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MATERIAL DE APOIO
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
2013.2
Apostila 04
Cláusula Penal
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Cláusula Penal1
Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena convencional com as repressões impostas
pelo direito criminal, as quais cabem somente ao poder público aplicar em nossos dias. A pena
convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de uma soma, ou execução de
outra prestação que pode ser objeto de obrigações”.2
Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam, previamente, a indenização devida em
caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de uma determinada cláusula do contrato, ou,
simplesmente, em caso de mora.
Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil:
Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe
de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.
Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior,
pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou
simplesmente à mora.
1 Tema ministrado neste semestre pelo querido amigo Professor André Barros.
2 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED, 2000, pág. 104.
Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da
obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.
Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial
de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena
cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação
principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal
tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo,
tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles,
incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo
cada um dos outros somente pela sua quota.
Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu
causa à aplicação da pena.
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do
devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.
Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor
exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale
como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.
Selecionamos, nessa linha, alguns importantes enunciados (da 4ª Jornada de Direito Civil):
355 – Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer
qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.
356 – Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de
ofício.
357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4º da Lei n. 8.245/91. Revogado o
Enunciado 179 da III Jornada.
358 – Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a
alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem
incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos.
359 – Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a redução da penalidade seja
proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido.
Da 5ª Jornada, vale a pena conferir3:
428) Art. 413. As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas para impedir o
descumprimento das disposições normativas constantes desses instrumentos, em razão da negociação coletiva dos
sindicatos e empresas, têm natureza de cláusula penal e, portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho
quando cumprida parcialmente a cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim proposto, nos
termos do art. 413 do Código Civil.
429) Art. 416, parágrafo único. No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto
na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção.
Ao final do material de apoio, leia, também, jurisprudência selecionada pertinente à matéria.
3 Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-
enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/ acessado em 12 de novembro de 2013.
2. Jurisprudência Selecionada
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. CUMULAÇÃO DA
CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INCIDÊNCIA SÚMULA 7/STJ. RECURSO
IMPROVIDO.
I- Não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e indenização por perdas e danos.
II- Aplica-se a Súmula 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso reclama a análise de
elementos probatórios gerados ao longo da demanda.
III- Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA),
TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 11/11/2009)
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO.
CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES.
POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.
1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em
punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de
indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.
2. O reconhecimento de violação a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai
interpretação desarrazoada, o que não é o caso dos autos.
3. Dissídio jurisprudencial não configurado em face da ausência de similitude fática entre os
arestos confrontados.
4. Recurso especial não conhecido.
(REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em
19/03/2009, DJe 30/03/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E
VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA. CLÁUSULA PENAL.
ART. 53, DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total do contrato, em caso de
desfazimento do acordo, não ofende o disposto no art. 53 do CDC, porquanto apenas parte do
valor total já pago será retido pelo fornecedor.
II - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83 do STJ) Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 748.559/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em
18/09/2008, DJe 08/10/2008)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E CESSÃO.
INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA DOS RÉUS. RESCISÃO DECRETADA. PERDA DAS IMPORTÂNCIAS
PAGAS CONSOANTE CLÁUSULA PENAL. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DO CDC.
VALIDADE DA COMINAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA. CPC, ART.
20, § 4º.
I. Reconhecida a inadimplência dos réus, em contrato de promessa de compra e venda e cessão
imobiliária, válida é a cláusula que prevê a perda das parcelas pagas quando celebrado o
contrato antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.
II. Insuficiência de prequestionamento que impede, ao teor das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF,
o debate acerca do acerto ou não da extinção da ação reintegratória de posse.
III. Ausente a condenação, a sucumbência deve ser fixada com base no art. 20, § 4º, do CPC.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 399.123/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
07.12.2006, DJ 05.03.2007 p. 288)
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA.
INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. CONTRATO ANTERIOR AO CDC.
INAPLICABILIDADE. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS PREVISTA EM CLÁUSULA PENAL.
I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência,
pelo que a cláusula penal que prevê a perda da totalidade das parcelas pagas, contratada antes
da entrada em vigor da Lei n. 8.078/80, não pode ser afastada com base em tal diploma.
Precedentes do STJ.
II. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 435.608/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
27/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 310)
Direito civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão de obras literárias por
encomenda (elaboração de duas telenovelas).
Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento integral do contrato. Redução
da multa contratual. Cláusula penal. Função compensatória.
- Inviável a revisão do julgado, por força das Súmulas 5 e 7 do STJ, se o Tribunal de origem, ao
analisar o processo, atento ao teor do contrato objeto da controvérsia e ao acervo probatório
juntado pelas partes, concluiu pela inexistência de qualquer ato omissivo ou comissivo passível
de macular o negócio jurídico.
- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código Civil, somente pode ser concedida
nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda, quando o valor da multa exceder
o valor da obrigação principal.
- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não excedente ao da obrigação e
que foi total o inadimplemento contratual, não cabe a redução do seu montante, que deve servir
como compensação pela impossibilidade de obtenção da execução específica da prestação
contratada, na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 687.285/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.09.2006, DJ
09.10.2006 p. 287)
CIVIL E PROCESSUAL. COTAS DE CONSÓRCIO ADQUIRIDAS DE EMPRESA VENDEDORA DE VEÍCULOS.
CARACTERIZAÇÃO COMO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA PELO ADQUIRENTE. CLÁUSULA
PENAL. CDC, ART. 53.
MITIGAÇÃO. RETENÇÃO PARCIAL PARA RESSARCIMENTO DE DESPESAS.
I. Reconhecido pelo Tribunal estadual que se cuidou, na espécie, de compromisso de compra e venda de
quotas de consórcio, a desistência, pelo adquirente, sob alegação de dificuldades econômicas, implica na
aplicação parcial da cláusula penal, cabendo a retenção de parte dos valores a serem restituídos, para
ressarcimento de despesas administrativas da vendedora.
II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 165.304/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07.02.2006, DJ
20.03.2006 p. 273)
Mais recentemente, julgou-se:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DOS PROMITENTES COMPRADORES.
CLÁUSULA PENAL. PERDA DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES PAGAS.
DESPROPORCIONALIDADE. CONTRATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL/1916. POSSIBILIDADE.
I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência.
II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924 do Código Civil/1916, reduzir a pena
convencional estatuída a um patamar razoável, mormente quando se verifica a perda de todas parcelas
pagas.
III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de 25% (vinte e cinco), em favor da
promitente vendedora.
IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior Tribunal de Justiça III. AGRAVO
REGIMENTAL PROVIDO
(AgRg no REsp 479.914/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
05/10/2010, DJe 15/10/2010)
3. Leitura Complementar
Texto Complementar 01 – Imputação do Pagamento
Forma especial de pagamento sem grande expressividade prática é a imputação do pagamento.
Imagine que um sujeito assumiu três débitos de 1.000 em face do mesmo credor. Ou seja, a
dívida 01 é de 1.000, a dívida 02 é de 1.000 e a dívida 03 também é de 1.000, devidas ao mesmo
credor.
Todas as dívidas venceram.
Sucede que o devedor só dispõe de 1.000 para pagamento.
Pergunta-se: em qual delas o pagamento será imputado? Na dívida 01, 02 ou 03?
Pois bem.
A denominada imputação do pagamento nada mais faz do que estabelecer as regras pelas quais
solucionamos tal questão, permitindo a indicação do pagamento dentre tais dívidas vencidas e
da mesma natureza.
Como fazer então?
Simples.
Em regra, a imputação é feita pelo próprio devedor. É ele que fará a indicação em qual das
dívidas será imputado o pagamento:
Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o
direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.
Caso o devedor não faça a imputação do pagamento, poderá o credor fazê-lo:
Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o
pagamento, se aceitar a quitação de uma delas (OU SEJA, SE O CREDOR DER A QUITAÇÃO,
IMPUTANDO EM QUAL DAS DÍVIDAS SERÁ FEITO O PAGAMENTO) não terá direito a reclamar
contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.
(referência e grifo nossos).
Entretanto, se o credor não fizer, a imputação é feita pela própria lei4:
Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à
imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem
todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.
Em síntese:
Regra 01 – a imputação é feita pelo DEVEDOR.
4 Em havendo dívida de juros, a regra legal aplicável é a do art. 354: “Havendo capital e
juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”.
Regra 02 – se o devedor não indicar em qual das dívidas será feito o pagamento, a imputação é feita pelo
CREDOR.
