memÓrias da escola rural: representações da cultura ... · resumo esta pesquisa refere-se a uma...

88
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SILVANA MARIA DA SILVA MEMÓRIAS DA ESCOLA RURAL: Representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex- alunos e uma ex-professora (1937 1952) CUIABÁ-MT 2018

Upload: truongliem

Post on 13-Feb-2019

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SILVANA MARIA DA SILVA

MEMÓRIAS DA ESCOLA RURAL: Representações da cultura

escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-

alunos e uma ex-professora (1937 – 1952)

CUIABÁ-MT

2018

SILVANA MARIA DA SILVA

MEMÓRIAS DA ESCOLA RURAL: Representações da cultura

escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-

alunos e uma ex-professora (1937 – 1952)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito parcial para a obtenção

do título de Mestra em Educação na Linha de

Pesquisa Cultura memória e Teorias em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá

CUIABÁ-MT

2018

A meus avós: Raimundo José da Silva e Maria José da Silva.

Integrantes da população rural que não tiveram oportunidade de ter

acesso a uma escola isolada.

AGRADECIMENTOS

Agradeço em especial àqueles que sempre me apoiaram incondicionalmente, e que

com certeza são os que mais compartilham da minha alegria: meus pais Miguel e Maria

Abadia.

À minha orientadora Prof.ª Dra. Elizabeth Figueiredo de Sá, pelo acolhimento no

grupo de pesquisa em História da Educação e Memória – GEM. Toda gratidão pelo incentivo

e pelo exemplo de competência. Suas críticas construtivas e reflexões foram fundamentais ao

longo do processo. Obrigada pela atenção, compreensão e paciência em suas orientações.

À minha filha Sarah, pela compreensão nos momentos de ausência. Seu incentivo foi

fundamental e me trouxe até aqui.

Ao meu namorado e parceiro Mauro, pelo encorajamento, paciência e compreensão

demonstrados durante a realização deste trabalho.

Às minhas irmãs: Sônia, Sirlene e Solange, aos sobrinhos e cunhados, sou agradecida

pelo incentivo e pelo apoio nas grandes e pequenas coisas.

Aos senhores Petronilo Gonçalves da Silva, Belmiro Rosa e às senhoras Albertina

Rosa e Gonçalina Rosa pela fundamental contribuição em seus depoimentos.

À Banca examinadora pela disposição em participar deste processo.

Aos professores do Mestrado em Educação.

Ao grupo de pesquisa em História da Educação e Memória – GEM, pela contribuição

em meu processo de aprendizagem na pós-graduação.

Aos amigos: Alencar Cardoso, Inês Helena, Ana Tereza, José Ferreira, Vânia Silva,

Rômulo Amorim, Kleberson Oliveira, Eliane Winck, Crystyne Gomes e Marinalva Siqueira

pelas palavras incentivadoras, apoio e contribuições.

À Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – SEDUC – MT, por conceder-

me licença para qualificação profissional.

A todos que participaram direta e indiretamente da elaboração desta dissertação.

RESUMO

Esta pesquisa refere-se a uma investigação na área da história da educação tendo como

enfoque a educação rural. Tem por objetivo analisar o cenário educativo rural de Mato Grosso

e compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na

memória de ex-alunos e uma ex-professora, no recorte temporal entre os anos de 1937 e 1952.

A pesquisa buscou responder a seguinte indagação: Quais as representações de cultura escolar

presentes nas memórias de ex-alunos e ex-professora da Escola Rural Mista de Bom Sucesso

no período de 1937 a 1952? Para responder à problematização e alcançar os objetivos

propostos a análise desta pesquisa teve abordagem teórica fundamentada na História Cultural.

Utilizou-se a História Oral como opção metodológica por esta propiciar o registro de

lembranças que possam auxiliar na interpretação do passado. Assim foram utilizados

depoimentos de três ex-alunos da Escola rural Mista de Bom Sucesso e de uma ex-professora,

bem como as seguintes fontes documentais: Leis, Decretos, Regulamentos e Mensagens dos

governadores, ofícios, atestados, livros de movimento escolar, mapas de movimento mensal.

Todos as fontes documentais foram localizadas no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT),

no arquivo do Grupo de História da Educação e Memória GEM/IE/UFMT, e em acervo de

particulares. Os ex-alunos e ex-professora narraram suas memórias demonstrando saudades

apesar das muitas dificuldades enfrentadas na época. Constatou-se por meio da pesquisa que

as representações da cultura escolar na memória dos ex-alunos foram marcadas pela rigidez

do ensino. Exigia-se destes uma rotina rigorosa, na qual era necessário muito esforço para

conseguir acompanhar os conteúdos estudados, sendo a memorização a principal estratégia de

aprendizagem. Dessa forma a responsabilidade do avanço escolar era atribuída quase que

exclusivamente ao aluno.

Palavras-chave: história da educação rural, memória, cultura escolar.

ABSTRACT

The research is an investigation in the Education History field that focus in the rural

education. It aims to analyze the rural educational scene in Mato Grosso and to understand the

representations about the school culture of the Mixed-sex Rural School of Bom Sucesso in the

memories of former students and a former teacher, between the years 1937 – 1952. The

research tried to answer the following question: Which are the representations of the school

culture that are reside in the memories of former students and a former teacher in the Mixed-

sex Rural School of Bom Sucesso during 1937 – 1952? To answer the problematizated

question and achieve the objectives of the research, it used a theoretical approach based in

Cultural History. It used the Oral History as the methodological option because it provides the

memory record that can help in interpretation of the past. Therefore, the testimony of three

former students and of a former teacher of the Mix-sexed Rural School of Bom Sucesso were

used joined by the following documents: laws, decrees, regulations, messages of the

governors, trades, certificates, books of the school audit, maps of the school audits. All the

documentary sources were localized in the Publich Archive of Mato Grosso (APMT), and in

the History Education and Memory Group GEM/IE/UFMT, and in a few private archives.

The former students and the former teacher narrated the memories showing that they miss

those times even tough they have experienced a lot of difficulties in the narrated period. It

was testified by this research that the representations of the school culture in the memories of

the former students and the former teacher were marked by the rigidity of the teaching

process. It was demanded from them a rigorous routine in which it was necessary a lot of

effort to achieve the knowledge and the memorization process was the main learning strategy.

By this sense, the responsibility for the school advancement was assigned almost exclusively

to the student.

Keywords: Rural Education’s History, memory, school culture

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa de localização da povoação de Bom Sucesso ................................................ 12

Figura 2 - Senhor Gil João da Silva e crianças da família - Anos 1950 ................................... 44

Figura 3 - Bom Sucesso antes da enchente de 1974 ................................................................ 45

Figura 4 : Vila Nova - Time de Futebol Amador – Anos 1950 ............................................... 47

Figura 5 - Mapa do Movimento Mensal da Escola Rural Mista de Bom Sucesso ................... 54

Figura 6 - Capa e contracapa do caderno utilizado em 1949 ................................................... 71

Figura 7 - Ditado e cópia. Ditado do dia 07/06/1949 e cópia do dia 05/07/1949. Método

Experimental ............................................................................................................................ 73

Figura 8 - Tarefa de E. M. e Cívica Religiosa .......................................................................... 74

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Movimento Escolar 1938 ....................................................................................... 51

LISTA DE ABREVIATURAS

APMT - Arquivo Público de Mato Grosso

GEM - Grupo de Pesquisa em História da Educação e Memória

IE - Instituto de Educação

UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso

SEDUC - Secretaria de Estado de Educação

MT - Mato Grosso

EMEB - Escola Municipal de Educação Básica

INEP- – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

CNER-Campanha Nacional de Educação

CBAR - Comissão Brasileiro-Americana de Educação de Populações Rurais

UDN- União Democrática Nacional

PSD - Partido Social Democrático

SUMÁRIO

CAPITULO 1: O ENSINO RURAL E AS DISCUSSÕES NO CENÁRIO EDUCATIVO

................................................................................................................................................ 21

1.1 O Ensino Rural no Brasil .................................................................................................................... 21

1.2 As discussões do Ruralismo Pedagógico .......................................................................................... 24

1.3 O Ensino Rural em Mato Grosso ....................................................................................................... 29

1.3.1 O discurso do Ruralismo Pedagógico em Mato Grosso e o papel do professor ........................... 32

1.3.2 As diretrizes para o ensino rural em Mato Grosso ........................................................................ 35

CAPÍTULO 2: A HISTÓRIA DO DISTRITO DE BOM SUCESSO E DA ESCOLA

RURAL MISTA DE BOM SUCESSO ............................................................................... 40

2.1 O Distrito de Bom Sucesso ................................................................................................................ 40

2.2 A História da Escola Rural Mista de Bom Sucesso............................................................................ 48

CAPÍTULO 3: A CULTURA ESCOLAR DA ESCOLA RURAL MISTA DE BOM

SUCESSO .............................................................................................................................. 56

3.1 As Representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de ex-

alunos ................................................................................................................................................................. 57

3.2 As representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na memória de uma

ex-professora ...................................................................................................................................................... 64

3.3 Os cadernos: materialização das representações. ........................................................................... 68

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 76

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 79

ANEXOS ............................................................................................................................... 84

ANEXO 1 – Ofício à Instrução Pública Primária do Ensino de Mato Grosso .............. 84

ANEXO 2 - Atestado de Frequência .................................................................................. 85

ANEXO 3 – Horário Modelo para as Escolas Isoladas - 1916 ........................................ 86

ANEXO 4 – Atestado de exercício ...................................................................................... 87

ANEXO 5 – Atestado de gozo de férias .............................................................................. 88

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo analisar o cenário educativo rural de Mato Grosso e

compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na

memória de ex-alunos e uma ex-professora, no recorte temporal compreendido entre os anos

de 1937 e 1952.

O Distrito de Bom Sucesso1 é uma comunidade ribeirinha rural localizada a 15

quilômetros de Várzea Grande, município integrante da Região Metropolitana do Vale do Rio

Cuiabá. Situado geograficamente à margem direita2 desse rio, o distrito de Bom Sucesso é de

fácil acesso e também próximo à capital Cuiabá, fazendo parte da rota do turismo de Mato

Grosso denominada Rota do peixe3.

Figura 1 - Mapa de localização da povoação de Bom Sucesso

Fonte: Vítor Augusto L. Camacho, 2018

1A escrita da palavra é grafada popularmente Bonsucesso, sem separação, no entanto, optou-se nesta pesquisa

grafar a palavra na forma encontrada nos documentos históricos e no documento de criação do Distrito de Bom

Sucesso, ou seja, na forma composta: Bom Sucesso 2 O mapa da Figura 1 foi elaborado utilizando o norte geográfico como referência. 3 Rota do Peixe - Projeto de incentivo ao turismo coordenado pelo SEBRAE em Bom Sucesso no início dos anos

2000 (Gazeta Digital, 06/02/2005). Atualmente foi instituído pela lei n.10.426, de 30/08/16 o Projeto Rota do

Peixe no Vale do Rio Cuiabá, no intuito de fomentar o ecoturismo e a gastronomia regional. O projeto definiu

cinco pontos para a rota: Santo Antônio do Leverger e Barão de Melgaço; Nossa Senhora do Livramento e

Poconé; Jangada e Acorizal; Cuiabá e Várzea Grande. https://www.iomat.mt.gov.br/ acesso em 07/09/2017 às

15h47.

13

Bom Sucesso é pertencente ao município de Várzea Grande, cuja emancipação

municipal ocorreu por meio da Lei nº 126 de 23 de setembro de 1948. Nessa mesma lei foi

anexada a povoação de Bom Sucesso como Distrito de Várzea Grande. Até esse período, o

município de Várzea Grande correspondia ao terceiro distrito da Capital mato-grossense. O

memorialista Ubaldo Monteiro (1987) destaca que a integração da Vila de Várzea Grande

com o município de Cuiabá era realizada por meio de canoas ou pela Barca Pêndulo do Porto

até o ano de 1942, período em que foi inaugurada a ponte sobre o rio Cuiabá.

Atualmente, o distrito é formado por duas ruas paralelas ao rio Cuiabá: uma rua

principal na beira do rio e outra paralela a ela. Essa rua principal percorre a extensão de um

quilômetro e é “calçada com blocos de cimento e ladeada por casas, geralmente próximos

umas das outras, com poucas cercas ou muros, quintais grandes e arborizados, e portas que se

abrem no passeio onde as pessoas costumam se sentar” (CAMPO, 2006, p. 21).

Na rua principal estão instaladas as peixarias que atendem ao turismo local e também

alguns engenhos que ainda funcionam na produção de rapadura e melado, costume que resiste

ao tempo e mantém a tradição do fabrico artesanal. Do outro lado do rio pode ser visto o

morro de Santo Antônio, tornando a paisagem de Bom Sucesso mais bela, bem descrita no

poema de Ivens Cuiabano Scaff:

Bonsucesso

O rio corre paralelo

A rua onde pessoas andam devagar

Passando pelas mangueiras

Pelo engenho, tamarineiros,

Igreja, escola e bar.

Onde coaxam os sapos

E meditam as garças

Do outro lado do Rio

O morro.

Pra que mais? (SCAFF, 2011, p.46)

Assim, ao chegar à comunidade o visitante depara-se com um cenário de beleza

natural e tranquilidade, contracenando com o jeito hospitaleiro das pessoas que vivem lá.

O turismo é fonte importante de renda para os moradores, além das peixarias que

servem culinária regional à base de peixe. As festas religiosas também são atrativas, sendo a

14

de maior representatividade a “Festa de São Pedro”4. Há também um modesto comércio de

doces e rapaduras produzidos artesanalmente pelos moradores, bem como o comércio de

redes confeccionadas em tear artesanal.

Além das atividades em torno do turismo, a comunidade desenvolve o cultivo de

pequenas lavouras, cerâmicas, frigoríficos, e chácaras de lazer.

Em Bom Sucesso apesar da intensificação do contato com povos de culturas

diferentes, com o intenso fluxo migratório e com a expansão do tecido

urbano somado ao acesso aos meios de comunicação de massa, as famílias

procuram conservar as tradições culinárias, nas relações sociais, nos

artefatos, nos mobiliários. (CAMPO, 2006, P.111-112).

O recorte temporal foi determinado pelos documentos e depoentes encontrados, pois

os ex-alunos depoentes estudaram no período do Estado Novo (1937-1945) e a ex-professora

lecionou no ano de 1952, coincidentemente quando tornou-se vigente o modelo de ensino

primário por meio do decreto Lei N.452 de 23/11/1951, a Lei Orgânica do Ensino Primário de

Mato Grosso, que foi fundamentada nas disposições da Lei Orgânica de Ensino Primário de

1946, substituindo assim o Regulamento de Ensino da Instrução Pública do Ensino Primário

em Mato Grosso, que estava em vigor desde 1927.

O interesse por estudar as memórias de uma escola rural surgiu a partir dos estudos

sobre escolas rurais desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em História da Educação e

Memória – GEM/IE/UFMT, coordenado pela professora Elizabeth Figueiredo de Sá. As

leituras e discussões em torno da história da educação de Mato Grosso e sobretudo sobre a

educação rural, despertou em mim o desejo de compreender melhor essa temática. Assim

sendo, surgiram alguns questionamentos sobre o ensino primário rural no estado que

versavam minhas indagações tais como: quais eram as práticas escolares no meio rural e as

memórias dos sujeitos que frequentaram essas escolas? Minha identificação com o tema

também está em minha origem rural da qual tenho orgulho. Cresci ouvindo minha mãe dizer

que mudamos para a cidade porque queria que frequentássemos uma boa escola, o que não

havia na roça. Desse modo, além de me proporcionar a prática reflexiva acerca da minha

história, estudar as lembranças da cultura escolar dos ex-alunos e de uma ex-professora da

Escola Rural Mista de Bom sucesso pode ajudar a compreender a história da educação de

4 A Festa de São Pedro, também conhecida como Festa dos Pescadores é realizada pela Associação de

Pescadores de Bom Sucesso. Teve início em 1980. Para saber estudo detalhado sobre essa festa ver “A festa do

Pescador em Bonsucesso: a produção social da festa” de Oliveira (2012).

15

Mato Grosso permitindo aquisição de novos conhecimentos que possam contribuir com a

preservação da memória da educação rural e do patrimônio educativo.

Para chegar aos sujeitos da pesquisa, num primeiro momento foi feito um

levantamento no Centro de Documentação da Secretaria Estadual de Educação de Mato

Grosso SEDUC/MT afim de averiguar quais os documentos que haviam lá sobre as escolas

isoladas rurais que se localizavam próximas à Cuiabá e que foram desativadas no decorrer da

década de 1970. Considerando que o Centro de Documentação da SEDUC-MT é um arquivo

referente à documentação escolar de alunos, o objetivo era localizar possíveis nomes

observando a idade dessas pessoas, para que se pudesse tentar localizar alguns ex-alunos e

assim verificar a possibilidade de estes se tornarem sujeitos da pesquisa.

Nesta busca, através de uma conversa sobre a pesquisa com uma amiga, a professora

Eliane Winck, gestora da escola EMEB Maria Barbosa Martins na comunidade rural de Bom

Sucesso em Várzea Grande, fui informada de que lá havia algumas pessoas mais antigas da

comunidade e que estas foram alunos e professores da escola supracitada, sendo denominada

naquele tempo Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Dessa forma, Eliane Winck apresentou-

me à professora Helena Rosa cujos pais estudaram na Escola Rural Mista de Bom Sucesso no

período do Estado Novo: O senhor Belmiro da Rosa e dona Albertina da Rosa. Em conversa

com o casal eles me apresentaram o senhor Petronilo Gonçalves da Silva, que iniciou seus

estudos na escola, no final dos anos 1940. E, por fim, conheci por indicação também do casal

a professora Gonçalina Barros da Rosa, que iniciou sua carreira docente na Escola Rural

Mista de Bom Sucesso em 1952. Estava formada assim a minha rede de contato, fontes vivas

que fizeram parte do cotidiano da escola rural naquele período.

