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  • 3Ministriodas CidadesSecretaria Nacional deSaneamento AmbientalBancoMundialAPOIOSANEAMENTO PARA TODOS

    O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos

    empreendimentos de manejo de resduos slidos

    urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5296/2005

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  • SANEAMENTO PARA TODOS

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos

    urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advocacia

    Programa de Modernizao do Setor SaneamentoSecretaria Nacional de Saneamento Ambiental

    Ministrio das Cidades

    Brasliaoutubro de 2005

    SANEAMENTO PARA TODOS

  • Ministro das Cidades: Mrcio Fortes de Almeida

    Secretrio Executivo: Rodrigo Jos Pereira-Leite Figueiredo

    Secretrio Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA): Abelardo de Oliveira Filho

    Diretor de Desenvolvimento e Cooperao Tcnica da SNSA: Marcos Helano Fernandes Montenegro

    Diretor de gua e Esgotos da SNSA: Mrcio Galvo Fonseca

    Diretor de Articulao Institucional da SNSA: Srgio Antonio Gonalves

    Coordenador do Programa de Modernizao do Setor Saneamento (PMSS): Ernani Ciraco de Miranda

    Programa de Modernizao do Setor Saneamento (PMSS)

    SCN, Quadra 1, Bloco F, 8 andar, Edifcio America Office Tower CEP 70711-905

    Fone: (61) 3327-5006 FAX: (61) 3327-9339

    [email protected]

    www.cidades.gov.br e www.snis.gov.br

    Coordenao editorial e projeto grfico: Rosana LoboDiagramao: Informe ComunicaoFotolitos e impresso: Grfica BrasilTiragem: 3.000 exemplares

    Foto da folha de rosto: Vista area do Aterro Sanitrio Bandeirantes, SP - Heleno & Fonseca Construtcnica S.A.

    permitida a reproduo total ou parcial desta publicao, desde que citada a fonte.

    Brasil. Secretaria Nacional de Saneamento AmbientalO Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos

    empreendimentos de manejo de resduos slidos urba-nos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005. Braslia: Ministrio das Cidades, 2006. 84 p. ( Saneamento para Todos ; 3 volume ).

    1. Saneamento bsico. 2. Mecanismo de Desen-volvimento Limpo - MDL. 3. Empreendimentos. 5. Brasil.I Programa de Modernizao do Setor Saneamento. II.Ttulo. III. Ttulo: O Mecanismo de Desenvolvimento Limponos empreendimentos de manejo de resduos slidos ur-banos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005. IV. Srie.

  • APRESENTAO

    A presente publicao, terceira da srie Saneamento para todos, d continuidade aos esforos realizados pelo Ministrio das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), de permitir ao pblico interessado nesse setor - em particular nos temas econmico-financeiros, institucionais, regulatrios e legais - amplo acesso aos estudos e s pesquisas desenvolvidas no mbito da Secretaria pelo Programa de Modernizao do Setor Saneamento (PMSS).

    Desta feita, o tema abordado o impacto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) nas aes de manejo de resduos slidos urbanos. Como de conhecimento pblico, ainda so muitas as precariedades e deficincias enfrentadas pelos municpios brasileiros na destinao final adequada destes resduos e a venda de certificados de reduo da emisso de gs metano pode, sem dvida, facilitar a viabilizao econmica dos aterros sanitrios. Interessante notar, por outro lado, que a deciso de aproveitar esta oportunidade exige dos prestadores de servio a adoo de prticas de planejamento, projeto e operao mais exigentes que aquelas que hoje so correntes. Assim, se pode esperar que o MDL seja fator de induo da melhoria da qualidade nestes servios pblicos.

    O aproveitamento das oportunidades do MDL no manejo dos resduos slidos faz parte das linhas de trabalho priorizadas pela SNSA com vistas ao tratamento de aspectos que se revelam crticos para o avano na qualidade e abrangncia destes servios pblicos, quais sejam:

    - divulgao de gesto e estmulo adoo da gesto associada destes servios por meio do consorciamento intermunicipal, buscando a sustentabilidade e a qualidade na prestao que pode ser proporcionada pela economia de escala e pela gesto tcnica que este tipo de gesto possibilita;

    - nesta mesma linha, apoio aos estados interessados na regionalizao planejada da prestao e regulao dos servios de manejo de resduos slidos, em especial, aquelas relativas ao tratamento e disposio final, por entidades pblicas consorciadas;

    - incentivo ao desenvolvimento de tecnologias apropriadas para a execuo de aterros sanitrios de pequeno porte;

    - apoio aos municpios e aos demais interessados nas aes relativas gesto correta dos resduos da construo civil e de demolies, com vistas ao cumprimento da Resoluo 307 do CONAMA;

    - qualificao da aplicao de recursos pblicos sob controle da Unio por intermdio de procedimentos de seleo pblica, que incentivem o desenvolvimento institucional dos prestadores dos servios pblicos;

    - retomada dos financiamentos onerosos para os prestadores pblicos de servios de saneamento bsico, incluindo estados, municpios e suas autarquias e empresas, oportunidade que, infelizmente, foi at aqui pouco aproveitada para o financiamento das aes de manejo de resduos slidos urbanos;

  • - estruturao da Rede Nacional de Capacitao e Extenso Tecnolgica em Saneamento Ambiental ReCESA, iniciativa para o desenvolvimento de polticas pblicas integradas, na perspectiva da capacitao dos profissionais que atuam no saneamento e, por decorrncia, no manejo de resduos slidos;

    - suporte s iniciativas de coleta seletiva que se apiam na incluso social dos catadores de material reciclvel e organizao autnoma destes trabalhadores em suas associaes e cooperativas;

    - a assistncia tcnica aos municpios brasileiros de maior porte na elaborao de projetos de tratamento e destinao final de resduos slidos urbanos que possam se candidatar venda de certificados de reduo de emisso de gases de efeito estufa no mbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo previsto no Protocolo de Quioto.

    Esta ltima linha est sendo desenvolvida prioritariamente por intermdio do chamado Projeto MDL, que conta com recursos doados pelo Governo do Japo e com o apoio do Banco Mundial (BIRD) e do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para sua implementao. A SNSA do Ministrio das Cidades atua em parceria com a Secretaria de Qualidade Ambiental Urbana do Ministrio do Meio Ambiente. Atravs de seleo pblica, um conjunto de 30 municpios recebe assistncia tcnica para o diagnstico e anlise de viabilidade de seus projetos.

    As discusses preliminares para a implementao do Projeto MDL identificaram a necessidade de estudos jurdicos que explorassem os aspectos relevantes da legislao brasileira aplicvel a este contexto, em particular aquela que dispe sobre servios pblicos, sua regulao, prestao e concesso bem como sobre licitao e contratao de servios.

    Essa publicao, intitulada O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n5.296/2005, discute o MDL nos empreendimentos de manejo de resduos slidos, em relatrio preparado pela Manesco, Ramirez, Perez, Azevedo Marques Advocacia. O trabalho foi realizado no contexto de consultoria jurdica para a confeco e a anlise do Projeto de Lei n. 5.296/05, que institui a Poltica Nacional de Saneamento Bsico e define diretrizes para a prestao dos servios pblicos de saneamento bsico, atualmente em tramitao na Cmara dos Deputados (ver a publicao n 1 da srie Saneamento para todos).

    Assim, os interessados em empreendimentos de construo, regularizao, desativao e recuperao de aterros sanitrios encontraro aqui abrangente anlise de condicionantes e alternativas jurdicas que seguramente, ajudaro na viabilizao de tais empreendimentos se utilizando do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

    Abelardo de Oliveira FilhoSecretrio Nacional de Saneamento Ambiental

    Ministrio das Cidades

  • 11

    SUMRIO

    Introduo ..................................................................................................................................... 13

    I. O Projeto de Lei n 5.296/05 e a possibilidade

    de aquisio de crditos de carbono ..................................................................................... 14

    I.1. O impacto do Projeto de Lei sobre os empreendimentos

    de infra-estrutura sanitria ........................................................................................................ 14

    I.2. O impacto do Projeto de Lei sobre a utilizao do Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo (MDL) para viabilizao econmica total

    ou parcial das infra-estruturas sanitrias ............................................................................... 17

    II. A situao atual dos aterros sanitrios e as possibilidades

    de aquisio de crditos de carbono ..................................................................................... 19

    II.1. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e empreendimentos de

    regularizao, construo,desativao e recuperao de aterros sanitrios ................... 19

    II.1.1. Os objetivos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) ......................................... 20

    II.1.2. Os Certificados de Reduo de Emisso.................................................................................. 21

    II.1.3. Requisitos para a obteno do CRE .......................................................................................... 21

    II.1.3.1 A voluntariedade da participao ............................................................................................. 21

    II.1.3.2 A efetividade dos benefcios ...................................................................................................... 23

    II.1.3.3 A adicionalidade dos benefcios advindos do Projeto .......................................................... 23

    II.1.4. O aspecto processual do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. ................................... 23

    II.1.5. Os projetos de MDL em aterros sanitrios ............................................................................. 25

    II.2. A situao institucional dos aterros e as possibilidades de

    financiamento de sua construo, regularizao, desativao e recuperao ................ 26

    II.2.1. A situao ftica dos aterros ..................................................................................................... 26

    II.2.2. Atores envolvidos ......................................................................................................................... 29

    III. A viabilizao da construo, regularizao,

    desativao e recuperao de aterros sanitrios ............................................................... 32

    III.1. Modelos de viabilizao da construo, regularizao,

    desativao e recuperao de aterros sanitrios ou lixes ................................................. 32

    III.1.1. Execuo dos servios pelo prprio Poder Pblico ............................................................... 32

    III.1.1.1. Execuo direta sem contratao de particulares ................................................................. 32

    SANEAMENTO PARA TODOS

    O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

  • 12

    III.1.1.2. Execuo por meio de contrato administrativo simples de

    prestao de servios ou obra pblica (Lei n 8.666/93) ..................................................... 32

    III.1.2. A Delegao Tpica de servios ................................................................................................. 33

    III.1.2.1. Permisso ....................................................................................................................................... 35

    III.1.2.2. Concesso comum ....................................................................................................................... 37

    III.1.2.2.1. A questo do usurio nico ....................................................................................................... 38

    III.1.3. A Parceria Pblico-Privada .......................................................................................................... 42

    III.1.3.1. Concesso Patrocinada ................................................................................................................ 44