Regra 03 – se o credor também não fizer a indicação, a imputação é feita pela LEI: a preferência deverá ser a
imputação na dívida mais ANTIGA, mas, se todas tiverem o mesmo vencimento, imputa-se na dívida mais
ONEROSA (ex.: a que tenha uma previsão de multa mais alta).
Mas uma pergunta, nesse contexto, não quer calar: e se todas as dívidas forem vencidas ao mesmo tempo e
igualmente onerosas?
A lei é omissa quanto a este aspecto.
O antigo Código Comercial dispunha, em situações como esta, que o pagamento seria “rateado” entre as
dívidas. Solução que não existe mais na lei comercial (que fora neste ponto revogada), embora sirva, em
nosso sentir, como uma recomendação doutrinária para que o juiz não deixe de solucionar o caso concreto.5
Ainda sobre a imputação do pagamento, confira recente julgado e noticia do STJ:
CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO.
Em retificação à nota do REsp 1.095.852-PR (Informativo n. 493, divulgado em 28/3/2012), leia-se: A Seção
entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), até a
entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de
modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º do Dec. 22.626/1933). Para tais contratos não é válida a
capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual,
regra geral que independe de pactuação expressa. E, caso o pagamento mensal não seja suficiente para a
quitação sequer dos juros, cumpre-se determinar o lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta
separada, sujeita apenas à correção monetária e à incidência anual de juros. Ressalva do ponto de vista da
Min. Relatora no sentido da aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n. 2.170-36, permissivo da capitalização
mensal, desde que expressamente pactuada. Decidiu-se também que no SFH os pagamentos mensais devem
ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002
(art. 993 do CC/1916). Esse entendimento foi consagrado no julgamento pela Corte Especial do REsp
1.194.402-RS, submetido ao rito do art. 543-C. REsp 1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em
14/3/2012. (grifei)
5 Tema tratado em nosso volume II – Obrigações, Saraiva.
Regra de imputação de pagamentos é tema de nova súmula no STJ
05/09/2010
A regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do Código Civil não se aplica às hipóteses de
compensação tributária. A conclusão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao aprovar a
proposta da ministra Eliana Calmon para a Súmula n. 464 e pacificar o entendimento da Corte sobre o
assunto.
A súmula tomou como referência legal os artigos 108 e 110 do Código Tributário Nacional, o artigo 543-C do
CPC, o artigo 66 da Lei n. 8.383/1991, o artigo 74 da Lei n. 9.430/1996 e a Resolução n. 8 do STJ.
Em um dos precedentes (Resp n. 960.239), o ministro Luiz Fux, relator, entendeu que a imputação do
pagamento na seara tributária tem regime diverso daquele do direito privado (artigo 354 do Código Civil),
inexistindo regra segundo a qual o pagamento parcial imputar-se-á primeiro sobre os juros, para, só depois de
findos estes, amortizar-se o capital. “O próprio legislador exclui a possibilidade de aplicação de qualquer
dispositivo do Código Civil à matéria de compensação tributária, determinando que esta continuasse regida
pela legislação especial”, afirmou.
No caso, a empresa Madeiras Salamoni pediu a declaração de inexigibilidade da Cofins, nos moldes da
ampliação da base de cálculo e majoração da alíquota previstas na Lei n. 9.718/1998, com o recolhimento do
direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título, corrigidos monetariamente.
A sentença reconheceu a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins determinada na Lei
n. 9.718/98, a ser dita contribuição calculada com base na Lei Complementar n. 70/1991, assegurado o direito
da empresa de compensar o respectivo crédito com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal,
nos termos da Lei n. 9.430/1996, na redação dada pela Lei n. 10.637/2002, após o trânsito em julgado,
corrigidos monetariamente pela taxa Selic. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a sentença.
Também foram usados como fundamentação para a súmula os recursos especiais n. 970.678, 987.943,
1.024.138, 1.025.992, 1.058.339 e 1.130.033 e o agravo regimental no Resp n. 1.024.138.
Como as súmulas compreendem a síntese de um entendimento reiterado do Tribunal sobre determinado
assunto, a pacificação do entendimento a esse respeito servirá como orientação para as demais instâncias da
Justiça, daqui por diante.
Fonte:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98855
acessado em 06 de setembro de 2010.
Texto Complementar 02
É sempre vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de
cláusulas em contrato bancário?
