se no processo de
consumo (...) e servem diretamente como meios de existência”. Já o valor
de troca é entendido aqui como uma “relação quantitativa; a proporção
pela qual valores de uso são trocados por outros”. A criação do valor de
troca se baseia no processo de aplicação de trabalho socialmente
necessário aos objetos da natureza para a criação de objetos materiais.
Ocorre, portanto, uma relação dialética entre o valor de uso e o valor de
troca, pois a mercadoria é a associação entre o valor de uso e valor de
troca, e este só adquire valor a partir do valor de uso.
Entender o solo como mercadoria exige observar alguns aspectos
importantes, pois o valor de uso e o valor de troca assumem diferentes
significados quando tratamos do solo urbano. Harvey (1980, p. 135)
afirma que o fato do solo e suas benfeitorias serem fixos os diferencia de
outras mercadorias, além de permitir o monopólio à pessoa que determina
o uso nesta localização. Outro fato importante é que o solo é uma
mercadoria indispensável para qualquer indivíduo, além de, para o
proprietário, permitir diferentes usos do solo. Um aspecto importante
também é a continuidade da propriedade, pois em geral não ocorre muita
troca de proprietário, o que gera também uma possibilidade de grande
acumulação de riquezas. Portanto, o solo torna-se uma mercadoria
47
diferenciada, tornando-se alvo de intensa disputa, principalmente nas
grandes cidades, onde o solo adquire alto valor. Em geral, o que se
observa é que permanece até hoje uma sobreposição do valor de troca
sobre o valor de uso quando se trata do valor e da renda do solo, e que a
reprodução do espaço capitalista se dá a partir da priorização do valor de
troca em detrimento do valor de uso e das suas possibilidades, o que vai
permitir a reprodução ampliada do capital, gerando conflitos e
contradições na luta pelo solo urbano.
A importância que o solo assume como forma de reprodução do
capital é muito intensa. Os valores do solo assumem cada vez mais
valores diferenciados, de acordo com a atuação dos diferentes grupos
que atuam no mercado do solo urbano. A atuação dos incorporadores
imobiliários, dos proprietários e do Estado determina a distribuição das
benfeitorias (infra-estrutura urbana) e das externalidades7 de forma
diferenciada, o que vai gerar diferentes valores do solo urbano. A atuação
desses grupos determina espaços diferenciados, com valores de solo
diferenciados, determinando também o direcionamento da população para
cada área da cidade. Como esses grupos possuem os recursos
necessários e consequentemente grande poder de barganha política, são
capazes de determinar a disposição final dos recursos e da infra-estrutura
urbana, o que contribui para reforçar a desigualdade social na cidade
(HARVEY, 1980, p. 61). No caso da cidade do Rio de Janeiro, esta
desigualdade na distribuição dos recursos fica aparente quando
analisamos, historicamente, a implantação de infra-estrutura urbana. De
acordo com Kleiman (2002, p. 123), foram construídas
redes completas com nível satisfatório de serviços e constantemente renovadas e tecnicamente sofisticadas nas áreas em que havia um nexo aparente entre os interesses do capital imobiliário e a moradia de camadas de renda alta e média situadas na Zona Sul e Norte, em parte dos subúrbios e mais recentemente na Barra da Tijuca. Por outro lado, destacam-se a ausência de redes
7 Segundo Gregory (2001, p. 11), externalidade é o impacto das ações de alguém sobre o
bem-estar dos que estão no entorno, pode ser positiva ou negativa. Um exemplo de externalidade
positiva é a implantação de infra-estrutura, como uma praça ou a construção do metrô; já um
exemplo claro de externalidade negativa é a poluição de uma fábrica.
48
completas, o não-provimento de serviços ou sua configuração lenta, descontínua e sem manutenção, em áreas de residência de camadas de baixa renda, situadas na Zona Oeste e na Baixada Fluminense, principalmente nos loteamentos e em favelas.
Com toda esta discussão queremos mostrar o quanto o urbano é
apropriado pelos agentes detentores do capital e consequentemente do
solo urbano, o que gera intensa desigualdade na distribuição dos recursos
e da população, onde as áreas que possuem maior valor, pela presença
de infra-estrutura ou de amenidades, são apropriadas e o processo de
reprodução do espaço se dá de forma planejada e induzida pelos
promotores imobiliários e pelo Estado. Nas áreas onde não há o interesse
do capital, o valor do solo urbano é mais baixo e o processo de
reprodução do espaço ocorre de forma espontânea.
Utilizando como exemplo a área em estudo, na Zona Sul é possível
observar a presença da associação entre o Estado e os incorporadores
imobiliários. A Zona Sul, como área primeiramente dotada de infra-
estrutura fora do centro da cidade, recebeu em grande parte os grupos
sociais mais abastados como local de moradia. É importante também o
papel da difusão de uma ideologia voltada para as amenidades naturais,
onde a presença do mar passou a ser vista como saudável, como
possibilidade de contato direto com a natureza.
O processo de produção e reprodução do espaço urbano, por
servir aos interesses de determinados agentes, gera, portanto, um intenso
processo de segregação social. Concordamos com Ribeiro (2002, p.79)
quando afirma que
a segregação residencial e as desigualdades de condições de vida entre os territórios da metrópole resultam da ação dos grupos sociais interessados na apropriação da renda real, entendida como o acesso desigual ao consumo dos bens e serviços coletivos (qualidade de vida), e os ganhos decorrentes da valorização imobiliária e fundiária dos terrenos mais bem equipados. Como as regiões de maior renda real são as que concentram os segmentos de maior renda monetária forma-se um processo de causação circular, que tende sempre a
49
instaurar e a aumentar a desigualdade social na cidade.
O processo de reprodução do espaço urbano sempre esteve,
portanto, marcado pela diferença na implantação de infra-estrutura e na
modernização dos equipamentos urbanos, que alteram o valor do solo e
produzem melhorias nas moradias já valorizadas, tornando o solo cada
vez mais inacessível para uma camada cada vez maior da população
(VAZ, 1991, p. 140). A contradição e o antagonismo na distribuição da
população estão expressos na paisagem urbana, onde a desigualdade
pode ser vista na diferença das construções, no padrão “informal” de
moradia, na presença de infra-estrutura e no acesso aos meios de
consumo coletivos (CARLOS, 1994, p. 52). A segregação social expressa
na paisagem urbana reflete também a distribuição do poder social na
sociedade, segundo Ribeiro (2004, p. 27), entendendo esta distribuição
também como a capacidade diferenciada de atuação dos grupos e
classes na obtenção dos recursos urbanos
Uma das expressões mais claras da desigualdade social nas
cidades, se encaixando muito bem no caso do Rio de Janeiro é a
presença das favelas, áreas voltadas para uma população
economicamente desfavorecida, onde existe grande deficiência de infra-
estrutura e meios de consumo coletivos8. A favela se expressa como o
exemplo máximo de exclusão nas cidades, e este processo tende a
aumentar cada vez mais com as atuais modificações nas relações de
produção, com o aumento do desemprego em um nível internacional, a
atuação dos organismos internacionais e a implantação de um modelo
econômico e de desenvolvimento baseado na ideologia neoliberal, com a
diminuição da atuação do Estado na promoção de infra-estrutura e de
políticas sociais, tem promovido um aumento na pobreza e no processo
de favelização no mundo. Acreditava-se que um modelo de
8 Temos que levar em consideração aqui a heterogeneidade das favelas, principalmente as
favelas cariocas. No texto, estamos falando de forma geral, mas olhando alguns casos específicos é
possível observar favelas bem servidas de infra-estrutura e de equipamentos coletivos, baseados
nas observações do campo e nos dados fornecidos pela IPP e pelo IBGE, que mostra favelas, com
quase 100% dos domicílios servidos de água e rede de esgoto, além da presença de praças,
parques, escolas, etc.
50
desenvolvimento baseado no crescimento econômico conduziria à
redução das desigualdades sociais, mas na prática o modelo
desenvolvimentista deixou claro que não tem compromisso com a
integração social (DAVIS, 2006, p. 71; VAINER & SMOLKA, 1991, p. 24).
É preciso deixar claro que o aumento da pobreza ocorre em uma
escala global, mas as conseqüências do processo são tratadas somente
na escala do local, tornando importante o entendimento de que as
modificações nas relações de produção ocorrem em todos os lugares e
podem ser apontadas como uma das causas da escalada da pobreza nas
grandes cidades, sendo necessário tratar da causa, tratar de diminuir a
desigualdade social e a desigualdade entre as regiões do planeta, sem
deixar de lado as especificidades na reprodução do espaço urbano de
cada lugar (PRÉTECEILLE, 1994, p. 67). Para analisar estas causas,
devemos buscar as teorias gerais sobre a produção da pobreza, mas
sempre buscando as explicações também na lógica da reprodução do
capital e nas características locais dos lugares onde a pobreza está sendo
reproduzida e ampliada (op cit, 2004, p. 12).
O surgimento das favelas nas cidades esta relacionado com uma
luta pelo espaço, com o esforço de grupos sociais de baixa renda para
permanecer no urbano, onde existe maior possibilidade de estar próximo
ao local de trabalho. Com o alto valor do solo, as áreas não valorizadas
pelos agentes imobiliários tornam-se local de moradia, espalhando-se por
todo o urbano e participando do processo de crescimento das cidades. As
favelas revelam a resistência do urbano em absorver uma população de
baixa renda e a determinação de uma população excluída e que tem seu
direito à moradia negado devido ao alto preço do solo. “A favela é uma
permanente denúncia do sistema de práticas sociais contraditórias que
ameaçam a ordem estabelecida, isto é a ordem urbana” (MEYER, 1978,
p. 154). Para Sherrard (apud HARVEY, 1980, p. 64),
a favela é abrigo coletivo dos vencidos, e no esforço competitivo pelos bens urbanos as áreas faveladas são também as vencidas em termos de escolas, negócios lojas de quinquilharias, ruas iluminadas, livrarias, serviços sociais, além de tudo o que é comumente útil, e sempre com pouca
51
oferta. A favela então é uma área onde a população carece de recursos para competir com sucesso, e onde coletivamente há a necessidade de controle sobre os canais através dos quais tais recursos são distribuídos ou mantidos.
Fica clara aqui a idéia da favela como resistência, como a luta de
uma população sem recursos para se manter no valorizado solo urbano,
que busca alternativas para a sua sobrevivência. Queremos aqui rechaçar
a idéia de uma visão da favela como patologia, como algo que precisa ser
combatido e desaparecer da paisagem urbana, até porque não é isso que
ocorre na prática. As cidades utilizam as áreas faveladas como reserva de
mão-de-obra barata, como uma necessidade de exploração e exclusão
necessária a reprodução do capital. Nestas observações percebemos
uma contradição fundamental, a favela vista como algo indesejável, algo
que não é o urbano que não compartilha da ordem urbana, mas ao
mesmo tempo importante para a reprodução ampliada do capital. Este
conflito expressa-se a partir de representações da favela no imaginário
social, sendo a favela um mundo diferente que surge na paisagem
urbana, que vai contra a ordem social estabelecida (VALLADARES, 2005,
p. 28). A favela, portanto, não é considerada como pertencente ao
urbano, é vista como uma desordem, mas está materializada na
paisagem das cidades.
No Rio de Janeiro, o processo de exclusão da população pobre se
inicia ainda no processo de formação da cidade, quando a área
urbanizada ainda era bastante restrita ao centro da cidade. A população
pobre encontra como possibilidade de moradia os cortiços e,
posteriormente, as áreas de encostas, constituindo-se assim as primeiras
favelas na cidade. No caso da Zona Sul, que se constituiu como uma área
destinada a atuação do capital imobiliário associado ao Estado, surgem
também importantes áreas de concentração da população pobre,
constituindo enclaves de população de baixa renda nos bairros voltados
para classes sociais abastadas, sendo esta ocupação “tolerada” pelos
agentes imobiliários e pelo Estado. A explicação para esta tolerância nos
é apontada por Lago (2000, p. 40), quando afirma que “a favela seria uma
estratégia de inserção dos pobres no mercado de trabalho”. As favelas da
52
Zona Sul seriam uma reserva de mão-de-obra desqualificada nas
proximidades dos locais onde mais se utilizava esse tipo de mão-de-obra.
Bairros como Copacabana e Leme, já na década de 1930, recebiam
grande número de migrantes, principalmente nordestinos, que vinham
trabalhar na construção civil e que ocupavam as áreas de encosta dos
bairros, dando origem às favelas hoje existentes.
A cidade do Rio de Janeiro passa, portanto, por um intenso
processo de favelização, mas que ocorre em uma lógica um pouco
diferenciada de outras grandes cidades. Na cidade do Rio de Janeiro, e
principalmente na Zona Sul, o processo de segregação é marcado por
uma distância social com uma proximidade física. Diferentes grupos
sociais estão presentes dentro da mesma área, que se apresenta,
portanto, bastante heterogênea quanto aos grupos sociais presentes.
Apesar da proximidade física, não significa que exista interação entre os
grupos, que ambos participem do cotidiano dos bairros. Os equipamentos
urbanos dos bairros da Zona Sul, voltados para grupos sociais de alta
renda, são voltados para atender as necessidades deste grupo, não
atendendo as necessidades dos grupos de baixa renda (RIBEIRO, 2002,
p. 84; LAGO, 2002, p 155). Ainda sobre estes apontamentos, Lago (2002,
p. 155) afirma que nas últimas décadas surgem novas representações
sobre o urbano que se manifestam em um novo tipo de segregação
urbana devido ao surgimento dos espaços de confinamento (shoppings,
condomínios fechados), que apresenta por um lado, a redução da escala
da segregação e a conseqüente “aproximação” entre os grupos sociais, e
por outro lado, “a redução do grau de interação entre grupos socialmente
distintos em função do confinamento dos grupos superiores em espaços
privados e da estigmatização dos espaços da pobreza como espaços da
violência”.
O processo de favelização que ocorre nas grandes cidades é
conseqüência do fracasso de diferentes políticas habitacionais e do
planejamento urbano, além do intenso processo de mercantilização do
53
solo e alto custo de moradia9, pois não é interessante para os agentes
responsáveis pela reprodução do espaço urbano se preocupar com
melhorias nas áreas de população de baixa renda. A preocupação com a
questão das favelas, principalmente nos países subdesenvolvidos, foi
crescente no século XX, e cada vez mais se torna preocupante o
crescimento da população favelada, uma população completamente à
margem dos recursos básicos de sobrevivência. Esta preocupação
aumenta também devido à questão do aumento da violência nos países
pobres, onde a violência está associada aos processos de segmentação
territorial, pois separa as classes em espaços de abundância e integração
e espaços de concentração da população em situação de exclusão social
(RIBEIRO, 2004, p. 10).
O que tentamos deixar claro aqui nesta discussão teórica é que
entendemos o espaço urbano como marcado por conflitos e contradições,
e salientamos aqui como exemplo máximo desta contradição a presença
de áreas faveladas em grandes metrópoles, que ocorre devido ao
processo de reprodução do espaço urbano estar marcado pela
contradição entre os interesses de reprodução do capital e os interesses
da sociedade como um todo, utilizando como exemplo a Zona Sul da
cidade do Rio de Janeiro.
2.5 – A dimensão do cotidiano como categoria de análise
Para nos guiar nesta discussão conceitual, tomamos por base as
idéias de Henri Lefebvre sobre o cotidiano e as representações e sua
importância na formação da sociedade atual. Não buscamos definir um
conceito fechado sobre o cotidiano, mas sim abrir uma possibilidade de
discussão sobre o espaço urbano e a sociedade organizada nesse
espaço, fazendo uma leitura da vida cotidiana na Zona Sul da cidade do
Rio de Janeiro.
9 Vaz (1991, p. 138), citando Benjamin (1985), faz uma interessante análise sobre como o
espaço torna-se mercadoria ao longo da história da humanidade, quando o valor de troca do solo e
da habitação sobrepõe-se ao valor de uso.
54
Segundo Lefebvre (1991, p. 82), “a cotidianidade seria o principal
produto da sociedade dita organizada, ou de consumo dirigido, assim
como sua moldura, a modernidade”. Para pensarmos a importância da
dimensão do cotidiano na produção do espaço urbano e da sociedade,
temos de pensar inicialmente em como esta sociedade está organizada.
Na sociedade atual, predominam relações sociais de produção desiguais
e a luta de classes, em que o objetivo e a legitimação da sociedade estão
baseados na satisfação e no consumo. A reprodução das relações sociais
e da luta de classes se dá na apropriação do espaço e na vida cotidiana.
A cotidianidade é construída historicamente, onde se cria um jogo
de poderes que garante a manutenção da reprodução econômica e social
citada anteriormente. O cotidiano, segundo Costa e Heidrich (2007, p. 83),
constitui-se por uma estrutura social de atividades banalizadas mas que, em suas profundezas, representam uma complexa trama histórica de produções ideológicas e materiais que servem como mecanismos de reprodução de poderes que abarcam e alienam os indivíduos transformando-os em atores sociais.
Para garantir a manutenção da ordem atual, a sociedade capitalista
cria símbolos e ferramentas para garantir a reprodução das relações
sociais de produção, tendo o cotidiano transformado estas relações em
“banais”. O cotidiano se apropria da criação, da liberdade, do consumo,
transformando-os em mercadoria. O papel da alienação aqui é
fundamental, que tende para uma totalidade, e busca inclusive apagar a
própria consciência da alienação. A alienação faz com que as pessoas
não consigam diferenciar satisfação de consumismo.
A sociedade atual, dita de consumo, é baseada na satisfação de
coisas (objetos), de prazer, de lazer, e também de espaço. Lefebvre
(1991, p. 89) faz uma análise interessante sobre esta questão da
satisfação e do consumo:
A necessidade se compara a um vazio, mas bem definido, a um oco bem delimitado. O consumo e o consumidor enchem esse vazio, ocupam esse oco. É a saturação. Logo que atingida, a satisfação é
55
solicitada pelos mesmos dispositivos que engendraram a saturação. Para que a necessidade se torne rentável, é estimulada de novo, mas de maneira um pouquinho diferente. As necessidades oscilam entre a satisfação e a insatisfação, provocadas pelas mesmas manipulações. Desse modo, o consumo organizado não divide apenas os objetos, mas a satisfação criada pelos objetos.
Podemos pensar que existe, portanto, um constante mal-estar,
uma eterna insatisfação. Lefebvre (1991, p. 89) já aponta que este mal-
estar veio “acompanhado de uma crise de valores, das idéias, da filosofia,
da arte e da cultura”, formando um cotidiano que se apropria facilmente
do desejo. O autor descreve também o papel da publicidade na formação
da cotidianidade.
A publicidade fornece uma ideologia do consumo, “uma
representação do” eu “consumidor que se satisfaz como consumidor”,
baseia-se em uma existência imaginária das coisas. A publicidade não
separa o consumo de objetos do consumo de signos, imagens e
representações (LEFEBVRE, 1991, p. 100). Lefebvre faz uma discussão
importante sobre como o consumo chega a cada camada social e como a
classe trabalhadora consome grande quantidade de signos, assim como a
classe média, submetida a imagens das quais ela é somente
expectadora.
Trazendo esta discussão da sociedade para a reprodução do
espaço urbano, podemos afirmar que o cotidiano, o vivido, colabora para
que a cidade se organize de forma hierárquica, com lugares “destinados”
a cada camada social, conforme observamos na Zona Sul. Isto envolve
também uma discussão de consumo do espaço, onde lugares são
transformados em aprazíveis ou desprezados pela sociedade, onde
surgem lugares segregados. Segundo Carlos (2005, p. 194), “o cotidiano
aparece enquanto construção da sociedade, que se organiza segundo
uma ordem fortemente burocratizada, preenchido por repressões e
coações”. É no cotidiano que é possível entender a contradição
fundamental entre o espaço vivido e o espaço concebido. É no nível do
cotidiano que está a reprodução da vida em sociedade, que revela que o
homem habita o espaço ativamente. Neste sentido, concordamos com
56
Santos (2008, p. 315) quando afirma que o cotidiano permite o
entendimento do mundo vivido, onde a questão simbólica ganha
visibilidade e os conflitos emergem.
Fica claro assim porque a dimensão do cotidiano torna-se
fundamental para entender os conflitos e contradições que se expressam
no espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro. A cotidianidade, realizada
individualmente e subjetivamente, tem influência fundamental na
formação da sociedade atual, marcada pela desigualdade social. O
cotidiano, a vida que se realiza no dia-a-dia, submetida a uma estrutura
econômica, social e política, nos serve aqui para tentar explicar como a
cidade materializa os interesses de uma sociedade marcada pela
exploração, pela desigualdade e pela luta por sobrevivência e liberdade.
Dentro desta ordem rígida surgem contextos sociais que se diferenciam,
mas que permanecem controlados a partir de normas e procedimentos. O
vivido permite esta interação e esta tentativa de fuga, mas que
permanecem abafados, sob a “homogeneidade” da vida urbana.
Além disso, é na cotidianidade vivida que surge a possibilidade de
transformação social e de luta por justiça social. Esta dimensão permite
que surjam grupos de resistência, grupos de pessoas que percebem seu
cotidiano e o negam. Estes grupos se multiplicam na atualidade, sob a
forma de ONGs, movimentos sociais, como forma da sociedade de
participar diretamente da distribuição, ou da contestação, da geração da
riqueza e do poder.
Determinados movimentos sociais de cunho urbano caracterizam a
“resistência à imposição de uma cidade como mercadoria, construída a
partir de consensos que despolitizam as mobilizações, reforçam o reclamo
referente ao direito à Cidade e à justiça social” (MARTINS, 2009, p. 34). O
cotidiano, portanto, nos permite o olhar próximo da realidade, do vivido, e
se expressa como campo de luta a partir de sua negação (Foto 03).
Foto 3 – Cena do Filme Hiato – 2000
57
Fonte: site youtube.com
O documentário Hiato (2000) traz uma reflexão sobre o abismo entre as classes sociais do nosso país e a forma como se relacionam. O filme
mostra o grande hiato entre as classes, quando movimentos sociais se organizaram para uma visita a um famoso shopping em São Conrado, na
zona sul da cidade, com lojas de grifes nacionais e internacionais, e sofreram forte repressão policial, alem de serem rechaçados também por
lojistas e freqüentadores do shopping.
2.6 – O direito à cidade
O espaço urbano é a marca da sociedade que o produz, sendo
constantemente transformado. A produção do espaço capitalista gera
conflitos e contradições, conforme nos aponta Carlos (2006, p. 286)
quando diz que “o conflito é produto da contradição entre o espaço vivido
como valor de uso e o espaço que se reproduz, tendencialmente, como
valor de troca; um conflito que se desenvolve na vida cotidiana e se
manifesta como problema espacial. (...) Esse conflito é prático (social)”.
Se a cidade e o urbano têm a capacidade de influenciar na
organização da sociedade no espaço urbano, é necessário que se discuta
o acesso aos diferentes equipamentos urbanos, ao lazer, a reunião, a
informação pelos diferentes atores sociais, e como este acesso se dá de
forma desigual. A cidade reproduz e expressa, portanto, toda a
58
desigualdade existente na sociedade capitalista, e o direito à cidade fica
assim comprometido.
