mediação de conflitos coletivos: uma alternativa para a …€¦ · os países que integram o...
TRANSCRIPT
Mediação de conflitos coletivos: uma alternativa para a comunicação
regional*
Regina Rosari Mugayar Guedes**
Resumo
Este artigo tem como objetivo ressaltar e explanar sobre a mediação como uma
metodologia adequada para conflitos coletivos que envolvem atores de diferentes
nacionalidades, contribuindo, sobretudo, para o desenvolvimento e melhoria da
comunicação regional. Muito extensas e peculiares são as fronteiras geográficas entre
os países que integram o MERCOSUL, oportunizando situações e impasses
enfrentados por diversos entes coletivos. Parece imperioso o protagonismo de todos os
atores dos diferentes segmentos e comunidades para administrar tais conflitos e
caminhar rumo a soluções eficazes que contemplem as necessidades e interesses de
todos os envolvidos.
Palavras-chave: conflitos coletivos; mediação; diálogo.
Abstract
This article aims to highlight and explain about mediation as an appropriate methodology
for collective conflicts involving actors of different nationalities, contributing, above all, to
the development and improvement of regional communication. Very extensive and
peculiar are the geographical boundaries between the countries that make up
MERCOSUR, giving rise to situations and impasses faced by various collective entities.
It seems imperative that all actors from different segments and communities play a
leading role in managing such conflicts and moving towards effective solutions that
address the needs and interests of all involved.
Keywords: Collective conflicts; mediation; dialogue.
______________________________________________
* Artigo apresentado no XVII Congresso do FOMERCO Fórum Universitário Mercosul, Foz do
Iguaçu, 2019.
* *Doutoranda em Psicologia Social pela UK (Universidad Argentina John F. Kennedy– Buenos
Aires); mediadora judicial do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro).
1. Introdução
Indubitavelmente, as questões ambientais vêm atingindo um patamar de
grave problema global, sobretudo nos últimos anos em que temos assistido
catastróficos acidentes com consequências ainda imensuráveis. Esses eventos
vêm mobilizando a sociedade civil organizada, os meios de comunicação e as
administrações governamentais em todos os continentes.
Os mecanismos de disseminação global de práticas e a adoção de
instituições que visam a proteção ambiental estão correlacionados com a difusão
de concepções e conhecimentos desenvolvidos por ONGs e organizações
científicas vinculadas à perspectiva ambientalista. No entanto, nem a ampla
propagação das preocupações de governos e setores da sociedade civil com as
questões ambientais nem a exaustiva programação de debates, em fóruns
regionais e internacionais, conseguiram ainda atingir um consenso no tocante a
soluções para a extensa pauta.
Muitas dessas questões e seus desdobramentos acabam por resultar em
inúmeros conflitos, em diversos embates decorrentes das incompatibilidades de
interesses dos diversos atores envolvidos. Encontram-se nesse cenário várias
entidades com acentuada discrepância, tanto de poder decisório quanto de
vulnerabilidade decorrente dos riscos a que estão expostos: desde as
comunidades do entorno das regiões afetadas, até as autoridades
governamentais nacionais e regionais. Nesse embate são travados conflitos
coletivos envolvendo as políticas públicas.
Como efeito colateral, temos assistido o acirramento de conflitos
decorrentes dos debates que vêm se intensificando. E como agravante, os
problemas têm se avolumado e se complicado com o passar do tempo, exigindo
novos reexames e soluções cada vez mais complexas. Ainda por cima, as
práticas que visam a prevenção primária nem têm sido cogitadas. Interesses e
medidas de ordem puramente econômicas têm prevalecido em detrimento do
bem-estar e da qualidade de vida de todos os reinos biológicos.
Paradoxalmente, o proporcional êxito dos movimentos ambientalistas
redundou em um enfraquecimento da expressão utópica e revolucionária, que
era justamente aquilo que mobilizava os ativistas dos anos 60 e 70. Esse fato
parece ter decorrido da inserção da temática ambiental no âmbito das políticas
públicas governamentais. Por outro lado, a inclusão dos problemas ambientais
colaborou para a introdução e a expansão do espaço participativo da sociedade
civil nos mecanismos de decisão política de uma forma geral.
