materiais nanotecnológicos

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Teoria e Prática na Engenharia Civil, n.15, p.55-62, Abril, 2010 Materiais de construção nanotecnológicos de auto-limpeza Self-cleaning nanotechnologic construction materials João Paramés 1 , Jorge de Brito 2 1 Eng.º Civil, Mestre em Construção (IST) [email protected] 2 Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico, Universidade Técnica de Lisboa [email protected] RESUMO: Actualmente, a poluição atmosférica é um fenómeno incontornável, especialmente nos ambientes urbanos. Numa cidade, o património construído proporciona uma elevada superfície de contacto entre os materiais de construção e os poluentes atmosféricos, existindo maiores problemas de sujidade e deterioração devido a esses agentes. Neste artigo, são apresentados os resultados decorrentes da introdução de determinadas nanopartículas em materiais construtivos, com o objectivo de os dotarem da capacidade de auto-limpeza, bem como interromperem alguns dos mecanismos responsáveis por esse fenómeno. ABSTRACT: Nowadays atmospheric pollution is an insurmountable phenomenon especially in urban environments. In a city, built heritage supplies a high contact surface between the construction materials and the atmospheric pollutants, leading to greater staining and deterioration problems due to these agents. In this paper the results arising from the introduction of certain nanoparticles in construction materials are presented, aiming at providing them with self-cleaning capabilities as well as stopping the mechanisms responsible for this process. 1. INTRODUÇÃO A poluição atmosférica aumentou nas cidades nas últimas décadas, tendo consequências tanto na qualidade do ambiente urbano como no custo de manutenção dos edifícios, em especial nas suas fachadas. As indústrias e os veículos produzem inúmeros poluentes gasosos (entre eles, os poluentes gasosos orgânicos e os óxidos nítricos), cuja existência representa um perigo para a saúde humana. É então de toda a importância o desenvolvimento de novos materiais construtivos que, além de não necessitarem de grandes intervenções em termos de manutenção, contribuam para melhorar a qualidade do ar. O fenómeno através do qual um composto, sofrendo o efeito da luz, acelera a velocidade de uma reacção química sem ser consumido denomina-se fotocatálise. Para que isto aconteça, o composto necessita de ser excitado com energia de fotões [1]. Estes compostos podem ser adicionados a diversos materiais, proporcionando-lhes a propriedade de, quando atingidos por luz, decomporem poluentes atmosféricos. Um dos fotocatalizadores mais eficientes e utilizados actualmente é o dióxido de titânio (TiO 2 ), um semicondutor acerca do qual foram já publicadas diversas obras. A comercialização de produtos fotocatalíticos baseados em dióxido de titânio começou em meados da década de 90, no Japão. No entanto, esta indústria cresceu rapidamente e o seu mercado atingiu os 30 biliões de ienes no ano de 2003 [2]. As suas aplicações são, principalmente, revestimentos construtivos exteriores, revestimentos interiores, construção de estradas, instalações de purificação de ar e outros materiais. Apesar de se poderem considerar produtos bastante diferentes, todos partilham da mesma capacidade de decompor matérias nocivas presentes no ar e que entrem em contacto com a superfície fotocatalítica. O dióxido de titânio existe maioritariamente na forma cristalográfica de rútilo e anatase. O rútilo é vastamente utilizado para aplicações de pigmentos (por exemplo, tintas), devido ao seu elevado índice

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Materias de construção nanotecnológicos de auto-limpeza

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  • Teoria e Prtica na Engenharia Civil, n.15, p.55-62, Abril, 2010

    Materiais de construo nanotecnolgicos de auto-limpeza

    Self-cleaning nanotechnologic construction materials

    Joo Params1, Jorge de Brito2 1Eng. Civil, Mestre em Construo (IST)

    [email protected] 2Professor Catedrtico do Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior

    Tcnico, Universidade Tcnica de Lisboa [email protected]

