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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SILVANA MARIA DA SILVA
MEMÓRIAS DA ESCOLA RURAL: Representações da cultura
escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-
alunos e uma ex-professora (1937 – 1952)
CUIABÁ-MT
2018
SILVANA MARIA DA SILVA
MEMÓRIAS DA ESCOLA RURAL: Representações da cultura
escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-
alunos e uma ex-professora (1937 – 1952)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestra em Educação na Linha de
Pesquisa Cultura memória e Teorias em Educação.
Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá
CUIABÁ-MT
2018
A meus avós: Raimundo José da Silva e Maria José da Silva.
Integrantes da população rural que não tiveram oportunidade de ter
acesso a uma escola isolada.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em especial àqueles que sempre me apoiaram incondicionalmente, e que
com certeza são os que mais compartilham da minha alegria: meus pais Miguel e Maria
Abadia.
À minha orientadora Prof.ª Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá, pelo acolhimento no
grupo de pesquisa em História da Educação e Memória – GEM. Toda gratidão pelo incentivo
e pelo exemplo de competência. Suas críticas construtivas e reflexões foram fundamentais ao
longo do processo. Obrigada pela atenção, compreensão e paciência em suas orientações.
À minha filha Sarah, pela compreensão nos momentos de ausência. Seu incentivo foi
fundamental e me trouxe até aqui.
Ao meu namorado e parceiro Mauro, pelo encorajamento, paciência e compreensão
demonstrados durante a realização deste trabalho.
Às minhas irmãs: Sônia, Sirlene e Solange, aos sobrinhos e cunhados, sou agradecida
pelo incentivo e pelo apoio nas grandes e pequenas coisas.
Aos senhores Petronilo Gonçalves da Silva, Belmiro Rosa e às senhoras Albertina
Rosa e Gonçalina Rosa pela fundamental contribuição em seus depoimentos.
À Banca examinadora pela disposição em participar deste processo.
Aos professores do Mestrado em Educação.
Ao grupo de pesquisa em História da Educação e Memória – GEM, pela contribuição
em meu processo de aprendizagem na pós-graduação.
Aos amigos: Alencar Cardoso, Inês Helena, Ana Tereza, José Ferreira, Vânia Silva,
Rômulo Amorim, Kleberson Oliveira, Eliane Winck, Crystyne Gomes e Marinalva Siqueira
pelas palavras incentivadoras, apoio e contribuições.
À Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC – MT, por conceder-
me licença para qualificação profissional.
A todos que participaram direta e indiretamente da elaboração desta dissertação.
RESUMO
Esta pesquisa refere-se a uma investigação na área da história da educação tendo como
enfoque a educação rural. Tem por objetivo analisar o cenário educativo rural de Mato Grosso
e compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na
memória de ex-alunos e uma ex-professora, no recorte temporal entre os anos de 1937 e 1952.
A pesquisa buscou responder a seguinte indagação: Quais as representações de cultura escolar
presentes nas memórias de ex-alunos e ex-professora da Escola Rural Mista de Bom Sucesso
no período de 1937 a 1952? Para responder à problematização e alcançar os objetivos
propostos a análise desta pesquisa teve abordagem teórica fundamentada na História Cultural.
Utilizou-se a História Oral como opção metodológica por esta propiciar o registro de
lembranças que possam auxiliar na interpretação do passado. Assim foram utilizados
depoimentos de três ex-alunos da Escola rural Mista de Bom Sucesso e de uma ex-professora,
bem como as seguintes fontes documentais: Leis, Decretos, Regulamentos e Mensagens dos
governadores, ofícios, atestados, livros de movimento escolar, mapas de movimento mensal.
Todos as fontes documentais foram localizadas no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT),
no arquivo do Grupo de História da Educação e Memória GEM/IE/UFMT, e em acervo de
particulares. Os ex-alunos e ex-professora narraram suas memórias demonstrando saudades
apesar das muitas dificuldades enfrentadas na época. Constatou-se por meio da pesquisa que
as representações da cultura escolar na memória dos ex-alunos foram marcadas pela rigidez
do ensino. Exigia-se destes uma rotina rigorosa, na qual era necessário muito esforço para
conseguir acompanhar os conteúdos estudados, sendo a memorização a principal estratégia de
aprendizagem. Dessa forma a responsabilidade do avanço escolar era atribuída quase que
exclusivamente ao aluno.
Palavras-chave: história da educação rural, memória, cultura escolar.
ABSTRACT
The research is an investigation in the Education History field that focus in the rural
education. It aims to analyze the rural educational scene in Mato Grosso and to understand the
representations about the school culture of the Mixed-sex Rural School of Bom Sucesso in the
memories of former students and a former teacher, between the years 1937 – 1952. The
research tried to answer the following question: Which are the representations of the school
culture that are reside in the memories of former students and a former teacher in the Mixed-
sex Rural School of Bom Sucesso during 1937 – 1952? To answer the problematizated
question and achieve the objectives of the research, it used a theoretical approach based in
Cultural History. It used the Oral History as the methodological option because it provides the
memory record that can help in interpretation of the past. Therefore, the testimony of three
former students and of a former teacher of the Mix-sexed Rural School of Bom Sucesso were
used joined by the following documents: laws, decrees, regulations, messages of the
governors, trades, certificates, books of the school audit, maps of the school audits. All the
documentary sources were localized in the Publich Archive of Mato Grosso (APMT), and in
the History Education and Memory Group GEM/IE/UFMT, and in a few private archives.
The former students and the former teacher narrated the memories showing that they miss
those times even tough they have experienced a lot of difficulties in the narrated period. It
was testified by this research that the representations of the school culture in the memories of
the former students and the former teacher were marked by the rigidity of the teaching
process. It was demanded from them a rigorous routine in which it was necessary a lot of
effort to achieve the knowledge and the memorization process was the main learning strategy.
By this sense, the responsibility for the school advancement was assigned almost exclusively
to the student.
Keywords: Rural Education’s History, memory, school culture
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa de localização da povoação de Bom Sucesso ................................................ 12
Figura 2 - Senhor Gil João da Silva e crianças da família - Anos 1950 ................................... 44
Figura 3 - Bom Sucesso antes da enchente de 1974 ................................................................ 45
Figura 4 : Vila Nova - Time de Futebol Amador – Anos 1950 ............................................... 47
Figura 5 - Mapa do Movimento Mensal da Escola Rural Mista de Bom Sucesso ................... 54
Figura 6 - Capa e contracapa do caderno utilizado em 1949 ................................................... 71
Figura 7 - Ditado e cópia. Ditado do dia 07/06/1949 e cópia do dia 05/07/1949. Método
Experimental ............................................................................................................................ 73
Figura 8 - Tarefa de E. M. e Cívica Religiosa .......................................................................... 74
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Movimento Escolar 1938 ....................................................................................... 51
LISTA DE ABREVIATURAS
APMT - Arquivo Público de Mato Grosso
GEM - Grupo de Pesquisa em História da Educação e Memória
IE - Instituto de Educação
UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso
SEDUC - Secretaria de Estado de Educação
MT - Mato Grosso
EMEB - Escola Municipal de Educação Básica
INEP- – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos
CNER-Campanha Nacional de Educação
CBAR - Comissão Brasileiro-Americana de Educação de Populações Rurais
UDN- União Democrática Nacional
PSD - Partido Social Democrático
SUMÁRIO
CAPITULO 1: O ENSINO RURAL E AS DISCUSSÕES NO CENÁRIO EDUCATIVO
................................................................................................................................................ 21
1.1 O Ensino Rural no Brasil .................................................................................................................... 21
1.2 As discussões do Ruralismo Pedagógico .......................................................................................... 24
1.3 O Ensino Rural em Mato Grosso ....................................................................................................... 29
1.3.1 O discurso do Ruralismo Pedagógico em Mato Grosso e o papel do professor ........................... 32
1.3.2 As diretrizes para o ensino rural em Mato Grosso ........................................................................ 35
CAPÍTULO 2: A HISTÓRIA DO DISTRITO DE BOM SUCESSO E DA ESCOLA
RURAL MISTA DE BOM SUCESSO ............................................................................... 40
2.1 O Distrito de Bom Sucesso ................................................................................................................ 40
2.2 A História da Escola Rural Mista de Bom Sucesso............................................................................ 48
CAPÍTULO 3: A CULTURA ESCOLAR DA ESCOLA RURAL MISTA DE BOM
SUCESSO .............................................................................................................................. 56
3.1 As Representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-
alunos ................................................................................................................................................................. 57
3.2 As representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de uma
ex-professora ...................................................................................................................................................... 64
3.3 Os cadernos: materialização das representações. ........................................................................... 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 76
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 79
ANEXOS ............................................................................................................................... 84
ANEXO 1 – Ofício à Instrução Pública Primária do Ensino de Mato Grosso .............. 84
ANEXO 2 - Atestado de Frequência .................................................................................. 85
ANEXO 3 – Horário Modelo para as Escolas Isoladas - 1916 ........................................ 86
ANEXO 4 – Atestado de exercício ...................................................................................... 87
ANEXO 5 – Atestado de gozo de férias .............................................................................. 88
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar o cenário educativo rural de Mato Grosso e
compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na
memória de ex-alunos e uma ex-professora, no recorte temporal compreendido entre os anos
de 1937 e 1952.
O Distrito de Bom Sucesso1 é uma comunidade ribeirinha rural localizada a 15
quilômetros de Várzea Grande, município integrante da Região Metropolitana do Vale do Rio
Cuiabá. Situado geograficamente à margem direita2 desse rio, o distrito de Bom Sucesso é de
fácil acesso e também próximo à capital Cuiabá, fazendo parte da rota do turismo de Mato
Grosso denominada Rota do peixe3.
Figura 1 - Mapa de localização da povoação de Bom Sucesso
Fonte: Vítor Augusto L. Camacho, 2018
1A escrita da palavra é grafada popularmente Bonsucesso, sem separação, no entanto, optou-se nesta pesquisa
grafar a palavra na forma encontrada nos documentos históricos e no documento de criação do Distrito de Bom
Sucesso, ou seja, na forma composta: Bom Sucesso 2 O mapa da Figura 1 foi elaborado utilizando o norte geográfico como referência. 3 Rota do Peixe - Projeto de incentivo ao turismo coordenado pelo SEBRAE em Bom Sucesso no início dos anos
2000 (Gazeta Digital, 06/02/2005). Atualmente foi instituído pela lei n.10.426, de 30/08/16 o Projeto Rota do
Peixe no Vale do Rio Cuiabá, no intuito de fomentar o ecoturismo e a gastronomia regional. O projeto definiu
cinco pontos para a rota: Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço; Nossa Senhora do Livramento e
Poconé; Jangada e Acorizal; Cuiabá e Várzea Grande. https://www.iomat.mt.gov.br/ acesso em 07/09/2017 às
15h47.
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Bom Sucesso é pertencente ao município de Várzea Grande, cuja emancipação
municipal ocorreu por meio da Lei nº 126 de 23 de setembro de 1948. Nessa mesma lei foi
anexada a povoação de Bom Sucesso como Distrito de Várzea Grande. Até esse período, o
município de Várzea Grande correspondia ao terceiro distrito da Capital mato-grossense. O
memorialista Ubaldo Monteiro (1987) destaca que a integração da Vila de Várzea Grande
com o município de Cuiabá era realizada por meio de canoas ou pela Barca Pêndulo do Porto
até o ano de 1942, período em que foi inaugurada a ponte sobre o rio Cuiabá.
Atualmente, o distrito é formado por duas ruas paralelas ao rio Cuiabá: uma rua
principal na beira do rio e outra paralela a ela. Essa rua principal percorre a extensão de um
quilômetro e é “calçada com blocos de cimento e ladeada por casas, geralmente próximos
umas das outras, com poucas cercas ou muros, quintais grandes e arborizados, e portas que se
abrem no passeio onde as pessoas costumam se sentar” (CAMPO, 2006, p. 21).
Na rua principal estão instaladas as peixarias que atendem ao turismo local e também
alguns engenhos que ainda funcionam na produção de rapadura e melado, costume que resiste
ao tempo e mantém a tradição do fabrico artesanal. Do outro lado do rio pode ser visto o
morro de Santo Antônio, tornando a paisagem de Bom Sucesso mais bela, bem descrita no
poema de Ivens Cuiabano Scaff:
Bonsucesso
O rio corre paralelo
A rua onde pessoas andam devagar
Passando pelas mangueiras
Pelo engenho, tamarineiros,
Igreja, escola e bar.
Onde coaxam os sapos
E meditam as garças
Do outro lado do Rio
O morro.
Pra que mais? (SCAFF, 2011, p.46)
Assim, ao chegar à comunidade o visitante depara-se com um cenário de beleza
natural e tranquilidade, contracenando com o jeito hospitaleiro das pessoas que vivem lá.
O turismo é fonte importante de renda para os moradores, além das peixarias que
servem culinária regional à base de peixe. As festas religiosas também são atrativas, sendo a
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de maior representatividade a “Festa de São Pedro”4. Há também um modesto comércio de
doces e rapaduras produzidos artesanalmente pelos moradores, bem como o comércio de
redes confeccionadas em tear artesanal.
Além das atividades em torno do turismo, a comunidade desenvolve o cultivo de
pequenas lavouras, cerâmicas, frigoríficos, e chácaras de lazer.
Em Bom Sucesso apesar da intensificação do contato com povos de culturas
diferentes, com o intenso fluxo migratório e com a expansão do tecido
urbano somado ao acesso aos meios de comunicação de massa, as famílias
procuram conservar as tradições culinárias, nas relações sociais, nos
artefatos, nos mobiliários. (CAMPO, 2006, P.111-112).
O recorte temporal foi determinado pelos documentos e depoentes encontrados, pois
os ex-alunos depoentes estudaram no período do Estado Novo (1937-1945) e a ex-professora
lecionou no ano de 1952, coincidentemente quando tornou-se vigente o modelo de ensino
primário por meio do decreto Lei N.452 de 23/11/1951, a Lei Orgânica do Ensino Primário de
Mato Grosso, que foi fundamentada nas disposições da Lei Orgânica de Ensino Primário de
1946, substituindo assim o Regulamento de Ensino da Instrução Pública do Ensino Primário
em Mato Grosso, que estava em vigor desde 1927.
O interesse por estudar as memórias de uma escola rural surgiu a partir dos estudos
sobre escolas rurais desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em História da Educação e
Memória – GEM/IE/UFMT, coordenado pela professora Elizabeth Figueiredo de Sá. As
leituras e discussões em torno da história da educação de Mato Grosso e sobretudo sobre a
educação rural, despertou em mim o desejo de compreender melhor essa temática. Assim
sendo, surgiram alguns questionamentos sobre o ensino primário rural no estado que
versavam minhas indagações tais como: quais eram as práticas escolares no meio rural e as
memórias dos sujeitos que frequentaram essas escolas? Minha identificação com o tema
também está em minha origem rural da qual tenho orgulho. Cresci ouvindo minha mãe dizer
que mudamos para a cidade porque queria que frequentássemos uma boa escola, o que não
havia na roça. Desse modo, além de me proporcionar a prática reflexiva acerca da minha
história, estudar as lembranças da cultura escolar dos ex-alunos e de uma ex-professora da
Escola Rural Mista de Bom sucesso pode ajudar a compreender a história da educação de
4 A Festa de São Pedro, também conhecida como Festa dos Pescadores é realizada pela Associação de
Pescadores de Bom Sucesso. Teve início em 1980. Para saber estudo detalhado sobre essa festa ver “A festa do
Pescador em Bonsucesso: a produção social da festa” de Oliveira (2012).
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Mato Grosso permitindo aquisição de novos conhecimentos que possam contribuir com a
preservação da memória da educação rural e do patrimônio educativo.
Para chegar aos sujeitos da pesquisa, num primeiro momento foi feito um
levantamento no Centro de Documentação da Secretaria Estadual de Educação de Mato
Grosso SEDUC/MT afim de averiguar quais os documentos que haviam lá sobre as escolas
isoladas rurais que se localizavam próximas à Cuiabá e que foram desativadas no decorrer da
década de 1970. Considerando que o Centro de Documentação da SEDUC-MT é um arquivo
referente à documentação escolar de alunos, o objetivo era localizar possíveis nomes
observando a idade dessas pessoas, para que se pudesse tentar localizar alguns ex-alunos e
assim verificar a possibilidade de estes se tornarem sujeitos da pesquisa.
Nesta busca, através de uma conversa sobre a pesquisa com uma amiga, a professora
Eliane Winck, gestora da escola EMEB Maria Barbosa Martins na comunidade rural de Bom
Sucesso em Várzea Grande, fui informada de que lá havia algumas pessoas mais antigas da
comunidade e que estas foram alunos e professores da escola supracitada, sendo denominada
naquele tempo Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Dessa forma, Eliane Winck apresentou-
me à professora Helena Rosa cujos pais estudaram na Escola Rural Mista de Bom Sucesso no
período do Estado Novo: O senhor Belmiro da Rosa e dona Albertina da Rosa. Em conversa
com o casal eles me apresentaram o senhor Petronilo Gonçalves da Silva, que iniciou seus
estudos na escola, no final dos anos 1940. E, por fim, conheci por indicação também do casal
a professora Gonçalina Barros da Rosa, que iniciou sua carreira docente na Escola Rural
Mista de Bom Sucesso em 1952. Estava formada assim a minha rede de contato, fontes vivas
que fizeram parte do cotidiano da escola rural naquele período.
O projeto de pesquisa foi submetido à plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de
Ética e Pesquisa, no qual consta o termo de livre consentimento dos sujeitos da pesquisa
autorizando a divulgação dos depoimentos. Tendo o consentimento dos depoentes, optou-se
por nomear os sujeitos por compreender que não havia implicação ética e por julgar ser
importante valorizar esses sujeitos sociais.
Nesse sentido, a pesquisa pauta-se na seguinte indagação: Como se representa a
cultura escolar nas memórias de ex-alunos e ex-professora da Escola Rural Mista de Bom
Sucesso no período de 1937 a 1952?
Para responder à problematização e alcançar os objetivos propostos anteriormente, a
análise desta pesquisa tem abordagem teórica fundamentada na Nova História Cultural, por
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esta possibilitar um novo olhar sobre a historiografia e ser aberta a novas conexões com
outras modalidades e campos de saber (BARROS, 2011), viabilizando assim o trabalho com
diferentes métodos e objetos.
A história cultural afasta-se sem dúvida de uma dependência demasiada
estrita em relação a uma história social fadada apenas ao estudo das lutas
econômicas, mas também faz o retorno útil sobre o social, já que dedica
atenção às estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que
constroem para cada classe grupo ou meio um “ser percebido” constitutivo
de sua identidade (CHARTIER, 2002, p.73).
Ao renunciar uma história numa concepção global, bem como, em tratar as
explicações da realidade a partir das divisões sociais para compreender as diferenças culturais,
optou-se então por investigar a realidade social a partir de acontecimentos menores, dando
valor ao particular, priorizando a análise de diversos modos de vida, de pensar e agir, em
diferentes espaços e contextos.
Nesta perspectiva, segundo Chartier (2002), as representações da realidade são
construídas culturalmente pelos diferentes grupos sociais, justificando e legitimando um
determinado lugar social concomitantemente a própria representação em jogo. Para o autor a
noção de Representações envolve modalidades da relação com o mundo social:
De início, o trabalho de classificação e de recorte que produz as
configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é
contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma
sociedade; em seguida as práticas que visam a fazer reconhecer uma
identidade social, a exibir uma maneira própria do ser no mundo, a significar
simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim as formas
institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais ‘representantes’
(instancias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e
perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da classe (CHARTIER,
2002, p. 73).