    III.1.3.2. Concesso Administrativa .......................................................................................................... 45

    III.1.4. Gesto Associada .......................................................................................................................... 46

    III.1.4.1. Consrcio Pblico ......................................................................................................................... 47

    III.1.4.2. Convnios de cooperao entre entes federados .................................................................. 48

    III.1.4.3. Contrato de programa ................................................................................................................. 50

    III.2 O Financiamento para construo, regularizao, desativao,

    recuperao de aterros sanitrios. ........................................................................................... 51

    III.2.1 O financiamento para o Poder Pblico .................................................................................... 51

    III.2.1.1 Programa Saneamento para Todos FGTS ............................................................................. 53

    III.2.1.2 Operaes de Crdito Externo ................................................................................................... 56

    III.2.1.2.1 Organismos Internacionais de Crdito JBIC ........................................................................ 56

    III.2.1.2.2 Organizaes Multilaterais de Crdito ..................................................................................... 59

    III.2.2. O financiamento para o particular ........................................................................................... 61

    III.2.2.1 Programa Saneamento para Todos - FGTS

    - Muturio Privado - SPE COM LOCAO DE ATIVOS .......................................................... 61

    IV. A viabilizao da certificao de reduo de emisses de carbono ............................. 63

    IV.1. Modelos de viabilizao da certificao de reduo de emisso de carbono .................. 63

    IV.1.1. A titularidade dos crditos de carbono ................................................................................... 63

    IV.1.2. A Exigncia de Licitao e suas Excees ................................................................................ 58

    IV.1.3. A Inexigibilidade no caso de projeto singular ........................................................................ 69

    IV.1.4. Organizaes sociais e Organizaes da Sociedade

    Civil de Interesse Pblico (OSCIPs) ........................................................................................... 73

    IV.1.5. A realizao de licitao ............................................................................................................. 75

    IV.1.6. Concluses ..................................................................................................................................... 75

    IV.2. O financiamento da certificao do sequestro de carbono ................................................. 76

    IV.2.1. Financiamento pelo concessionrio ou pelo parceiro privado ........................................... 76

    IV.2.2. Financiamento pelo Poder Pblico ............................................................................................ 77

    V. Principais Concluses ................................................................................................................ 78

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    13

    INTRODUO

    A presente publicao baseia-se em um

    dos relatrios do amplo contexto de consulto-

    ria jurdica para a confeco e a anlise do Pro-

    jeto de Lei n 5.296/05, que institui a Poltica

    Nacional de Saneamento Bsico e define diretri-

    zes para a prestao dos servios pblicos de

    saneamento bsico, atualmente em tramitao

    na Cmara dos Deputados.

    Este documento tem por objeto especfico

    a anlise de condicionantes e alternativas jur-

    dicas de viabilizao de empreendimentos de

    infra-estrutura de saneamento bsico aqui en-

    tendido em sentido amplo, na definio adotada

    pelo Projeto de Lei, que compreende tambm as

    atividades municipais de limpeza urbana , por

    meio da utilizao do Mecanismo de Desenvol-

    vimento Limpo (MDL).

    Nesse propsito, este relatrio tem interfa-

    ce com o Projeto MDL da Secretaria Nacional de

    Saneamento Ambiental do Ministrio das Cida-

    des, que se insere no Projeto de Modernizao do

    Setor de Saneamento (PMSS), e conta com o apoio

    do Programa das Naes Unidas para o Desenvol-

    vimento (PNUD) e do Ministrio do Meio Ambien-

    te, em cooperao com o governo japons.

    O Projeto MDL pretende produzir estudos

    tcnicos e econmicos sobre as possibilidades

    de viabilizao total ou parcial de empreendi-

    mentos de construo, regularizao, desati-

    vao e recuperao de aterros sanitrios, por

    meio da obteno de recursos suplementares

    decorrentes da reduo de emisses de gases

    de efeito estufa. Para isso, foram selecionados

    inicialmente 30 (trinta) municpios1 que sero

    objeto de estudo de viabilidade e de identifica-

    o do potencial de utilizao da reduo do gs

    metano gerado pela decomposio dos resduos

    slidos para viabilizar empreendimentos de in-

    fra-estrutura sanitria.

    Com efeito, como adiante se ver com

    mais detalhes, a partir da entrada em vigor do

    Protocolo de Quioto e da vigncia do Mecanismo

    de Desenvolvimento Limpo (MDL), a reduo de

    emisso de gases de efeito estufa pelos pases em

    desenvolvimento pode ser certificada e se tornar

    objeto de comercializao para pases desenvol-

    vidos que tm metas de reduo a cumprir.

    Est-se, portanto, diante da possibilidade

    de aquisio de crditos de carbono por meio da

    queima ou do reaproveitamento de biogs pro-

    veniente de aterros sanitrios, e de viabilizao

    econmica total ou parcial da construo, da re-

    gularizao, da desativao ou da recuperao

    de aterros por meio desse mecanismo. So essas

    alternativas que sero analisadas, do ponto de

    vista jurdico, neste documento.

    Este relatrio estrutura-se em quatro tpi-

    cos distintos, a saber:

    O primeiro deles tem por objeto a anlise

    do Projeto de Lei n 5.296/05, que institui a Pol-

    tica Nacional de Saneamento Bsico e define di-

    retrizes para a prestao dos servios pblicos

    de saneamento bsico, no que diz respeito, es-

    pecificamente, viabilizao total ou parcial de

    projetos de infra-estrutura sanitria por meio

    da utilizao de crditos de carbono. Trata-se,

    1 Foram selecionados os seguintes os municpios: Americana-SP, Belm-PA, Belo Horizonte-MG, Camaari-BA, Campo Grande-MS, Caucaia-CE, Curitiba-PR, Distrito Federal-DF, Duque de Caxias-RJ, Florianpolis-SC, Fortaleza-CE, Goinia-GO, Gravata-RS, Guarulhos-SP, Lauro de Freitas-BA, Londrina-PR, Macei-AL, Manaus-AM, Maring-PR, Mesquita-RJ, Niteri-RJ, Nova Iguau-RJ, Olinda-PE, Passo Fundo-RS, Porto Alegre-RS, Recife-PE, Santo Andr-SP, Santos-SP, So Gonalo-RJ e So Lus-MA.

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    14

    essencialmente, de verificar quais as disposi-

    es atualmente constantes do Projeto de Lei

    que incentivam ou impem condicionamentos

    realizao de tais empreendimentos (Tpico I).

    Em seguida, efetuaremos uma descrio

    rpida e objetiva do Mecanismo de Desenvolvi-

    mento Limpo (MDL) e de como ele poderia au-

    xiliar na construo, na regularizao, na desa-

    tivao e na recuperao de aterros sanitrios.

    Essa anlise pressupe igualmente a apreciao,

    ainda que sumria, da situao ftica dos ater-

    ros e dos lixes que poderiam ser objeto de em-

    preendimentos, bem como dos atores e das re-

    laes jurdicas que podem eventualmente estar

    presentes em tais aterros e lixes (Tpico II).

    Somente ento nos dedicaremos especifi-

    camente s questes relacionadas viabilizao

    dos empreendimentos em si (Tpico III) e da

    certificao da reduo de emisses de carbono,

    que pressupe procedimento especfico (Tpico

    IV). Embora esta ltima seja tratada, no presente

    Relatrio, como uma alternativa para viabilizar

    economicamente os empreendimentos de infra-

    estrutura de saneamento bsico, deve-se aten-

    tar ao fato de que tambm esse procedimento

    formal e bastante custoso deve ter sua via-

    bilidade econmica solucionada. Diante de sua

    especificidade, preferimos tratar a viabilizao

    da certificao de reduo de emisso de gases

    de efeito estufa e do empreendimento em si se-

    paradamente, embora, evidentemente, as duas

    questes estejam relacionadas.

    Observe-se, finalmente, que a presente

    publicao tem como principal objetivo rela-

    cionar todas as alternativas de viabilizao dos

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria e

    analisar cada uma delas para instruir as deci-

    ses dos municpios na implementao de tais

    projetos. Trata-se, portanto, de documento com

    intuito eminentemente prtico, que no preten-

    de esgotar as discusses tericas a respeito das

    questes jurdicas envolvidas.

    I. O PROJETO DE LEI N 5.296/05

    E A POSSIBILIDADE DE AQUISIO

    DE CRDITOS DE CARBONO

    A aprovao do Projeto de Lei n 5.296/05,

    atualmente em discusso no Congresso, teria

    impacto significativo sobre a viabilizao dos

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria e

    sobre a aquisio e a comercializao de crdi-

    tos de carbono como forma de financiar total ou

    parcialmente tais empreendimentos.

    O impacto do Projeto diferente no que

    diz respeito aos empreendimentos de infra-es-

    trutura sanitria, especialmente quanto possi-

    bilidade de delegao desses servios iniciati-

    va privada (I.1) e aquisio e comercializao

    dos crditos de carbono (I.2). Por um lado, o Pro-

    jeto de Lei estabelece condicionantes para as ati-

    vidades de planejamento, regulao e fiscaliza-

    o dos servios, bem como procedimentos que

    devem ser adotados pelos titulares dos servios

    de manejo de resduos slidos. Por outro lado, o

    Projeto estabelece uma base conceitual intensa

    no sentido de favorecer e incentivar a queima e

    o reaproveitamento econmico do biogs.

    I.1. O IMPACTO DO PROJETO DE LEI

    SOBRE OS EMPREENDIMENTOS DE

    INFRA-ESTRUTURA SANITRIA

    O art. 2, inciso IV, do Projeto de Lei que

    traz a definio dos servios pblicos de sane-

    amento bsico inclui o manejo de resduos sli-

    dos. Em conseqncia, os procedimentos esta-

    belecidos no Projeto para o saneamento bsico

    devem ser atendidos para os projetos de limpe-

    za urbana.

    Assim, em primeiro lugar, a obrigao

    geral de planejamento das atividades antes da

    implementao dos projetos de infra-estrutura

    aplica-se ao setor de limpeza urbana, exigindo-

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    15

    se a realizao de plano de saneamento ambien-

    tal, com a participao da comunidade, sendo

    obrigatria a realizao de audincia e consulta

    pblicas. (art. 14, 2).

