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MATERIAL DE APOIO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Apostila 04
Cláusula Penal
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Cláusula Penal
Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena convencional com as repressões
impostas pelo direito criminal, as quais cabem somente ao poder público aplicar em nossos dias. A
pena convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de uma soma, ou
execução de outra prestação que pode ser objeto de obrigações”.1
Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam, previamente, a indenização devida
em caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de uma determinada cláusula do
contrato, ou, simplesmente, em caso de mora.
Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil:
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente,
deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato
posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula
especial ou simplesmente à mora.
1 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED, 2000, pág. 104.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da
obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança
especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da
pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles,
incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado,
respondendo cada um dos outros somente pela sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que
deu causa à aplicação da pena.
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do
devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o
credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a
pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo
excedente.
Selecionamos, nessa linha, alguns importantes enunciados (da 4ª Jornada de Direito Civil):
355 – Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula
penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar
de preceito de ordem pública.
356 – Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a
cláusula penal de ofício.
357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4º da Lei n.
8.245/91. Revogado o Enunciado 179 da III Jornada.
358 – Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se
confunde com a alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do
fim do negócio jurídico, que podem incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para
mais ou para menos.
359 – Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a redução da
penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido.
Da 5ª Jornada, vale a pena conferir2:
428) Art. 413. As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas
para impedir o descumprimento das disposições normativas constantes desses instrumentos,
em razão da negociação coletiva dos sindicatos e empresas, têm natureza de cláusula penal e,
portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho quando cumprida parcialmente a
cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim proposto, nos termos do art.
413 do Código Civil.
429) Art. 416, parágrafo único. No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente
que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor
independentemente de convenção.
2 Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-
enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/ acessado em 12 de novembro de 2013.
Ao final do material de apoio, leia, também, jurisprudência selecionada pertinente à matéria.
2. Jurisprudência Selecionada
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO NO JULGAMENTO DE APELAÇÃO.
NÃO CONFIGURADA. COMPRA E VENDA PARCELADA DE VEÍCULO. RESCISÃO POR
INADIMPLEMENTO. CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA. PERDAS E DANOS.
CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REDISTRIBUIÇÃO DE ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.
SUCUMBÊNCIA PARCIAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS.
1.- A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados
bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a
um, os argumentos utilizados pela parte.
2.- A cláusula penal compensatória funciona a um só tempo como punição pelo
descumprimento e como compensação previamente fixada pelos próprios contratantes
pelas perdas e danos decorrentes desse mesmo inadimplemento.
3.- A pretensão de redimensionamento dos ônus sucumbenciais envolve considerações
sobre a complexidade da demanda e a expressão econômica dos pedidos formulados na
petição inicial, considerações que, a seu turno, desafiam fatos e provas. Incidência da
Súmula 07/STJ.
4.- Recurso Especial a que se nega provimento
(REsp 1335617/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2014,
DJe 22/04/2014)
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. CLÁUSULA
PENAL. NATUREZA COMPENSATÓRIA. CUMULAÇÃO COM PERDAS E DANOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO
DESPROVIDO.
1. É inviável a cumulação da multa compensatória com o cumprimento da obrigação principal, uma vez
que se trata de uma faculdade disjuntiva, podendo o credor exigir a cláusula penal ou as perdas e danos,
mas não ambas, conforme o art. 401 do Código Civil.
2. A jurisprudência desta Corte de Justiça tem admitido tal cumulação somente quando a cláusula penal
tiver natureza moratória, e não compensatória (REsp 1.355.554/RJ, Terceira Turma, Rel. Min. SIDNEI
BENETI, DJe de 4/2/2013), o que, no entanto, não se verifica na hipótese dos autos.
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 741.776/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2013, DJe
11/12/2013)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. CUMULAÇÃO DA
CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INCIDÊNCIA SÚMULA 7/STJ. RECURSO
IMPROVIDO.
I- Não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e indenização por perdas e
danos.
II- Aplica-se a Súmula 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso reclama a
análise de elementos probatórios gerados ao longo da demanda.
III- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO
DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 11/11/2009)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES.
POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz
em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização
relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.
2. O reconhecimento de violação a literal disposição de lei somente se dá quando dela se
extrai interpretação desarrazoada, o que não é o caso dos autos.
3. Dissídio jurisprudencial não configurado em face da ausência de similitude fática entre os
arestos confrontados.
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em
19/03/2009, DJe 30/03/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA. CLÁUSULA PENAL.