De acordo com Buonfiglio (2007, p. 01) “o conteúdo radical do
direito à cidade nos abre uma perspectiva de análise da cidade como
objeto de luta”. A cidade, a vida cotidiana e o imaginário social vindo
desta cotidianidade abrem um campo para discutirmos o direito à cidade,
tanto por meio material, com implantação de infra-estrutura urbana e
moradia digna, quanto por meio imaterial, através da luta de cada grupo
pela produção do seu próprio espaço. (MARTINS, 2009, p. 34)
O que entendemos aqui como direito à cidade, como direito à vida
urbana, direito aos equipamentos urbanos, ao controle do território, direito
à atividade criadora, simbolismo, à atividades lúdicas. O direito a cidade
deve passar pela participação na formação do território e pela real
apropriação do grupo social sobre o território que ele ocupa. O direito à
cidade “deveria modificar, tornar mais concretos e práticos os direitos do
cidadão, tornado citadino, usuário de múltiplos serviços” (LEFEBVRE,
1991, p. 8).
O direito à cidade é visto como uma utopia, ou utopiano, como
aponta Lefebvre (2008, p. 34), algo que deve ser constantemente
buscado, desejado, pensado à perfeição. Segundo Harvey (2006, p. 239-
240) a alternativa que corresponde melhor a contemporaneidade é a
busca por um utopismo espaço-temporal (utopismo dialético), onde “a
produção do espaço e do tempo terão de ser incorporadas ao
pensamento utópico”. Negando teorias utópicas que vêem o espaço como
uma forma espacial fixa, como uma produção pensada e desenvolvida
pelos atores sociais dominantes e pelo Estado, Lefebvre e Harvey
apontam que a produção do espaço deve permanecer uma possibilidade
aberta. O direito à cidade deve ser incluído no planejamento urbano, mas
para que seja efetivo é necessário que ocorram profundas mudanças nas
relações sociais, incluindo o modo de produção (LEFEBVRE, 2008, p.
34).
O que queremos enfatizar nesta discussão é o quanto é importante
o domínio e a apropriação do território pelos usuários desse espaço. Já
demonstramos aqui o quanto é importante esta apropriação para a
59
utilização do espaço como um instrumento. Lefebvre (1991, p. 104)
chama a atenção para a necessidade criadora, de obra, de concepção do
espaço de moradia, de convívio e de reunião. Neste sentido,
concordamos com Harvey (2009, p. 3) quando diz que não é possível
solucionar os problemas urbanos e os conflitos pelo solo urbano se não
for garantida a participação dos cidadãos nos processos de produção e
configuração das cidades, e que o direito à cidade envolve, portanto, o
direito de participar da produção e da reprodução do tecido urbano de
forma a atender as necessidades da massa da população.
A questão do direito à cidade passa, portanto, pela luta dos
diferentes grupos sociais pelo domínio e apropriação do espaço urbano
nas grandes cidades capitalistas. Desta luta surgem espaços segregados
e locais onde surgem pequenas formas de resistência. A luta das classes
por melhores condições também envolve naturalmente a busca pela
melhor localização espacial e a utilização dos equipamentos urbanos.
O espaço urbano capitalista, hoje, é marcado por essas
características: uma aparente ausência de ordem, mas uma tendência à
homogeneidade e ao mesmo tempo à diversidade (hierarquia) dos
lugares, ou a homogeneidade do todo e a diversidade das partes, que se
contrapõem na cidade e evidenciam uma relação dialética. O urbano é
local de conflito entre classes sociais que disputam a apropriação do
espaço, locus das relações sócias de produção, que geram grande
desigualdade na organização do espaço.
60
3. As favelas no Rio de Janeiro: Origem e situação atual
Favela Macedo Sobrinho – removida em 1970
Barracão De zinco
Sem telhado Sem pintura lá no morro
Barracão é bangalô Lá não existe
Felicidade De arranha-céu
Pois quem mora lá no morro Já vive pertinho do céu
(Herivelto Martins)
61
Para entender o processo de produção do espaço urbano na
cidade do Rio de Janeiro e como este processo contribuiu para a atual
organização do espaço, caracterizada pela intensa fragmentação social, é
necessário voltar ao processo de formação da cidade, principalmente ao
inicio de sua transformação em espaço adequado às exigências do modo
de produção capitalista. Este período, correspondente a segunda metade
do século XIX, nos interessa aqui devido ao seu papel transformador da
cidade, de sua antiga forma colonial-escravista para uma cidade
adequada aos interesses do capital e do Estado Republicano.
Neste capítulo, buscaremos apresentar a formação e o
desenvolvimento da cidade tendo como foco o objeto de estudo favela e
as contradições que envolvem a sua localização. As favelas surgem e se
espalham pela paisagem de toda a cidade ao longo dos séculos XIX e
XX, mas entendemos que estão inseridas na lógica da formação
econômica e social da cidade. Por isso, optamos pela divisão do capítulo
por tópicos para a melhor visualização do tema e do objetivo que nos
propomos aqui. O entendimento das origens da favela e como elas se
desenvolvem na cidade do Rio será importante para compreendermos os
conflitos e contradições que envolvem a relação entre a favela e os
bairros.
2.1 – O surgimento das favelas na paisagem carioca
Segundo Abreu (1988, p. 35), é somente a partir da segunda
metade do século XIX e início do século XX que a cidade passa por um
processo de transformação em sua forma urbana, apresentando pela
primeira vez uma estrutura de classes espacial marcada pela
estratificação em termos de classes sociais. A abolição da escravatura, o
surgimento da indústria e o incremento do comércio e serviços na área
central da cidade fazem com que se solidifiquem as classes sociais e se
inicie uma luta pelo espaço, gerando conflitos que vão se refletir
claramente no espaço urbano da cidade.
62
O principal conflito vai surgir com a presença dos pobres na área
central da cidade. Segundo Abreu (1988, p. 42),
sede agora de modernidades urbanísticas, o centro, contraditoriamente, mantinha também sua condição de local de residência das populações mais miseráveis da cidade. Estas, sem nenhum poder de mobilidade, dependiam de uma localização central, ou periférica ao centro, para sobreviver. (...) A solução era então o cortiço, habitação coletiva e insalubre e palco de atuação preferencial das epidemias de febre amarela.
Os cortiços, grandes casarões onde morava grande número de
famílias, abrigavam cerca de 50% da população carioca no período entre
1850-70 (CAMPOS, 2004, p.53). No ano de 1866, proíbe-se a construção
de novos cortiços e se instala a “ideologia da Higiene”, dando início ao
processo de destruição dos cortiços. A população pobre vai sendo aos
poucos expulsa do centro da cidade. O período que nos chama atenção
aqui é o que corresponde ao fim dos cortiços na área central, pois este
período significa um momento marcante de exclusão social dos pobres na
cidade do Rio de Janeiro. Concordamos com Vaz (1991, p. 140) quando
aponta que ocorreram três momentos principais de exclusão social na
evolução urbana da cidade: a proibição e demolição dos cortiços, as
reformas e modernização da área central e o código de obras de 1937,
que adotou a verticalização como solução para o problema da moradia,
ratificando seu caráter elitista e lançando a moradia da classe de baixa
renda na ilegalidade. É a partir da condenação e proibição dos cortiços
que vamos analisar a evolução das favelas na cidade do Rio de Janeiro.
Esta população, conforme Abreu ressalta, não podendo se afastar
do centro da cidade, de uma maior concentração de ofertas de trabalho,
vai buscar outras formas de se manter no centro, surgindo então as
primeiras favelas. O desenvolvimento urbano da cidade e a falta de
mobilidade do pobre fazem com que se torne fundamental para ele
permanecer nas áreas centrais, independente das condições de
habitação que são “oferecidas”. Segundo Lessa (2005, p. 291),
“prevalecerão a busca de proximidade com o mercado de subsistência e a
63
redução de tempo de deslocamento, em detrimento da densidade e
insalubridade nos ex-quilombos, cortiços e favelas.”
Segundo Abreu e Vaz (1991, p. 2),
o aparecimento da favela está intimamente ligado a todo um conjunto de transformações desencadeadas pela transição da economia brasileira de uma fase tipicamente mercantil-exportadora para uma fase capitalista-industrial. (...) Trata-se do momento em que a economia cafeeira fluminense entra em crise (...) reorientando toda uma estrutura já consolidada de comportamento do capital mercantil; do momento em a cidade passa a ter um crescimento demográfico extremamente rápido (fruto de migrações internas e estrangeiras) que agravava sobremaneira a questão habitacional.
A tese mais difundida a respeito do processo de formação das
favelas é a de que a primeira favela surge com a chegada dos soldados
que combateram em Canudos e ocuparam as encostas do Morro da
Providência (que ficou conhecido como Morro da Favela, dando origem a
denominação) e de Santo Antônio a partir de 1897, ainda na área central,
revelando-se a primeira contradição, que é a falta de moradias suficientes
para atender a população que chegava à capital do país. Inicia-se assim,
segundo Abreu (1988, p 36) uma separação dos usos e das classes na
cidade.
Foto 4 – Morro da Favella, início do século XX
Fonte: site favelatemmemória.com.br
64
Foto 5 – Morro de Santo Antonio – 1914
Fonte: KOK, Glória. Rio de Janeiro na época1
As imagens mostram os primeiros morros ocupados na região central pela população pobre da cidade. O morro da Favella estava localizado logo atrás do principal cortiço da
cidade, o “Cabeça de Porco”, e onde hoje se localiza a favela da Providência. O morro de Santo Antônio foi
parcialmente demolido para a construção do Aterro do Flamengo e para a abertura de duas grandes vias na cidade, sendo a população retirada do local. Chama atenção nas fotos a precariedade das construções
(basicamente de madeira e zinco) e a falta de qualquer infra-estrutura urbana.
2.2 – A expansão das favelas: Subúrbio e Zona Sul
A implantação dos trens e dos bondes vai ajudar a orientar esta
separação, sob o “comando” do Estado e dos proprietários dos meios de
produção, permitindo a efetiva expansão da cidade e o espraiamento da
população para novas áreas da cidade. Segundo Abreu (1988, p. 43), o
período entre 1870 e 1902 representa a primeira fase de expansão
acelerada da malha urbana carioca.
No início do século XX, os trens vão ser fundamentais para a
ocupação das áreas suburbanas da cidade, enquanto os bondes, sendo
implantados por empresas privadas, em geral internacionais, vão orientar
a ocupação da Zona Sul da cidade. Neste período já estava se 1 Disponível na internet no site www.educacaopublica.rj.gov.br/.../image008.gif
65
delineando a ocupação da Zona Sul pelas classes sociais mais abastadas
da época. Onde antes se tinham pequenas chácaras de fim de semana e
pequenas comunidades pesqueiras, começam a surgir alguns dos mais
importantes bairros da cidade, voltados para atender as classes de mais
alta renda.
A Reforma Passos, ocorrida no início do século XX, foi fundamental
para determinar a expulsão dos pobres do centro da cidade. Ao abrir
grandes espaços, alargar ruas e destruir cortiços que ainda restavam, a
administração Passos
viabilizou então o desenvolvimento de sua própria negação, ou seja, a proliferação de um habitat que já vinha timidamente se desenvolvendo na cidade e que, por sua informalidade e falta de controle, simbolizava tudo o que se pretendeu erradicar da cidade. Este habitat foi a favela (ABREU e VAZ, 1991, p. 3).
Foto 6 – Abertura da Avenida central – 1904-1905
Fonte: Fonte: KOK, Glória. Rio de Janeiro na época
A imagem mostra a demolição de casas e cortiços na área central da cidade para a abertura da Avenida Central, no
início do século XX. A avenida foi uma das mais importantes obras da chamada Reforma Passos, e
contribuiu bastante para retirar do centro muitos cortiços e expulsar grande número de população pobre.
66
A presença da favela na área central e na Zona Sul da cidade se
configura como uma importante contradição no espaço urbano. Já neste
período, as classes sociais mais abastadas começaram a ir em direção a
Zona Sul da cidade, na área litorânea, já no final do século XIX, quando
se difunde a idéia da praia como amenidade, como local de práticas
esportivas e saudáveis, chamando atenção também a possibilidade de
um maior contato com a natureza. Bairros mais próximos ao centro, como
Glória e Catete, sempre receberam esta população mais abastada, sendo
seguidos por Botafogo já na metade do século. É importante lembrar
também que este movimento das classes mais altas da sociedade carioca
para a chamada Zona Sul foi acompanhado de perto pelo Estado e pelos
agentes imobiliários, que ao mesmo tempo em que produziam o espaço
voltado para as classes altas, criavam assim condições para a chegada
de trabalhadores pobres aos locais reservados às classes altas. A
ocupação da Zona Sul, portanto foi pensada, planejada e financiada pelos
agentes de reprodução do espaço urbano que desejavam a reprodução
do capital e atender as necessidades de uma população de alta renda, e
que permitiram também a presença e ocupação de trabalhadores pobres
no local para atender a demanda de mão-de-obra.
O Estado sempre esteve presente no processo de urbanização da
Zona Sul, dotando da infra-estrutura necessária para a ocupação das
classes altas. É importante aqui ressaltar que estas áreas não eram
totalmente desabitadas antes da ocupação pelos promotores imobiliários.
Além de algumas residências de classes altas, havia no local pequenas
populações de pescadores (Copacabana) e residências pobres (Lagoa).
Ao longo da ocupação da área pelos agentes imobiliários e pelo Estado,
estas populações foram expulsas.
A expansão para o restante da Zona Sul ocorreu na segunda
década do século XX. A partir da década de 1920, iniciou-se a ocupação
de Copacabana, sendo impulsionada pela construção do Hotel
Copacabana Palace, pelo chamado Túnel Velho, ligando Botafogo a
Copacabana, e pela instalação de uma linha de bonde integrando todo o
bairro (a linha data do final do século XIX). Neste período, iniciou-se
também a construção de um loteamento voltado para as classes altas da
67
sociedade para a ocupação de Ipanema e Leblon. Também neste
período, a chegada do Bonde até a freguesia da Gávea permitiu sua
efetiva ocupação. O Mapa 01 mostra a localização da área referente à
Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
68
Mapa 01: bairros da zona sul na cidade do rio de janeiro
Zona Sul
69
2.3 – A Chegada do migrante
O desenvolvimento da área central e da Zona Sul e a expansão
industrial ocorrida no início do século XX vão atrair grande número de
migrantes e população pobre para a cidade, que teve grande incremento
populacional nesse período. O Estado, voltado para atender aos
interesses do capital industrial e imobiliário, não desenvolveu políticas
habitacionais que dessem conta desse grande quantitativo populacional
pobre que a cidade recebeu.
A cidade do Rio de Janeiro, como capital do Império e da república,
sempre possuiu um importante potencial de atração de pobres em busca
de melhores condições de vida e possibilidades mobilidade vertical.
Segundo Lessa (2005, p. 292), a metrópole carioca desde o século XX,
assim como outras metrópoles, possuem intensa atração da pobreza, e
nesse momento principalmente a pobreza rural, porque, segundo Lessa
(2005, p. 293), a metrópole
Apesar de toda a precariedade, eleva o padrão de bem-estar e a acessibilidade aos serviços sociais. A metrópole, quando cresce, é um canteiro de obras e um espaço de possibilidades que atrai, continuamente, mão-de-obra livre e pobre das cidades menores e da zona rural.
A cidade atraiu grande contingente de migrantes, desde o início do
século XIX2, principalmente de portugueses, tendo sendo o Rio de
Janeiro o principal destino deste grupo. Já na segunda metade do século
XX este fluxo diminui, ganhando força o fluxo de migrantes de outras
regiões do país, principalmente do Nordeste. É importante aqui destacar
que essas levas de imigrantes, principalmente nordestinos, vão dar
origem a novos pontos de concentração de população pobre e,
consequentemente a novas favelas, pois “a população de uma região
povoada pela pobreza e consolidada no tecido urbano cresce com sua
2 Cabe destacar aqui a importância de outras cidades e regiões do Brasil como receptoras
de imigrantes. São Paulo merece destaque pela importância do café e da indústria, e foi o local que
recebeu o maior número de imigrantes no país, tendo hoje marcada em sua paisagem a influência
destes grupos.
70
reprodução interna e assimila poucos novos migrantes. As ondas de
recém-chegados irão multiplicar novos pontos de concentração de
pobreza” (LESSA, 2005, p. 293). As redes familiares de migrantes
nordestinos que se formam nas favelas vão incrementar ainda mais a
população favelada na cidade do Rio, visto que as redes funcionam como
mecanismo de acesso a moradia e de inserção no mercado de trabalho
de forma mais rápida (LAGO E RIBEIRO, 2001, p. 36). Estas redes
persistem até hoje, visto que grande parte dos entrevistados nas favelas
em nossas visitas são oriundos das mesmas localidades do Nordeste do
Brasil, além de dados do CENSO 2000 que comprovam que as favelas da
Zona Sul da cidade tiveram um incremento de 40% de sua população no
início da década de 1990, enquanto outras regiões da cidade registram
um número muito pequeno de migrantes Nordestinos no mesmo período,
o que comprova a persistência e a importância das redes familiares para
a vinda destes imigrantes para a cidade do Rio de Janeiro (LAGO, 2003,
p. 126).
A questão da formação econômica da cidade ao longo dos últimos
séculos tem importância para entendermos quem é o pobre na cidade
hoje e porque se formam importantes núcleos de concentração de
pobreza por todas as áreas da cidade. Entendemos que para entender o
processo de favelização é preciso pensá-la em um contexto maior, de
desenvolvimento econômico. Recorremos então novamente a Lessa
(2005, p.305) para tentar entender quem é o favelado no Rio:
a chaminé industrial não está na silhueta do Rio. O Rio é marcado pela favela, com forte e imediata associação à pobreza. A favela coloca sob foco o pobre, e em segundo plano o operário. (...) Para o entendimento do fenômeno em sua manifestação pioneira na cidade do Rio, é necessário pensá-la no bojo da urbanização que a cidade sofreu pós-Revolução Industrial. A urbanização do Rio, intensa e assimilando as inovações da modernidade, não foi acompanhada por uma intensa industrialização. É isso que diferencia a favela do Rio da clássica população miserável de qualquer grande cidade asiática.
71
Fica claro aqui que o pobre na cidade do Rio de Janeiro não foi o
operariado, visto que este ocupava pequena parcela da população na
cidade. A maior parte da população carioca, principalmente a que residia
nas proximidades do centro e da Zona Sul, estava ocupada no setor de
serviços, sendo predominantes as atividades ligadas a administração
pública, o que veio a gerar uma demanda por um contingente direta e
indiretamente ligado ao padrão de vida dos grupos abastados da
população. No início do processo de favelização da cidade, fica claro que
a população pobre vai procurar se localizar à retaguarda das classes
sociais com maior poder aquisitivo e vai subsistir como mão-de-obra de
diferentes atividades para os grupos sociais abastados3, fato que
permanece até hoje, com a permanência dos moradores de favelas
essencialmente como trabalhadores de serviços, conforme aponta a
Tabela 01 (LAGO E RIBEIRO, 2001, p. 36).
Tabela 01 - Perfil sócio-ocupacional da população ocupada e do migrante nordestino ocupado, residentes nas favelas da zona sul e da zona norte no município do Rio de Janeiro, 1991
Favelas da Zona
Sul e Norte
Categorias socioocupacionais
Elite Pequena
burguesia Classe média Operário Prolet. Terc. Subprolet.
Pop. Residente 1,30% 3,40% 17,00% 20,90% 37,30% 19,80%
Migrante NE 0,40% 0,70% 6,40% 15,70% 59,70% 16,90%
Fonte: Censos Demográficos, FIBGE; Iplanrio, 1991.
O crescimento da cidade veio acompanhado de uma grande
contradição: a falta de moradias para os pobres. Inicia-se aí a crise
habitacional e o processo de favelização em toda a cidade do Rio de
Janeiro, que vai culminar em grandes problemas e conflitos sociais na
atualidade. O crescimento da população da favela se mostrou muito mais
intensa do que no restante da cidade. Segundo apontam Ribeiro e
Azevedo (1996, p. 14), “a população residente em favela cresceu 27,8%
entre 1970 e 1980, enquanto a população total aumentava 19,7%”, o que
demonstra a incapacidade do mercado de moradias e a ausência de
3 Sobre este assunto ver também LAGO, Luciana Correa. Desigualdade e Segregação na
Metrópole.
72
políticas públicas voltadas para a habitação no atendimento da demanda
da população pobre, além dos migrantes que chegavam à cidade (Tabela
02).
Tabela 02 – Crescimento da população total e residente em favela no município do Rio de Janeiro, 1950/1991
Anos pop. RJ pop. Favel. Cresc. Pop.
RJ a.a Cresc. Pop.
Fav. a.a Pop. fav./ pop. RJ
1950 2.375.280 169.305 – – 7,13%
1960 3.300.431 335.063 3,34% 7,06% 10,15%
1970 4.251.918 565.135 2,57% 5,37% 13,29%
1980 5.090.723 722.424 1,82% 2,49% 14,19%
1991 5.480.768 962.793 0,67% 2,65% 17,57% Fonte: Censos Demográficos, FIBGE; Iplanrio, 1991.
Conforme dados da Tabela 02, a população moradora de favela
apresentava um ritmo de crescimento intenso a partir da década de 1950,
enquanto os demais moradores começaram a apresentar um ritmo de
crescimento bem menor a partir da década de 1980. Vale destacar
também que o ritmo de crescimento da população favelada também
diminuiu a partir desta década, provavelmente impulsionada pela
diminuição da chegada de imigrantes nordestinos na cidade. Segundo
Lago e Ribeiro, (2001, p. 34) as razões que explicam essa diminuição do
crescimento da população favelada na cidade foram os loteamentos
periféricos, com baixos investimentos em infra-estrutura e comercialização
à longo prazo, o que tornou-se o principal meio de acesso dos pobres à
casa própria, além da política de remoções da década de1960 e 1970.
2.4 – A favela ganha destaque no cenário carioca: A atuação do poder público
A evolução do crescimento das favelas ao longo do século XX foi
notável. “De um início discreto, a favela impôs sua presença efetiva no
73
espaço urbano e no imaginário do Rio de Janeiro a partir dos anos 20”
(Lessa, 2005, p. 296). A partir dos anos de 1930 as favelas ganham maior
visibilidade na cidade. O Plano Agache foi o primeiro documento oficial a
citar a presença de favelas no Rio de Janeiro, quando esta presença já
começava a incomodar. No censo de 1948, já se registrava uma
população de 138.837 habitantes morando em 105 favelas, o que
representava 7% da população da cidade. As favelas estavam
distribuídas por toda a cidade, sendo os pontos de maior concentração a
Zona Norte (29,5%) servida pelo trem, a área central (22,7%) e a Zona
Sul (20,9%) (VALLADARES, 1978, p. 22).