A construção das identidades sociais é resultante da relação de forças entre as
representações que são impostas entre os grupos, bem como, o modo de aceitação ou não por
parte do grupo de pessoas envolvidas. Ou seja, a comunidade e o recorte social confirmam a
representação que cada grupo faz de si mesmo permitindo reconhecer sua existência. Assim, o
trabalho com a noção de representações caracteriza-se enquanto representações coletivas e
individuais e possibilita o entendimento de como os sujeitos se relacionam com o mundo.
Sendo a escola uma instituição que está inserida numa determinada realidade social,
as investigações que se propõem a compreender as práticas escolares e suas representações,
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também compõem os estudos no contexto da história cultural, dialogando com a cultura
escolar que se destacou como categoria nos estudos historiográficos a partir dos anos 1990,
por meio dos trabalhos de Chervel, Dominique Julia, Vinão Frago, dentre outros teóricos que
propunham investigações acerca do funcionamento interno da escola (VIDAL, 2005).
Para essa pesquisa o referencial teórico adotado inspira-se nas contribuições de Julia
(2001), por considerar as relações conflituosas ou pacíficas que possa apresentar no estudo da
cultura escolar, definindo-a como:
Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a
inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas e finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001,
p.10).
O que permite considerar todos os envolvidos no âmbito escolar como importantes
para a compreensão da escola e suas práticas. Para tanto, ao se desenvolver estudos a partir de
representações e memória deve-se considerar “as temporalidades, as distinções, e os conflitos
sociais” (JULIA, 2001, p. 10).
Nesta direção o autor define três eixos que considera vias importantes para a
compreensão da cultura escolar que são: o interesse pelas normas e pelas finalidades que
regem a escola; a avaliação do papel desempenhado pela profissionalização do trabalho do
educador; e o interesse pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares (JULIA,
2001). Assim, as normas e finalidades que regiam as escolas rurais puderam ser analisadas
pelos relatórios e mensagens dos governantes da época, articulando as fontes oficiais às
práticas pedagógicas.
Para as investigações sobre representações e memória foi utilizada a História Oral
como opção metodológica por propiciar o registro de lembranças que possam auxiliar na
interpretação do passado. Os primeiros trabalhos com história oral foram realizados durante
os anos de 1928 e 1920 por pesquisadores dos Estados Unidos que publicaram histórias de
vida de imigrantes poloneses. Nos anos 1960 destacou-se o trabalho com história oral
utilizado como forma de dar visibilidade aos grupos considerados excluídos. Nos anos 1970
deu-se início a uma história oral mais acadêmica quando surgiram revistas e manuais a fim de
normatizar a metodologia (ALBERTI, 2008).
18
De acordo com Ferreira (2002), a partir dos anos 1980, com a renovação nos
diferentes campos da pesquisa histórica na qual voltou-se as atenções às experiências
individuais, história e memória passaram a ser consideradas na investigação do conhecimento
histórico, e os depoimentos orais, embora apresentassem controvérsias, passaram a ser
reconhecidos como uma forma de pesquisa. Nesta perspectiva:
A história oral é hoje um caminho interessante para conhecer e registrar
múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentido a formas de vida e
escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as camadas da sociedade.
(ALBERTI, 2008, p.164)
Esta pesquisa está ancorada pela metodologia da história oral com o intuito de ouvir
as experiências de pessoas comuns e por meio delas registrar a história da educação rural de
um determinado grupo social.
O trabalho com memórias para Alberti (2008) é
[...] essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua
identidade. [...] é resultado de um trabalho de organização e de seleção do
que é importante para o sentimento de unidade de continuidade e de
coerência, isto é, de identidade (ALBERTI, 2008, p.167).
Portanto, a memória reporta a indícios que permitem a leitura e reflexão do passado,
pois possibilita inscrever depoimentos dos sujeitos sobre experiências que eles vivenciaram
em determinado momento. Assim sendo, a memória alude a acontecimentos que foram
importantes para o indivíduo, “sendo memórias que espelham determinadas representações”
(FERREIRA, 2002, p.324). Ou seja, as memórias não são verdades absolutas, mas são
representações que tornam compreensível o tempo lembrado.
Para Le Goff a memória coletiva é importante porque [...] é um elemento essencial
do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades
fundamentais do indivíduo e das sociedades [...] é não somente uma conquista é também
instrumento e um objeto de poder (LE GOFF, 1996, p. 410).
Ao recriar o passado se pode atribuir-lhe ressignificação. O autor pondera ainda que a
memória coletiva pode salvar o passado e servir ao presente e ao futuro, e que deve ser
utilizada pelo pesquisador de forma a libertar os homens e não para a servidão.
A discussão sobre memoria, esquecimento e silencio de Pollak (1989) revela que a
memória coletiva proporciona uma coesão social de determinado grupo, e pode resultar no
19
fortalecimento do sentimento de pertencimento de indivíduos a um determinado grupo. Nesta
direção, o autor afirma que a sociedade é composta por inúmeras memórias coletivas, e
quando estas não se integram a uma memória dominante, são esquecidas e se tornam
acessíveis por meio da história oral.
Na obra “Memória e sociedade: Lembrança de velhos”, Bosi (1995) destaca a
importância da memória como uma importante ferramenta para se recordar a história de
determinada época. Embora os indivíduos tenham lembranças específicas, ou seja, tenham a
sua própria visão de determinados fatos, quando a história é recontada acaba se interligando a
novas perspectivas e possibilitando a compreensão de um contexto de um tempo passado. A
memória é então uma construção social coletiva permeada pelas recordações dos fatos vividos
pelos indivíduos com as recordações dos demais membros de um determinado grupo.
Nesta perspectiva a autora destaca que as lembranças das vivencias dos sujeitos são
importantes para reconstruir o passado, e no caso dos idosos é ainda mais especial visto que:
Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não
conhecemos pode chegar pela memória dos velhos. Momentos desse mundo
perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o
presente. A conversa evocativa de um velho é sempre uma experiência
profunda: repassada de nostalgia, revolta, ressignificação pelo
desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é
semelhante a uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora,
pois, contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com
a mísera figura do consumidor atual. (BOSI, 1995, p. 82 - 83).
Nesse contexto, os sujeitos dessa pesquisa são pessoas idosas que oscilam a idade
entre 78 e 90 anos e que vivenciaram o cotidiano da escola Rural Mista de Bom Sucesso. As
entrevistas foram realizadas por meio de depoimentos seguindo um roteiro semiestruturado no
qual foi tomado devido cuidado para deixar cada entrevistado à vontade para poder se
expressar e revelar suas recordações. Todas as entrevistas foram feitas na casa dos
entrevistados.
Foram utilizadas como instrumento de pesquisa fontes documentais tais como Leis,
Decretos, Regulamentos e Mensagens dos governadores, ofícios, atestados, livros de
movimento escolar, mapas de movimento mensal, localizadas no Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT), no arquivo do Grupo de História da Educação e Memória GEM/IE/UFMT, e
fontes imagéticas de acervo de particulares que permitiram verificar informações sobre os
aspectos administrativos das escolas tais como número de professores das escolas rurais,
20
condições físicas, mobiliários e práticas pedagógicas. Não se perdeu de vista, com tudo que
essas fontes oficiais refletem também o ponto de vista de administradores públicos da época.
Foram utilizados também dois cadernos de classe do acervo particular do senhor
Petronilo Gonçalves da Silva, do ano de 1949 e que, nessa pesquisa foram tomados como
documento. Conforme Lopes (2006, p.190) o caderno “é um suporte de escrita portador de
marcas de quem ensina e de quem aprende. Os registros ali presentes assinalam um percurso
da memória escolar que é possível analisar e investigar as condições de sua produção
histórica” permitindo o exame dos conteúdos ensinados na época.
A pesquisa foi dividida em três capítulos: o primeiro intitulado: O Ensino Rural e as
discussões no Cenário Educativo, trata das discussões em torno das políticas educacionais
que orientavam o ensino rural no período de 1937 a 1952, onde se intentou compreender as
discussões que circulavam no Brasil a respeito do ensino primário5 rural e suas influências em
Mato Grosso.
No segundo capítulo intitulado A História do Distrito de Bom Sucesso e da Escola
Rural Mista de Bom Sucesso procurou-se evidenciar alguns aspectos da história de Bom
Sucesso, destacando o contexto socioeconômico e cultural da povoação no recorte temporal.
E ainda destacar alguns aspectos das práticas pedagógicas da Escola Rural Mista de Bom
Sucesso.
No terceiro e último capítulo denominado A Cultura Escolar da Escola Rural Mista
de Bom Sucesso, foi realizada a análise da representação da Cultura Escolar na memória de
três ex-alunos e de uma ex-professora. O capítulo apresenta, num primeiro momento, as
memórias de três ex-alunos que estudaram na escola no intervalo compreendido entre 1937 a
1952. E no segundo momento as memórias de uma ex-professora que iniciou sua carreira
docente no ano de 1952. Nesse capítulo é realizada também a análise de alguns conteúdos
retirados de um caderno de classe de uma ex-aluna da escola.
5 O ensino primário ficou por mais de cem anos sob a responsabilidade dos governos regionais, desde o Ato
Adicional de 1834. A reforma (Lei Orgânica do Ensino Primário) embora tenha sido pensada durante o Estado
Novo, foi publicada somente no ano de 1946 (PALMA FILHO, 2005).
21
CAPITULO 1: O ENSINO RURAL E AS DISCUSSÕES NO CENÁRIO EDUCATIVO
Neste capítulo6 serão abordadas as políticas educacionais que orientaram o ensino
rural brasileiro no período de 1937 a 1952 para compreender as discussões que circulavam no
Brasil a respeito do ensino primário7 rural, e as suas influências em Mato Grosso, visto que a
partir das normas e políticas públicas, pode-se compreender as práticas (JULIA, 2001).
1.1 O Ensino Rural no Brasil
Percorrendo os estudos sobre a história da educação Brasil percebe-se que a
escolarização rural sempre foi desvalorizada. Embora grande parte da população do país se
encontrasse na zona rural, não havia muita preocupação por parte dos governos em
desenvolver políticas públicas que fossem capazes de impulsionar a precária educação escolar
primária rural. Segundo Leite:
A educação rural no Brasil por motivos socioculturais, sempre foi relegada a
planos inferiores e teve por retaguarda o elitismo acentuado do processo
educacional aqui instalado pelos jesuítas e a intepretação político ideológica
da oligarquia agrária, conhecida popularmente na expressão: ‘gente da roça
não carece de estudos. ‘Isso é coisa de gente da cidade’. (LEITE, 1999, p.
14)
Tal fato se deve provavelmente pelo modo com que o indivíduo rural era concebido,
como atrasado e preguiçoso. Segundo Bareiro (2007), a partir dos anos 1930 se evidencia o
modo pejorativo de tratar os indivíduos do meio rural, assim:
Quando referia-se ao homem do campo, expressava-se uma forma de
tratamento, carregado também de juízo de valor: uma vida pacata e sem
perspectiva de desenvolvimento; suas atitudes demonstram o conformismo
com sua situação em que vivem; jeito simples e sem dinamismo ou malícia;
sotaque carregado que por muitas vezes usamos justamente para denotar a
falta de instrução durante uma conversa ou brincadeira; a cordialidade e
6 Parte desse capítulo foi publicado no artigo intitulado- As representações de intelectuais de Mato Grosso sobre
o professor rural no contexto do ruralismo pedagógico. 7 O ensino primário ficou por mais de cem anos sob a responsabilidade dos governos regionais, desde o Ato
Adicional de 1834. A reforma (Lei Orgânica do Ensino Primário) embora tenha sido pensada durante o Estado
Novo, foi publicada somente no ano de 1946. (PALMA FILHO, 2005).
22
simplicidade dessas pessoas que dispendem pouco interesse, o pensamento
vigente de que o pouco que se faça por eles já está de bom tamanho.
(BAREIRO, 2007, p.14/15)
Percebe-se que o rural e sua população eram subestimados e marginalizados, o
campo era visto como um lugar de atraso e havia uma representação coletiva (CHARTIER,
2002) sobre o homem do campo a qual colaborava para que muitos políticos acreditassem que
bastava o domínio das primeiras letras para estes sujeitos.
Segundo Chartier (2002) “[...] as representações coletivas que incorporam nos
indivíduos as divisões do mundo social organizam os esquemas de percepção a partir dos
quais eles classificam, julgam e agem” (CHARTIER, 2002, p. 11). Nesse sentido, as
representações indicam a maneira pela qual as pessoas constroem a realidade em tempos e
lugares diferentes. Assim, havia um conjunto de representações acerca da população dos
meios rurais que os classificavam como sujeitos atrasados, de menor valor, que não precisava
de muita coisa, e se conformavam com o pouco.
Para Hall (2016) a linguagem opera sistemas de representações na qual os indivíduos
dão sentido às coisas do mundo de forma coletiva, porém, conforme seu meio social e
cultural.
Essencialmente, podemos afirmar que essas práticas funcionam “como se
fossem línguas” não porque elas são escritas ou faladas (elas não são) mas
sim porque todas se utilizam de algum componente para representar ou dar
sentido àquilo que queremos dizer e para expressar ou transmitir um
pensamento, um conceito, uma ideia um sentimento. (HALL, 2016, p.24).
Nesta perspectiva, o autor explica que estereótipos são construídos como prática de
produção de significados, sobretudo, onde há desigualdade de poder na qual se constrói um
olhar sobre determinado grupo. O autor afirma que
[...] a estereotipagem reduz, essencializa, naturaliza e fixa a '“diferença”. (...)
implanta uma estratégia de ‘cisão’ que divide o normal e aceitável do
anormal e inaceitável. Em seguida, excluí tudo o que não cabe, o que é
diferente (HALL, 2016, P.191)
Constrói-se, assim, no imaginário da sociedade o estereótipo do homem do campo
como uma pessoa atrasada, sem cultura.
Pode-se tomar como exemplo a personagem Jeca Tatu, do romance Urupês de
Monteiro Lobato, uma vez que este é descrito como um caipira preguiçoso, analfabeto e sem
higiene. Pinho (2006), ao tratar sobre as representações construídas sobre os indivíduos dos
23
meios rural e urbano, destaca alguns textos que circularam no início do século passado que
afirmar essa representação coletiva do indivíduo rural. A autora cita, além do personagem
Jeca Tatu, um texto publicado no boletim Escolar Rural que descrevia uma peça de teatro na
qual a referência dada em relação a um personagem que vive no meio rural é a de uma pessoa
“[...] de aspecto doentio, voz fraca, faces cavadas, e macilentas, é preso de vez em vez, do
tremor próprio dos organismos depauperados” (ESCOLAR RURAL, 1950, P.27, apud
PINHO, 2006, p.50). A negação dos sujeitos do campo‚ de suas características‚ suas
realidades e cultura‚ por parte também dos governantes reforçava esse estereótipo.
A representação social do indivíduo rural ao que tudo indica refletiu nas iniciativas
públicas relegando-o a um segundo plano. A escola rural tornou-se pauta de discussões no
país nas políticas de combate ao analfabetismo, nos debates realizados na primeira
Conferência Nacional de Educação em 1927, que sinalizavam preocupações sociais e
educacionais abrangendo a problemática do ensino rural (ALMEIDA, 2011). Contudo, nas
práticas o que se verificava até o fim da primeira república era que:
A escola rural representava o local onde se pretendia dizer que se estuda. De
fato, pouco da escola poderíamos encontrar nos contextos dilapidados
espalhados pelo interior do Brasil; escolas sem qualquer condição de abrigar
suas crianças para o mínimo de ambiente qualitativo de aprendizagem.
(CAVALCANTE, 2010, p.554)
A partir dos anos 1930, com o processo de industrialização e modernização do país,
governantes e estudiosos da educação investiram em políticas públicas educacionais voltadas
à educação rural, pois a educação foi compreendida como o principal meio para que a
modernidade fosse alcançada no Brasil. Sá e Rodhen (2015) comentam que no campo da
legislação muitas foram as medidas que deram rumos para as reformas na educação, como a
criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, além da promulgação da
Constituição de 1934, que estipulou a demanda por um Plano Nacional de Educação,
garantiu o direito à educação reivindicada pelo Manifesto dos Pioneiros8 que defendia a
escola pública, laica, gratuita e obrigatória, organizou o ensino em sistemas, e criou os
8 O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova foi um documento no qual se apresentava os fundamentos do
escolanovismo no Brasil, elaborado por Fernando de Azevedo e assinado por mais de vinte e seis educadores do
país (ALMEIDA, 2001).
24
Conselhos de Educação, os fundos de reservas nos quais a União deveria reter pelo menos
20% destinados à educação, para a educação na zona rural (PALMA FILHO, 2005).
Nesse contexto de industrialização e urbanização, a indústria assume a direção da
economia e os interesses urbanos consolidam-se influenciando as políticas sociais, culturais e
educacionais. Assim, o ensino rural ganha visibilidade e os debates tornam-se mais intensos
com o objetivo de aproximar o indivíduo rural à modernidade presente no cenário urbano. Era
necessário instruir as pessoas que moravam no meio rural a se adequarem às transformações
sociais e econômicas, e assim compreenderem as ideias de progresso emergentes no país
(ALMEIDA, 2011).
No entanto, a educação rural era referenciada por sua ineficiência. Almeida (2011)
afirma que:
Muitas são as adversidades que acompanham a educação rural. Poucas e
precárias escolas distantes umas das outras, dificuldades de comunicação,
ausência de orientação metodológica e didática, faltas de verbas públicas na
escolarização, deficiências na formação de professores, currículos por vezes
inadequados, poucos materiais pedagógicos, falta de livros, entre outros.
(ALMEIDA, 2011, p.286)
Nesse cenário, intensificam-se as discussões com vistas a criar uma escola cujo
currículo atendesse as características e necessidades do homem do campo e, por outro lado,
fizesse com que essa população ali permanecesse, visto que nesse período devido às
condições precárias de vida no campo, o êxodo rural se intensificou nas regiões sul, sudeste e
nordeste do país. Desse modo, a crescente industrialização e urbanização tornaram-se
atrativas para a população rural que buscava melhores condições de vida na cidade, causando
“inchaço” urbano, provocando problemas sociais.
Essas questões em torno da educação rural foram desencadeadas por um movimento
denominado Ruralismo Pedagógico, sobre o qual teceremos reflexões no tópico a seguir.
1.2 As discussões do Ruralismo Pedagógico
O Ruralismo pedagógico teve início nos anos 1920 e se estendeu, segundo Bareiro
(2007), até os anos 1950. Foi um movimento defendido por educadores com o objetivo de
transformar a escola rural tendo como referência os saberes necessários para o homem e o
trabalho do campo. Nesta perspectiva, a escola além de instruir para o domínio da leitura e
25
escrita, deveria se responsabilizar pelo ensino de técnicas relacionadas ao cultivo da terra, da
pecuária e com conhecimentos sanitários. Com isso, pretendia-se fixar o trabalhador rural no
campo, tendo em vista o grande número desses indivíduos que estavam migrando para a
cidade. Conforme Bareiro (2007) a escola também seria:
[...] responsável pela mudança no pensamento do habitante rural, fazendo-o
observar os seus valores culturais e ao mesmo tempo integra-lo a um sistema
produtivo moderno. Assim a tarefa da escola seria suprir no educando essa
falta de cultura, para que ele pudesse se integrar no processo produtivo no
campo (BAREIRO, 2007, p. 22).
Consolidou-se assim a convicção de que a escola rural tinha a incumbência de
transformar a vida do trabalhador do campo por meio de seu currículo. E, ao professor caberia
a responsabilidade de desenvolver o trabalho docente mantendo o homem no campo. Diante
dessas prerrogativas, intelectuais como Sud Mennucci defenderam a necessidade de investir
na formação do professor rural. Muitos governantes compactuaram com essa ideia e criaram
Escolas Rurais Normais e/ou cursos complementares de ruralismo nos Cursos Normais já
existentes.