O projeto de pesquisa foi submetido à plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de

Ética e Pesquisa, no qual consta o termo de livre consentimento dos sujeitos da pesquisa

autorizando a divulgação dos depoimentos. Tendo o consentimento dos depoentes, optou-se

por nomear os sujeitos por compreender que não havia implicação ética e por julgar ser

importante valorizar esses sujeitos sociais.

Nesse sentido, a pesquisa pauta-se na seguinte indagação: Como se representa a

cultura escolar nas memórias de ex-alunos e ex-professora da Escola Rural Mista de Bom

Sucesso no período de 1937 a 1952?

Para responder à problematização e alcançar os objetivos propostos anteriormente, a

análise desta pesquisa tem abordagem teórica fundamentada na Nova História Cultural, por

16

esta possibilitar um novo olhar sobre a historiografia e ser aberta a novas conexões com

outras modalidades e campos de saber (BARROS, 2011), viabilizando assim o trabalho com

diferentes métodos e objetos.

A história cultural afasta-se sem dúvida de uma dependência demasiada

estrita em relação a uma história social fadada apenas ao estudo das lutas

econômicas, mas também faz o retorno útil sobre o social, já que dedica

atenção às estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que

constroem para cada classe grupo ou meio um “ser percebido” constitutivo

de sua identidade (CHARTIER, 2002, p.73).

Ao renunciar uma história numa concepção global, bem como, em tratar as

explicações da realidade a partir das divisões sociais para compreender as diferenças culturais,

optou-se então por investigar a realidade social a partir de acontecimentos menores, dando

valor ao particular, priorizando a análise de diversos modos de vida, de pensar e agir, em

diferentes espaços e contextos.

Nesta perspectiva, segundo Chartier (2002), as representações da realidade são

construídas culturalmente pelos diferentes grupos sociais, justificando e legitimando um

determinado lugar social concomitantemente a própria representação em jogo. Para o autor a

noção de Representações envolve modalidades da relação com o mundo social:

De início, o trabalho de classificação e de recorte que produz as

configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é

contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma

sociedade; em seguida as práticas que visam a fazer reconhecer uma

identidade social, a exibir uma maneira própria do ser no mundo, a significar

simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim as formas

institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais ‘representantes’

(instancias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e

perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da classe (CHARTIER,

2002, p. 73).

A construção das identidades sociais é resultante da relação de forças entre as

representações que são impostas entre os grupos, bem como, o modo de aceitação ou não por

parte do grupo de pessoas envolvidas. Ou seja, a comunidade e o recorte social confirmam a

representação que cada grupo faz de si mesmo permitindo reconhecer sua existência. Assim, o

trabalho com a noção de representações caracteriza-se enquanto representações coletivas e

individuais e possibilita o entendimento de como os sujeitos se relacionam com o mundo.

Sendo a escola uma instituição que está inserida numa determinada realidade social,

as investigações que se propõem a compreender as práticas escolares e suas representações,

17

também compõem os estudos no contexto da história cultural, dialogando com a cultura

escolar que se destacou como categoria nos estudos historiográficos a partir dos anos 1990,

por meio dos trabalhos de Chervel, Dominique Julia, Vinão Frago, dentre outros teóricos que

propunham investigações acerca do funcionamento interno da escola (VIDAL, 2005).

Para essa pesquisa o referencial teórico adotado inspira-se nas contribuições de Julia

(2001), por considerar as relações conflituosas ou pacíficas que possa apresentar no estudo da

cultura escolar, definindo-a como:

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a

inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses

conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas

coordenadas e finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades

religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA, 2001,

p.10).

O que permite considerar todos os envolvidos no âmbito escolar como importantes

para a compreensão da escola e suas práticas. Para tanto, ao se desenvolver estudos a partir de

representações e memória deve-se considerar “as temporalidades, as distinções, e os conflitos

sociais” (JULIA, 2001, p. 10).

Nesta direção o autor define três eixos que considera vias importantes para a

compreensão da cultura escolar que são: o interesse pelas normas e pelas finalidades que

regem a escola; a avaliação do papel desempenhado pela profissionalização do trabalho do

educador; e o interesse pela análise dos conteúdos ensinados e das práticas escolares (JULIA,

2001). Assim, as normas e finalidades que regiam as escolas rurais puderam ser analisadas

pelos relatórios e mensagens dos governantes da época, articulando as fontes oficiais às

práticas pedagógicas.

Para as investigações sobre representações e memória foi utilizada a História Oral

como opção metodológica por propiciar o registro de lembranças que possam auxiliar na

interpretação do passado. Os primeiros trabalhos com história oral foram realizados durante

os anos de 1928 e 1920 por pesquisadores dos Estados Unidos que publicaram histórias de

vida de imigrantes poloneses. Nos anos 1960 destacou-se o trabalho com história oral

utilizado como forma de dar visibilidade aos grupos considerados excluídos. Nos anos 1970

deu-se início a uma história oral mais acadêmica quando surgiram revistas e manuais a fim de

normatizar a metodologia (ALBERTI, 2008).

18

De acordo com Ferreira (2002), a partir dos anos 1980, com a renovação nos

diferentes campos da pesquisa histórica na qual voltou-se as atenções às experiências

individuais, história e memória passaram a ser consideradas na investigação do conhecimento

histórico, e os depoimentos orais, embora apresentassem controvérsias, passaram a ser

reconhecidos como uma forma de pesquisa. Nesta perspectiva:

A história oral é hoje um caminho interessante para conhecer e registrar

múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentido a formas de vida e

escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as camadas da sociedade.

(ALBERTI, 2008, p.164)

Esta pesquisa está ancorada pela metodologia da história oral com o intuito de ouvir

as experiências de pessoas comuns e por meio delas registrar a história da educação rural de

um determinado grupo social.

O trabalho com memórias para Alberti (2008) é

[...] essencial a um grupo porque está atrelada à construção de sua

identidade. [...] é resultado de um trabalho de organização e de seleção do

que é importante para o sentimento de unidade de continuidade e de

coerência, isto é, de identidade (ALBERTI, 2008, p.167).

Portanto, a memória reporta a indícios que permitem a leitura e reflexão do passado,

pois possibilita inscrever depoimentos dos sujeitos sobre experiências que eles vivenciaram

em determinado momento. Assim sendo, a memória alude a acontecimentos que foram

importantes para o indivíduo, “sendo memórias que espelham determinadas representações”

(FERREIRA, 2002, p.324). Ou seja, as memórias não são verdades absolutas, mas são

representações que tornam compreensível o tempo lembrado.

Para Le Goff a memória coletiva é importante porque [...] é um elemento essencial

do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades

fundamentais do indivíduo e das sociedades [...] é não somente uma conquista é também

instrumento e um objeto de poder (LE GOFF, 1996, p. 410).

Ao recriar o passado se pode atribuir-lhe ressignificação. O autor pondera ainda que a

memória coletiva pode salvar o passado e servir ao presente e ao futuro, e que deve ser

utilizada pelo pesquisador de forma a libertar os homens e não para a servidão.

A discussão sobre memoria, esquecimento e silencio de Pollak (1989) revela que a

memória coletiva proporciona uma coesão social de determinado grupo, e pode resultar no

19

fortalecimento do sentimento de pertencimento de indivíduos a um determinado grupo. Nesta

direção, o autor afirma que a sociedade é composta por inúmeras memórias coletivas, e

quando estas não se integram a uma memória dominante, são esquecidas e se tornam

acessíveis por meio da história oral.

Na obra “Memória e sociedade: Lembrança de velhos”, Bosi (1995) destaca a

importância da memória como uma importante ferramenta para se recordar a história de

determinada época. Embora os indivíduos tenham lembranças específicas, ou seja, tenham a

sua própria visão de determinados fatos, quando a história é recontada acaba se interligando a

novas perspectivas e possibilitando a compreensão de um contexto de um tempo passado. A

memória é então uma construção social coletiva permeada pelas recordações dos fatos vividos

pelos indivíduos com as recordações dos demais membros de um determinado grupo.

Nesta perspectiva a autora destaca que as lembranças das vivencias dos sujeitos são

importantes para reconstruir o passado, e no caso dos idosos é ainda mais especial visto que:

Um mundo social que possui uma riqueza e uma diversidade que não

conhecemos pode chegar pela memória dos velhos. Momentos desse mundo

perdido podem ser compreendidos por quem não os viveu e até humanizar o

presente. A conversa evocativa de um velho é sempre uma experiência

profunda: repassada de nostalgia, revolta, ressignificação pelo

desfiguramento das paisagens caras, pela desaparição de entes amados, é

semelhante a uma obra de arte. Para quem sabe ouvi-la, é desalienadora,

pois, contrasta a riqueza e a potencialidade do homem criador de cultura com

a mísera figura do consumidor atual. (BOSI, 1995, p. 82 - 83).

Nesse contexto, os sujeitos dessa pesquisa são pessoas idosas que oscilam a idade

entre 78 e 90 anos e que vivenciaram o cotidiano da escola Rural Mista de Bom Sucesso. As

entrevistas foram realizadas por meio de depoimentos seguindo um roteiro semiestruturado no

qual foi tomado devido cuidado para deixar cada entrevistado à vontade para poder se

expressar e revelar suas recordações. Todas as entrevistas foram feitas na casa dos

entrevistados.

Foram utilizadas como instrumento de pesquisa fontes documentais tais como Leis,

Decretos, Regulamentos e Mensagens dos governadores, ofícios, atestados, livros de

movimento escolar, mapas de movimento mensal, localizadas no Arquivo Público de Mato

Grosso (APMT), no arquivo do Grupo de História da Educação e Memória GEM/IE/UFMT, e

fontes imagéticas de acervo de particulares que permitiram verificar informações sobre os

aspectos administrativos das escolas tais como número de professores das escolas rurais,

20

condições físicas, mobiliários e práticas pedagógicas. Não se perdeu de vista, com tudo que

essas fontes oficiais refletem também o ponto de vista de administradores públicos da época.

Foram utilizados também dois cadernos de classe do acervo particular do senhor

Petronilo Gonçalves da Silva, do ano de 1949 e que, nessa pesquisa foram tomados como

documento. Conforme Lopes (2006, p.190) o caderno “é um suporte de escrita portador de

marcas de quem ensina e de quem aprende. Os registros ali presentes assinalam um percurso

da memória escolar que é possível analisar e investigar as condições de sua produção

histórica” permitindo o exame dos conteúdos ensinados na época.

A pesquisa foi dividida em três capítulos: o primeiro intitulado: O Ensino Rural e as

discussões no Cenário Educativo, trata das discussões em torno das políticas educacionais

que orientavam o ensino rural no período de 1937 a 1952, onde se intentou compreender as

discussões que circulavam no Brasil a respeito do ensino primário5 rural e suas influências em

Mato Grosso.

No segundo capítulo intitulado A História do Distrito de Bom Sucesso e da Escola

Rural Mista de Bom Sucesso procurou-se evidenciar alguns aspectos da história de Bom

Sucesso, destacando o contexto socioeconômico e cultural da povoação no recorte temporal.

E ainda destacar alguns aspectos das práticas pedagógicas da Escola Rural Mista de Bom

Sucesso.

No terceiro e último capítulo denominado A Cultura Escolar da Escola Rural Mista

de Bom Sucesso, foi realizada a análise da representação da Cultura Escolar na memória de

três ex-alunos e de uma ex-professora. O capítulo apresenta, num primeiro momento, as

memórias de três ex-alunos que estudaram na escola no intervalo compreendido entre 1937 a

1952. E no segundo momento as memórias de uma ex-professora que iniciou sua carreira

docente no ano de 1952. Nesse capítulo é realizada também a análise de alguns conteúdos

retirados de um caderno de classe de uma ex-aluna da escola.

5 O ensino primário ficou por mais de cem anos sob a responsabilidade dos governos regionais, desde o Ato

Adicional de 1834. A reforma (Lei Orgânica do Ensino Primário) embora tenha sido pensada durante o Estado

Novo, foi publicada somente no ano de 1946 (PALMA FILHO, 2005).

21

CAPITULO 1: O ENSINO RURAL E AS DISCUSSÕES NO CENÁRIO EDUCATIVO

Neste capítulo6 serão abordadas as políticas educacionais que orientaram o ensino

rural brasileiro no período de 1937 a 1952 para compreender as discussões que circulavam no

Brasil a respeito do ensino primário7 rural, e as suas influências em Mato Grosso, visto que a

partir das normas e políticas públicas, pode-se compreender as práticas (JULIA, 2001).

1.1 O Ensino Rural no Brasil

Percorrendo os estudos sobre a história da educação Brasil percebe-se que a

escolarização rural sempre foi desvalorizada. Embora grande parte da população do país se

encontrasse na zona rural, não havia muita preocupação por parte dos governos em

desenvolver políticas públicas que fossem capazes de impulsionar a precária educação escolar

primária rural. Segundo Leite:

A educação rural no Brasil por motivos socioculturais, sempre foi relegada a

planos inferiores e teve por retaguarda o elitismo acentuado do processo

educacional aqui instalado pelos jesuítas e a intepretação político ideológica

da oligarquia agrária, conhecida popularmente na expressão: ‘gente da roça

não carece de estudos. ‘Isso é coisa de gente da cidade’. (LEITE, 1999, p.

14)

Tal fato se deve provavelmente pelo modo com que o indivíduo rural era concebido,

como atrasado e preguiçoso. Segundo Bareiro (2007), a partir dos anos 1930 se evidencia o

modo pejorativo de tratar os indivíduos do meio rural, assim:

Quando referia-se ao homem do campo, expressava-se uma forma de

tratamento, carregado também de juízo de valor: uma vida pacata e sem

perspectiva de desenvolvimento; suas atitudes demonstram o conformismo

com sua situação em que vivem; jeito simples e sem dinamismo ou malícia;

sotaque carregado que por muitas vezes usamos justamente para denotar a

falta de instrução durante uma conversa ou brincadeira; a cordialidade e

6 Parte desse capítulo foi publicado no artigo intitulado- As representações de intelectuais de Mato Grosso sobre

o professor rural no contexto do ruralismo pedagógico. 7 O ensino primário ficou por mais de cem anos sob a responsabilidade dos governos regionais, desde o Ato

Adicional de 1834. A reforma (Lei Orgânica do Ensino Primário) embora tenha sido pensada durante o Estado

Novo, foi publicada somente no ano de 1946. (PALMA FILHO, 2005).

22

simplicidade dessas pessoas que dispendem pouco interesse, o pensamento

vigente de que o pouco que se faça por eles já está de bom tamanho.

(BAREIRO, 2007, p.14/15)

Percebe-se que o rural e sua população eram subestimados e marginalizados, o

campo era visto como um lugar de atraso e havia uma representação coletiva (CHARTIER,

2002) sobre o homem do campo a qual colaborava para que muitos políticos acreditassem que

bastava o domínio das primeiras letras para estes sujeitos.

Segundo Chartier (2002) “[...] as representações coletivas que incorporam nos

indivíduos as divisões do mundo social organizam os esquemas de percepção a partir dos

quais eles classificam, julgam e agem” (CHARTIER, 2002, p. 11). Nesse sentido, as

representações indicam a maneira pela qual as pessoas constroem a realidade em tempos e

lugares diferentes. Assim, havia um conjunto de representações acerca da população dos

meios rurais que os classificavam como sujeitos atrasados, de menor valor, que não precisava

de muita coisa, e se conformavam com o pouco.

Para Hall (2016) a linguagem opera sistemas de representações na qual os indivíduos

dão sentido às coisas do mundo de forma coletiva, porém, conforme seu meio social e

cultural.

Essencialmente, podemos afirmar que essas práticas funcionam “como se

fossem línguas” não porque elas são escritas ou faladas (elas não são) mas

sim porque todas se utilizam de algum componente para representar ou dar

sentido àquilo que queremos dizer e para expressar ou transmitir um

pensamento, um conceito, uma ideia um sentimento. (HALL, 2016, p.24).

Nesta perspectiva, o autor explica que estereótipos são construídos como prática de

produção de significados, sobretudo, onde há desigualdade de poder na qual se constrói um

olhar sobre determinado grupo. O autor afirma que

[...] a estereotipagem reduz, essencializa, naturaliza e fixa a '“diferença”. (...)

implanta uma estratégia de ‘cisão’ que divide o normal e aceitável do

anormal e inaceitável. Em seguida, excluí tudo o que não cabe, o que é

diferente (HALL, 2016, P.191)

Constrói-se, assim, no imaginário da sociedade o estereótipo do homem do campo

como uma pessoa atrasada, sem cultura.

Pode-se tomar como exemplo a personagem Jeca Tatu, do romance Urupês de

Monteiro Lobato, uma vez que este é descrito como um caipira preguiçoso, analfabeto e sem

higiene. Pinho (2006), ao tratar sobre as representações construídas sobre os indivíduos dos

23

meios rural e urbano, destaca alguns textos que circularam no início do século passado que

afirmar essa representação coletiva do indivíduo rural. A autora cita, além do personagem

Jeca Tatu, um texto publicado no boletim Escolar Rural que descrevia uma peça de teatro na

qual a referência dada em relação a um personagem que vive no meio rural é a de uma pessoa

“[...] de aspecto doentio, voz fraca, faces cavadas, e macilentas, é preso de vez em vez, do

tremor próprio dos organismos depauperados” (ESCOLAR RURAL, 1950, P.27, apud

PINHO, 2006, p.50). A negação dos sujeitos do campo‚ de suas características‚ suas

realidades e cultura‚ por parte também dos governantes reforçava esse estereótipo.