Durante o período que vai de 1945 à 1965, surgem novos conflitos
em relação as áreas valorizadas da cidade e a presença de população
pobre nessas áreas. As favelas, apesar de incômodas, serviram como
instrumento político, como campo de atuação de políticos, que ofereciam
barganhas para os favelados em troca de votos, que nessa época
representavam quase 10% da população carioca. A favela passa a ter,
portanto, maior visibilidade no cenário político e cultural da época. Na
década de 30, o samba, nascido na praça Onze e subindo a favela
posteriormente, passa a figurar nos principais circuitos da música carioca,
assim como as escolas de Samba, até hoje muito ligadas as favelas,
passam a fazer parte do programa oficial do carnaval da cidade
(BURGOS, 2004, p. 26).
No campo da política, as favelas são reconhecidas como campos
de possíveis tensões. Conforme nos aponta Valladares (1978, p. 26), “as
favelas constituíram um campo fértil para a demagogia política (...) [pois]
os políticos tornaram-se verdadeiros intermediários entre a população
local e o 'mundo de fora', de onde provinham os recursos e os serviços”. É
neste contexto de tentativa de controle e de clientelismo que surgem os
parques proletários, primeira política habitacional do governo para a
população de baixa renda, onde os habitantes das favelas eram vistos
como “almas necessitadas de uma pedagogia civilizatória” (BURGOS,
2004, p. 28), sendo submetidos a diferentes mecanismos de controle,
como fornecer atestados de bons antecedentes e sessões de lições de
moral. Os Parques Proletariados da Gávea, Leblon e Cajú foram
74
construídos entre 1941 e 1943 e removeram cerca de 4.000 moradores,
com a promessa de que a moradia no parque seria provisória, e que os
moradores poderiam retornar para as áreas de onde foram removidos
quando estas passassem por obras de urbanização. Os Parques
Proletários acabaram funcionando como um mecanismo de fixação
territorial de moradores de favela4, mas com a valorização dos bairros
onde foram instalados, principalmente Leblon e Gávea, os moradores são
removidos novamente para áreas menos valorizadas. O Parque Proletário
da Gávea foi removido em 1970 e sua população foi fixada na Cidade de
Deus.
Foto 07 – Remoção do Parque proletário da Gávea
Fonte: site Favelatemmemória.com
As imagens mostram a remoção do Parque Proletária da Gávea em 1970, dá área onde hoje funciona o
4 Segundo o site Favela Tem Memória, as condições de vida nos parques eram precárias,
mas havia a presença do poder público com diferentes atividades. “Feitas de madeira, cobertas
com telha vã e divididas em blocos, as casas proletárias não eram equipadas com cozinha, nem
instalações sanitárias ou rede de esgoto, somente uma bica d’água. Mas os moradores tinham
acesso a uma série de serviços gratuitos dentro do Parque, como cursos profissionalizantes,
creche, posto médico e capela. Havia ainda banheiros e tanques coletivos para cada bloco de
casas”.
75
estacionamento da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). A remoção do Parque veio na série de remoções de favelas da Zona Sul do Rio, e não cumpriu a promessa de retorno aos lugares de onde vieram, a maioria de favelas
também da Zona Sul.
Outros atores entram em cena neste momento para garantir a
ordem pública, como é o caso da Igreja Católica, que apontava a favela
como possível reduto de comunistas. A Igreja então cria a Fundação Leão
XIII, em 1947, e em 1955, cria a Cruzada São Sebastião. A fundação
Leão XIII, com interesses políticos claramente definidos (conforme
pesquisa do SAGMACS: “é preciso subir o morro antes que de lá desçam
os comunistas”), tinha como objetivo “assegurar assistência material e
moral aos habitantes dos morros e das favelas do Rio de janeiro,
fornecendo escolas, creches, dispensários, maternidades, cantinas e
conjuntos habitacionais populares” (Valladares, 2005, p.76). A igreja
surge como alternativa para controle das massas, e com o fim da ditadura
do estado-novo, a igreja assume o papel de intermediária entre as favelas
e o poder público. Mesmo com a atuação da Igreja, surgem nas favelas
as primeiras organizações de moradores (embriões das associações de
moradores atuais), assim como a União dos Trabalhadores Favelados. As
favelas começam a mostrar uma mínima organização e inclusive com a
associação à partidos políticos (VALLADARES, 2005, p.76; BURGOS,
2004, p. 29).
Os primeiros sinais de politização da favela expressam uma grande
contradição na relação entre o poder público e os favelados, que sempre
estiveram à parte da cidade, gerando assim a necessidade de uma maior
atuação da Igreja. É quando surge a Cruzada São Sebastião, uma
entidade com atuação mais intensa nas favelas, tendo como líder Dom
Helder Câmara. Tinha como objetivo, segundo Valladares (2005, p. 77),
promover, coordenar e executar medidas e providências destinadas a dar solução racional, humana e cristã aos problemas das favelas do Rio de Janeiro (...) mobilizar os recursos financeiros necessários para assegurar, em condições
76
satisfatórias de higiene, conforto e segurança, moradia estável para as famílias faveladas; colaborar na integração dos ex-favelados na vida normal do bairro.
Enquanto a fundação Leão XIII atuou mais no sentido de
cristianização e assistência moral às populações faveladas, a Cruzada
São Sebastião desenvolveu suas atividades mais voltadas para as
condições de moradia, realizando obras de urbanização, infra-estrutura e
novas moradias. Suas obras mais importantes foram a construção do
conjunto habitacional Cruzada São Sebastião, no Leblon, construído para
abrigar parte da população removida da favela da Praia do Pinto, na
Lagoa, obras de urbanização na favela Morro Azul, no Flamengo, e
parque Alegria, além da instalação de redes de iluminação, esgoto e
telefonia em mais de 50 favelas por toda a cidade.
A presença da Igreja como forma de controlar e intermediar a
relação entre o bairro e a favela era sentida tanto pelos moradores das
favelas como pelos moradores dos bairros. Enquanto a Igreja estava
presente de forma efetiva, a sensação era de controle e de ausência de
conflitos, conforme observamos na fala de um antigo morador do bairro
do Flamengo, das proximidades da favela do Morro Azul, que aponta a
importância da Igreja para o controle da favela.
Há 30 anos, um pároco da Igreja do bairro, da Santíssima Trindade, padre Paulo, ele cuidava, ele levava com mãos-de-ferro a favela. Não existia associação de moradores naquela época e todo mundo respeitava o Padre Paulo, inclusive a bandidagem. Essa favela tem uma característica também que ela tem um prédio enorme que foi construído pelo Dom Helder Câmara que plantou esse edifício no meio da favela. Isso fez, com o passar do tempo, que essa favela, o Morro Azul, fosse ainda sim respeitada, não tivesse grandes problemas e ela nunca evoluiu muito pra um grande foco de tráfico ou coisa parecida (...) A influência da paróquia era muito grande.
77
Fica clara na fala do morador o quanto foi importante a participação
da Igreja no trabalho de urbanização e outros equipamentos urbanos na
favela, assim como para garantir a boa relação com o bairro. O edifício
citado na fala do morador foi construído pela cruzada São Sebastião
dentro da área da favela como residência para alguns moradores que
podiam pagar por uma moradia de baixa renda, recebendo ainda o nome
do Pároco do bairro, edifício Padre Paulo. O morador entrevistado cita
ainda a presença da Fundação Romão Duarte, uma creche que abriga
muitas crianças da favela e fica bem próxima dela.
Foto 08 – Favela Morro Azul
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
A foto mostra parte da favela do Morro Azul, com a vista da rua Paulo VI. A favela passou por uma urbanização parcial
promovida pela Cruzada São Sebastião. A construção principal na parte central da foto é o referido prédio, com
moradores da própria favela que adquiriram como moradia para baixa renda, o Edifício Padre Paulo.
A atuação no poder público neste período (de 45 à 60), portanto,
colaborou para manter a ordem e o domínio sobre as áreas de favela,
78
além de garantir a permanência das mesmas nas áreas mais valorizadas
da cidade. Novamente, apontamos aqui o conflito entre os interesses do
estado e do capital, principais agentes da produção do espaço urbano, e
os interesses dos trabalhadores pobres urbanos, que sem grandes
escolhas, estavam a disposição dos interesses dos primeiros. Mesmo
assim, algumas favelas foram removidas para conjuntos habitacionais
distantes, localizados no subúrbio, como a do Morro do Pasmado em
Botafogo, removida em 1964, sendo seus moradores levados para Vila
Kennedy, localizada no bairro de Senador Camará, na Zona Oeste da
cidade.
A implantação da ditadura militar no Brasil representou grandes
impactos na organização social e espacial da cidade, além do
esvaziamento do poder político citado acima. A cidade esteve marcada
pela implantação de grandes indústrias e grandes obras de infra-
estrutura, além da fusão do estado da Guanabara e do Rio de Janeiro. O
período da ditadura militar foi de intensa repressão às favelas e à
população pobre da cidade, sendo um período de muitas remoções de
favelas, principalmente na Zona Sul. Sobre as remoções de favelas na
Zona Sul falaremos de forma mais aprofundada no Capítulo 3, pois
entendemos que representam uma das mais importantes contradições
nas relações entre a favela e os bairros na área mais nobre da cidade.
O período de 1960 a 1980 foi um período de muitas incertezas para
a população favelada, marcado principalmente por remoções e intensa
opressão política. As associações e organizações dos moradores que
começaram a se formar na década de 1940 e 1950 foram completamente
dissolvidas durante o período de repressão política. Além disso, as
décadas de 1970 e 1980 foram particularmente difíceis para a cidade do
Rio de Janeiro, dentro da lógica econômica do país, pois a cidade passou
por um esvaziamento político e econômico devido à transferência da
capital para Brasília. A política habitacional adotada pelo governo da
ditadura foi um programa maciço de construções habitacionais, através do
BNH e da Cohab (LESSA, 2005, p.314), que muitas vezes não atingia aos
pobres e causou um aumento da favelização apesar das remoções.
79
Durante os anos de 1980, prevaleceu no Rio de Janeiro políticas
sociais clientelistas e uma negação a prática de remoções. A prática
clientelista adotada pelo governo Brizola representou também uma nova
forma de se lidar com as favelas e os excluídos no Rio de Janeiro. Brizola
desenvolveu então projetos que visavam a implantação de infra-estrutura
(rede de água, saneamento e coleta de lixo), pois as favelas do Rio até
este período possuíam infra-estrutura muito precária. Além disso, o
programa mais importante do governo Brizola era denominado “Cada
Família um lote”, que visava à regularização fundiária das moradias nas
favelas (BURGOS, 2004, p. 42). O programa representou o primeiro
projeto social com vias a assumir a presença da favela na cidade,
tornando-as parte da cidade legal, funcionando como uma legitimação da
favela na cidade. O início da década de 1980 representou, portanto,
segundo Lago (2003, p 126), a “adoção de políticas de reconhecimento
das favelas e dos loteamentos irregulares e clandestinos como solução
dos problemas de moradia das camadas populares. Legitima-se a
ilegalidade”.
O governo Brizola representou também o momento da
consolidação dos investimentos feitos pelos próprios moradores de favela
em suas casas, representando a passagem do barracão de madeira e
zinco à casa de alvenaria. A regularização dos imóveis na favela acabou
de vez com a ameaça das remoções, principalmente na Zona Sul da
cidade, onde as favelas estão em áreas privilegiadas quanto à
acessibilidade e próximas do principal mercado de trabalho. As favelas
então passam por um período de mudança, deixando evidenciado o poder
de compra do pobre, visto que rapidamente as favelas foram tomadas por
casas de alvenaria. Segundo Lessa (2005, p. 316), o efeito da política do
governador Leonel Brizola pode ser notado através da intensa
verticalização observada nas favelas do Rio, principalmente na Zona Sul,
pois a alvenaria permitiu a construção de casas de dois e três andares,
que se multiplicaram rapidamente. Hoje, é possível observar inclusive
prédios em algumas favelas da cidade.
Foto 09 – Prédio construído na Rocinha
80
Fonte: Jornal O Globo, 16/03/09
Prédio sendo construído na favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em 2009. As construções de prédios e casas de três pavimentos são muito comuns na Rocinha,
assim como em outras favelas da cidade.
A Zona Sul vai ter grande participação no contingente de favelas
devido ao grande crescimento que se inicia na década de 1940 e vai até
os anos de 1970, quando a Zona Sul passa por intenso processo de
valorização e verticalização. É este mesmo processo que vai gerar as
intensas contradições que vão surgir com força no período citado. A
década de 1990 e o início dos anos 2000 são marcados pela manutenção
da política dos governos anteriores de prover infra-estrutura nas áreas de
favela, além da manutenção da legalidade dos imóveis. Nesse contexto,
surge assim o Programa Favela-Bairro, em 1995, um programa muito
amplo de urbanização das favelas e com alto investimento público e
internacional, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O
Programa ocorreu de 1995 à 2000 e beneficiou 54 favelas e oito
loteamentos irregulares, segundo dados do Instituto Pereira Passos
(CAVALLIERI, 2005, p. 1).
O Favela-bairro, Segundo Cardoso (2002), tem como objetivo
complementar ou construir a estrutura urbana principal (saneamento e democratização de acessos) e oferecer condições ambientais de leitura
81
da favela como bairro da cidade., segundo os termos do Decreto no 14.332, de 7 de janeiro de 1995. O programa tem como metas .a integração social e a potencialização dos atributos internos das comunidade.
O programa, portanto, assumia favela como a não-cidade, como
algo que precisava ser integrado ao território da cidade. Buscava levar
para a Favela tudo que havia no bairro: calçamento, ruas largas,
esgotamento sanitário, creches, postos de saúde, além da regularização
dos imóveis e da realocação das moradias em áreas de risco, enfim,
buscava a utilização racional do espaço, assim como acontece nos
bairros (LESSA, 2005, p.315; DAVIDOVICH, 2000, p. 122). Existiam
critérios para a participação da favela no programa, como o número de
domicílios, o déficit de infra-estrutura. Os resultados do programa logo
aparecem, também conseqüência da atuação das administrações
anteriores, quando praticamente 98% das moradias em favelas possuem
água e esgoto, coleta de lixo, entre outros fatores.
O programa teve, segundo dados quantitativos, uma boa avaliação
quanto aos equipamentos de infra-estrutura urbana (CAVALLIERI, 2005,
p. 2-4), no entanto, não conseguiu reduzir as distâncias sociais entre a
favela e o asfalto, pois ressaltamos aqui o caráter simbólico da produção
do espaço, que se mantém com a lógica segregadora que o produziu e no
imaginário das pessoas, que continuam a perceber a separação da favela
e do bairro, além da própria manutenção da situação econômica dos
moradores da favela. Somente a urbanização não é capaz de garantir a
efetiva integração das favelas na estrutura do espaço urbano.
A relação da favela e do bairro hoje continua delicada, pois as
favelas se multiplicam por todos os bairros da cidade, sem distinção.
Segundo dados do Instituto Pereira Passos e do IBGE, existem cerca de
750 favelas espalhadas por toda a cidade, e a população favelada passa
de um milhão de pessoas, representando cerca de 18% da população e
ocupando cerca de 42 Km2 da área total da cidade, estando a favela
completamente ligada a paisagem do Rio de Janeiro. Na Zona Sul,
existem 27 favelas registradas, que contam com cerca de 100 mil
82
moradores, ocupando uma área de cerca de 4% da área total dos bairros.
Como lidar com esta situação e melhorar as condições de vida das
pessoas torna-se um desafio cada vez maior.
83
4 – Zona Sul: Proximidade física, distância social
Favela Santa Marta – Botafogo, com vista do Corcovado ao fundo Foto: Marta do Nascimento, janeiro de 2009
Eu só quero é ser feliz Andar tranquilamente na favela onde eu
nasci E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
(...) Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer
Com tanta violência eu tenho medo de viver Pois moro na favela e sou muito desrespeitado
A tristeza e a alegria aqui caminham lado a lado Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela
O pobre é humilhado, esculachado na favela (...)
Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela Só vejo paisagem muito linda e muito bela
Quem vai pro exterior da favela sente saudade O gringo vem aqui e não conhece a realidade Vai pra Zona Sul pra conhecer água de coco
E pobre na favela,vive passando sufoco
Funk Carioca – Rap da felicidade MC Cidinho e Doca, 1995
84
Conforme discutido no capítulo 2, a Zona Sul se configurou como a
principal área de desenvolvimento econômico da cidade a partir do século
XX. Escolhida como local de moradia pelas classes sociais mais
abastadas, Hoje a Zona Sul é a área de maior valorização imobiliária,
além da presença abundante de equipamentos urbanos e de importantes
sub-centros comerciais e de serviços.
Apesar da prosperidade econômica desta área da cidade, ao longo
de seu crescimento surgiram importantes concentrações de população
pobre, principalmente nas encostas de morros, onde não havia interesse
na exploração econômica. Estas concentrações se tornaram hoje
importantes favelas, que geram hoje alguns conflitos e contradições na
área mais valorizada da cidade.
O principal conflito que pretendemos apontar agora é que a
presença de favelas na Zona Sul simboliza uma contradição criada pelo
desenvolvimento econômico da cidade e que por isso sempre foi alvo de
controle pelo Estado, pelos proprietários fundiários e promotores
imobiliários que atuavam na área. Para isso, pretendemos analisar a
realidade da Zona Sul com base na discussão teórica até aqui realizada,
levando em consideração a lógica econômica que a área esta inserida e
sua formação histórica. Para trazer a discussão para o campo do vivido,
foram realizadas entrevistas com associações de moradores de bairros e
favelas, além de entrevistas com moradores e visitas ao local de estudo.
A aproximação com o local de estudo nos permite discutir os
principais conflitos que envolvem a presença de favelas numa área tão
valorizada, assim como apontar as implicações espaciais destes conflitos,
as consequências para os moradores dos bairros e das favelas. Foram
visitadas três favelas na Zona Sul: Santa Marta, Chácara do Céu e
Rocinha, onde foi possível conversar com os moradores a respeito dos
problemas que enfrentam e a relação com os bairros. Foram feitas
também visitas a bairros: Leme, Copacabana, Flamengo, Leblon, onde
conversamos principalmente sobre os principais problemas dos bairros, a
presença das favelas e a formação das Unidades de Polícias
Pacificadoras em algumas favelas.
85
Além dos moradores, ouvimos também algumas associações de
moradores, como a AMAB (Botafogo), AMAF (Flamengo) AMAH (Alto
Humaitá), Urca, Jardim Botânico e AmaGávea, onde foi possível observar
as relações entre estas associações e seus representantes e as favelas
dos bairros onde estão inseridos.
Esperamos, com esta aproximação da realidade do lugar, que seja
possível apontar os elementos que expressam a intenção dos atores
sociais dominantes para manter a lógica segregadora dos bairros da Zona
Sul, assim como as consequências espaciais desta segregação na
paisagem, expressa de forma tão contundente nestes bairros.
4.1 – A formação das favelas na Zona Sul
A presença de favelas na Zona Sul da cidade remonta ao início do
século XX, coincidindo com o período da ocupação dos bairros da Zona
Sul. Concomitantemente com o desenvolvimento urbano da área e a
implantação dos equipamentos urbanos necessários a ocupação pelas
classes abastadas, a população pobre se dirigiu a área para ocupar áreas
não aproveitadas pelo capital imobiliário. Com isso, surgem as primeiras
favelas, como a Cerro-Corá (1903), no bairro do Cosme Velho, Julio Otoni
(1900), no bairro de Laranjeiras, Mangueira (1901) no bairro de Botafogo1.
Estas favelas, assim como outras surgidas na mesma época, surgiram em
terrenos localizados nas encostas dos morros, cedidos por grandes
proprietários mediante pagamento de aluguel. Após o aumento do número
de moradias, os moradores passaram a reivindicar a posse do terreno.
Quase todas as favelas da Zona Sul têm sua formação anterior a
década de 40, período de intenso crescimento da área e de realização de
muitas obras de infra-estrutura urbana, além da instalação de vários
equipamentos urbanos e de lazer voltados para uma população de alta
renda. Estes fatores vão atrair grande número de pessoas para essa
1 Todas as informações sobre o histórico da formação das favelas da Zona Sul foram
retiradas do programa SABREN, Sistema de Assentamentos de Baixa Renda, disponível no
PortalGeo, do Instituto Pereira Passos, baseados em depoimentos dos moradores das favelas.
86
área, que com o controle do Estado e dos próprios atores responsáveis
por muitas dessas obras, vão permitir a instalação dos trabalhadores e
suas famílias nas áreas próximas aos seus empreendimentos. Muitos
desses trabalhadores eram oriundos da região Nordeste, como é o caso
da favela Vila das Canoas, em São Conrado, cuja formação está ligada a
instalação do Clube Gávea Golf, que permitiu a construção de moradias
simples para a instalação de funcionários do clube; da favela Vila Parque
da Cidade, formada a partir da instalação de funcionários do Parque de
mesmo nome, criado em 1939, com o surgimento da favela datando de
1944. É o caso também da favela Chácara do Céu, que tece sua
formação a partir de 1920, com a instalação de trabalhadores nos
terrenos pertencente a companhia Miranda Jordão, que pretendia instalar
no Morro Dois irmãos uma linha férrea. Os trabalhadores da companhia
fixaram residência e deram inicio às obras, mas a linha férrea nunca foi
implantada, com o caminho aberto pelos trabalhadores vindo a se tornar a
atual continuação da Avenida Niemeyer. A favela Chácara do Céu,
conforme relato de uma moradora presente na favela desde sua
formação, “cresceu junto com o bairro do Leblon, e eles (o bairro), não se
incomodavam com a gente, porque todo mundo trabalhava por aqui, não
havia tanta bandidagem”.
Muitas outras favelas podem ser citadas neste contexto de
formação da Zona Sul como área voltada para moradores de alta renda.
Muitas se instalaram no entorno de parques, hospitais ou em bairros de
franca expansão imobiliária, como foi o caso de Flamengo, Botafogo e
Copacabana. A força do ramo de construção civil e posteriormente a
necessidade de mão-de-obra em serviços para atender a população de
classe alta vai atrair grande parte dos trabalhadores pobres que
chegavam a cidade, principalmente os migrantes oriundos de estados do
Nordeste. Os agentes produtores do espaço, neste caso entende-se o
Estado e os agentes imobiliários, vão “determinar” onde esta população
pobre pode se instalar na Zona Sul, em locais onde ela possa servir como
mão-de-obra barata sem atrapalhar a acumulação de capital. Algumas
das mais importantes favelas da Zona Sul da cidade, como o Pavão-
Pavãozinho e Cantagalo em Copacabana, Morro Azul no Flamengo e
87
Santa Marta em Botafogo, formadas basicamente por trabalhadores
originalmente da região Nordeste que vinham para trabalhar no ramo da
construção civil, que demandava grande número de trabalhadores para
esses bairros, posteriormente sendo ocupados pela grande demanda de
serviços que a área exige. Nos depoimentos dos moradores antigos de
bairros como Flamengo, Botafogo e Copacabana, todos afirmam que os
moradores das favelas dos bairros trabalhavam principalmente na
construção civil e em serviços dos prédios, como porteiros, eletricistas,
etc. As mulheres eram babás e empregadas domésticas.