A esse respeito, é possível constatar experiências de Escolas Normais Rurais desde
1930 com base no pioneirismo da Escola Normal Rural na cidade de Juazeiro do Norte.
Segundo Araújo (2006), as escolas rurais do Ceará se configuraram como expressão de ideias
e de práticas influenciadas pelo ruralismo pedagógico de forma intensa. A autora afirma que
ser professora ruralista se concretizava pela presença da finalidade redentora e regeneradora
da sociedade cristalizando um ideal de professor como se fosse um apostolado carregado de
emotividade e idealismo. Na prática a estrutura da escola rural em quase nada foi alterada,
uma vez que era evidente o descaso do poder público, tendo em vista a ausência de
instrumentos necessários ao bom encaminhamento do processo de ensino nas escolas.
No Rio Grande do Sul, Werle (2006) reitera que as Escolas Normais Rurais foram
implantadas durante os anos 1940 e surgiram para conter o êxodo rural e as diversidades
regionais. O currículo era constituído por conhecimentos relacionados às lidas agrícolas
sertanejas ou litorâneas e, além de oferecer esse preparo para o mundo rural, tinha um forte
embasamento religioso.
Segundo Souza e Ávila (2014), no estado de São Paulo “o embate entre os ruralistas
e os liberais defensores da escola comum recortaram as representações sobre o homem do
campo, as finalidades sociais da escola e o papel dos professores primários rurais” (SOUZA;
26
ÁVILA, 2014, p. 15). Os ruralistas enfatizaram os problemas da educação rural no Brasil e
tiveram como um de seus principais defensores Sud Menucci, educador e ex-diretor da
Instrução Pública no Estado de São Paulo que se empenhou em defesa de uma escola
totalmente voltada para as questões do meio rural. Em relação à formação dos professores
rurais ele defendia uma formação especializada focada no ensino rural, e na organização
administrativa e pedagógica.
Havia, no entanto, outros educadores como Fernando de Azevedo e Almeida Júnior
que defendiam para o ensino rural o currículo da escola comum, contrapondo-se às ideias
ruralistas. Fernando Azevedo, juntamente com outros intelectuais escolanovistas, era crítico
dos ideais do ruralismo pedagógico, pois, para ele, havia um equívoco em atribuir um papel à
escola rural para solucionar os problemas do êxodo rural (SOUZA; ÁVILA, 2014). Nesta
perspectiva, Azevedo assinalava que:
Pedir, de fato, somente à educação rural ou esperar dela a solução racional
de um problema, que não é exclusiva, nem principalmente técnico, é incidir
no duplo erro de desconhecer a impossibilidade de estender a educação, nas
condições atuais, a todos os grupos dispersos pelo campo e pelos sertões, e
de obscurecer a questão com mais uma dessas ideias salvadoras de que tem
sido fértil o misticismo da mentalidade primária. (AZEVEDO, 1965, p. 39
apud, SOUZA; ÁVILA, 2014, p. 19).
E, nesse embate em relação à formação de professores, Almeida Júnior, em
contraposição à Escola Normal Rural, optou por acrescentar disciplinas específicas às
questões rurais ao Curso Normal já existente. Desse modo, foi ofertado esse tipo de curso em
duas escolas normais do estado: Escola Normal Livre em Santa Rita do Passa Quatro e na
Escola Oficial de São Carlos. Assim, “O sonho de Menucci de uma Escola Normal Rural
sucumbiu frente à outras opções de formação especializada, malogrou frente ao modelo de
formação ampliada e comum preconizada por Fernando de Azevedo no início dos anos 1930”
(SOUZA; ÁVILA, 2014, p.29).
Verifica-se, portanto, que o período entre os anos de 1930 e 1950 foi um período de
instituição do modelo de formação de professores rurais por meio das Escolas Normais
Rurais, especialmente após a Constituição Federal de 1946, que, a partir da lei Orgânica do
Ensino Normal, estabeleceu novas diretrizes para a educação no país, contemplando Escolas
Normais Regionais.
Além disso, ainda no campo educacional, foram desenvolvidas pelos governos
estaduais, em parcerias com a União, políticas voltadas para a permanência no meio rural. Em
27
1945 foi criada a Comissão Brasileiro-Americana de Educação de Populações Rurais –
CBAR, que tinha como finalidade a implantação de projetos educacionais e o
desenvolvimento das comunidades rurais, se destacando a elaboração de três subprogramas:
Os Centros de Treinamentos, as Semanas Ruralistas e os Clubes Agrícolas.
Ao término do Estado Novo foi elaborada a Constituição Federal de 1946, de cunho
liberal e democrático, que no campo educacional determinou a obrigatoriedade do ensino
primário e deu competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação
nacional. Regulamentou o ensino primário, o ensino normal e o ensino agrícola, por meio das
leis: Lei Orgânica do Ensino Primário, Lei Orgânica do Ensino Normal e Lei Orgânica do
Ensino Agrícola.
De acordo com o Decreto-lei nº 8.259, que promulgou a Lei Orgânica do Ensino
Primário a 02 de janeiro de 1946, a organização do ensino primário ficou dividida em duas
categorias: Ensino Primário Fundamental e Ensino Primário Supletivo. O ensino primário
fundamental subdividiu-se em ensino primário elementar com duração de quatro anos, e
ensino primário complementar com duração de um ano para crianças de 7 a 12 anos. O curso
supletivo primário tinha duração de dois anos e seu objetivo era promover a educação
primária a adolescentes e adultos que não tinham concluído o curso primário (BRASIL, Lei
Orgânica, 1946).
A partir dos anos 1950 iniciam-se de uma forma mais sistemática os programas
sociais do Governo Federal em parceria com o ministério da Agricultura e Ministério da
Saúde. Esses programas educacionais foram denominados como Extensão Rural, e se
configuraram enquanto assistência técnicas educativas (BAREIRO, 2007). Destacam-se
desses programas de extensão intitulado Campanha Nacional de Educação Rural – CNER –
que era um programa que prestava serviço educativo ao meio rural, preparava técnicos e
contribuía no sentido de melhorar a vida dos trabalhadores rurais em relação à saúde e
higiene, moral e civismo; e o Serviço Social Rural – SSR – que desenvolvia projetos e
programas visando a preparação técnica rural nas áreas de educação, saúde, trabalho,
associativismo, economia doméstica, entre outros. Destacam-se também as Missões Rurais
em parceria com a igreja católica e a Campanha nacional de Alfabetização de Adultos.
Estes eram pacotes educacionais estabelecidos por meio de acordo entre os Estados
Unidos e o Brasil e se tratavam de cursos rápidos, práticos e ocasionais, delimitados por ações
28
assistencialistas, sem discussão sobre os problemas existentes com os agricultores atendendo
apenas as necessidades imediatas (BAREIRO, 2007).
Cabe salientar que o tipo de ensino ofertado no meio rural não foi o responsável pela
migração do indivíduo rural para a cidade, uma vez que para os trabalhadores rurais o
conhecimento sempre tenha sido negado, sendo ofertado uma escola com programas de
ensino voltado para a instrução rudimentar – escola com uma proposta de ensino diferente da
educação ofertada para a população que vivia na cidade. Os povos do meio rural migravam
para a cidade porque era a alternativa mais viável encontrada, em busca de melhores
condições de vida. Nesse sentido:
A escola não é responsável pelo êxodo rural, pois não cabe a ela a
incumbência de fixar o homem nesse ou naquele meio. Se as condições
econômicas não forem favoráveis à manutenção dos trabalhadores rurais no
campo, não há qualidade de escola que garanta sua permanência ou fixação
no lugar. Por ser a economia que determina, em última instância, as formas
de organização de um povo, somente ela, mediada pela política, poderia
fazer com que o trabalhador rural passasse a ter acesso à terra, aos
equipamentos agrícolas e às condições de sobrevivência favoráveis que
pudessem mantê-lo em sua atividade agrícola (BAREIRO, 2007, p.25/26).
A fixação do homem no campo demandava várias políticas públicas (fomento,
assistência técnica, educação, saúde, moradia, entre outros fatores que que garantiriam a
melhoria da qualidade de vida destes sujeitos. Logo não cabia à escola dar respostas e
soluções aos problemas que envolviam a população trabalhadora rural, mas ao Estado, uma
vez que este era o responsável pelo desenvolvimento de políticas sociais e econômicas com
vistas à melhoria de vida das pessoas.
Os debates em torno da educação rural ao longo da primeira metade do século XX
apontam para o sentido de que ainda que o Estado tenha desenvolvido políticas educacionais
visando a educação nos meios rurais, essas políticas demonstravam um caráter muito mais
voltado para o âmbito econômico de produção objetivando o aumento da produtividade do
campo, ao passo que a escolarização do ensino primário rural permaneceu com os mesmos
problemas, como por exemplo, o elevado número de professores leigos e as condições de
infraestrutura precária das escolas rurais. Dessa forma, as representações de que os indivíduos
rurais eram de “menor valor” e que para estes bastava apenas a instrução de ler, escrever e
fazer conta perduraram na sociedade.
29
1.3 O Ensino Rural em Mato Grosso
Mato Grosso durante a primeira metade do século XX se constituía como um estado
eminentemente rural. A população rural era composta pelos povos indígenas, trabalhadores da
pecuária, da agricultura, do extrativismo, da indústria ervateira (porção sul do estado), e,
ainda, pela população ribeirinha rural que se ocupavam da pesca, caça, horticultura, entre
outras atividades de subsistência.
A partir dos anos 1940, o estado iniciou a política de colonização por meio da
Marcha para o Oeste, política de povoação do Governo Getúlio Vargas que tinha como
objetivo ocupar os “espaços vazios” – expressão essa que na época passava a ideia de espaço
desocupado, ignorando se assim a presença indígena, por exemplo. Dessa forma, o espaço
rural passou a ter a necessidade de ser ocupado e integrado à economia nacional
(PERIPOLLI, 2002).
Esse Projeto de Colonização também se configurou como uma forma de fixar o
homem ao campo, pois conduzia os povos de uma região rural à outra. Foi planejado no
contexto do plano econômico do Estado Novo, envolvendo todos os setores da economia
nacional, dentre eles o setor da agricultura. Segundo Furtado, Schelbauer e Sá (2015, p. 119).
Nesta política adotada por Vargas a criação das colônias estava diretamente
ligada à fixação do homem no campo, por meio da implantação da pequena
propriedade, pois tinha em vista a necessidade de expansão das relações
capitalistas de produção e consequentemente do capital agrícola.
Dessa forma, percebe-se o aumento na população rural, e com isso a ampliação do
número de escolas rurais em Mato Grosso. Contudo, o acréscimo do número dessas escolas
não foi realizado por meio de construções de prédio e investimentos em recursos didáticos,
mas somente como resultado de número de decretos de criação de escolas isoladas rurais as
quais continuavam em sua maioria funcionando em casas alugadas por terceiros ao Estado
(Furtado; Schelbauer; Sá, 2015). Nesse sentido, destaca-se o decreto nº 53 de 18 de abril de
1942, do interventor Júlio Muller, que criou cem escolas rurais de instrução pública primária,
as quais não foram instaladas imediatamente após a sua promulgação.
Desse modo, mesmo que em âmbito nacional e regional houvesse o discurso voltado
para a melhoria nas condições do ensino primário, em Mato Grosso foi possível identificar
30
mais investimentos nas escolas graduadas que se localizavam em regiões urbanas do que nas
escolas rurais, como explica Alves (1998, p. 112)
O que se verificava na prática, era o predomínio de escolas isoladas,
criticadas desde as primeiras décadas da República como ineficientes.
Destacavam-se apenas os grupos escolares e escolas reunidas urbanas, nos
quais se aplicavam métodos mais modernos, os prédios apresentavam
melhores condições e o quadro de professores era mais qualificado.
Nos anos que seguiram o término do Estado Novo, houve diversas mudanças no
campo político, as quais desdobraram-se também na esfera educacional. Brito (2002, p.17)
assinala que:
Quanto ao aspecto legal, este novo momento levou às mudanças de várias
propostas regulamentadoras então em vigor, fruto, sobretudo do esforço de
adaptar a educação em Mato Grosso ao conjunto de reformas introduzidas,
ainda no final do Estado Novo, com as chamadas Leis Orgânicas. Assim
surgiram entre outras, uma nova regulamentação para o Ensino Normal
(Decreto n. 50, de 31 de dezembro de 1948), além da discussão e aprovação,
pela Assembleia Legislativa Estadual, da Lei Orgânica do Ensino Primário
do Estado de Mato Grosso, em novembro de 1951.
As legislações educacionais voltadas para o ensino primário e para o curso de
formação docente pontuadas por Brito (2002) tiveram como referência a Lei Orgânica do
Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino Normal, ambas promulgadas em 1946. A nova
Lei Orgânica de Ensino Primário de Mato Grosso foi publicada pelo Decreto Lei n. 452, em
23 de novembro de 1951.
Mesmo mediante a nova regulamentação que substituiu a anterior, que ficou em
vigor por 24 anos, e as iniciativas do governo para criação de escolas isoladas rurais, em 1950
ainda reclamava-se acerca da precariedade de escolas para atender a população rural. Em
1952, o governador Fernando Corrêa da Costa versava sobre a necessidade de “distribuir
escolas numa área imensa entre a população tão apoucada” (MATO GROSSO, Mensagem,
1952, p.26).
Além de continuarem em número insatisfatório, as escolas rurais criadas não
melhoraram os resultados do desempenho dos alunos que residiam na zona rural. O
governador, Correa da Costa justifica o insucesso do ensino primário rural atribuindo a
responsabilidade quase que exclusivamente à falta de formação dos professores. Em suas
palavras:
31
Somos forçados a reconhecer que o ensino de Mato Grosso está sofrendo
uma perigosa involução, um ressaltante retrocesso. Para as escolas das
cidades, especialmente dos que oferecem melhores condições de conforto, o
de progresso, ainda, se obtém professores, o que não se registra quando se
trata do preenchimento das unidades rurais. Diante dessa contingência, as
mais das vezes, vemos guindados à posição de professor semialfabetizados.
(MATO GROSSO, Mensagem, 1952, p.26)
É interessante observar que em 1937 o governador Júlio Muller desativou as escolas
normais alegando haver um número excedente de professores primários habilitados. Dez anos
depois as mesmas foram reativadas, sendo que o curso de formação docente ficou sob a batuta
de particulares. Questiona-se assim a intencionalidade da decisão do interventor a respeito do
fechamento das escolas normais, pois treze anos depois a presença de professores
“semialfabetizados” é apontada pelo governo. Assim, como medida para resolver essa
situação foram instituídos cursos de férias a partir de 1950 em várias cidades do estado.
Incoerentemente, em contraposição à reclamação do governador Corrêa da Costa e a
instituição do curso de férias, o governo realizou um concurso para efetivação de professores
leigos e qualificados, no qual foram aprovados 489 profissionais em todo o estado (MATO
GROSSO, Mensagem, 1950).
Além das mudanças na legislação e na formação docente, houve ainda convênios
com o governo federal que, por meio de acordos entre Ministério da Agricultura e Ministério
da Educação, desenvolvia os programas de Extensão Rural. Em Mato Grosso ocorreu a
ampliação da instalação dos Clubes Agrícolas anexos às escolas rurais em doze regiões nos
municípios de Aquidauana, Bela Vista, Bonito, Camapuã, Campo Grande, Corumbá, Coxim,
Dourados, Livramento, Poxoréo, Ponta Porã, Rosário Oeste, Nioac e Cuiabá. Em Cuiabá
esses clubes agrícolas seriam instalados em Chapada dos Guimaraes e Águas Quentes
(MATO GROSSO, Mensagem, 1952).
Houve ainda acordos entre o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP – e o
Estado dentre os anos de 1946 a 1949 para construção de Escolas Rurais e Granjas Escolares,
bem como, instalação de duas Escolas Normais Rural, em Ponta Porã e Bela Vista (MATO
GROSSO, Mensagem, 1952). Contudo não se tem informação sobre suas respectivas
instalações.
Diante do exposto, observa-se que em Mato Grosso buscou-se investir na expansão
escolar com o intuito de atender a população rural, bem como, firmou-se parcerias com
órgãos federais, como o Ministério da Agricultura, Ministério da Educação e INEP, adotando
32
os pacotes educacionais norte-americanos para o ensino agrícola, fruto das discussões do
Ruralismo Pedagógico nos anos anteriores, e também com o objetivo de “atender as
demandas da hinterlândia mato-grossense. O que significou a continuidade, e em certa
medida, o reforço da proposta de expansão do ensino primário preferencialmente nas áreas
rurais, na qual se concentrava a maioria da população do estado” (BRITO, 2002, p. 7).
Por mais que os governantes tenham desenvolvido políticas e ações em função do
ensino rural, estas não foram suficientes para alavancar a escolarização rural em Mato Grosso,
visto que o estado ainda apresentava um elevado número de analfabetos e a maioria dos
professores era leiga. Percebe-se ainda que as ações em torno da educação rural estavam
voltadas para um ensino técnico agrícola, tendência na educação naquele momento na qual se
pensava em instruir o trabalhador rural para o trabalho no campo, indícios da apropriação dos
princípios do ruralismo pedagógico.
1.3.1 O discurso do Ruralismo Pedagógico em Mato Grosso e o papel do professor
Mato Grosso não vivenciou durante os anos 1930 a adversidade do êxodo rural, ao
menos na proporção vivenciada por alguns estados das demais regiões do país, pois o
ruralismo pedagógico teve repercussão e se fez presente nos discursos dos intelectuais da
educação e representantes políticos da época. Dentre eles destacam-se Gervásio Leite e
Francisco Ferreira Mendes que participaram do 8º Congresso Brasileiro de Educação, no qual
o ensino rural teve destaque, e que expressaram em suas teses preocupações com o ensino
rural, apresentando propostas em consonância com o movimento ruralista. Nelas apontaram
os problemas do ensino rural afirmando a falta de qualidade da escola rural, bem como a
necessidade de adequá-la a singularidade do cenário rural, cuja mediação seria de
responsabilidade do professor.
Dessa forma, nesse subitem da dissertação, busca-se compreender as representações
desses intelectuais acerca do ensino rural e do papel do professor, tendo em vista a
importância dada a apropriação9 dos professores das ideias do ruralismo pedagógico.
9 Para Chartier (2002) a apropriação é socialmente determinada por formas desiguais de acordo com classes,
costumes, princípios de organização e consensos socialmente compartilhados. É, portanto, o modo como os
indivíduos dão significado ao que veem e leem. É a construção de sentido e interpretação. E é, por definição,
histórica. (CHARTIER, 2002)
33
O diretor do Departamento Nacional de Estatística de Mato Grosso, Gervásio Leite,
em 1942, apresentou sua tese, no 8º Congresso, na qual explicitou os problemas do ensino
rural do estado. O autor expressou sua análise sobre a crise da escola primária, ressaltando
que a instrução pública primária na zona rural deveria ser fator de valorização do homem do
campo. Destacou a necessidade de serem tomadas medidas urgentes para uma política
educacional que melhorasse a qualidade do ensino rural e, com isso, garantisse a permanência
do homem no campo. No que diz respeito ao papel do professor, alertou sobre a necessidade
de investir na sua formação e remuneração. Segundo ele, o sucesso da escola estaria
condicionado ao papel do professor:
Os professores rurais não têm nenhum preparo especial, não são habilitados
por uma escola especializada no conhecimento daquelas indispensáveis
noções necessárias para se tornarem de fato, professores especializados. Não
podendo se orientar no sentido de conhecer e tentar encaminhar resoluções
para os problemas do meio a que servem, passam, então, a ensinantes do”
ler, escrever, e contar” [...] o professor na zona rural não deve ser apenas
professor, mas, também, o consultor agrícola, o contabilista, o enfermeiro, o
conselheiro. Ele deve ser visto pelos pais de seus alunos como um
conhecedor dos problemas capaz de minorar seus sofrimentos (LEITE, 1942,
p. 16-17).