Reflexões sobre a Súmula 381 do STJ
Pablo Stolze Gagliano6 e Salomão Viana7
Um dos pontos fundamentais do pensamento do filósofo da linguagem ROBERT ALEXY8 é a defesa da
imperiosa necessidade de o jurista desenvolver o fundamento discursivo do seu pensamento em bases
lógicas, visando a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua atividade cognitiva.
E está certo ALEXY.
Afinal, não cabe ao magistrado julgar de acordo com o seu “achismo”, mas, sim, segundo valores
socialmente objetivados, e na linha de uma hermenêutica filosoficamente justificada.
Por isso, em nossa atividade acadêmica, exortamos, continuamente, os nossos alunos a não
imaginarem existir uma fronteira entre a dogmática jurídica e os outros ramos do conhecimento humano,
especialmente o filosófico.
Aliás, em um sistema cada vez mais marcado pela abertura conceitual dos preceitos normativos –
império dos conceitos vagos e das cláusulas gerais – a comunicação entre as diversas fontes do conhecimento
humano, além de traduzir uma quebra do encastalamento autopoiético do Direito, passou a ser uma
obrigatória exigência para a adequada aplicação da norma ao caso concreto.
6Juiz de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP, especialista em Direito Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Universidade Federal da Bahia e da
Rede LFG. 7 Juiz Federal (BA), especialista em Direito Processual Civil pela UFBA, professor da
Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG. 8 Teoria da Argumentação Jurídica. SP: Edidora Landy, 2005.
Nesse contexto, resta óbvio que não pode o juiz tornar-se um mero reprodutor de uma ideia
preconcebida, esteja ela insculpida em uma lei ou aparentemente incrustada no entendimento sumulado de
um tribunal.
Uma postura acomodatícia de um membro do Poder Judiciário em tais casos, além de gerar o risco
político imanente ao amesquinhamento dos limites da atividade jurisdicional, menoscaba a certeza de que,
em toda atividade interpretativa, uma ideia que se concebeu a priori precisa, invariavelmente, ser
reconstruída por ocasião da sua aplicação no caso concreto.
É este o grande medo que nos assoma, ante a publicação do enunciado n. 381 da súmula da
jurisprudência dominante do STJ.
Tememos que tal enunciado produza interpretações açodadas, superficiais, cômodas, com desprezo
ao “ônus da argumentação jurídica”, anunciado por ALEXY.
A prevalência de interpretações desta natureza, além de produzir os resultados indesejáveis já
apontados, poderia culminar em um desastroso retrocesso nas concepções que passaram a nortear a teoria
do contrato, mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.
Lembremo-nos do teor do enunciado: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de
ofício, da abusividade das cláusulas”.
Ora, se, por um lado, a edição de mais um enunciado de um tribunal superior traduz fortalecimento
da segurança jurídica, por conta do estabelecimento de um parâmetro claro para que se alcance a desejada
uniformização da jurisprudência, por outro, não podemos olvidar que a aplicação do preceito nele contida,
segundo as características de cada caso posto sob apreciação judicial, demanda um esforço hermenêutico
mínimo por parte do julgador, para que se não despejem, no mesmo cadinho jurisprudencial, situações
marcadas pela dessemelhança.
GERIVALDO NEIVA, em recente texto, faz as seguintes ponderações: “Ora, da forma em que foi
editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por outras vias,
está querendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos contratos, mas o Juiz simplesmente
não pode conhecê-las de ofício. Banco manda, Juiz obedece! Como diz o jargão de uma comediante da
televisão: cláusula abusiva? Pooooooode!! Nesta lógica absurda, considerando que as cláusulas abusivas são
sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os
bancos e indiferentes com seus clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão será favorável
ao banco, e não podem agir, mesmo sabendo que sua ação poderá corrigir uma ilegalidade”9.
E é exatamente para se evitar situações como a prevista pelo aludido autor que precisamos nos
aprofundar nas bases da justificação do entendimento sumulado e, especialmente, estabelecer os limites da
sua aplicação.
Neste passo, uma primeira conclusão deve ser, de logo, anunciada: desde que sejam respeitados os
limites estabelecidos pelo sistema jurídico, em especial os previstos no núcleo principiológico da congruência,
não pode ser vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de uma cláusula, em um contrato
bancário.
Esta é a vontade do sistema jurídico. E não há súmula que tenha o poder de contrariá-la.