Portanto, as favelas na Zona Sul tinham uma razão de existir
dentro da lógica de acumulação do capital vigente na cidade: servir como
reserva de mão-de-obra barata para atender as demandas de indústrias e
serviços na área. No período citado, os transportes eram precários e
caros, atendendo, portanto somente a população abastada dos bairros e
deixando clara a necessidade dos trabalhadores pobres de residirem
próximos ao seu local de trabalho. Nas décadas de 1930 e 1940, a Zona
Sul era a área da cidade que mais crescia, pois já era praticamente toda
coberta por infra-estrutura urbana básica, como água, esgoto, iluminação,
coleta de lixo e transportes públicos. Vias largas, adaptadas a utilização
do automóvel, grandes residências, hotéis de luxo, importantes teatros e
cinemas, tudo para servir a população que se dirigia para a área nobre da
cidade.
Junto com essa demanda, estavam as populações pobres em
busca de subsistência e moradia. Ao contrário dos já imponentes bairros
da Zona Sul, as favelas da área não possuíam nenhum tipo de
equipamento urbano, estando a população à mercê das imposições dos
moradores e do Estado. A falta de equipamentos urbanos era justificada
na época porque as favelas eram ocupações ilegais, não regulares,
portanto, não faziam parte da cidade e das obrigações do Estado.
Segundo depoimento de moradores do Cantagalo2 , no bairro de Ipanema
as poucas famílias pediam para encher suas latas d´água nas bicas dos jardins das residências da
2 Disponível no site do SABREN, do IPP
88
Rua Saint Roman. Depois, os moradores passaram a descer pelo Caminho da Pedreira e percorrer a Humberto de Campos, batendo de casa em casa. A situação chegou a tal ponto que era preciso pegar água em uma bica em frente à Favela da Catacumba, na Lagoa.
A situação das favelas era precária, tanto na Zona Sul como em
outras áreas da cidade. Mas queremos chamar a atenção aqui da
distância que existia entre moradores de bairros e moradores de favelas,
principalmente quanto a presença de infra-estrutura urbana. Ao mesmo
tempo, como as favelas serviam como fonte de mão-de-obra barata para
a construção civil e outras atividade da área, foram sendo toleradas e
controladas, vigiadas pelos atores sociais dominantes. Podemos citar
vários exemplos deste controle, como a presença da Igreja (conforme
Capítulo 2), além do controle do próprio Estado, como era o caso nas
favelas do Cantagalo e Chapéu Mangueira (Leme). No Cantagalo, foi
instalado um Posto de Observação de um destacamento do Forte de
Copacabana. Segundo moradores, enquanto esteve lá, o Posto de
Observação praticamente controlava a ocupação na área, permitindo
apenas a permanência dos barracos já existentes. Com a sua
desativação, na década de 1980, os mini-sítios dos ocupantes pioneiros
foram retalhados e ocupados, gerando uma configuração próxima à atual.
No caso do Chapéu Mangueira, as construções foram também permitidas
pelo quartel do exército da Praia Vermelha, tendo sido impostas algumas
condições, como a proibição de construções acima da cota oitenta e
abaixo da cota trinta e seis. A vigilância sobre as favelas da Zona Sul tem
uma razão de existir, a valorização imobiliária e a importância econômica
e política da região.
Na Zona Sul, a construção de barracos era proibida, mas desde
1907 já existiam barracos em Copacabana, e em 1916 barracos se
proliferavam por Botafogo e Leme. A construção de barracos era
acompanhada pela repressão, que tentava impedir à força a ocupação
das encostas e áreas alagadiças ainda não utilizadas pelo capital
imobiliário (ABREU e VAZ, 1991, p. 5; VALLADARES, 1978, p. 22).
89
Durante o período que vai de 1940 a 1960, ocorreram diversas
intervenções no espaço urbano da Zona Sul para tentar impedir o avanço
das favelas, mas até então essas intervenções eram pontuais, conforme
as citadas anteriormente.
A Zona Sul vai ter grande participação no contingente de favelas
devido ao grande crescimento que se inicia na década de 1940 e vai até
os anos de 1970, quando a Zona Sul passa por intenso processo de
valorização e verticalização. Os bairros mais antigos, como Glória e
Catete, vão estabilizar seu crescimento, mas os bairros do Flamengo,
Botafogo, Copacabana e Ipanema vão passar por forte processo de
verticalização, em pouco tempo praticamente deixam de existir
residências unifamiliares. É este mesmo processo que vai gerar as
intensas contradições que vão surgir com força no período citado. A
demanda das construções civis vão atrair grande número de
trabalhadores pobres para os bairros da Zona Sul, muitas vezes vindos do
Nordeste pelas já consolidadas redes familiares de migrantes, o que entra
em contradição com o conteúdo social dos bairros, voltados para
população de alta renda. Devido a localização privilegiada das favelas da
Zona Sul, é necessário então que o Estado atue de certa forma com um
controle mais efetivo da área, para impedir o avanço das áreas de favelas
em bairros nobres da cidade. Esta política estará marcada pelas
remoções de algumas favelas na Zona Sul, assim como pela resistência
por parte dos moradores.
4.1.1 – A política de Remoções: a atuação do poder público na área mais valorizada da cidade
As favelas passaram a ser percebidas na paisagem a partir da
década de 1930, principalmente a partir do código de obras de 1937,
ainda durante o Estado Novo, onde eram proibidas as criações de novas
favelas, que eram vistas como uma patologia, uma doença. Nesse
período surgem as primeiras políticas públicas de remoções de favela e
erradicação da pobreza (REIS, 2008, p 4). Segundo Valladares (1978, p.
90
22), “tão logo começaram a se impor no espaço urbano, as favelas
passaram a ser motivo de preocupação e objeto de inúmeros projetos”. O
“problema das favelas” era visto como algo que precisava ser retirado da
paisagem da cidade para que não incomodasse os lugares “altamente
valorizados”, se referindo diretamente ao centro e a Zona Sul da cidade.
Já se via Copacabana como cercado por um “cinto de favelas que vem
descendo a encosta” (ZALUAR E ALVITO, 2004, p. 13-14).
Fica claro nesta discussão que a favela já era uma importante
contradição no solo valorizado da Zona Sul, mas a presença de pobres
nessa localidade era não somente tolerada como muitas vezes
incentivada pelas empresas de construção civil, de bondes e linhas
férreas, conforme discutido no tópico anterior. Muitas empresas permitiam
a instalação dos trabalhadores nos locais próximos às obras ou ao
empreendimento, como forma de minimizar a distância física dos bairros
pobres. “A descoberta da favela pela sociedade civil não nasceu de uma
preocupação com a qualidade de vida de seus moradores, e sim do
incômodo que eles causavam à classe média”, argumenta Marcelo
Baumann (2003).
Este incômodo ficou mais evidente conforme aumentava a
urbanização da Zona Sul, com a tentativa de criar um espaço mais
organizado, planejado, voltado para uma maior qualidade de vida, como
foi o caso dos bairros do Leblon e Ipanema, justamente os bairros onde
se iniciam as remoções.
A política de remoções de favela que se inicia ainda no Estado
Novo e só vai terminar no contexto da redemocratização política vai
seguir a linha da renovação e da necessidade de limpar a cidade daquilo
que não é a cidade, do que não é formal. Podemos apontar dois períodos
principais desta política, um iniciado no governo Henrique Dodsworth e
outro nos governos Carlos Lacerda/Negrão de Lima, já durante a ditadura
militar. Essa política remocionista esteve bastante concentrada em retirar
as favelas das áreas nobres da cidade, em bairros onde as favelas
atrapalhavam as pretensões imobiliárias dos atores sociais dominantes.
Iniciam-se então as remoções de favelas na Zona Sul já em 1941,
com a desculpa de higienizar as áreas e tirar as pessoas de áreas de
91
risco. O primeiro grande projeto de intervenção ocorreu de 1941 à 1943,
quando a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro destrói quatro favelas,
entre elas o largo da Memória, no Leblon (Foto 10) e remove suas
populações para Parques Proletários da Gávea, do Caju e do Leblon,
vindo depois estes parques a serem considerados favelas e sendo
removidos novamente.
Foto 10 – Leblon e Lagoa em 1936
Foto: Blog Foi um RIO que passou.com.br
A imagem mostra o bairro do Leblon em 1936, com destaque para as já existentes favelas da Praia do Pinto, na orla do bairro
da Lagoa, e Largo da Memória, no Leblon. Os bairros já apresentavam uma organização viária e equipamentos urbanos
que atraíam grande contingente de população de alta renda. Vale ressaltar a rapidez da ocupação irregular, já muito expressiva,
com a presença do estado e dos agentes imobiliários que atuavam nos bairros abastados de forma mais lenta.
A imagem deixa clara a necessidade de se remover estas favelas
para manter os bairros organizados, conforme a necessidade da
acumulação de capital. Primeiramente foi removida a favela do Largo da
Memória, e posteriormente a Praia do Pinto. Em 1955, é construída a
Cruzada São Sebastião, um conjunto habitacional no Leblon, que recebe
parte dos moradores removidos da Praia do Pinto, por iniciativa da Igreja
Católica.
92
Podemos dizer que essas primeiras remoções vêm dentro de um
contexto maior de valorização do solo urbano, conforme aponta
Valladares (1978, p. 14):
a política de erradicação de favelas fazia parte de um processo geral de renovação urbana da metrópole, de reorganização do uso do solo, enfim, de desenvolvimento urbano, ou do próprio quadro geral de transformações por que passava a sociedade brasileira
A partir de 1948, acirram-se os discursos sobre remoções de
favelas a partir da figura do então Jornalista Carlos Lacerda, numa série
de artigos intitulada “a Batalha do Rio de Janeiro” ou “Batalha das
favelas”. Já como governador, de 1960 à 1965, inicia uma política
remocionista a partir da COHAB-GB (ZALUAR E ALVITO, 2004, p.15), e
em seu governo a principal favela removida foi a do Pasmado, em
Botafogo, um local onde houve muita resistência contra a remoção, pois
ainda não havia o aparato de força policial do governo militar.
Já no governo Negrão de Lima (1966-1970) se intensificam as
remoções na Zona Sul da cidade, quando as favelas passam por grande
crescimento e atrapalham muito os interesses das classes dominantes.
Em 1968, sob o comanda da CHISAM (Coordenação da Habitação de
Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio), surgem projetos
do governo federal que visam realmente a extinção completa das favelas
em áreas valorizadas, e eliminam as principais formas de resistência,
como as associações de moradores, além da criação de construção de
casas populares (VALLADARES, 1978, p. 29). Não é nosso objetivo aqui
discutir esses projetos, e sim tentar analisar as contradições na produção
do espaço urbano que eles evidenciam. A partir de 1968, varias favelas
foram removidas da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, que a esta
altura já estava consolidada como área de intensa especulação imobiliária
e valorização.
A permanência das favelas na Zona Sul tornou-se mais incômoda,
ficando clara a intenção de se embelezar e valorizar ainda mais essa área
93
da cidade, visto que o programa de remoção se concentrou basicamente
na Zona Sul. Assim, até 1970, foram removidas as favelas da Praia do
Pinto, Catacumba, Piraquê e Ilha das Dragas, no bairro da Lagoa, e
Macedo Sobrinho, no bairro do Humaitá. Estas favelas surgiram no bairro
da Lagoa em um momento em que o bairro não tinha tanta importância
econômica quanto Copacabana e Ipanema, mas posteriormente foi
apropriado pelo capital imobiliário, se tornando hoje um dos bairros mais
valorizados da cidade e livre de favelas. O discurso que predominou na
política remocionista era de que não se podia permitir a existência de
nichos de desordem urbana em áreas nobres da cidade, em uma cidade
com tanta vocação turística (COSTA et al, 2009, p.15).
As favelas citadas foram removidas das áreas nobres, retirando
milhares de pessoas desses bairros e levando para áreas distantes, na
periferia, negando aos seus moradores o direito à habitação onde melhor
lhe couber, sendo negado, portanto, o direito à cidade, pois ali estavam
garantidos a essa população a acessibilidade aos principais meios de
transporte e ao principal mercado de trabalho da cidade, apesar de
negado o acesso à infra-estrutura urbana mais básica como saneamento
e coleta de lixo. Para essa população, era preferível morar em barracos
de madeira e de zinco, com nenhuma infra-estrutura, mas próximo de
amplo mercado de trabalho e da maior possibilidade de garantir a
subsistência, do que ser removido para conjuntos habitacionais muito
distantes, com pouca infra-estrutura.
94
Foto 11 – Favela Praia do Pinto, Lagoa – Dezembro de 1967
Fonte: site Favela tem Memória
Favela removida em 1969, após grande incêndio, que não foi
apurado se acidental ou não. A favela chegou a ser a maior da Zona Sul, chegando a ter cerca de 40 mil moradores e barracos, em sua maioria, bastante precários. No lugar da Praia do Pinto foram erguidos prédios destinados a famílias de classe média e militares, conhecidos atualmente como Selva de Pedra. Grande parte dos antigos moradores foram removidos para o Complexo da Maré (Zona Norte), Cidade de Deus e Vila Kennedy (ambas na
Zona Oeste)
Foto 12 – Morro do Pasmado, Botafogo – janeiro de 1962
Fonte: site Favela tem Memória
Favela removida em 1964; após a saída dos cerca de 2 mil
moradores as casas foram incendiadas. A então secretária de Serviço Social Sandra Cavalcanti divulgou toda a operação na imprensa, o que atraiu muitos curiosos ao local para assistir a
remoção das casas da encosta do morro do Pasmado.
95
Remoções pontuais também aconteceram por toda a Zona Sul em
nome de intervenções urbanas realizadas pelo Estado e por agentes
imobiliários. Segundo Valladares (1978, p. 32)
Os “interesses da cidade” também tiveram seu papel. A avenida que margeia a Lagoa Rodrigo de Freitas, por exemplo, foi alargada nas áreas anteriormente ocupadas pelas favelas da Ilha das Dragas, Piraquê e Avenida dos pescadores; o limite sul da favela da Rocinha foi transformado em saída do túnel Dois Irmãos; obras de sustentação de encostas foram realizadas logo após a remoção de cinco pequenas favelas, localizadas sobre o túnel novo e na Avenida Niemeyer
Outro exemplo que podemos citar destas intervenções pontuais foi
a remoção de barracos da favela Morro Azul para a construção da
estação de Metrô do Flamengo. Segundo relatos de moradores obtidos
em nossos campos, a área escolhida para a estação do Metrô era
predominantemente formada por barracos de madeira bem humildes, que
foram retirados com a desculpa de insalubridade. Só permaneceram na
favela os moradores que podiam construir casas de alvenaria, apoiados
pela Igreja Católica. Segundo relatos de uma moradora da rua Marques
de Abrantes, próxima a estação de Metrô e da entrada da favela Morro
Azul,
Em determinado momento, a trinta e tantos anos atrás [no período das remoções na cidade], um pouco antes da chegada do Metrô, eles definiram que quem tivesse casa de cimento poderia continuar, quem pudesse colocar em ordem, seguir tipo um plano diretor, ficaria. Quem não tivesse condições seria removido, e isso que aconteceu.
As remoções não significaram que a população removida não
voltou para o local de origem. Estudos mostram que na maioria das vezes
as populações retornaram e ocuparam outras favelas da Zona Sul, como
a Rocinha, Vidigal, Cantagalo, que sofreram incremento populacional nas
últimas décadas. Removidos para lugares muito distantes, como
96
Paciência, Senador Camará (Vila Kennedy), Jacarepaguá (Cidade de
Deus), longe do centro da cidade, a grande precariedade de transportes e
de infra-estrutura urbana fizeram com que muitos vendessem suas casas
e retornassem para favelas da Zona Sul (VALLADARES, 1978)
As favelas da Zona Sul surgiram com a função de reserva de mão-
de-obra barata e seriam até então uma reserva de mão-de-obra
desqualificada nas proximidades dos locais onde mais se utiliza mão-de-
obra em serviços. Esta contradição, segundo Davis (2006, p. 39), se torna
clara quando os pobres precisam otimizar o custo habitacional com a
distância do trabalho. O que vai importar, portanto, é a proximidade do
local de trabalho, mais que a qualidade da moradia e das condições de
vida, visto o alto custo dos transportes coletivos na cidade e do tempo
perdido nas viagens.
As consequências das remoções foram muitas. “Livrou” o bairro da
Lagoa da ameaça das favelas3, liberou áreas para a especulação
imobiliária e a atuação do Estado diretamente garantiu a manutenção da
segregação na cidade, pois a retirada da favela contribuiu para elevar o
padrão social de alguns bairros da Zona Sul. Apesar disso, não contribui
para diminuir a população favelada na Zona Sul, nem para reduzir a
heterogeneidade social da Zona Sul como um todo. As décadas de 1970
e 1980 conheceram os maiores incrementos de população favelada na
cidade, além do aumento do número de favelas, apesar desse movimento
ter sido menor na Zona Sul da cidade. O período juntou um momento de
crise econômica no mundo e de ausência de políticas públicas realmente
eficazes voltadas para atender as necessidades das populações pobres.
A política de remoções passa por intenso desgaste, principalmente com a
opinião pública, a partir do final da década de 1970, quando a política em
relação as favelas se modifica para a questão da urbanização das
favelas, principalmente a partir do governo Brizola, conforme discutido no
Capítulo 2.
3 Segundo o jornal O Globo de 11/04/2009, projeções de especialistas em urbanismo
afirmam que, se não tivessem ocorrido as remoções das favelas na Lagoa, hoje o bairro teria cerca
de cem mil pessoas morando em favelas.
97
Durante os últimos vinte anos, a discussão sobre remoções esteve
adormecida, principalmente devido a atuação de governos populistas.
Tornou-se “politicamente incorreto” discutir as remoções. Na atualidade, o
assunto remoções voltou à cena política, principalmente movida pelo
discurso ambiental. Muitas políticas de contenção e de remoção de
favelas agora são motivadas pela criação de áreas de proteção ambiental
e de embelezamento da cidade com grande vocação para o turismo.
Segundo a reportagem do jornal O Globo (COSTA et al, 2009, p.15) o
discurso atual defende que pequenas favelas deveriam já ter sido
removidas, como é o caso da Chácara do Céu, Chapéu Mangueira e
Tabajaras, por coincidência todas localizadas na Zona Sul do Rio de
Janeiro, defendendo ainda que a remoção justificada pela questão
ambiental é legal.
É importante ressaltar que toda a discussão sobre remoções
envolve a lógica de desenvolvimento da cidade e a discussão sobre o
direito à cidade, pois ela determina onde as pessoas devem se localizar
na cidade e quem tem direito de ficar nos bairros. No espaço urbano
carioca as favelas sempre representaram, de certa forma, uma
contradição aos interesses dos agentes sociais dominantes, e
entendemos que a política remocionista expressa um dos elementos que
demonstram a intenção dos atores sociais dominantes em manter a lógica
segregadora da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
4.2 – As favelas na Zona Sul
Mesmo após as remoções, totais e pontuais, a população favelada
na Zona ainda passou por incremento populacional. Enquanto algumas
favelas foram extintas do mapa da cidade, surgiam novas favelas, pois a
dinâmica da lógica capitalista de produção, acirrada a partir da política
neo-liberal, continua a gerar sempre uma massa eterna de excluídos, de
pessoas lutando pela subsistência, e a Zona Sul ainda se configura como
um dos lugares da cidade que oferece maior número de empregos de
98
baixa remuneração (atuando em serviços). Abaixo apresentamos o Mapa
02 com a localização atual das favelas da Zona Sul4 e a tabela com a
contagem populacional das áreas faveladas, além da área ocupada. A
partir da Tabela XX, é possível observar o crescimento das áreas
ocupadas pelas favelas.
4 A favela da Maloca, que se encontra no mapa, foi removida em 2005 por ação judicial de
reintegração de posse, não estando presente, portanto, na tabela
99
Mapa 02: Localização das favelas – Zona Sul do Rio de Janeiro / 2009
100
Tabela 03: dados populacionais da população favelada na Zona Sul do Rio de Janeiro5
Conforme observamos na Tabela 01, a Zona Sul, após as
remoções, foi a área onde houve maior controle da população favelada e
das áreas ocupadas pelas favelas, que nas últimas décadas apresentou
crescimento muito pequeno ou quase nulo (média de crescimento de
1,21%), segundo dados do Instituto Pereira Passos e do IBGE, que
5 Os dados de população e domicílios são ESTIMATIVAS com base nos resultados do
Censo Demográfico 2000 do IBGE. Foram obtidos através da compatibilização entre os limites do
cadastro de favelas do IPP e os dos setores censitários do IBGE.
Favelas Bairro
Nº de moradores
(IBGE/2000) Nº de
domicílios
Área ocupada (m2) em
1998
Área ocupada (m2) em
2008 Variação
média
Babilônia Leme 1.426 381 89.233 90.104 0,98%
Benjamin Constant Botafogo 460 134 12.641 12.641 0,00%
Cantagalo Copacabana 3.884 1.009 64.377 64.949 0,89%
Cerro-Corá Cosme Velho 1.012 256 13.369 13.369 0,00%
Chácara do Céu Vidigal 1.113 314 21.354 20.943 -1,92%
Chapéu Mangueira Leme 1.146 311 34.075 34.595 1,53%
do Horto Jardim Botânico 447 122 59.248 59.213 -0,06%
Fazenda Catete Catete 292 96 22.536 24.367 8,12%
Guararapes Cosme Velho 735 138 27.966 28.039 0,26%
Humaitá Humaitá 389 97 5.361 5.361 0,00%
Julio Otoni Laranjeiras 216 70 17.680 19.003 7,48%
Ladeira dos tabajaras Copacabana 1.051 317 32.526 33.674 3,53%
Mangueira Botafogo 635 199 10.929 10.929 0,00%
Morro Azul Flamengo 1.213 332 23.470 23.241 -0,98%
Morro dos cabritos Copacabana 2.040 637 95.945 96.564 0,65%
Pavão-pavãozinho Copacabana 4.256 1.283 60.918 63.820 4,76%
Pedra Bonita São Conrado 463 122 9.484 10.006 5,50%
Pereira Silva Laranjeiras 1.011 279 45.071 45.071 0,00%
Rocinha Rocinha 56.338 16.999 852.968 865.031 1,41%
Santa Marta Botafogo 4.520 1.262 55.123 54.692 -0,78%
Santo Amaro Catete 1.261 343 35.931 35.931 0,00%
Tavares Bastos Catete 1.052 337 27.640 27.751 0,40%
Vidigal Vidigal 9.364 2.757 293.116 294.093 0,33%
Vila Cândido Cosme Velho 1.107 306 26.869 27.503 2,36%
Vila Canoa São Conrado 1.618 456 9.348 10.410 11,36%
Vila Imaculada Conceição Cosme Velho 106 31 5.891 5.891 0,00%
Vila Parque da Cidade Gávea 2.304 666 39.827 39.827 0,00%
Total 99.459 1.992.896 2.017.018 1,21%
101
apontam também a Zona Oeste como a área onde ocorreu maior
incremento de população favelada na cidade e grande expansão territorial
(esta área teve incremento de cerca de 6% da área ocupada por favelas).