    Conforme o art. 16, 1, do Projeto, as

    disposies de plano de saneamento ambiental

    vinculam os projetos bsicos e as contrataes

    de obras e servios relativos s aes de sanea-

    mento ambiental, inclusive os de limpeza urba-

    na. O art. 24 do Projeto refora tal exigncia.

    Assim, em conformidade com o Projeto de

    Lei, para que seja contratada a realizao de

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria

    (aterros sanitrios), com ou sem a delegao

    de servios correspondentes (a gesto do ater-

    ro e a disposio final dos resduos slidos),

    faz-se necessria a realizao prvia de plano

    de saneamento ambiental.

    Entre outros requisitos, o plano dever

    conter a proposio de programas, projetos e

    aes necessrias para atingir os objetivos e as

    metas da Poltica Nacional de Saneamento, com

    identificao das respectivas fontes de financia-

    mento, bem como: (i) a confeco do relatrio

    de salubridade ambiental no mbito local, com

    a identificao das demandas atuais e futuras,

    incluindo outros aspectos relevantes da presta-

    o dos servios; (ii) o estabelecimento de prio-

    ridades e metas temporais; (iii) a identificao

    e a seleo de alternativas para a ampliao, a

    melhoria e a atualizao da oferta dos servios

    pblicos de saneamento bsico e respectivos

    custos; (iv) os planos de investimentos com a

    previso e a identificao das fontes de finan-

    ciamento.

    Conforme o art. 24 do Projeto, alm do

    plano de saneamento ambiental vlido por oca-

    sio da contratao, so condies para a vali-

    dade dos contratos de prestao dos servios

    pblicos de saneamento bsico: (i) a realizao

    de estudo de viabilidade tcnica e econmico-

    financeira da delegao com vista prestao

    universal e integral dos servios nos termos do

    plano de saneamento ambiental; (ii) a existn-

    cia de legislao que preveja os meios para o

    cumprimento das diretrizes dessa lei, inclusive

    o rgo ou entidade de regulao e fiscalizao;

    e (iii) a realizao prvia de audincia e de con-

    sulta pblicas sobre o edital de licitao, ou seu

    termo de dispensa ou inexigibilidade, e a minu-

    ta do contrato. Ressalte-se que boa parte dessas

    exigncias j consta da Lei de Concesses e Per-

    misses de Servios Pblicos.

    No mesmo sentido, o Projeto de Lei im-

    pede que a delegao de servios pblicos de

    limpeza urbana seja formalizada por meio de

    convnios, termos de parceria ou outros instru-

    mentos de natureza precria, exigindo a forma

    contratual para a delegao (art. 23).2

    Sob outra perspectiva, o Projeto de Lei pro-

    pe a adeso dos municpios Poltica Nacional

    de Saneamento (PNS) e ao Sistema Nacional de

    Saneamento Ambiental (Sisnasa), condicionan-

    do vrios benefcios a essa adeso, notadamente

    o recebimento de transferncias voluntrias da

    Unio destinadas a aes de saneamento bsi-

    co (art. 38, 2, inciso I). A adeso dos munic-

    pios ao Sisnasa implica as obrigaes de cum-

    prir fielmente as diretrizes previstas nessa lei,

    e tambm: (i) assegurar adequadas regulao,

    fiscalizao e avaliao dos servios de que ti-

    tular; (ii) criar ou manter rgos colegiados; (iii)

    adequar o planejamento; (iv) fornecer dados e

    informaes sobre os servios e da situao de

    2 O prprio Projeto excetua, nos pargrafos do mesmo art. 23, as hipteses de prestao dos servios por pessoa jurdica que, inte-grando a administrao indireta do titular, tenha recebido a outorga dessa atribuio mediante lei e ainda os servios pblicos de saneamento bsico de interesse local cuja prestao o Poder Pblico, nos termos da lei, autorizar para os usurios organizados em cooperativa ou associao, desde que os servios se limitem a determinado condomnio ou localidade de pequeno porte.

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    16

    salubridade ambiental; e (v) instituir e manter o

    fundo especial de universalizao (art. 40).

    Em decorrncia, para que os municpios

    tenham acesso a recursos da Unio destinados

    a empreendimentos de infra-estrutura sanit-

    ria, devero, ainda, criar os rgos colegiados

    referidos na lei, notadamente a Conferncia da

    Cidade e o Conselho da Cidade, ou instncias

    colegiadas equivalentes (art. 44, inciso II). Tais

    rgos devero, ainda segundo o Projeto, ser

    institudos por lei.

    A Conferncia da Cidade dever ter com-

    petncia para: (i) propor medidas para a imple-

    mentao e o aperfeioamento da PNS; (ii) indi-

    car prioridades de atuao do governo federal;

    e (iii) avaliar a execuo da PNS e do PNSA e o

    funcionamento do Sisnasa. J o Conselho da Ci-

    dade dever ter competncias para: (i) formular

    e manifestar-se sobre estratgias e prioridades

    para implementao e alterao da poltica mu-

    nicipal de saneamento bsico; (ii) acompanhar e

    avaliar a poltica municipal de saneamento bsi-

    co e o plano municipal de saneamento ambien-

    tal, bem como as respectivas aes e projetos;

    (iii) propor diretrizes e prioridades para a aloca-

    o de recursos sob gesto municipal em aes

    de saneamento bsico, inclusive sob a forma de

    subsdios; (iv) articular-se com outros conselhos

    para a integrao de aes; (v) manifestar-se

    previamente, no que se refere a servio pblico

    de saneamento bsico, dentro dos prazos esta-

    belecidos na legislao, sobre anteprojetos de

    lei e minutas de decretos, de regulamentos, de

    editais, de convnios, de contratos e de propos-

    tas referentes gesto associada do servio,

    organizao e prestao de servio integrado e

    delegao de servios; e (vi) proceder reviso

    de preos pblicos ou de taxas. (art. 48, inciso

    II). Ainda segundo o mesmo artigo, em seu pa-

    rgrafo primeiro, a composio desses rgos

    colegiados deve contemplar ao menos repre-

    sentaes das instituies pblicas com atuao

    relevante no saneamento bsico no municpio,

    dos prestadores, dos trabalhadores e dos usu-

    rios de servio pblico de saneamento bsico.

    Observe-se ainda que o art. 66 do Projeto

    altera a Lei n 8.666/93, para nela incluir a infra-

    o penal de outorgar concesso, permisso ou

    outra forma de delegao de servios pblicos

    essenciais, sem prvia autorizao de lei que dis-

    ponha sobre a regulao dos servios, inclusive

    suas tarifas e outros preos pblicos, e os ins-

    trumentos de fiscalizao permanente dos servi-

    os, o que refora a necessidade de lei anterior

    delegao dos servios de limpeza urbana. O

    Projeto prope tambm a alterao do art. 2 da

    Lei n 9.074/95, que isentava de autorizao le-

    gislativa as delegaes dos servios pblicos de

    saneamento bsico e de limpeza urbana. Dever,

    portanto, haver lei que autorize a delegao.

    Conclui-se, portanto, que, em relao aos

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria, o

    Projeto de Lei n 5.296/05 tem impacto, essen-

    cialmente, na fixao de condies prvias para

    a realizao do empreendimento. No que diz

    respeito contratao, o Projeto exige a exis-

    tncia prvia de um Plano de Saneamento Am-

    biental, que preveja o empreendimento e suas

    fontes de financiamento, e que seja precedido

    de audincia e consulta pblica. Caso envolva,

    ainda, a delegao do servio pblico, esta de-

    ver ainda ser precedida:

    (i) de estudo de viabilidade tcnica e econmi-

    co-financeira da delegao;

    (ii) de legislao que preveja os meios para o

    cumprimento das diretrizes fixadas na legis-

    lao federal, inclusive o rgo ou a entidade

    de regulao e fiscalizao;

    (iii) da realizao prvia de audincia e de con-

    sultas pblicas sobre o edital de licitao e

    a minuta do contrato.

    Caso os municpios pretendam ainda ade-

    rir ao Sisnasa e PNS, devero ainda:

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    17

    (i) criar os rgos colegiados previstos na

    Lei (a Conferncia da Cidade e o Conselho

    da Cidade);

    (ii) fornecer dados e informaes sobre os ser-

    vios e a situao de salubridade ambiental;

    (iii) instituir e manter o fundo especial de uni-

    versalizao.

    I.2. O IMPACTO DO PROJETO DE LEI SOBRE

    A UTILIZAO DO MECANISMO DE

    DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL) PARA

    VIABILIZAO ECONMICA TOTAL OU

    PARCIAL DAS INFRA-ESTRUTURAS SANITRIAS

    No que diz respeito utilizao do MDL

    para a viabilizao econmica total ou parcial

    das infra-estruturas sanitrias, o Projeto de Lei

    contm diversas disposies que incentivam e

    favorecem tal mecanismo, tanto sob a perspec-

    tiva de proteo ambiental, quanto sob o prisma

    de sustentabilidade econmica do servio.

    Sob a perspectiva ambiental, o art. 3 reco-

    nhece o direito vida em ambiente salubre, cuja

    promoo e preservao dever do Poder Pbli-

    co e de toda a coletividade. O pargrafo nico

    do mesmo artigo refora a obrigao do Poder

    Pblico de promover a salubridade ambiental, en-

    quanto o art. 4 reconhece aos cidados o direito

    de exigir dos responsveis as medidas preventi-

    vas, mitigadoras, compensatrias ou reparadoras

    em face de atividades prejudiciais ou potencial-

    mente prejudiciais salubridade humana. A res-

    ponsabilidade ambiental na execuo dos servi-

    os pblicos de saneamento bsico, a includos

    os de limpeza urbana, prevista expressamente

    no Projeto, o que favoreceria a implementao de

    mecanismos destinados a compensar os danos

    ambientais (no caso, a emisso do gs metano)

    decorrentes do desempenho desses servios.