Nos últimos anos temos presenciado uma crescente institucionalização
da questão ambiental, resultante dos impactos ocorridos sobre o discurso e as
propostas ambientalistas. Dessa forma, as temáticas ambientais passam a se
subordinar às restrições impostas pela racionalidade administrativa, onde
predominam as saídas pragmáticas, politicamente admissíveis e
economicamente exequíveis consonante uma sociedade capitalista. Portanto,
mesmo que as demandas sejam legítimas no prisma ambiental, econômico ou
social, prevalecem outros interesses, aqueles organizados e representados na
esfera pública.
As modificações no eixo do movimento ambientalista foram bem
significativas, inclusive no tocante às abordagens na área acadêmica,
fragmentando, profissionalizando e especializando o movimento social. São
construídas as ciências ambientais, com forte status intelectual, adentrando e
assessorando as diversas esferas de decisão governamental relativas às
questões do meio-ambiente.
A posição destacada do meio acadêmico recebeu acentuado foco da
mídia, provocando um mecanismo de crescente distinção entre as esferas
científica e política, o que levou a novas metodologias de pesquisa e de
instrumentos para medir e avaliar os “riscos ambientais”. Foram também
desenvolvidas diversas abordagens sociológicas que buscam analisar a
complexidade da problemática ambiental, examinando os limites do discurso
“utópico-revolucionário” do incipiente movimento ambiental.
Em relação ao tema, parece existir uma significativa defasagem entre a
ação e o discurso das organizações sociais ambientalistas, a produção científica
oriunda das ciências ambientais e a reflexão construída pelas ciências sociais.
O discurso ambientalista nas ciências sociais ainda resiste a mudanças,
havendo um forte elo entre ativismo ambientalista e a pesquisa acadêmica
orientada para a formação de uma “sociologia ambiental”.
Os problemas ambientais têm mobilizado uma grande variedade de
atores, sendo que as clivagens sociais, econômicas e políticas podem sofrer
alterações de acordo com a natureza dos problemas, abrangendo diferentes
atores coletivos em diversas configurações conflituosas. Desta forma, não
cabe tratar as questões ambientais como mera versão das relações de
trabalho, mas em considerar em conjunto aspectos estruturais, grupais e
individuais que concorrem para o cenário em questão. Portanto, torna-se
viável administrar conflitos de interesse quanto de dimensões culturais. O
foco analítico se volta para a esfera pública, espaço de conflito e de
negociação entre atores.
Quando as questões ambientais abrangem áreas geográficas situadas em
fronteiras entre diferentes nações nos deparamos com uma maior diversidade e
acentuada heterogeneidade de atores oriundos de várias origens, com diferentes
culturas, línguas, crenças e valores, leis nacionais, poderes públicos, inserções
políticas dentre outras.
As fronteiras dos países que integram o Mercosul possuem a mesma
dinâmica. Ainda que em alguns casos de forma mais atenuada por conta das
semelhanças culturais, são fronteiras que precisam ser compreendidas até
dentro do paradigma da integração como espaços do convívio com a
heterogeneidade de seus atores e recursos. Além disso, em muitas regiões
essas fronteiras deixam de ser físicas, tendo se transformado em espaços de
interseções em que as diferenças culturais conseguem conviver de formas bem
peculiares.
A grande complexidade dos conflitos coletivos requer a utilização de
dispositivos de prevenção e medidas apropriadas para a efetivação de novos
rumos para a resolução das questões enfrentadas, visto que tanto a excessiva
judicialização como o insuficiente desempenho do processo adversarial não vêm
produzindo soluções viáveis, eficazes nem imparciais.
Esses conflitos têm provocado grande repercussão social e isso acaba
por exigir inadiáveis medidas eficazes para cumprir essas demandas, visto os
enormes impactos e a grande relevância na sociedade atual. Metodologias
baseadas no diálogo e no consenso podem minimizar o espiral de conflitos
quando aplicadas no momento em que políticas públicas contestáveis estão
sendo implementadas. Ademais, contribui para a legitimidade da democracia e
protagonismo do cidadão.