Mesmo assim, os dados comprovam que, mesmo com as remoções da
década de 1960 e 1970, a população favelada ainda é muito grande na
Zona Sul, espalhando-se por quase todos os bairros. Segundo os dados
oficiais do último censo, são quase 100 mil moradores de favelas
presentes nos bairros da Zona Sul, diante de uma população total de
cerca de 630 mil moradores, o que significa que atualmente a população
de favela representa cerca de 16% da população da Zona Sul.
Os motivos para uma expansão territorial menos intensa são
muitos: As barreiras naturais e impostas pelo Estado que impediram a
expansão da favela, como é o caso de muitas favelas da área visto que
essas ocupam predominantemente as encostas, o intenso controle por
parte do Estado, principalmente justificado pelas questões ambientais e
de áreas de risco. As remoções continuaram na Zona Sul, mas sempre
pequenas e muito pontuais, como foi o caso da favela da Maloca, no
bairro de Laranjeiras em 2005, removida devido a solicitação de
reintegração de posse do terreno.
Foto 13 – Vista das Favelas Chácara do Céu e Vidigal
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
102
A foto mostra parte das favelas Chácara do céu e Vidigal, localizadas ao longo da Avenida Niemeyer. Em destaque o
grande paredão que impediu a expansão das duas favelas por toda a encosta, além da construção de um muro na favela
Chácara do Céu, para impedir o avanço da favela para o Parque Penhasco Dois irmãos.
Na contramão da expansão territorial A população moradora de
favelas passou por importante incremento nas últimas décadas, conforme
já citado anteriormente, inclusive retornando das remoções para outras
favelas. Hoje na Zona Sul as favelas representam um grande contingente
populacional diante da população da Zona Sul. Segundo dados do Censo
2000 (CEZAR, 2002, p. 6) na década de 90 a população passou por
pequeno crescimento, mas não devido a sua expansão horizontal, e sim
por um adensamento vertical, no caso
um adensamento das favelas antigas, mais do que expansão horizontal ou novos assentamentos. No caso da RA da Lagoa6, a taxa de crescimento (2,71% ao ano) foi superior à média da cidade (2,40%). Em média, a população dos setores subnormais da Zona Sul cresceu quase 2% ao ano, enquanto a população dos setores normais “encolhia” 0,6% ao ano.
As favelas da Zona Sul passaram, portanto, por um crescimento
populacional sem expansão de área, o que indica um processo de
verticalização pelo qual passaram algumas das favelas da área. Algumas
favelas hoje têm muitas casas de mais de dois andares e até pequenos
prédios, como é o caso das favelas da Rocinha e de Santa Marta.
6 Os bairros que compõem a VI Região Administrativa da Lagoa são: Gávea,
Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Leblon, São Conrado e Vidigal.
103
Foto 14 - Favela Santa Marta – 2009
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
Foto da favela Santa Marta, da altura da estação 3 do bondinho. Destaque para prédio construído pelo Estado para famílias
removidas do próprio morro de áreas de risco. Destaque também para a presença da câmera de segurança, no alto do poste, que
vigia parte do morro.
Este crescimento populacional das favelas da Zona Sul pode
significar que houve um retorno de parte dos removidos podem ter
retornado ao local de origem, assim como pode significar um aumento da
pauperização de algumas classes, que podem ter recorrido as favelas da
região como forma de estar próximo ao amplo mercado de trabalho. É
importante destacar que a favelização da Zona Sul, na última década,
está inserida dentro de um contexto maior da cidade, de favelização
também de outras áreas da cidade e pauperização da classe média,
principalmente da Barra da Tijuca e Recreio, que representam a principal
área de expansão econômica da cidade. Áreas como Zona Sul e Barra da
Tijuca apresentam hoje os maiores crescimentos de favelas da cidade.
Conforme já foi explicado aqui, as redes familiares de nordestinos
representam um grande crescimento das favelas da Zona Sul e Barra,
pois representam a segurança e maior possibilidade de ascensão
econômica. O favelado da Zona Sul, portanto é predominantemente de
origem Nordestina, voltado para os trabalhos ligados à serviços
domésticos, como empregadas, faxineiras, porteiros, babás e motoristas.
104
De todos os moradores que conversamos no Santa Marta e na Rocinha, a
grande maioria era dos mesmos estados do Nordeste, predominavam
moradores originários do Ceará, e quase todos ocupados em funções de
serviços destacadas acima, além de ambulantes, trabalhando na própria
favela.
Na Zona Sul, a presença de classes tão antagônicas convivendo
juntas em um mesmo território gera intensos conflitos (não formais). As
favelas da Zona Sul possuem uma dinâmica própria, mas fechadas em si
mesmas, muitas vezes devido a população das favelas não participarem
do cotidiano de lazer e consumo dos bairros onde está presente. Na
verdade, observamos em nossas visitas que os cotidianos dos bairros e
das favelas são completamente antagônicos, e que estes cotidianos
diferenciados contribuem para o afastamento simbólico das classes.
Observamos também que os moradores das favelas vivenciam duplo
cotidiano, o cotidiano da favela e, de certa forma, o cotidiano dos bairros.
É importante também observar que essa diferença é percebida por ambos
os moradores de bairros e das favelas, conforme observamos no
depoimento de um morador do Santa Marta, ao ser questionado sobre
como os moradores do bairro se sentem a respeito da favela, ele diz que
os moradores dos bairros sentem “intimidados, medo, pena. Mais mal
sabem eles que somos pessoas do bem, que não somos marginais e que
a vida aqui é simples mais é muito bem vivida. A integração, a diversão e
a nossa cultura é rica”, diferenciando-se dos demais moradores.
Realmente a diferença é visível. Em nossas visitas quando
percorremos as ruelas das favelas e as ruas dos bairros, observamos um
ritmo completamente diferente, de circulação, de integração e de vivencia
do espaço. Ritmos de vida que se misturam devido ao convívio das
classes, principalmente no tocante ao mercado de trabalho. Mas nem
sempre essa mistura de cotidianos tão distintos é bem vista pelos
moradores, principalmente pelos moradores de bairros, localizados
próximos às áreas de contato, as fronteiras entre as classes sociais.
Sobre os conflitos que observamos nestes locais, falaremos mais
claramente nos próximos tópicos.
105
Com toda esta discussão queremos salientar e exemplificar o
processo de segregação social que ocorre na Zona Sul da cidade, por
apresentar esta mistura de paisagens e estes cotidianos duplamente
vividos, o processo de segregação é marcado por uma distância social
com uma proximidade física, conforme já discutido no capítulo 1.
Diferentes grupos sociais estão presentes na área, que se apresenta,
portanto, bastante heterogênea quanto aos grupos sociais presentes, o
que não significa que exista interação entre os grupos, que ambos
vivenciem o mesmo cotidiano e tenha acesso aos mesmos bens e
serviços oferecidos pelo Estado.
Foto 15 – Favela Santa Marta
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
A vista lateral da favela Santa Marta nos permite observar
claramente a diferença na paisagem do bairro e da Favela. Em muitos bairros do Rio de Janeiro essa diferença não é tão visível,
mas a intensa valorização dos bairros da Zona Sul, com a presença predominante de edifícios para as classes média e média-alta, deixa em evidência este contraste nas formas de
construção.
Entendemos, portanto, que a presença das aglomerações de
populações pobres em uma das áreas mais valorizadas da cidade
representa uma contradição, ou uma forma de resistência dessas
populações contra uma realidade urbana organizada de forma excludente,
que estabelece áreas voltadas para a riqueza e para o poder e mantém a
106
exclusão de grande massa da população. Esta exclusão nem sempre é
física, como é o caso da Zona Sul carioca, pois a vivência cotidiana
diferenciada e a falta de igualdade no acesso a bens e serviços também
se constituem como uma forma de exclusão. Cotidianos diferentes
contribuem para aumentar a distância social, e esta se materializa na
paisagem, principalmente nas áreas de contato entre as classes sociais.
Estas áreas são agora nosso objeto de estudo.
4.3 - Conflitos e contradições - A idéia de fronteira como contato: como se dá a relação entre a cidade legal e a cidade ilegal
As favelas da Zona Sul, por serem predominantemente localizadas
em encostas, possuem basicamente uma entrada principal, ou seja, um
acesso ao bairro. É sobre estas áreas que gostaríamos de focar aqui para
buscar exemplificar os conflitos que surgem no cotidiano quando classes
sociais tão antagônicas convivem em um mesmo local.
Para isto, gostaríamos de deixar claro o que estamos entendendo
por fronteira, ou fronteira social. O campo de estudos sobre fronteira
sempre teve uma tendência muito política, uma forma de ver a fronteira
como uma delimitação política pré-existente, deixando de lado questões
simbólicas ou culturais. Recentemente, com a difusão da idéia de fim das
fronteiras, com o surgimento de blocos econômicos como a União
Européia e o chamado “fim das distâncias” devido à revolução
tecnológica, a idéia de fronteira toma novas formas. Alguns autores
defendem que a compressão espaço-temporal aconteceu seletivamente e
que o acesso à informação eliminou algumas limitações para criar novos
limites substanciais (JONES, 2008, p.10). Concordamos com essa idéia
por entendermos que novos limites vão sendo criados a partir da
dimensão simbólica, entre outros fatores, e que essa questão vem sendo
deixada de lado nos estudos sobre fronteiras.
As ciências sociais têm se dedicado a estudos sobre fronteiras,
visando principalmente o olhar para a integração entre as culturas. As
fronteiras são vistas assim, conforme aponta Friedman (2002, p. 1), como
107
o lugar do encontro e da interação. A autora afirma que esta visão, muitas
vezes, pode desviar a atenção para aquilo que realmente acontece nas
áreas de contato, nas áreas situadas entre aquilo que é diferente. A idéia
da mistura pode esconder os conflitos, pode silenciar a forma como a
própria diferença se configura e se revela efetivamente como o lugar da
migração. Esta autora propõe, portanto, uma leitura específica da
fronteira, como o local da intertextualidade, do espaço “entre”. Esta visão
da fronteira aqui nos interessa por resgatar aí a questão subjetiva da
fronteira, das áreas de contato entre duas culturas diferentes.
Por isso, a idéia de fronteira que vamos nos utilizar está ligada a
fronteira social, ou seja, “a área que separa e possibilita as trocas entre
duas unidades que se reconhecem mutuamente como diferentes”,
conforme apontam Saint-Martin, Rocha e Heredia (2008, p.135). As
autoras entendem que as fronteiras sociais7 “delimitam os contornos das
categorias sociais – a participação desigual dos indivíduos na vida social
– e (...) abrem espaços de troca e de encontro para que as classes se
comuniquem entre si”. Esta idéia aqui nos interessa pois resgata a idéia
da fronteira como uma área simbolicamente delimitada, portanto, não
intransponível, além da idéia do duplo cotidiano vivenciado pela
população favelada, conforme já descrito aqui.
As áreas de contato entre diferentes classes sociais representam
então a marca da diferença, como uma das áreas onde os grupos sociais
se percebem como diferentes, não sendo, portanto, a única área. Para
nós, estas áreas são exemplos do reflexo de como o espaço urbano
carrega as marcas da sociedade atual, uma sociedade desigual e
heterogênea. A própria leitura de classe social se modifica na atualidade,
pois as classes não são conjuntos homogêneos baseados em posições
econômicas estritas e opostos, nem tão pouco se formam em espaços
fechados (SAINT-MARTIN, ROCHA E HEREDIA, 2008, p.138). As
classes sociais estão baseadas no reconhecimento da diferença, e este
reconhecimento é simbólico.
7 As autoras utilizam a definição de fronteira social de Charles Tilly (2005), onde este
defende que “as fronteiras “nos” separam “deles”, e interrompem, circunscrevem ou “produzem
segregação” em distribuições de populações ou de atividades no interior das sociedades.
108
Esperamos que a análise destas áreas de contato entre classes
sociais diferentes na Zona Sul do Rio de Janeiro nos permita observar a
diferença, além dos conflitos que ocorrem a partir dessa diferença. Nas
visitas a campo, foi possível ouvir os moradores, e o que faremos agora é
uma tentativa de apontar a diferença e os possíveis conflitos que surgem
a partir do reconhecimento da diferença.
4.3.1 - As áreas de contato entre o bairro e a favela
Durante o período de realização da pesquisa, visitamos algumas
áreas de contato entre os bairros e as favelas da Zona Sul. Foram
visitadas cinco áreas, onde circulamos pelas principais áreas de acesso
de algumas favelas da Zona Sul. Como a maioria das favelas da Zona Sul
se localiza nas encostas dos morros da área, as favelas possuem
normalmente só um acesso, que se configura como a área de contato
entre a favela e os bairros. A seguir encontra-se a Tabela 04 com as ruas
que foram visitadas.
Tabela 04 – Áreas de contato visitadas durante trabalho de campo – 2009
Ruas visitadas Favela Bairro
Marquês de Abrantes e Paulo VI Morro Azul Flamengo
São Clemente, Marechal Francisco de Moura e Barão de Macaúbas
Santa Marta Botafogo
General Ribeiro da Costa e Ladeira Ary Barroso
Chapéu Mangueira/Babilônia Leme
Visconde de Albuquerque e Aperana, Parque Penhasco Dois
Irmãos Chácara do Céu Leblon/Vidigal8
8 A área do Vidigal foi transformada oficialmente em bairro em 1981. Estamos
considerando aqui o bairro do Leblon devido à principal subida para a favela se localizar no
Leblon.
109
Estrada da Gávea e Avenida Niemeyer Rocinha São Conrado/Rocinha9
Estas áreas de fronteira foram escolhidas por acreditarmos que
existe bastante heterogeneidade nelas e por representaram parte do
universo das favelas da Zona Sul. As favelas Santa Marta e Chapéu
Mangueira e Babilônia encontram-se atualmente sob ocupação policial, o
que transforma a paisagem e o convívio entre o bairro e essas áreas,
além de representarem grandes áreas faveladas na Zona Sul. A Rocinha
representa atualmente a maior favela da cidade, com um quadro social
bastante diversificado e uma economia importante, inclusive tendo sido
classificada como bairro e como Região Administrativa. As favelas
Chácara do Céu e Morro Azul representam favelas pequenas, com
populações pequenas (pouco mais de mil moradores, segundo dados do
último Censo), sendo a primeira considerada de difícil acesso, enquanto a
segunda está bem próxima ao Metrô do Flamengo. Por estas
características, acreditamos que estas favelas representem bem, de certa
forma, as características gerais das favelas da área. Nas visitas a campo
foi possível perceber que as áreas de contato apresentam características
comuns, mas não é possível generalizá-las tão somente, pois apresentam
características específicas, de acordo com sua dinâmica e o local onde
estão inseridas. Portanto, pretendemos abordá-las de forma geral e, em
seguida, caracterizá-las individualmente.
As áreas de contato, em geral, são marcadas pela intensa
diferenciação de paisagem entre os prédios de classe média e a subida
das favelas, mas esta diferenciação fica menos marcada em algumas
áreas, pois os prédios da área de contato são em geral muito antigos,
mais simples e mais degradados, como é o caso de Botafogo. As ruas em
geral apresentam comércio popular, voltado para atender a população de
baixa renda, como bares e pequenas mercearias. É marcante também a
9 A área da Rocinha foi transformada oficialmente em bairro em 1993. Estamos
considerando aqui o bairro de São Conrado devido ao principal acesso para a favela se localizar
em São Conrado.
110
presença de motos, vans, kombis e ambulantes, além de caçambas de
lixo.
Foto 16 – subida da favela Chapéu Mangueira
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
A foto mostra a subida da favela Chapéu Mangueira, no bairro do
Leme, encravada em uma rua de classe média do bairro, a rua General Ribeiro da Costa; a subida da favela apresenta grande
diferenciação em relação ao restante da rua, inclusive pela presença de pinturas nos muros caracterizadas como grafites.
O grafite é uma presença constante nos acessos às favelas de
toda a cidade, diferenciando a paisagem da favela da paisagem dos
bairros, visto a questão da identidade que o grafite emana. Segundo
Dayrell (2008),
ao apropriar-se do espaço público, a periferia passa a ser representada, a se mostrar no centro, tomando uma dimensão de protesto e também de crônica. (...) a principal característica do grafite é que o sujeito que produz a arte, na maioria das vezes, possuí uma forte ligação com a cultura local, mas nem por isso o trabalho final deixa de ser
111
global. O grafite articula lazer, protesto e também é uma forma de sobrevivência.
O grafite visto como atividade marginal estava totalmente ligado a
periferia e ao pobre10, e segundo Martins (2009, p. 86), o grafite é um
importante meio pelo qual o pobre se reconhece e se aproxima,
ressaltando ainda o caráter de persistência e de luta da favela, “no
sentido de que a relação que o cotidiano nos revela é a de luta e
identidade”, pois ressaltamos aqui que a presença de favelas nesta área
se configura também como a resistência da população favelada em
permanecer na área mais valorizada da cidade.
Segundo os moradores dos bairros, a presença das favelas
desvaloriza os imóveis do seu entorno, principalmente aqueles que
apresentam vista da favela ou localizam-se bem próximos ao acesso
principal da favela, devido a esta desvalorização, os imóveis em geral
apresentam aparência degradada.
Foto 17 – Subida da favela Santa Marta
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
Subida da Rua Jupira, principal acesso do Morro Santa Marta,
marcado pela presença de muitas caçambas de lixo e pela presença de comércio ambulante, principalmente de bebidas e
lanches.
10
O grafite deixou de ser considerado atividade ilegal desde 2008, quando um projeto de
lei federal tornou o grafite atividade cultural e artística.
112
Foto 18 – Rua Marechal Francisco Moura
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
Subida da Rua Marechal Francisco Moura, rua que dá acesso ao
Morro Santa Marta, ainda com a presença de prédios de moradores de classe média. Ao fundo é possível observar
barracas de comércio ambulante, além do muro que apresenta também pinturas caracterizadas como grafites.
Como é possível observar também pelas imagens, a circulação de
pessoas é muito intensa, principalmente devido a presença de vans e de
ambulantes. Acreditamos que essa diferenciação de paisagem e o
reconhecimento da diferença, do espaço do outro, acaba criando uma
série de conflitos que pretendemos apresentar aqui. As áreas de conflito
acabam se tornando áreas onde os moradores de bairro evitam passar,
ou só vão se já conhecerem bem o local.
Foi possível observar como as áreas de contato são evitadas a
partir de relatos obtidos nas visitas a campo. Moradores de diferentes
bairros afirmam que não passam por essas áreas principalmente a noite,
com medo da violência e de tiroteios, como relata uma moradora do
Leblon, moradora do bairro há 21 anos: “antigamente, eu subia a Estrada
da Gávea e saía em São Conrado, hoje em dia desisti, tenho medo de
ficar no meio de algum tiroteio”. Uma moradora de Copacabana reafirma
a fala acima, quando diz que “evito andar à noite próximo às favelas.
Durante o dia é difícil evitar, pois existem favelas no coração de Ipanema,
113
Copacabana, Botafogo, São Conrado”. Uma moradora do bairro do Leme
afirma que anda por todo o bairro durante o dia, pois diz que é
aposentada e gosta muito de passear na orla e fazer compras na rua
Gustavo Sampaio (principal rua do bairro); diz ainda que visita amigos por
todo o bairro e reclama muito do aumento dos assaltos por conta da
ocupação policial no Chapéu Mangueira e da falta de policiamento no
bairro, mas quando pergunto se freqüenta a Rua General Ribeiro da
Costa (principal acesso à favela Chapéu Mangueira) e se vê a patrulha da
polícia fixa presente na rua, responde categórica: “lá eu não vou”.
Fica claro nas falas dos moradores o repúdio às áreas de favela
como um conflito presente na área, pois as pessoas não deveriam ter
“medo” de frequentar todas as ruas do bairro. Ainda assim, observamos
variações nesse discurso, pois alguns moradores de bairro afirmam que
as favelas da Zona Sul são mais tranqüilas, vigiadas, e afirmam não ter
medo de passar em locais onde conhecem bem, entretanto afirmam que
evitam circular pelo restante da cidade, principalmente à noite.
Realmente, podemos apontar como característica geral das favelas da
Zona Sul uma área de contato com os bairros bem pequena, discreta e
controlada, ao contrário de muitas favelas no restante da cidade, como
afirma um morador de Copacabana, que afirma já ter morado em muitos
bairros da Zona Norte e mora na Zona Sul há cinco anos: “não costumo
evitar passar em favelas da Zona Sul. Em regiões da Zona Norte evito”,
ou o morador do Flamengo, o qual afirma que “aqui na Zona Sul dá para
passar, em outros lugares só se for muito necessário...”
Gostaríamos de salientar agora algumas diferenças em relação às
áreas de contato visitadas e as áreas que estão sob ocupação policial
recente. É o caso, por exemplo, da favela da Rocinha e da favela Chácara
do Céu, onde as áreas de contato são completamente diferentes. Na
favela Chácara do Céu, a zona de contato com o bairro do Leblon, por
onde a favela tem acesso, é muito longa e distante, e se configura como
uma área muito vigiada e controlada. O principal acesso à entrada da
favela é a subida do Parque Penhasco Dois Irmãos, localizado na Rua
Aperana, no referido bairro, o que torna a favela bastante isolada do
bairro. Só é possível chegar ao bairro por meio de uma Kombi,
114
responsável pelo transporte dos moradores da favela até a parte baixa do
bairro, na Rua Visconde de Albuquerque, ou de carro, para os moradores
que possuem. O outro acesso é por via de uma escadaria localizada na
Avenida Niemeyer, em frente ao hotel Sheraton, um dos hotéis de alto
luxo da cidade.
Foto 19 – Subida do Parque Penhasco Dois Irmãos
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
Uma das subidas do Parque Penhasco Dois Irmãos, continuação
da Rua Aperana, no Alto Leblon (no canto inferior à direita). A subida do parque possui calçamento e guaritas de segurança, há
também área de play, bancos e mesas para lazer. O parque foi criado em 1992, mas seu calçamento ocorreu somente no
Governo Conde (1997-2001).
115
Foto 20 – Chegada à favela Chácara do Céu
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
No fim da rua Aperana encontra-se uma pequena estrada de terra, onde acaba o calçamento, que seria a chegada da favela
Chácara do Céu. Moradores reclamam que após chuvas intensas, este caminho fica intransitável.
Como se pode ver nas fotos, a subida do parque se configura como
a principal área de contato entre o bairro e a favela, principalmente após o
calçamento do parque, durante o governo Conde (1997-2001); segundo
os moradores da favela, antes disso o acesso dava-se através de uma
estrada íngreme de terra. Após o calçamento da rua, o local ganhou áreas
de lazer e uma guarita de segurança com dois seguranças fixos dia e
noite, além de uma patrulha da polícia quase sempre presente no local.