    RESUMO: Actualmente, a poluio atmosfrica um fenmeno incontornvel, especialmente nos ambientes urbanos. Numa cidade, o patrimnio construdo proporciona uma elevada superfcie de contacto entre os materiais de construo e os poluentes atmosfricos, existindo maiores problemas de sujidade e deteriorao devido a esses agentes. Neste artigo, so apresentados os resultados decorrentes da introduo de determinadas nanopartculas em materiais construtivos, com o objectivo de os dotarem da capacidade de auto-limpeza, bem como interromperem alguns dos mecanismos responsveis por esse fenmeno. ABSTRACT: Nowadays atmospheric pollution is an insurmountable phenomenon especially in urban environments. In a city, built heritage supplies a high contact surface between the construction materials and the atmospheric pollutants, leading to greater staining and deterioration problems due to these agents. In this paper the results arising from the introduction of certain nanoparticles in construction materials are presented, aiming at providing them with self-cleaning capabilities as well as stopping the mechanisms responsible for this process. 1. INTRODUO A poluio atmosfrica aumentou nas cidades nas ltimas dcadas, tendo consequncias tanto na qualidade do ambiente urbano como no custo de manuteno dos edifcios, em especial nas suas fachadas. As indstrias e os veculos produzem inmeros poluentes gasosos (entre eles, os poluentes gasosos orgnicos e os xidos ntricos), cuja existncia representa um perigo para a sade humana. ento de toda a importncia o desenvolvimento de novos materiais construtivos que, alm de no necessitarem de grandes intervenes em termos de manuteno, contribuam para melhorar a qualidade do ar. O fenmeno atravs do qual um composto, sofrendo o efeito da luz, acelera a velocidade de uma reaco qumica sem ser consumido denomina-se fotocatlise. Para que isto acontea, o composto necessita de ser excitado com energia de fotes [1]. Estes compostos podem ser adicionados a diversos materiais, proporcionando-lhes a

    propriedade de, quando atingidos por luz, decomporem poluentes atmosfricos.

    Um dos fotocatalizadores mais eficientes e utilizados actualmente o dixido de titnio (TiO2), um semicondutor acerca do qual foram j publicadas diversas obras. A comercializao de produtos fotocatalticos baseados em dixido de titnio comeou em meados da dcada de 90, no Japo. No entanto, esta indstria cresceu rapidamente e o seu mercado atingiu os 30 bilies de ienes no ano de 2003 [2]. As suas aplicaes so, principalmente, revestimentos construtivos exteriores, revestimentos interiores, construo de estradas, instalaes de purificao de ar e outros materiais. Apesar de se poderem considerar produtos bastante diferentes, todos partilham da mesma capacidade de decompor matrias nocivas presentes no ar e que entrem em contacto com a superfcie fotocataltica.

    O dixido de titnio existe maioritariamente na forma cristalogrfica de rtilo e anatase. O rtilo vastamente utilizado para aplicaes de pigmentos (por exemplo, tintas), devido ao seu elevado ndice

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    de refraco, conferindo cor branca. A anatase (Figura 1) um material til para aplicaes fotocatalticas, devido ao seu forte poder oxidante quando exposto a radiao ultra-violeta, tal como sua estabilidade qumica e ausncia de toxicidade.

    Figura 1 - TiO2 nanomtrico na forma de anatase

    [1]

    A absorvncia espectral de luz do dixido de titnio situa-se na radiao ultra-violeta, que se decompe em trs tipos: UV-A, UV-B e UV-C. Sendo assim, para que ocorra fotocatlise, necessria uma fonte de radiao ultra-violeta. Enquanto que nos revestimentos exteriores essa radiao pode ser fornecida pela luz solar, no interior dos edifcios, as habituais luzes fluorescentes fornecem uma menor percentagem de radiao ultra-violeta, diminuindo a eficincia do dixido de titnio. Na verdade, um dos maiores desafios para a comunidade cientfica envolvida na pesquisa fotocataltica aumentar a sensibilidade espectral dos fotocatalizadores para a luz visvel, que compe a maior parte da radiao solar [2]. Outra abordagem a utilizao de lmpadas de luz negra, que emitem luz na banda UV-A e absorvem as bandas nocivas de UV-B e UV-C, de menor comprimento de onda (de notar que esta problemtica mais preponderante para a utilizao de purificadores de ar, enquanto que, para superfcies auto-limpantes, principalmente exteriores, em princpio, existir sempre uma fonte de radiao ultra-violeta, por excelncia a luz solar).

    Nos revestimentos pelo exterior, existe ainda outra vantagem, que a superfcie de materiais com dixido de titnio se tornar hidroflica, atraindo gotculas de gua, o que faz com que se forme um lenol de gua sobre estas superfcies, lavando os produtos das reaces qumicas. A gua da chuva faz este papel na perfeio. Um modelo

    do funcionamento de um revestimento de TiO2 ilustrado na Figura 2.