2. Perspectivas dos Conflitos
Considerando que todos os organismos vivos visam atingir uma
homeostase dinâmica, própria dos seus ciclos vitais, podemos entender que os
conflitos são inerentes à vida, geradores das transformações naturais. Conflito
significa vida. Não há vida sem conflitos. Cada fase do desenvolvimento vital traz
seus próprios e necessários conflitos, os quais representam a antítese da
estagnação e possibilitam que a humanidade enfrente os desafios apresentados
pelo planeta.
Não há conflitos sem mudança e as mudanças, ou suas perspectivas,
conduzem necessariamente a conflitos. A homeostase absoluta, a estagnação,
elimina o conflito, no entanto, paralisa a vida. A partir desta perspectiva, já se
pode conceber o conflito como necessário, útil, inevitável e transformador. Todas
as sociedades, organizações, grupos sociais e familiares, relacionamentos
interpessoais e internacionais, invariavelmente, experimentam conflitos em
algum momento ou no próprio processo cotidiano de interação. Isso endossa a
concepção de que o conflito não é necessariamente negativo, anormal ou
disfuncional. Em suma: o conflito faz parte da vida.
Portanto, o conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações
humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos
e condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns.
O conflito não é algo que deva ser encarado negativamente. É
impossível uma relação interpessoal plenamente consensual. Cada
pessoa é dotada de uma originalidade única, com experiências e
circunstâncias existenciais personalíssimas. Por mais afinidade e afeto
que exista em determinada relação interpessoal, algum dissenso, algum
conflito, estará presente. (VASCONCELOS: 2012, p. 19)
No campo das ciências sociais, encontramos diferentes conceitos de
conflito que atribuem sua causalidade à ocorrência de atividades incompatíveis.
No entanto, podemos ampliar o conceito, entendendo como um processo ou
estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses
ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis.
Podemos estender a definição de conflitos nos estudos sobre grupos,
onde os conflitos decorrem de ações ou crenças de um ou mais membros que
não são aceitas, desencadeando em resistências dos membros do grupo. Vale
ressaltar que as primeiras manifestações de sentimentos dentro de um grupo
geralmente possuem uma conotação negativa, tais como antipatia, hostilidade,
inveja, ressentimento, crítica etc.
O conflito também pode ser entendido como uma incompatibilidade de
comportamentos, cognições, objetivos e afetos entre pessoas ou grupos que
poderão, ou não, levar a expressões agressivas. A conduta, as cognições e
afetos consistem em fatores importantes porque as escaladas de um conflito
entre os indivíduos possuem uma correlação direta com o comportamento
destes, cada um reage em função da conduta do outro. O sentir, o pensar e o
agir estão sempre presentes nos conflitos. E em todas as interações estão
contidos o sentir, pensar e o agir. Desconsiderar estas variáveis implica em um
empobrecimento na compreensão do fenômeno do conflito e uma simplificação
do ser humano com uma divisão cartesiana entre corpo e mente.
Morton Deutsch (2004) contribuiu intensamente para a moderna teoria do
conflito com suas pesquisas e estudos sobre processos competitivos e
colaborativos, elaborando importantes reflexões sobre as funções do conflito
para indivíduos e grupos. Em larga escala, os estudos modernos sobre o conflito,
suas causas e formas de administração e resolução recorrem aos conceitos de
Deutsch, cuja abordagem sociopsicológica ressalta os potenciais
transformadores do conflito.
A ideia central que norteia os estudos de Deutsch diz respeito às
condições que determinam se a solução de um conflito terá consequências
positivas ou negativas, supondo que o conflito é de valor social e pessoal.