A representação social do indivíduo rural ao que tudo indica refletiu nas iniciativas

públicas relegando-o a um segundo plano. A escola rural tornou-se pauta de discussões no

país nas políticas de combate ao analfabetismo, nos debates realizados na primeira

Conferência Nacional de Educação em 1927, que sinalizavam preocupações sociais e

educacionais abrangendo a problemática do ensino rural (ALMEIDA, 2011). Contudo, nas

práticas o que se verificava até o fim da primeira república era que:

A escola rural representava o local onde se pretendia dizer que se estuda. De

fato, pouco da escola poderíamos encontrar nos contextos dilapidados

espalhados pelo interior do Brasil; escolas sem qualquer condição de abrigar

suas crianças para o mínimo de ambiente qualitativo de aprendizagem.

(CAVALCANTE, 2010, p.554)

A partir dos anos 1930, com o processo de industrialização e modernização do país,

governantes e estudiosos da educação investiram em políticas públicas educacionais voltadas

à educação rural, pois a educação foi compreendida como o principal meio para que a

modernidade fosse alcançada no Brasil. Sá e Rodhen (2015) comentam que no campo da

legislação muitas foram as medidas que deram rumos para as reformas na educação, como a

criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, além da promulgação da

Constituição de 1934, que estipulou a demanda por um Plano Nacional de Educação,

garantiu o direito à educação reivindicada pelo Manifesto dos Pioneiros8 que defendia a

escola pública, laica, gratuita e obrigatória, organizou o ensino em sistemas, e criou os

8 O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova foi um documento no qual se apresentava os fundamentos do

escolanovismo no Brasil, elaborado por Fernando de Azevedo e assinado por mais de vinte e seis educadores do

país (ALMEIDA, 2001).

24

Conselhos de Educação, os fundos de reservas nos quais a União deveria reter pelo menos

20% destinados à educação, para a educação na zona rural (PALMA FILHO, 2005).

Nesse contexto de industrialização e urbanização, a indústria assume a direção da

economia e os interesses urbanos consolidam-se influenciando as políticas sociais, culturais e

educacionais. Assim, o ensino rural ganha visibilidade e os debates tornam-se mais intensos

com o objetivo de aproximar o indivíduo rural à modernidade presente no cenário urbano. Era

necessário instruir as pessoas que moravam no meio rural a se adequarem às transformações

sociais e econômicas, e assim compreenderem as ideias de progresso emergentes no país

(ALMEIDA, 2011).

No entanto, a educação rural era referenciada por sua ineficiência. Almeida (2011)

afirma que:

Muitas são as adversidades que acompanham a educação rural. Poucas e

precárias escolas distantes umas das outras, dificuldades de comunicação,

ausência de orientação metodológica e didática, faltas de verbas públicas na

escolarização, deficiências na formação de professores, currículos por vezes

inadequados, poucos materiais pedagógicos, falta de livros, entre outros.

(ALMEIDA, 2011, p.286)

Nesse cenário, intensificam-se as discussões com vistas a criar uma escola cujo

currículo atendesse as características e necessidades do homem do campo e, por outro lado,

fizesse com que essa população ali permanecesse, visto que nesse período devido às

condições precárias de vida no campo, o êxodo rural se intensificou nas regiões sul, sudeste e

nordeste do país. Desse modo, a crescente industrialização e urbanização tornaram-se

atrativas para a população rural que buscava melhores condições de vida na cidade, causando

“inchaço” urbano, provocando problemas sociais.

Essas questões em torno da educação rural foram desencadeadas por um movimento

denominado Ruralismo Pedagógico, sobre o qual teceremos reflexões no tópico a seguir.

1.2 As discussões do Ruralismo Pedagógico

O Ruralismo pedagógico teve início nos anos 1920 e se estendeu, segundo Bareiro

(2007), até os anos 1950. Foi um movimento defendido por educadores com o objetivo de

transformar a escola rural tendo como referência os saberes necessários para o homem e o

trabalho do campo. Nesta perspectiva, a escola além de instruir para o domínio da leitura e

25

escrita, deveria se responsabilizar pelo ensino de técnicas relacionadas ao cultivo da terra, da

pecuária e com conhecimentos sanitários. Com isso, pretendia-se fixar o trabalhador rural no

campo, tendo em vista o grande número desses indivíduos que estavam migrando para a

cidade. Conforme Bareiro (2007) a escola também seria:

[...] responsável pela mudança no pensamento do habitante rural, fazendo-o

observar os seus valores culturais e ao mesmo tempo integra-lo a um sistema

produtivo moderno. Assim a tarefa da escola seria suprir no educando essa

falta de cultura, para que ele pudesse se integrar no processo produtivo no

campo (BAREIRO, 2007, p. 22).

Consolidou-se assim a convicção de que a escola rural tinha a incumbência de

transformar a vida do trabalhador do campo por meio de seu currículo. E, ao professor caberia

a responsabilidade de desenvolver o trabalho docente mantendo o homem no campo. Diante

dessas prerrogativas, intelectuais como Sud Mennucci defenderam a necessidade de investir

na formação do professor rural. Muitos governantes compactuaram com essa ideia e criaram

Escolas Rurais Normais e/ou cursos complementares de ruralismo nos Cursos Normais já

existentes.

A esse respeito, é possível constatar experiências de Escolas Normais Rurais desde

1930 com base no pioneirismo da Escola Normal Rural na cidade de Juazeiro do Norte.

Segundo Araújo (2006), as escolas rurais do Ceará se configuraram como expressão de ideias

e de práticas influenciadas pelo ruralismo pedagógico de forma intensa. A autora afirma que

ser professora ruralista se concretizava pela presença da finalidade redentora e regeneradora

da sociedade cristalizando um ideal de professor como se fosse um apostolado carregado de

emotividade e idealismo. Na prática a estrutura da escola rural em quase nada foi alterada,

uma vez que era evidente o descaso do poder público, tendo em vista a ausência de

instrumentos necessários ao bom encaminhamento do processo de ensino nas escolas.

No Rio Grande do Sul, Werle (2006) reitera que as Escolas Normais Rurais foram

implantadas durante os anos 1940 e surgiram para conter o êxodo rural e as diversidades

regionais. O currículo era constituído por conhecimentos relacionados às lidas agrícolas

sertanejas ou litorâneas e, além de oferecer esse preparo para o mundo rural, tinha um forte

embasamento religioso.

Segundo Souza e Ávila (2014), no estado de São Paulo “o embate entre os ruralistas

e os liberais defensores da escola comum recortaram as representações sobre o homem do

campo, as finalidades sociais da escola e o papel dos professores primários rurais” (SOUZA;

26

ÁVILA, 2014, p. 15). Os ruralistas enfatizaram os problemas da educação rural no Brasil e

tiveram como um de seus principais defensores Sud Menucci, educador e ex-diretor da

Instrução Pública no Estado de São Paulo que se empenhou em defesa de uma escola

totalmente voltada para as questões do meio rural. Em relação à formação dos professores

rurais ele defendia uma formação especializada focada no ensino rural, e na organização

administrativa e pedagógica.

Havia, no entanto, outros educadores como Fernando de Azevedo e Almeida Júnior

que defendiam para o ensino rural o currículo da escola comum, contrapondo-se às ideias

ruralistas. Fernando Azevedo, juntamente com outros intelectuais escolanovistas, era crítico

dos ideais do ruralismo pedagógico, pois, para ele, havia um equívoco em atribuir um papel à

escola rural para solucionar os problemas do êxodo rural (SOUZA; ÁVILA, 2014). Nesta

perspectiva, Azevedo assinalava que:

Pedir, de fato, somente à educação rural ou esperar dela a solução racional

de um problema, que não é exclusiva, nem principalmente técnico, é incidir

no duplo erro de desconhecer a impossibilidade de estender a educação, nas

condições atuais, a todos os grupos dispersos pelo campo e pelos sertões, e

de obscurecer a questão com mais uma dessas ideias salvadoras de que tem

sido fértil o misticismo da mentalidade primária. (AZEVEDO, 1965, p. 39

apud, SOUZA; ÁVILA, 2014, p. 19).

E, nesse embate em relação à formação de professores, Almeida Júnior, em

contraposição à Escola Normal Rural, optou por acrescentar disciplinas específicas às

questões rurais ao Curso Normal já existente. Desse modo, foi ofertado esse tipo de curso em

duas escolas normais do estado: Escola Normal Livre em Santa Rita do Passa Quatro e na

Escola Oficial de São Carlos. Assim, “O sonho de Menucci de uma Escola Normal Rural

sucumbiu frente à outras opções de formação especializada, malogrou frente ao modelo de

formação ampliada e comum preconizada por Fernando de Azevedo no início dos anos 1930”

(SOUZA; ÁVILA, 2014, p.29).

Verifica-se, portanto, que o período entre os anos de 1930 e 1950 foi um período de

instituição do modelo de formação de professores rurais por meio das Escolas Normais

Rurais, especialmente após a Constituição Federal de 1946, que, a partir da lei Orgânica do

Ensino Normal, estabeleceu novas diretrizes para a educação no país, contemplando Escolas

Normais Regionais.

Além disso, ainda no campo educacional, foram desenvolvidas pelos governos

estaduais, em parcerias com a União, políticas voltadas para a permanência no meio rural. Em

27

1945 foi criada a Comissão Brasileiro-Americana de Educação de Populações Rurais –

CBAR, que tinha como finalidade a implantação de projetos educacionais e o

desenvolvimento das comunidades rurais, se destacando a elaboração de três subprogramas:

Os Centros de Treinamentos, as Semanas Ruralistas e os Clubes Agrícolas.

Ao término do Estado Novo foi elaborada a Constituição Federal de 1946, de cunho

liberal e democrático, que no campo educacional determinou a obrigatoriedade do ensino

primário e deu competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação

nacional. Regulamentou o ensino primário, o ensino normal e o ensino agrícola, por meio das

leis: Lei Orgânica do Ensino Primário, Lei Orgânica do Ensino Normal e Lei Orgânica do

Ensino Agrícola.

De acordo com o Decreto-lei nº 8.259, que promulgou a Lei Orgânica do Ensino

Primário a 02 de janeiro de 1946, a organização do ensino primário ficou dividida em duas

categorias: Ensino Primário Fundamental e Ensino Primário Supletivo. O ensino primário

fundamental subdividiu-se em ensino primário elementar com duração de quatro anos, e

ensino primário complementar com duração de um ano para crianças de 7 a 12 anos. O curso

supletivo primário tinha duração de dois anos e seu objetivo era promover a educação

primária a adolescentes e adultos que não tinham concluído o curso primário (BRASIL, Lei

Orgânica, 1946).

A partir dos anos 1950 iniciam-se de uma forma mais sistemática os programas

sociais do Governo Federal em parceria com o ministério da Agricultura e Ministério da

Saúde. Esses programas educacionais foram denominados como Extensão Rural, e se

configuraram enquanto assistência técnicas educativas (BAREIRO, 2007). Destacam-se

desses programas de extensão intitulado Campanha Nacional de Educação Rural – CNER –

que era um programa que prestava serviço educativo ao meio rural, preparava técnicos e

contribuía no sentido de melhorar a vida dos trabalhadores rurais em relação à saúde e

higiene, moral e civismo; e o Serviço Social Rural – SSR – que desenvolvia projetos e

programas visando a preparação técnica rural nas áreas de educação, saúde, trabalho,

associativismo, economia doméstica, entre outros. Destacam-se também as Missões Rurais

em parceria com a igreja católica e a Campanha nacional de Alfabetização de Adultos.

Estes eram pacotes educacionais estabelecidos por meio de acordo entre os Estados

Unidos e o Brasil e se tratavam de cursos rápidos, práticos e ocasionais, delimitados por ações

28

assistencialistas, sem discussão sobre os problemas existentes com os agricultores atendendo

apenas as necessidades imediatas (BAREIRO, 2007).

Cabe salientar que o tipo de ensino ofertado no meio rural não foi o responsável pela

migração do indivíduo rural para a cidade, uma vez que para os trabalhadores rurais o

conhecimento sempre tenha sido negado, sendo ofertado uma escola com programas de

ensino voltado para a instrução rudimentar – escola com uma proposta de ensino diferente da

educação ofertada para a população que vivia na cidade. Os povos do meio rural migravam

para a cidade porque era a alternativa mais viável encontrada, em busca de melhores

condições de vida. Nesse sentido:

A escola não é responsável pelo êxodo rural, pois não cabe a ela a

incumbência de fixar o homem nesse ou naquele meio. Se as condições

econômicas não forem favoráveis à manutenção dos trabalhadores rurais no

campo, não há qualidade de escola que garanta sua permanência ou fixação

no lugar. Por ser a economia que determina, em última instância, as formas

de organização de um povo, somente ela, mediada pela política, poderia

fazer com que o trabalhador rural passasse a ter acesso à terra, aos

equipamentos agrícolas e às condições de sobrevivência favoráveis que

pudessem mantê-lo em sua atividade agrícola (BAREIRO, 2007, p.25/26).

A fixação do homem no campo demandava várias políticas públicas (fomento,

assistência técnica, educação, saúde, moradia, entre outros fatores que que garantiriam a

melhoria da qualidade de vida destes sujeitos. Logo não cabia à escola dar respostas e

soluções aos problemas que envolviam a população trabalhadora rural, mas ao Estado, uma

vez que este era o responsável pelo desenvolvimento de políticas sociais e econômicas com

vistas à melhoria de vida das pessoas.

Os debates em torno da educação rural ao longo da primeira metade do século XX

apontam para o sentido de que ainda que o Estado tenha desenvolvido políticas educacionais

visando a educação nos meios rurais, essas políticas demonstravam um caráter muito mais

voltado para o âmbito econômico de produção objetivando o aumento da produtividade do

campo, ao passo que a escolarização do ensino primário rural permaneceu com os mesmos

problemas, como por exemplo, o elevado número de professores leigos e as condições de

infraestrutura precária das escolas rurais. Dessa forma, as representações de que os indivíduos

rurais eram de “menor valor” e que para estes bastava apenas a instrução de ler, escrever e

fazer conta perduraram na sociedade.

29

1.3 O Ensino Rural em Mato Grosso

Mato Grosso durante a primeira metade do século XX se constituía como um estado

eminentemente rural. A população rural era composta pelos povos indígenas, trabalhadores da

pecuária, da agricultura, do extrativismo, da indústria ervateira (porção sul do estado), e,

ainda, pela população ribeirinha rural que se ocupavam da pesca, caça, horticultura, entre

outras atividades de subsistência.

A partir dos anos 1940, o estado iniciou a política de colonização por meio da

Marcha para o Oeste, política de povoação do Governo Getúlio Vargas que tinha como

objetivo ocupar os “espaços vazios” – expressão essa que na época passava a ideia de espaço

desocupado, ignorando se assim a presença indígena, por exemplo. Dessa forma, o espaço

rural passou a ter a necessidade de ser ocupado e integrado à economia nacional

(PERIPOLLI, 2002).

Esse Projeto de Colonização também se configurou como uma forma de fixar o

homem ao campo, pois conduzia os povos de uma região rural à outra. Foi planejado no

contexto do plano econômico do Estado Novo, envolvendo todos os setores da economia

nacional, dentre eles o setor da agricultura. Segundo Furtado, Schelbauer e Sá (2015, p. 119).

Nesta política adotada por Vargas a criação das colônias estava diretamente

ligada à fixação do homem no campo, por meio da implantação da pequena

propriedade, pois tinha em vista a necessidade de expansão das relações

capitalistas de produção e consequentemente do capital agrícola.

Dessa forma, percebe-se o aumento na população rural, e com isso a ampliação do

número de escolas rurais em Mato Grosso. Contudo, o acréscimo do número dessas escolas

não foi realizado por meio de construções de prédio e investimentos em recursos didáticos,

mas somente como resultado de número de decretos de criação de escolas isoladas rurais as

quais continuavam em sua maioria funcionando em casas alugadas por terceiros ao Estado

(Furtado; Schelbauer; Sá, 2015). Nesse sentido, destaca-se o decreto nº 53 de 18 de abril de

1942, do interventor Júlio Muller, que criou cem escolas rurais de instrução pública primária,

as quais não foram instaladas imediatamente após a sua promulgação.

Desse modo, mesmo que em âmbito nacional e regional houvesse o discurso voltado

para a melhoria nas condições do ensino primário, em Mato Grosso foi possível identificar

30

mais investimentos nas escolas graduadas que se localizavam em regiões urbanas do que nas

escolas rurais, como explica Alves (1998, p. 112)

O que se verificava na prática, era o predomínio de escolas isoladas,

criticadas desde as primeiras décadas da República como ineficientes.

Destacavam-se apenas os grupos escolares e escolas reunidas urbanas, nos

quais se aplicavam métodos mais modernos, os prédios apresentavam

melhores condições e o quadro de professores era mais qualificado.

Nos anos que seguiram o término do Estado Novo, houve diversas mudanças no

campo político, as quais desdobraram-se também na esfera educacional. Brito (2002, p.17)

assinala que:

Quanto ao aspecto legal, este novo momento levou às mudanças de várias

propostas regulamentadoras então em vigor, fruto, sobretudo do esforço de

adaptar a educação em Mato Grosso ao conjunto de reformas introduzidas,

ainda no final do Estado Novo, com as chamadas Leis Orgânicas. Assim

surgiram entre outras, uma nova regulamentação para o Ensino Normal

(Decreto n. 50, de 31 de dezembro de 1948), além da discussão e aprovação,

pela Assembleia Legislativa Estadual, da Lei Orgânica do Ensino Primário

do Estado de Mato Grosso, em novembro de 1951.