    Figura 2 - esquerda, evidencia-se o CO2 como

    produto de reaco de decomposio de poluentes; direita, ilustra-se o papel do lenol de gua

    provocado pela super-hifrofilicidade do dixido de titnio, lavando os produtos das reaces de

    decomposio (adaptado de [2])

    Esta propriedade hidroflica pode tomar especial importncia em termos pticos, em superfcies vtreas, visto que impede a formao de gotas de gua que contribuem para que a superfcie fique embaciada. Forma-se assim um pano de gua, observado na Figura 3.

    Figura 3 - esquerda, ilustra-se o fenmeno de embaciamento e formao de gotculas de gua, enquanto que, direita, a gua forma um lenol

    transparente atravs do qual se consegue ver nitidamente [3]

    2. ABORDAGEM INICIAL Do referido, verifica-se que revestimentos exteriores podem permanecer limpos estando apenas sujeitos aco da luz solar e gua da chuva, devido s propriedades fotocatalticas e hidroflicas do dixido de titnio. No verdade que uma superfcie deste gnero nunca ficar suja, visto que o processo auto-limpante depende das condies de iluminao, pluviosidade e

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    acumulao de sujidade. Mas um facto que tal superfcie ir retardar a velocidade de contaminao, poupando, portanto, bastante tempo e dinheiro em operaes de manuteno e limpeza, que so, normalmente, difceis para edifcios muito altos e para materiais plsticos flexveis [2]. Este tipo de superfcies pode ser obtido quer atravs da incluso de nanopartculas de dixido de titnio na matriz do prprio material que se pretende alterar (como, por exemplo, o cimento fotocataltico), quer atravs da aplicao de uma fina pelcula de nanopartculas de TiO2, revestindo o material que se pretende dotar das propriedades citadas acima ( o caso do vidro auto-limpante). Num projecto de investigao realizado, apoiado pela Comisso Europeia com 2,293 milhes de euros, de um total de 3,754 milhes de euros, reuniram-se vrios industriais da indstria do vidro e investigadores cientficos sobre um objecto: o vidro auto-limpante. Os objectivos desta iniciativa foram: fornecer conhecimento cientfico no comportamento do vidro numa atmosfera urbana poluda, fornecer conhecimento fundamental em mecanismos e modelao da funcionalidade de auto-limpeza do vidro, fornecer mtodos de medida e informao de sujidade, essencial para a implementao de uma nova normalizao para o vidro auto-limpante, desenvolver uma norma europeia para o vidro auto-limpante, evitar normalizaes inapropriadas impostas em produtos vtreos originrios de outros tipos de substrato ou aplicaes e adquirir conhecimento fundamental para uma futura gerao de desenvolvimentos em produtos auto-limpantes [4]. Destes seis objectivos, o quarto seria realmente um marco e, com as devidas alteraes, poderia ser aplicado em toda uma gama de produtos auto-limpantes, que no se cinge exclusivamente ao vidro. Os ensaios realizados ocorreram no sentido de identificar poluentes passveis de contaminar a superfcie vtrea quando exposta a vrios ambientes, o impacte desses poluentes sobre o vidro, a compreenso da influncia de vrios qumicos utilizados nesta indstria (como o silicone) sobre vidros auto-limpantes, a anlise e compreenso do fenmeno nanomtrico por detrs deste mecanismo, uma previso da vida til do produto, um procedimento de classificao de qualidade visual para vidros auto-limpantes, um mtodo para avaliar o desempenho auto-limpante e um mtodo de normalizao para avaliar os dois