ART. 53, DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total do contrato, em caso de
desfazimento do acordo, não ofende o disposto no art. 53 do CDC, porquanto apenas parte do
valor total já pago será retido pelo fornecedor.
II - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83 do STJ) Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 748.559/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe
08/10/2008)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E CESSÃO.
INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA DOS RÉUS. RESCISÃO DECRETADA. PERDA DAS IMPORTÂNCIAS PAGAS
CONSOANTE CLÁUSULA PENAL. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DO CDC. VALIDADE DA
COMINAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA. CPC, ART. 20, § 4º.
I. Reconhecida a inadimplência dos réus, em contrato de promessa de compra e venda e cessão
imobiliária, válida é a cláusula que prevê a perda das parcelas pagas quando celebrado o contrato
antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.
II. Insuficiência de prequestionamento que impede, ao teor das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, o
debate acerca do acerto ou não da extinção da ação reintegratória de posse.
III. Ausente a condenação, a sucumbência deve ser fixada com base no art. 20, § 4º, do CPC.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 399.123/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
07.12.2006, DJ 05.03.2007 p. 288)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA.
INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. CONTRATO ANTERIOR AO CDC.
INAPLICABILIDADE. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS PREVISTA EM CLÁUSULA PENAL.
I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência,
pelo que a cláusula penal que prevê a perda da totalidade das parcelas pagas, contratada antes da
entrada em vigor da Lei n. 8.078/80, não pode ser afastada com base em tal diploma. Precedentes
do STJ.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 435.608/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
27/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 310)
Direito civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão de obras literárias por encomenda
(elaboração de duas telenovelas).
Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento integral do contrato. Redução da
multa contratual. Cláusula penal. Função compensatória.
- Inviável a revisão do julgado, por força das Súmulas 5 e 7 do STJ, se o Tribunal de origem, ao
analisar o processo, atento ao teor do contrato objeto da controvérsia e ao acervo probatório
juntado pelas partes, concluiu pela inexistência de qualquer ato omissivo ou comissivo passível de
macular o negócio jurídico.
- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código Civil, somente pode ser concedida
nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda, quando o valor da multa exceder o
valor da obrigação principal.
- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não excedente ao da obrigação e que
foi total o inadimplemento contratual, não cabe a redução do seu montante, que deve servir como
compensação pela impossibilidade de obtenção da execução específica da prestação contratada,
na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 687.285/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
25.09.2006, DJ 09.10.2006 p. 287)
CIVIL E PROCESSUAL. COTAS DE CONSÓRCIO ADQUIRIDAS DE EMPRESA VENDEDORA DE
VEÍCULOS. CARACTERIZAÇÃO COMO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA PELO
ADQUIRENTE. CLÁUSULA PENAL. CDC, ART. 53.
MITIGAÇÃO. RETENÇÃO PARCIAL PARA RESSARCIMENTO DE DESPESAS.
I. Reconhecido pelo Tribunal estadual que se cuidou, na espécie, de compromisso de compra
e venda de quotas de consórcio, a desistência, pelo adquirente, sob alegação de dificuldades
econômicas, implica na aplicação parcial da cláusula penal, cabendo a retenção de parte dos valores a
serem restituídos, para ressarcimento de despesas administrativas da vendedora.
II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 165.304/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
07.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 273)
Mais recentemente, julgou-se:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DOS PROMITENTES COMPRADORES.
CLÁUSULA PENAL. PERDA DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES PAGAS.
DESPROPORCIONALIDADE. CONTRATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL/1916.
POSSIBILIDADE.
I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua
vigência.
II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924 do Código Civil/1916,
reduzir a pena convencional estatuída a um patamar razoável, mormente quando se verifica a perda de
todas parcelas pagas.
III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de 25% (vinte e cinco), em favor
da promitente vendedora.
IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior Tribunal de Justiça III.
AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO
(AgRg no REsp 479.914/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 05/10/2010, DJe 15/10/2010)
3. Leitura Complementar
Texto Complementar 01 – Imputação do Pagamento O que se entende por imputação do pagamento?
Imagine que um sujeito assumiu três débitos de 1.000 em face do mesmo credor. Ou seja, a dívida
01 é de 1.000, a dívida 02 é de 1.000 e a dívida 03 também é de 1.000, devidas ao mesmo credor.
Todas as dívidas venceram.
Sucede que o devedor só dispõe de 1.000 para pagamento.
Pergunta-se: em qual delas o pagamento será imputado? Na dívida 01, 02 ou 03?
Pois bem.