Conforme o autor, devido a falta de preparo do professor o ensino torna-se limitado à
instrução do ler, escrever e contar, sendo preciso investir na formação dos professores rurais,
tornando-os capacitados tanto para instrução quanto para atuar na comunidade rural, atuando
com conhecimentos agrícolas, de contabilidade, enfermagem, entre outros. Ou seja, segundo o
autor, caberia ao professor rural ser o “faz tudo” na comunidade, minorando as necessidades
do homem do campo. O autor também ressalta a importância de investimentos na formação
do professor rural, ao afirmar que:
Para a manutenção eficiente da escola rural é indispensável estabelecimento
adequado capaz de formar “professores rurais”, inclinados à vida rural que
tenham “alma de ruralistas” e que possam desse modo acentuar em nossos
caipiras um gosto pela vida agrícola, quer por um lado, facilitando-lhes
conhecimento de noções e práticas modernas de agricultura, de higiene e de
saneamento, como, de outra parte, evitando um ensino urbanizado, que faça
da cidade um permanente centro de atrações. (LEITE, 1942, p. 16-17).
Percebe-se na tese de Leite as representações do homem rural presentes na sociedade
brasileira, tais representações levam a denominação destes de “caipiras” e, por isso, a eles
cabiam os ensinamentos agrícolas, noções de higiene (porque não eram considerados afeitos à
34
limpeza e higiene pessoal) e saneamento. Torna-se interessante observar que ao morador rural
dever-se-ia evitar um ensino urbanizado, de modo que este não desenvolvesse o desejo de se
deslocar para as cidades. Apesar disso, o que se percebe é que o ensino rural era determinado
pelos interesses que fomentavam a vida urbana. Nesse sentido Almeida (2011, p. 287) explica
que:
A educação rural é vista como um instrumento capaz de formar, de modelar
um cidadão adaptado ao seu meio de origem, mas lapidado pelos
conhecimentos científico endossados pelo meio urbano. Ou seja, é a cidade
quem vai apresentar as diretrizes para formar o homem do campo, é de lá
que virão os ensinamentos capazes de orientá-lo a bem viver nas suas
atividades, com conhecimentos de saúde, saneamento, alimentação
adequada, administração do tempo, técnicas agrícolas modernas amparadas
nas ciências, etc.
O diretor da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes, também escreveu uma
tese para o 8º Congresso através da qual especificou as ruralidades mato-grossenses revelando
a fragilidade do ensino rural, como por exemplo, a falta de inspeção, a precariedade das
condições do ensino, de recursos didáticos e as dificuldades enfrentadas pelos professores.
Defendeu em sua tese que:
A professora nomeada para a regência da escola, não conhece o lugar e o
meio em que vai servir, mas, precisa ganhar a vida e a subsistência da
família (...) quando tem forças reage e consegue mudar se, para outro meio
onde, muitas vezes, vai encontrar os mesmos ou novos embaraços. Com isso,
leva a professora o tempo a pensar no período das férias para regressar ao
lar, de onde, com muito custo, constrangida, no início do novo ano escolar,
volta a retomar a atividade, sem nenhum estímulo e sempre contrafeita.
(BRASIL, Anais, 1942, p.199).
A partida da professora que foi criada e estudou na zona urbana para lecionar na zona
rural foi criticada por Ferreira Mendes, uma vez que essa trajetória seria repleta de obstáculos
e sofrimentos, levando-a a trabalhar de forma desmotivada pela situação e realidade
encontrada, tão adversa da realidade urbana. A respeito do papel do professor no ensino rural,
o autor conclui sua tese enfatizando que esse só tomará outros rumos a partir do momento em
que houver no estado professores capacitados para dar conta de atender as exigências
existentes.
O problema do ensino primário mato-grossense, para alcançar os objetivos
mais sadios do nacionalismo pátrio dentro da verdadeira realidade brasileira,
está na dependência, primeiramente de formação profissional dos
professores. Sem este elemento, educado e bem formado tendo o espírito
35
preparado para a compreensão do grande e nobre dever de preceptor e
formador do futuro da terra comum, toda organização que ser ao ensino
primário, por mais completa que seja, não chegará nunca atingir com
eficiência os fins da educação da infância. (BRASIL, Anais, 1942, p. 200).
Desta forma, percebe-se que o professor era considerado pelo autor a pessoa
responsável pela melhoria na qualidade do ensino; sendo o protagonista desse processo,
necessitaria de formação adequada, sem a qual não haveria possibilidade de avanços. Para
Almeida (2011) “pode se dizer que há uma omissão do Estado e, as responsabilidades
educacionais são transferidas ao professor. Ele é o agente que deveria lutar por melhorias nas
regiões em que trabalhava, e via de regra sozinho” (ALMEIDA, 2011, p. 286). Sendo assim,
essas representações sobre o professor do meio rural enquanto protagonista do ensino rural
consideravam as condições de ensino sobre as quais este exercia seu trabalho.
Através das discussões apresentadas por esses intelectuais, foi possível perceber que
suas representações do papel do professor na zona rural decorriam da apropriação das ideias
ruralistas, pois esperavam desse profissional não somente a formação para o exercício de suas
funções, como também conhecimentos considerados importantes para a comunidade rural. Ao
identificar a formação do professor como viés necessário para a melhoria na qualidade do
ensino rural, esses intelectuais demonstraram um descompasso com a política educacional
atuante, uma vez que Mato Grosso havia desativado suas escolas normais, reduzindo a oferta
de formação de professores nas redes públicas, deixando essa responsabilidade apenas por
conta das instituições particulares.
1.3.2 As diretrizes para o ensino rural em Mato Grosso
De 1927 até 1952 o ensino primário em Mato Grosso se pautou pelo Regulamento da
Instrução Pública Primária – Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927 – que, conforme dito
anteriormente, vigorou por 24 anos quando foi substituído pela Lei Orgânica do Ensino de
Mato Grosso – Decreto nº. 452 de 28 de novembro de 1951.
O Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927 instituiu mudanças no que diz
respeito à organização das escolas primárias, com o desmembramento das escolas isoladas,
ficando estas organizadas em escolas isoladas rurais, escolas isoladas urbanas, escolas
isoladas noturnas, escolas reunidas e grupos escolares, dando um novo aparelhamento para as
escolas.
36
A escolarização era obrigatória e gratuita a todas as crianças normais, analfabetas, de
7 a 12 anos, que residissem até dois quilômetros da escola pública, conforme artigo 3º. Em
relação às escolas rurais, a obrigatoriedade era limitada às crianças que residissem a mais de 3
quilômetros dos centros urbanos.
O Art. 6º do regulamento estabelecia que a escola rural tinha como objetivo ministrar
a instrução primária rudimentar, com um período de dois anos de duração, já nas demais
escolas isoladas e nas escolas reunidas a duração do ensino era de três anos e nos grupos
escolares, quatro anos. Essa diferença entre as modalidades escolares evidencia a diferença
entre as escolas rurais e as demais modalidades, pois, seu currículo era aligeirado, composto
de “instrução rudimentar” (MATO GROSSO, Regulamento, 1927, Art. 6º), em contraposição
ao que fora apregoado pelos escolanovistas que defendiam um ensino comum.
Observa-se nas orientações pedagógicas vestígios da influência das ideias da Escola
Nova, “evidenciando um novo olhar à educação da infância” (SÁ, 2016, p.283).
O regulamento versa:
No Art. 91 - diretrizes para o método pedagógico e prescrições pedagógicas
para os professores estabelecia que:
1. Passarão sempre, no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o
abstrato, do simples para o composto e o complexo, do imediato para o
mediato, do conhecido para o desconhecido;
2. Farão os mais longos empregos da intuição;
3. Conduzirão a classe às regras e às leis pelo caminho da indução;
4. Conservarão de vista finalidade educativa e procurarão o melhor
caminho para alcança-la.
5. Empregarão, no ensino da leitura o método analítico;
6. Estudarão os seus alunos para os conduzir de acordo com a capacidade
de cada um;
7. Promoverão pela instrução o desenvolvimento harmonioso de todas as
faculdades infantis;
8. Transformarão os seus alunos em colaboradores;
9. Transformarão as suas lições interessantes;
10. Evitarão a rotina e acompanharão de parte as lições, a experiência
dialética e da ciência pedagógica. (MATO GROSSO, Regulamento, 1927,
Art. 91).
Sobre as questões pedagógicas Sá (2016, p. 283) afirma que:
Como é possível verificar, embora mantenha o uso do método intuitivo,
fazendo o uso da indução e do ensino verbalista, o regulamento inovou ao se
preocupar com a figura da criança, adequando o ensino à sua capacidade
individual, tornando-a coparticipante das aulas e propiciando-lhe um
desenvolvimento harmônico.
37
Todavia, considerando as condições de ensino das escolas rurais, bem como as
condições de formação dos professores que nelas atuavam, é possível perceber que não havia
possibilidade de se aplicar as práticas pedagógicas das proposições escolanovistas. Nesse
sentido não havia orientação pedagógica aos professores rurais, logo os mesmos faziam seus
planejamentos e acabavam por ensinar do modo com que foram ensinados – ou seja, em
princípios diversos daqueles da Escola Nova. “Além disso, colocar em práticas as ideias
escolanovistas em circulação pelo país, que impregnava a formação com novas concepções e
metodologias, também não era possível em um estado com problemas tão estruturais” (SÁ;
RODHEN, 2015, p. 130).
Ademais, conforme Sá & Sá (2011) tal reforma se empenhou mais nas questões
administrativas, evidenciando mais preocupações com a “reorganização do aparelho escolar
do que para a incorporação de novos padrões pedagógicos, a exemplo que se deu em outros
estados” (SÁ; SÁ, 2011, p. 171).
Embora este Regulamento tenha sido de importância para o contexto social e político
em que foi concebido, com o passar do tempo o mesmo foi se tornando obsoleto em virtude
das diferentes demandas que surgiram nos anos seguintes à sua instalação, fato este que levou
os governantes a revogarem alguns de seus artigos e alterarem outros, o que dificultou muito
o seu cumprimento, como informou o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo em
mensagem à Assembleia legislativa em 1949:
Este ramo de ensino está necessitando de um novo Regulamento eis que o
atual regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Grosso baixado
pelo decreto n. 75, de 22 de abril de 1927, além de obsoleto, ainda ocorre a
circunstância de se achar anexado mesmo diversas leis especiais, umas
revogando seus artigos e outras alterando-os, o que determina dificuldades
no seu cumprimento. (MATO GROSSO, Mensagens, 1949, p. 25).
Acredita-se que em função das novas exigências os governantes recorriam às
revogações e alterações do Regulamento, pois tal legislação não poderia ser alterada até que o
Ministério da Educação e Saúde promulgasse direcionamentos para a educação pública
primária nacional. Desse modo, a Lei Orgânica do Ensino de Mato Grosso foi fundamentada
nas disposições da Lei Orgânica Federal do Ensino Primário de 1946, publicada pelo Decreto
Lei n. 452, em 23 de novembro de 1951. Lei que só entrou em vigor em 1952.
No que diz respeito à organização do ensino primário, as diretrizes seguiram as
orientações nacionais estabelecendo quatro anos de duração para o curso primário, dividindo-
38
o em ensino fundamental primário elementar, complementar e supletivo. Porém, o curso
supletivo tinha a duração de dois anos (MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951). De acordo
com a lei o ensino primário elementar poderia ser oferecido nos seguintes tipos de escolas
mantidas pelo poder público:
Escola Isolada (E.I), quando possua uma só turma de alunos, entregue a um
só docente.
Escolas Reunidas (E.R), quando houver de duas a quatro turmas de alunos, e
número igual ou superior de docentes.
Grupo Escolar (G.E), quando possua cinco ou mais turmas de alunos, e
número igual ou superior de docentes.
Escolas Supletivas (E.S), quando ministre ensino supletivo, qualquer que
seja o número de turmas de alunos e de professores. (MATO GROSSO, Lei
Orgânica, 1951, Art.26º).
Dessa forma, as Escolas Isoladas e Escolas Reunidas poderiam ministrar somente o
curso primário elementar, cabendo o curso complementar somente aos Grupos Escolares
(MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951, Art. 28º).
Essa legislação passou a classificar as escolas isoladas, bem como as demais
modalidades, de acordo com a localização das mesmas, não discriminando a distância em
relação à cidade ou à escola:
Para efeito estatístico e estudos de planejamento será juntado, as designações
mencionadas nos artigos anteriores, o qualificativo urbano, distrital ou rural
segundo a localização do estabelecimento e designação numérica, destinada
à sua pronta identificação em cada município. (MATO GROSSO, Lei
Orgânica, 1951, Art. 31º).
O ensino primário elementar oferecia em seu currículo articulações com os cursos de
artesanato, de aprendizagem agrícola e industrial, e o curso primário complementar
disponibilizava os cursos ginasial, industrial e de formação de ensino elementar. Já os cursos
supletivos, ofereciam os cursos de aprendizagem agrícola, industrial e artesanato em geral
(MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951, Art. 5º).
Quanto ao programa, o curso primário elementar compreendia quatro anos de estudo
desenvolvendo o seguinte programa:
I – Leitura e linguagem oral e escrita.
II – Iniciação matemática.
III - Geografia e história do Brasil.
IV – Conhecimentos gerais aplicados. (MATO GROSSO, Lei Orgânica,
1951, Art. 7º).
39
Percebe-se que a Lei Orgânica do Ensino de Mato Grosso fundamentada nas
disposições da Lei Orgânica Federal do Ensino Primário de 1946 apresentou modificações
garantindo o ensino obrigatório, gratuito; mas, por outro lado, demonstrou o interesse em
garantir uma instrução mínima instrumental aos alunos das classes trabalhadoras, quando
articulou ao ensino primário aos cursos de aprendizagens de natureza técnico-profissionais
nas áreas agrícolas, industriais e de artesanato.
Nesta perspectiva, em relação às escolas isoladas rurais, percebe-se que houve
avanços em relação à duração do curso, de dois passou para quatro anos, porém permaneceu
com a mesma característica unidocente na qual só um professor ministrava o ensino para
alunos de diferentes idades e níveis de aprendizagem. Nessas disposições, as escolas isoladas
rurais continuaram obedecendo a um mesmo programa de ensino, contudo, com condições de
organização e funcionamento diferente, indicando que essas escolas permaneciam num plano
inferior nas políticas públicas educacionais, evidenciando assim as desigualdades existentes
entre esses tipos de escolas.
Neste contexto, as discussões e ações em torno da educação primária em Mato
Grosso, no período em estudo, também são resultado de discussões desencadeadas pelo
desenvolvimento industrial em que se configurava o país, o qual se reivindicava instruções
mínimas à população trabalhadora.
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CAPÍTULO 2: A HISTÓRIA DO DISTRITO DE BOM SUCESSO E DA ESCOLA
RURAL MISTA DE BOM SUCESSO
Neste capítulo serão abordados aspectos da história do Distrito de Bom Sucesso
destacando o contexto socioeconômico e cultural da povoação no período de 1937 a 1952 e da
Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Entende-se que o contexto histórico da vila/distrito irá
contribuir para a compreensão do cenário histórico em que se configurava a escola.
É importante ressaltar que devido à escassez de obras que tratem da história do lugar,
e, por conta de uma enchente ocorrida em 1974 que destruiu quase todo o arquivo escolar da
Escola Rural Mista de Bom Sucesso, as fontes documentais utilizadas são somente as
localizadas no Arquivo Público de Mato Grosso e depoimentos de alguns ex-alunos e
moradores.
2.1 O Distrito de Bom Sucesso
Decepar a cana
Recolher a garapa da cana
Roubar da cana a doçura do mel
Se lambuzar de mel
Chico Buarque e Milton Nascimento
Chico Buarque e Milton Nascimento, nos versos da canção Cio da Terra,
homenageiam o laborioso trabalho agrário. Roubar da cana a doçura do mel, prática
constante da população ribeirinha de Bom Sucesso que desde o século XIX explora a cana-de-
açúcar como fonte de subsistência.
A povoação de Bom Sucesso, comunidade rural ribeirinha está localizada a 15
quilômetros de Várzea Grande, 3º distrito do município de Cuiabá. Situado à margem direita
do rio Cuiabá, Bom Sucesso passou a ser distrito em 1948 Pela Lei estadual número 126, de
23 de setembro, com a emancipação de Várzea Grande. É formada por duas ruas paralelas ao
rio Cuiabá, sendo uma rua principal na beira do rio e outra paralela a esta.
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A povoação10 de Bom Sucesso surgiu por meio da ocupação de terras em torno do rio
Cuiabá no decorrer do século XIX, período da exploração da cana-de-açúcar e da mineração
em Mato Grosso. Segundo Ferreira (1999) as povoações próximas à Várzea Grande foram
formadas por grupos de famílias estabelecidas em determinadas áreas ribeirinhas que fixaram
lavouras ou portos de travessias do rio e abastecimento de embarcações a partir de 1800.
Dessas povoações se destacam: Bom Sucesso, Passagem da Conceição e São Gonçalo. Sobre
a origem de Bom Sucesso, Monteiro registra que:
As terras do povoado, todas ribeirinhas foram áreas que o cidadão Justino
Claro foi adquirindo para formar seu sítio, onde florescem os canaviais, que
não só destinavam ao fabrico da famosa rapadura de Bom Sucesso, como
alimentavam os engenhos e alambiques na fabricação de aguardente e do
açúcar de barro 11, tão comum no século passado (MONTEIRO, 1987, p.
99).
Com o falecimento do Sr. Claro, essas terras teriam sido divididas por seus herdeiros,
que continuaram com o cultivo de lavouras e constituíram no local um povoado.
Lucas de Albuquerque Oliveira (2008) para escrever o artigo “Os caminhos e
descaminhos do trabalho nos engenhos de rapadura de Bonsucesso”, recorreu ao Arquivo
Público do Estado de Mato Grosso a fim de complementar o relato dos moradores mais
antigos, porém não encontrou o nome de Justino Antônio no índice de requerentes de
sesmarias. Contudo, segundo o autor, o índice fora organizado a partir de 1750 e,
provavelmente, a requisição do senhor Justino Antônio seja de data anterior.
O autor reitera, ainda, que esse nome não consta nas Relações de Possuidores de
Terra, que são documentos que contém o levantamento de propriedades em cumprimento à
Lei de Terras de 1850. No entanto, Oliveira (2008) encontrou um documento de regularização
de terra referente à herança de uma sesmaria situada na região de Cuiabá Rio Abaixo “a única
referência a origem da sesmaria encontrada foi uma pequena nota que se refere ao
requerimento da área de sesmarias, por meio de carta régia de Manoel Ângelo da Silva Claro,
de 04 de março de 1737, por já possuir nas terras: casa, cultivo e engenho” (OLIVEIRA,
2008, p.6). O autor encontrou também nessas relações de possuidores de terras, três herdeiros
com propriedades localizadas em Cuiabá Rio Abaixo com sobrenome Silva Claro: Maria
Dolores da Silva Claro, Antônio Joaquim da Silva Claro, e João Baptista da Silva Claro.
10 Os documentos se referem a Bom Sucesso como povoação, por isso utilizarei dessa grafia. 11 Açúcar mascavo.
42
Nesse contexto, Tavares (2011) relata que documentos em posse de famílias que se
declaram descendentes de Justino Antônio da Silva Claro sinalizam o reconhecimento da
apropriação das terras da região.