    Nesse mesmo sentido, constitui diretriz

    bsica da prestao dos servios pblicos de sa-

    neamento a intersetorialidade (art. 6, inciso XII

    do Projeto), bem como a preservao e a conser-

    vao do meio ambiente, mediante aes orien-

    tadas para a utilizao dos recursos naturais de

    forma sustentvel e a reverso da degradao

    ambiental, observadas as normas ambientais

    e de recursos hdricos e as disposies dos pla-

    nos de recursos hdricos (inciso XVII). O mesmo

    princpio ainda sustentado pelas diretrizes

    especficas dos servios pblicos de manejo de

    resduos slidos, que prevem a garantia do

    manejo dos resduos slidos de forma sanitria

    e ambientalmente adequada, a fim de promo-

    ver a sade pblica e prevenir a poluio das

    guas superficiais e subterrneas, do solo e do

    ar (art. 9, inciso I). O Projeto ainda estabelece

    que a Poltica Nacional de Saneamento Bsico

    (PNS) dever ter como objetivo minimizar os

    impactos ambientais relacionados implantao

    e desenvolvimento das aes, obras e servios de

    saneamento bsico e assegurar que sejam imple-

    mentadas de acordo com as normas relativas

    proteo ao meio ambiente, ao uso e ocupao

    do solo e sade (art. 37, inciso X).

    De maneira mais especfica, o art. 9 prev

    expressamente que os servios de manejo de re-

    sduos slidos possuem como diretriz o incenti-

    vo e a promoo da no-gerao, reduo, mini-

    mizao da gerao, coleta seletiva, reutilizao,

    reciclagem, inclusive por compostagem, e apro-

    veitamento energtico do biogs, objetivando a

    utilizao adequada dos recursos ambientais e a

    sustentabilidade ambiental dos respectivos siste-

    mas de gesto. (inciso II, a).

    Sob a perspectiva econmica, o Projeto

    estabelece a sustentabilidade econmica como

    diretriz bsica dos servios pblicos de sanea-

    mento bsico (art. 6, inciso XI) e como diretriz

    especfica dos servios de manejo de resduos

    slidos (art. 9, inciso II, a). O Projeto tambm

    prev que a Poltica Nacional de Saneamento B-

    sico (PNS) dever assegurar que a aplicao dos

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    18

    recursos financeiros administrados pelo Poder

    Pblico se d segundo critrios de promoo da

    salubridade ambiental, de maximizao da re-

    lao benefcio-custo e de maior retorno social,

    bem como deve promover alternativas de ges-

    to que viabilizem a auto-sustentao econmica

    e financeira dos servios de saneamento bsico

    (art. 37, incisos V e VII).

    Assim, tanto do ponto de vista ambien-

    tal quanto econmico, o Projeto contm base

    conceitual que favorece a utilizao de tal me-

    canismo, como forma de minimizar o impacto

    ambiental e econmico da prestao do servio.

    Alm desse incentivo expresso ao meca-

    nismo, o Projeto contm ainda importante de-

    finio quanto natureza jurdica desse apro-

    veitamento. O art. 2, inciso XVIII, e, do Proje-

    to inclui expressamente entre as hipteses de

    projetos associados aos servios pblicos de

    saneamento bsico: o aproveitamento de ener-

    gia de qualquer fonte potencial vinculada aos

    servios, inclusive do biogs resultante de tra-

    tamento de esgoto sanitrio ou de tratamento

    ou disposio final de resduos slidos. O mes-

    mo inciso define os projetos associados como

    aqueles desenvolvidos em carter acessrio ou

    correlato prestao dos servios, capazes de

    gerar benefcios sociais, ambientais ou econmi-

    cos adicionais.

    Em conseqncia, o aproveitamento da

    energia gerada pela queima do biogs resul-

    tante do tratamento e da disposio final de

    resduos slidos no considerado integran-

    te da prpria definio de servios pblicos

    de saneamento, mas to-somente atividade

    acessria ou correlata prestao desses ser-

    vios. No integrar o ncleo de eventual con-

    cesso e dever ser contabilizado, portanto,

    como uma receita acessria. Assim prev o art.

    33, pargrafo nico do Projeto, ao afirmar que,

    nos casos de servios delegados, os resultados

    financeiros de projetos associados prestao

    de servio pblico de saneamento bsico devem

    ser contabilizados separadamente, e somente

    podero ser considerados na equao econmi-

    co-financeira adotada para o clculo dos preos

    pblicos do servio delegado se excederem a res-

    pectiva taxa de retorno ou de remunerao.

    Deve-se, no entanto, observar que esse

    enquadramento somente se refere ao aproveita-

    mento da energia resultante da queima do bio-

    gs, e no da atividade da queima em si. Ou seja:

    se a gerao de energia em decorrncia dessa

    queima considerada apenas acessria presta-

    o dos servios de manejo de resduos slidos,

    a queima do biogs em si parece integrar o ser-

    vio pblico, pois imperativo de salubridade

    ambiental dessa atividade. Parece-nos, portanto,

    evidente que a atividade de queima do biogs

    resultante do tratamento e da destinao final

    dos resduos slidos integra os servios p-

    blicos de limpeza urbana, j que se insere no

    conceito mais amplo de tratamento e destinao

    final dos resduos slidos.

    Conclui-se, portanto, que, em relao

    utilizao do MDL para a viabilizao econ-

    mica total ou parcial das infra-estruturas sani-

    trias, o Projeto de Lei incentiva e favorece tal

    mecanismo, tanto sob a perspectiva de prote-

    o ambiental, quanto sob o aspecto de susten-

    tabilidade econmica do servio. Ele oferece,

    igualmente, parmetros jurdicos para o de-

    sempenho de tal atividade, ao estabelecer que o

    aproveitamento da energia resultante do biogs

    consistir em projeto associado prestao do

    servio, o que d a entender que a queima do

    biogs em si integra os servios pblicos de ma-

    nejo de resduos slidos.

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    19

    II. A SITUAO ATUAL DOS ATERROS

    SANITRIOS E AS POSSIBILIDADES DE

    AQUISIO DE CRDITOS DE CARBONO

    II.1. O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO

    LIMPO (MDL) E EMPREENDIMENTOS

    DE REGULARIZAO, CONSTRUO,

    DESATIVAO E RECUPERAO DE ATERROS

    SANITRIOS

    Da preocupao com a irreversibilidade

    dos efeitos produzidos no clima, na vegetao, na

    fauna e no povoamento humano, surgiu a idia

    do desenvolvimento sustentvel. Busca-se con-

    ciliar o desenvolvimento econmico com a pre-

    servao ambiental, por meio da conscientizao

    sobre o risco do consumo desenfreado de mat-

    rias-primas, da emisso de poluentes e de outros

    comportamentos de risco para o meio ambiente.

    No Brasil, pelo menos do ponto de vista do

    direito positivo, a reao tardou a desabrochar.

    Como primeiros diplomas normativos a versar

    sobre o tema, podem-se citar a Lei n 6.938, de

    31.8.81, conhecida como Lei de Poltica Nacional

    do Meio Ambiente (PNMA), e a Lei n 7.347, de

    24.7.85, a Lei de Ao Civil Pblica. Posterior-

    mente, e de maneira mais relevante, reservou a

    Constituio Federal de 1988 todo um captulo

    do Ttulo VIII para o tema do Meio Ambiente, qua-

    lificando-o como bem de uso comum do povo e

    essencial sadia qualidade de vida (art. 225).3

    No contexto internacional, as preocupa-

    es com o meio ambiente ganharam progres-

    sivo relevo a partir especialmente da dcada de

    70. Destacam-se encontros como a Conferncia

    das Naes Unidas para o Meio Ambiente (1972),

    a Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e De-

    senvolvimento (1983) e a Conferncia das Na-

    es Unidas para o Meio Ambiente e Desenvol-

    vimento (Unced), esta ltima no Rio de Janeiro,

    conhecida tambm como ECO-92.

    Foi esta ltima Conferncia a que mais re-

    sultados efetivos obteve. Em seu mbito, mais

    de 160 Estados assinaram a Conveno-Quadro

    sobre Mudana Climtica (UNFCCC), com o fim

    de evitar interferncias antropognicas peri-

    gosas no sistema climtico (art. 2). poca,

    incluiu-se meta para que os pases industriali-

    zados mantivessem, at o ano 2000, suas emis-

    ses de gases geradores de efeito estufa nos n-

    veis de 1990. Contudo, estudos publicados por

    cientistas do Painel Intergovernamental sobre

    Mudanas Climticas (Intergovernmental Pannel

    on Climate Change IPCC), grupo de peritos de

    vrios pases que do subsdio tcnico s ne-

    gociaes de reduo de emisso de gases de

    efeito estufa, sugeriram a reviso das metas, em

    1995, diante da evidncia dos primeiros sinais

    de mudana climtica planetria.

    A preocupao culminou com a elabora-

    o do Protocolo de Quioto, em 1997, no qual

    ficou estabelecido, para o qinqnio compre-

    endido entre 2008 e 2012, o compromisso de

    diminuio de emisses totais dos gases gera-

    dores do efeito estufa.4 A meta, no entanto, no

    uniforme para todos os pases.

    Estabeleceu-se, com o Protocolo, uma esp-

    cie de regulao assimtrica, a partir da concep-

    o do princpio da responsabilidade comum,

    3 Art. 225. Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.

    4 De acordo com o Anexo A do Protocolo de Quioto, so gases de efeito estufa: o dixido de carbono (CO2), o metano (CH4), o xido nitroso (N20), os hidrofluorcarbonos (HFCs), os perfluorcarbonos (PFCs) e o hexafluoreto de enxofre (SF6).

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    20

    mas diferenciada. Derivao das idias de po-

    luidor pagador e da eqidade, esse princpio

    justifica-se diante do fato de que os pases que

    detm um maior desenvolvimento industrial

    contribuem mais intensa e longamente para a

    poluio ambiental, devendo, pela mesma razo,

    assumir maiores nus na sua preservao.5 Alm

    disso, a sua aplicao visa a impedir que as regras

    de preservao ambiental desestimulem o desen-

    volvimento industrial dos pases mais pobres.

    Como resultado, os pases listados no

    Anexo I do Protocolo (pases desenvolvidos) de-

    vero reduzir a sua emisso em, ao menos, 5%

    abaixo dos nveis verificados em 1990 (cf. art.

    3). Em contrapartida, os demais pases (em de-

    senvolvimento), com baixos ndices histricos

    de emisso, podem at aument-los, possuindo

    uma espcie de saldo positivo negocivel.

    O Protocolo estabelece ainda trs meca-

    nismos de flexibilidade, os quais permitem

    que os pases desenvolvidos cumpram com as

    exigncias de reduo de emisses fora dos

    seus territrios: (i) a Implementao Conjunta

    (Joint Implemention); (ii) o Comrcio de Emis-

    ses (Emission Trading); e (iii) o Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo (Clean Development

    Mechanism). Para os fins do presente estudo, in-

    teressa analisar, especificamente, este ltimo.