Possuindo variadas funções positivas, o conflito pode evitar estagnações,
incentivar interesses e curiosidades. Deutsch acredita que o conflito representa
o caminho pelo qual os problemas podem se manifestar e ser resolvidos,
promovendo mudanças pessoais e sociais. O conflito, ainda, demarca os grupos
e auxilia na formação de uma identidade coletiva e individual. O autor destaca:
As dinâmicas do conflito interpessoal, intercoletivo e
internacional aparentam ter características similares e parecem
depender de alguns processos subjacentes comuns, como a “profecia
da auto-execução”, percepção e julgamento equivocados, e
“compromisso inconsciente”. Por exemplo, parece bem provável que,
tanto para grupos quanto para indivíduos, a profecia da auto-execução
opera no sentido de produzir hostilidade na parte de um disputante do
outro. Similarmente, coletividades e indivíduos geralmente enxergam
suas próprias ações para com o outro como mais legítimas e bem-
intencionadas do que as do outro perante si. (DEUTSCH: 2004, pag 32)
No arcabouço teórico de Deutsch, a forma como as pessoas interagem
será determinante para o desenho do conflito. Cada elemento de uma interação
social tende a responder ao outro de acordo com suas percepções e cognições
que muitas vezes não correspondem à realidade desse outro. Tomando ciência
da capacidade de percepção do outro, cada elemento se influencia pelas
próprias expectativas referentes às ações do outro.
As interações sociais são iniciadas por determinados motivos e também
geram novos motivos, podendo, ainda, modificar aqueles já existentes. Ou seja,
as interações são determinadas e determinantes. Novo valores e novos motivos
vão surgindo à medida em que os atos praticados e os efeitos surtidos vão sendo
elaborados pelos elementos.
3. Mediação de Conflitos Coletivos
A mediação consiste em uma forma de negociação assistida, com a
intervenção de um terceiro neutro, baseada nos princípios da voluntariedade dos
participantes, da neutralidade, da confidencialidade e da imparcialidade do
mediador, a fim de que as pessoas envolvidas em conflitos possam encontrar
soluções mutuamente interessantes.
Enquanto um meio construtivo de resolução de conflitos, a mediação
oferece um espaço apropriado para desenvolver - quer naqueles que
desempenham o papel de mediadores, quer naqueles que como mediados
trabalham em conjunto para a resolução do seu problema - a capacidade de
respeito mútuo, comunicação assertiva e eficaz, compreensão da visão do outro
e aceitação da diferente percepção da realidade. Tratando-se de um meio de
resolução de conflitos, baseado no consenso, torna-se propício ao
desenvolvimento de soluções criativas, preservando a relação entre os
indivíduos em conflito, já que a cooperação, o respeito, a identidade e o
reconhecimento do outro enquanto pessoa são itens primordiais na prática da
mediação.
Importante ressaltar que a participação de um terceiro elemento neutral -
que não impõe nem sugere soluções, não julga nem emite opiniões acerca das
questões discutidas - confere ao processo um caráter eminentemente
pedagógico, dado que os participantes mantêm as próprias capacidades de
atuação e aprendizagem, com vista à obtenção de um consenso.
Independentemente do tipo de mediação ou do papel do mediador em
questão, todo desenvolvimento do processo de mediação deve pautar-se em
uma série de princípios de atuação, dos quais já foi comentado anteriormente: a
voluntariedade, em que a intervenção do mediador deve ser aceite pelos
envolvidos, os quais têm ato livre e voluntário de participar e retirar-se a qualquer
momento; a confidencialidade, em que as partes se comprometem em manter
tudo que se passa em nos encontros em segredo, garantindo que as pessoas se
sintam mais disponíveis para se manifestarem e se expressarem; a
imparcialidade, em que o mediador deve manter-se independente, tanto das
partes como de qualquer outra instância, evitando as possíveis estratégias de
sedução ou cumplicidade das partes e mantendo quanto possível a sua
identidade ao evitando tomar partido.
O mediador argentino Luis Alberto Warat levanta profundas reflexões
sobre a tarefa do mediador e sobre a arte de mediar, enfatizando a essência do
afeto e do encontro com o outro como eixos norteadores de uma nova forma de
administrar conflitos humanos.