A posse destas terras por herança fora a João Baptista da Silva Claro, de uma
parte da grande área, e posteriormente outra área coube a Justino Antônio da
Silva Claro a qual pertencera ao seu pai Manoel Joaquim da Silva Claro.
Assim, visualizou-se com a veracidade as origens de posse dessas terras que
fizeram parte da Sesmaria de Bonsucesso, a família da Silva Claro, os seus
primeiros proprietários, como fim do sistema de donatário por concessão
real. (TAVARES, 2011, p.11)
Nessa interação por meio da agricultura familiar, da pesca e outras atividades de
subsistência as populações fixaram-se no território.
Em relação ao nome do lugar, Silva (2011) em sua pesquisa denominada “A
toponímia em Bonsucesso e Pai André no rio Cuiabá” relata que de início nomeou-se o lugar
de “Custa me ver” em função do matagal e das poucas casas que existiam no lugar. Em
seguida, seu fundador Justino Antônio denominou-o de Bom Sucesso com a convicção que o
lugar ainda seria um sucesso, vislumbrando um futuro promissor para ele. A partir de então o
nome de Bom Sucesso se tornou a identidade do lugar.
A pesca nesse período se dava em virtude da produção do óleo de peixe e para
consumo. Comercializava-se pouco. Passou a ser uma atividade de comércio mais
significativo a partir dos anos 1980 (TAVARES, 2011). O senhor Joaquim Rosa, pescador
aposentado, comenta sobre a pesca naquele tempo: “Nesse tempo nós pescávamos só o
necessário para comer ou dar de presente. Pegávamos muito peixe. Utilizando redes, apenas
para fazer óleo de cozinha, que era vendido no mercado do porto” (ROSA, ANO, apud
TAVARES, 2011, p. 18).
Toda produção dos moradores era comercializada no Mercado do Porto em Cuiabá.
O senhor Belmiro recorda do tempo em que atravessava de canoa o rio para vender na feira do
Porto, em Cuiabá, a produção de sua família em Bom Sucesso durante os anos 1940:
Eu remei muito de canoa, quando o rio estava cheio tinha que sair bem
cedinho pra chegar de tardezinha. A gente ia, pousava lá. Quando era quatro
horas... Antes das quatro, o povo ia descendo. Tinha frango, lenha,
rapadura... e vendia tudo, quando era sete horas não tinha mais nada. No
mercado era mesma coisa, enchia de peixe, quando era oito horas já não
tinha mais nada. O peixe era vendido para alguns consumidores, e a maioria
era para aqueles “carrinheiros” que botava no carrinho e saia vendendo: -
43
Olha o peixe! -Olha o peixe! -Olha o peixe! Naquele tempo a cidade era
mais bonita, em 1942 foi feito a ponte. A gente ia com canoa e pousava lá.
Chegava de tardezinha o povo da cidade descia pra ver o rio correr, pra ver a
ponte. Na quinta e domingo tinha banda no coreto. (BELMIRO ROSA,
depoimento, 23/08/17).
As recordações de Senhor Belmiro Rosa remetem a um período em que para boa
parte da comunidade o rio ainda era o principal meio de transporte e estabelecia uma relação
entre o mundo rural e o urbano. Ele conserva em suas lembranças o tempo dessa relação que
era de muito trabalho e dificuldades para transportar na canoa, a remo, os produtos para o
comércio do Porto. Lembra-se também do júbilo em contemplar a nova ponte construída
sobre o rio Cuiabá fazendo a ligação com a cidade de Várzea Grande.
De fato, a povoação era uma das localidades rurais que abastecia a capital com
diversos mantimentos. Oliveira (2012) relata que nos Anais dos Geógrafos Brasileiros
referentes aos anos 1952 e 1953 há registros destacando as regiões ribeirinhas como as
principais abastecedoras de víveres para o comércio do Porto:
Ao visitante que atinge a área do Porto alta madrugada impressiona. Além da
chegada do pescado, a abundância e variedade de hortaliças, trazidas
também como o peixe em embarcações do mesmo tipo. Tomates
avantajados, couve, rabanete, feijão fava, pimentão, quiabo, cebolinha, etc.,
enchem as canoas e são vendidos à luz de lamparinas direta e livremente aos
carrinheiros, ali chegam a aglomerar uma frota de 50 carrinhos.
(AZEVEDO, 1957, p.64 apud OLIVEIRA, 2012, P.15).
A base da economia de Bom Sucesso nesse período girava em torno da cana de
açúcar. Os derivados da cana de açúcar eram os produtos que mais se destacavam na
comercialização. Por meio da agricultura familiar cultiva-se a cana e o milho para alimentar a
criação de animais e, ao mesmo tempo, produzir rapadura e aguardente (SILVA; MARTA,
2011).
Nesse período a maioria da população tinha engenhos de rapadura. O engenho era
uma manufatura na qual se realizava o fabrico da rapadura de forma artesanal. Nele era feito a
moedura da cana de açúcar e todo o processo de cozimento da rapadura. Esse processo
rudimentar é realizado até hoje nos poucos engenhos que resistiram ao tempo.
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Figura 2 - Senhor Gil João da Silva e crianças da família - Anos 1950
Fonte: Acervo de Dona Albertina Leite da Rosa
A imagem retrata o senhor Gil João da Silva, líder político da época, com crianças de
sua família num carro de boi. O carro de boi além de ser utilizado para transportar a cana de
açúcar da lavoura para o engenho era utilizado como transporte para Várzea Grande e Cuiabá.
O transporte também podia ser feito a pé, através de canoa ou a cavalo. Porém o mais usado
era a canoa, em vista que o custo do carro de boi – uma vez que necessariamente era preciso
ter o animal. Percebe-se que apesar de Gil João da Silva ser o chefe político da localidade, e
ter recursos para possuir um carro de boi, ele estava descalço na fotografia. Os sapatos eram
um item de vestimenta muito caro na época e costumeiramente as pessoas se arrumavam para
os registros fotográficos. Sendo assim, é possível inferir que o andar sem calçados fazia parte
da cultura local.
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Figura 3 - Bom Sucesso antes da enchente de 1974
Fonte: TAVARES – 2011
A imagem acima retrata Bom Sucesso antes da enchente de 1974. As casas eram
feitas de adobe ou pau a pique. As casas de alvenaria só foram construídas após a enchente de
1974 que destruiu toda a povoação conforme relato do senhor Belmiro Rosa:
As casas naquele tempo ou era de adobe ou de pau a pique todas com esteio,
por causa das enchentes, se caía o barro, o telhado ficava. Daí o pessoal
começou a fazer casa só de adobe mesmo, sem esteio, quando veio a
enchente de 74 [...]. De 74 pra cá é que fizemos casa de tijolo antes não tinha
nenhuma (Belmiro, Depoimento, 23/08/17)
A tecelagem também fazia parte do cotidiano da comunidade. Atualmente as redes
são confeccionadas somente por encomenda, no entanto, em outros tempos, Bom Sucesso foi
destaque na confecção da rede de dormir cuiabana, junto com outras comunidades como
Limpo Grande e Capão Grande e a sua produção se dava em maior escala. O que diferencia a
rede cuiabana das demais redes do país, sobretudo das redes do nordeste, é o bordado –
acrescentado com o passar do tempo, bem como a sua maior durabilidade. Essas redes
possuem as “varandas”: rendas bordadas nas laterais da rede que caem em direção ao chão
(PALMA, 1996).
Durante o período investigado, o trabalho no tear era realizado pelas mulheres que o
conciliava com o trabalho doméstico. A tecelagem também era uma atividade de grande
46
importância para as famílias da comunidade, desenvolvida por várias gerações de mulheres,
tecendo a característica própria da produção.
Torna-se importante destacar também, nessa dissertação, os momentos de
manifestação de fé e religiosidade, assim como de lazer em Bom Sucesso. A devoção a São
Benedito e ao Divino Espírito Santo são tradições religiosas católicas que vieram junto com a
colonização portuguesa. Estas são as festas religiosas mais antigas no estado, cultuadas
principalmente na região de Cuiabá. Em Bom Sucesso, as rezas em devoção a São Benedito e
ao Divino Espírito Santo costumavam acontecer nas casas dos moradores da região, seguindo
uma tradição que passou de geração em geração (CAMPO, 2006).
As tradicionais festas juninas, que são festas em devoção a Santo Antônio, São João
e São Pedro, também eram muito celebradas. Segundo Monteiro (1987) era comum na
comemoração de festas juninas a presença dos cantores de cururu12, que atraiam pessoas de
outros povoados para participar delas. Festas populares como o carnaval também eram
comemoradas na povoação, cujos festejos aconteciam nas ruas com vários foliões organizados
em blocos de rua – hábito que ainda vive na memória dos moradores mais antigos.
(TAVARES, 2011).
A comunidade também participativa dos esportes. A imagem a seguir retrata um dos
times de futebol amador de Bom Sucesso durante os anos de 1950, denominado Vila Nova. A
imagem feminina presente na figura é da “rainha” do time. Considerado uma paixão nacional,
o futebol também era muito prestigiado pela povoação na época, que nos momentos de lazer
gostava de praticar o esporte. Na comunidade havia grande presença feminina em volta do
campo para apreciar o esporte e compor a torcida (TAVARES, 2011). Na figura 4, O
depoente Belmiro Rosa encontra-se ao lado da rainha, sua prima.
12 O Cururu é um ritmo regional entoado por violas feitas manualmente e por canções religiosas e sobre o
cotidiano. Geralmente ele é realizado por uma roda de tocadores homens onde também são executadas algumas
brincadeiras (OLIVEIRA, 2013, p.30).
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Figura 4 : Vila Nova - Time de Futebol Amador – Anos 1950
Fonte: Acervo do senhor Joaquim Leite da Rosa
Ana Carolina Borges, em sua obra “Nas Margens da história”, faz uma pesquisa
sobre as ruralidades dos povos ribeirinhos do pantanal norte entre os anos 1870 a 1930. A
autora relata que aos povos rurais ribeirinhos foi atribuído uma ideia de primitivismo, e que os
costumes e valores desses povos iam a contramão da modernidade tão almejada pelo estado
na época. No entanto a autora afirma que as práticas desses ribeirinhos estavam
correlacionadas com o contexto socioeconômico da época:
É preciso lembrar nesse sentido, que os chamados “ribeirinhos” inseridos em
uma sociedade rural, não estavam isolados do processo de bens de circulação
materiais, assim como das grandes propriedades que produziam buscando o
lucro e acumulo de riquezas nem dos discursos eruditos. Ao contrário,
apresentavam-se como agricultores minifundiários e autônomos que se
encontram, portanto, no bojo da “cultura popular” e reproduziam costumes e
valores, atitudes seculares herdadas. No entanto, ao ser praticado
diariamente esse aprendizado se ressignificava, se alterava e se atualizava.
(BORGES, 2015, P.17).
Com esse entendimento, percebe-se que Bom Sucesso era uma comunidade integrada
por pessoas que ao desenvolverem suas atividades de subsistência na lavoura, no engenho, na
48
pesca, no tear, nas trocas, enfim, na dinâmica de suas relações, constituíam-se em pessoas que
produziam e adquiriam saberes. Dessa forma, pode se dizer que Bom Sucesso sendo uma
comunidade ribeirinha é “Testemunho do tempo que resulta de fases históricas marcadas na
cultura mato-grossense. Uma gente que, na barranca do rio, se transformou através de suas
relações, em guardiã de potencial, da cultura e da sabedoria do pantaneiro” (FERREIRA,
1999, P. 139).
2.2 A História da Escola Rural Mista de Bom Sucesso
A Escola rural Mista de Bom Sucesso foi criada por meio do decreto nº 511 – A de
11 de março de 1920, durante o governo de D. Aquino Corrêa. Vigorou até o ano de 1974,
quando a enchente do Rio Cuiabá que atingiu a comunidade destruiu o prédio escolar. Em
virtude disso, a documentação da escola que antecede a esta data foi quase toda perdida
conforme apontado anteriormente.
A escola, que era de responsabilidade do governo estadual, foi desativada e no
mesmo local foi construído outro prédio escolar, passando a ser de responsabilidade do
governo municipal de Várzea Grande, que por meio do decreto nº 163, em 1976, criou a
Escola Municipal Maria Barbosa Martins que funciona até os dias atuais. Ubaldo Monteiro
em seu livro “Várzea Grande: Passado e Presente – confrontos” (1987) escreve a respeito de
uma primeira escola em Bom Sucesso que funcionou a partir de 1908 e foi transferida para
outra localidade em 1915, no entanto, nenhuma documentação foi encontrada sobre tal escola.
Assim sendo, por falta de dados o objetivo desse tópico é analisar a história da Escola Rural
Mista de Bom Sucesso cujo decreto de criação data de 1920, buscando compreender a cultura
escolar no período compreendido entre 1937 a 1952.
Cabe compreender que as escolas isoladas tinham como organização o agrupamento
de vários estudantes de idades variadas e com diferentes níveis de conhecimento ocupando o
mesmo espaço, sob a regência de um mesmo professor. Em Mato Grosso essas escolas foram
desmembradas em Escolas Isoladas Urbanas, Escolas Isoladas Rurais e Escolas Isoladas
Noturnas a partir do Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927, e “deixaram de ser
oficialmente designadas de escolas isoladas para serem classificadas como escolas rurais,
especialmente nos relatórios e mensagens a partir de 1930, de forma mais precisa e pontual”.
(FURTADO, SCHELBAUER e SÁ, 2015, p. 112). Por esse Regulamento de Ensino, em
49
relação às escolas isoladas rurais, as instalações escolares deveriam estar a mais de três
quilômetros da sede do município. Normalmente estas eram mantidas pelos próprios
professores, isto é, ficavam sob a responsabilidade dos professores regentes. A maioria das
escolas isoladas funcionava nas casas dos professores ou em casas de particulares, e, em
ambos os casos, o estado pagava o aluguel. Eram denominadas mistas por constarem nas
mesmas dependências estudantes do gênero masculino e feminino. Contudo, quando havia
número de alunos suficiente, os estudantes poderiam ser separados em virtude de seu gênero.
A Escola Rural Mista de Bom Sucesso funcionou nessas condições até 1952. Em um
primeiro momento a escola esteve instalada na casa do Senhor Miguel Jose da Silva, sendo
ele o professor. Conforme consta em documentos (anexo 4), esse professor pediu remoção
para a região de Aleixo em 1937. E num segundo momento escola funcionou na residência do
senhor Ponciano Gonçalves da Silva, o qual a alugava para o Estado. Conforme recorda
Senhor Belmiro:
Estudei desde Miguel, que nós achamos ele ainda na escola, era sozinho.
Bastante criança era rapaziada feita, moçada feita, que estava atrasada. O
Miguel estava nos últimos anos na escola, dava aula na casa dele, depois que
passou para a Antônia Costa e era lá no Ponciano, depois que construiu
aquela escola ali. (BELMIRO ROSA, Depoimento, 04/11/2017).
Lá no Ponciano eram duas salas. Uma era a escola a outra era dele morar.
Era de adobe [...]. Tinha o quadro negro, mesona bem comprida com bancos,
e as crianças ficava em redor dela (BELMIRO ROSA, Depoimento,
23/08/2017).
Através do depoimento de senhor Belmiro, nota-se que não havia mobiliário
adequado para uma sala de aula, aliás, as péssimas condições que se encontravam tanto nos
aspectos físicos quanto pedagógicos eram característica predominante também nas demais
escolas. No Relatório apresentado por Augusto Moreira da Silva Filho, Inspetor Geral do
Ensino Primário na Zona Norte do Estado em 1938, há o registro das condições precárias das
escolas isoladas rurais:
De toda a zona percorrida, em quase uma centena de escolas, apenas as
situadas nas cidades e vilas, ainda com alguma exceção, acham-se instaladas
em prédios próprios, funcionando as rurais em casebres infectos, mal
arejados e sem o mínimo conforto para os alunos e seus preceptores. Acho
que o Governo do Estado deveria entrar em entendimento com as
Prefeituras, no sentido de conseguir que estas se comprometam a mandar
construir casas apropriadas, nas localidades previamente escolhidas, para
serem instaladas as escolas rurais. (MATO GROSSO, Relatório, 1938, p.
04).
50
Além dessas preocupações, o inspetor chama a atenção no documento para os
recursos didáticos e mobiliários que observou em suas visitas:
É este outro assunto que exige muito boa vontade dos Poderes Públicos, para
que sejam as nossas escolas rurais, urbanas e mesmo as Escolas Reunidas,
providas de mobiliário escolar, que corresponda às necessidades do ensino;
por que não se concebe que uma criança que frequente uma escola para
aprender a ler e a escrever, possa fazê-lo mal acomodada, de cócoras ou
mesmo assentada em um toco ou caixão desengonçado, tirando-lhe todo o
estímulo e gosto pela escola e os professores por mais hábeis e esforçados
que sejam, pouco ou nada poderão fazer em benefício dos seus alunos,
privados dos mais rudimentares elementos. (Ibidem, p. 04).
A fala do inspetor revela o descaso das autoridades evidenciando a dicotomia entre o
ensino ministrado na cidade e no campo, uma vez que as escolas nas regiões urbanas eram
mais assistidas. Mesmo assim, a escola isolada foi a que teve predominância durante toda a
metade do século XX. Funcionando de forma concomitante com os grupos escolares e escolas
reunidas, superavam os demais centros de ensino, segundo dados estatísticos, em número de
alunos e escolas, visto que o estado era eminentemente rural. E, por mais que tenham sido
criticadas suas práticas pedagógicas, as mesmas exerceram relevante papel na escolarização
dos alunos dos meios rurais que a elas puderam ter acesso. É importante ressaltar que em
paralelo havia também um alto índice de analfabetos no estado.
No Arquivo Público do Estado de Mato Grosso foram encontrados alguns registros
que indicam um pouco das práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso, e
revelam algumas características que compõem a história do ensino rural mato-grossense. Num
livro de movimento escolar da instrução publica datado de 1938, consta que dez professoras
passaram pela escola, no período de 1937 a 1949, conforme é possível observar no quadro a
seguir:
51
Quadro 1 - Movimento Escolar 1938
Da nomeação Do compromissoDa
posse
Antônia da Costa Interina 21/05/1937 26/05/1937 27/05/1937
A normalista Antônia da Costa
foi nomeada por ato nº660 de 21
de Maio de 1937. Transferida
por decreto nº2817 de 4 de junho
de ???? Para a Escola de igual
categoria de “Sovaco”.
Joséfina Andrelina da
Silva Interina 05/06/1940 17/06/1940 1º-7-1940
A normalista Jósefina Andrelina
da Silva, foi nomeada por
decreto nº2521 , de 5 de Junho
de 1940.Designada para servir
nas Escolas Reunidas Pedro
Gardes , da Várzea Grande
.Efetuada por decreto de 13 de
março de 1966 “Pedro Gardês”
da Várzea Grande. Efetivada por
decreto de 13 de março de 1966
Ercy Izabel de Lima Adjunta 10/07/1940 12/07/1940
A senhorinha Ercy Isabel de
Lima foi nomeada por decreto
nº2930 de 16 de Julho de 1940.
Exonerada por decreto nº3613,
de 7 de abril de 1941.
Hilda de Souza Bruno Interina 13.5.1946
A senhorinha Hilda de Souza
Bruno, foi nomeada professora
Cl D pode decreto de 13 de maio
de 1946. Exonerada por decreto
de 7 de maio de 1947.
Carlinda Nunes da Silva Adj. 10.7.1946 17.7.1946
A senhorinha Carlinda Nunes da
Silva, foi nomeada professora
adjunta decreto de 10 de Julho
de 1946. Exonerada por decreto
de 9 de maio de 1947.