Quando termina o calçamento, chega-se a uma estrada de terra curta e a
um descampado, por onde se vê um muro e a entrada da favela, vigiada
também por traficantes. Chama atenção a convivência tão de perto entre
os “vigias” do asfalto e os “vigias” da favela.
A subida para o parque é utilizada pelos moradores do bairro para
a prática de esportes e para a utilização das áreas de lazer, além do
intenso fluxo de turistas, pois existem três mirantes no Parque. A área de
contato, portanto, distancia o bairro e a favela, o que torna a favela menos
incômoda para os moradores do bairro. Oficialmente, no bairro do Leblon,
116
com a criação do bairro do Vidigal, não existem mais favelas, somente no
bairro do Vidigal, e como elas não marcam a paisagem do bairro, passam
a causar menos “incômodo”, conforme relatos de moradores que
percebem isso e afirmam que “no Leblon não tem favelas”. Mesmo assim,
moradores reclamam da desordem urbana causada pela presença de
vans e Kombis, transportes utilizados principalmente pelos moradores
pobres da região. No Leblon, por exemplo, a subida da Kombi para a
Chácara do Céu se localiza na Praça Professor Azeredo Sodré, na Rua
Visconde de Albuquerque.
O calçamento realizado na rua Aperana não chega até a favela,
que fica isolada por uma pequena estrada de terra, sendo esta uma das
grandes reclamações dos moradores da favela: “já tem mais de dez anos
que o calçamento chegou no parque, por que não estendem até aqui?”,
questiona uma moradora da favela. Os moradores vêem, portanto, a falta
de calçamento como uma forma de isolá-los do bairro. Ao mesmo tempo
afirmam que a chegada do calçamento até o Parque facilitou a vida dos
moradores, que passaram a utilizar muito mais o parque que a escadaria
na Avenida Niemeyer, pois esta é muito longa e íngreme. Os moradores
da Chácara do Céu afirmam também que na favela não há nenhum tipo
de comércio, o que os torna completamente dependente dos serviços que
o bairro dispõe. A padaria mais próxima, segundo moradores, se localiza
nas proximidades da rua Visconde de Albuquerque, mas só é possível
chegar de carro ou de Kombi. Os moradores reclamam dos preços da
padaria e do mercado mais próximo, pois é voltado para os moradores do
bairro, afirmando que precisam ir até Ipanema para frequentar um
mercado mais barato, o que torna a área de contato somente um ponto de
passagem dos moradores.
Ao contrário desta área de contato, que é bem definida, o oposto é
encontrado na favela da Rocinha. Uma das maiores favelas da América
Latina, possui vários acessos, quase todos eles tomados por vendedores
ambulantes. Caminhar pela entrada da Rocinha muitas vezes nos dá a
sensação de estar chegando em um dos mais importantes subcentros
comerciais da Zona Sul. Na visita à entrada da favela, ouvimos muitos
ambulantes do local, e quase todos não são moradores da favela. Na
117
subida pela Estrada da Gávea funciona uma feira de roupas e bijuterias,
todos os sábados. Os ambulantes presentes na feira afirmam que não há
ali nenhum morador da Rocinha trabalhando, e que a feira é frequentada
principalmente por moradores da Rocinha, mas também por moradores
de toda a Zona Sul, pois não há nenhuma feirinha desse tipo na Zona Sul,
incluindo aí também moradores do bairro de São Conrado como
freqüentadores da feira e do comércio de rua da Rocinha. “Aqui tem tanta
barraca quanto na [camelódromo] Uruguaiana”, afirma um ambulante.
Esta dinâmica intensa de comércio, transporte de vans e Kombis e
pessoas transforma esta zona de contato em algo mais fluido, menos
marcado e vigiado. Em um muro próximo à saída do estacionamento do
Shopping Fashion Mall, encontramos novamente a presença do grafite, o
que demonstra, nesse caso, a chegada nas proximidades da favela. A
presença de vans e Kombis se mistura com o comércio da Avenida
Niemeyer, onde encontramos lojas de um lado e ambulantes do outro.
A rocinha forma um mundo a parte do bairro de São Conrado, pois
se localizam no local todo tipo de comércio, bancos, shoppings, casas
lotéricas, entre outros, o que significa dizer que a população não precisa
dos serviços do bairro, sendo a favela da Rocinha praticamente “auto-
suficiente”, e a Zona de contato torna-se extremamente ampla e ao
mesmo tempo próxima. Quase tudo que os moradores da favela
consomem é adquirido ali mesmo, ou dentro da favela, ou na área de
contato, conforme moradores da própria favela apontaram em nossa
visita.
118
Foto 21 – Subida Estrada da Gávea
Fonte: Jornal O Globo, 2009.
A foto mostra a subida da estrada da Gávea na Rocinha, no encontro com a Avenida Niemeyer, local de ponto de vans e Kombis, além de mototáxis que circulam por toda a favela.
Foto 22 – Shopping na Rocinha
Fonte: Jornal o Globo, 2009.
A favela da Rocinha possui inclusive um Shopping Center, uma espécie de galeria de dois andares com lojas que vendem até
produtos de grifes estrangeiras.
119
Nas favelas da Zona Sul visitadas que possuem agora as Unidades
de Polícia Pacificadoras (UPP), Santa Marta e Chapéu Mangueira, o
incomodo com a presença das favelas aparentemente não foi reduzido,
pois mesmo que os moradores apontem a questão da violência e do
medo como fatores para evitar as favelas, agora citam reclamações
quanto ao aumento de assaltos devido a proibição do tráfico nesses
locais. Os moradores dos bairros do Leme e de Botafogo apresentaram
muitas reclamações quanto aos assaltos nos bairros e às residências de
prédios de classe média dos bairros, e citam que não freqüentam mais
comércios locais nas proximidades das favelas porque estes tem sido
alvo de assaltos recentes, como é o caso de um morador do Leme que
disse evitar ir até uma padaria da rua Gustavo Sampaio, devido a assaltos
na semana anterior.
Outros moradores citam ainda como problema a questão da falta
de infra-estrutura nas favelas. Uma moradora de Laranjeiras afirma que
não evita áreas de favelas, mas afirma que o “problema é o lixo e esgoto
a céu aberto”. Este discurso apareceu também em Botafogo, de uma
moradora residente muito próxima à área de contato com a favela Santa
Marta, na rua Marechal Francisco de Moura, que afirmou que as
principais reclamações dos moradores do prédio atualmente (após o fim
do tráfico no morro) são o lixo, pois as caçambas que atendem toda a
comunidade se localizam na frente do prédio, o esgoto que desce pela
rua e a intensa movimentação de gente, o que deixa a rua muito
barulhenta. Os relatos mostram que, independente do problema citado,
sempre haverá um problema a ser questionado, pois são cotidianos
muitos diferenciados e interesses diferenciados.
Além dos locais visitados, foi possível ouvir as opiniões de
associações de moradores de vários bairros da Zona Sul. Foi possível
observar que algumas favelas localizadas em Parques, como a favela do
Horto, no Jardim Botânico, e do Parque da Cidade, na Gávea, apesar dos
moradores dos bairros terem afirmado que são favelas pequenas ou
mesmo nem chamarem de favela, as pessoas têm deixado de visitar as
áreas ou passar por lá devido à presença das favelas. Segundo o
presidente da Associação de Moradores do Jardim Botânico, mesmo
120
afirmando que não há favelas no bairro, diz que “no final do Horto (onde
houve invasões recentes e as construções são apinhadas, o que dá um
"visual" de favela) alguns moradores têm medo de passar, à noite”. Um
discurso parecido é observado na fala da presidente da Associação de
Moradores da Gávea, que afirma não ter medo de freqüentar as favelas
da Zona Sul, mas mostra preocupação quanto ao Parque da Cidade pela
falta de segurança no local; “faz algum tempo que deixei de frequentar o
Parque da Cidade em função de histórias sinistras de episódios de
violência ocorridos ali e pela total falta de policiamento no local”, ao
contrário do que descrevemos acerca da Chácara do Céu.
As áreas de contato entre os bairros e as favelas sempre
constituíram áreas de conflitos e contradições por estarem nestes locais
os pontos de maior reclamação de moradores de bairros. Entre as
principais reclamações estão a desordem urbana e a falta de controle nas
áreas de acesso as favelas, e a presença policial não parece ter resolvido
os problemas. Os acessos às favelas se constituem como as áreas que
são negadas, pois representam a diferença, o ponto onde o morador de
bairro muitas vezes não pode evitar. As favelas e suas áreas de acesso
representam, portanto, a expressão de conflitos no espaço urbano da
Zona Sul.
4.3.2. A natureza como fronteira – questão ambiental e a construção de muros
Uma ação proposta pelo poder público bem recentemente é a
construção de muros no entorno de favelas da Zona Sul carioca. Na
favela Santa Marta, em Botafogo, já está terminada a construção de 634
metros de um muro de concreto, com a intenção de impedir o crescimento
da favela para áreas de mata presentes na encosta onde se situa o
morro. Segundo Ferreira (2009), “se tivermos em conta que do outro lado
da favela há um plano inclinado, com teleférico para transporte da
comunidade, que já serve como muro de contenção, ao final da
construção do muro os moradores estarão concretamente murados”.
121
Na Chácara do Céu já houve essa tentativa. Em 1992 foi
construído um muro, que coincidiu com a criação do Parque Penhasco
Dois Irmãos, mas o muro não impediu o avanço da população para a área
do Parque, visto que já existem construções além muro. Mesmo assim, o
muro da Chácara do Céu deixa os moradores com o sentimento de
exclusão, pois só existe uma pequena porta no muro, que dá acesso a um
descampado na mata, local que os moradores chamam de “praça”,
apesar de não existir nenhum equipamento urbano que o caracterize
como tal. Como não houve fiscalização ambiental séria no local, para os
moradores da favela a intenção do muro era de claramente impedir que a
favela avançasse pela encosta e incomodasse os moradores do bairro do
Leblon.
Apesar do muro não ter evitado novas construções na Chácara do
Céu, construiu-se o muro no Santa Marta. Do projeto atual, no total, serão
construídos 11 km de extensão de muros que circundarão 11 favelas,
todas na Zona Sul do Rio de Janeiro, com o discurso de tentar conter o
crescimento desordenado e a destruição da Mata Atlântica. As favelas
participantes do projeto são a Rocinha, o Parque da Cidade, na Gávea, os
morros dos Cabritos e a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana; da
Babilônia e Chapéu Mangueira, no Leme; Cantagalo e Pavão-
Pavãozinho, em Ipanema; Vidigal, no Leblon; e Benjamim Constant, na
Urca, mas até agora somente o muro da favela Santa Marta foi
construído.
Esta ação tem recebido grande número de críticas por parte da
sociedade civil, mas pesquisas apontam ainda que parte da população
apóia a construção de muros. A população das favelas não vê com bons
olhos a obra, pois existe uma idéia muito forte de segregação no projeto.
Na Rocinha, houve a tentativa da implantação de um projeto de
construção de um muro na parte da favela voltada para a encosta, mas o
projeto foi retirado de pauta devido a resistência por parte dos moradores
da favela.
A maior parte das críticas se concentra no fato da Zona Sul ter
apresentado a menor expansão das áreas faveladas (conforme a Tabela
01, 1,21% de crescimento em uma década) e o projeto estar concentrado
122
mesmo assim na Zona Sul, e não na Zona Oeste, onde o aumento foi
muito maior e parte da área pertencente ao Parque Estadual da Pedra
Branca estar comprometida pela expansão das favelas na área. A
construção do muro representa um novo conflito entre a área legal e ilegal
da cidade, entre a população da favela e o restante dos moradores dos
bairros da Zona Sul. Representa também uma apropriação do discurso
ambiental pelo Estado e pelo capital imobiliário, com a intenção de
minimizar o “incômodo” que significa atualmente a presença de favelas na
Zona Sul, configurando-se como um conflito na área. Pouco depois da
polêmica, os representantes do poder público passaram a chamar o muro
de “ecolimite”, tentando evitar a idéia de exclusão, tão comum em muros.
Entendemos que se trata da natureza sendo usada como imposição de
limites, funcionando como fronteira natural e imposta.
Foto 23 – Favela Santa Marta, em Botafogo – 2004
Fonte: Site favela tem Memória
Observa-se a ocupação de grande parte da encosta, em áreas de
proteção ambiental. A morfologia da favela contrasta com a organização das ruas e os prédios de classe alta do bairro de
Botafogo.
123
Foto 24 – Construção do muro no morro Santa Marta
Fonte: Jornal O Globo, 27/03/2009
A construção do muro foi iniciada em março de 2009, com a
intenção de evitar o avanço da favela na encosta, que é área de proteção ambiental.
Foto 25 – muro na favela Santa Marta
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
O Muro já terminado na favela; por enquanto está garantindo a
não expansão horizontal da Favela.
124
Foto 26 – Muro na favela Chácara do Céu
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
O muro na Chácara do Céu já existe desde 1992, e não impediu
que a população ocupasse áreas além do muro, pois não houve, realmente, fiscalização ambiental na área.
4.3.3. A dinâmica da relação entre o bairro e a favela
Percorrer favelas na Zona Sul se configura como um choque de
segregação e exclusão. Ruas com residências de alto luxo, organizadas,
limpas e em geral bem cuidadas11, contrastam demais com as ruelas
estreitas, íngremes, esgoto a céu aberto e muito lixo. É claro que não é
possível generalizá-las, pois as favelas apresentam grande
heterogeneidade, mas de forma geral, o contraste é muito intenso. É claro
que hoje, algumas favelas da Zona Sul apresentam bom nível de
desenvolvimento, inclusive com ampla infra-estrutura urbana, enquanto
outras apresentam um grau de desenvolvimento muito baixo, abaixo
inclusive de favelas na Zona Norte e Oeste. Independente desta variação,
se compararmos com o nível de desenvolvimento dos bairros, as favelas
representam um mundo à parte na Zona Sul.
11
Apesar da reclamação de muitos moradores, os bairros da Zona Sul apresentam melhores
condições que a maioria dos bairros da cidade, excetuando-se a Barra da Tijuca, Recreio,
Itanhangá, entre outros.
125
Abaixo apresentamos duas tabelas de comparação entre o Índice
de Desenvolvimento Social (IDS)12 e condições de vida entre os bairros e
as favelas da Zona Sul. Para melhor análise, separamos somente os
bairros da Zona Sul e as favelas da Zona Sul nas tabelas, assim como
suas respectivas posições na tabela geral do IDS na cidade do Rio de
Janeiro.
Tabela 05 - Índice de Desenvolvimento Social e seus indicadores constituintes por bairro - Município do Rio de Janeiro - 2000
Posi-ção
Bairro
Índice de Desenvol-vimento Social
% de domicílios particulares permanentes com rede de
água adequada
% de domicílios particulares permanentes com rede de
esgoto adequada
% de domicílios particulares permanentes com coleta de lixo
adequada
% dos chefes de domicílio com
menos de quatro anos de estudo
% dos chefes de domicílio
com 15 anos ou mais de estudo
% de analfabetismo em maiores de 15 anos
% dos chefes de domicílio com
renda até dois
salários mínimos
% dos chefes de domicílio com
rendimento igual ou superior a 10 salários mínimos.
Rendimento médio dos chefes de
domicílio em salários mínimos
1 Lagoa 0.854 99.95 99.91 99.95 2.33 68.91 0.54 4.47 81.36 35.90
2 Leblon 0.809 99.98 99.81 100.00 4.68 55.20 1.05 6.90 69.43 29.78
3 Ipanema 0.801 99.75 99.55 100.00 4.89 53.97 1.09 7.73 67.08 27.94
4 Humaitá 0.798 99.95 99.74 99.98 2.96 59.48 0.88 6.85 65.09 20.42
5 Urca 0.795 99.96 99.61 99.96 2.60 63.84 1.05 7.84 69.47 21.12
7 Jardim Botânico 0.787 97.82 98.17 99.91 4.43 57.38 1.24 8.67 64.97 25.49
8 São Conrado 0.787 94.39 95.58 99.91 5.63 57.58 1.52 15.43 68.02 35.28
9 Gávea 0.787 99.01 99.33 99.98 3.99 55.60 1.81 10.61 64.12 25.37
10 Laranjeiras 0.779 99.92 99.70 99.99 3.80 54.34 1.00 8.04 60.97 19.63
11 Flamengo 0.775 99.99 99.92 100.00 3.08 49.90 0.76 7.53 56.88 18.91
12 Leme 0.761 99.77 99.03 99.98 5.45 47.25 1.42 13.10 57.99 20.51
13 Maracanã 0.758 99.98 99.94 99.99 3.83 48.27 1.17 8.15 53.89 15.28
14 Copacabana 0.753 99.91 99.67 99.97 4.91 41.95 1.37 9.23 52.74 17.29
16 Botafogo 0.743 99.70 97.46 99.90 5.87 45.75 1.41 12.20 51.31 16.21
12
O índice em pauta tem como base os resultados do Censo Demográfico do IBGE. Sua
peculiaridade que o diferencia de tantos outros índices igualmente importantes e úteis, é o nível de
desagregação espacial para o qual ele pôde ser calculado: o setor censitário. O setor censitário
(com uma média de 250 domicílios) é uma construção do IBGE, utilizada em suas pesquisas
domiciliares, definida como: “a unidade territorial de coleta e de controle cadastral, percorrida por
um único recenseador, contínua e situada em área urbana ou rural de um mesmo distrito, em
função do perímetro urbano (linha divisória dos espaços juridicamente distintos de um distrito,
estabelecida por lei municipal).” Ao utilizar a menor unidade geográfica para as quais se dispõem
e se disporá de dados estatísticos confiáveis e sistemáticos possibilita a identificação e a
comparação das diferenças intra-urbanas tanto no máximo grau de detalhamento espacial quanto
em qualquer agregação que seja possível fazer. (..) Foram utilizados 10 indicadores, construídos a
partir de variáveis do Censo: Dimensão Acesso a Saneamento Básico, Dimensão Qualidade
Habitacional, Dimensão Grau de Escolaridade, Dimensão Disponibilidade de Renda.
(CAVALLIERI E LOPES, 2008, p. 1-2)
126
22 Cosme Velho 0.713 97.91 99.23 99.95 13.06 43.97 2.51 21.35 50.54 19.50
Como se pode perceber pela Tabela 05, os bairros da Zona Sul
estão, praticamente, todos no topo da lista de desenvolvimento social,
apresentando rendimento salarial médio muito elevado, os mais elevados
da cidade. Quanto ao Índice de Desenvolvimento Social (IDS), estão
todos acima de 0,7. Os bairros da Zona Sul, em geral, são ainda os de
maior nível de renda e de maior qualidade de vida, segundo a
metodologia utilizada para o cálculo do IDS.
Tabela 06 - Índice de Desenvolvimento Social e seus indicadores constituintes por favela - Município do Rio de Janeiro - 2000
Posição
Favela
Índice de Desenvolvimento Social
% de domicílios particulares permanentes com rede de água
adequada
% de domicílios particulares permanentes com rede
de esgoto
adequada
% de domicílios particulares permanente
s com coleta de
lixo adequada
% dos chefes de domicílio com
menos
de quatro
anos de
estudo
% dos chefes de domicílio com 15
anos ou
mais de
estudo
% de analfabet
ismo em maiores de 15 anos
% dos chefes de domicílio com
renda até
dois
salários
mínimos
% dos chefes de domicílio com renda
igual ou
superior a
10 salários mínimos.
Rendiment
o médio em
salários
mínimos
1 Vila Benjamim Constant 0.589 99.25 98.51 99.25 18.66 14.18 4.35 32.84 8.96 5.24
14 Vila Parque da Cidade 0.553 100.00 99.55 100.00 16.11 2.56 2.00 48.95 1.51 2.66
20 Ladeira dos Tabajaras 0.542 97.79 97.48 100.00 20.19 4.10 5.14 47.32 4.10 3.48
31 Chapéu Mangueira 0.537 100.00 99.03 100.00 24.35 4.55 3.49 53.57 2.60 2.65
32 Pedra Bonita 0.537 100.00 94.26 100.00 16.39 1.64 3.24 51.64 0.00 2.30
37 Morro Azul 0.535 99.70 98.19 100.00 21.08 1.51 2.97 53.92 1.20 2.67
48 Guararapes 0.530 98.31 97.75 100.00 26.40 3.93 3.27 52.81 2.81 3.55
54 Morro dos Cabritos 0.527 100.00 98.98 100.00 30.56 3.40 6.47 49.24 2.89 3.07
58 Chácara do Céu (Vidigal) 0.526 99.68 96.82 100.00 19.75 3.82 4.13 62.42 0.32 2.06
70 Cerro-Corá 0.522 100.00 98.83 100.00 33.20 3.13 4.74 50.78 3.13 3.34
75 Vila Pereira da Silva 0.519 100.00 97.84 100.00 29.50 2.88 5.93 54.68 2.16 3.05
95 Vila Canoa 0.512 100.00 99.78 100.00 25.98 0.87 3.46 68.12 0.44 2.05
119 Vila Candido 0.507 97.06 99.02 99.67 36.27 1.96 6.32 51.96 2.29 3.01
135 Recanto Familiar /Humaitá 0.504 100.00 100.00 100.00 40.21 2.06 6.68 52.58 1.03 2.45
142 Vidigal 0.503 98.30 96.92 100.00 34.60 1.92 7.98 55.75 1.23 2.37
167 Morro do Cantagalo 0.497 96.35 95.23 100.00 30.43 2.13 5.25 65.82 1.52 2.12
194 Mangueira (Botafogo) 0.491 92.46 91.46 100.00 33.17 0.50 9.61 55.78 1.51 2.44
206 Vila Santo Amaro 0.487 100.00 99.42 100.00 38.30 0.88 8.80 63.45 0.58 2.05
211 Pavão-Pavãozinho 0.487 98.90 95.99 98.74 42.26 1.65 10.95 49.33 0.79 2.64
127
220 Babilônia 0.483 96.58 86.58 99.74 29.47 2.37 6.10 69.47 0.53 1.94
263 Fazenda Catete 0.474 80.21 98.96 100.00 37.50 0.00 11.64 51.04 1.04 2.89
310 Rocinha 0.458 97.26 60.50 99.44 39.30 1.34 9.36 52.27 1.45 2.59
350 Santa Marta 0.443 98.97 49.68 97.94 36.69 0.95 8.12 58.56 0.24 2.12
A comparação do nível de desenvolvimento e das condições de
vida entre os bairros da Zona Sul e as favelas é bastante expressiva. O
Índice de Desenvolvimento Social apresenta grande disparidade, mesmo
sendo da Zona Sul a favela com maior Índice, a vila Benjamim Constant,
o restante das favelas apresenta nível muito baixo de desenvolvimento,
principalmente quanto à escolaridade e ao nível de renda. Os bairros da
Zona Sul, portanto, apresentam os mais altos índices de
desenvolvimento, enquanto as favelas localizadas na área apresentam
níveis baixos em relação à cidade13, o que representa uma contradição
quanto à distribuição de infra-estrutura e de renda entre a favela e o bairro
na Zona Sul. Salientamos aqui que essa distância social existe em
relação a muitos bairros e favelas da cidade, mas na Zona Sul essa
diferença se amplia, pois se trata da área de maior valorização da cidade.