Assim, a proibição contida no enunciado somente pode se dirigir a hipóteses em que o
reconhecimento ex officio afronte o princípio da congruência.
E é exatamente neste ponto que nos encontramos, de novo, com ROBERT ALEXY.
Se é reconhecidamente indispensável que o jurista desenvolva o fundamento discursivo do seu
pensamento em bases lógicas, de modo a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua
atividade cognitiva, sem estabelecer fronteiras entre a dogmática jurídica e os outros ramos do conhecimento
humano, é igualmente imprescindível que o jurista, ao aplicar uma norma que integra um microssistema
jurídico, não ignore a existência de núcleos principiológicos de outros ramos da ciência do Direito.
Assim, é no Direito Constitucional e no Direito Processual Civil, mais precisamente no exame do
núcleo principiológico da congruência, que devemos buscar as bases necessárias para que seja dada ao
enunciado n. 381 a sua exata interpretação.
9 http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-falho.html.
Para tanto, vale lembrar que “existe um poder-dever da autoridade jurisdicional de responder ao
pedido feito pela parte”10, sendo-lhe “vedado se pronunciar sobre o que não tenha sido objeto do pedido”11.
Igualmente, não é permitido ao Poder Judiciário ir “além do pedido formulado, concedendo ou deixando de
conceder expressamente mais do que tenha sido pedido”12.
Pronunciamento judicial decisório em que o magistrado deixa de responder, na íntegra, ao pedido
feito pela parte, em que se manifesta sobre o que não tenha sido objeto do pedido ou em que se pronuncia
sobre matéria além do pedido formulado, é pronunciamento tisnado de vício. A depender da situação em
que se enquadre, dentre as três acima mencionadas, tratar-se-á de uma decisão infra, extra ou ultra petita. E
a ocorrência de qualquer destas situações “consiste em infração ao princípio da congruência do decisum com
o pedido”13.
Nenhuma dúvida, pois, pode restar de que para que um julgador possa conhecer, de ofício, da
abusividade de uma cláusula, em um contrato bancário, ele somente poderá fazê-lo se o julgamento que
resultar do fundamento discursivo do seu pensamento não violar o princípio da congruência14.
Por outras palavras, o julgador deve, sim, conhecer, de ofício, da abusividade de cláusulas em
contratos bancários, desde que, com isto, não profira um julgamento extra ou ultra petita15.
10ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. São Paulo: RT, 2005, p. 552. 11 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 554. 12 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 13 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 14 Cuidamos, aqui, da chamada congruência externa objetiva. “A congruência externa da
decisão diz respeito à necessidade de que ela seja correlacionada, em regra, com os sujeitos
envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os elementos objetivos da demanda
que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência objetiva). A congruência
interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como ato processual. Nesse
sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos da clareza, certeza e liquidez” (DIDIER
Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol 2,
4ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 309). 15 Observe-se que não há possibilidade lógica de que do conhecimento, de ofício, da
abusividade de uma cláusula contratual resulte uma decisão infra petita. Por este motivo,
apesar de a aplicação do princípio da congruência implicar também a proibição de
julgamentos infra petita, nos adstringiremos, nestas reflexões, a tratar das hipóteses de
julgamentos extra e ultra petita.
E aí é de todo indispensável que se realce que a necessidade de que o magistrado atue com
obediência ao núcleo principiológico da congruência está a anos-luz de distância da odiosa aplicação do
direito mediante perspectiva puramente processual.
Diferentemente disto, a atenção à congruência entre a demanda proposta e o seu julgamento pelo
Poder Judiciário é consectário irrenunciável do respeito a aspectos basilares de um Estado Democrático de
Direito.
Efetivamente, admitir que o Poder Judiciário possa proferir um julgamento a respeito do que não lhe
foi pedido ou de modo a conceder mais do que foi pedido é permitir que o patrimônio jurídico de uma das
partes seja invadido sem que a ela tenha sido dada oportunidade de se manifestar e de interferir no conteúdo
da decisão. É permitir, portanto, que a garantia constitucional do contraditório e, por conseguinte, o princípio
do devido processo legal sejam reduzidos ao nada.
Proclama-se, atualmente, a necessidade de que os agentes políticos do Poder Judiciário tenham uma
atuação proativa. Anuncia-se um novo tempo, um tempo de ativismo judicial, em que novas posturas do
jurista frente à Constituição conduziriam ao que se rotula de neoconstitucionalismo, com os seus consectários
lógicos, dentre eles o neocivilismo e o neoprocessualismo (ou formalismo-valorativo).