Hider Rodrigues Nunes Interina 23.5.1947
A professora Hider Rodrigues
Nunes, foi nomeada por decreto
de 23 de maio de 1947. Sem
efeito.
Eremita Constança do
CarmoEfetiva 23.7.1947
A professora Eremita Constança
do Carmo, Cl F foi transferida da
Cachoeira Rica para esta, pó
decreto de 23 de Julho de 1947.
Licenciada, Por decreto de 21 de
julho de 1948, foi designada para
servir na escola urbana mista de
Despraiado durante o
impedimento da prof ª primária
Cl K Cilda Alves Sanginés.
Isabel Vitor da Silva Efetiva Classe
D30.8.1947 11.9.47
A professora Isabel Victor da
Silva. Foi nomeada por decreto
de 30 de agosto de 1947.
Natilde Pereira da Silva Prof Cl D 30.8.1947
A professora Natilde Pereira da
Silva foi nomeada por decreto de
30 de agosto de 1947. Servia na
escola rural mista de “Sovaco”
Marcelina Leite da Silva Prof F 20.4.49
A Prof.ª Marcelina Leite da Silva
foi nomeada por decreto de 20
de abril de 1949, em virtude de
desdobramento Exonerada 17-1-
51.
DATAS
Nome dos professoresEspécie das
nomeaçõesOBSERVAÇÕES
Municipio de Cuiabá “Escola rural mista de Bom Sucesso”
Creada por decreto nº 511 A, de 11 de março de 1920 - Desdobrada
por decreto nº656 , de 18 de abril de 1949.
Fonte: Livro Movimento Escolar, 1938 – APMT.
52
Observa-se, através do quadro, que passaram pela escola, mediante o documento, dez
professoras, das quais apenas para duas consta o termo “professoras normalistas”. O termo
“senhorinha” era designado para indicar que a professora era “leiga”, isto é, não tinha
formação específica. As demais constam o termo “professora” impossibilitando definir se a
professora era leiga ou não. Contudo, há indícios que a maioria das professoras dessa relação
eram leigas, visto que, conforme registros das mensagens e dos relatórios governamentais,
havia um número maior de professores leigos nas escolas rurais.
É possível verificar que dessas dez professoras apenas duas eram efetivas, ao analisar
o campo de “observações” constata-se que as demais eram todas interinas, visto que há datas
de nomeação e exoneração. Percebe-se também a alternância das professoras, que era uma das
características principais das escolas rurais em Mato Grosso no período.
O elevado número de professores leigos, e a rotatividade das professoras nas escolas
isoladas rurais, podem ser compreendidos em parte pelo fato de que no Artigo nº 58 do
Regulamento de Ensino da Instrução Pública de 1927, estabelecia-se como pré-requisito para
lecionar nos Grupos Escolares a necessidade que os professores trabalhassem pelo menos por
um ano nas escolas isoladas urbanas ou dois anos nas escolas isoladas rurais. Dessa forma,
aqueles professores que iam para as escolas rurais, assim que cumpriam o prazo estabelecido
pelo regulamento, voltavam para as regiões urbanas ou vilas mais próximas, devido às
diferenças e dificuldades encontradas no ensino dos meios rurais.
Além do mais, por ter uma grande extensão territorial, o estado não conseguia
atender a demanda de professores habilitados para todas as escolas rurais. Acrescenta-se
ainda, que havia também o desinteresse dos professores que tinham o Curso Normal em atuar
nessas escolas, devido às diversas dificuldades já anteriormente citadas.
A rotatividade das professoras na escola também pode ser compreendida devido ao
contexto político partidário da época como relembra seu Belmiro:
Mas tinha uma coisa também, pra você estudar do 1º ano A, ao 4º ano como
estudei, você repassava demais de professoras e professores, (mais
professoras) por quê? Era assim: Aqui tinha dois partidos UDN e PSD, hora
que um ganhava [...] Os professores iam tudo[...] Ai vinha o terno13 do que
era o político, hora que esse aqui perdia [...] A política derrubava tudo.
(BELMIRO ROSA, Depoimento, 04/07/2017)
13 Expressão local que quer dizer um pouco, alguns.
53
Existiam naquele momento dois partidos políticos que se revezavam no poder: o
PSD (Partido Social Democrático) e a UDN (União Democrática Nacional). O PSD era
representado por pessoas ligadas a Filinto Müller, fundador do partido em Mato Grosso, e a
Júlio Müller que foi interventor do estado durante o regime do Estado Novo. A UDN era um
partido opositor a Getúlio Vargas, liderado pelos representantes das antigas oligarquias.
Conforme Amorim:
A utilização do controle dos cargos públicos por parte do PSD e da UDN foi
a maneira encontrada para barganha junto ao eleitorado, bem como
conseguir a adesão de novos membros para o partido. Assim, para exercer
cargos públicos como instrumento de influência sobre o governo que
assumisse o poder político realizava as demissões de funcionários que
possuíam ligações com o partido adversário (AMORIM, 2013, p. 89).
Nesta perspectiva, prevalecia na política local a prática do clientelismo, na qual
também estava associado o nepotismo determinado pelos chefes políticos, de forma que atuar
no contexto do ensino rural:
Independente de terem formação ou não, a realidade dos docentes primários
nas escolas localizadas na zona rural do estado era difícil, sendo sujeitas a
condições de vida e de trabalho bastante precárias. A diferença existente
estava na possibilidade de ocupar vagas em lugares com mais estruturas em
espaços urbanos e, de alçar cargos de maior relevância na educação, embora
tal privilégio não dependesse somente da formação, mas sim [...] da
influência política (SÁ; RODHEN, 2015, p. 135).
Deste modo, os professores rurais atuavam de forma subordinada a essa política
partidária onde muitas vezes determinava-se o voto como garantia desse emprego.
Foram localizados no Arquivo Público de Mato Grosso, cinco documentos que
expressam vestígios das práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Essas
fontes documentais encontradas foram: um mapa do movimento mensal, um Ofício (anexo 1)
um atestado de frequência (anexo 2), um atestado de exercício (anexo 4), e um atestado de
gozo de férias do professor Miguel José da Silva no decorrer do ano de 1937 (anexo 5).
Nas práticas pedagógicas das escolas rurais cabia aos professores além de se ocupar
com o ofício de ensinar, a incumbência de executar todo o serviço existente numa escola: “O
professor ou professora que se aventurasse a ministrar aulas nas escolas rurais teria que
exercer, além da função docente, também as administrativas” (SILVA, 2014, p.49). Dessa
forma, ao tomar posse da sala de aula, o professor tinha que comunicar ao Departamento de
Educação por meio de ofício que havia assumido o cargo. Para o recebimento de salários, os
54
professores tinham que emitir atestado de exercício do cargo de professor e preencher
mensalmente o mapa do movimento da escola rural.
Na figura 5 é possível verificar um mapa do movimento mensal da Escola Rural
Mista de Bom Sucesso, datada do mês e março de 1949, preenchido pela professora Natilde
Pereira da Silva. De acordo com Vidal (2008, p. 43) “Os mapas estatísticos despontaram no
início do século XIX, como dispositivo do governo, fundando-se em uma prática escriturística
que, ao mesmo tempo, nomeava, classificava e hierarquizava os sujeitos e a realidade social”.
Assim, os mapas se tornaram uma forma de sistematizar e exercer o controle sobre os
professores.
Figura 5 - Mapa do Movimento Mensal da Escola Rural Mista de Bom Sucesso
Fonte: Mapa do Movimento Mensal Escolar, 1949 - APMT.
55
Pode se observar nesse modelo de mapa mensal de frequência do período em estudo
em Mato Grosso, que cada professor era responsável por preenchê-lo. Neste constavam o
número de matrícula, e o número matrícula por gênero, o de evasão, a porcentagem de
frequência em relação à matricula, a matrícula de analfabetos durante o mês e número de
visita do inspetor. Resultava, portanto, em dados estatísticos para o governo.
Por meio do documento percebe-se que não havia um cumprimento de um calendário
especifico para matrícula, pois consta que nenhum aluno foi matriculado durante o mês, nem
mesmo um aluno analfabeto. O ensino era por coeducação, sendo 14 meninos e 15 meninas.
A frequência mensal foi de 89%, apontando para um percentual de quase totalidade de
frequência as aulas. Foi possível perceber, também, que não houve a visita do inspetor de
ensino, o que não era raro naquele período.
Por meio desses dados a instrução pública tomaria conhecimento sobre quais as
escolas poderiam ser fechadas por número insuficiente de alunos, e por outro lado, estes eram
requisito de pagamento do salário dos professores que junto ao mapa deveriam apresentar o
atestado de exercício da função referente ao mês trabalhado.
Dessa forma, sendo leigos ou não, interinos ou não, apesar das dificuldades e
obstáculos já mencionados, esses profissionais que atuavam no ensino primário rural da
escola teceram parte do trabalho com a escolarização dos estudantes diante da realidade que
os cercava. Fizeram suas histórias e por meio de suas práticas, está materializada a cultura
escolar da Escola Rural mista de Bom Sucesso que aflora nas memórias de seus ex-alunos,
que serão abordadas no próximo capítulo.
56
CAPÍTULO 3: A CULTURA ESCOLAR DA ESCOLA RURAL MISTA DE BOM
SUCESSO
Neste capítulo será analisada a Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom
Sucesso que reside na memória de ex-alunos e de uma ex-professora. Conforme pontuado na
introdução, no primeiro momento serão apresentadas as memórias de três ex-alunos que
estudaram na escola no intervalo compreendido entre 1937 e 1952. E, no segundo momento
as memórias de uma ex-professora que iniciou sua carreira docente no ano de 1952. Na última
parte do capítulo serão examinadas algumas atividades retiradas de um caderno de classe de
uma ex-aluna da escola.
A investigação sobre a cultura escolar busca a compreensão das ações educativas que
acontecem no interior das escolas que são desenvolvidas a partir de normas estabelecidas
através de programas oficiais. Por meio desses textos normativos os pesquisadores são
levados a compreender as práticas pedagógicas concernentes a essas escolas (JULIA, 2001).
Pretende-se, portanto, assinalar por meio da memória de sujeitos que fizeram parte do
cotidiano da Escola Rural Mista de Bom Sucesso aspectos de sua cultura escolar.
Falar de passado é tratar de sentimentos invisíveis, também fazer uma reflexão a
partir de suas representações do presente. Recordar não é necessariamente reviver o passado,
mas pode se configurar como um repensar sobre o passado.
Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a
mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os
mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela nossas
ideias, nossos juízos de realidade e de valor (BOSI, 1995, p. 63).
Desta forma, nessa dissertação, o olhar para o passado foi realizado a partir das
experiências do presente. É importante ressaltar também que não se pretende reconstruir o
passado do modo que existiu, mas sim realizar uma representação deste.
57
3.1 As Representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na
memória de ex-alunos
É na escola que alguns indivíduos passam boa parte do tempo de suas vidas: nela
interagem, aprendem, ensinam e carregam recordações para toda a vida. Essas lembranças
podem ser repletas de sensações de alegria, saudade, ou até de situações constrangedoras, o
que permite considerar a escola como um espaço ligado às lembranças e sentimentos
individuais. Para Bosi, “A memória do indivíduo depende de seu relacionamento com a
família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim, com os
grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo” (BOSI, 1995, p.
57).
Os ex-alunos da Escola Rural Mista de Bom Sucesso que são sujeitos da pesquisa
são: o senhor Belmiro Leite da Rosa, 90 anos nascido em 12 de março de 1928; o senhor
Petronilo Gonçalves da Silva, 77 anos, nascido em 31 de março de 1940; e senhora Albertina
Maria da Rosa, nascida em 03 de novembro de 1933. Todos os sujeitos nasceram e ainda
residem em Bom Sucesso. A trajetória profissional deles esteve relacionada ao fabrico da
rapadura, confecção de redes e artesanatos, pesca e outras atividades de subsistência como o
plantio da mandioca, milho, cana-de-açúcar, arroz e feijão. Todos eles concluíram apenas o
ensino primário rural.
Por meio de suas memórias serão revisitados alguns aspectos do dia a dia escolar
abrangendo a disposição do tempo, saberes, e avaliação e disciplina.
Ao recordarem sobre suas vivencias na escola, os ex-alunos entrevistados destacaram
a rigidez dos professores para assegurar a ordem e a disciplina e, com isso, garantir os
ensinamentos e a aprendizagens dos alunos. Segundo os relatos, a rotina escolar iniciava com
a formação da fila pela idade, dos mais novos aos mais velhos, e com o canto de um hino
(Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/07/2017). Conforme senhor Belmiro Rosa
Depoimento:
Eu lembro que tinha Petita14. Eu estava no A, B, C15, essa daí era brava,
essa era triste, essa daí o aluno que chegasse, tinha de chegar e falar:- Bom
dia! [alto] Boa tarde [alto] se não falasse... Ah! Tinha delas que mandava
14 Nome da professora. 15 Livro para aprendizagem de leitura na sequencia A,B,C, no qual os alunos decoravam todas as letras, depois as
silabas e por fim as lições.
58
fazer oração, mas, o hino nacional e o hino da bandeira era todo dia. Era
hino nacional, outro dia hino da bandeira (Depoimento, BELMIRO ROSA,
04/07/2017).
A rotina diária da escola – fila, canto do hino, bons modos, chamada e a cobrança do
uso do uniforme – deixa transparecer a ordem e disciplina consideradas necessárias para a
formação do futuro cidadão para o mundo moderno capacitando para a rotina do trabalho. O
canto do hino Nacional e da Bandeira refletiam o nacionalismo na cultura escolar; os ritos
religiosos como a oração antes de começar a aula apontam para a presença do cristianismo nas
escolas, evidenciando que a laicidade republicana não conseguiu superar o religioso dentro
das escolas. É possível verificar o interior da escola como um lugar de “inculcação de
comportamentos e habitus” (JULIA, 2001, p. 22).
O senhor Petronilo ressalta que além da rotina diária rigorosa da escola, havia
também alguns rituais próprios para receber a visita da inspeção escolar:
Quando a professora chegava: primeiro tinha a revista, para ver se tinha
falta: fulano de tal, presente. Ciclano de tal- presente. Fazia fila. Depois o
hino nacional. Isso era todo dia. Quando falava: - silencio! Se ainda
continuava, a régua batia na mesa. Também aí... Quando programava
(naquele tempo não tinha diretor, era inspetor escolar) o inspetor escolar vai
visitar a escola tal dia: Aí tinha que os pais ajeitar o uniforme, nesse dia era
tudo uniformizado azul e branco, nesse dia não tinha negócio de ir enrugado
não. Tinha que ser tudo passadinho. O inspetor escolar chegava nas classes e
olhava. Beleza. Então... Isso era uma coisa muito diferente de hoje.
(Depoimento, SILVA, 20/07/2017)
Quanto a visita dos inspetores de ensino, o receio da professora era evidente, pois
eles eram responsáveis em avaliar a escola indicando a sua continuidade ou não, conforme
averiguação do cumprimento das normas estabelecidas. Tal situação pode ser percebida no
testemunho do senhor Petronilo quando revela que ao receber a visita do inspetor de ensino as
professoras da Escola Rural Mista de Bom Sucesso determinavam que os alunos fossem
uniformizados, vestidos com calça azul e camisa branca, com roupas limpas e passadas. Essa
forma de atendimento à vistoria do inspetor revela a artimanha da professora no intuito de
mostrar a organização da escola bem como a sua eficiência deixando uma boa impressão.
Conforme o regulamento de 1927, tratado no capitulo 1, o ensino rural deveria ser
organizado em dois anos, no entanto, na escola rural de Bom Sucesso algumas características
das escolas isoladas dos fins do século XIX e início do XX permaneciam, como a
flexibilidade do calendário escolar e de conclusão do ensino primário, cabendo ao professor a
indicação do aluno (considerado apto) para as provas finais. Conforme Sr. Belmiro Rosa “[...]
59
no fim do ano às vezes, outra professora da vizinhança que vinha fazer a prova. Era duro
saber, pois, vinha de lá a matéria pra você fazer. Vinha professora de Souza Lima, vinha do
Engordador, vinha de lá da Capela. Os daqui fazia mesma coisa lá. (Depoimento, BELMIRO
ROSA, 04/07/2017)
Tudo indica que a duração do curso primário embora fosse de dois anos na legislação
para as escolas rurais, acontecia conforme o desempenho do aluno, isto é, se este demorasse a
concluir o processo de alfabetização, não passaria para outra etapa. Esse processo de
aprendizagem poderia demorar mais de dois anos, mas, por outro lado, se tivesse um bom
desempenho o aluno concluiria rapidamente. Nas palavras do Sr. Belmiro Rosa:
Eu estudava com o livro em qualquer tempo, não era dum ano pro outro não.
Daí você já sabia bem, daí o professor passava para outro livro. De um
tempo pra cá que estuda no livro o ano inteiro, naquele tempo não. Quando
entrava ganhava um livro, conforme ia aprendendo ganhava outro livro. Por
exemplo: se ganha o A, B, C, se decorasse o A, B, C e soubesse “violento”
logo já estava no 1º ano C, já passava no meio do ano. (Depoimento,
BELMIRO ROSA, 04/07/2017, grifo nosso).
No mesmo sentido, dona Albertina relata que a professora regrediu seu progresso
para o livro anterior por perceber que a aluna não conseguia acompanhar o ritmo de ensino
dos conteúdos:
Quando a professora Bruna veio aqui, dá aula aqui, eu estava no 1º ano C, aí
ela passou eu pro segundo ano. Eu não dei conta, por causa de algumas
coisas que eu errei. Ela achou que eu não ia dar conta de estudar, me voltou
pro 1º ano C. (Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/11/2016).
Nesta perspectiva, mediante os depoimentos dos ex-alunos, a Escola Rural Mista de
Bom Sucesso delimitava seu tempo, dentro da sua rotina, na forma de avaliar individualmente
os alunos, na dinâmica dos exercícios de classe, e também no cumprimento das normas
estabelecidas quando recebia outros professores para aplicação dos exames finais. Mesmo não
sendo organizada em classes seriadas e não havendo o princípio da reprovação, introduzido
pela escola graduada, o sentimento dos alunos mediante a não conclusão do ensino primário
em dois anos, era de reprovação, como é possível observar na fala do Sr. Petronilo, quando
este afirma que: “Eu comecei em 1948 né, e terminei em 1952, fui repetente” (Depoimento,
SILVA, 20/07/2017).
Quanto a metodologia utilizada pela professora, o ex-aluno recorda de quando entrou
na escola, ao final dos anos 1940, e durante todo o período que permaneceu nela, a ênfase era
60
baseada em exercícios repetitivos de controle motor e visual e, posteriormente, de
memorização:
[...]. Primeiro que quando nós começamos a professora fazia aquele A, B, C,
D, então, daí pra gente encobrir, dedo estava duro né. Encobria, depois que
passava que já estava bem avançado, aí já passava pra nós fazer a mesma
fórmula, escrever e encobrir aquelas matérias, aí já ia passava lá no quadro
pra gente copiar, depois ela vinha fazer rascunho, muitas vezes tinha falta de
letra, daí ela corrigia tudo isso ai. Ela corrigia tudo, se estava certo, se estava
errado, tudo marcado, dá um traço né. Aí vinha já estava um pouquinho
adiantado, ela passava no quadro nós copiava ponto. Passava no quadro, nós
copiava, esse era o compromisso que nós tinha. Quando vinha de lá a mãe já
perguntava: - Tem ponto pra amanhã? Porque não era todo dia o ponto. O
ponto tinha mais ou menos umas duas vezes na semana. Aí tinha que estudar
esse ponto. Quando chegava nesse outro dia, pra dar esse ponto de cor, assim
só na mente, sem ter cópia. Tinha que ler e decorar aqui [na cabeça]. E aí
tinha dele que não tinha a memória muito boa. Nossa! (Depoimento, SILVA,
20/07/2017).