Enquanto os bairros apresentam IDS de países ricos, as favelas
apresentam IDS de áreas muito pobres, como Santa Cruz, bairro da Zona
Oeste da cidade.
Toda essa desigualdade na qualidade de vida da população se
reflete na paisagem e no imaginário social dos bairros da Zona Sul,
acarretando também diferentes conflitos. Uma importante contradição que
apontamos, baseada também na desigualdade das condições de vida das
populações, são os diferentes interesses dos moradores de bairro e de
favela e a atuação diferenciada (consequentemente) do poder público na
área. Ouvir os dois lados nos mostra o quanto os interesses, os
problemas e as cobranças são divergentes mesmo entre pessoas vivendo
em uma mesma área, o que dificulta bastante a atuação do poder público.
Este sempre tende a primeiramente atender as cobranças e interesses 13
De um universo total de 503 favelas reconhecidas como aglomerados subnormais pelo
IBGE.
128
das classes sociais dominantes, pois nos bairros da Zona Sul se paga os
IPTUs mais caros da cidade, portanto, devem ser atendidos
primeiramente, visto que nas áreas de favela não se paga IPTU.
Para os moradores de bairro ouvidos, assim como para os
representantes da associação de moradores de bairros, os problemas que
mais aparecem são a desordem urbana, citando aí estacionamento
irregular, falta de conservação de equipamentos urbanos e do patrimônio
histórico, a falta de segurança e o trânsito extremamente congestionado.
Além, também, do excesso de linhas de ônibus e da presença de vans e
kombis, da presença de mendicância e de moradores de rua. Foram
citados também o desrespeito à lei do silêncio, o excesso de ambulantes
em ruas principais dos bairros, presença de flanelinhas, má conservação
das calçadas e os blocos de carnaval, pois estes impedem a livre
circulação de carros e causam transtornos e sujeiras.
Já os moradores de favelas apontam problemas bastante
antagônicos aos dos moradores dos bairros, como a falta de água
(normalmente só cai água alguns dias na semana), a falta de coleta de
lixo, o isolamento em relação aos bairros, as dificuldades de locomoção
dentro das favelas, a falta de áreas de lazer e de serviços dentro das
favelas, o esgoto a céu aberto, entre outros. Para os moradores de favela,
as dificuldades de chegar e sair da favela com cargas, além das
dificuldades quanto ao acesso à infra-estrutura urbana são os problemas
que mais os afligem, por isso a importância em estar na Zona Sul, com
ampla disponibilidade de transportes e serviços. Fica claro nesta
comparação o quanto os interesses e as cobranças são diferentes para
ambos os moradores, o que se configura como um conflito e uma
contradição, principalmente quanto à atuação do poder público. Apesar da
divergência, nos últimos tempos o poder público tem atuado em ambas as
áreas, de forma direta ou não.
Diversos projetos sociais ligados ao poder público ou privado
atuam na área, como o Projeto Favela-Bairro citado no Capítulo 2, nas
favelas Cerro-Corá, Guararapes, Morro dos Cabritos, Santo Amaro,
129
Vidigal e Vila Cândido; e o projeto Bairrinho14, nas favelas Babilônia,
Benjamim Constant, Chapéu Mangueira, Morro Azul, Pedra Bonita,
Pereira da Silva, Vila Canoa e Vila Parque da Cidade. Atualmente as
favelas da Rocinha, Pavão-pavãozinho e Cantagalo receberam amplos
investimentos do PAC, para a construção de moradias e centros de lazer
e esportes. Apesar da intervenção do Estado, as desigualdades entre
bairro e favela não diminuíram. A favela Santa Marta recebeu importantes
investimentos como saneamento e a construção do plano inclinado, já
que a favela Santa Marta apresenta o pior IDS da Zona Sul (tabela 06).
As favelas da Zona Sul se localizam nas encostas de mais difícil
acesso na área, o que dificulta a chegada de saneamento básico e coleta
de lixo. Mesmo assim, o discurso dos moradores das favelas é que
apesar das dificuldades vale a pena estar na Zona Sul, pois a
proximidade de amplo mercado de trabalho garante a subsistência de
muitos moradores. Além disso, algumas favelas da Zona Sul possuem
uma vista impressionante, o que poderia significar algum tipo de ganho ou
lazer por parte dos moradores de favela (Foto 27).
Foto 27 – Chácara do Céu
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
A foto mostra a vista da favela Chácara do Céu, para as praias do
Leblon e Ipanema, além da praia do Vidigal. O isolamento é compensado pela localização privilegiada e pela aparente
tranqüilidade do local.
14
Projeto nos mesmos moldes do Favela-Bairro, mas para favelas de até 500 moradores.
130
Foto 28 – Plano inclinado no Santa Marta
Foto: Marta do Nascimento, 2009.
A Foto mostra o bondinho do Plano Inclinado inaugurado na
favela Santa Marta em Maio de 2009. O Bondinho tem ajudado bastante os moradores a subir com cargas e facilitou também a
coleta de lixo, pois é impossível circular com veículos motorizados pela favela, ao contrário de favelas como a Rocinha e o Chapéu Mangueira, devido a presença de ruelas e da encosta
muito íngreme.
A relação das favelas com os bairros, portanto, é muito marcada
por essa desigualdade nas condições de vida, o que influencia também o
imaginário social de ambos os moradores. Apesar de ambos, em geral,
afirmarem que existe interação entre as áreas de favela e o bairro,
observamos que geralmente os moradores de bairro não frequentam, ou
evitam as áreas de contato entre bairro e favelas. Apesar dos moradores
afirmarem que não sentem nenhum tipo de preconceito, falam em áreas
onde não freqüentam, como o Shopping Fashion Mall ou a praia do
Vidigal, praia esta onde já houve a tentativa do hotel Sheraton de torná-la
privativa para evitar a presença de moradores das favelas do Vidigal e
Chácara do Céu.
A maior parte dos moradores de bairro cita uma relação conflituosa
com a favela. Ao serem questionados sobre como vêem a favela em seus
bairros, é possível observar falas como: “a favela torna a região insegura,
deprecia o valor dos imóveis”, ou que existe “a dificuldade em se fazer
preservar a ordem urbana.” Ou ainda moradores com falas como: “[as
131
favelas] são ruins, por mim se removiam todas”. Alguns moradores e
presidentes de associações de moradores de bairro afirmam que nos
bairros em que moram não há favelas, mesmo o IBGE tendo reconhecido
favelas nos bairros em questão, como uma moradora do Leblon que
afirma que no Leblon não tem favelas, pois a criação do bairro do Vidigal,
em 1981, deixou as duas favelas do bairro do Leblon em outro bairro, o
que não alterou em nada a relação das favelas com o Leblon. Outra fala
importante para ilustrar esta situação é a do presidente da Associação de
Moradores do Alto Humaitá:
Nosso bairro não tem favelas. Apenas uma comunidade mais carente em relação ao padrão do restante do bairro. Mesmo assim, atípica: existem moradores com renda mensal mínima; e outros com salários ou aposentadorias acima de 10.000 reais. Logo, não se encaixa exatamente no perfil de favela, apesar das invasões sofridas e construções irregulares.
A fala da Presidente da Associação de Moradores da Urca também
vai ao encontro dessa idéia, visto que esta é a “favela” com maior índice
de IDS de toda a cidade do Rio de Janeiro
Na Urca não temos favelas. O que existe é uma pequena comunidade, a Vila Benjamin, entre a Urca e a Lauro Muller. Os moradores da Urca têm muito receio que aquela pequena comunidade se expanda, invada a APA ali existente e se transforme numa favela. Por sorte os próprios moradores de lá, que formaram uma Associação, a AMOVILA, não querem essa expansão.
Entendemos que este discurso, assumindo a existência de favelas
ou não, representa uma negação da favela, um conflito expresso pela
presença de favelas em bairros onde hoje são rechaçadas. Essa negação
é percebida pelos moradores das favelas que lutam historicamente para
se manter no local de maior valorização da cidade. Hoje, a luta vai além
da simples permanência física, chegando à questão da imposição de uma
vivência cotidiana diferenciada para os moradores do bairro. O
reconhecimento da diferença vai além das questões econômicas ou de
132
renda, se expandindo para um cotidiano diferenciado. Observamos estes
conflitos entre cotidianos diferenciados na fala de um líder comunitário da
Rocinha:
O presidente da Associação de Moradores de São Conrado (AMASCO), bairro vizinho, por exemplo, considera que ele e seus súditos são parte de uma instância superior, e não tem o porquê se relacionar com gente da favela, em virtude disso proibiu o Natal Sem Fome da Rocinha (que seria em São Conrado), e quer proibir o nosso bloco oficial de desfilar na orla da praia, mesmo autorizado oficialmente pela Prefeitura, pois não quer assistir a 'bagunça da favela' do alto de sua janela.
Entendemos, portanto, que cotidianos diferenciados contribuem
para a negação da favela; ou seja, daquilo que se apresenta como
diferente. A relação entre bairros e favelas pouco se alterou ao longo do
século XX, desde o surgimento das favelas, onde o bairro, a cidade legal,
não quer conviver ou não quer ver a presença do estigma favela. Por sua
vez, as favelas representam uma das principais formas de resistência na
luta por habitação digna e pelo direito à cidade.
4.3.4. A estigmatização do favelado: favela como locus da violência
Ao longo do século XX, quando a presença das favelas tornou-se
mais visível na cidade do Rio de Janeiro, a visão da favela perante os
moradores da cidade legal e do poder público já passou por muitas
transformações. Conforme já discutido no Capítulo 2, a favela passou a
ser percebida pelos atores sociais dominantes a partir do século XX, em
que a favela era vista como uma doença, uma patologia, algo que
precisava ser retirado da paisagem urbana de uma cidade que pretendia
elevar seus padrões urbanísticos e de moradia.
Conforme aponta Kowarick (1980, p.92 apud Chaui, 1994, p. 57),
desde sua formação a favela passa por estigmas.
133
Sem sombra de dúvida, o padrão de moradia reflete todo um complexo processo de segregação e discriminação presente numa sociedade plena de contrastes acirrados. De uma forma mais ou menos acentuada, este processo perpassa todos os patamares da pirâmide social em que os mais ricos procuram diferenciar-se e distanciar-se dos mais pobres. Mas a favela recebe de todos os outros moradores da cidade um estigma extremamente forte, forjador de uma imagem que condensa todos os males de uma pobreza que, por ser excessiva, é tida como viciosa e, no mais das vezes, também considerada perigosa: a cidade olha a favela como uma realidade patológica, uma doença, uma praga, um quisto, uma calamidade pública.
De certa forma, a favela sempre foi vista pelos moradores da
cidade legal como um problema urbano, como uma das questões urbanas
mais importantes. Por vezes, a favela foi vista como foco de rebeldia,
como o lugar capaz de insurgir uma revolta popular capaz de abalar a
dominação burguesa, ou como foco da imoralidade, da malandragem e de
uma vadiagem praticamente contagiosa (SILVA, 2008, p. 14).
Após o fim da ditadura militar e a diminuição dos riscos de uma
rebelião popular, a favela passa a ser vista como foco da violência e do
medo. Segundo Chauí (1994, p. 57)
os instrumentos criados para a repressão e tortura dos prisioneiros políticos foram transferidos para o tratamento diário da população trabalhadora e que impera uma ideologia segundo a qual a miséria é causa da violência, as classes ditas “desfavorecidas” sendo consideradas potencialmente violentas e criminosas.
Entendemos, portanto, que a forma encontrada pelo poder público
e pela mídia para continuar o controle sobre as áreas de concentração de
população pobre foi que a favela fosse vista como o principal foco da
violência urbana; principalmente devido ao controle dos pontos de vendas
de drogas nas favelas, justificando assim a presença de grande aparato
policial com a justificativa de vigiar a atuação do tráfico de drogas.
A idéia de que a favela é preferencialmente o local de moradia do
trabalhador pobre na cidade do Rio de Janeiro ficou distante, tendo a
134
população da cidade adquirido uma postura de medo e repúdio em
relação às áreas de favela. Conforme observamos em nossas visitas a
campo e ouvindo moradores de favela, a questão da violência é o que
marca principalmente a relação entre o bairro e a favela; e se configura
como a principal justificativa para o afastamento em relação às áreas de
favela, mas não a única, pois a desordem urbana e a desvalorização
imobiliária também são constantes no discurso. Esses diferentes estigmas
pelo qual as favelas passaram ao longo de sua a existência contribui para
uma maior passividade na construção do cotidiano do favelado.
O estigma do pobre na cidade do Rio de Janeiro sempre esteve
presente no imaginário social como doença, como rebeldia ou como
marginalidade, e contribui para aumentar ou acirrar a distância social
entre as classes sociais nos bairros da Zona Sul do Rio. Desse forma,
acreditamos que haja o acirrando, também, dos conflitos e contradições
que envolvem a relação entre classes. Apontamos esta situação como
luta de classes, ou seja, a dominação de classes dominantes a partir da
ideologia ou do simbolismo (CHAUÍ, 1994, p. 58).
4.3.5. O controle a partir da força: das incursões policiais às Unidades de Policias Pacificadoras
Durante a década de 1990 tornou-se comum na cidade do Rio de
Janeiro a mídia noticiar os problemas causados pelo enfrentamento entre
a polícia e homens ligados ao tráfico de drogas, influenciada pelo
aumento do poderio dos traficantes, o que vem causando um sentimento
de medo e de que a cidade do Rio de Janeiro vive um clima de guerra
civil. Os constantes tiroteios ocorridos devido à chegada da polícia em
favelas e pela disputa por pontos de drogas entre grupos de traficantes
têm dizimado muitos inocentes, principalmente moradores de favelas.
A presença policial passa a ser vista como solução para controle
da ordem pública e para evitar encontros entre as classes, conforme
aponta Silva (2008, p. 14), “a função da polícia passa a ser vista pelas
camadas mais abastadas como um muro de contenção ao intercâmbio de
135
indivíduos e maneiras de viver, em vez de ser um meio orgânico de sua
regulação”. A polícia perde seu papel de manter a ordem urbana para
todos e passa a servir aos interesses das classes sociais dominantes. Na
Zona Sul, esta contradição se acirra, pois a presença da classe média e
média alta no entorno das áreas de contato entre os bairros e a favela
afeta a população de mais alta renda, e conflitos armados ali se tornam
muito mais problemáticos
Uma declaração do Secretário de Segurança José Mariano
Beltrame, em outubro de 2007, apesar de muito criticada pela opinião
pública, reflete um pouco esta contradição:
Buscá-los [os traficantes] na Zona Sul, no Dona Marta, no Pavão-Pavãozinho, 'eu [polícia] estou muito próximo da população'. É difícil a polícia entrar ali. Porque um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no Alemão, é outra. E aí? Segundo o secretário, a repercussão das ações na Zona Sul do Rio é maior, já que os prédios de moradores da classe média ficam perto das favelas15
Apesar de polêmica, a declaração do Secretário de Segurança
ilustra o que se pensa sobre as favelas na Zona Sul desde que coexistem
com bairros de classe média e alta. Se antes a favela era vista como uma
praga, uma doença, hoje ela é vista como locus de insegurança para
todos que estão ao seu redor. Se antes a favela era ocupada
predominantemente por trabalhadores pobres, hoje ela é vista como
habitada predominantemente por marginais. O confronto entre traficantes
e policiais afeta a todos, pois a área de contato passa a ser exposta a
essa violência, e a partir do momento em que esses assuntos tornam-se
predominantes no cotidiano de toda a população, a manutenção das
contradições e dos conflitos está sendo realizada. Fica claro, portanto,
porque as áreas de contato entre a favela e o bairro se tornaram áreas
proibidas ou evitadas, conforme observamos nas conversas com
moradores dos bairros.
15
Retirado do site http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1556105606,00 TRAFICANTES+ESTAO+MIGRANDO+PARA+A+ZONA+SUL+DIZ+SECRETARIO.html
136
Na cidade do Rio de Janeiro e na Zona Sul, principalmente nos
últimos anos, se intensificou o número de ações policiais violentas em
favelas. A favela da Rocinha, que tem como vizinhos prédios de luxo e
alguns dos impostos territoriais mais caros da cidade, enfrenta
paulatinamente o confronto entre policiais e bandidos. Fica claro,
portanto, que a ação escolhida pelo poder público e pelas classes sociais
mais abastadas foi a intervenção policial violenta, que aparece como
solução para a presença da classe “indesejável” nos bairros.
A solução proposta atualmente pelo poder público foi a implantação
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). O projeto tem sido
implantado desde dezembro de 2008 em algumas favelas da cidade. Na
Zona Sul, iniciou-se na favela Santa Marta, sendo implantado
posteriormente nas favelas Chapéu Mangueira e Babilônia, Ladeira dos
Tabajaras e Pavão-pavãozinho, recentemente. Fora da Zona Sul, a favela
do Batam e da Cidade de Deus16, na Zona Oeste, também receberam as
UPPs. A idéia da UPP é permitir a entrada do Estado nas favelas sem a
presença de traficantes e marginais, permitindo assim a chegada de
serviços públicos nas favelas ocupadas, assim como melhorar a imagem
da polícia perante as favelas, que sempre viram-na como violenta e
servindo às classes dominantes.
A chegada da UPP na favela Santa Marta foi a mais comentada
pela mídia, recebendo inclusive algumas melhorias por parte do Estado e
de pessoas influentes na área de comunicação. Foram construídas
quadras, centros sociais, o plano inclinado (que facilitou muito a coleta do
lixo), entre outras melhorias observadas. A mídia dá destaque a todas as
vantagens da “nova” vida da população da favela de Santa Marta,
noticiando inúmeras vezes as melhorias na favela.
Mas, na realidade, ao ouvir moradores de favela e moradores de
bairro, percebemos algumas insatisfações. Os moradores da favela
apontam que a chegada da polícia não trouxe ainda melhorias reais para
a favela, que ainda enfrenta problemas como falta de água, lixo e falta de
16
A Cidade de Deus foi construída inicialmente na Zona Oeste da cidade na década de
1970 como um conjunto habitacional para receber moradores de favelas removidas, mas a falta de
infra-estrutura urbana transformou o conjunto em favela, posteriormente.
137
saneamento. Os moradores afirmam que só recebem água de duas a três
vezes por semana, que ainda faltam áreas de lazer e serviços bem
próximos à favela. Ainda assim, apontam como melhorias a chegada do
Plano inclinado para subir com cargas, e que sentem a presença do
Estado mais presente na favela. Realmente, é na favela Santa Marta que
percebemos maior atuação do Estado, através de serviços públicos e de
saúde, ao contrário de outras favelas visitadas, como a Chácara do Céu.
Quanto ao cotidiano dos moradores de favela, a presença da UPP
não trouxe grandes modificações. O cotidiano dos moradores da favela
apresenta um ritmo muito diferenciado da realidade do bairro, onde as
crianças ficam soltas pelas ruelas, as pessoas circulam por toda a favela,
frequentam bares e a quadra no alto do morro. Este cotidiano pouco se
modificou, pois a presença do tráfico estaria bastante impregnada neste
cotidiano. Entra aí a questão do reconhecimento da diferença, pois em
geral os “trabalhadores” do tráfico seriam pessoas do próprio morro,
enquanto os policiais são pessoas “de fora”, segundo relato de um
morador da favela Santa Marta.
Por parte dos moradores do bairro, as opiniões são conflitantes.
Alguns moradores apontam a ocupação como algo positivo, mas
geralmente no sentido de evitar a incursão policial e, consequentemente,
os tiroteios. Outros apontam o aumento dos assaltos devido ao fim do
tráfico, principalmente no Leme. É comum nas falas dos moradores do
Leme o temor aos assaltos, alguns inclusive evitando certas áreas.
A maior parte dos moradores aprova a UPP, principalmente
moradores de bairros onde não há favelas ocupadas. Uma moradora do
Leblon afirmou que acha “muito interessante o conceito da polícia
pacificadora. O Estado precisa ocupar seu lugar perante todos os
cidadãos, - moradores do 'asfalto' ou do 'morro' -, provendo serviços
básicos, garantindo o cumprimento da lei, mostrando que todos têm a
proteção do Estado - direitos - e, portanto, devem cumprir seus deveres”.
Um morador de Copacabana e um morador do Leblon afirmam que vêem
com bons olhos, principalmente devido à liberdade que traz a UPP para
os moradores da favela.
138
Ouvindo as pessoas, aparentemente a UPP atendeu mais a
população do asfalto do que, efetivamente, à população da favela, mesmo
com o que tem sido divulgado pela mídia, pois para a população da favela
pouca coisa mudou, suas condições de vida continuam muito
degradantes, só se modificando o agente dominante.
A presença da polícia em algumas favelas da Zona Sul também
permitiu a utilização comercial da favela por parte dos moradores e por
parte de outros atores sociais. A favela, livre do estigma do tráfico e da
violência, se torna um lugar bucólico, moradia das classes pobres, e o
favelado e seu cotidiano diferenciado se tornam, portanto, uma atração e
uma “novidade”. A pobreza passa a ser explorada de outra maneira, pela
sua forma e aparência.
4.3.6 – A “espetacularização”17 da pobreza: a favela como ponto turístico
Ao longo do século XX, observamos que a postura do poder
público e das classes dominantes era de limpar ou retirar a favela da
paisagem carioca. A favela sempre foi rejeitada como paisagem, como
área negada e proibida, conforme a música que citamos no início do
Capítulo 3, em que o autor, morador de favela, fala “nunca vi cartão postal
que se destaque uma favela, só vejo paisagem muito linda e muito bela”.
A favela era a “vergonha” da paisagem carioca.
Atualmente, observamos uma mudança quanto a essa postura. O
discurso remocionista perdeu a força, e surge um discurso que aponta a
17
Com o termo espetacularização buscamos expressar a idéia da pobreza tornada
espetáculo, assim como afirma Debord (1997), “o espetáculo, compreendido na sua totalidade, é
simultaneamente o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não é um
complemento ao mundo real, um adereço decorativo. É o coração da irrealidade da sociedade real.
Sob todas as suas formas particulares de informação ou propaganda, publicidade ou consumo
direto do entretenimento, o espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante.
Ele é a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e no seu corolário — o consumo. A
forma e o conteúdo do espetáculo são a justificação total das condições e dos fins do sistema
existente. O espetáculo é também a presença permanente desta justificação, enquanto ocupação
principal do tempo vivido fora da produção moderna”.
139
favela como um local bucólico, a pobreza se torna um espetáculo, uma
nova forma de apropriação de capital. A favela, seu morador e seu
cotidiano passam a “estar na moda”, e não somente as favelas que
possuem UPPs, mas também favelas grandes como a Rocinha.