    II.1.1. Os objetivos do Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo (MDL)

    O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

    est previsto e regulamentado no art. 12 do Pro-

    tocolo de Quioto. O item 2 do referido disposi-

    tivo explicita o seu duplo objetivo: de um lado,

    busca-se assistir os pases em desenvolvimento

    quanto a atingir o desenvolvimento sustentvel

    e contribuir para o objetivo final da Conveno;

    de outro, permite-se que os pases desenvolvi-

    dos cumpram seus compromissos quantifica-

    dos de limitao e reduo de emisses.

    Desse modo, contemplam-se simultanea-

    mente os interesses de pases poluidores e dos

    em desenvolvimento. Enquanto estes recebem

    investimentos para recuperao de suas reas

    naturais degradadas, beneficiando-se de ativi-

    dades de projetos que resultem em redues

    certificadas de emisses e da transferncia de

    tecnologias sustentveis ecologicamente, aque-

    les pagam as suas dvidas ambientais, podendo

    utilizar-se das redues certificadas de emis-

    ses para contribuir com o cumprimento de

    seus compromissos quantificados de limitao

    e reduo de emisses (cf. art. 3)6. Dito de outra

    forma, uma vez que irrelevante para o plane-

    ta o local onde as emisses sero reduzidas, os

    5 Sobre o princpio da Responsabilidade Comum, Porm Diferenciada, manifestam-se Flavia Witkowski FRANGETTO e Flavio Rufino GAZANI: Esse princpio afirma que as necessidades especficas e circunstncias especiais das Partes pases em desenvolvimento sejam consideradas, e que, tendo em vista a situao mais frgil destes ltimos, a iniciativa de aes de combate mudana do clima e seus efeitos advenha dos pases desenvolvidos. Em consonncia com o Princpio do Poluidor-Pagador, prega que aquele que utiliza tcnica poluidora (os pases desenvolvidos) h mais tempo que os menos desenvolvidos, por uma questo de equida-de, tem o dever de contribuir proporcionalmente poluio que causou, arcando com a maior parte do nus de mitigar os efeitos adversos da mudana do clima. Da, a adoo do Princpio da Responsabilidade Comum, porm Diferenciada, de acordo com o grau de poluio causado pelos pases desenvolvidos (in Viabilizao jurdica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil. Braslia, IIEB, 2002, p.38).

    6 H, desse modo, e por via do Protocolo de Quioto, um impulso idia de cooperao internacional. Nesse sentido, os projetos de MDL diga-se os projetos envolvendo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), passveis de gerar Certificados de Emisses Reduzidas (CER) viabilizam a cooperao internacional na medida em que, de um lado, parcela da obrigao de um Pas do Anexo I da UNFCC pode ser cumprida, e, de outro, haja um aumento de investimento nos pases em desenvolvimento (medida macroeconmica), mediante entrada de capital externo e incremento dos internos destinados causa ambiental, especialmente ao combate s mudanas climticas (in Flavia Witkowski FRANGETTO e Flavio Rufino GAZANI, Viabilizao jurdica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil. Braslia, IIEB, 2002, p.38).

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    21

    pases desenvolvidos podem optar por financiar

    a reduo da emisso fora de seus territrios,

    em pases em desenvolvimento onde, em geral,

    os custos de tal reduo so menores (mo-de-

    obra, custo de materiais, etc.), por meio da aqui-

    sio de Certificados de Reduo de Emisso.

    II.1.2. Os Certificados de Reduo de Emisses

    Os Certificados de Reduo de Emisses

    (CRE) so documentos emitidos pelo Conselho

    Executivo da UNFCCC no mbito do Protocolo

    de Quioto. Tais documentos atestam que deter-

    minado projeto produziu o seqestro ou a ab-

    soro de gs carbnico ou a reduo de emis-

    so de gases de efeito estufa por meio de Meca-

    nismo de Desenvolvimento Limpo.

    Como observa Renata de Assis Calsing,

    com a reduo efetiva das emisso de GEE [ga-

    ses de efeito estufa], so proferidos certificados

    de carbono (CRE), que so a garantia de que

    os pases aplicaram projetos de reduo de po-

    luio e foram bem-sucedidos. Esses certifica-

    dos devero ser usados no cmputo das taxas

    de reduo quando da avaliao dos Relatrios

    que os Estados apresentam COP. A novidade

    do mecanismo o comrcio desses certificados,

    que podero ser comprados e vendidos entre os

    pases. Quem possuir mais certificados do que

    precisa poder vend-los a quem ainda no al-

    canou sua meta.7

    O CRE , ento, um bem negocivel no re-

    cm-concebido Mercado de Carbono. Trata-se

    de promissora novidade para o mercado finan-

    ceiro, na medida em que os certificados de redu-

    o de emisso e outras commodities ambientais

    passam a ter valor no mercado de capitais.

    Por conta do estabelecimento desse

    mercado, o cumprimento das metas de pre-

    servao do meio ambiente e de reduo de

    emisses, do ponto de vista dos pases desen-

    volvidos, pode ser atingido direta ou indire-

    tamente. No primeiro caso, quando os pases

    desenvolvidos desenvolverem projetos que

    atuem como sumidouros de carbono, redu-

    zindo, assim, as suas prprias emisses (ao

    domstica). No segundo, quando, ao invs de

    promoverem, por si prprios, projetos de que

    resulte a obteno de CRE, adquiram tais ttu-

    los de outros pases que os estejam negocian-

    do (ao no-domstica).

    II.1.3. Requisitos para a obteno do CRE

    O item 5 do art. 12 do Protocolo de Quio-

    to relaciona os requisitos essenciais para que os

    projetos de MDL resultem na obteno de Cer-

    tificados de Reduo de Emisso de Carbono,

    negociveis no Mercado de Carbono. So eles: (i)

    participao voluntria aprovada por cada parte

    envolvida; (ii) benefcios reais, mensurveis e de

    longo prazo, relacionados com a mitigao da

    mudana do clima; e (iii) redues de emisses

    que sejam adicionais s que ocorreriam na au-

    sncia da atividade certificada de projeto. Anali-

    semo-los separadamente.

    II.1.3.1 A voluntariedade da participao

    O primeiro dos requisitos para que se

    possa cogitar da validade do projeto de MDL

    a participao voluntria das partes envol-

    vidas. Dito de outro modo, para dar ensejo

    obteno de CRE, a implantao de projetos de

    7 Renata de Assis CALSING. O protocolo de Quioto e o Direito ao Desenvolvimento Sustentvel. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2005.

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    22

    MDL no pode ser imposta; deve decorrer do

    livre arbtrio daqueles que neles se envolvero.8

    Esse requisito vale tanto para as relaes en-

    tre dois Estados distintos (relaes de Direito

    Internacional), quanto para as relaes envol-

    vendo um Estado e os particulares interessados

    em praticar as atividades de MDL (relaes de

    Direito Interno).

    Do ponto de vista das relaes entre Esta-

    dos distintos, esse requisito se traduz na veda-

    o utilizao de quaisquer medidas que visem

    a pressionar um Estado parceiro a implementar

    o projeto. Refutam-se, por exemplo, a aplicao

    de medidas restritivas comerciais como forma

    de coao, ou mesmo a celebrao de acordos

    internacionais bilaterais que imponham parti-

    cipao em projetos inespecficos, inquinando

    de invalidade (ou ineficcia para a obteno de

    CRE) os projetos que forem implementados por

    essas razes.

    A regra tambm se reflete nas relaes

    entre um Estado e as instituies pblicas ou

    privadas que implementem o projeto de MDL.

    Tambm aqui veda-se qualquer imposio uni-

    lateral. O Estado no poder, portanto, obrigar

    (por lei, contrato ou por qualquer espcie de me-

    dida restritiva) nenhuma instituio a participar

    de projetos de MDL.

    Note-se que no se vedam quaisquer nor-

    matizaes internas que prevejam, para as

    empresas e fbricas nacionais, a obrigao de

    reduzir as emisses de gases estufa, at mesmo

    porque o prprio sistema da Conveno-Quadro

    claro ao exigir que os Pases Partes instituam

    polticas pblicas nacionais para mitigar as mu-

    danas climticas.9 O que no se admite a im-

    posio conjunta de implementao de proje-

    tos MDL.10 Em outros termos, impede-se a esta-

    tuio de obrigao especfica de que a reduo

    da emisso se d por meio dos projetos MDL.

    Havendo tal previso, os referidos projetos, ain-

    da quando exitosamente implementados, no

    daro azo obteno do CRE, por violao ao

    requisito da voluntariedade.

    A voluntariedade na implementao

    dos projetos atestada pelo(s) Estado(s) neles

    envolvido(s). No Brasil, essa tarefa cabe Co-

    misso Interministerial de Mudana Global do

    Clima, a teor do art. 3, IV, do Decreto de 7 de

    julho de 1999.

    8 De acordo com o documento FCCC/CP/1998/MISC.7, the voluntary nature of participation generally in the trading system, as well in each trade in particular, in effect ensures that each of the participants will be made better off because Parties will only choose to trade if and when it is to their advantage to do so.

    9 Eis o que estabelece o Protocolo de Quioto, em seu artigo 4: 1. Todas as partes, levando em conta suas responsabilidades comuns mas diferenciadas, e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstncias especficos, nacionais e regionais, devem: (...) b) formular, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que incluam medi-das para mitigar a mudana do clima, enfrentando as emisses antrpicas por fontes e remoes por sumidouros de todos os gases de efeito estufa no controlados pelo Protocolo de Montreal, bem como medidas para permitir adaptao adequada mudana do clima. Igualmente, prev o art. 10: Todas as partes (...) devem: (...) b) formular, implementar, publicar e atualizar regularmente programas nacionais e, conforme o caso, regionais, que contenham medidas para mitigar a mudana do clima, bem como me-didas para facilitar uma adaptao adequada mudana do clima.

    10 Neste mesmo sentido, defende Renata de Assis CALSING: A legislao brasileira, ou qualquer outra que apresente os mesmos ter-mos, promove apenas a regulao da produo energtica para que esta se d de modo limpo, seguindo os princpios assumidos na UNFCCC. No h uma imposio legal s empresas de investir em projetos de MDL para que sejam alcanadas as metas de reduo de GEE. As empresas so obrigadas a promover redues de emisses, mas no necessariamente por meio de projetos de MDL. Participar de um projeto de MDL uma das opes das instituies nacionais, nunca uma obrigatoriedade, uma vez que no existe sano aos no- participantes de projeto de MDL (in O Protocolo de Quioto e o Direito ao desenvolvimento sustentvel. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2005).