As legislações educacionais voltadas para o ensino primário e para o curso de

formação docente pontuadas por Brito (2002) tiveram como referência a Lei Orgânica do

Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino Normal, ambas promulgadas em 1946. A nova

Lei Orgânica de Ensino Primário de Mato Grosso foi publicada pelo Decreto Lei n. 452, em

23 de novembro de 1951.

Mesmo mediante a nova regulamentação que substituiu a anterior, que ficou em

vigor por 24 anos, e as iniciativas do governo para criação de escolas isoladas rurais, em 1950

ainda reclamava-se acerca da precariedade de escolas para atender a população rural. Em

1952, o governador Fernando Corrêa da Costa versava sobre a necessidade de “distribuir

escolas numa área imensa entre a população tão apoucada” (MATO GROSSO, Mensagem,

1952, p.26).

Além de continuarem em número insatisfatório, as escolas rurais criadas não

melhoraram os resultados do desempenho dos alunos que residiam na zona rural. O

governador, Correa da Costa justifica o insucesso do ensino primário rural atribuindo a

responsabilidade quase que exclusivamente à falta de formação dos professores. Em suas

palavras:

31

Somos forçados a reconhecer que o ensino de Mato Grosso está sofrendo

uma perigosa involução, um ressaltante retrocesso. Para as escolas das

cidades, especialmente dos que oferecem melhores condições de conforto, o

de progresso, ainda, se obtém professores, o que não se registra quando se

trata do preenchimento das unidades rurais. Diante dessa contingência, as

mais das vezes, vemos guindados à posição de professor semialfabetizados.

(MATO GROSSO, Mensagem, 1952, p.26)

É interessante observar que em 1937 o governador Júlio Muller desativou as escolas

normais alegando haver um número excedente de professores primários habilitados. Dez anos

depois as mesmas foram reativadas, sendo que o curso de formação docente ficou sob a batuta

de particulares. Questiona-se assim a intencionalidade da decisão do interventor a respeito do

fechamento das escolas normais, pois treze anos depois a presença de professores

“semialfabetizados” é apontada pelo governo. Assim, como medida para resolver essa

situação foram instituídos cursos de férias a partir de 1950 em várias cidades do estado.

Incoerentemente, em contraposição à reclamação do governador Corrêa da Costa e a

instituição do curso de férias, o governo realizou um concurso para efetivação de professores

leigos e qualificados, no qual foram aprovados 489 profissionais em todo o estado (MATO

GROSSO, Mensagem, 1950).

Além das mudanças na legislação e na formação docente, houve ainda convênios

com o governo federal que, por meio de acordos entre Ministério da Agricultura e Ministério

da Educação, desenvolvia os programas de Extensão Rural. Em Mato Grosso ocorreu a

ampliação da instalação dos Clubes Agrícolas anexos às escolas rurais em doze regiões nos

municípios de Aquidauana, Bela Vista, Bonito, Camapuã, Campo Grande, Corumbá, Coxim,

Dourados, Livramento, Poxoréo, Ponta Porã, Rosário Oeste, Nioac e Cuiabá. Em Cuiabá

esses clubes agrícolas seriam instalados em Chapada dos Guimaraes e Águas Quentes

(MATO GROSSO, Mensagem, 1952).

Houve ainda acordos entre o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP – e o

Estado dentre os anos de 1946 a 1949 para construção de Escolas Rurais e Granjas Escolares,

bem como, instalação de duas Escolas Normais Rural, em Ponta Porã e Bela Vista (MATO

GROSSO, Mensagem, 1952). Contudo não se tem informação sobre suas respectivas

instalações.

Diante do exposto, observa-se que em Mato Grosso buscou-se investir na expansão

escolar com o intuito de atender a população rural, bem como, firmou-se parcerias com

órgãos federais, como o Ministério da Agricultura, Ministério da Educação e INEP, adotando

32

os pacotes educacionais norte-americanos para o ensino agrícola, fruto das discussões do

Ruralismo Pedagógico nos anos anteriores, e também com o objetivo de “atender as

demandas da hinterlândia mato-grossense. O que significou a continuidade, e em certa

medida, o reforço da proposta de expansão do ensino primário preferencialmente nas áreas

rurais, na qual se concentrava a maioria da população do estado” (BRITO, 2002, p. 7).

Por mais que os governantes tenham desenvolvido políticas e ações em função do

ensino rural, estas não foram suficientes para alavancar a escolarização rural em Mato Grosso,

visto que o estado ainda apresentava um elevado número de analfabetos e a maioria dos

professores era leiga. Percebe-se ainda que as ações em torno da educação rural estavam

voltadas para um ensino técnico agrícola, tendência na educação naquele momento na qual se

pensava em instruir o trabalhador rural para o trabalho no campo, indícios da apropriação dos

princípios do ruralismo pedagógico.

1.3.1 O discurso do Ruralismo Pedagógico em Mato Grosso e o papel do professor

Mato Grosso não vivenciou durante os anos 1930 a adversidade do êxodo rural, ao

menos na proporção vivenciada por alguns estados das demais regiões do país, pois o

ruralismo pedagógico teve repercussão e se fez presente nos discursos dos intelectuais da

educação e representantes políticos da época. Dentre eles destacam-se Gervásio Leite e

Francisco Ferreira Mendes que participaram do 8º Congresso Brasileiro de Educação, no qual

o ensino rural teve destaque, e que expressaram em suas teses preocupações com o ensino

rural, apresentando propostas em consonância com o movimento ruralista. Nelas apontaram

os problemas do ensino rural afirmando a falta de qualidade da escola rural, bem como a

necessidade de adequá-la a singularidade do cenário rural, cuja mediação seria de

responsabilidade do professor.

Dessa forma, nesse subitem da dissertação, busca-se compreender as representações

desses intelectuais acerca do ensino rural e do papel do professor, tendo em vista a

importância dada a apropriação9 dos professores das ideias do ruralismo pedagógico.

9 Para Chartier (2002) a apropriação é socialmente determinada por formas desiguais de acordo com classes,

costumes, princípios de organização e consensos socialmente compartilhados. É, portanto, o modo como os

indivíduos dão significado ao que veem e leem. É a construção de sentido e interpretação. E é, por definição,

histórica. (CHARTIER, 2002)

33

O diretor do Departamento Nacional de Estatística de Mato Grosso, Gervásio Leite,

em 1942, apresentou sua tese, no 8º Congresso, na qual explicitou os problemas do ensino

rural do estado. O autor expressou sua análise sobre a crise da escola primária, ressaltando

que a instrução pública primária na zona rural deveria ser fator de valorização do homem do

campo. Destacou a necessidade de serem tomadas medidas urgentes para uma política

educacional que melhorasse a qualidade do ensino rural e, com isso, garantisse a permanência

do homem no campo. No que diz respeito ao papel do professor, alertou sobre a necessidade

de investir na sua formação e remuneração. Segundo ele, o sucesso da escola estaria

condicionado ao papel do professor:

Os professores rurais não têm nenhum preparo especial, não são habilitados

por uma escola especializada no conhecimento daquelas indispensáveis

noções necessárias para se tornarem de fato, professores especializados. Não

podendo se orientar no sentido de conhecer e tentar encaminhar resoluções

para os problemas do meio a que servem, passam, então, a ensinantes do”

ler, escrever, e contar” [...] o professor na zona rural não deve ser apenas

professor, mas, também, o consultor agrícola, o contabilista, o enfermeiro, o

conselheiro. Ele deve ser visto pelos pais de seus alunos como um

conhecedor dos problemas capaz de minorar seus sofrimentos (LEITE, 1942,

p. 16-17).

Conforme o autor, devido a falta de preparo do professor o ensino torna-se limitado à

instrução do ler, escrever e contar, sendo preciso investir na formação dos professores rurais,

tornando-os capacitados tanto para instrução quanto para atuar na comunidade rural, atuando

com conhecimentos agrícolas, de contabilidade, enfermagem, entre outros. Ou seja, segundo o

autor, caberia ao professor rural ser o “faz tudo” na comunidade, minorando as necessidades

do homem do campo. O autor também ressalta a importância de investimentos na formação

do professor rural, ao afirmar que:

Para a manutenção eficiente da escola rural é indispensável estabelecimento

adequado capaz de formar “professores rurais”, inclinados à vida rural que

tenham “alma de ruralistas” e que possam desse modo acentuar em nossos

caipiras um gosto pela vida agrícola, quer por um lado, facilitando-lhes

conhecimento de noções e práticas modernas de agricultura, de higiene e de

saneamento, como, de outra parte, evitando um ensino urbanizado, que faça

da cidade um permanente centro de atrações. (LEITE, 1942, p. 16-17).

Percebe-se na tese de Leite as representações do homem rural presentes na sociedade

brasileira, tais representações levam a denominação destes de “caipiras” e, por isso, a eles

cabiam os ensinamentos agrícolas, noções de higiene (porque não eram considerados afeitos à

34

limpeza e higiene pessoal) e saneamento. Torna-se interessante observar que ao morador rural

dever-se-ia evitar um ensino urbanizado, de modo que este não desenvolvesse o desejo de se

deslocar para as cidades. Apesar disso, o que se percebe é que o ensino rural era determinado

pelos interesses que fomentavam a vida urbana. Nesse sentido Almeida (2011, p. 287) explica

que:

A educação rural é vista como um instrumento capaz de formar, de modelar

um cidadão adaptado ao seu meio de origem, mas lapidado pelos

conhecimentos científico endossados pelo meio urbano. Ou seja, é a cidade

quem vai apresentar as diretrizes para formar o homem do campo, é de lá

que virão os ensinamentos capazes de orientá-lo a bem viver nas suas

atividades, com conhecimentos de saúde, saneamento, alimentação

adequada, administração do tempo, técnicas agrícolas modernas amparadas

nas ciências, etc.

O diretor da Instrução Pública, Francisco Ferreira Mendes, também escreveu uma

tese para o 8º Congresso através da qual especificou as ruralidades mato-grossenses revelando

a fragilidade do ensino rural, como por exemplo, a falta de inspeção, a precariedade das

condições do ensino, de recursos didáticos e as dificuldades enfrentadas pelos professores.

Defendeu em sua tese que:

A professora nomeada para a regência da escola, não conhece o lugar e o

meio em que vai servir, mas, precisa ganhar a vida e a subsistência da

família (...) quando tem forças reage e consegue mudar se, para outro meio

onde, muitas vezes, vai encontrar os mesmos ou novos embaraços. Com isso,

leva a professora o tempo a pensar no período das férias para regressar ao

lar, de onde, com muito custo, constrangida, no início do novo ano escolar,

volta a retomar a atividade, sem nenhum estímulo e sempre contrafeita.

(BRASIL, Anais, 1942, p.199).

A partida da professora que foi criada e estudou na zona urbana para lecionar na zona

rural foi criticada por Ferreira Mendes, uma vez que essa trajetória seria repleta de obstáculos

e sofrimentos, levando-a a trabalhar de forma desmotivada pela situação e realidade

encontrada, tão adversa da realidade urbana. A respeito do papel do professor no ensino rural,

o autor conclui sua tese enfatizando que esse só tomará outros rumos a partir do momento em

que houver no estado professores capacitados para dar conta de atender as exigências

existentes.

O problema do ensino primário mato-grossense, para alcançar os objetivos

mais sadios do nacionalismo pátrio dentro da verdadeira realidade brasileira,

está na dependência, primeiramente de formação profissional dos

professores. Sem este elemento, educado e bem formado tendo o espírito

35

preparado para a compreensão do grande e nobre dever de preceptor e

formador do futuro da terra comum, toda organização que ser ao ensino

primário, por mais completa que seja, não chegará nunca atingir com

eficiência os fins da educação da infância. (BRASIL, Anais, 1942, p. 200).

Desta forma, percebe-se que o professor era considerado pelo autor a pessoa

responsável pela melhoria na qualidade do ensino; sendo o protagonista desse processo,

necessitaria de formação adequada, sem a qual não haveria possibilidade de avanços. Para

Almeida (2011) “pode se dizer que há uma omissão do Estado e, as responsabilidades

educacionais são transferidas ao professor. Ele é o agente que deveria lutar por melhorias nas

regiões em que trabalhava, e via de regra sozinho” (ALMEIDA, 2011, p. 286). Sendo assim,

essas representações sobre o professor do meio rural enquanto protagonista do ensino rural

consideravam as condições de ensino sobre as quais este exercia seu trabalho.

Através das discussões apresentadas por esses intelectuais, foi possível perceber que

suas representações do papel do professor na zona rural decorriam da apropriação das ideias

ruralistas, pois esperavam desse profissional não somente a formação para o exercício de suas

funções, como também conhecimentos considerados importantes para a comunidade rural. Ao

identificar a formação do professor como viés necessário para a melhoria na qualidade do

ensino rural, esses intelectuais demonstraram um descompasso com a política educacional

atuante, uma vez que Mato Grosso havia desativado suas escolas normais, reduzindo a oferta

de formação de professores nas redes públicas, deixando essa responsabilidade apenas por

conta das instituições particulares.

1.3.2 As diretrizes para o ensino rural em Mato Grosso

De 1927 até 1952 o ensino primário em Mato Grosso se pautou pelo Regulamento da

Instrução Pública Primária – Decreto nº 759, de 22 de abril de 1927 – que, conforme dito

anteriormente, vigorou por 24 anos quando foi substituído pela Lei Orgânica do Ensino de

Mato Grosso – Decreto nº. 452 de 28 de novembro de 1951.

O Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927 instituiu mudanças no que diz

respeito à organização das escolas primárias, com o desmembramento das escolas isoladas,

ficando estas organizadas em escolas isoladas rurais, escolas isoladas urbanas, escolas

isoladas noturnas, escolas reunidas e grupos escolares, dando um novo aparelhamento para as

escolas.

36

A escolarização era obrigatória e gratuita a todas as crianças normais, analfabetas, de

7 a 12 anos, que residissem até dois quilômetros da escola pública, conforme artigo 3º. Em

relação às escolas rurais, a obrigatoriedade era limitada às crianças que residissem a mais de 3

quilômetros dos centros urbanos.

O Art. 6º do regulamento estabelecia que a escola rural tinha como objetivo ministrar

a instrução primária rudimentar, com um período de dois anos de duração, já nas demais

escolas isoladas e nas escolas reunidas a duração do ensino era de três anos e nos grupos

escolares, quatro anos. Essa diferença entre as modalidades escolares evidencia a diferença

entre as escolas rurais e as demais modalidades, pois, seu currículo era aligeirado, composto

de “instrução rudimentar” (MATO GROSSO, Regulamento, 1927, Art. 6º), em contraposição

ao que fora apregoado pelos escolanovistas que defendiam um ensino comum.

Observa-se nas orientações pedagógicas vestígios da influência das ideias da Escola

Nova, “evidenciando um novo olhar à educação da infância” (SÁ, 2016, p.283).

O regulamento versa:

No Art. 91 - diretrizes para o método pedagógico e prescrições pedagógicas

para os professores estabelecia que:

1. Passarão sempre, no ensino de qualquer disciplina, do concreto para o

abstrato, do simples para o composto e o complexo, do imediato para o

mediato, do conhecido para o desconhecido;

2. Farão os mais longos empregos da intuição;

3. Conduzirão a classe às regras e às leis pelo caminho da indução;

4. Conservarão de vista finalidade educativa e procurarão o melhor

caminho para alcança-la.

5. Empregarão, no ensino da leitura o método analítico;

6. Estudarão os seus alunos para os conduzir de acordo com a capacidade

de cada um;

7. Promoverão pela instrução o desenvolvimento harmonioso de todas as

faculdades infantis;

8. Transformarão os seus alunos em colaboradores;

9. Transformarão as suas lições interessantes;

10. Evitarão a rotina e acompanharão de parte as lições, a experiência

dialética e da ciência pedagógica. (MATO GROSSO, Regulamento, 1927,

Art. 91).

Sobre as questões pedagógicas Sá (2016, p. 283) afirma que:

Como é possível verificar, embora mantenha o uso do método intuitivo,

fazendo o uso da indução e do ensino verbalista, o regulamento inovou ao se

preocupar com a figura da criança, adequando o ensino à sua capacidade

individual, tornando-a coparticipante das aulas e propiciando-lhe um

desenvolvimento harmônico.

37

Todavia, considerando as condições de ensino das escolas rurais, bem como as

condições de formação dos professores que nelas atuavam, é possível perceber que não havia

possibilidade de se aplicar as práticas pedagógicas das proposições escolanovistas. Nesse

sentido não havia orientação pedagógica aos professores rurais, logo os mesmos faziam seus

planejamentos e acabavam por ensinar do modo com que foram ensinados – ou seja, em

princípios diversos daqueles da Escola Nova. “Além disso, colocar em práticas as ideias

escolanovistas em circulação pelo país, que impregnava a formação com novas concepções e

metodologias, também não era possível em um estado com problemas tão estruturais” (SÁ;

RODHEN, 2015, p. 130).

Ademais, conforme Sá & Sá (2011) tal reforma se empenhou mais nas questões

administrativas, evidenciando mais preocupações com a “reorganização do aparelho escolar

do que para a incorporação de novos padrões pedagógicos, a exemplo que se deu em outros

estados” (SÁ; SÁ, 2011, p. 171).