    ltimos [5]. O projecto decorreu durante 36 meses, tendo sido iniciado em 1 de Maro de 2004. Todos estes procedimentos decorridos culminaram no esboo de uma norma europeia para a classificao de auto-limpeza, que foi submetida avaliao da Comisso Europeia de Normalizao. 3. CUSTO E DISPONIBILIDADE DO DIXIDO DE TITNIO O preo industrial do TiO2 a 13 de Janeiro de 2006 situava-se nos Estados Unidos entre 1,12 e 1,24 US dlares por libra1. A procura de dixido de titnio tem aumentado a nvel mundial, segundo a Millennium Chemicals, a 2 produtora mundial de TiO2. A procura est a crescer nas indstrias de plsticos e revestimentos, especialmente na sia / Pacfico. Com esta procura, esperado que o preo suba e os tempos de entrega continuem a aumentar. A utilizao potencial de dixido de titnio em materiais construtivos ir aumentar ainda mais a procura. O titnio um material encontrado em vrios locais, principalmente em alguns pases africanos e na Austrlia. O processo de extraco do titnio pode produzir cido perto de guas, a no ser que a drenagem do cido seja controlada no local da mina. O custo da proteco ambiental atravs da aplicao de abordagens e tecnologias conhecidas dever ser adicionado ao custo geral do dixido de titnio (adaptado de [6]). Pode ento ser feita uma estimativa do custo da utilizao de TiO2 em materiais de construo de modo a reduzir a poluio atmosfrica, em termos de preo de matria-prima. bvio que uma estimativa com todo o pormenor extremamente complicada, pois entra em conta com variveis que neste caso no so conhecidas, como por exemplo a reduo de investimento em operaes de manuteno de limpeza no caso da aplicao de materiais auto-limpantes em fachadas. No entanto, de seguida feito um exerccio de preconizao do custo de investimento inicial do revestimento de fachadas com um material construtivo, por exemplo uma argamassa cimentcia sinttica de acabamento esttico contendo dixido de titnio. Aps ter contactado a equipa de vendas dos fabricantes de nanopartculas mknano [7], averiguou-se que o preo de dixido de titnio nanomtrico, quando comprado em quantidades industriais (mais de 10 000 kg), de 79 dlares 1 A libra uma unidade de massa que equivale aproximadamente a 0,45 kg.

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    americanos por kg. Aplicando um cmbio de 1,5 $/, obtm-se um valor de 52,7 /kg. Se se considerar uma tinta contendo uma percentagem de 3% de TiO2 na mistura, tendo esta 2000 kg/m3 e uma espessura de aplicao de 0,1 mm, obtm-se um consumo de dixido de titnio de 0,006 kg/m2, que equivale a 0,32 /m2. Por exemplo, para uma fachada de 100 metros de comprimento e 15 metros de altura, resulta um acrscimo de 474,3 , devido incluso das partculas de TiO2. Existe ainda um ponto no focado nesta anlise que tem a ver com uma questo de logstica. O dixido de titnio confere cor branca e, caso se considerasse a hiptese de aplicar estes revestimentos a uma rea grande de uma cidade, por exemplo, pouco razovel conferir a cor branca a todos os edifcios. Segundo o catlogo [8], podem ser adicionados pigmentos minerais para colorir produtos auto-limpantes, embora isso corresponda a mais custos. As despesas de aplicao sero as mesmas do que as praticadas para aplicao de uma tinta normal. So comercializadas argamassas de revestimento, contendo dixido de titnio, pela Italcementi. Segundo o grupo, para transformar a fachada de um edifcio de 5 andares numa superfcie fotocataltica, basta adicionar cerca de 100 ao custo de uma pintura tradicional e pavimentar com blocos fotocatalticos custa cerca

    de 10 a 20% mais do que uma soluo de pavimento convencional [9]. 4. REVESTIMENTOS EXTERIORES De acordo com o exposto, todas as superfcies exteriores so candidatas a possuir propriedades fotocatalticas, desde que recebam luz solar, fonte de radiao ultravioleta, imprescindvel para que catalisem reaces qumicas atravs do dixido de titnio. A substncia pode assim ser aplicada a materiais construtivos, quer atravs da sua incluso na matriz do material quer na forma de pelcula fina aplicada sobre o substrato em questo. 4.1. PVC Existe dificuldade em criar condies laboratoriais que sejam uma rplica do ambiente urbano encontrado hoje em dia nas cidades, para anlise dos efeitos deste tipo de superfcies sobre a poluio atmosfrica. No entanto, quanto ao seu efeito de auto-limpeza, a abordagem torna-se muito mais simples pois basta expor um produto possuidor desta tecnologia e observar a olho nu as diferenas obtidas. Nas figuras 4 e 5, evidenciam-se os efeitos da aplicao de uma pelcula de TiO2 sobre uma tenda semi-rgida, sendo de seguida sujeita aco do sol e de gua da chuva [3].

    Figura 4 - Duas tendas semi-rgidas: esquerda, no foi efectuado qualquer tratamento enquanto que

    direita se encontra aplicada uma pelcula de TiO2 [3]

    Figura 5 - Armazm semi-rgido revestido com

    uma pelcula de TiO2 [3]

    4.2. Cermicos As guas de escorrncia podem originar manchas que retiram o valor esttico s fachadas. Na Figura 6, observam-se estes efeitos sobre azulejos, alguns revestidos com dixido de titnio.