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    23

    II.1.3.2 A efetividade dos benefcios

    O segundo requisito expresso para que os

    projetos de MDL possam resultar na obteno

    de CRE que eles produzam benefcios reais,

    mensurveis e de longo prazo relacionados com

    a mitigao da mudana do clima. Em suma,

    trata-se de requisito de verificabilidade do be-

    nefcio efetivo produzido, o que se justifica,

    tendo em vista que o valor de mercado do CRE

    depende diretamente desse fator. A Conferncia

    das Partes emitiu a Deciso 17/COP 7, segundo

    cujo anexo E, 26, a aferio da quantidade de

    toneladas de emisses de carbono reduzidas e a

    anlise do lapso temporal dos benefcios cabem

    a uma entidade operacional por ela designada, a

    qual lhe prestar contas por intermdio do Con-

    selho Executivo do MDL (Executive Board).

    bastante problemtica a questo relativa

    ao cumprimento do requisito do longo prazo

    inscrito nesse item. Tal expresso no pode ser

    traduzida em lapsos determinados, o que con-

    fere certa discricionariedade ao rgo respons-

    vel pela aferio. Um perodo x, que para uma

    determinada atividade poderia ser considerado

    longo, poder no o ser quando de outra ati-

    vidade se tratar. A rigor, no h soluo prvia

    razovel, devendo ser levadas em considerao

    as condies especficas do caso concreto.

    II.1.3.3 A adicionalidade dos benefcios

    advindos do Projeto

    O ltimo dos requisitos para que um Pro-

    jeto de MDL possa dar ensejo obteno de

    um CRE a adicionalidade dos benefcios dele

    advindos. Isso significa que a reduo de emis-

    so decorrente do projeto dever ser adicional

    quela que se verificaria na sua ausncia. A idia

    que s devem ser certificadas redues que

    no poderiam ser viabilizadas por meios outros

    que no os de MDL.

    A j mencionada Deciso 17/COP 7 da

    Conferncia das Partes regulamentou a meto-

    dologia de aferio dessa adicionalidade, a qual

    leva em considerao critrios de referncia

    (anterior ao projeto, concomitante e posterior

    a ele), por meio de projees e tendncias da

    quantidade de emisses que seriam verificadas

    caso no houvesse sido implementado o projeto

    de MDL em caso (linha de base)11.

    II.1.4. O aspecto processual do Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo

    Delineados os objetivos e os requisitos

    do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,

    cumpre analisar o seu aspecto procedimental,

    regulamentado nos Acordos de Marrakech, fir-

    mados em 2001, na 7 Conferncia das Partes

    Conveno-Quadro.12 Nesse ponto, importa

    examinar as fases do processo para a realiza-

    o de uma atividade de MDL e a obteno do

    11 De acordo com a Deciso 17/COP 7, 44, Anexo dos Acordos de Marrakesh, a linha de base de uma atividade de projeto do MDL o cenrio que representa, de forma razovel, as emisses antrpicas de gases de efeito estufa por fontes que ocorreriam na ausncia da atividade do projeto proposto.

    12 Neste item, ser examinado o processo ordinrio do MDL. Deve-se noticiar, contudo, que os Acordos de Marrakech estabeleceram processos mais simples para os chamados Projetos de Pequena Escala, que so os seguintes: (i) projetos de energia renovvel com capacidade inferior a 15MW; (ii) projetos de eficincia energtica que reduzem consumos num equivalente de 15 GWh/ano; (iii) projetos que reduzam emisses por fontes de emisso e que emitam menos de 15 quilotoneladas de CO2/ano.

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    24

    CER. Antes de faz-lo, necessrio apresentar

    os agentes envolvidos no processo. So eles, es-

    sencialmente:

    Conferncia das Partes: rgo superior que se

    rene anualmente e de onde emanam as deter-

    minaes e as orientaes centrais do MDL;

    Conselho Executivo: rgo consultivo e

    deliberativo. Possui as funes de decidir

    sobre a legitimao dos agentes executo-

    res, aceitar e supervisionar o MDL, registrar

    os projetos e aprovar a emisso de CER.

    constitudo por 10 membros, partes do Pro-

    tocolo de Quioto, eleitos para um perodo

    de dois a trs anos;

    Entidades Operacionais Designadas: So acre-

    ditadas pela Comisso Executiva e cumprem

    as funes de avaliar a adequao do projeto

    de MDL com os requisitos estabelecidos pela

    Conferncia das Partes (validando-os ou rejei-

    tando-os) e de verificar as redues de emis-

    ses dos projetos;

    Entidades promotoras do projeto: Pessoas de

    Direito Pblico ou Privado diretamente inte-

    ressadas na realizao de uma atividade para

    a obteno dos benefcios do Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo.

    Grupos de Interesses (Stakeholders): Indiv-

    duos ou grupos de indivduos potencialmente

    afetados pelas atividades propostas pelo pro-

    jeto de MDL. Podero manifestar-se em diver-

    sos momentos do processo, para influenciar

    as decises do Conselho Executivo e das Enti-

    dades Operacionais Designadas.

    Conhecidos os seus principais agentes,

    pode-se passar a uma anlise especfica de cada

    uma das quatro etapas do Processo de MDL.

    Etapa 1: Preparao de um projeto MDL

    para validao. As entidades promotoras do

    projeto devem preparar um documento de-

    nominado Project Design Document (PDD).

    Esse documento dever ser submetido a uma

    consulta pblica pelo perodo de 30 dias e

    deve conter as seguintes informaes: (i) uma

    descrio do projeto; (ii) uma linha de base

    calculada a partir de uma metodologia apro-

    vada; (iii) uma estimativa do perodo de vida e

    do perodo de emisso de crditos do projeto;

    (iv) uma demonstrao de como o projeto gera

    redues de emisses adicionais; (v) uma an-

    lise de impactos ambientais; (vi) apresentao

    dos resultados da consulta pblica efetuada; e

    (vii) um plano de monitorizao e averiguao

    que utiliza uma metodologia de monitoriza-

    o aprovada. Deve ser providenciado, ainda,

    um documento que comprove o interesse de

    participao voluntria das partes envolvidas

    e a confirmao do pas hospedeiro da con-

    tribuio do projeto para o desenvolvimento

    sustentado.

    Etapa 2: Validao ou rejeio do proje-

    to. Em seguida, deve ser contratado um avalia-

    dor independente, que a Entidade Operacio-

    nal Designada, responsvel pela aprovao ou

    reprovao do projeto. Em procedimento de-

    nominado Validao, essa entidade examina o

    projeto, para aferir se ele est de acordo com as

    regras estabelecidas pela Conferncia das Par-

    tes. Se entender pela validao do documento,

    a Entidade Operacional Designada dever sub-

    met-lo Comisso Executiva, juntamente com

    uma recomendao para registro do Projeto.

    Etapa 3: Registro pela Comisso Executi-

    va. Recebido o relatrio de validao, a Comis-

    so Executiva tem oito semanas para aceitar

    formalmente o projeto ou expor suas reservas.

    Caso se omita nesse prazo, e a menos que um

    dos pases envolvidos no projeto ou pelo me-

    nos trs membros da Comisso Executiva exi-

    jam reviso, o projeto registrado automatica-

    mente, passando-se etapa seguinte.

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    25

    Etapa 4: Verificao, certificao e emis-

    so de CRE. Depois de registrado o Projeto, os

    interessados devem monitorar a reduo de

    emisses, em conformidade com o plano apre-

    sentado no PDD. Dever contratar, ento, uma

    outra Entidade Operacional Designada (diversa

    daquela que procedeu validao), para aferir

    as redues de emisso e preparar relatrio de

    verificao. Esse relatrio , ento, remetido

    Comisso Executiva, que, caso o aprove, dever

    certificar a reduo de emisses, emitindo uma

    CRE para cada tonelada de CO2 (ou valor equiva-

    lente de outros gases estufa) cujo seqestro se

    verificou. Esse procedimento dever se repetir

    durante todo o perodo de crdito do projeto.

    II.1.5. Os projetos de MDL em aterros sanitrios

    Os benefcios advindos da realizao de

    atividades de Mecanismo de Desenvolvimento

    Limpo podem impulsionar a elaborao de pro-

    jetos de reformas em aterros sanitrios. A de-

    composio da matria orgnica que neles se de-

    posita gera a emisso de biogs, cujo principal

    componente o gs metano (CH4), um dos gases

    que, dispersos no ambiente, geram efeito estu-

    fa e causam o aquecimento do planeta. A com-

    busto do gs metano traria a sua conseqente

    transformao em dixido de carbono (CO2), 21

    (vinte e uma) vezes menos impactante. Assim, a

    implementao de projetos que permitissem re-

    duzir ou impedir a disperso do gs metano no

    ambiente, por meio de sua captao e combusto

    (transformando-o em dixido de carbono), possi-

    bilitaria pleitear a sua validao e a conseqente

    obteno de CREs, j que, em tese, o projeto pre-

    encheria os requisitos do Protocolo de Quioto de

    efetividade e adicionalidade do benefcio.

    Pode-se cogitar de duas formas de viabi-

    lizao de projetos de reduo da disperso do

    metano gerado nos aterros sanitrios e lixes no

    ambiente.

    De um lado, a queima simples do gs

    metano, transformando-o em gs carbnico,

    seria suficiente para que os requisitos do Pro-

    tocolo de Quioto fossem atendidos, diante da

    menor lesividade do dixido de carbono para

    o efeito estufa. Nesse caso, devem ser previs-

    tos mecanismos de controle e eventualmente

    de suco ativa do gs produzido nos aterros

    sanitrios, bem como equipamentos para a

    combusto do gs.

    Por outro lado, pode-se cogitar de proje-

    to que combine a queima do gs metano com o

    seu aproveitamento para a gerao de energia.

    Para alm da mera suco do gs para a sua quei-

    ma, pode-se instalar tecnologia que aproveite a

    emisso do metano para, queimando-o, gerar

    energia. A hiptese sugere um duplo aprovei-

    tamento econmico do gs liberado: primeiro,

    com a possibilidade de utilizao ou negociao

    da energia gerada; segundo, com a obteno de

    CER e sua comercializao.