Embora este Regulamento tenha sido de importância para o contexto social e político

em que foi concebido, com o passar do tempo o mesmo foi se tornando obsoleto em virtude

das diferentes demandas que surgiram nos anos seguintes à sua instalação, fato este que levou

os governantes a revogarem alguns de seus artigos e alterarem outros, o que dificultou muito

o seu cumprimento, como informou o governador Arnaldo Estevão de Figueiredo em

mensagem à Assembleia legislativa em 1949:

Este ramo de ensino está necessitando de um novo Regulamento eis que o

atual regulamento da Instrução Pública Primária de Mato Grosso baixado

pelo decreto n. 75, de 22 de abril de 1927, além de obsoleto, ainda ocorre a

circunstância de se achar anexado mesmo diversas leis especiais, umas

revogando seus artigos e outras alterando-os, o que determina dificuldades

no seu cumprimento. (MATO GROSSO, Mensagens, 1949, p. 25).

Acredita-se que em função das novas exigências os governantes recorriam às

revogações e alterações do Regulamento, pois tal legislação não poderia ser alterada até que o

Ministério da Educação e Saúde promulgasse direcionamentos para a educação pública

primária nacional. Desse modo, a Lei Orgânica do Ensino de Mato Grosso foi fundamentada

nas disposições da Lei Orgânica Federal do Ensino Primário de 1946, publicada pelo Decreto

Lei n. 452, em 23 de novembro de 1951. Lei que só entrou em vigor em 1952.

No que diz respeito à organização do ensino primário, as diretrizes seguiram as

orientações nacionais estabelecendo quatro anos de duração para o curso primário, dividindo-

38

o em ensino fundamental primário elementar, complementar e supletivo. Porém, o curso

supletivo tinha a duração de dois anos (MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951). De acordo

com a lei o ensino primário elementar poderia ser oferecido nos seguintes tipos de escolas

mantidas pelo poder público:

Escola Isolada (E.I), quando possua uma só turma de alunos, entregue a um

só docente.

Escolas Reunidas (E.R), quando houver de duas a quatro turmas de alunos, e

número igual ou superior de docentes.

Grupo Escolar (G.E), quando possua cinco ou mais turmas de alunos, e

número igual ou superior de docentes.

Escolas Supletivas (E.S), quando ministre ensino supletivo, qualquer que

seja o número de turmas de alunos e de professores. (MATO GROSSO, Lei

Orgânica, 1951, Art.26º).

Dessa forma, as Escolas Isoladas e Escolas Reunidas poderiam ministrar somente o

curso primário elementar, cabendo o curso complementar somente aos Grupos Escolares

(MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951, Art. 28º).

Essa legislação passou a classificar as escolas isoladas, bem como as demais

modalidades, de acordo com a localização das mesmas, não discriminando a distância em

relação à cidade ou à escola:

Para efeito estatístico e estudos de planejamento será juntado, as designações

mencionadas nos artigos anteriores, o qualificativo urbano, distrital ou rural

segundo a localização do estabelecimento e designação numérica, destinada

à sua pronta identificação em cada município. (MATO GROSSO, Lei

Orgânica, 1951, Art. 31º).

O ensino primário elementar oferecia em seu currículo articulações com os cursos de

artesanato, de aprendizagem agrícola e industrial, e o curso primário complementar

disponibilizava os cursos ginasial, industrial e de formação de ensino elementar. Já os cursos

supletivos, ofereciam os cursos de aprendizagem agrícola, industrial e artesanato em geral

(MATO GROSSO, Lei Orgânica, 1951, Art. 5º).

Quanto ao programa, o curso primário elementar compreendia quatro anos de estudo

desenvolvendo o seguinte programa:

I – Leitura e linguagem oral e escrita.

II – Iniciação matemática.

III - Geografia e história do Brasil.

IV – Conhecimentos gerais aplicados. (MATO GROSSO, Lei Orgânica,

1951, Art. 7º).

39

Percebe-se que a Lei Orgânica do Ensino de Mato Grosso fundamentada nas

disposições da Lei Orgânica Federal do Ensino Primário de 1946 apresentou modificações

garantindo o ensino obrigatório, gratuito; mas, por outro lado, demonstrou o interesse em

garantir uma instrução mínima instrumental aos alunos das classes trabalhadoras, quando

articulou ao ensino primário aos cursos de aprendizagens de natureza técnico-profissionais

nas áreas agrícolas, industriais e de artesanato.

Nesta perspectiva, em relação às escolas isoladas rurais, percebe-se que houve

avanços em relação à duração do curso, de dois passou para quatro anos, porém permaneceu

com a mesma característica unidocente na qual só um professor ministrava o ensino para

alunos de diferentes idades e níveis de aprendizagem. Nessas disposições, as escolas isoladas

rurais continuaram obedecendo a um mesmo programa de ensino, contudo, com condições de

organização e funcionamento diferente, indicando que essas escolas permaneciam num plano

inferior nas políticas públicas educacionais, evidenciando assim as desigualdades existentes

entre esses tipos de escolas.

Neste contexto, as discussões e ações em torno da educação primária em Mato

Grosso, no período em estudo, também são resultado de discussões desencadeadas pelo

desenvolvimento industrial em que se configurava o país, o qual se reivindicava instruções

mínimas à população trabalhadora.

40

CAPÍTULO 2: A HISTÓRIA DO DISTRITO DE BOM SUCESSO E DA ESCOLA

RURAL MISTA DE BOM SUCESSO

Neste capítulo serão abordados aspectos da história do Distrito de Bom Sucesso

destacando o contexto socioeconômico e cultural da povoação no período de 1937 a 1952 e da

Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Entende-se que o contexto histórico da vila/distrito irá

contribuir para a compreensão do cenário histórico em que se configurava a escola.

É importante ressaltar que devido à escassez de obras que tratem da história do lugar,

e, por conta de uma enchente ocorrida em 1974 que destruiu quase todo o arquivo escolar da

Escola Rural Mista de Bom Sucesso, as fontes documentais utilizadas são somente as

localizadas no Arquivo Público de Mato Grosso e depoimentos de alguns ex-alunos e

moradores.

2.1 O Distrito de Bom Sucesso

Decepar a cana

Recolher a garapa da cana

Roubar da cana a doçura do mel

Se lambuzar de mel

Chico Buarque e Milton Nascimento

Chico Buarque e Milton Nascimento, nos versos da canção Cio da Terra,

homenageiam o laborioso trabalho agrário. Roubar da cana a doçura do mel, prática

constante da população ribeirinha de Bom Sucesso que desde o século XIX explora a cana-de-

açúcar como fonte de subsistência.

A povoação de Bom Sucesso, comunidade rural ribeirinha está localizada a 15

quilômetros de Várzea Grande, 3º distrito do município de Cuiabá. Situado à margem direita

do rio Cuiabá, Bom Sucesso passou a ser distrito em 1948 Pela Lei estadual número 126, de

23 de setembro, com a emancipação de Várzea Grande. É formada por duas ruas paralelas ao

rio Cuiabá, sendo uma rua principal na beira do rio e outra paralela a esta.

41

A povoação10 de Bom Sucesso surgiu por meio da ocupação de terras em torno do rio

Cuiabá no decorrer do século XIX, período da exploração da cana-de-açúcar e da mineração

em Mato Grosso. Segundo Ferreira (1999) as povoações próximas à Várzea Grande foram

formadas por grupos de famílias estabelecidas em determinadas áreas ribeirinhas que fixaram

lavouras ou portos de travessias do rio e abastecimento de embarcações a partir de 1800.

Dessas povoações se destacam: Bom Sucesso, Passagem da Conceição e São Gonçalo. Sobre

a origem de Bom Sucesso, Monteiro registra que:

As terras do povoado, todas ribeirinhas foram áreas que o cidadão Justino

Claro foi adquirindo para formar seu sítio, onde florescem os canaviais, que

não só destinavam ao fabrico da famosa rapadura de Bom Sucesso, como

alimentavam os engenhos e alambiques na fabricação de aguardente e do

açúcar de barro 11, tão comum no século passado (MONTEIRO, 1987, p.

99).

Com o falecimento do Sr. Claro, essas terras teriam sido divididas por seus herdeiros,

que continuaram com o cultivo de lavouras e constituíram no local um povoado.

Lucas de Albuquerque Oliveira (2008) para escrever o artigo “Os caminhos e

descaminhos do trabalho nos engenhos de rapadura de Bonsucesso”, recorreu ao Arquivo

Público do Estado de Mato Grosso a fim de complementar o relato dos moradores mais

antigos, porém não encontrou o nome de Justino Antônio no índice de requerentes de

sesmarias. Contudo, segundo o autor, o índice fora organizado a partir de 1750 e,

provavelmente, a requisição do senhor Justino Antônio seja de data anterior.

O autor reitera, ainda, que esse nome não consta nas Relações de Possuidores de

Terra, que são documentos que contém o levantamento de propriedades em cumprimento à

Lei de Terras de 1850. No entanto, Oliveira (2008) encontrou um documento de regularização

de terra referente à herança de uma sesmaria situada na região de Cuiabá Rio Abaixo “a única

referência a origem da sesmaria encontrada foi uma pequena nota que se refere ao

requerimento da área de sesmarias, por meio de carta régia de Manoel Ângelo da Silva Claro,

de 04 de março de 1737, por já possuir nas terras: casa, cultivo e engenho” (OLIVEIRA,

2008, p.6). O autor encontrou também nessas relações de possuidores de terras, três herdeiros

com propriedades localizadas em Cuiabá Rio Abaixo com sobrenome Silva Claro: Maria

Dolores da Silva Claro, Antônio Joaquim da Silva Claro, e João Baptista da Silva Claro.

10 Os documentos se referem a Bom Sucesso como povoação, por isso utilizarei dessa grafia. 11 Açúcar mascavo.

42

Nesse contexto, Tavares (2011) relata que documentos em posse de famílias que se

declaram descendentes de Justino Antônio da Silva Claro sinalizam o reconhecimento da

apropriação das terras da região.

A posse destas terras por herança fora a João Baptista da Silva Claro, de uma

parte da grande área, e posteriormente outra área coube a Justino Antônio da

Silva Claro a qual pertencera ao seu pai Manoel Joaquim da Silva Claro.

Assim, visualizou-se com a veracidade as origens de posse dessas terras que

fizeram parte da Sesmaria de Bonsucesso, a família da Silva Claro, os seus

primeiros proprietários, como fim do sistema de donatário por concessão

real. (TAVARES, 2011, p.11)

Nessa interação por meio da agricultura familiar, da pesca e outras atividades de

subsistência as populações fixaram-se no território.

Em relação ao nome do lugar, Silva (2011) em sua pesquisa denominada “A

toponímia em Bonsucesso e Pai André no rio Cuiabá” relata que de início nomeou-se o lugar

de “Custa me ver” em função do matagal e das poucas casas que existiam no lugar. Em

seguida, seu fundador Justino Antônio denominou-o de Bom Sucesso com a convicção que o

lugar ainda seria um sucesso, vislumbrando um futuro promissor para ele. A partir de então o

nome de Bom Sucesso se tornou a identidade do lugar.

A pesca nesse período se dava em virtude da produção do óleo de peixe e para

consumo. Comercializava-se pouco. Passou a ser uma atividade de comércio mais

significativo a partir dos anos 1980 (TAVARES, 2011). O senhor Joaquim Rosa, pescador

aposentado, comenta sobre a pesca naquele tempo: “Nesse tempo nós pescávamos só o

necessário para comer ou dar de presente. Pegávamos muito peixe. Utilizando redes, apenas

para fazer óleo de cozinha, que era vendido no mercado do porto” (ROSA, ANO, apud

TAVARES, 2011, p. 18).

Toda produção dos moradores era comercializada no Mercado do Porto em Cuiabá.

O senhor Belmiro recorda do tempo em que atravessava de canoa o rio para vender na feira do

Porto, em Cuiabá, a produção de sua família em Bom Sucesso durante os anos 1940:

Eu remei muito de canoa, quando o rio estava cheio tinha que sair bem

cedinho pra chegar de tardezinha. A gente ia, pousava lá. Quando era quatro

horas... Antes das quatro, o povo ia descendo. Tinha frango, lenha,

rapadura... e vendia tudo, quando era sete horas não tinha mais nada. No

mercado era mesma coisa, enchia de peixe, quando era oito horas já não

tinha mais nada. O peixe era vendido para alguns consumidores, e a maioria

era para aqueles “carrinheiros” que botava no carrinho e saia vendendo: -

43

Olha o peixe! -Olha o peixe! -Olha o peixe! Naquele tempo a cidade era

mais bonita, em 1942 foi feito a ponte. A gente ia com canoa e pousava lá.

Chegava de tardezinha o povo da cidade descia pra ver o rio correr, pra ver a

ponte. Na quinta e domingo tinha banda no coreto. (BELMIRO ROSA,

depoimento, 23/08/17).

As recordações de Senhor Belmiro Rosa remetem a um período em que para boa

parte da comunidade o rio ainda era o principal meio de transporte e estabelecia uma relação

entre o mundo rural e o urbano. Ele conserva em suas lembranças o tempo dessa relação que

era de muito trabalho e dificuldades para transportar na canoa, a remo, os produtos para o

comércio do Porto. Lembra-se também do júbilo em contemplar a nova ponte construída

sobre o rio Cuiabá fazendo a ligação com a cidade de Várzea Grande.

De fato, a povoação era uma das localidades rurais que abastecia a capital com

diversos mantimentos. Oliveira (2012) relata que nos Anais dos Geógrafos Brasileiros

referentes aos anos 1952 e 1953 há registros destacando as regiões ribeirinhas como as

principais abastecedoras de víveres para o comércio do Porto:

Ao visitante que atinge a área do Porto alta madrugada impressiona. Além da

chegada do pescado, a abundância e variedade de hortaliças, trazidas

também como o peixe em embarcações do mesmo tipo. Tomates

avantajados, couve, rabanete, feijão fava, pimentão, quiabo, cebolinha, etc.,

enchem as canoas e são vendidos à luz de lamparinas direta e livremente aos

carrinheiros, ali chegam a aglomerar uma frota de 50 carrinhos.

(AZEVEDO, 1957, p.64 apud OLIVEIRA, 2012, P.15).

A base da economia de Bom Sucesso nesse período girava em torno da cana de

açúcar. Os derivados da cana de açúcar eram os produtos que mais se destacavam na

comercialização. Por meio da agricultura familiar cultiva-se a cana e o milho para alimentar a

criação de animais e, ao mesmo tempo, produzir rapadura e aguardente (SILVA; MARTA,

2011).

Nesse período a maioria da população tinha engenhos de rapadura. O engenho era

uma manufatura na qual se realizava o fabrico da rapadura de forma artesanal. Nele era feito a

moedura da cana de açúcar e todo o processo de cozimento da rapadura. Esse processo

rudimentar é realizado até hoje nos poucos engenhos que resistiram ao tempo.

44

Figura 2 - Senhor Gil João da Silva e crianças da família - Anos 1950

Fonte: Acervo de Dona Albertina Leite da Rosa

A imagem retrata o senhor Gil João da Silva, líder político da época, com crianças de

sua família num carro de boi. O carro de boi além de ser utilizado para transportar a cana de

açúcar da lavoura para o engenho era utilizado como transporte para Várzea Grande e Cuiabá.

O transporte também podia ser feito a pé, através de canoa ou a cavalo. Porém o mais usado

era a canoa, em vista que o custo do carro de boi – uma vez que necessariamente era preciso

ter o animal. Percebe-se que apesar de Gil João da Silva ser o chefe político da localidade, e

ter recursos para possuir um carro de boi, ele estava descalço na fotografia. Os sapatos eram

um item de vestimenta muito caro na época e costumeiramente as pessoas se arrumavam para

os registros fotográficos. Sendo assim, é possível inferir que o andar sem calçados fazia parte

da cultura local.

45

Figura 3 - Bom Sucesso antes da enchente de 1974

Fonte: TAVARES – 2011

A imagem acima retrata Bom Sucesso antes da enchente de 1974. As casas eram

feitas de adobe ou pau a pique. As casas de alvenaria só foram construídas após a enchente de

1974 que destruiu toda a povoação conforme relato do senhor Belmiro Rosa:

As casas naquele tempo ou era de adobe ou de pau a pique todas com esteio,

por causa das enchentes, se caía o barro, o telhado ficava. Daí o pessoal

começou a fazer casa só de adobe mesmo, sem esteio, quando veio a

enchente de 74 [...]. De 74 pra cá é que fizemos casa de tijolo antes não tinha

nenhuma (Belmiro, Depoimento, 23/08/17)

A tecelagem também fazia parte do cotidiano da comunidade. Atualmente as redes

são confeccionadas somente por encomenda, no entanto, em outros tempos, Bom Sucesso foi

destaque na confecção da rede de dormir cuiabana, junto com outras comunidades como

Limpo Grande e Capão Grande e a sua produção se dava em maior escala. O que diferencia a

rede cuiabana das demais redes do país, sobretudo das redes do nordeste, é o bordado –

acrescentado com o passar do tempo, bem como a sua maior durabilidade. Essas redes

possuem as “varandas”: rendas bordadas nas laterais da rede que caem em direção ao chão

(PALMA, 1996).

Durante o período investigado, o trabalho no tear era realizado pelas mulheres que o

conciliava com o trabalho doméstico. A tecelagem também era uma atividade de grande

46

importância para as famílias da comunidade, desenvolvida por várias gerações de mulheres,

tecendo a característica própria da produção.