A denominada imputação do pagamento nada mais faz do que estabelecer as regras pelas quais
solucionamos tal questão, permitindo a indicação do pagamento dentre tais dívidas vencidas e da
mesma natureza.
Como fazer então?
Simples.
Em regra, a imputação é feita pelo próprio devedor. É ele que fará a indicação em qual das dívidas
será imputado o pagamento:
Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o
direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.
Caso o devedor não faça a imputação do pagamento, poderá o credor fazê-lo:
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o
pagamento, se aceitar a quitação de uma delas (OU SEJA, SE O CREDOR DER A QUITAÇÃO,
IMPUTANDO EM QUAL DAS DÍVIDAS SERÁ FEITO O PAGAMENTO) não terá direito a reclamar
contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.
(referência e grifo nossos).
Entretanto, se o credor não fizer, a imputação é feita pela própria lei3:
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à
imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem
todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.
Em síntese:
Regra 01 – a imputação é feita pelo DEVEDOR.
Regra 02 – se o devedor não indicar em qual das dívidas será feito o pagamento, a imputação é
feita pelo CREDOR.
Regra 03 – se o credor também não fizer a indicação, a imputação é feita pela LEI: a preferência
deverá ser a imputação na dívida mais ANTIGA, mas, se todas tiverem o mesmo vencimento,
imputa-se na dívida mais ONEROSA (ex.: a que tenha uma previsão de multa mais alta).
Mas uma pergunta, nesse contexto, não quer calar: e se todas as dívidas forem vencidas ao mesmo
tempo e igualmente onerosas?
A lei é omissa quanto a este aspecto.
O antigo Código Comercial dispunha, em situações como esta, que o pagamento seria “rateado”
entre as dívidas. Solução que não existe mais na lei comercial (que fora neste ponto revogada),
embora sirva, em nosso sentir, como uma recomendação doutrinária para que o juiz não deixe de
solucionar o caso concreto.4
Ainda sobre a imputação do pagamento, confira recente julgado e noticia do STJ:
3 Em havendo dívida de juros, a regra legal aplicável é a do art. 354: “Havendo capital e
juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”.
4 Tema tratado em nosso volume II – Obrigações, Saraiva.
CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO.
Em retificação à nota do REsp 1.095.852-PR (Informativo n. 493, divulgado em 28/3/2012), leia-se: A
Seção entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH),
até a entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de
juros, de modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º do Dec. 22.626/1933). Para tais contratos
não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a
capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. E, caso o pagamento mensal não
seja suficiente para a quitação sequer dos juros, cumpre-se determinar o lançamento dos juros vencidos
e não pagos em conta separada, sujeita apenas à correção monetária e à incidência anual de juros.
Ressalva do ponto de vista da Min. Relatora no sentido da aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n.
2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada. Decidiu-se também
que no SFH os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal
nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002 (art. 993 do CC/1916). Esse entendimento foi consagrado
no julgamento pela Corte Especial do REsp 1.194.402-RS, submetido ao rito do art. 543-C. REsp
1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2012. (grifei)
Regra de imputação de pagamentos é tema de nova súmula no STJ
05/09/2010
A regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do Código Civil não se aplica às
hipóteses de compensação tributária. A conclusão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao aprovar a proposta da ministra Eliana Calmon para a Súmula n. 464 e pacificar o
entendimento da Corte sobre o assunto.
A súmula tomou como referência legal os artigos 108 e 110 do Código Tributário Nacional, o artigo
543-C do CPC, o artigo 66 da Lei n. 8.383/1991, o artigo 74 da Lei n. 9.430/1996 e a Resolução n. 8
do STJ.
Em um dos precedentes (Resp n. 960.239), o ministro Luiz Fux, relator, entendeu que a imputação
do pagamento na seara tributária tem regime diverso daquele do direito privado (artigo 354 do
Código Civil), inexistindo regra segundo a qual o pagamento parcial imputar-se-á primeiro sobre os
juros, para, só depois de findos estes, amortizar-se o capital. “O próprio legislador exclui a
possibilidade de aplicação de qualquer dispositivo do Código Civil à matéria de compensação
tributária, determinando que esta continuasse regida pela legislação especial”, afirmou.
No caso, a empresa Madeiras Salamoni pediu a declaração de inexigibilidade da Cofins, nos moldes
da ampliação da base de cálculo e majoração da alíquota previstas na Lei n. 9.718/1998, com o
recolhimento do direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título,
corrigidos monetariamente.