Os caminhos da Mediação podem ajudar a recuperar os sentimentos que
fazem o que somos; a desfazermos das camadas superficiais para
sermos muito mais íntegros nos confrontos com o outro (...) A Mediação,
em uma primeira aproximação, não seria outra coisa do que a realização
com o outro dos próprios sentimentos (...) Juntando todos esses
sentidos, poderíamos dizer que a Mediação é uma possibilidade de
poder ter o direito a dizer o que nos passa, ou uma procura do próprio
ponto de equilíbrio e do ponto de equilíbrio com os outros (...) Os conflitos
reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das
pessoas. Por isto preciso procurar acordos interiorizados. (WARAT:
2004, p. 28-29)
Essas colocações apontam para o caráter essencialmente transformador
dos conflitos em prol do aprofundamento dos indivíduos e das relações
interpessoais. Desta forma, o conflito pode consistir em matéria-prima
fundamental para o desenvolvimento humano visto que está sempre presente na
subjetividade dos indivíduos e nos processos interpessoais. A mediação pode
representar um importante papel nessa engrenagem ao atuar junto aos seres
humanos pois está relacionada com uma forte dimensão emocional, buscando
transformar uma relação conflituosa em uma relação saudável e cooperativa.
O nível de relacionamento entre partes em conflitos apresenta significativa
importância na eficácia da mediação, apresentando efeitos consideráveis
quando existe um relacionamento continuado entre as mesmas. Esse aspecto
deve ser levado em conta quando se elege um método apropriado de resolução
de conflitos, sobretudo quando há uma pauta envolvendo variadas questões.
Quando se reporta aos conflitos em torno do Poder Público, em uma
perspectiva que considere a relação democrática entre Estado e sociedade,
onde os cidadãos encontram possibilidades de decidir as atuações de seu
Estado que se legitima à proporção em que respeita seus cidadãos, não se pode
ignorar que cada ser privado, empresarial ou não, tem uma relação perene com
o Estado, do nascimento até a morte.
Este relacionamento se rompe apenas em casos muito pontuais e
atípicos, como por exemplo, a naturalização de outro país, sendo interesse do
Estado e do cidadão manter uma relação forte e producente, já que ambos são
interdependentes e se retroalimentam continuamente.
Esse mesmo processo ocorre quando se trata de conflitos que atingem
diferentes entidades públicas, cujas competências se complementam para
atender as necessidades e interesses gerais.
Considerando os aspectos expostos, cabe apontar para a mediação como
um método de resolução de conflitos mais apropriado para aas querela que
abrangem o Poder Público em todas as suas manifestações, ressaltando as
grandes vantagens em se adotar um caminho que pode proporcionar ganhos
mútuos, transformação nos relacionamentos e com grande potencial
transformador além da dimensão pedagógica, dentre outros. Essa prática pode
proporcionar oportunidades para todos aprenderem a administrar os conflitos de
forma positiva, prospectiva e peculiar, trabalhando de forma cooperativa e
criativa, com mais capacidade para lidar com as novas questões que vão
surgindo na dinâmica social.
Parece importante reafirmar o fato da grande complexidade que
singulariza os conflitos coletivos que envolvem políticas públicas, os quais se
desenrolam tanto na esfera administrativa quanto naqueles que foram
judicializados. Esses conflitos podem ter origem em processos de licenciamento
ambiental, em demarcação de terras, desastres ambientais, disputa por recursos
naturais em fronteira entre outros.
A referida complexidade pode decorrer do fato de que esses conflitos
atingem uma diversidade de titulares de direitos no polo ativo e no polo ativo,
podendo atingir vários órgãos públicos. Pode também resultar do fato de que
esses conflitos derem multifacetados, atingindo direitos fundamentais que vão
de encontro a outros direitos igualmente fundamentais.
Parece evidente que situações de conflitos coletivos envolvendo entes
públicos apresente acentuada desigualdade de poder entre as partes. Já que a
solução conta com o protagonismo de todos, o mediador precisa levar em conta
esse desequilíbrio de forças e adotar abordagem adequada a cada tipo de
conflito, atuando de forma a neutralizar as desigualdades de forças que estão
em jogo e empoderando as partes mais frágeis.