    A ltima alternativa remete primeira ex-

    perincia mundial de Mecanismo de Desenvol-

    vimento Limpo, que ocorreu no Brasil, na cida-

    de de Nova Iguau, no Rio de Janeiro. O Projeto

    NovaGerar, das empresas EcoSecurities e S/A

    Paulista, obteve a aprovao e o registro do Con-

    selho Executivo. Inclua a desativao do antigo

    lixo de Marambaia e a construo de um aterro

    sanitrio. A partir de 2006, o metano nele emiti-

    do ser capturado e utilizado em uma usina ter-

    meltrica, para gerao de energia. Com isso, o

    projeto no apenas reduzir a liberao de me-

    tano para o ambiente, como tambm o utilizar

    como substituto de combustveis fsseis (mais

    poluentes) na usina. Para informaes detalha-

    das sobre o projeto, que poder servir de exem-

    plo para as exigncias previstas no Protocolo,

    ver http://www.bayer.com.br/byee/home.

    nsf/04bbd938b0f97149c1256ac500564711/

    83256e850068df8283256f2e003d38c8/

    $FILE/projeto%20Pablo%20Fernandez.pdf

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    26

    e ainda o Relatrio de Validao do Projeto

    (http://www.mct.gov.br/clima/cigmc/pdf/

    Validacao_NovaGerar.pdf ).

    A viabilidade tcnica e econmica da

    utilizao do Mecanismo de Desenvolvimento

    Limpo como mecanismo de financiamento de

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria

    dever ser determinada pelos rgos tcnicos

    competentes, ressaltando-se que o Ministrio

    das Cidades tem-se dedicado a identificar tal

    potencial em municpios previamente sele-

    cionados no territrio brasileiro. Observe-se,

    porm, que a maioria dos especialistas adver-

    te que preciso um determinado volume de

    gs em aterros para que o empreendimento

    se torne vivel. Esse condicionante poder ser

    fator de excluso, ao menos em um primei-

    ro momento, do mecanismo, em prefeituras

    de pequeno porte. No entanto, como adiante

    se ver, existem mecanismos legais e institu-

    cionais para agregar escala a esses aterros,

    pela reunio de vrios municpios de menor

    porte, associados em um consrcio pblico.

    Nesse caso, ser essencial recorrer ao papel

    integrador e planificador do estado (v. infra

    item II.2.2).

    II.2. A SITUAO INSTITUCIONAL DOS ATERROS

    E AS POSSIBILIDADES DE FINANCIAMENTO

    DE SUA CONSTRUO, REGULARIZAO,

    DESATIVAO E RECUPERAO

    Analisadas as possibilidades de utilizao

    do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo para

    a viabilizao de empreendimentos de cons-

    truo, regularizao, desativao e recupera-

    o de aterros sanitrios, cabe agora analisar,

    concretamente, como isto se daria na prtica.

    evidente que as alternativas diferem muito

    conforme a realidade ftica de cada aterro ou

    localidade envolvida, o que obriga a anlise

    concreta de cada caso. Entretanto, apresenta-se

    aqui algumas condicionantes que devero ser

    equacionadas, relacionadas notadamente si-

    tuao ftica dos aterros (II.2.1) e aos atores

    envolvidos no processo (II.2.2.).

    II.2.1. A situao ftica dos aterros

    No que diz respeito situao da desti-

    nao final do lixo, pode-se estar diante de um

    aterro sanitrio ou controlado (construdo con-

    forme as exigncias tcnicas e sanitrias da ati-

    vidade, com deposio e operao controladas),

    ou de um lixo, ou seja, de rea de deposio de

    lixo que no atende s especificaes tcnicas

    e consubstancia, no mais das vezes, um mero

    local segregado para tal finalidade, sem que

    tenham sido adotadas as medidas de controle,

    segurana, higiene e proteo ambiental de um

    aterro, tais como impermeabilizao do terreno,

    drenagem de chorume e lquidos percolados,

    sistemas de drenagem e incinerao do biogs

    produzido, sistemas de controle e acompanha-

    mentos dos resduos depositados etc.

    Ainda sob esse aspecto, pode-se defrontar

    com uma instalao em operao ou j desati-

    vada, ou ainda a construir. A emisso de biogs

    inicia-se alguns meses aps o incio da deposi-

    o dos resduos slidos e prossegue, em mdia,

    at 15 anos depois de sua desativao.

    A delimitao do projeto de infra-estru-

    tura que se pretende executar decorrer dessas

    caractersticas. No caso de lixes ou de aterros

    em funcionamento que no atendam plena-

    mente s condies exigidas para a otimizao

    da captao de biogs, pode-se cogitar de sua

    regularizao ou adaptao. O empreendimen-

    to serviria, portanto, em primeiro lugar, para

    propiciar o funcionamento do aterro nas con-

    dies de segurana, ambientais e salubres exi-

    gidas pela regulamentao, por exemplo, com o

    controle da deposio de resduos em qualidade

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    27

    e temporalidade, a realocao de eventual popu-

    lao sobre o aterro (catadores) em outra ativi-

    dade, a construo de infra-estrutura adequada,

    a impermeabilizao, o tratamento de chorume

    e lquidos percolados etc. No que diz respei-

    to, especificamente, queima do biogs com o

    intuito de certificar a reduo de emisses de

    gases de efeito estufa, o empreendimento per-

    mitiria maior controle e aproveitamento do bio-

    gs, como por meio (i) da instalao de sistemas

    de drenagem ativa do biogs, (ii) de sistemas de

    monitoramento de vazo, presso e composio

    qumica do biogs, (iii) de mecanismos de lan-

    amento, espalhamento, compactao e reco-

    brimento dos resduos, (iv) de mecanismos de

    recobrimento final dos resduos para impedir a

    disperso dos gases no ambiente etc. A depen-

    der do porte e do tamanho das alteraes efetu-

    adas, at possvel que o empreendimento seja

    integralmente viabilizado pela futura comercia-

    lizao dos certificados de reduo de emisses

    decorrentes do Protocolo de Quioto.

    No caso de aterros a serem construdos,

    evidentemente o empreendimento de infra-es-

    trutura corresponder sua construo. Nesse

    caso, a construo de infra-estrutura em bases

    que impeam a disperso do biogs no ambiente

    e favoream a sua queima, permitindo, assim, a

    futura certificao da reduo das emisses, se

    proporia a reduzir o nus financeiro da constru-

    o do aterro. Observe-se, no entanto, que, pela

    sistemtica do Protocolo de Quioto (v. acima

    item II.1.4), a certificao de reduo de emis-

    ses ocorrer to-somente aps a comprovao

    da queima do biogs e de suas conseqncias

    para a atmosfera. A certificao ocorre sempre,

    portanto, em momento posterior entrada em

    funcionamento do aterro.

    Finalmente, no que diz respeito aos ater-

    ros e aos lixes saturados e/ou desativados,

    pode-se cogitar da sua desativao e recupe-

    rao, por meio do reflorestamento da rea e

    da eventual construo de infra-estruturas que

    acelerem o processo, como por exemplo por

    meio da drenagem dos lquidos ainda produzi-

    dos ou do biogs remanescente. A gerao de

    biogs inicia-se alguns meses depois do incio

    da deposio dos resduos e prossegue at 15

    anos aps a desativao de aterro. No caso do

    lixo, esse tempo se reduz diante da impossibi-

    lidade de controle das condies de deposio

    dos resduos.

    Conclui-se, portanto, que, ao menos em

    teoria, seria possvel cogitar da implantao

    de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento

    Limpo tanto em aterros quanto em lixes em

    operao, desativados ou a construir. Em qual-

    quer desses casos, a certificao da reduo e

    a conseqente comercializao dos certifica-

    dos permitiriam o financiamento parcial dos

    empreendimentos de infra-estrutura sanitria

    necessrios.

    No que diz respeito propriedade do

    aterro ou do lixo, pode-se cogitar inicialmen-

    te de aterros privados. Nesse caso, ainda que o

    aterro receba resduos slidos oriundos da pres-

    tao dos servios pblicos de limpeza urbana

    municipal, uma eventual iniciativa de constru-

    o ou de adaptao de nova infra-estrutura ou

    de certificao da reduo de emisses caberia

    ao particular.

    Pode-se igualmente conjecturar em aterro

    ou lixo de propriedade pblica, seja ele opera-

    do pelo Poder Pblico, seja por particular, por

    meio de prestao de servios ou concesso

    (bem reversvel). Caso ele seja operado direta-

    mente pelo prprio Poder Pblico, caber a ele

    promover as medidas aqui preconizadas ou de-

    legar a atividade a particular (v. abaixo item III).

    Caso seja operado por particular (prestador de

    servio ou concessionrio), a situao contratu-

    al do particular e a extenso de suas obrigaes

    e prerrogativas devero ser analisadas concre-

    tamente, caso a caso, para assim delimitar-se

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    28

    se esto includas, entre suas capacidades ou

    obrigaes, a implementao e a certificao de

    sistema que permita a queima ou o reaproveita-

    mento de biogs (v. abaixo, com mais detalhe, a

    questo da titularidade dos certificados).

    Quanto operao dos aterros, de se ob-

    servar que, em muitos casos, o municpio onde

    se localiza o aterro no coincide com aquele que

    o construiu ou ainda com aquele que o opera.

    A situao freqente nas regies metropoli-

    tanas, onde o governo do estado assume papel

    relevante na construo e na viabilizao de in-

    fra-estruturas sanitrias, geralmente operadas

    pela prefeitura do municpio mais populoso da

    regio metropolitana, mas localizadas em mu-

    nicpios menores, que recebem, em geral, os

    resduos slidos de vrios municpios. Convm

    analisar alguns exemplos dessa superposio de

    atividades e competncias.

    Na Regio Metropolitana de Salvador, por

    exemplo, alm do Aterro Canabrava, j desativa-

    do, localiza-se o Aterro Metropolitano do Centro

    (AMC), construdo pelo Governo do Estado da

    Bahia. A gesto do aterro feita pelo Municpio

    de Salvador, que a delegou por meio de conces-

    so para a empresa Battre (antiga Vega), por 20

    (vinte) anos. O Aterro AMC recebe resduos sli-

    dos de dez municpios da Regio Metropolitana

    de Salvador.