A sentença reconheceu a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins
determinada na Lei n. 9.718/98, a ser dita contribuição calculada com base na Lei Complementar
n. 70/1991, assegurado o direito da empresa de compensar o respectivo crédito com tributos
administrados pela Secretaria da Receita Federal, nos termos da Lei n. 9.430/1996, na redação
dada pela Lei n. 10.637/2002, após o trânsito em julgado, corrigidos monetariamente pela taxa
Selic. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a sentença.
Também foram usados como fundamentação para a súmula os recursos especiais n. 970.678,
987.943, 1.024.138, 1.025.992, 1.058.339 e 1.130.033 e o agravo regimental no Resp n. 1.024.138.
Como as súmulas compreendem a síntese de um entendimento reiterado do Tribunal sobre
determinado assunto, a pacificação do entendimento a esse respeito servirá como orientação para
as demais instâncias da Justiça, daqui por diante.
Fonte:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98
855 acessado em 06 de setembro de 2010.
Texto Complementar 02 É sempre vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de
cláusulas em contrato bancário?
Reflexões sobre a Súmula 381 do STJ
Pablo Stolze Gagliano5 e Salomão Viana6
5Juiz de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP, especialista em Direito Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Universidade Federal da Bahia e da
Rede LFG. 6 Juiz Federal (BA), especialista em Direito Processual Civil pela UFBA, professor da
Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG.
Um dos pontos fundamentais do pensamento do filósofo da linguagem ROBERT ALEXY7 é a defesa
da imperiosa necessidade de o jurista desenvolver o fundamento discursivo do seu pensamento
em bases lógicas, visando a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua atividade
cognitiva.
E está certo ALEXY.
Afinal, não cabe ao magistrado julgar de acordo com o seu “achismo”, mas, sim, segundo valores
socialmente objetivados, e na linha de uma hermenêutica filosoficamente justificada.
Por isso, em nossa atividade acadêmica, exortamos, continuamente, os nossos alunos a não
imaginarem existir uma fronteira entre a dogmática jurídica e os outros ramos do conhecimento
humano, especialmente o filosófico.
Aliás, em um sistema cada vez mais marcado pela abertura conceitual dos preceitos normativos –
império dos conceitos vagos e das cláusulas gerais – a comunicação entre as diversas fontes do
conhecimento humano, além de traduzir uma quebra do encastalamento autopoiético do Direito,
passou a ser uma obrigatória exigência para a adequada aplicação da norma ao caso concreto.
Nesse contexto, resta óbvio que não pode o juiz tornar-se um mero reprodutor de uma ideia
preconcebida, esteja ela insculpida em uma lei ou aparentemente incrustada no entendimento
sumulado de um tribunal.
Uma postura acomodatícia de um membro do Poder Judiciário em tais casos, além de gerar o risco
político imanente ao amesquinhamento dos limites da atividade jurisdicional, menoscaba a certeza
de que, em toda atividade interpretativa, uma ideia que se concebeu a priori precisa,
invariavelmente, ser reconstruída por ocasião da sua aplicação no caso concreto.
7 Teoria da Argumentação Jurídica. SP: Editora Landy, 2005.
É este o grande medo que nos assoma, ante a publicação do enunciado n. 381 da súmula da
jurisprudência dominante do STJ.
Tememos que tal enunciado produza interpretações açodadas, superficiais, cômodas, com
desprezo ao “ônus da argumentação jurídica”, anunciado por ALEXY.
A prevalência de interpretações desta natureza, além de produzir os resultados indesejáveis já
apontados, poderia culminar em um desastroso retrocesso nas concepções que passaram a
nortear a teoria do contrato, mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.
Lembremo-nos do teor do enunciado: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer,
de ofício, da abusividade das cláusulas”.
Ora, se, por um lado, a edição de mais um enunciado de um tribunal superior traduz
fortalecimento da segurança jurídica, por conta do estabelecimento de um parâmetro claro para
que se alcance a desejada uniformização da jurisprudência, por outro, não podemos olvidar que a
aplicação do preceito nele contida, segundo as características de cada caso posto sob apreciação
judicial, demanda um esforço hermenêutico mínimo por parte do julgador, para que se não
despejem, no mesmo cadinho jurisprudencial, situações marcadas pela dessemelhança.
GERIVALDO NEIVA, em recente texto, faz as seguintes ponderações: “Ora, da forma em que foi
editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por
outras vias, está querendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos contratos,
mas o Juiz simplesmente não pode conhecê-las de ofício. Banco manda, Juiz obedece! Como diz o
jargão de uma comediante da televisão: cláusula abusiva? Pooooooode!! Nesta lógica absurda,
considerando que as cláusulas abusivas são sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao
cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os bancos e indiferentes com seus
clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão será favorável ao banco, e não
podem agir, mesmo sabendo que sua ação poderá corrigir uma ilegalidade”8.