Não somos resistentes a que os preceitos decorrentes destes novos tempos se instalem.
Muito pelo contrário!
O que não é possível, entretanto, é admitir que a desejada proatividade do Poder Judiciário resulte
por colocar em risco a segurança jurídica de quem quer quer seja. Se os preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos, devem ser vistos com pre-eminência sobre outras normas, eles nunca tiveram,
não tem e nunca terão força para inumar a garantia constitucional do contraditório, a menos que, nesse
roldão, seja demolido um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
Com a palavra, nesse ponto, HUMBERTO ÁVILA16:
“O Poder Judiciário não deve assumir, em qualquer matéria, e em qualquer intensidade, a prevalência
na determinação da solução entre conflitos morais porque, num Estado de Direito, vigente numa sociedade
complexa e plural, deve haver regras gerais destinadas a estabilizar conflitos morais e reduzir a incerteza e a
arbitrariedade decorrente da sua inexistência ou desconsideração, cabendo a sua edição ao Poder Legislativo
e a sua aplicação, ao Judiciário”.
Ao lado da violação à garantia constitucional do contraditório, aliás, outras agressões ao sistema
jurídico são facilmente identificáveis no permissivo de que o Poder Judiciário julgue fora ou além do que lhe
foi pedido. Assim é que, apenas a título de exemplo, restariam também feridos o princípio dispositivo e o
princípio da inércia da jurisdição.
Não é, definitivamente, esta a ordem jurídica que se deseja.
Porém, não se pode confundir este tipo indesejável de atuação do Poder Judiciário, com outro, este
também marcado pela proatividade.
Todavia, a proatividade que marca este tipo outro de atuação a que nos referimos é saudável, hígida,
reverente ao Estado Democrático de Direito e, por isto mesmo, perfeitamente ajustada ao sistema jurídico.
E, nessa perspectiva, o julgador deve, sim, aplicar, de ofício, preceitos de ordem pública, tais como os
estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos, ou em observância a outro princípio de matriz constitucional, desde que o
faça no estritos limites do julgamento da lide posta sob sua apreciação.
Com efeito, segundo norma expressa, contida no Código Civil, nenhuma convenção prevalecerá se
contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos naquele código para assegurar a função
social da propriedade e dos contratos (art. 2035, parágrafo único17).
16 Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista
Eletrônica de Direito do Estado (REDE), n. 17, jan./fev./março de 2009. Salvador: Instituto
Brasileiro de Direito Público. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rede.asp, 17 Art. 2.035. (...)
A dicção imperativa “nenhuma convenção prevalecerá” conduz à clara conclusão de que o juiz não
depende de manifestação alguma para que possa reconhecer a abusividade lesiva ao sistema de princípios
constitucionais. Todavia, ele somente poderá fazê-lo se, ao conhecer, de ofício, da abusividade, a conclusão a
que chegar não o conduza a desbordar os limites daquilo que lhe foi pedido e que constitui o chamado thema
decidendum.
É que se é certo que o magistrado, em regra, não pode conhecer de fatos que não tenham sido
alegados pelas partes18, não está ele, porém, atrelado ao enquadramento normativo que as partes fizerem
dos fatos por elas alegados.
Um exemplo tornará mais claro o nosso pensamento.
Imagine-se, que seja proposta, por um banco, uma demanda, cujo pedido esteja voltado para a
cobrança do valor resultante da aplicação de uma cláusula penal19.
Ao narrar os fatos, o banco-autor, invocando a qualidade de credor, informa que celebrou determinado
contrato com o réu, seu cliente, a quem imputa a situação de devedor, e que, no mencionado contrato, foi
inserido um pacto acessório, pelo qual os contratantes fixaram um valor a título de indenização para a
hipótese de descumprimento culposo da obrigação principal. Por considerar que a obrigação principal
assumida por seu cliente teria sido descumprida, o banco formula o pedido de que seja imposta ao devedor a
obrigação acessória de pagar o valor constante na referida cláusula.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função da propriedade e dos
contratos. 18 As exceções a esta regra somente podem estar contidas na lei, a exemplo do que se dá
com as normas insculpidas nos arts. 131 e 462 do CPC. 19 Sobre a cláusula penal, um dos autores deste artigo, em obra da qual é coautor, fez o
registro de que se trata ela de “... um pacto acessório, pelo qual as partes de um
determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização devida em caso de
descumprimento culposo da obrigação principal, de determinada cláusula do contrato ou
em caso mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também denominada pena
convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em caráter antecipado, para o
caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da obrigação” (GAGLIANO, Pablo
Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações,
Saraiva, 6ª ed, 2006, pág. 355).