No mesmo sentido, a senhora Albertina relata:
Tinha de decorar na cabeça, esse que era o difícil e nós decorava, tinha
alguns que não decorava não. Cacilda era minha colega de escola. Ruda
morreu sem aprender ler e escrever. “Óia” dava dó de ver. Nós contamos pra
você, fazia roda pra dar bolo né, e perguntava duas vezes duas. Ah, não
sabia! Ia na Cacilda, e uma que morava ali...Maria. A Maria também já
faleceu. Essas duas eram peteca de nós. Porque nós estudava, nós gravava.
E, ele, não gravava nada. Tinha o “gravador” ruim. Não tinha “gravador”
bom. (Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/11/2016).
Passar o ponto no quadro, corrigir os cadernos, tomar o ponto, fazia parte das
práticas escolares das professoras da escola. Pelo depoimento percebe-se a ênfase na
memorização como ferramenta de aprendizagem. Tal precisão está submetida a uma
influência empirista que orientava as atividades de ensino. Era preciso que o aluno decorasse
os textos denominados por “ponto” e recitasse-os sem erros à professora no dia marcado para
tal avaliação. Ensinava-se através de um modelo de memorização e cabia aos alunos somente
aprender e ao professor ensinar (ALVES, 1998).
Assim, a relação professor/aluno era marcada pela rigidez, embora os castigos nas
escolas desde o império fossem proibidos e a educação moderna tenha combatido fortemente
essa prática, o castigo físico sempre esteve presente nas práticas educativas enquanto método
disciplinar consentido pela sociedade e pelos pais, para assegurar a disciplina e concentração,
garantindo nesta perspectiva a aprendizagem. São expressivas, portanto, as lembranças que os
ex-alunos carregam sobre as exigências para garantir a memorização dos conteúdos e os
61
castigos aplicados em situações de erros ou em situações em que os alunos não se
enquadravam com as regras impostas.
Pelos depoimentos dos ex-alunos da Escola Rural Mista de Bom Sucesso pode se
perceber que alguns castigos físicos como a utilização da palmatória, da régua, ficar em pé de
castigo no sol exposto a outros alunos eram praticados. Percebe-se ainda a predominância da
palmatória mediante as atividades em que se exigia a memorização da tabuada: havia a prática
de um debate denominado por eles como “argumento” no qual se fazia uma roda e um aluno
ia perguntando ao outro os resultados da multiplicação da tabuada, o que errasse apanhava
com a palmatória nas mãos, o que consistia em “levar o bolo”. Percebe-se no depoimento de
dona Albertina, que as pessoas que demonstravam dificuldades de memorização ficavam
marcadas e eram, por conseguinte, as que mais “levavam o bolo”.
A gente comprava a tabuada. Aí você estudava a tabuada. No outro dia ela ia
tirar, ia saber se a pessoa sabia, aí ia argumentar: Era o tal do argumento:
Dois mais dois três mais três, três mais dois, quatro mais três, cinco mais... A
palmatória era no argumento. A professora marcava a tarefa da tabuada. Aí
que ela ia fazer o argumento16 com todos, aí que fazia a roda do bolo17
(Depoimento, ROSA, 04/07/2017).
A utilização da palmatória configurava-se como um símbolo da rigidez com que se
apresentava o ensino e, no caso da Escola Rural Mista de Bom Sucesso, tinha uma relação
com o saber, pois os alunos que não demonstrassem bom desempenho no aprendizado eram
os que mais ficavam suscetíveis a palmatória. Além da tabuada, outra prática utilizada pelas
professoras era o ponto (um texto para ser decorado). No dia em que era agendado para
“tomar o ponto” os alunos deveriam estar com o conteúdo memorizado, caso contrário,
recebiam castigos físicos e morais, o que se pode ver no depoimento abaixo:
Marcava o ponto que é difícil também decorar. Por exemplo: Descobrimento
do Brasil, descobrimento da América, descobrimento não sei do que... Tudo
isso... Olha “si minina” Ainda tinha mais outra: Se você não soubesse? –Vai
ficar ali de castigo de pé e decorando. (Depoimento, BELMIRO ROSA,
04/07/2017)
Era castigo. Até meio dia. Até soltar a escola. E os colega tudo expiando.
Vai ver! O negócio era duro. O castigo era duro. Mas por quê? Nós
16 Atividade escolar da época onde se fazia uma roda promovendo entre os alunos um debate envolvendo a
tabuada com as quatro operações dos números naturais. 17 Nesse contexto quem errasse no debate da tabuada apanhava na mão com a palmatória, ou seja, levava um
“bolo”.
62
aprendemos. E nós temos o quarto ano primário18. Nós sabemos ler. Porque
quem não sabe ler é cego. Esse que é o cego. Não é o cego de verdade. Aí
nós tinha de aprender tudo isso. (Depoimento, ALBERTINA ROSA,
04/07/2017).
Percebe-se que os castigos escolares fizeram parte da história das práticas escolares
da Escola Rural Mista de Bom Sucesso e deixou fortes traços nas memórias de seus ex-alunos
entrevistados. Castigos esses que fizeram parte de um momento em que no campo do discurso
cabia à escola ser moderna e utilizar práticas inovadoras. Mas na prática escolar das escolas
rurais, como relatado pelos ex-alunos, ainda não era possível a implementação de tais ideias,
visto que as condições de trabalho dos professores dessas escolas bem como a formação dos
mesmos, não permitia tais implementações.
Contudo, é possível perceber no depoimento de dona Albertina que apesar das
dificuldades e rigidez e das marcas desses castigos, estes eram considerados como uma “coisa
necessária”, sendo essa severidade o fator que a fez concluir o curso primário, de modo que
proporcionou-lhe uma “leitura” do mundo. Saber ler representa, para a depoente, ter certa
independência em qualquer tempo e lugar. Para ela significou um enorme valor, pois isso
permitiu sobressair-se em seu grupo de convívio.
O uso da palmatória no cotidiano da escola tinha o poder que
Corrigia, inibia os hábitos considerados subversivos, que além de controlar
moralmente e fisicamente o aluno castigado servia de sobreaviso aos outros
para que, vendo a punição acometida ao colega, não excedessem os limites
impostos pelas regras e, sobretudo, aprendessem a lição (SILVA, 2017, p.
108).
Isso remete ao depoimento do senhor Petronilo sobre sua experiência bem peculiar,
Eu levei uma “palmatoriada”. Foi um exemplo que eu tive. Uai, inventei um
namorinho com uma aí nesse campo de futebol e quando foi outro dia, não
sei quem passou pra professora que a gente estava assim já de namorinho. A
professora falou tudo bem: - Senhor Petronilo! Favor. Levantei e fui lá. –
Ana! Por favor. Pois é estou sabendo que vocês estão de namorinho. (coisa
que não estava lá dentro da classe), - Nós vamos decidir esse namoro aqui e
agora. Fomos no argumento de matemática. Ela era melhor do que eu. Ela
me pegava a mão e ainda virava a mão assim e tá![batendo as mãos] Olhava
pra mim e ainda ria. Terminou falei: - Parabéns! Só que acabou. Daí parece
que fiz assim tipo um juramento, eu estava mais ou menos com uns catorze
18 Embora a senhora Albertina tenha cumprido o 4º ano primário, pelo Regulamento de Ensino de 1927 que refia
a escola primária da época, o período de duração das escolas isoladas rurais era de apenas dois anos.
63
anos por aí. Quando eu tive a primeira namorada eu estava com 19 anos.
(Depoimento, SILVA, 20/07/2017).
Ao recordar o passado, as questões afetivas envolvem boa parte das lembranças. E
foi com muita subjetividade que o ex-aluno fez seu relato. Ao interferir num suposto namoro
dele com uma aluna, a professora propôs um debate de tabuada, onde os maiores erros foram
os seus e, por conseguinte, este levou palmatorias na mão. Essa situação fez com que ele se
sentisse exposto e constrangido o que lhe trouxe insegurança, e fez com que só voltasse a
namorar depois de alguns anos. Pôde-se perceber, no depoimento do ex-aluno o testemunho
de sua vida, expressado na lição que foi extraída da sua própria dor, da qual sua dignidade é
reconta-la sem medo (BOSI, 1995). Revelar as impressões do depoimento do ex-aluno não
significa julgar a ação da professora, visto que fazia parte das práticas escolares naquele
momento.
A escola chegou à metade do século XX com práticas de castigos físicos que embora
legalmente houvessem sido abolidas se perpetuaram silenciosamente no decorrer desse
tempo. Em Mato Grosso, no Regulamento de 1872, era permitido aplicar nas escolas apenas
os castigos morais, no entanto, o regulamento não foi suficiente para romper com tais
práticas. Segundo Sá & Siqueira, durante o século XIX a escola moderna tinha como
finalidade padronizar as práticas para formar um novo cidadão. Na escola teria que prevalecer
comportamentos padronizados que caso fossem infringidos mereciam castigos. De modo que
“Esses mecanismos corretivos se colocavam como necessários para regenerar o cidadão,
fazendo o abandonar seu antigo comportamento e alçar um degrau mais elevado na conquista
da cidadania” (SÁ; SIQUEIRA, p.11).
No contexto da institucionalização das escolas primárias, respaldado nos princípios
republicanos, os casos de indisciplina no interior da escola ainda eram resolvidos com castigo
físico e moral, porem naquele momento havia apoio da sociedade e dos pais como abordado
anteriormente. Tal prática pode ser observada no depoimento do senhor Petronilo:
Naquele tempo não tinha esse negócio de... Vai ter reunião, chamava pai pra
assistir... Pra ver nota de filho... Como que é que tá o trabalho... Não. Pai era
em casa. Professor no colégio. [...] tinha um primo meu...Ele estava garotão,
e lá ele foi um pouco rebelde com a professora. A professora chegou e
chamou ele e falou: Você vai ficar de castigo na porta. (punha de castigo na
porta da frente, no sol quente) ele não aceitou na hora o exemplo, e aí o que
aconteceu? Ela falou: pois você vai! Ele falou: - Quero ver. Ele partiu pra
ignorância. Ela peitou ele. [...]. Ele ainda tomou umas reguadas. Daí ele foi e
comentou com a mãe que a professora tinha exemplado ele, batido. A mãe
64
pôs pano na cabeça e saiu pra ir lá tomar satisfação, o meu tio cercou ela e
falou: - Não. Em casa: você! No colégio: a professora. Pode voltar! - Então
vou tirar ele do colégio. Tirou. Que vantagem. Ficou analfabeto. Saiu fora de
época, e ele já era meio “rudão”, ficou analfabeto. (Depoimento, SILVA,
20/07/2017).
Percebe-se que determinadas práticas não mudam facilmente,
No momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribuídas ao
esforço coletivo, os antigos valores não são, no entanto, eliminados como
por milagre, as antigas divisões não são apagadas, novas restrições somam-
se simplesmente às antigas” (JULIA, 2001, p.23).
Desse modo, a Escola Rural Mista de Bom Sucesso também cumpriu o papel de
remodelar comportamentos, na formação de caráter e das almas, por meio da disciplina do
corpo (JULIA, 2001).
Apesar da rigidez no ensino e das dificuldades relatadas, os alunos têm pelas
professoras que passaram na Escola Rural Mista de Bom Sucesso profundo respeito.
Compreendem que o ensino se constituía naquele momento daquela forma por questões
históricas.
3.2 As representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na
memória de uma ex-professora
A partir de 1952, durante o governo de Fernando Correa da Costa, foi construído um
prédio próprio para a Escola Rural Mista de Bom Sucesso. E, nesse mesmo ano, a professora
Gonçalina Barros da Rosa foi designada para lecionar como uma das professoras da escola.
Nascida em 1934 na cidade de Cuiabá, Gonçalina cursou o ensino primário
elementar em escola pública na capital, e concluiu o ensino complementar no Colégio
Coração de Jesus. Nesse período conseguiu por meio de um chefe político uma vaga para
lecionar na nova escola construída no Distrito de Bom Sucesso. Tinha dezoito anos na época.
Nesse percurso, casou-se em Bom Sucesso. Tempos depois retornou à Cuiabá para
estudar o Curso Normal e após conclui-lo voltou à Bom Sucesso e para a escola. Dedicou-se
mais de 30 anos à educação exercendo a função de professora e gestora da escola. Hoje,
aposentada, ocupa-se com o comércio de redes artesanais e outros artefatos que ainda são
confeccionados na comunidade e região. A esse respeito, relata:
65
Eu tinha 18 anos. Vim pra cá, encontrei uma sala de 42 alunos [...] Naquela
época ainda era do estado. Foi nesse ano que funcionou a escola aqui, porque
antes só funcionava na casa do Ponciano, lá que era... Mas, no ano que vim
pra cá, em 1952, que foi construída aqui, fui uma das primeiras professoras.
Eu lembro que quando fui nomeada me entregaram uma caixa de giz, um
apagador, uma toalha, sabonete... Era só banco não tinha carteira... E um
quadro velho (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).
A Escola Rural Mista de Bom Sucesso em 1952 deixou de ser escola-casa e
conquistou um espaço adequado ao ensino, como tratado no capítulo 2. Porém, pelo relato da
professora, apesar da arquitetura ser nova, a escola era mobiliada com bancos e um quadro
velho. A professora Gonçalina conta que ao se instalar na povoação de Bom Sucesso teve que
morar, de forma improvisada, com sua família na escola:
Eu vim com minha mãe e duas irmãs. No primeiro ano eu vim sozinha, eu
até fiquei na casa de um chefe politico, mas, depois mamãe viu que não
estava certo, eu era moça nova e ela resolveu vir. Aí mudamos pra escola. A
escola dava pra morar, só que não tinha banheiro, nem cozinha, só tinha uns
quartos lá que dava pra morar, nós dormia na rede, tinha uma cama também.
Aí ficou minha mãe e duas irmãs minhas que estudava comigo. E, meu pai
no fim de semana ele vinha. Era muita dificuldade, porque não tinha
condução. Tinha que vir a pé (Depoimento, GONÇALINA ROSA,
20/06/2017).
A dificuldade narrada por ela era uma constante na vida das professoras das escolas
rurais em Mato Grosso durante a primeira metade do século XX, pois coexistia no cotidiano
dessas escolas a dificuldade de acesso, a falta de mobiliário e de recursos pedagógicos e ainda
associados a isso, os baixos salários que recebiam os professores que eram em sua maioria
sem formação específica, como era o caso da professora Gonçalina no início de sua carreira
docente. É possível perceber ainda que o trabalho de professora no meio rural representava
para a família uma ajuda de custo para o orçamento, tendo em vista que sua mãe e irmãs
foram para Bom Sucesso com ela. Sobre o recebimento do salário a professora narra o
percurso que tinha que fazer:
Eu ia receber dinheiro a cavalo. O chefe político tinha cavalo. Ele arriava o
cavalo e colocava o sobrinho dele que era capanga dele, (que falava naquela
época), me levava até Várzea Grande. Depois peguei amizade com as outras
professoras daqui. A gente ia a pé até a Várzea Grande. Depois... A gente ia
lá ao tesouro do estado, lá na Getúlio Vargas, a gente ia de manhã ficava lá
até à tarde, que eles atendiam a gente, daí pagava nós. A gente vinha
embora, passava em Várzea Grande pra comprar alguma coisa. A gente tinha
que levar uma estatística do que aconteceu aqui, um relatório do aprender
66
dos alunos, um mapa lá no palácio da instrução, lá tinha o delegado
(Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).
A realidade dos professores das regiões rurais em Mato Grosso não era fácil, quem se
aventurasse em ensinar nas escolas rurais conforme mencionado anteriormente, era
responsável por todo o trabalho existente. Ou seja, manter a limpeza, fazer preenchimento da
parte administrativa nos mapas de movimento mensais, de matrícula, preparar aula, conduzir
o processo de ensino com diferentes níveis de aprendizagem e idades, e estabelecer relações
com os pais e a comunidade. Além disso, o profissional teria que percorrer um trajeto
cansativo até chegar à capital para receber o salário mensal. Percebe-se que com tantas
atribuições, utilizar métodos inovados de educação como prescrevia as normas e regras
estabelecidas nas leis educacionais não era nada fácil. Em relação a suas primeiras
experiências no ensino a professora relata:
Quando cheguei aqui... Painha, hoje meu marido estudava com outra
professora. Ele tinha caderno cheio de ponto. Aí a irmã dele [disse] meu
irmão tem um caderno com bastante ponto lá, até que ele me emprestou pra
eu passar pros alunos. E, aí eu fui indo, pega de um, pega de outro. Ia tirando
da cabeça. Daí eu peguei certo com as crianças que é quem não sabia
escrever, eu ensinava escrever, aprender as letras, a ler e a tabuada. Agora,
os outros que já sabiam ler bem, eu caprichei bastante nas datas
comemorativas, tudo quanto é data. Eu dava pra eles descobrimento do
Brasil, tudo, tudo... Tiradentes... Tudo isso aí, e a tabuada. [...] Era tudo
junto... Um sabia mais que o outro, assim né, o que sabia mais ajudava o
outro, tomava ponto. Naquele tempo tomava ponto né, tinha um caderno,
passava o ponto. Ai falava: Você que tá mais adiantado toma ponto do
ciclano. Ai outro pegava na mão pra fazer as letras... (Depoimento,
GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).
O relato da professora imprime o descaso com a educação rural por parte dos
governantes. Ao ser designada para a Escola Rural Mista de Bom Sucesso a professora não
recebeu nenhuma orientação específica, nenhum programa de ensino. E, diante da
necessidade, tomou posse do dispositivo que tinha disponível: os cadernos dos alunos de outra
sala. Ensinava da maneira que aprendeu, nas suas buscas em “tirar da cabeça” os conteúdos
para trabalhar com os alunos, construindo assim seu modo de lecionar. Nos conteúdos que a
professora relata ter trabalhado, percebe-se que condiz com as práticas pedagógicas da época:
prática do ensino da leitura e escrita, bem como o ensino da matemática centrado na
memorização. Destacam-se ainda os conteúdos inculcados na cultura escolar do interior das
escolas durante as décadas de 40 e 50 do século XX, cujas práticas pedagógicas deveriam
potencializar nos alunos o sentimento de amor à pátria.
67
Percebe-se na divisão das turmas em “mais fracos” e “mais adiantados” indícios de
uma estratégia para padronizar o nível dos alunos e com isso facilitar o ensino, obedecendo a
uma divisão do conteúdo. Cabe ressaltar que neste ano em que a professora começou a
lecionar, entrou em vigor a Lei Orgânica do Ensino do Estado de Mato Grosso, na qual o
ensino primário estendeu-se para quatro anos para todas as categorias de escola primária. E,
embora houvesse algumas modificações, a escola isolada mantinha sua característica
unidocente com alunos de vários níveis de avanço escolar no mesmo espaço.