8 http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-falho.html.
E é exatamente para se evitar situações como a prevista pelo aludido autor que precisamos nos
aprofundar nas bases da justificação do entendimento sumulado e, especialmente, estabelecer os
limites da sua aplicação.
Neste passo, uma primeira conclusão deve ser, de logo, anunciada: desde que sejam respeitados
os limites estabelecidos pelo sistema jurídico, em especial os previstos no núcleo principiológico
da congruência, não pode ser vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de uma
cláusula, em um contrato bancário.
Esta é a vontade do sistema jurídico. E não há súmula que tenha o poder de contrariá-la.
Assim, a proibição contida no enunciado somente pode se dirigir a hipóteses em que o
reconhecimento ex officio afronte o princípio da congruência.
E é exatamente neste ponto que nos encontramos, de novo, com ROBERT ALEXY.
Se é reconhecidamente indispensável que o jurista desenvolva o fundamento discursivo do seu
pensamento em bases lógicas, de modo a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de
sua atividade cognitiva, sem estabelecer fronteiras entre a dogmática jurídica e os outros ramos
do conhecimento humano, é igualmente imprescindível que o jurista, ao aplicar uma norma que
integra um microssistema jurídico, não ignore a existência de núcleos principiológicos de outros
ramos da ciência do Direito.
Assim, é no Direito Constitucional e no Direito Processual Civil, mais precisamente no exame do
núcleo principiológico da congruência, que devemos buscar as bases necessárias para que seja
dada ao enunciado n. 381 a sua exata interpretação.
Para tanto, vale lembrar que “existe um poder-dever da autoridade jurisdicional de responder ao
pedido feito pela parte”9, sendo-lhe “vedado se pronunciar sobre o que não tenha sido objeto do
pedido”10. Igualmente, não é permitido ao Poder Judiciário ir “além do pedido formulado,
concedendo ou deixando de conceder expressamente mais do que tenha sido pedido”11.
Pronunciamento judicial decisório em que o magistrado deixa de responder, na íntegra, ao pedido
feito pela parte, em que se manifesta sobre o que não tenha sido objeto do pedido ou em que se
pronuncia sobre matéria além do pedido formulado, é pronunciamento tisnado de vício. A
depender da situação em que se enquadre, dentre as três acima mencionadas, tratar-se-á de uma
decisão infra, extra ou ultra petita. E a ocorrência de qualquer destas situações “consiste em
infração ao princípio da congruência do decisum com o pedido”12.
Nenhuma dúvida, pois, pode restar de que para que um julgador possa conhecer, de ofício, da
abusividade de uma cláusula, em um contrato bancário, ele somente poderá fazê-lo se o
julgamento que resultar do fundamento discursivo do seu pensamento não violar o princípio da
congruência13.
Por outras palavras, o julgador deve, sim, conhecer, de ofício, da abusividade de cláusulas em
contratos bancários, desde que, com isto, não profira um julgamento extra ou ultra petita14.
9ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. São Paulo: RT, 2005, p. 552. 10 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 554. 11 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 12 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 13 Cuidamos, aqui, da chamada congruência externa objetiva. “A congruência externa da
decisão diz respeito à necessidade de que ela seja correlacionada, em regra, com os sujeitos
envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os elementos objetivos da demanda
que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência objetiva). A congruência
interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como ato processual. Nesse
sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos da clareza, certeza e liquidez” (DIDIER
Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol 2,
4ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 309). 14 Observe-se que não há possibilidade lógica de que do conhecimento, de ofício, da
abusividade de uma cláusula contratual resulte uma decisão infra petita. Por este motivo,
apesar de a aplicação do princípio da congruência implicar também a proibição de
julgamentos infra petita, nos adstringiremos, nestas reflexões, a tratar das hipóteses de
julgamentos extra e ultra petita.
E aí é de todo indispensável que se realce que a necessidade de que o magistrado atue com
obediência ao núcleo principiológico da congruência está a anos-luz de distância da odiosa aplicação do
direito mediante perspectiva puramente processual.
Diferentemente disto, a atenção à congruência entre a demanda proposta e o seu julgamento
pelo Poder Judiciário é consectário irrenunciável do respeito a aspectos basilares de um Estado
Democrático de Direito.