Torna-se importante destacar também, nessa dissertação, os momentos de

manifestação de fé e religiosidade, assim como de lazer em Bom Sucesso. A devoção a São

Benedito e ao Divino Espírito Santo são tradições religiosas católicas que vieram junto com a

colonização portuguesa. Estas são as festas religiosas mais antigas no estado, cultuadas

principalmente na região de Cuiabá. Em Bom Sucesso, as rezas em devoção a São Benedito e

ao Divino Espírito Santo costumavam acontecer nas casas dos moradores da região, seguindo

uma tradição que passou de geração em geração (CAMPO, 2006).

As tradicionais festas juninas, que são festas em devoção a Santo Antônio, São João

e São Pedro, também eram muito celebradas. Segundo Monteiro (1987) era comum na

comemoração de festas juninas a presença dos cantores de cururu12, que atraiam pessoas de

outros povoados para participar delas. Festas populares como o carnaval também eram

comemoradas na povoação, cujos festejos aconteciam nas ruas com vários foliões organizados

em blocos de rua – hábito que ainda vive na memória dos moradores mais antigos.

(TAVARES, 2011).

A comunidade também participativa dos esportes. A imagem a seguir retrata um dos

times de futebol amador de Bom Sucesso durante os anos de 1950, denominado Vila Nova. A

imagem feminina presente na figura é da “rainha” do time. Considerado uma paixão nacional,

o futebol também era muito prestigiado pela povoação na época, que nos momentos de lazer

gostava de praticar o esporte. Na comunidade havia grande presença feminina em volta do

campo para apreciar o esporte e compor a torcida (TAVARES, 2011). Na figura 4, O

depoente Belmiro Rosa encontra-se ao lado da rainha, sua prima.

12 O Cururu é um ritmo regional entoado por violas feitas manualmente e por canções religiosas e sobre o

cotidiano. Geralmente ele é realizado por uma roda de tocadores homens onde também são executadas algumas

brincadeiras (OLIVEIRA, 2013, p.30).

47

Figura 4 : Vila Nova - Time de Futebol Amador – Anos 1950

Fonte: Acervo do senhor Joaquim Leite da Rosa

Ana Carolina Borges, em sua obra “Nas Margens da história”, faz uma pesquisa

sobre as ruralidades dos povos ribeirinhos do pantanal norte entre os anos 1870 a 1930. A

autora relata que aos povos rurais ribeirinhos foi atribuído uma ideia de primitivismo, e que os

costumes e valores desses povos iam a contramão da modernidade tão almejada pelo estado

na época. No entanto a autora afirma que as práticas desses ribeirinhos estavam

correlacionadas com o contexto socioeconômico da época:

É preciso lembrar nesse sentido, que os chamados “ribeirinhos” inseridos em

uma sociedade rural, não estavam isolados do processo de bens de circulação

materiais, assim como das grandes propriedades que produziam buscando o

lucro e acumulo de riquezas nem dos discursos eruditos. Ao contrário,

apresentavam-se como agricultores minifundiários e autônomos que se

encontram, portanto, no bojo da “cultura popular” e reproduziam costumes e

valores, atitudes seculares herdadas. No entanto, ao ser praticado

diariamente esse aprendizado se ressignificava, se alterava e se atualizava.

(BORGES, 2015, P.17).

Com esse entendimento, percebe-se que Bom Sucesso era uma comunidade integrada

por pessoas que ao desenvolverem suas atividades de subsistência na lavoura, no engenho, na

48

pesca, no tear, nas trocas, enfim, na dinâmica de suas relações, constituíam-se em pessoas que

produziam e adquiriam saberes. Dessa forma, pode se dizer que Bom Sucesso sendo uma

comunidade ribeirinha é “Testemunho do tempo que resulta de fases históricas marcadas na

cultura mato-grossense. Uma gente que, na barranca do rio, se transformou através de suas

relações, em guardiã de potencial, da cultura e da sabedoria do pantaneiro” (FERREIRA,

1999, P. 139).

2.2 A História da Escola Rural Mista de Bom Sucesso

A Escola rural Mista de Bom Sucesso foi criada por meio do decreto nº 511 – A de

11 de março de 1920, durante o governo de D. Aquino Corrêa. Vigorou até o ano de 1974,

quando a enchente do Rio Cuiabá que atingiu a comunidade destruiu o prédio escolar. Em

virtude disso, a documentação da escola que antecede a esta data foi quase toda perdida

conforme apontado anteriormente.

A escola, que era de responsabilidade do governo estadual, foi desativada e no

mesmo local foi construído outro prédio escolar, passando a ser de responsabilidade do

governo municipal de Várzea Grande, que por meio do decreto nº 163, em 1976, criou a

Escola Municipal Maria Barbosa Martins que funciona até os dias atuais. Ubaldo Monteiro

em seu livro “Várzea Grande: Passado e Presente – confrontos” (1987) escreve a respeito de

uma primeira escola em Bom Sucesso que funcionou a partir de 1908 e foi transferida para

outra localidade em 1915, no entanto, nenhuma documentação foi encontrada sobre tal escola.

Assim sendo, por falta de dados o objetivo desse tópico é analisar a história da Escola Rural

Mista de Bom Sucesso cujo decreto de criação data de 1920, buscando compreender a cultura

escolar no período compreendido entre 1937 a 1952.

Cabe compreender que as escolas isoladas tinham como organização o agrupamento

de vários estudantes de idades variadas e com diferentes níveis de conhecimento ocupando o

mesmo espaço, sob a regência de um mesmo professor. Em Mato Grosso essas escolas foram

desmembradas em Escolas Isoladas Urbanas, Escolas Isoladas Rurais e Escolas Isoladas

Noturnas a partir do Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927, e “deixaram de ser

oficialmente designadas de escolas isoladas para serem classificadas como escolas rurais,

especialmente nos relatórios e mensagens a partir de 1930, de forma mais precisa e pontual”.

(FURTADO, SCHELBAUER e SÁ, 2015, p. 112). Por esse Regulamento de Ensino, em

49

relação às escolas isoladas rurais, as instalações escolares deveriam estar a mais de três

quilômetros da sede do município. Normalmente estas eram mantidas pelos próprios

professores, isto é, ficavam sob a responsabilidade dos professores regentes. A maioria das

escolas isoladas funcionava nas casas dos professores ou em casas de particulares, e, em

ambos os casos, o estado pagava o aluguel. Eram denominadas mistas por constarem nas

mesmas dependências estudantes do gênero masculino e feminino. Contudo, quando havia

número de alunos suficiente, os estudantes poderiam ser separados em virtude de seu gênero.

A Escola Rural Mista de Bom Sucesso funcionou nessas condições até 1952. Em um

primeiro momento a escola esteve instalada na casa do Senhor Miguel Jose da Silva, sendo

ele o professor. Conforme consta em documentos (anexo 4), esse professor pediu remoção

para a região de Aleixo em 1937. E num segundo momento escola funcionou na residência do

senhor Ponciano Gonçalves da Silva, o qual a alugava para o Estado. Conforme recorda

Senhor Belmiro:

Estudei desde Miguel, que nós achamos ele ainda na escola, era sozinho.

Bastante criança era rapaziada feita, moçada feita, que estava atrasada. O

Miguel estava nos últimos anos na escola, dava aula na casa dele, depois que

passou para a Antônia Costa e era lá no Ponciano, depois que construiu

aquela escola ali. (BELMIRO ROSA, Depoimento, 04/11/2017).

Lá no Ponciano eram duas salas. Uma era a escola a outra era dele morar.

Era de adobe [...]. Tinha o quadro negro, mesona bem comprida com bancos,

e as crianças ficava em redor dela (BELMIRO ROSA, Depoimento,

23/08/2017).

Através do depoimento de senhor Belmiro, nota-se que não havia mobiliário

adequado para uma sala de aula, aliás, as péssimas condições que se encontravam tanto nos

aspectos físicos quanto pedagógicos eram característica predominante também nas demais

escolas. No Relatório apresentado por Augusto Moreira da Silva Filho, Inspetor Geral do

Ensino Primário na Zona Norte do Estado em 1938, há o registro das condições precárias das

escolas isoladas rurais:

De toda a zona percorrida, em quase uma centena de escolas, apenas as

situadas nas cidades e vilas, ainda com alguma exceção, acham-se instaladas

em prédios próprios, funcionando as rurais em casebres infectos, mal

arejados e sem o mínimo conforto para os alunos e seus preceptores. Acho

que o Governo do Estado deveria entrar em entendimento com as

Prefeituras, no sentido de conseguir que estas se comprometam a mandar

construir casas apropriadas, nas localidades previamente escolhidas, para

serem instaladas as escolas rurais. (MATO GROSSO, Relatório, 1938, p.

04).

50

Além dessas preocupações, o inspetor chama a atenção no documento para os

recursos didáticos e mobiliários que observou em suas visitas:

É este outro assunto que exige muito boa vontade dos Poderes Públicos, para

que sejam as nossas escolas rurais, urbanas e mesmo as Escolas Reunidas,

providas de mobiliário escolar, que corresponda às necessidades do ensino;

por que não se concebe que uma criança que frequente uma escola para

aprender a ler e a escrever, possa fazê-lo mal acomodada, de cócoras ou

mesmo assentada em um toco ou caixão desengonçado, tirando-lhe todo o

estímulo e gosto pela escola e os professores por mais hábeis e esforçados

que sejam, pouco ou nada poderão fazer em benefício dos seus alunos,

privados dos mais rudimentares elementos. (Ibidem, p. 04).

A fala do inspetor revela o descaso das autoridades evidenciando a dicotomia entre o

ensino ministrado na cidade e no campo, uma vez que as escolas nas regiões urbanas eram

mais assistidas. Mesmo assim, a escola isolada foi a que teve predominância durante toda a

metade do século XX. Funcionando de forma concomitante com os grupos escolares e escolas

reunidas, superavam os demais centros de ensino, segundo dados estatísticos, em número de

alunos e escolas, visto que o estado era eminentemente rural. E, por mais que tenham sido

criticadas suas práticas pedagógicas, as mesmas exerceram relevante papel na escolarização

dos alunos dos meios rurais que a elas puderam ter acesso. É importante ressaltar que em

paralelo havia também um alto índice de analfabetos no estado.

No Arquivo Público do Estado de Mato Grosso foram encontrados alguns registros

que indicam um pouco das práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso, e

revelam algumas características que compõem a história do ensino rural mato-grossense. Num

livro de movimento escolar da instrução publica datado de 1938, consta que dez professoras

passaram pela escola, no período de 1937 a 1949, conforme é possível observar no quadro a

seguir:

51

Quadro 1 - Movimento Escolar 1938

Da nomeação Do compromissoDa

posse

Antônia da Costa Interina 21/05/1937 26/05/1937 27/05/1937

A normalista Antônia da Costa

foi nomeada por ato nº660 de 21

de Maio de 1937. Transferida

por decreto nº2817 de 4 de junho

de ???? Para a Escola de igual

categoria de “Sovaco”.

Joséfina Andrelina da

Silva Interina 05/06/1940 17/06/1940 1º-7-1940

A normalista Jósefina Andrelina

da Silva, foi nomeada por

decreto nº2521 , de 5 de Junho

de 1940.Designada para servir

nas Escolas Reunidas Pedro

Gardes , da Várzea Grande

.Efetuada por decreto de 13 de

março de 1966 “Pedro Gardês”

da Várzea Grande. Efetivada por

decreto de 13 de março de 1966

Ercy Izabel de Lima Adjunta 10/07/1940 12/07/1940

A senhorinha Ercy Isabel de

Lima foi nomeada por decreto

nº2930 de 16 de Julho de 1940.

Exonerada por decreto nº3613,

de 7 de abril de 1941.

Hilda de Souza Bruno Interina 13.5.1946

A senhorinha Hilda de Souza

Bruno, foi nomeada professora

Cl D pode decreto de 13 de maio

de 1946. Exonerada por decreto

de 7 de maio de 1947.

Carlinda Nunes da Silva Adj. 10.7.1946 17.7.1946

A senhorinha Carlinda Nunes da

Silva, foi nomeada professora

adjunta decreto de 10 de Julho

de 1946. Exonerada por decreto

de 9 de maio de 1947.

Hider Rodrigues Nunes Interina 23.5.1947

A professora Hider Rodrigues

Nunes, foi nomeada por decreto

de 23 de maio de 1947. Sem

efeito.

Eremita Constança do

CarmoEfetiva 23.7.1947

A professora Eremita Constança

do Carmo, Cl F foi transferida da

Cachoeira Rica para esta, pó

decreto de 23 de Julho de 1947.

Licenciada, Por decreto de 21 de

julho de 1948, foi designada para

servir na escola urbana mista de

Despraiado durante o

impedimento da prof ª primária

Cl K Cilda Alves Sanginés.

Isabel Vitor da Silva Efetiva Classe

D30.8.1947 11.9.47

A professora Isabel Victor da

Silva. Foi nomeada por decreto

de 30 de agosto de 1947.

Natilde Pereira da Silva Prof Cl D 30.8.1947

A professora Natilde Pereira da

Silva foi nomeada por decreto de

30 de agosto de 1947. Servia na

escola rural mista de “Sovaco”

Marcelina Leite da Silva Prof F 20.4.49

A Prof.ª Marcelina Leite da Silva

foi nomeada por decreto de 20

de abril de 1949, em virtude de

desdobramento Exonerada 17-1-

51.

DATAS

Nome dos professoresEspécie das

nomeaçõesOBSERVAÇÕES

Municipio de Cuiabá “Escola rural mista de Bom Sucesso”

Creada por decreto nº 511 A, de 11 de março de 1920 - Desdobrada

por decreto nº656 , de 18 de abril de 1949.

Fonte: Livro Movimento Escolar, 1938 – APMT.

52

Observa-se, através do quadro, que passaram pela escola, mediante o documento, dez

professoras, das quais apenas para duas consta o termo “professoras normalistas”. O termo

“senhorinha” era designado para indicar que a professora era “leiga”, isto é, não tinha

formação específica. As demais constam o termo “professora” impossibilitando definir se a

professora era leiga ou não. Contudo, há indícios que a maioria das professoras dessa relação

eram leigas, visto que, conforme registros das mensagens e dos relatórios governamentais,

havia um número maior de professores leigos nas escolas rurais.

É possível verificar que dessas dez professoras apenas duas eram efetivas, ao analisar

o campo de “observações” constata-se que as demais eram todas interinas, visto que há datas

de nomeação e exoneração. Percebe-se também a alternância das professoras, que era uma das

características principais das escolas rurais em Mato Grosso no período.

O elevado número de professores leigos, e a rotatividade das professoras nas escolas

isoladas rurais, podem ser compreendidos em parte pelo fato de que no Artigo nº 58 do

Regulamento de Ensino da Instrução Pública de 1927, estabelecia-se como pré-requisito para

lecionar nos Grupos Escolares a necessidade que os professores trabalhassem pelo menos por

um ano nas escolas isoladas urbanas ou dois anos nas escolas isoladas rurais. Dessa forma,

aqueles professores que iam para as escolas rurais, assim que cumpriam o prazo estabelecido

pelo regulamento, voltavam para as regiões urbanas ou vilas mais próximas, devido às

diferenças e dificuldades encontradas no ensino dos meios rurais.

Além do mais, por ter uma grande extensão territorial, o estado não conseguia

atender a demanda de professores habilitados para todas as escolas rurais. Acrescenta-se

ainda, que havia também o desinteresse dos professores que tinham o Curso Normal em atuar

nessas escolas, devido às diversas dificuldades já anteriormente citadas.

A rotatividade das professoras na escola também pode ser compreendida devido ao

contexto político partidário da época como relembra seu Belmiro:

Mas tinha uma coisa também, pra você estudar do 1º ano A, ao 4º ano como

estudei, você repassava demais de professoras e professores, (mais

professoras) por quê? Era assim: Aqui tinha dois partidos UDN e PSD, hora

que um ganhava [...] Os professores iam tudo[...] Ai vinha o terno13 do que

era o político, hora que esse aqui perdia [...] A política derrubava tudo.

(BELMIRO ROSA, Depoimento, 04/07/2017)

13 Expressão local que quer dizer um pouco, alguns.

53

Existiam naquele momento dois partidos políticos que se revezavam no poder: o

PSD (Partido Social Democrático) e a UDN (União Democrática Nacional). O PSD era

representado por pessoas ligadas a Filinto Müller, fundador do partido em Mato Grosso, e a

Júlio Müller que foi interventor do estado durante o regime do Estado Novo. A UDN era um

partido opositor a Getúlio Vargas, liderado pelos representantes das antigas oligarquias.

Conforme Amorim:

A utilização do controle dos cargos públicos por parte do PSD e da UDN foi

a maneira encontrada para barganha junto ao eleitorado, bem como

conseguir a adesão de novos membros para o partido. Assim, para exercer

cargos públicos como instrumento de influência sobre o governo que

assumisse o poder político realizava as demissões de funcionários que

possuíam ligações com o partido adversário (AMORIM, 2013, p. 89).

Nesta perspectiva, prevalecia na política local a prática do clientelismo, na qual

também estava associado o nepotismo determinado pelos chefes políticos, de forma que atuar

no contexto do ensino rural:

Independente de terem formação ou não, a realidade dos docentes primários

nas escolas localizadas na zona rural do estado era difícil, sendo sujeitas a

condições de vida e de trabalho bastante precárias. A diferença existente

estava na possibilidade de ocupar vagas em lugares com mais estruturas em

espaços urbanos e, de alçar cargos de maior relevância na educação, embora

tal privilégio não dependesse somente da formação, mas sim [...] da

influência política (SÁ; RODHEN, 2015, p. 135).

Deste modo, os professores rurais atuavam de forma subordinada a essa política

partidária onde muitas vezes determinava-se o voto como garantia desse emprego.