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    4.3. Vidro Os edifcios tm janelas, cuja principal funo receber luz natural. Da que o material por excelncia para executar esta funo seja o vidro, devido sua transparncia e resistncia. Consequentemente, na maior parte dos edifcios, este ocupa uma rea significativa da fachada, existindo ainda construes cuja fachada composta unicamente por vidro. O vidro, com a utilizao, torna-se cada vez mais difcil de limpar e de se manter limpo.

    Figura 6 - Fachada sujeita aos efeitos da gua de escorrncia das chuvas. Os azulejos A foram

    revestidos com TiO2. Os azulejos B no sofreram o tratamento com dixido de titnio [3]

    Os fabricantes de vidro Pilkington comercializam uma gama de vidros, denominada Activ, que possui as propriedades fotocatalticas e hidroflicas mencionadas neste captulo. Na Figura 7, observam-se as diferenas entre um vidro deste tipo e um vidro normal. Estes fabricantes de vidro afirmam que o revestimento de dixido de titnio tem a durabilidade do prprio vidro. No entanto, disponibilizam um conjunto de regras de manuteno, que podem ser consideradas algo confusas, utilizando termos qumicos que o utilizador pode no compreender. Este vasto leque de regras de manuteno pode afastar possveis compradores do conceito fundamental do vidro que a sua baixa necessidade de manuteno, quando comparado com vidros normais e da a importncia da regulamentao e acreditao destes produtos a nvel das autoridades competentes.

    Figura 7 - esquerda, um vidro normal; direita, um vidro com uma camada de TiO2, conferindo

    hidrofilicidade [10] Neste momento, os vidros tm que atingir requisitos pticos e energticos, de acordo com normas nacionais ou internacionais vigentes[5]. Este mercado est a crescer mas poderia crescer muito mais caso fossem implementados limites de desempenho de auto-limpeza obrigatrios, de modo a acreditar os produtos, o que iria dar mais confiana ao pblico em geral que, ao optar por uma soluo deste tipo, v aumentado o investimento inicial. De acordo com o departamento de vendas do distribuidor em Portugal da empresa Saint-Gobain Glass, que comercializa uma gama de vidros denominada Bioclean, possuidora de caractersticas auto-limpantes, a ttulo de exemplo, para um vidro normal de 6 mm de espessura, o preo indicativo de 6,00 /m2, para 18,00 /m2 de um vidro Bioclean da mesma espessura. 2.4. Cimento O cimento pode conter na sua constituio uma baixa percentagem de dixido de titnio o que conduz a que argamassas, ou mesmo beto, possuam caractersticas fotocatalticas. Uma das aplicaes da tecnologia TX Active, da Italcementi, foi a construo da igreja Dives in Misericordia, em Roma. As estruturas brancas foram construdas com beto arquitectnico branco de alto desempenho, baseado neste novo tipo de cimento e, alm das propriedades fotocatalticas necessrias para manter o aspecto esttico do conjunto, garantiu-se tambm a resistncia da estrutura (Figura 8) [11].

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    Figura 8 - Velas brancas da igreja Dives in

    Misericordia [11] 2.5. Ao Tambm o ao passvel de lhe ser aplicada uma pelcula de dixido de titnio. Segundo um ensaio realizado neste substrato [12], foi verificada a decomposio de camadas de cido esterico e a eficincia como revestimento anti-bacteriano contra a Escherichia coli2. Como se pode concluir, no existe nenhum revestimento exterior onde esta nanotecnologia no possa ser aplicada. Desde tintas e polmeros a beto, todos tm a potencialidade de se tornarem superfcies fotocatalticas, quer atravs da incluso de nanopartculas de dixido de titnio na matriz destes materiais, quer atravs da aplicao de pelculas sobre eles. No caso de existir incompatibilidade qumica entre o material e o dixido de titnio (por exemplo, um material que seja passvel de ser decomposto pelas reaces de fotocatlise), possvel aplicar substratos entre os dois que impeam o seu contacto. 5. REVESTIMENTOS INTERIORES Em revestimentos interiores, tambm possvel aplicar a nanotecnologia que se tem sido descrito neste artigo. Aqui, o principal obstculo a falta de radiao ultravioleta na esmagadora maioria de ambientes interiores. De facto, semelhana do que ocorre nos revestimentos exteriores, o catalisador ir realizar a sua funo desde que seja atingido pela frequncia de fotes necessria para se desencadearem as reaces de fotocatlise, o