Considerando o exposto, se faz necessário balizar a dinâmica do
procedimento da mediação de forma a garantir que todas as informações sejam
compartilhadas irrestritamente a todos os envolvidos, de modo que consigam
compreender com clareza e prever as possíveis consequências de cada fato
informado, equalizando o grau de conhecimento entre as partes.
Os mediadores deverão desenvolver suas atividades criando e
preservando oportunidades para que cada ator possa expor suas ideias,
percepções, necessidades e interesses para que as discrepâncias de poder não
interfiram nessa expressão. Devem, ainda, garantir que seja construído um
diálogo em que todos os envolvidos possuam consciência dos interesses em
jogo e de seus caminhos em prol da solução consensual.
Nesse contexto. as diretrizes que norteiam a postura dos mediadores
deverão ser calcadas em competência técnica e atitudes éticas de forma
diferenciada, pois a dinâmica e as especificidades dos conflitos coletivos são
peculiares, distintas dos conflitos particulares e interpessoais. Apesar disso,
existem princípios fundamentais que regulam o trabalho dos mediadores que
constam no Código de Ética da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de
Justiça, que são: a confidencialidade, a competência, a imparcialidade, a
neutralidade, a independência e a autonomia.
No âmbito dos conflitos coletivos, sejam estes nacionais ou internacionais,
muitos dos países que adotam o procedimento da mediação indicam dois
mediadores ou mais para a tarefa, sobretudo quando envolve um número alto de
envolvidos. Ou, ainda, quando as questões a serem tratadas demandam alguns
pontos que poderão ser melhor compreendidas com mediadores de distintas
formações acadêmicas, já que na esfera dos conflitos coletivos é de extrema
importância o conhecimento dos mediadores acerca dos fenômenos geradores
de disputas, que podem atingir várias áreas de conhecimentos científicos.
Transcendendo a conduta técnica e ética, existem habilidades
indispensáveis a serem desenvolvidas pelos mediadores independentemente do
âmbito dos conflitos. Assim, pode-se apontar a capacidade de escuta; a
percepção aguçada às nuances das condutas das partes; flexibilização e
criatividade; paciência; capacidade para entender os conteúdos latentes dos
conflitos; empatia e aceitação positiva incondicional do outro; confiabilidade e
credibilidade.
Em suma, a simples presença do mediador tem o alcance de afetar a
condutas das partes. Ao longo do procedimento de mediação se desenrola uma
relação entre todos os envolvidos de forma que as características individuais das
partes podem afetar o mediador, assim como os traços particulares do mediador
podem também influenciar as partes. Daí a premência da atitude integradora dos
mediadores, devendo estar centrado e conectado com valores humanitários,
com a imprescindível atitude empática.
Faz-se dever do mediador assegurar às partes o ensejo de compreender
e analisar as implicações e o desdobramento de cada passo executado durante
o desenrolar da mediação, descrevendo e explicando todos os procedimentos a
serem realizados. Essa conduta pode contribuir para o empoderamento das
partes, as quais tomam consciência do processo com transparência e
autonomia. Enfim, na esfera dos conflitos coletivos que envolvem entes públicos,
é condição imprescindível e essencial a clareza e objetividade do processo como
um todo, em cada etapa e em cada técnica utilizada durante a mediação.
Uma das tarefas essenciais dos mediadores se refere ao cuidado de
verificar se os termos do acordo firmado poderão ser realmente cumpridos,
prezando a sustentabilidade e esclarecendo as eventuais penalidades
decorrentes no caso de descumprimento. O acordo deve ser claro no que tange
as obrigações que competem a cada parte, estabelecendo um monitoramento
para acompanhar seu cumprimento.
4. Conclusão:
A finalidade do presente artigo consiste na introdução da mediação como
um caminho eficaz e producente para a resolução de conflitos coletivos
envolvendo políticas públicas e para a melhoria da comunicação regional dos
países que integram o MERCOSUL.
Foi destacado o quanto as questões ambientais vêm atingindo um
patamar de grave problema global, sobretudo nos últimos anos em que temos
assistido catastróficos acidentes com consequências ainda imensuráveis.