Foram localizados no Arquivo Público de Mato Grosso, cinco documentos que

expressam vestígios das práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Essas

fontes documentais encontradas foram: um mapa do movimento mensal, um Ofício (anexo 1)

um atestado de frequência (anexo 2), um atestado de exercício (anexo 4), e um atestado de

gozo de férias do professor Miguel José da Silva no decorrer do ano de 1937 (anexo 5).

Nas práticas pedagógicas das escolas rurais cabia aos professores além de se ocupar

com o ofício de ensinar, a incumbência de executar todo o serviço existente numa escola: “O

professor ou professora que se aventurasse a ministrar aulas nas escolas rurais teria que

exercer, além da função docente, também as administrativas” (SILVA, 2014, p.49). Dessa

forma, ao tomar posse da sala de aula, o professor tinha que comunicar ao Departamento de

Educação por meio de ofício que havia assumido o cargo. Para o recebimento de salários, os

54

professores tinham que emitir atestado de exercício do cargo de professor e preencher

mensalmente o mapa do movimento da escola rural.

Na figura 5 é possível verificar um mapa do movimento mensal da Escola Rural

Mista de Bom Sucesso, datada do mês e março de 1949, preenchido pela professora Natilde

Pereira da Silva. De acordo com Vidal (2008, p. 43) “Os mapas estatísticos despontaram no

início do século XIX, como dispositivo do governo, fundando-se em uma prática escriturística

que, ao mesmo tempo, nomeava, classificava e hierarquizava os sujeitos e a realidade social”.

Assim, os mapas se tornaram uma forma de sistematizar e exercer o controle sobre os

professores.

Figura 5 - Mapa do Movimento Mensal da Escola Rural Mista de Bom Sucesso

Fonte: Mapa do Movimento Mensal Escolar, 1949 - APMT.

55

Pode se observar nesse modelo de mapa mensal de frequência do período em estudo

em Mato Grosso, que cada professor era responsável por preenchê-lo. Neste constavam o

número de matrícula, e o número matrícula por gênero, o de evasão, a porcentagem de

frequência em relação à matricula, a matrícula de analfabetos durante o mês e número de

visita do inspetor. Resultava, portanto, em dados estatísticos para o governo.

Por meio do documento percebe-se que não havia um cumprimento de um calendário

especifico para matrícula, pois consta que nenhum aluno foi matriculado durante o mês, nem

mesmo um aluno analfabeto. O ensino era por coeducação, sendo 14 meninos e 15 meninas.

A frequência mensal foi de 89%, apontando para um percentual de quase totalidade de

frequência as aulas. Foi possível perceber, também, que não houve a visita do inspetor de

ensino, o que não era raro naquele período.

Por meio desses dados a instrução pública tomaria conhecimento sobre quais as

escolas poderiam ser fechadas por número insuficiente de alunos, e por outro lado, estes eram

requisito de pagamento do salário dos professores que junto ao mapa deveriam apresentar o

atestado de exercício da função referente ao mês trabalhado.

Dessa forma, sendo leigos ou não, interinos ou não, apesar das dificuldades e

obstáculos já mencionados, esses profissionais que atuavam no ensino primário rural da

escola teceram parte do trabalho com a escolarização dos estudantes diante da realidade que

os cercava. Fizeram suas histórias e por meio de suas práticas, está materializada a cultura

escolar da Escola Rural mista de Bom Sucesso que aflora nas memórias de seus ex-alunos,

que serão abordadas no próximo capítulo.

56

CAPÍTULO 3: A CULTURA ESCOLAR DA ESCOLA RURAL MISTA DE BOM

SUCESSO

Neste capítulo será analisada a Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom

Sucesso que reside na memória de ex-alunos e de uma ex-professora. Conforme pontuado na

introdução, no primeiro momento serão apresentadas as memórias de três ex-alunos que

estudaram na escola no intervalo compreendido entre 1937 e 1952. E, no segundo momento

as memórias de uma ex-professora que iniciou sua carreira docente no ano de 1952. Na última

parte do capítulo serão examinadas algumas atividades retiradas de um caderno de classe de

uma ex-aluna da escola.

A investigação sobre a cultura escolar busca a compreensão das ações educativas que

acontecem no interior das escolas que são desenvolvidas a partir de normas estabelecidas

através de programas oficiais. Por meio desses textos normativos os pesquisadores são

levados a compreender as práticas pedagógicas concernentes a essas escolas (JULIA, 2001).

Pretende-se, portanto, assinalar por meio da memória de sujeitos que fizeram parte do

cotidiano da Escola Rural Mista de Bom Sucesso aspectos de sua cultura escolar.

Falar de passado é tratar de sentimentos invisíveis, também fazer uma reflexão a

partir de suas representações do presente. Recordar não é necessariamente reviver o passado,

mas pode se configurar como um repensar sobre o passado.

Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a

mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os

mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela nossas

ideias, nossos juízos de realidade e de valor (BOSI, 1995, p. 63).

Desta forma, nessa dissertação, o olhar para o passado foi realizado a partir das

experiências do presente. É importante ressaltar também que não se pretende reconstruir o

passado do modo que existiu, mas sim realizar uma representação deste.

57

3.1 As Representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na

memória de ex-alunos

É na escola que alguns indivíduos passam boa parte do tempo de suas vidas: nela

interagem, aprendem, ensinam e carregam recordações para toda a vida. Essas lembranças

podem ser repletas de sensações de alegria, saudade, ou até de situações constrangedoras, o

que permite considerar a escola como um espaço ligado às lembranças e sentimentos

individuais. Para Bosi, “A memória do indivíduo depende de seu relacionamento com a

família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão; enfim, com os

grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo” (BOSI, 1995, p.

57).

Os ex-alunos da Escola Rural Mista de Bom Sucesso que são sujeitos da pesquisa

são: o senhor Belmiro Leite da Rosa, 90 anos nascido em 12 de março de 1928; o senhor

Petronilo Gonçalves da Silva, 77 anos, nascido em 31 de março de 1940; e senhora Albertina

Maria da Rosa, nascida em 03 de novembro de 1933. Todos os sujeitos nasceram e ainda

residem em Bom Sucesso. A trajetória profissional deles esteve relacionada ao fabrico da

rapadura, confecção de redes e artesanatos, pesca e outras atividades de subsistência como o

plantio da mandioca, milho, cana-de-açúcar, arroz e feijão. Todos eles concluíram apenas o

ensino primário rural.

Por meio de suas memórias serão revisitados alguns aspectos do dia a dia escolar

abrangendo a disposição do tempo, saberes, e avaliação e disciplina.

Ao recordarem sobre suas vivencias na escola, os ex-alunos entrevistados destacaram

a rigidez dos professores para assegurar a ordem e a disciplina e, com isso, garantir os

ensinamentos e a aprendizagens dos alunos. Segundo os relatos, a rotina escolar iniciava com

a formação da fila pela idade, dos mais novos aos mais velhos, e com o canto de um hino

(Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/07/2017). Conforme senhor Belmiro Rosa

Depoimento:

Eu lembro que tinha Petita14. Eu estava no A, B, C15, essa daí era brava,

essa era triste, essa daí o aluno que chegasse, tinha de chegar e falar:- Bom

dia! [alto] Boa tarde [alto] se não falasse... Ah! Tinha delas que mandava

14 Nome da professora. 15 Livro para aprendizagem de leitura na sequencia A,B,C, no qual os alunos decoravam todas as letras, depois as

silabas e por fim as lições.

58

fazer oração, mas, o hino nacional e o hino da bandeira era todo dia. Era

hino nacional, outro dia hino da bandeira (Depoimento, BELMIRO ROSA,

04/07/2017).

A rotina diária da escola – fila, canto do hino, bons modos, chamada e a cobrança do

uso do uniforme – deixa transparecer a ordem e disciplina consideradas necessárias para a

formação do futuro cidadão para o mundo moderno capacitando para a rotina do trabalho. O

canto do hino Nacional e da Bandeira refletiam o nacionalismo na cultura escolar; os ritos

religiosos como a oração antes de começar a aula apontam para a presença do cristianismo nas

escolas, evidenciando que a laicidade republicana não conseguiu superar o religioso dentro

das escolas. É possível verificar o interior da escola como um lugar de “inculcação de

comportamentos e habitus” (JULIA, 2001, p. 22).

O senhor Petronilo ressalta que além da rotina diária rigorosa da escola, havia

também alguns rituais próprios para receber a visita da inspeção escolar:

Quando a professora chegava: primeiro tinha a revista, para ver se tinha

falta: fulano de tal, presente. Ciclano de tal- presente. Fazia fila. Depois o

hino nacional. Isso era todo dia. Quando falava: - silencio! Se ainda

continuava, a régua batia na mesa. Também aí... Quando programava

(naquele tempo não tinha diretor, era inspetor escolar) o inspetor escolar vai

visitar a escola tal dia: Aí tinha que os pais ajeitar o uniforme, nesse dia era

tudo uniformizado azul e branco, nesse dia não tinha negócio de ir enrugado

não. Tinha que ser tudo passadinho. O inspetor escolar chegava nas classes e

olhava. Beleza. Então... Isso era uma coisa muito diferente de hoje.

(Depoimento, SILVA, 20/07/2017)

Quanto a visita dos inspetores de ensino, o receio da professora era evidente, pois

eles eram responsáveis em avaliar a escola indicando a sua continuidade ou não, conforme

averiguação do cumprimento das normas estabelecidas. Tal situação pode ser percebida no

testemunho do senhor Petronilo quando revela que ao receber a visita do inspetor de ensino as

professoras da Escola Rural Mista de Bom Sucesso determinavam que os alunos fossem

uniformizados, vestidos com calça azul e camisa branca, com roupas limpas e passadas. Essa

forma de atendimento à vistoria do inspetor revela a artimanha da professora no intuito de

mostrar a organização da escola bem como a sua eficiência deixando uma boa impressão.

Conforme o regulamento de 1927, tratado no capitulo 1, o ensino rural deveria ser

organizado em dois anos, no entanto, na escola rural de Bom Sucesso algumas características

das escolas isoladas dos fins do século XIX e início do XX permaneciam, como a

flexibilidade do calendário escolar e de conclusão do ensino primário, cabendo ao professor a

indicação do aluno (considerado apto) para as provas finais. Conforme Sr. Belmiro Rosa “[...]

59

no fim do ano às vezes, outra professora da vizinhança que vinha fazer a prova. Era duro

saber, pois, vinha de lá a matéria pra você fazer. Vinha professora de Souza Lima, vinha do

Engordador, vinha de lá da Capela. Os daqui fazia mesma coisa lá. (Depoimento, BELMIRO

ROSA, 04/07/2017)

Tudo indica que a duração do curso primário embora fosse de dois anos na legislação

para as escolas rurais, acontecia conforme o desempenho do aluno, isto é, se este demorasse a

concluir o processo de alfabetização, não passaria para outra etapa. Esse processo de

aprendizagem poderia demorar mais de dois anos, mas, por outro lado, se tivesse um bom

desempenho o aluno concluiria rapidamente. Nas palavras do Sr. Belmiro Rosa:

Eu estudava com o livro em qualquer tempo, não era dum ano pro outro não.

Daí você já sabia bem, daí o professor passava para outro livro. De um

tempo pra cá que estuda no livro o ano inteiro, naquele tempo não. Quando

entrava ganhava um livro, conforme ia aprendendo ganhava outro livro. Por

exemplo: se ganha o A, B, C, se decorasse o A, B, C e soubesse “violento”

logo já estava no 1º ano C, já passava no meio do ano. (Depoimento,

BELMIRO ROSA, 04/07/2017, grifo nosso).

No mesmo sentido, dona Albertina relata que a professora regrediu seu progresso

para o livro anterior por perceber que a aluna não conseguia acompanhar o ritmo de ensino

dos conteúdos:

Quando a professora Bruna veio aqui, dá aula aqui, eu estava no 1º ano C, aí

ela passou eu pro segundo ano. Eu não dei conta, por causa de algumas

coisas que eu errei. Ela achou que eu não ia dar conta de estudar, me voltou

pro 1º ano C. (Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/11/2016).

Nesta perspectiva, mediante os depoimentos dos ex-alunos, a Escola Rural Mista de

Bom Sucesso delimitava seu tempo, dentro da sua rotina, na forma de avaliar individualmente

os alunos, na dinâmica dos exercícios de classe, e também no cumprimento das normas

estabelecidas quando recebia outros professores para aplicação dos exames finais. Mesmo não

sendo organizada em classes seriadas e não havendo o princípio da reprovação, introduzido

pela escola graduada, o sentimento dos alunos mediante a não conclusão do ensino primário

em dois anos, era de reprovação, como é possível observar na fala do Sr. Petronilo, quando

este afirma que: “Eu comecei em 1948 né, e terminei em 1952, fui repetente” (Depoimento,

SILVA, 20/07/2017).

Quanto a metodologia utilizada pela professora, o ex-aluno recorda de quando entrou

na escola, ao final dos anos 1940, e durante todo o período que permaneceu nela, a ênfase era

60

baseada em exercícios repetitivos de controle motor e visual e, posteriormente, de

memorização:

[...]. Primeiro que quando nós começamos a professora fazia aquele A, B, C,

D, então, daí pra gente encobrir, dedo estava duro né. Encobria, depois que

passava que já estava bem avançado, aí já passava pra nós fazer a mesma

fórmula, escrever e encobrir aquelas matérias, aí já ia passava lá no quadro

pra gente copiar, depois ela vinha fazer rascunho, muitas vezes tinha falta de

letra, daí ela corrigia tudo isso ai. Ela corrigia tudo, se estava certo, se estava

errado, tudo marcado, dá um traço né. Aí vinha já estava um pouquinho

adiantado, ela passava no quadro nós copiava ponto. Passava no quadro, nós

copiava, esse era o compromisso que nós tinha. Quando vinha de lá a mãe já

perguntava: - Tem ponto pra amanhã? Porque não era todo dia o ponto. O

ponto tinha mais ou menos umas duas vezes na semana. Aí tinha que estudar

esse ponto. Quando chegava nesse outro dia, pra dar esse ponto de cor, assim

só na mente, sem ter cópia. Tinha que ler e decorar aqui [na cabeça]. E aí

tinha dele que não tinha a memória muito boa. Nossa! (Depoimento, SILVA,

20/07/2017).

No mesmo sentido, a senhora Albertina relata:

Tinha de decorar na cabeça, esse que era o difícil e nós decorava, tinha

alguns que não decorava não. Cacilda era minha colega de escola. Ruda

morreu sem aprender ler e escrever. “Óia” dava dó de ver. Nós contamos pra

você, fazia roda pra dar bolo né, e perguntava duas vezes duas. Ah, não

sabia! Ia na Cacilda, e uma que morava ali...Maria. A Maria também já

faleceu. Essas duas eram peteca de nós. Porque nós estudava, nós gravava.

E, ele, não gravava nada. Tinha o “gravador” ruim. Não tinha “gravador”

bom. (Depoimento, ALBERTINA ROSA, 04/11/2016).

Passar o ponto no quadro, corrigir os cadernos, tomar o ponto, fazia parte das

práticas escolares das professoras da escola. Pelo depoimento percebe-se a ênfase na

memorização como ferramenta de aprendizagem. Tal precisão está submetida a uma

influência empirista que orientava as atividades de ensino. Era preciso que o aluno decorasse

os textos denominados por “ponto” e recitasse-os sem erros à professora no dia marcado para

tal avaliação. Ensinava-se através de um modelo de memorização e cabia aos alunos somente

aprender e ao professor ensinar (ALVES, 1998).

Assim, a relação professor/aluno era marcada pela rigidez, embora os castigos nas

escolas desde o império fossem proibidos e a educação moderna tenha combatido fortemente

essa prática, o castigo físico sempre esteve presente nas práticas educativas enquanto método

disciplinar consentido pela sociedade e pelos pais, para assegurar a disciplina e concentração,

garantindo nesta perspectiva a aprendizagem. São expressivas, portanto, as lembranças que os

ex-alunos carregam sobre as exigências para garantir a memorização dos conteúdos e os

61

castigos aplicados em situações de erros ou em situações em que os alunos não se

enquadravam com as regras impostas.

Pelos depoimentos dos ex-alunos da Escola Rural Mista de Bom Sucesso pode se

perceber que alguns castigos físicos como a utilização da palmatória, da régua, ficar em pé de

castigo no sol exposto a outros alunos eram praticados. Percebe-se ainda a predominância da

palmatória mediante as atividades em que se exigia a memorização da tabuada: havia a prática

de um debate denominado por eles como “argumento” no qual se fazia uma roda e um aluno

ia perguntando ao outro os resultados da multiplicação da tabuada, o que errasse apanhava

com a palmatória nas mãos, o que consistia em “levar o bolo”. Percebe-se no depoimento de

dona Albertina, que as pessoas que demonstravam dificuldades de memorização ficavam

marcadas e eram, por conseguinte, as que mais “levavam o bolo”.

A gente comprava a tabuada. Aí você estudava a tabuada. No outro dia ela ia

tirar, ia saber se a pessoa sabia, aí ia argumentar: Era o tal do argumento:

Dois mais dois três mais três, três mais dois, quatro mais três, cinco mais... A

palmatória era no argumento. A professora marcava a tarefa da tabuada. Aí

que ela ia fazer o argumento16 com todos, aí que fazia a roda do bolo17

(Depoimento, ROSA, 04/07/2017).