Efetivamente, admitir que o Poder Judiciário possa proferir um julgamento a respeito do que
não lhe foi pedido ou de modo a conceder mais do que foi pedido é permitir que o patrimônio jurídico de
uma das partes seja invadido sem que a ela tenha sido dada oportunidade de se manifestar e de
interferir no conteúdo da decisão. É permitir, portanto, que a garantia constitucional do contraditório e,
por conseguinte, o princípio do devido processo legal sejam reduzidos ao nada.
Proclama-se, atualmente, a necessidade de que os agentes políticos do Poder Judiciário tenham
uma atuação proativa. Anuncia-se um novo tempo, um tempo de ativismo judicial, em que novas
posturas do jurista frente à Constituição conduziriam ao que se rotula de neoconstitucionalismo, com os
seus consectários lógicos, dentre eles o neocivilismo e o neoprocessualismo (ou formalismo-valorativo).
Não somos resistentes a que os preceitos decorrentes destes novos tempos se instalem.
Muito pelo contrário!
O que não é possível, entretanto, é admitir que a desejada proatividade do Poder Judiciário
resulte por colocar em risco a segurança jurídica de quem quer quer seja. Se os preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar
a função social da propriedade e dos contratos, devem ser vistos com pre-eminência sobre outras
normas, eles nunca tiveram, não tem e nunca terão força para inumar a garantia constitucional do
contraditório, a menos que, nesse roldão, seja demolido um dos pilares do Estado Democrático de
Direito.
Com a palavra, nesse ponto, HUMBERTO ÁVILA15:
“O Poder Judiciário não deve assumir, em qualquer matéria, e em qualquer intensidade, a
prevalência na determinação da solução entre conflitos morais porque, num Estado de Direito, vigente
numa sociedade complexa e plural, deve haver regras gerais destinadas a estabilizar conflitos morais e
reduzir a incerteza e a arbitrariedade decorrente da sua inexistência ou desconsideração, cabendo a sua
edição ao Poder Legislativo e a sua aplicação, ao Judiciário”.
Ao lado da violação à garantia constitucional do contraditório, aliás, outras agressões ao sistema
jurídico são facilmente identificáveis no permissivo de que o Poder Judiciário julgue fora ou além do que
lhe foi pedido. Assim é que, apenas a título de exemplo, restariam também feridos o princípio
dispositivo e o princípio da inércia da jurisdição.
Não é, definitivamente, esta a ordem jurídica que se deseja.
Porém, não se pode confundir este tipo indesejável de atuação do Poder Judiciário, com outro,
este também marcado pela proatividade.
Todavia, a proatividade que marca este tipo outro de atuação a que nos referimos é saudável,
hígida, reverente ao Estado Democrático de Direito e, por isto mesmo, perfeitamente ajustada ao
sistema jurídico.
E, nessa perspectiva, o julgador deve, sim, aplicar, de ofício, preceitos de ordem pública, tais como
os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social
da propriedade e dos contratos, ou em observância a outro princípio de matriz constitucional, desde
que o faça no estritos limites do julgamento da lide posta sob sua apreciação.
Com efeito, segundo norma expressa, contida no Código Civil, nenhuma convenção prevalecerá
se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos naquele código para assegurar a
função social da propriedade e dos contratos (art. 2035, parágrafo único16).
15 Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista
Eletrônica de Direito do Estado (REDE), n. 17, jan./fev./março de 2009. Salvador: Instituto
Brasileiro de Direito Público. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rede.asp,
A dicção imperativa “nenhuma convenção prevalecerá” conduz à clara conclusão de que o juiz não
depende de manifestação alguma para que possa reconhecer a abusividade lesiva ao sistema de
princípios constitucionais. Todavia, ele somente poderá fazê-lo se, ao conhecer, de ofício, da
abusividade, a conclusão a que chegar não o conduza a desbordar os limites daquilo que lhe foi pedido e
que constitui o chamado thema decidendum.
É que se é certo que o magistrado, em regra, não pode conhecer de fatos que não tenham sido
alegados pelas partes17, não está ele, porém, atrelado ao enquadramento normativo que as partes
fizerem dos fatos por elas alegados.
Um exemplo tornará mais claro o nosso pensamento.
Imagine-se, que seja proposta, por um banco, uma demanda, cujo pedido esteja voltado para a
cobrança do valor resultante da aplicação de uma cláusula penal18.