    2 A Escherichia coli uma bactria presente, por exemplo, no organismo humano, a nvel dos intestinos. A sua presena em gua ou alimentos pode ser indicativa de contaminao, sendo a sua concentrao por mililitro de gua uma das principais medidas usadas no controlo da higiene da gua potvel municipal.

    que pode ser conseguido caso se instalem lmpadas de luz ultravioleta. Tal pode ser conseguido em ambientes interiores que necessitem de remoo anti-bacteriana constante (por exemplo em hospitais ou centrais de purificao de gua). No entanto, numa habitao, por exemplo, tais lmpadas no so usualmente utilizadas e as superfcies fotocatalticas estaro sujeitas luz visvel e, dependendo das lmpadas, a uma nfima parte de radiao ultravioleta. Uma das alternativas aumentar a sensibilidade do dixido de titnio para a luz visvel, de modo a obter uma substncia que seja eficiente quando aplicada em revestimentos interiores, tal como o um revestimento exterior, quando exposto luz solar. Para que tal ocorra, a molcula de TiO2 alterada, por exemplo, com a introduo de outros elementos qumicos que faam com que o conjunto absorva uma gama de comprimentos de onda mais larga. importante que a alterao no resulte numa molcula insegura ou instvel, dada a aplicao pretendida. Na Figura 9, apresentada a absorvncia luminosa do dixido de titnio e de uma substncia resultante da modificao de dixido de titnio com tomos de azoto. O resultado uma molcula que consegue aproveitar a luz visvel para realizar reaces fotocatalticas. Alm de ser susceptvel de ser usada em ambientes interiores onde a radiao ultravioleta no se faz sentir, quando exposta em ambientes expostos luz solar, tem a capacidade de a utilizar com mais eficincia, j que grande parte do espectro da luz solar constitudo por luz visvel.

    Figura 9 - Absorvncia luminosa do dixido de titnio e de um fotocatalizador induzido de luz

    visvel (adaptado de [13]) Nos tneis, em que as coberturas das lmpadas que iluminam a via escurecem devido aos gases da

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    exausto dos veculos, til o revestimento destes elementos com pelculas de dixido de titnio, reduzindo em grande escala a necessidade de limpeza. Na Figura 10, observa-se a diferena entre duas amostras, retiradas do interior de um tnel. Na Figura 11, apresentado um ambiente interior com diferentes tratamentos nos ladrilhos em que se observa a desigualdade nos resultados de cada um deles.

    Figura 10 - Efeitos dos gases de exausto de veculos. Na amostra da esquerda, no foi fornecida luz ultravioleta, no ocorrendo

    fotocatlise. Na amostra da direita, foi fornecida luz ultravioleta (adaptado de [3])

    Figura 11 - Diferentes tratamentos dados a

    ladrilhos, sujeitos s mesmas condies de um ambiente interior (adaptado de [3])

    6. CONCLUSES O objectivo deste artigo foi descrever alteraes que podem ser feitas a diversos revestimentos convencionais e no s, de modo a melhorar as suas caractersticas, face a agentes externos, como a poluio atmosfrica, tirando proveito da aco do sol e da pluviosidade (para revestimentos exteriores). Uma questo pertinente que pode ser colocada a viabilidade da introduo destes produtos na indstria da construo, existindo

    obstculos, principalmente de ordem econmica. Para que possa ser feita uma anlise pormenorizada, essencial que seja adquirida experincia na utilizao deste tipo de revestimentos, nomeadamente a nvel da sua auto-limpeza. A reduo da necessidade de manuteno e limpeza tem que ser mensurada e comparada com o investimento inicial acrescido. A este factor alia-se naturalmente a qualidade acrescida dos revestimentos e, por conseguinte, a sua vida til. Pode ser considerado que a introduo destes revestimentos em edifcios com elevado cariz arquitectnico seja facilitada, garantindo a manuteno das caractersticas estticas pretendidas para este tipo de construes. Consoante os resultados obtidos, pode ser uma questo de tempo para que donos de obra e projectistas considerem esta nova gerao de produtos como uma mais-valia a incluir nos mais variados tipos de edificados.

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