    Encontra-se situao ainda mais intrin-

    cada na Regio Metropolitana de Natal. Com a

    desativao do Aterro Cidade Nova, localizado

    na zona oeste de Natal, no final do ano de 2002,

    passou-se a destinar os resduos slidos da cida-

    de para o Aterro Sanitrio Metropolitano de Na-

    tal. Esse se situa no Municpio de Cear-Mirim,

    mas sua construo foi financiada com recursos

    do Governo do Estado do Rio Grande do Nor-

    te. A operao cabe Prefeitura de Natal, que a

    delegou, por meio de concesso, para a conces-

    sionria Braseco S/A. O aterro recebe resduos

    slidos e semi-slidos de toda a Regio Metro-

    politana, podendo o Municpio de Cear-Mirim

    cobrar taxa por tonelada de lixo depositada no

    aterro. A relao entre os municpios envolvidos,

    o Governo do Estado e a concessionria foi for-

    malizada por meio de convnio de cooperao,

    que prev essencialmente a responsabilidade de

    cada um dos envolvidos na construo de obras

    de infra-estrutura e de operao do aterro.

    Situao semelhante encontra-se na Re-

    gio Metropolitana de Fortaleza. Com a desati-

    vao do Aterro Jangurussu (em 1998, aps 20

    anos de atividade), os resduos slidos da regio

    passaram a ser destinados aos Aterro Sanit-

    rio Metropolitano Oeste (Asmoc, localizado no

    Municpio de Caucaia), Aterro Sanitrio Metro-

    politano Sul (ASMS, localizado no Municpio de

    Maracana) e Aterro Sanitrio Metropolitano do

    Leste (ASML, localizado no Municpio de Aqui-

    raz). Os trs aterros, construdos pelo Governo

    do Estado do Cear, servem aos seis municpios

    da Regio Metropolitana de Fortaleza e so ope-

    rados por empresas privadas. Deve-se observar,

    no entanto, que, enquanto a operao do Asmoc

    foi objeto de contratao com a Prefeitura de

    Fortaleza (empresa G&F), a operao dos dois

    outros aterros foi delegada empresa Queiroz

    Galvo, por meio de concesso estadual. Nesse

    caso, o estado adquiriu papel ainda mais pre-

    ponderante na operao dos aterros e, portan-

    to, na implementao de eventual reduo das

    emisses e sua correspondente certificao pelo

    Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

    A anlise dessas e de outras situaes de

    regies metropolitanas demonstra que se faz

    necessria a ampla coordenao dos entes p-

    blicos envolvidos, sejam aqueles que hospe-

    dam o aterro, sejam aqueles que financiam a

    construo da infra-estrutura ou, ainda, que se

    responsabilizam por sua operao. No raro, as

    relaes jurdicas entre esses entes, ou, ainda,

    entre eles e os operadores privados envolvidos

    nessas atividades, pouco formalizada. A regu-

  • O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo nos empreendimentos de manejo de resduos slidos urbanos e o impacto do Projeto de Lei n 5.296/2005

    29

    larizao dessas relaes e sua formalizao por

    meio dos instrumentos da Lei n 11.107/2005,

    notadamente por consrcios pblicos ou por

    convnios de cooperao, de extrema rele-

    vncia para assegurar a sua segurana jurdica.

    A presena desses diferentes entes poder ser

    utilizada como mecanismo para viabilizar os

    empreendimentos de infra-estrutura acima refe-

    ridos e para a certificao da reduo de emis-

    ses, por meio da repartio de tarefas e de nus

    entre os envolvidos. o que se ver abaixo.

    II.2.2. Atores envolvidos

    Convm ainda identificar os posssveis

    atores envolvidos nos processos de execuo do

    empreendimento de infra-estrutura sanitria e

    de certificao da reduo de emisses.

    Em primeiro lugar, as prefeituras munici-

    pais desempenharo papel essencial em ambos

    os procedimentos, uma vez que compete a elas

    a prestao dos servios pblicos de manejo de

    resduos slidos. Do ponto de vista do empreen-

    dimento em si, compete s prefeituras tomar a

    deciso poltica de executar o empreendimento,

    bem como de eleger a forma como isso se pro-

    ceder (por meio de execuo direta, indireta,

    ou gesto associada v. abaixo item III.1). No

    que diz respeito certificao da reduo das

    emisses, caber tambm prefeitura estudar

    as possibilidades de viabilizao de tal certifi-

    cao, que depender da opo adotada em re-

    lao explorao do prprio aterro sanitrio.

    Caber tambm s prefeituras articular-se, es-

    pecialmente no caso das regies metropolitanas

    onde os aterros sirvam a diversos municpios.

    Nesse caso, o esforo conjugado das prefeitu-

    ras poder facilitar a viabilizao do empreendi-

    mentos e sua adaptao para otimizar a capta-

    o do biogs e a certificao de sua queima ou

    reaproveitamento.

    Tambm os governos estaduais tm pa-

    pel importante na viabilizao dos empreen-

    dimentos. No raro, so eles que fornecem os

    recursos necessrios para a viabilizao dos

    aterros, principalmente nas regies metropo-

    litanas, como vimos. Apesar de no serem os

    agentes titulares da prestao dos servios de

    limpeza urbana, os governos estaduais tm em

    alguns casos assumido papel preponderante na

    prpria operao dos aterros, como o caso

    da Regio Metropolitana de Fortaleza. Mais

    do que isso, os governos estaduais podem de-

    sempenhar um papel importante ao definir as

    normas e os procedimentos de integrao das

    aes dos municpios.

    Da mesma forma, o governo federal ator

    importante na viabilizao de tais empreendi-

    mentos. O Ministrio das Cidades tem se em-

    penhado em identificar a viabilidade do finan-

    ciamento total ou parcial dos empreendimentos

    de infra-estrutura sanitria por meio da certifi-

    cao da reduo de emisses e a conseqente

    comercializao dos certificados. Alm disso, o

    Ministrio das Cidades responsvel pela edi-

    o de normas que facilitam o financiamento de

    projetos de saneamento bsico com utilizao

    dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo

    de Servio (FGTS).

    Importante deixar claro que o Ministrio

    das Cidades responsvel pelo fomento aos in-

    vestimentos no setor de saneamento bsico para

    os municpios com mais de 250 mil habitantes e

    para as regies metropolitanas. Conforme o Pla-

    no Plurianual (PPA) 20042007, o mesmo papel

    desempenhado pelo Ministrio do Meio Am-

    biente para os municpios entre 250 mil e 30 mil

    habitantes e pelo Ministrio da Sade, por meio

    da Fundao Nacional de Sade (Funasa), para

    os municpios com populao inferior a 30 mil

    habitantes.

    Ainda no mbito da Administrao Pbli-

    ca, os rgos de licenciamento ambiental deve-

  • SANEAMENTO PARA TODOS

    30

    ro ser envolvidos no projeto, no s porque se

    trata de questes de impacto ambiental eviden-

    te, mas, tambm, porque todo empreendimento

    de infra-estrutura que implique a construo ou

    a regularizao de aterros sanitrios ou lixes

    depende da aprovao dos rgos ambientais

    competentes. Assim que ser necessria a

    obteno da licena prvia, de instalao e de

    operao para a implantao desses empreen-

    dimentos.

    Tambm as instituies de fomento e fi-

    nanciamento desempenharo papel importante

    na viabilizao dos empreendimentos de infra-

    estrutura sanitria e de eventual certificao da

    reduo de emisso de gases de efeito estufa,

    por meio da queima ou do reaproveitamento do

    biogs decorrente dos aterros. A esto compre-

    endidas no somente as instituies regionais

    e estaduais (bancos regionais de desenvolvi-

    mento, como o BDMG e o Banrisul, e agncias

    de fomento), como tambm as instituies na-

    cionais (principalmente o BNDES e a Caixa Eco-

    nmica Federal) e as instituies internacionais

    (ao exemplo do Banco Mundial (Bird), do Ban-

    co Interamericano de Desenvolvimento (Bid),

    ou ainda de outros organismos multilaterais de

    crdito e, finalmente, os bancos internacionais,

    como o JBIC). Todas elas, que dispem em geral

    de linhas especficas de crdito para investimen-

    tos em infra-estrutura de saneamento bsico em

    pases em desenvolvimento, podero contribuir

    para a viabilizao do projeto no apenas com

    recursos financeiros para alavancar o empre-

    endimento, como com o pr-financiamento (ou

    aquisio posterior) dos certificados de reduo

    de emisses decorrentes da queima ou do re-

    aproveitamento do biogs. Neste ltimo aspec-

    to, desempenham papel importante os fundos

    de aquisio dos CER, criados pela maior parte

    dos bancos internacionais, inclusive pelo Banco

    Mundial. A participao dessas instituies de

    fomento servir para suprir a indisponibilidade

    crnica de recursos municipais para o investi-

    mento em infra-estrutura, por meio do financia-

    mento do prprio Poder Pblico ou do particular

    que com ele contratar (v. abaixo, item III.2).

    Finalmente, atores privados podero de-

    sempenhar papel relevante nos empreendi-

    mentos. Primeiramente, como vimos, no caso

    de aterros privados, caber aos proprietrios

    privados dos aterros determinar a realizao

    dos empreendimentos e da eventual certifica-

    o. Alm disso, nos casos em que o servio for

    delegado a particulares, os concessionrios dos

    servios de tratamento e destinao final do

    lixo tm papel preponderante na realizao do

    empreendimento e na sua certificao. A queima

    do biogs, em regra, encontra-se compreendida

    na concesso por ser imperativo de salubrida-

    de ambiental do aterro. Assim, pelo menos em

    princpio, da competncia do concessionrio

    a realizao da atividade que poder gerar os

    crditos de carbono, cabendo a ele, portanto,

    proceder certificao da atividade.

    Pode-se, nesse caso, cogitar de duas possi-

    bilidades. Em primeiro lugar, pode a prefeitura

    optar pela concesso especfica da certificao

    do MDL para outro particular. O concessionrio

    especfico ficaria responsvel pela construo

    da infra-estrutura necessria a otimizar a cap-

    tao e a queima do biogs (e eventualmente

    seu reaproveitamento) e pelo financiamento

    dessa infra-estrutura e da prpria certificao,

    remunerando-se total ou parcialmente pela ven-

    da futura dos certificados emitidos. Para isso,

    seria necessrio coordenar a atividade dos dois

    particulares e discriminar as responsabilidades

    de cada um. Uma vez que a previsibilidade e o

    controle da gerao, captao, suco e queima

    do biogs depende int