Ao narrar os fatos, o banco-autor, invocando a qualidade de credor, informa que celebrou
determinado contrato com o réu, seu cliente, a quem imputa a situação de devedor, e que, no
mencionado contrato, foi inserido um pacto acessório, pelo qual os contratantes fixaram um valor a
título de indenização para a hipótese de descumprimento culposo da obrigação principal. Por considerar
16 Art. 2.035. (...)
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função da propriedade e dos
contratos. 17 As exceções a esta regra somente podem estar contidas na lei, a exemplo do que se dá
com as normas insculpidas nos arts. 131 e 462 do CPC. 18 Sobre a cláusula penal, um dos autores deste artigo, em obra da qual é coautor, fez o
registro de que se trata ela de “... um pacto acessório, pelo qual as partes de um
determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização devida em caso de
descumprimento culposo da obrigação principal, de determinada cláusula do contrato ou
em caso mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também denominada pena
convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em caráter antecipado, para o
caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da obrigação” (GAGLIANO, Pablo
Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações,
Saraiva, 6ª ed, 2006, pág. 355).
que a obrigação principal assumida por seu cliente teria sido descumprida, o banco formula o pedido de
que seja imposta ao devedor a obrigação acessória de pagar o valor constante na referida cláusula.
O devedor, por sua vez, em defesa, argumenta que o valor cobrado é inexigível, em razão de a
cláusula penal conter determinado vício invalidante.
Muito bem.
Ao apreciar o caso, o juiz conclui que o vício apontado pelo réu inexiste.
O valor cobrado pelo banco, pois, se examinada a situação apenas à luz dos argumentos esgrimidos
pelo réu, seria exigível.
Ao lado disto, porém, o magistrado constata que o valor estabelecido a título de indenização é
abusivo, porque excede o valor da própria obrigação principal, o que constitui afronta ao que dispõe o
art. 412 do Código Civil19.
Nessa linha, apesar de o art. 41320 do mesmo código nada dizer a respeito de a redução judicial do
valor previsto na cláusula poder se operar de ofício, deverá o juiz fazê-lo, reconhecendo a abusividade
do valor excedente, independentemente de manifestação do demandado.
Ao assim atuar, o magistrado permanecerá atrelado aos estritos lindes da demanda, sem qualquer
afronta ao princípio da congruência.
Observe-se, neste passo, que a decisão a respeito da questão principal (a imposição, ao réu, da
obrigação de pagar o valor constante na cláusula penal) terá como fundamento o juízo de valor formado
pelo magistrado a respeito da abusividade da cobrança.
19 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal. 20 Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Ele, o juiz, não decidirá fundamentado na invalidade integral da cláusula (que é a tese defendida
pelo réu), mas na sua invalidade parcial, naquilo em que o valor nela previsto for abusivo,
independentemente de manifestação do interessado.
Assim, a resolução da questão da abusividade – que é uma questão a ser resolvida incidenter
tantum – não exsurgirá do processo como fruto da atuação jurisdicional fora dos limites do que foi
pedido ao Poder Judiciário, mas rigorosamente dentro das fronteiras do que é dado ao julgador conhecer
ao proferir uma decisão numa determinada causa: o Poder Judiciário foi provocado para decidir a
respeito da imposição de uma obrigação a alguém e sobre ela decidiu21.
Imagine-se, agora, uma situação inversa, na qual a demanda é proposta pelo cliente do banco, que,
em situação semelhante à anteriormente descrita, comparece em juízo para obter a declaração da
invalidade de uma cláusula penal. Neste caso, o consumidor dos serviços bancários não aguardou que o
banco lhe cobrasse. Ele próprio resolveu tomar a iniciativa.
Ao apresentar os seus argumentos, o autor perfilha a linha de entendimento segundo a qual o
pacto acessório contido no contrato contém determinado vício invalidante, pugnando pela sua
declaração, para, assim, firmar a sua inexigibilidade.
Se, ao apreciar o caso, o juiz concluir que o vício apontado pelo autor inexiste, mas,
simultaneamente, constatar que o valor estabelecido a título de indenização é abusivo, porque excede o
valor da própria obrigação principal, deverá promover, ex officio, a redução judicial do valor previsto na
cláusula, independentemente de manifestação do demandante.
21 FREDIE DIDIER JÚNIOR, em editorial publicado em 13 de maio de 2009 no seu site,
intitulado Sobre o n. 381 da súmula do STJ (Editorial 63, www.frediedidier.com.br), faz
precisas considerações a respeito de aspectos processuais que envolvem o tema,
estabelecendo conexão com a norma contida no parágrafo único do art. 112 do CPC, que
versa sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício sobre a nulidade de cláusula de
eleição de foro em contrato de adesão. O aludido editorial é de leitura indispensável para
quem pretende formar uma ideia clara a respeito do real alcance do novo enunciado.