Muitas dessas questões e seus desdobramentos acabam por resultar em
inúmeros conflitos, em diversos embates decorrentes das incompatibilidades de
interesses dos diversos atores envolvidos. Encontram-se nesse cenário várias
entidades com acentuada discrepância, tanto de poder decisório quanto de
vulnerabilidade decorrente dos riscos a que estão expostos: desde as
comunidades do entorno das regiões afetadas, até as autoridades
governamentais nacionais e regionais. Nesse embate são travados conflitos
coletivos envolvendo as políticas públicas.
Considerando que a grande complexidade dos conflitos coletivos requer
a utilização de dispositivos de prevenção e medidas apropriadas para a
efetivação de novos rumos para a resolução das questões enfrentadas, foi
apontada a mediação como um método apropriado para tratar de tais impasses.
Para contextualizar o escopo da mediação, foi abordado a compreensão
das perspectivas do conflito, ressaltando os seus aspectos positivos que podem
se desdobrar em caminhos muito proveitosos quando são bem administrados e
utilizados para o bem geral de todos os envolvidos.
Possuindo suas especificidades, os conflitos coletivos demandarão
formas peculiares para serem tratadas no procedimento de mediação. Desta
forma, os mediadores deverão ter condutas diferenciadas, considerando a
complexidade dos conflitos e, sobretudo, as desigualdades culturais e as
discrepâncias de poder entre as partes envolvidas.
5. Bibliografia
ALMEIDA, T. Caixa de Ferramentas em Mediação. São Paulo: Dash, 2013. AZEVEDO, A. G. (org.) Manual de Mediação Judicial. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2013. BOCK, A. M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008. BRIQUET, E. C. Manual de Mediação. Petrópolis: Vozes, 2016.
CORRÊA, M.G. As Particularidades Psicológicas da Percepção e da
Atitude aos Conflitos. Tese (Especialização em Psicologia Social com Orientação em Ontopsicologia). São Petersburgo: Universidade Estatal de São Petersburgo, 2013. DEUTSCH, M. A Resolução do Conflito: processos construtivos e destrutivos. New Haven: Yale University Press, 1977 – traduzido e parcialmente publicado em André Gomma (org.) Estudos em Arbitragem, mediação e negociação, Vol. 3. Brasília: Editora Grupos de Pesquisa, 2004.
FIORELLI, J.; MALHADAS, M.; MORAES, D. Psicologia na Mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São Paulo: LTR, 2004. FISHER, R.; URY, W.; PATTON, B. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
LANE, Silvia T.M. O que é Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 2006. LEDERACH, J. P. Transformação de conflitos. São Paulo: Palas Athena, 2012. MOORE, C. W. Processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SAMPAIO, L. R. C.; NETO, A. B. O que é mediação de conflitos. São Paulo: Brasiliense, 2007. SANTOS, B. S. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas. Porto: Afrontamento, 1996. SOUZA, L.M. Resolução consensual de conflitos que envolvem Políticas Públicas: caminho democrático, viável e sustentável. Transformações e tendências do Direito Administrativo. Thiago Marrara (Coord.). São Paulo: Almedina, 2014. SPENGLER, F.; NETO, T. Mediação enquanto Política Pública - o conflito, a jurisdição e as práticas mediativas. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2012. SUARES, Marinés. Mediación: conducción de disputas, comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 2010.
VASCONCELOS, C. E. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2012. WARAT, L. A. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
6. Webgrafia
http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/dimensoes_socio
_politicas/CONFLITOS%20SOCIOAMBIENTAIS%20-
%20TEORIAS%20E%20PR%C1TICAS.PDF
http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT17/gt17_cels
o_bredariol.pdf
http://www.nuredam.com.br/files/divulgacao/artigos/Gest%E3o%20Ambi
ental%20e%20Conflitos%20socioambientais.pdf
https://core.ac.uk/download/pdf/79059965.pdf
https://opendocs.ids.ac.uk/opendocs/bitstream/handle/123456789/12529/
alonso_etal_2002_para.pdf?sequence=1