O devedor, por sua vez, em defesa, argumenta que o valor cobrado é inexigível, em razão de a cláusula
penal conter determinado vício invalidante.
Muito bem.
Ao apreciar o caso, o juiz conclui que o vício apontado pelo réu inexiste.
O valor cobrado pelo banco, pois, se examinada a situação apenas à luz dos argumentos esgrimidos pelo
réu, seria exigível.
Ao lado disto, porém, o magistrado constata que o valor estabelecido a título de indenização é abusivo,
porque excede o valor da própria obrigação principal, o que constitui afronta ao que dispõe o art. 412 do
Código Civil20.
Nessa linha, apesar de o art. 41321 do mesmo código nada dizer a respeito de a redução judicial do valor
previsto na cláusula poder se operar de ofício, deverá o juiz fazê-lo, reconhecendo a abusividade do valor
excedente, independentemente de manifestação do demandado.
Ao assim atuar, o magistrado permanecerá atrelado aos estritos lindes da demanda, sem qualquer
afronta ao princípio da congruência.
Observe-se, neste passo, que a decisão a respeito da questão principal (a imposição, ao réu, da
obrigação de pagar o valor constante na cláusula penal) terá como fundamento o juízo de valor formado pelo
magistrado a respeito da abusividade da cobrança.
Ele, o juiz, não decidirá fundamentado na invalidade integral da cláusula (que é a tese defendida pelo
réu), mas na sua invalidade parcial, naquilo em que o valor nela previsto for abusivo, independentemente de
manifestação do interessado.
20 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da
obrigação principal. 21 Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação
principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente
excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Assim, a resolução da questão da abusividade – que é uma questão a ser resolvida incidenter tantum –
não exsurgirá do processo como fruto da atuação jurisdicional fora dos limites do que foi pedido ao Poder
Judiciário, mas rigorosamente dentro das fronteiras do que é dado ao julgador conhecer ao proferir uma
decisão numa determinada causa: o Poder Judiciário foi provocado para decidir a respeito da imposição de
uma obrigação a alguém e sobre ela decidiu22.
Imagine-se, agora, uma situação inversa, na qual a demanda é proposta pelo cliente do banco, que, em
situação semelhante à anteriormente descrita, comparece em juízo para obter a declaração da invalidade de
uma cláusula penal. Neste caso, o consumidor dos serviços bancários não aguardou que o banco lhe
cobrasse. Ele próprio resolveu tomar a iniciativa.
Ao apresentar os seus argumentos, o autor perfilha a linha de entendimento segundo a qual o pacto
acessório contido no contrato contém determinado vício invalidante, pugnando pela sua declaração, para,
assim, firmar a sua inexigibilidade.
Se, ao apreciar o caso, o juiz concluir que o vício apontado pelo autor inexiste, mas, simultaneamente,
constatar que o valor estabelecido a título de indenização é abusivo, porque excede o valor da própria
obrigação principal, deverá promover, ex officio, a redução judicial do valor previsto na cláusula,
independentemente de manifestação do demandante.
Ao fazê-lo, o magistrado permanecerá atrelado aos limites que foram traçados no pedido formulado
pelo autor. Mas não estará sujeito – melhor dito, escravizado – a uma manifestação do interessado para que
possa atuar em respeito a um princípio matricial, como o é, na hipótese dada, o da boa-fé objetiva.
E aí é de todo adequado analisar, agora, ambas as situações sob a ótica da garantia constitucional do
contraditório.
22 FREDIE DIDIER JÚNIOR, em editorial publicado em 13 de maio de 2009 no seu site,
intitulado Sobre o n. 381 da súmula do STJ (Editorial 63, www.frediedidier.com.br), faz
precisas considerações a respeito de aspectos processuais que envolvem o tema,
estabelecendo conexão com a norma contida no parágrafo único do art. 112 do CPC, que
versa sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício sobre a nulidade de cláusula de
eleição de foro em contrato de adesão. O aludido editorial é de leitura indispensável para
quem pretende formar uma ideia clara a respeito do real alcance do novo enunciado.