Surge o turismo na favela, onde se vendem pacotes com tour a
várias favelas da cidade do Rio de Janeiro, vendendo a paisagem da
favela e a pobreza como atração turística. Filmes, novelas e clipes
gravados em favelas onde não há tráfico, mostrando a vida e as
dificuldades enfrentadas, além do próprio discurso da mídia, colaboram
para despertar a curiosidade sobre a vida do favelado e incluem a
paisagem da favela e o cotidiano do favelado no imaginário da cidade do
Rio de Janeiro.
Observamos, portanto, nesta situação, a apropriação da pobreza
de outra forma, apropriação a partir do imaginário, do simbolismo e da
ideologia. Olhar para o pobre se torna “politicamente correto”, e torna-se
senso comum observá-lo como espetáculo. Outro fator que gera
curiosidade é a distância social e os contrastes, conforme afirma
Fernandes (2001), “o choque entre a modernidade da metrópole carioca
(incluindo aí, também, os seus apelos naturais) com a miséria exposta
nas favelas foi o eixo condutor para a exploração turística da Rocinha”.
Tais contrastes são mais profundos na Zona Sul, conforme nossa
discussão anterior.
Na Zona Sul, esta apropriação se torna mais clara, pois todas as
favelas exploradas pelo turismo estão nessa área, assim como o turista
de alta renda, estrangeiro, instala-se preferencialmente na Zona Sul.
Trata-se, portanto, de um conflito, pois se não é possível retirar a
favela, ou retirar o pobre da paisagem da cidade, a solução encontrada foi
se apropriar da pobreza pela dominação simbólica. E este conflito se
agrava, porque a solução não veio de dentro da favela, e, em geral, não
gera nenhum tipo de renda para os moradores de favela. Os atores
sociais envolvidos, muitas vezes, nesta apropriação econômica são de
fora da favela, geralmente empresas de turismo que oferecem tours em
favelas a valores muito elevados.
140
Na Zona Sul, as favelas que recebem tours são aquelas que estão
ocupadas pela UPP, como Santa Marta e Chapéu Mangueira, além da
favela Tavares Bastos, onde existe a presença de um batalhão especial
da Polícia Militar, e a favela Vila canoas, onde não existe a presença do
tráfico. Somente a Rocinha, pela sua grandiosidade, recebe tours
diariamente, mesmo com a presença do tráfico. Vale ressaltar que esse
tour é controlado, vigiado, não sendo possível tirar fotos em todos os
lugares da favela.
Algumas vezes, os atores que oferecem esse serviço são de dentro
das favelas, como é o caso de alguns moradores da favela Santa Marta e
da Rocinha que se aproveitaram do fato dos moradores de bairro estarem
freqüentando as favelas, como possibilidade de aumento da renda,
conforme afirma um morador da Rocinha, dono de salão de beleza na
favela, o qual nos contou que moradores de diversos bairros da Zona Sul
freqüentam o salão, devido ao preço dos serviços; ou como o morador do
Santa Marta, que está oferecendo tours pelo Santa Marta por um preço
abaixo do oferecido pelas empresas de turismo.
Observamos que atualmente a difusão dos meios de comunicação
e do discurso da pobreza como espetáculo tem difundido largamente as
possibilidades de exploração da pobreza. Sites na Internet oferecem
muitas possibilidades de visitas a favelas, assim como vídeos no site
Youtube (Figura 29) mostram a paisagem da favela, mostrando para os
visitantes as particularidades da paisagem e da vida na favela. A Jeep
Tour, por exemplo, uma das empresas que faz o visitas na Rocinha,
divulga em seu site seus objetivos.
A Jeep Tour é uma empresa de turismo totalmente voltada para o Eco-Turismo com a consciência de que é possível a integração Homem x Natureza em total harmonia. Nossos passeios dão ao turista a noção exata desta simetria ecológica. Todas nossas rotas foram criadas para proporcionar ao nosso passageiro uma visão geral do que realmente significa viver numa cidade maravilhosa. Com uma visão 360º o turista pode usufruir de toda a beleza do Rio de Janeiro.
141
Interessante constatar que as favelas são vistas como inseridas na
paisagem da cidade, e que representam, para a empresa, a integração
total entre o homem e a natureza, em total harmonia. As empresas
oferecem a favela como um produto, além da alegria, solidariedade e
receptividade dos moradores da favela, conforme anúncio na Figura 29. E
é exatamente esta a imagem que fica para o turista, com o pobre como
solidário e receptivo, satisfeito com as suas condições de vida, conforme
depoimento de um casal de israelenses postado no site da Jeep Tour:
“Foi um tour muito interessante e emotivo, as pessoas eram amistosas e
nós sentimos o orgulho deles por pertencer à comunidade da Rocinha”.
De certa forma, a expansão desse tipo de turismo traz vantagens,
pois quebra o estereótipo da favela como local da violência e da
marginalidade, pois permite a visualização da favela “por dentro”, além da
diminuição do estranhamento de cotidianos tão diferentes18.
18
Segundo a revista Época, a favela “ganha” com o turismo porque fica menos
estigmatizada, mas os lucros ficam mesmo para as empresas que oferecem o serviço. Conforme
afirma um inglês que fez o passeio, "achei que era um lugar de pobreza extrema, mas percebi que
é só gente pobre normal tentando viver sua vida da melhor maneira possível. O que mais me
impressionou foi a auto-suficiência do lugar". Fonte:
http://epoca.globo.com/especiais_online/2003/08/25_epuc/17favela2.htm
142
Figura 29 – Tour na favela da Rocinha - 2009
Fonte: site jeeptour.com.br
A imagem mostra o anúncio do tour na favela da Rocinha,
realizado pela empresa Jeep Tour, trazendo dados sobre as favelas no Rio de Janeiro, além da formação e da população que
vive em favelas.
143
Foto 30 – Vídeo de divulgação Vila Canoas – 2006
Fonte: site Youtube.com
A imagem mostra um vídeo demonstrativo, com anúncio em
inglês, da favela Vila Canoas, uma favela localizada no bairro de São Conrado. O turismo tem sido explorado na favela, já que não
tem atividade de tráfico na área.
O turismo em áreas de favela corresponde, portanto, a uma nova
forma de exploração do capital, mesmo que traga algumas vantagens
para a população moradora de favela. De certa forma, o morador faz
parte desse produto que está sendo vendido, pois mais do que a
paisagem, o turista está pagando para ver a vida do pobre, como ele
(sobre)vive sob determinadas condições sociais e financeiras. Constitui-
se, portanto, como uma contradição na relação entre as classes, visto que
as condições sociais sob as quais o pobre urbano vive são conseqüências
da estrutura econômica, que surge a partir das relações sociais de
produção do sistema capitalista.
144
Considerações finais
A cidade do Rio de Janeiro, ao longo do século XX, viu surgir o
“problema” favela como uma das principais questões que afligem a
cidade. Na verdade, este problema diz respeito a uma questão muito
maior, fortemente arraigada na estrutura social da cidade, marcada por
intensa desigualdade social. É impossível desvincular a história da
formação das favelas da história da cidade do Rio de Janeiro, pois a
lógica de formação econômica e social da cidade foi o que permitiu o
surgimento das favelas, e apesar de toda a diversidade social, de
paisagem e de cotidianos, a lógica da favela é a mesma lógica da cidade.
A falta de moradias desde o início da formação da cidade fez com
que a população pobre não tivesse muita escolha quanto a sua
localização na cidade, restando a essa população a alternativa da
encosta, áreas não utilizadas pelos agentes imobiliários que atuavam na
cidade. Surgiam assim as favelas, que se espalharam por toda a cidade
rapidamente, inclusive em áreas voltadas para a população de alta renda.
É sabido que não faltam áreas para que a população pobre
pudesse subsistir com condições de vida melhores, mas faltam áreas
disponíveis para a ocupação da população pobre, áreas não utilizadas
pelos agentes imobiliários. Assim se constitui a favela no Rio de Janeiro,
como uma questão estrutural e não de falta de espaço, e a relação entre
estas e os bairros onde estão inseridas sempre apresentou conflitos e
contradições. A pobreza urbana, apesar de espalhada por toda a cidade,
tem sua forma aparente nas favelas.
Por tudo que já foi discutido até aqui, entendemos que a favela é
um problema estrutural, arraigado em uma sociedade de classes que
enfrenta muitos conflitos e contradições entre as classes, conflitos que se
materializam no espaço. Vemos aqui a favela como uma das expressões
materiais desse conflito, da luta pela terra e pela sobrevivência no urbano.
Apontar esses conflitos, ou os elementos que os expressam foi nosso
145
objetivo durante toda a discussão, que esteve impregnada pelo cotidiano
sob o qual estávamos voltados.
O olhar voltado para uma área específica da cidade nos permite
analisar as especificidades do lugar, principalmente quanto às
características da Zona Sul. A grande diversidade social dos bairros, com
os mais altos IPTUs da cidade, além da heterogeneidade das favelas da
Zona Sul, permitiu uma análise bastante variada, como uma tentativa de
observar diferentes contradições, pois cada área pode apresentar tipos de
conflitos e contradições diferentes, conforme demonstrado a partir de
nossas visitas a campo.
A Zona Sul, como objeto de estudo, nos mostrou o quanto ficam
marcados na paisagem os contrastes sociais, o quanto o espaço urbano
do Rio de Janeiro e os diferentes cotidianos contribuem o tempo todo
para manter a desigualdade existente. O discurso da população da favela
nos mostra o quanto estes se sentem vivendo em um mundo a parte, não
participantes da dinâmica da Zona Sul. Mostra também que, apesar de
toda a dificuldade, ainda vale a pena ficar nessa área em nome da
sobrevivência.
A questão simbólica também esteve muito presente em nossa
discussão, sendo predominante para determinar um sentimento de
estranhamento entre as classes, um reconhecimento da diferença entre
as classes, convivendo em uma mesma área. Esta questão simbólica
determina a existência de um estigma, do favelado como marginal, e da
favela como local da violência, estigma que está expresso nas relações
entre a população dos bairros e das favelas. Agregar a dimensão do
cotidiano na análise nos permitiu identificar sentimentos, opiniões e o
sentido de pertencimento presente em ambas as classes e impregnado
no espaço analisado. O cotidiano permitiu olhar de perto para os conflitos
e contradições presentes no espaço, estando muitos desses conflitos
presentes no imaginário social e contribuindo para aumentar o contraste e
a distância social.
Apontar os elementos que expressam as contradições presentes
no espaço foi nosso principal objetivo em toda a análise, utilizando a Zona
Sul e suas favelas como exemplo. Não temos aqui a pretensão de ter
146
esgotado este assunto, muito menos de ter apontado todos os conflitos
que perpassam a relação entre os bairros e as favelas, até porque esses
conflitos e contradições surgem e desaparecem constantemente, como
citamos aqui a questão das remoções – um conflito que ficou adormecido
por um tempo – ou a questão das UPPs, surgida muito recentemente. Na
verdade, diferentes formas de atuação do poder público e diferentes
formas de “ver” a favela transformam constantemente a relação entre ela
e o bairro.
Durante toda a análise, observamos que o foco de nosso estudo
poderia ser então a área de contato entre o bairro e a favela, ou a área de
fronteira entre as classes, não com a idéia de uma fronteira física, mas
uma fronteira simbólica, arraigada no imaginário social. A análise das
áreas de contato nos permitiram apontar alguns conflitos que se
materializam no espaço e que representam a luta de classes.
A favela aqui, portanto, aparece como resistência, como a luta de
uma população para se manter em um espaço privilegiado da cidade e
buscar melhores condições de vida, a luta pelo direito à cidade. A favela
aparece também como uma negação do direito à cidade, pois a
população favelada encontra-se na área mais bem dotada de serviços
públicos e de infra-estrutura urbana, mas tem negado seu acesso direto a
serviços públicos de qualidade, boa acessibilidade ao seu local de
moradia e a opções de lazer. É o caso, por exemplo, da favela Chácara
do Céu, onde a acessibilidade é muito restrita e a população depende de
um serviço de Kombi estruturado pela própria comunidade, onde existe
inclusive uma conta para os moradores pagarem no final do mês; ou da
Rocinha, uma das maiores favelas da cidade, e por onde circula somente
uma linha de ônibus, segundo moradores. Para resolver a falta de
transportes para atender propriamente a favela, surgem muitas linhas de
vans e kombis, o que entra em conflito com os moradores de bairro, que
reclamam da desordem urbana causada pelas vans. O Direito à cidade
fica claramente prejudicado para às populações faveladas da Zona Sul,
que abrem mão de morar em locais com melhor infra-estrutura, abrem
mão de serviços básicos como disponibilidade de água e correios, para
morar nas proximidades de um amplo mercado de trabalho.
147
Interesses completamente divergentes marcam a relação entre a
favela e o bairro, por isso reiteramos a idéia da favela como resistência, e
acreditamos que nossa análise possa ter contribuído para a busca de
uma nova visão da favela, não simplesmente da favela como oposição ao
bairro, como fica claro no estigma favela-asfalto, mas como integrada no
contexto da cidade, como o local de moradia do trabalhador pobre
urbano, e não como o local da violência e da marginalidade. Para tentar
acabar com esse estigma, a busca pelos conflitos e contradições pode
contribuir, pois apontamos o tempo todo, aqui, o quanto o imaginário
social contribui para aumentar a desigualdade e a distância social. Se a
relação atual entre os bairros e as favelas é marcada por questões
simbólicas e pelo reconhecimento da diferença, apontar os conflitos e
contradições gerados a partir desse simbolismo pode contribuir para
diminuir a desigualdade social e na luta pelo direito à cidade.
148
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ANEXOS Modelo de questionário respondido Associação de moradores do bairro de: Jardim Botânico O que você apontaria como os principais problemas do bairro hoje? Segurança, trânsito, invasões, barulho provocado por festas ou eventos, Blocos de carnaval (impedimento de entrar ou sair de casa e sujeira remanescente). Esta opinião não é pessoal. São os problemas apontados por moradores do bairro. A associação de moradores tem contato com outras associações do próprio bairro ou de bairros vizinhos? Existem parcerias com associações de favelas? Temos contato mensal com outras associações da Zona Sul. Parcerias em reivindicações comuns. Contato frequente com a AMAHOR, que representa a comunidade do Horto e está instalada em território pertencente ao parque Jardim Botânico. Como é a relação da associação de moradores com as favelas presentes no bairro? Nosso bairro não tem favelas. Apenas uma comunidade mais carente em relação ao padrão do restante do bairro. Mesmo assim, atípica: existem moradores com renda mensal mínima; e outros com salários ou aposentadorias acima de 10.000 reais. Logo, não se encaixa exatamente no perfil de favela, apesar das invasões sofridas e construções irregulares. Você, como morador, evita passar ou ir a algum lugar devido à proximidade de áreas faveladas? No final do Horto (onde houve invasões recentes e as construções são apinhadas, o que dá um "visual" de favela)alguns moradores têm medo de passar, à noite. Durante o dia, creio que não. Eu, pessoalmente, não tenho. Como vê a atuação da prefeitura em áreas de favela no seu bairro? Relutante em resolver o problema de construções em encostas e muito próximas às margens dos rios, o que pode causar calamidades em caso de chuvas fortes e enchentes. É possível observar mudanças na relação entre o bairro e as favelas desde o período que mora no bairro? Quais seriam estas mudanças? Moro no bairro há mais de 40 anos. Neste período, a pequena comunidade remanescente de antigos funcionários do Jardim Botânico cresceu bastante. Percebo uma preocupação do bairro com a preservação do verde. Mas não hostilidade em relação aos vizinhos. Como representante dos moradores do bairro, como acha que os moradores da Zona Sul têm visto a ocupação policial na favela? O que foi positivo e o que foi negativo? Como o contingente policial quase não aumentou e houve uma grande concentração em algumas favelas, é voz corrente na Zona Sul que os trechos não favelizados dos bairros ficaram desprotegidos. O número de policiais que ocupa o Dona Marta, por exemplo, é quase igual ao que faz a segurança do resto do bairro. Proporcionalmente, então, é muito maior. A ocupação policial é melhor do que nada. Mas ainda não é uma solução para os bairros e sim uma vitrine para os políticos.
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Modelo de questionário respondido Associação de moradores da favela: Rocinha O que você apontaria como os principais problemas da favela hoje? Falta de saneamento básico, coleta de lixo, transporte urbano e uma política mais inteligente de combate as drogas que não vitimasse tantos inocentes. A associação de moradores tem contato com outras associações do próprio bairro ou de favelas vizinhas? É comum estes contatos, pois os presidentes das Associações tem os seus padrinhos políticos, e, as vezes, esses padrinhos são os mesmos, ou, as buscas dos líderes se coincidem e eles naturalmente se encontram pelos mesmos corredores. Como é a relação da associação de moradores com os moradores dos bairros, geralmente de classe média e classe média alta? O presidente de Associação de Moradores de uma favela geralmente se relaciona melhor com outro presiodente de outra favela. O presidente da Associação de Moradores de São Conrado (AMASCO), bairro vizinho, por exemplo, considera que ele e seus súditos são parte de uma instância superior, e não tem o porque se relacionar com gente da favela, em virtude disso proibiu o Natal Sem Fome da Rocinha (que seria em São Conrado), e quer proibir o nosso bloco oficial de desfilar na orla da praia, mesmo autorizado oficialmente pela Prefeitura, pois não quer assistir a 'bagunça da favela' do alto de sua janela. Entendemos isso como luta de classes. Como vê a atuação da prefeitura na favela atualmente? Existem parcerias com a associação de moradores? A favela pela primeira vez em sua história elegeu um representante na Câmara Municipal que é o vereador Claudinho da Academia (que mora dentro do morro, entre bêcos e vielas). A grande mídia tentou derrubá-lo, defenestá-lo, com acusações infundadas. Para a burguesia, o poder legítimo que emana do povo atravéz do voto, é algo PERIGOSÍSSIMO, pois o verdadeiro voto de 'curral' é aquele que eles sempre compraram do morador miserável, o mesmo que agora está absorvendo ideologia política. É possível observar mudanças na relação entre o bairro e as favelas desde o período que mora no bairro? Quais seriam estas mudanças? Hoje eu acho que as favelas estão menos pobres e os ricos, menos ricos, a prova disso são moradores de bairros vizinhos que vêm cortar cabelo na Rocinha ou fazer feira, ou ainda tentar uma mão-de-obra mais barata. Neste caso, as diferenças sociais são diminuídas e muitas vezes acontece uma inversão de valores. Como representante dos moradores da favela, como acha que os moradores têm visto a ocupação policial em algumas favelas da região? O que foi positivo e o que foi negativo? A ocupação é um instrumento paliativo, de que vale ocupar as principais favelas da zona sul com a certeza de que isso vai deixar mais bandidos desempregados e aumentar os índices de outros crimes? E as outras quase mil favelas do Rio de Janeiro, como resolvê-las? É preciso trabalhar o problema na raiz e investir na educação, na igualdade social, nas crianças.
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Modelo de questionário respondido Morador do bairro de: Leblon Há quanto tempo mora no bairro? 21 Qual a sua atividade ocupacional? Professora Por que escolheu este local de moradia? Meu marido herdou o apartamento dos pais, e adoro o bairro: moro entre a Lagoa e a praia, tenho muito lazer à disposição, é limpo, calmo, tem tudo à pé. Já morou em outros bairros da cidade? Se sim, o que aponta de diferenças entre um bairro da zona Sul e outros bairros da cidade? Sim, Tijuca e Grajaú. Uma das coisas que mais me encantava era ter uma linda vista, o cheiro do ar é diferente, devido à grande quantidade de áreas verdes e proximidade do mar, não tem quase camelô, as calçadas são limpas, dá para andar de carrinho de bebê e cadeiras de rodas, todo mundo se conhece... É mais fresco. Tem um monte de opções de lazer, culturais (teatros, cinemas, planetários, a PUC, biblioteca pública, excelentes livrarias), dois shoppings - e faço tudo à pé. Excelente rede de transporte. Quais os principais problemas que vê no seu bairro hoje? A população de rua, a desordem causada por pontos de van, sentimento de insegurança à noite. Como vê a presença de favelas no bairro? Bom, o Leblon em si não tem favelas, a Gávea e Ipanema têm. O problema é que há possibilidade de tiroteios e balas perdidas (como eu tinha na Tijuca) e a dificuldade em se fazer preservar a ordem urbana. Evita passar ou ir a algum lugar devido à proximidade de áreas faveladas? Com certeza. Antigamente, eu subia a Estrada da Gávea e saía em São Conrado, hoje em dia desisti, tenho medo de ficar no meio de algum tiroteio. Mas continuo a frequentar minha Igreja, em uma das saídas do Cantagalo. Como vê a questão da ocupação policial nas favelas da Zona Sul atualmente? o que apontaria como pontos positivos e negativos? Acho muito interessante o conceito da polícia pacificadora. O Estado precisa ocupar seu lugar perante todos os cidadãos, - moradores do "asfalto"ou do "morro", provendo serviços básicos, garantindo o cumprimento da lei, mostrando que todos têm a proteção do Estado - direitos - e, portanto, devem cumprir seus deveres. Também acho importante o confronto com traficantes, reprimir a violência. O que é uma questão quanto à forma. Acho que os moradores da favela precisam também de segurança e isso não acontece com incursões eventuais da polícia.
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Modelo de Questionário respondido Morador da comunidade: Favela Santa Marta Há quanto tempo mora nesta comunidade? Nascido e criado (28 anos) Qual a sua atividade no momento? Sou Dj, Professor de Dança e trabalho com shows e eventos. Qual o seu local de nascimento? Rio de Janeiro Por que escolheu este local de moradia? Gosta de morar neste local? Sou nascido e criado no Santa Marta. Amo morar aqui, adoro todos daqui, me sinto bem onde moro, e atualmente melhor ainda com as mudanças da comunidade. Soltar pipa, sol na laje, pagode, funk..Nada substitui uma favela...Pode ter coisas caras e luxuosas mais a simplicidade é tudo. Se tivesse oportunidade de sair da favela para morar em um local melhor, mas mais distante, fora da Zona Sul, sairia? Por que? I cara é difícil. Não vou dizer que não vou sair da favela um dia, posso ou não, agora, claro que é bom né, mais fora da zona sul largar meu umbigo, sei não...é difícil. Considera importante estar na Zona Sul? Quais as vantagens e desvantagens que vê em morar na Zona Sul? Considero. Tudo gira por aqui, e as facilidades, o acesso e as coisas ficam mais fácil. Vantagem é que é tudo perto, e é o centro das atenções mais tem a agitação, a movimentação e as noticias que as vezes incomodam um pouco. Como acha que os moradores do bairro, de classe média e média alta, se sentem a respeito da favela? Intimidados, medo, pena. Mais mal sabem eles que somos pessoas do bem, que não somos marginais e que a vida aqui é simples mais é muito bem vivida. A integração a diversão e a nossa cultura é rica. Acho que eles tinham que fazer esse tour pra poder aprender mais com a gente a viver, mesmo as vezes com condições precárias masi felizes, alegres e calorosos. Quais equipamentos urbanos utiliza/freqüenta no bairro: Shoppings Centers, Praias e ciclovias, Metrô.
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