Ao fazê-lo, o magistrado permanecerá atrelado aos limites que foram traçados no pedido
formulado pelo autor. Mas não estará sujeito – melhor dito, escravizado – a uma manifestação do
interessado para que possa atuar em respeito a um princípio matricial, como o é, na hipótese dada, o da
boa-fé objetiva.
E aí é de todo adequado analisar, agora, ambas as situações sob a ótica da garantia constitucional
do contraditório.
No primeiro caso, o banco, na qualidade de autor, viu o Poder Judiciário se pronunciar, ex officio,
sobre uma questão incidental e, com base no seu entendimento, decidir o que lhe foi pedido. E isto –
nenhuma dúvida pode restar a respeito – o julgador pode, sim, fazer.
Inaplicável é, pois, num caso como este, o enunciado n. 381 da súmula do STJ.
Na segunda hipótese, o banco réu, por ocasião da citação, tomou conhecimento de que o pedido
do autor estava voltado para a declaração da invalidade de determinada cláusula. Ao lado disto, a ele,
réu, não é dado ignorar que o sistema jurídico, máxime no que toca à existência de preceitos de ordem
pública, tais como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar
a função social da propriedade e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva, permite que o magistrado
conheça de ofício de abusividades. Assim, cabia ao réu, em obediência à norma contida no art. 300 do
CPC22, defender, sob todos os aspectos jurídicos – e não apenas quanto aos aspectos que foram objeto
de abordagem pelo autor – a validade da cláusula.
Destarte, quanto à incolumidade, em ambos os casos concretos imaginados, da garantia
constitucional do contraditório, restará ela mantida, na íntegra, uma vez que o magistrado, em nenhum
dos casos, ao decidir, teria desbordado os limites da lide posta para a sua apreciação.
22 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as
razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas
que pretende produzir.
Não é por outro motivo que continua a merecer loa o enunciado n. 356 da IV Jornada de Direito
Civil, segundo o qual nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá, de ofício, reduzir a
cláusula penal.
Observe, porém, caro leitor: à vista dos pedidos concretamente formulados nos casos propostos,
não poderia o magistrado, por exemplo, conhecer de ofício da abusividade do índice de correção
monetária escolhido pelas partes para incidir sobre o valor da obrigação principal, pois tal tema desborda
os limites do objeto litigioso do processo.
Por tudo isto, o que se conclui é que, em nosso sentir, o STJ não pretendeu, com a súmula n. 381,
impedir, em termos absolutos, a atuação judicial espontânea diante de cláusulas consideradas abusivas,
pois, se assim fosse, estaria aquele tribunal mandando às favas, não apenas a própria principiologia
constitucional, mas também o Código Civil (arts. 421 e 422) e o Código de Defesa do Consumidor (art.
51).
Não é isso.
A pretensão, com toda a certeza, é a de ajustar a atuação jurisdicional aos limites processuais do
thema decidendum, para evitar aquele “ativismo judicial” indesejável a que nos referimos.
Aliás, uma leitura atenta do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS – que foi o recurso admitido, nos
termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia – traz um valoroso contributo para o
entendimento das razões que conduziram o STJ a publicar o enunciado n. 381.
No julgamento, restou claro que a preocupação daquela corte superior esteve voltada para impedir
que a atuação ex officio do Poder Judiciário resulte em violação ao núcleo principiológico da congruência.
Na sua redação, entretanto, o enunciado disse mais do que poderia ser dito. Por isto, a sua
construção redacional merece revisão, a fim de que não sirva de base – ou de desculpa – para justificar
decisões injustas, calcadas em interpretação superficial ou açodada.
Nessa ordem de idéias, conclamamos você, amigo leitor, a adotar, diante desse novo e importante
enunciado, uma postura crítica e inteligente, a fim de que não se reverbere a falsa idéia de que, a partir
de sua edição, os juízes se converteram em meros repetidores de normas, dependentes sempre de
provocação das partes, mesmo em temas de índole constitucional, num inegável revival da interpretação
exegética dos primórdios do Código Francês.
(17 de março de 2009. Artigo. Professores Pablo Stolze e Salomão Viana.)
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4. Bibliografia Básica do Curso
Novo Curso de Direito Civil – Obrigações – vol. II, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA
FILHO, (Saraiva) www.saraivajur.com.br
5. Mensagem
Deus fique na sua companhia!
E lembre-se: Fé acima de tudo!
Paz e luz!
Um abraço!
O amigo, Pablo.
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C.D.S. 2014.1