No primeiro caso, o banco, na qualidade de autor, viu o Poder Judiciário se pronunciar, ex officio,
sobre uma questão incidental e, com base no seu entendimento, decidir o que lhe foi pedido. E isto –
nenhuma dúvida pode restar a respeito – o julgador pode, sim, fazer.
Inaplicável é, pois, num caso como este, o enunciado n. 381 da súmula do STJ.
Na segunda hipótese, o banco réu, por ocasião da citação, tomou conhecimento de que o pedido do
autor estava voltado para a declaração da invalidade de determinada cláusula. Ao lado disto, a ele, réu, não é
dado ignorar que o sistema jurídico, máxime no que toca à existência de preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva, permite que o magistrado conheça de ofício de
abusividades. Assim, cabia ao réu, em obediência à norma contida no art. 300 do CPC23, defender, sob todos
os aspectos jurídicos – e não apenas quanto aos aspectos que foram objeto de abordagem pelo autor – a
validade da cláusula.
Destarte, quanto à incolumidade, em ambos os casos concretos imaginados, da garantia constitucional
do contraditório, restará ela mantida, na íntegra, uma vez que o magistrado, em nenhum dos casos, ao
decidir, teria desbordado os limites da lide posta para a sua apreciação.
Não é por outro motivo que continua a merecer loa o enunciado n. 356 da IV Jornada de Direito Civil,
segundo o qual nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá, de ofício, reduzir a cláusula
penal.
Observe, porém, caro leitor: à vista dos pedidos concretamente formulados nos casos propostos, não
poderia o magistrado, por exemplo, conhecer de ofício da abusividade do índice de correção monetária
escolhido pelas partes para incidir sobre o valor da obrigação principal, pois tal tema desborda os limites do
objeto litigioso do processo.
Por tudo isto, o que se conclui é que, em nosso sentir, o STJ não pretendeu, com a súmula n. 381,
impedir, em termos absolutos, a atuação judicial espontânea diante de cláusulas consideradas abusivas, pois,
23 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as
razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas
que pretende produzir.
se assim fosse, estaria aquele tribunal mandando às favas, não apenas a própria principiologia constitucional,
mas também o Código Civil (arts. 421 e 422) e o Código de Defesa do Consumidor (art. 51).
Não é isso.
A pretensão, com toda a certeza, é a de ajustar a atuação jurisdicional aos limites processuais do thema
decidendum, para evitar aquele “ativismo judicial” indesejável a que nos referimos.
Aliás, uma leitura atenta do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS – que foi o recurso admitido, nos
termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia – traz um valoroso contributo para o
entendimento das razões que conduziram o STJ a publicar o enunciado n. 381.
No julgamento, restou claro que a preocupação daquela corte superior esteve voltada para impedir que
a atuação ex officio do Poder Judiciário resulte em violação ao núcleo principiológico da congruência.
Na sua redação, entretanto, o enunciado disse mais do que poderia ser dito. Por isto, a sua construção
redacional merece revisão, a fim de que não sirva de base – ou de desculpa – para justificar decisões injustas,
calcadas em interpretação superficial ou açodada.
Nessa ordem de idéias, conclamamos você, amigo leitor, a adotar, diante desse novo e importante
enunciado, uma postura crítica e inteligente, a fim de que não se reverbere a falsa idéia de que, a partir de
sua edição, os juízes se converteram em meros repetidores de normas, dependentes sempre de provocação
das partes, mesmo em temas de índole constitucional, num inegável revival da interpretação exegética dos
primórdios do Código Francês.
(17 de março de 2009. Artigo. Professores Pablo Stolze e Salomão Viana.)
4. Bibliografia Básica do Curso
Novo Curso de Direito Civil – Obrigações – vol. II, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO,
(Saraiva) www.saraivajur.com.br
5. Mensagem
Deus fique na sua companhia!
E lembre-se: Fé acima de tudo!
Paz e luz!
Um abraço!
O amigo, Pablo.
www.pablostolze.com.br Curtam: facebook.com/pablostolze Sigam: @profpablostolze
2013.2.OK C.D.S.