Pode-se verificar ainda no relato da professora a presença de características do
método mútuo de ensino, quando ela lembra que “o que sabia mais ajudava o outro”
(Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017), onde esses alunos que sabiam mais
“tomavam o ponto, pegava na mão pra fazer as letras” (Depoimento, GONÇALINA ROSA,
20/06/2017) exercendo assim o papel de auxiliar da professora. Segundo Beirith (2009), as
escolas isoladas eram remanescentes das antigas Escolas de Primeiras Letras do Império que
utilizavam o método mútuo para o ensino, no qual aproveitava os alunos mais adiantados para
auxiliar o professor. Essa característica da cultura escolar da escola isolada rural é uma
herança das escolas de ensino mútuo. Sobre a avaliação a professora diz que “dependia do
esforço das crianças, tinha aluno que conseguia só num ano fazer os três (livros) e tinha uns
que ficava mais” (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017). Ao ser questionada sobre
o comportamento dos alunos, e sobre o uso da palmatória, a professora Gonçalina explica que
não teve tantos problemas com indisciplina e que o uso da palmatória era somente nos debates
de tabuada entre os alunos, reconhece que naquele tempo era uma prática comum, mas que
hoje não faz parte do cotidiano no interior das escolas:
Na hora de tomar a tabuada tinha tipo um debate, aí perguntava 5x5 aí 25,
ainda perguntava nove fora menina! Aí tanto vezes tanto se a pessoa não
soubesse aquele outro que sabia “metia pau” naquele ali. Às vezes no ponto
também, mandava outro fazer pergunta pro outro. Era entre alunos. Agora
tinha uma régua grandona, com essa régua aí que eu ameaçava eles (risos) ai,
mas é difícil... Naquele tempo a gente fazia isso. Vai fazer isso hoje. Ave
Maria! (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).
Ao relatar sobre o modo como era utilizada a palmatória em sala de aula, a
professora também se remete ao seu tempo de infância, do tempo em entrou na escola e de
sua experiencia com a palmatoria.
68
Você sabe que eu lembro o primeiro dia que eu fui para escola? Era na
escola ali perto da Santa Casa, Leovegildo de Melo, era perto da Praça Bispo
Dom José. Meu pai que me trouxe lá. Nós morávamos lá no tal Pico do
Amor, ali perto do Coxipó. Quem me recebeu foi a diretora chamada Alzira
Valadares. Lembro tão bem dela, e me deu pra uma professora chamada
Silca Fiana Lopes da Costa, foi minha primeira professora, estudei com a
professora Leocadia, que fez eu aprender a tabuada no 1º ano. Ela me
colocou no argumento. Eu acertei a tabuada e andei batendo lá né (risos), aí
quando foi que eu errei, mas me sapecaram num bolo. Este bolo pra mim...
Deus me livre, chorei tanto, não fui no recreio. Daí fui embora. Em casa
peguei a lamparina estudei até ficar com sono. Dormi. Quando foi noutro dia
cedo estudei. Pode tomar a tabuada de mim, de cor e salteada, mas, nunca
mais estudei, também nunca mais esqueci (Depoimento, GONÇALINA
ROSA, 20/06/2017).
O ato de rememorar seleciona fatos importantes para serem recordados, aquilo que
teve significado e que mantém viva as recordações (BOSI, 1995). Assim, a professora ainda
traz em suas memórias de seus primeiros anos escolares o significado que teve para ela a
experiencia em sala de aula com a tabuada, onde sentiu necessidade de além de falar de sua
experiencia como professora, também testemunhar como aluna.
Ao finalizar seu depoimento a professora não se esquece do respeito que os alunos
demonstravam ter por ela:
Era uma beleza dar aula porque os alunos tudo obedecia a gente. Tinha já
mocinha que às vezes estava até namorando escondido de pai e mãe, mas
perto de mim... [diziam] a professora! A professora! Não namoravam perto
de mim. Alguns se sentiam felizes ao lado de mim, às vezes chamavam:
fulano vem cá! - Ah! Estou aqui perto da professora. Era muito respeitada,
que a gente era (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).
Ao recordar com emoção e orgulho de seus ex-alunos e da satisfação de ter
trabalhado na Escola Rural Mista de Bom Sucesso, demonstra o gosto pelo ofício que
aprendeu ainda bem jovem quando começou a lecionar, e ao relatar suas lembranças sobre a
escola, demonstrou a convicção de dever cumprido.
3.3 Os cadernos: materialização das representações.
O estudo do caderno escolar como fonte de pesquisa abrange diversos campos de
pesquisa. Segundo Mignot (2008), historiadores da educação, estudiosos em currículos e
formação de professores, psicólogos entre outros que se interessam em pesquisar as
69
experiências em sala de aula, têm investigado os cadernos considerando-os como objetos ou
fontes de pesquisa.
Vinão Frago (2008) ao abordar os cadernos escolares como fonte histórica nos
aspectos metodológicos e historiográficos destaca que:
Os cadernos foram utilizados como fonte para o conhecimento das imagens e
representações sociais sobre a infância, a escola, a família e outros temas
similares; como instrumentos de aculturação escrita; como veículos
transmissores de valores e atitudes ou um modo de doutrinação ideológica e
política; como uma forma a mais de trabalho dos alunos junto aos exercícios
e folhas soltas. E, ainda, como meio para o estudo do currículo e das
diferentes disciplinas e atividades escolares (distribuição do tempo e
organização do trabalho em sala de aula, elaboração de uma tipologia de
atividades e exercícios, avaliação deste, etc.); como uma inovação educativa
dentro do movimento internacional da Escola Nova e como um instrumento
de expressão pessoal e subjetiva do aluno. (VINÃO, 2008, p.18).
Desse modo, a investigação do caderno como fonte histórica possibilita a apreensão
de aspectos políticos e pedagógicos que ocorrem nas práticas educativas. Nesse contexto,
Givirtz e Larrondo (2008) apontam que a partir dos cadernos escolares pode-se analisar as
práticas discursivas escolares, e que tais práticas são distintas de outros tipos como as
pedagógicas, pois as práticas discursivas escolares são produzidas na escola, e as pedagógicas
são produzidas sobre a escola. Assim, “os cadernos funcionam como produtores de saberes, e
não como meros transmissores. Produtores no que diz respeito aos mecanismos que o caderno
põe em funcionamento” (GIVIRTZ, LARRONDO, 2008, P.40). Desse modo, o estudo do
caderno como fonte de pesquisa não é apenas uma reprodução das atividades. Conforme as
autoras, o caderno é, então, um dispositivo que reflete um conjunto de práticas discursivas
escolares. Nele se identifica a produção, a partir da qual é possível estudar os conteúdos e
examinar resultados e efeitos de determinados procedimentos escolares.
Assim, será analisado dois cadernos que serão aqui percebidos como uma
materialização da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Esses cadernos
foram utilizados por uma ex-aluna da Escola, Roberta Gonçalves da Silva, irmã do também
ex-aluno, senhor Petronilo Gonçalves da Silva, que os guardou.
Os cadernos apresentam a estrutura física de folha dupla de papel almaço com 23
linhas sem margens e foram utilizados no decorrer do ano de 1949. Um deles compreende o
período de maio a novembro de 1949, e é destinado ao registro de ditados e exercícios de
língua portuguesa e alguns exercícios de ciências, história e geografia. O outro caderno
70
compreende o período de 22 de setembro a 05 de novembro de 1949, e nele estão registradas
as cópias, exercícios de língua portuguesa e alguns exercícios de aritmética. As sete últimas
páginas deste caderno, contem anotações particulares da aluna: desenhos e versinhos com data
de 1951. Em ambos os cadernos os registros foram feitos na maioria das vezes em caneta
azul, e algumas vezes em lápis e caneta de outra cor.
Na figura 6 a seguir, pode-se observar a capa e contracapa de um dos cadernos. Na
parte superior da capa está escrito “Caderno União” e embaixo dessa informação a foto da
“Livraria e Papelaria União” juntamente com as informações e endereço de sua localização
em Cuiabá. Provavelmente tal livraria confeccionava e comercializava cadernos. Logo abaixo
do título do caderno na figura 6, existe uma foto do Colégio Estadual de Mato Grosso, o
Liceu Cuiabano. O liceu foi criado em 1879 e em 1944 recebeu um prédio novo com
arquitetura moderna cuja construção fez parte do programa de desenvolvimento urbano
realizado pelo interventor Júlio Muller, denominado “Obras Oficiais” o qual equipou a cidade
com diversas obras públicas (BUZATO, 2017). Neste contexto, a arquitetura moderna do
Liceu Cuiabano fazia parte do novo cenário da cidade, o que demonstra que a escola se
transformou num belo cartão postal da época e era motivo de orgulho para a população.
71
Figura 6 - Capa e contracapa do caderno utilizado em 1949
Fonte: Acervo pessoal de Petronilo Gonçalves da Silva. 1949.
No espaço reservado para as informações da escola e do estudante, pode-se perceber
que a aluna escreveu seu nome, o nome da escola e no espaço para indicar a série que estava
cursando escreveu “4º ano”. Contudo, sabe-se que nesse período a legislação vigente ainda
era o Regulamento da Instrução Pública do Ensino Primário de 1927, que estabelecia a
duração do curso do ensino primário rural em dois anos.
Ao verificar as atividades dos cadernos observa-se que foi dada maior importância a
escrita quando comparada aos outros conteúdos desses cadernos, sendo esta disciplina
desenvolvida por meio de cópias, ditados e atividades gramaticais. O caderno no qual estão
registrados os ditados, conta também com exercícios de análise gramatical de algumas
palavras: pronome; substantivo; verbo; artigo e adverbio. Ainda, observa-se correção de
frases, sinônimos das palavras e formação de sentenças com grupos de palavras. Fora do
conteúdo de língua portuguesa há, ainda, perguntas de geografia relacionadas ao sistema solar
e de ciências relacionadas ao corpo humano.
No caderno em que estão registradas as cópias podem ser verificados exercícios de
análise gramatical de algumas palavras bem como alguns exercícios de aritmética: problemas
72
com enunciado envolvendo números fracionários; exercícios relacionados a números
decimais; algarismo romano, grandezas e medidas. Percebe-se que os conteúdos estudados se
direcionavam aos alunos que já haviam concluído o processo de alfabetização.
É importante salientar que os exercícios relacionados aos conteúdos de ciências,
geografia e aritmética foram registrados em apenas um dia no intervalo de maio a novembro
de 1949. Os exercícios de aritmética aparecem no dia seis de novembro no caderno de cópia,
os exercícios de ciências no dia sete de junho e os de geografia no dia dezoito de agosto,
todos no caderno de ditado.
Embora não haja informações claras de que o caderno analisado era destinado à
cópia e ditado, essas atividades não aparecem num mesmo caderno, o que dá indícios que
havia outros cadernos destinados às outras áreas do conhecimento e que a aluna tenha feito os
registros de tais conteúdos eventualmente nesses cadernos.
Os textos utilizados nos ditados e cópias eram os mesmos e foram trabalhados apenas
em datas alternadas (figura 8). Observa-se que ditado e a cópia eram recursos utilizados
diariamente em sala de aula como meio para memorizar e aperfeiçoar a linguagem escrita.
73
Figura 7 - Ditado e cópia. Ditado do dia 07/06/1949 e cópia do dia 05/07/1949. Método Experimental
Fonte: Acervo pessoal de Petronilo Gonçalves da Silva. 1949
Observa-se que o texto foi utilizado como meio de memorização e aprimoramento da
escrita. Em um primeiro momento foi utilizado como ditado seguido de exercícios de
ciências, já em um segundo momento como cópia seguido de exercícios de análise gramatical
de algumas palavras. Ao comparar o conteúdo desses cadernos com o programa de ensino
destinado às escolas rurais, estabelecido pelo Regulamento de Ensino de 1927, constata-se
que os cadernos garantem o cumprimento do que era prescrito para a instrução primária
rudimentar, pois o programa constava de escrita, as quatro operações sobre números inteiros,
noções de história pátria, geografia do Brasil e de Mato Grosso e noções de higiene.
Na tarefa de educação moral e cívica religiosa contida no caderno (figura 8), foi
possível perceber a influência da igreja católica nas práticas escolares. Uma vez que o
conteúdo demonstra que havia orientação dos princípios religiosos, ou seja, da moral católica
intercalados com o sentimento de civismo e deveres com a pátria. O exercício consta de
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quatro perguntas específicas sobre a doutrina católica que por sua vez são respondidas pela
aluna.
Figura 8 - Tarefa de E. M. e Cívica Religiosa
Fonte: Acervo pessoal do Senhor Petronilo Gonçalves da Silva
Ao redigir a tarefa a próprio punho a professora deixa sua impressão registrada no
caderno, que é representada também pelas marcas de sua correção. Nesse contexto, Isa
Cristina da Rocha Lopes em “Cadernos Escolares: Memória e discurso em marcas de
correção” destaca que as marcas de correção é uma prática discursiva que intercala as relações
de ensino e aprendizagem.
As marcas de correção materializam uma representação da memória
discursiva da comunidade escolar. O dizer do professor, que se materializa
por meio delas, constitui-se em um dos elementos que contribui para
delinear a identidade profissional docente, já que é um discurso em relação
estreita com práticas especificas ao contexto escolar e não a outro. (LOPES,
2008, p.200)
Nesse sentido é possível perceber a presença da professora em todas as atividades do
caderno. Nas atividades dos cadernos consideradas como corretas a professora grafava a letra
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“C” e para indicar os erros escrevia de forma correta em cima da palavra que estava grafada
com erros; ou ainda passava um risco em cima das palavras e escrevia novamente de forma
correta. Nota-se a atribuição de nota para todas as atividades, apesar disso não se pôde
perceber os critérios utilizados pela professora ao realizar as avaliações. Contudo, foi possível
perceber que às atividades que não apresentavam erros ou apresentavam um pequeno número
de erros, era atribuída a nota 10, e para as atividades que continham um número maior de
erros, as notas atribuídas oscilavam entre 8, 9 e 9,5. Em algumas cópias e ditados para os
quais foi atribuída a nota 10, pôde-se observar a inserção gráfica da professora com a
expressão “Muito Bem” – expressão esta que indica uma relação de afeto referente às
atividades da aluna.
Observa-se também que a professora corrigia as atividades com uma cor de caneta
diferenciada da cor da caneta da aluna. Na maioria das atividades a aluna escreve com caneta
azul e a professora corrige com caneta vermelha, mas em alguns casos a professora corrige
com lápis de cor azul ou caneta preta.
Desse modo, o registro do ditado, da cópia e dos demais exercícios no caderno de
classe, fazia parte do trabalho escolar mediado pela professora, representada nas marcas de
correções impressas nos cadernos. A análise dos cadernos retrata que o uso do caderno nas
práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso era feito para copiar, escrever,
elaborar frases, resolver exercícios. Esta análise do material permitiu revelar algumas formas
de organização do trabalho das professoras no cotidiano das aulas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta pesquisa consistiu em analisar o cenário educativo rural de Mato
Grosso e compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom
Sucesso na memória de ex-alunos e de uma ex-professora, no recorte temporal compreendido
entre 1937 a 1952. Para isto foi necessário analisar as políticas educacionais que circulavam
no Brasil a respeito do ensino primário rural em Mato Grosso comparando-se as normas às
práticas escolares (JULIA, 2001).
O ideário pedagógico preconizado para a educação rural apoiou-se numa concepção
que vislumbrava uma escola rural diferenciada, adequando-se para realizar os saberes
necessários para o homem e o trabalho do campo. Dessa forma, a escola era também
responsável por proporcionar desenvolvimento ao homem do campo, no sentido de prepará-lo
para a sociedade moderna. Havia no imaginário da sociedade as representações construídas
sobre o indivíduo rural que creditava ao campo uma população atrasada e sem cultura.
Essas discussões desencadearam políticas e programas voltados para a
instrumentalização do trabalhador rural. Contudo, pôde-se constatar que a escola rural chegou
até a metade do século XX apresentando algumas características das políticas públicas dos
anos anteriores, como por exemplo as condições precárias de ensino e a maioria dos
professores leigos. Nesse contexto, encontravam-se as escolas rurais de Mato Grosso, das
quais fazia parte a Escola Rural Mista de Bom Sucesso.
Os vestígios de alguns documentos e leituras acerca da história da educação nacional
e regional permitiram apreender alguns aspectos da história e das práticas pedagógicas da
escola. Assim, pôde-se perceber que a mesma funcionou por muitos anos como escola-casa e
neste espaço as autoridades revezavam professores que trabalhavam com alunos de diversas
idades e de diferente avanço escolar.
Nesta dissertação, em consonância com o referencial teórico apresentado, entende-se
a memória como uma construção social e como uma ferramenta importante para a
compreensão da escola. A partir das lembranças dos sujeitos da pesquisa (ex-alunos e ex-
professora), fontes vivas que fizeram parte do contexto escolar da Escola Rural Mista de Bom
Sucesso, constatou-se um sentimento compartilhado de saudade, uma vez que todos se
referiram ao tempo da juventude em seus relatos. Esse sentimento sobrevive ao tempo, mbora
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em seus depoimentos todos os sujeitos retratem as muitas dificuldades de um tempo marcado
por pobreza e por árduo trabalho para economia de subsistência.
As representações da cultura escolar pelos alunos foram marcadas pela rigidez do
ensino. Exigia-se deles uma rotina rigorosa, na qual era necessário muito esforço para
conseguir acompanhar os conteúdos proporcionados, sendo a memorização a principal
estratégia de aprendizagem. A responsabilidade do avanço escolar era atribuída quase que
exclusivamente ao aluno.
Os depoimentos dos alunos apresentam reflexões acerca da autoridade do professor:
para eles os professores daquele tempo eram respeitados em comparação com a realidade de
hoje. Os sujeitos atribuem a autoridade que o professor tinha outrora em sala de aula como
resultado do bom desempenho dos alunos na escola.
De alguns dos aspectos da cultura escolar que foram possíveis de ser apreendidos a
partir da memória dos ex-alunos, os castigos escolares foram os que mais chamaram atenção.
Os castigos escolares eram empregados como forma de garantir a aprendizagem. Nesse
sentido, marca-se que os castigos físicos em relação à indisciplina também foram relatados,
mas, com a informação de que tinham a aprovação dos pais. A escola era a extensão de casa,
logo o professor tinha também o direito de aplicar castigos físicos para corrigir algum mal
comportamento. Por outro lado, todos os ex-alunos reconhecem e dão importância a formação
que receberam. Acreditam que o ensino naquele tempo era melhor, e que toda rigidez era
necessária. Com o olhar de hoje compreendem que o ensino se configurava daquela forma
pelo contexto histórico da época, e guardam profundo respeito pelas professoras que passaram
pela escola no tempo em que foram alunos.
A partir das reflexões sobre o depoimento da professora, foi possível perceber o
descaso por parte dos governantes em relação às escolas rurais. As dificuldades vivenciadas
em seu início de carreira docente retratam as condições de ensino da época das escolas rurais
em Mato Grosso. Dificuldade de acesso, falta de mobiliário, de recursos pedagógicos e
sobretudo ausência de orientação pedagógica. Contudo constatou-se que a determinação da
docente foi maior do que os contratempos. Em suas memórias a professora narrou sua
experiencia em um tempo de dificuldades, mas, da mesma forma como os ex-alunos narrou o
sentimento de orgulho por fazer parte do contexto da escola.
Os cadernos são elementos constitutivos das práticas escolares, a análise dos
conteúdos de um caderno de classe referente ao ano de 1949, permitiu compreendê-los
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também como memória de uma cultura escolar, reflexo das formas de organização pedagógica
da Escola Rural Mista de Bom Sucesso naquele momento.
Para finalizar, compreende-se que outras investigações serão necessárias para
compreender melhor a cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Ouviu-se
alguns sujeitos que tiveram acesso à escola e nela permaneceram e concluíram a instrução
primária rudimentar. No entanto, nesse processo, sabe-se, haviam aqueles que não
aprenderam, que abandonaram a escola e ainda aqueles que não tiveram acesso à mesma.
Dessa forma, pode se tomar como objeto de investigação as memórias de sujeitos que não
concluíram o ensino primário não foram ouvidas.
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ANEXOS
ANEXO 1 – Ofício à Instrução Pública Primária do Ensino de Mato Grosso
Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso.
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ANEXO 3 – Horário Modelo para as Escolas Isoladas – 1916
Fonte: Arquivo Público de Estado de Mato Grosso.