A utilização da palmatória configurava-se como um símbolo da rigidez com que se

apresentava o ensino e, no caso da Escola Rural Mista de Bom Sucesso, tinha uma relação

com o saber, pois os alunos que não demonstrassem bom desempenho no aprendizado eram

os que mais ficavam suscetíveis a palmatória. Além da tabuada, outra prática utilizada pelas

professoras era o ponto (um texto para ser decorado). No dia em que era agendado para

“tomar o ponto” os alunos deveriam estar com o conteúdo memorizado, caso contrário,

recebiam castigos físicos e morais, o que se pode ver no depoimento abaixo:

Marcava o ponto que é difícil também decorar. Por exemplo: Descobrimento

do Brasil, descobrimento da América, descobrimento não sei do que... Tudo

isso... Olha “si minina” Ainda tinha mais outra: Se você não soubesse? –Vai

ficar ali de castigo de pé e decorando. (Depoimento, BELMIRO ROSA,

04/07/2017)

Era castigo. Até meio dia. Até soltar a escola. E os colega tudo expiando.

Vai ver! O negócio era duro. O castigo era duro. Mas por quê? Nós

16 Atividade escolar da época onde se fazia uma roda promovendo entre os alunos um debate envolvendo a

tabuada com as quatro operações dos números naturais. 17 Nesse contexto quem errasse no debate da tabuada apanhava na mão com a palmatória, ou seja, levava um

“bolo”.

62

aprendemos. E nós temos o quarto ano primário18. Nós sabemos ler. Porque

quem não sabe ler é cego. Esse que é o cego. Não é o cego de verdade. Aí

nós tinha de aprender tudo isso. (Depoimento, ALBERTINA ROSA,

04/07/2017).

Percebe-se que os castigos escolares fizeram parte da história das práticas escolares

da Escola Rural Mista de Bom Sucesso e deixou fortes traços nas memórias de seus ex-alunos

entrevistados. Castigos esses que fizeram parte de um momento em que no campo do discurso

cabia à escola ser moderna e utilizar práticas inovadoras. Mas na prática escolar das escolas

rurais, como relatado pelos ex-alunos, ainda não era possível a implementação de tais ideias,

visto que as condições de trabalho dos professores dessas escolas bem como a formação dos

mesmos, não permitia tais implementações.

Contudo, é possível perceber no depoimento de dona Albertina que apesar das

dificuldades e rigidez e das marcas desses castigos, estes eram considerados como uma “coisa

necessária”, sendo essa severidade o fator que a fez concluir o curso primário, de modo que

proporcionou-lhe uma “leitura” do mundo. Saber ler representa, para a depoente, ter certa

independência em qualquer tempo e lugar. Para ela significou um enorme valor, pois isso

permitiu sobressair-se em seu grupo de convívio.

O uso da palmatória no cotidiano da escola tinha o poder que

Corrigia, inibia os hábitos considerados subversivos, que além de controlar

moralmente e fisicamente o aluno castigado servia de sobreaviso aos outros

para que, vendo a punição acometida ao colega, não excedessem os limites

impostos pelas regras e, sobretudo, aprendessem a lição (SILVA, 2017, p.

108).

Isso remete ao depoimento do senhor Petronilo sobre sua experiência bem peculiar,

Eu levei uma “palmatoriada”. Foi um exemplo que eu tive. Uai, inventei um

namorinho com uma aí nesse campo de futebol e quando foi outro dia, não

sei quem passou pra professora que a gente estava assim já de namorinho. A

professora falou tudo bem: - Senhor Petronilo! Favor. Levantei e fui lá. –

Ana! Por favor. Pois é estou sabendo que vocês estão de namorinho. (coisa

que não estava lá dentro da classe), - Nós vamos decidir esse namoro aqui e

agora. Fomos no argumento de matemática. Ela era melhor do que eu. Ela

me pegava a mão e ainda virava a mão assim e tá![batendo as mãos] Olhava

pra mim e ainda ria. Terminou falei: - Parabéns! Só que acabou. Daí parece

que fiz assim tipo um juramento, eu estava mais ou menos com uns catorze

18 Embora a senhora Albertina tenha cumprido o 4º ano primário, pelo Regulamento de Ensino de 1927 que refia

a escola primária da época, o período de duração das escolas isoladas rurais era de apenas dois anos.

63

anos por aí. Quando eu tive a primeira namorada eu estava com 19 anos.

(Depoimento, SILVA, 20/07/2017).

Ao recordar o passado, as questões afetivas envolvem boa parte das lembranças. E

foi com muita subjetividade que o ex-aluno fez seu relato. Ao interferir num suposto namoro

dele com uma aluna, a professora propôs um debate de tabuada, onde os maiores erros foram

os seus e, por conseguinte, este levou palmatorias na mão. Essa situação fez com que ele se

sentisse exposto e constrangido o que lhe trouxe insegurança, e fez com que só voltasse a

namorar depois de alguns anos. Pôde-se perceber, no depoimento do ex-aluno o testemunho

de sua vida, expressado na lição que foi extraída da sua própria dor, da qual sua dignidade é

reconta-la sem medo (BOSI, 1995). Revelar as impressões do depoimento do ex-aluno não

significa julgar a ação da professora, visto que fazia parte das práticas escolares naquele

momento.

A escola chegou à metade do século XX com práticas de castigos físicos que embora

legalmente houvessem sido abolidas se perpetuaram silenciosamente no decorrer desse

tempo. Em Mato Grosso, no Regulamento de 1872, era permitido aplicar nas escolas apenas

os castigos morais, no entanto, o regulamento não foi suficiente para romper com tais

práticas. Segundo Sá & Siqueira, durante o século XIX a escola moderna tinha como

finalidade padronizar as práticas para formar um novo cidadão. Na escola teria que prevalecer

comportamentos padronizados que caso fossem infringidos mereciam castigos. De modo que

“Esses mecanismos corretivos se colocavam como necessários para regenerar o cidadão,

fazendo o abandonar seu antigo comportamento e alçar um degrau mais elevado na conquista

da cidadania” (SÁ; SIQUEIRA, p.11).

No contexto da institucionalização das escolas primárias, respaldado nos princípios

republicanos, os casos de indisciplina no interior da escola ainda eram resolvidos com castigo

físico e moral, porem naquele momento havia apoio da sociedade e dos pais como abordado

anteriormente. Tal prática pode ser observada no depoimento do senhor Petronilo:

Naquele tempo não tinha esse negócio de... Vai ter reunião, chamava pai pra

assistir... Pra ver nota de filho... Como que é que tá o trabalho... Não. Pai era

em casa. Professor no colégio. [...] tinha um primo meu...Ele estava garotão,

e lá ele foi um pouco rebelde com a professora. A professora chegou e

chamou ele e falou: Você vai ficar de castigo na porta. (punha de castigo na

porta da frente, no sol quente) ele não aceitou na hora o exemplo, e aí o que

aconteceu? Ela falou: pois você vai! Ele falou: - Quero ver. Ele partiu pra

ignorância. Ela peitou ele. [...]. Ele ainda tomou umas reguadas. Daí ele foi e

comentou com a mãe que a professora tinha exemplado ele, batido. A mãe

64

pôs pano na cabeça e saiu pra ir lá tomar satisfação, o meu tio cercou ela e

falou: - Não. Em casa: você! No colégio: a professora. Pode voltar! - Então

vou tirar ele do colégio. Tirou. Que vantagem. Ficou analfabeto. Saiu fora de

época, e ele já era meio “rudão”, ficou analfabeto. (Depoimento, SILVA,

20/07/2017).

Percebe-se que determinadas práticas não mudam facilmente,

No momento em que uma nova diretriz redefine as finalidades atribuídas ao

esforço coletivo, os antigos valores não são, no entanto, eliminados como

por milagre, as antigas divisões não são apagadas, novas restrições somam-

se simplesmente às antigas” (JULIA, 2001, p.23).

Desse modo, a Escola Rural Mista de Bom Sucesso também cumpriu o papel de

remodelar comportamentos, na formação de caráter e das almas, por meio da disciplina do

corpo (JULIA, 2001).

Apesar da rigidez no ensino e das dificuldades relatadas, os alunos têm pelas

professoras que passaram na Escola Rural Mista de Bom Sucesso profundo respeito.

Compreendem que o ensino se constituía naquele momento daquela forma por questões

históricas.

3.2 As representações da Cultura Escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso na

memória de uma ex-professora

A partir de 1952, durante o governo de Fernando Correa da Costa, foi construído um

prédio próprio para a Escola Rural Mista de Bom Sucesso. E, nesse mesmo ano, a professora

Gonçalina Barros da Rosa foi designada para lecionar como uma das professoras da escola.

Nascida em 1934 na cidade de Cuiabá, Gonçalina cursou o ensino primário

elementar em escola pública na capital, e concluiu o ensino complementar no Colégio

Coração de Jesus. Nesse período conseguiu por meio de um chefe político uma vaga para

lecionar na nova escola construída no Distrito de Bom Sucesso. Tinha dezoito anos na época.

Nesse percurso, casou-se em Bom Sucesso. Tempos depois retornou à Cuiabá para

estudar o Curso Normal e após conclui-lo voltou à Bom Sucesso e para a escola. Dedicou-se

mais de 30 anos à educação exercendo a função de professora e gestora da escola. Hoje,

aposentada, ocupa-se com o comércio de redes artesanais e outros artefatos que ainda são

confeccionados na comunidade e região. A esse respeito, relata:

65

Eu tinha 18 anos. Vim pra cá, encontrei uma sala de 42 alunos [...] Naquela

época ainda era do estado. Foi nesse ano que funcionou a escola aqui, porque

antes só funcionava na casa do Ponciano, lá que era... Mas, no ano que vim

pra cá, em 1952, que foi construída aqui, fui uma das primeiras professoras.

Eu lembro que quando fui nomeada me entregaram uma caixa de giz, um

apagador, uma toalha, sabonete... Era só banco não tinha carteira... E um

quadro velho (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).

A Escola Rural Mista de Bom Sucesso em 1952 deixou de ser escola-casa e

conquistou um espaço adequado ao ensino, como tratado no capítulo 2. Porém, pelo relato da

professora, apesar da arquitetura ser nova, a escola era mobiliada com bancos e um quadro

velho. A professora Gonçalina conta que ao se instalar na povoação de Bom Sucesso teve que

morar, de forma improvisada, com sua família na escola:

Eu vim com minha mãe e duas irmãs. No primeiro ano eu vim sozinha, eu

até fiquei na casa de um chefe politico, mas, depois mamãe viu que não

estava certo, eu era moça nova e ela resolveu vir. Aí mudamos pra escola. A

escola dava pra morar, só que não tinha banheiro, nem cozinha, só tinha uns

quartos lá que dava pra morar, nós dormia na rede, tinha uma cama também.

Aí ficou minha mãe e duas irmãs minhas que estudava comigo. E, meu pai

no fim de semana ele vinha. Era muita dificuldade, porque não tinha

condução. Tinha que vir a pé (Depoimento, GONÇALINA ROSA,

20/06/2017).

A dificuldade narrada por ela era uma constante na vida das professoras das escolas

rurais em Mato Grosso durante a primeira metade do século XX, pois coexistia no cotidiano

dessas escolas a dificuldade de acesso, a falta de mobiliário e de recursos pedagógicos e ainda

associados a isso, os baixos salários que recebiam os professores que eram em sua maioria

sem formação específica, como era o caso da professora Gonçalina no início de sua carreira

docente. É possível perceber ainda que o trabalho de professora no meio rural representava

para a família uma ajuda de custo para o orçamento, tendo em vista que sua mãe e irmãs

foram para Bom Sucesso com ela. Sobre o recebimento do salário a professora narra o

percurso que tinha que fazer:

Eu ia receber dinheiro a cavalo. O chefe político tinha cavalo. Ele arriava o

cavalo e colocava o sobrinho dele que era capanga dele, (que falava naquela

época), me levava até Várzea Grande. Depois peguei amizade com as outras

professoras daqui. A gente ia a pé até a Várzea Grande. Depois... A gente ia

lá ao tesouro do estado, lá na Getúlio Vargas, a gente ia de manhã ficava lá

até à tarde, que eles atendiam a gente, daí pagava nós. A gente vinha

embora, passava em Várzea Grande pra comprar alguma coisa. A gente tinha

que levar uma estatística do que aconteceu aqui, um relatório do aprender

66

dos alunos, um mapa lá no palácio da instrução, lá tinha o delegado

(Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).

A realidade dos professores das regiões rurais em Mato Grosso não era fácil, quem se

aventurasse em ensinar nas escolas rurais conforme mencionado anteriormente, era

responsável por todo o trabalho existente. Ou seja, manter a limpeza, fazer preenchimento da

parte administrativa nos mapas de movimento mensais, de matrícula, preparar aula, conduzir

o processo de ensino com diferentes níveis de aprendizagem e idades, e estabelecer relações

com os pais e a comunidade. Além disso, o profissional teria que percorrer um trajeto

cansativo até chegar à capital para receber o salário mensal. Percebe-se que com tantas

atribuições, utilizar métodos inovados de educação como prescrevia as normas e regras

estabelecidas nas leis educacionais não era nada fácil. Em relação a suas primeiras

experiências no ensino a professora relata:

Quando cheguei aqui... Painha, hoje meu marido estudava com outra

professora. Ele tinha caderno cheio de ponto. Aí a irmã dele [disse] meu

irmão tem um caderno com bastante ponto lá, até que ele me emprestou pra

eu passar pros alunos. E, aí eu fui indo, pega de um, pega de outro. Ia tirando

da cabeça. Daí eu peguei certo com as crianças que é quem não sabia

escrever, eu ensinava escrever, aprender as letras, a ler e a tabuada. Agora,

os outros que já sabiam ler bem, eu caprichei bastante nas datas

comemorativas, tudo quanto é data. Eu dava pra eles descobrimento do

Brasil, tudo, tudo... Tiradentes... Tudo isso aí, e a tabuada. [...] Era tudo

junto... Um sabia mais que o outro, assim né, o que sabia mais ajudava o

outro, tomava ponto. Naquele tempo tomava ponto né, tinha um caderno,

passava o ponto. Ai falava: Você que tá mais adiantado toma ponto do

ciclano. Ai outro pegava na mão pra fazer as letras... (Depoimento,

GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).

O relato da professora imprime o descaso com a educação rural por parte dos

governantes. Ao ser designada para a Escola Rural Mista de Bom Sucesso a professora não

recebeu nenhuma orientação específica, nenhum programa de ensino. E, diante da

necessidade, tomou posse do dispositivo que tinha disponível: os cadernos dos alunos de outra

sala. Ensinava da maneira que aprendeu, nas suas buscas em “tirar da cabeça” os conteúdos

para trabalhar com os alunos, construindo assim seu modo de lecionar. Nos conteúdos que a

professora relata ter trabalhado, percebe-se que condiz com as práticas pedagógicas da época:

prática do ensino da leitura e escrita, bem como o ensino da matemática centrado na

memorização. Destacam-se ainda os conteúdos inculcados na cultura escolar do interior das

escolas durante as décadas de 40 e 50 do século XX, cujas práticas pedagógicas deveriam

potencializar nos alunos o sentimento de amor à pátria.

67

Percebe-se na divisão das turmas em “mais fracos” e “mais adiantados” indícios de

uma estratégia para padronizar o nível dos alunos e com isso facilitar o ensino, obedecendo a

uma divisão do conteúdo. Cabe ressaltar que neste ano em que a professora começou a

lecionar, entrou em vigor a Lei Orgânica do Ensino do Estado de Mato Grosso, na qual o

ensino primário estendeu-se para quatro anos para todas as categorias de escola primária. E,

embora houvesse algumas modificações, a escola isolada mantinha sua característica

unidocente com alunos de vários níveis de avanço escolar no mesmo espaço.

Pode-se verificar ainda no relato da professora a presença de características do

método mútuo de ensino, quando ela lembra que “o que sabia mais ajudava o outro”

(Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017), onde esses alunos que sabiam mais

“tomavam o ponto, pegava na mão pra fazer as letras” (Depoimento, GONÇALINA ROSA,

20/06/2017) exercendo assim o papel de auxiliar da professora. Segundo Beirith (2009), as

escolas isoladas eram remanescentes das antigas Escolas de Primeiras Letras do Império que

utilizavam o método mútuo para o ensino, no qual aproveitava os alunos mais adiantados para

auxiliar o professor. Essa característica da cultura escolar da escola isolada rural é uma

herança das escolas de ensino mútuo. Sobre a avaliação a professora diz que “dependia do

esforço das crianças, tinha aluno que conseguia só num ano fazer os três (livros) e tinha uns

que ficava mais” (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017). Ao ser questionada sobre

o comportamento dos alunos, e sobre o uso da palmatória, a professora Gonçalina explica que

não teve tantos problemas com indisciplina e que o uso da palmatória era somente nos debates

de tabuada entre os alunos, reconhece que naquele tempo era uma prática comum, mas que

hoje não faz parte do cotidiano no interior das escolas:

Na hora de tomar a tabuada tinha tipo um debate, aí perguntava 5x5 aí 25,

ainda perguntava nove fora menina! Aí tanto vezes tanto se a pessoa não

soubesse aquele outro que sabia “metia pau” naquele ali. Às vezes no ponto

também, mandava outro fazer pergunta pro outro. Era entre alunos. Agora

tinha uma régua grandona, com essa régua aí que eu ameaçava eles (risos) ai,

mas é difícil... Naquele tempo a gente fazia isso. Vai fazer isso hoje. Ave

Maria! (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).

Ao relatar sobre o modo como era utilizada a palmatória em sala de aula, a

professora também se remete ao seu tempo de infância, do tempo em entrou na escola e de

sua experiencia com a palmatoria.

68

Você sabe que eu lembro o primeiro dia que eu fui para escola? Era na

escola ali perto da Santa Casa, Leovegildo de Melo, era perto da Praça Bispo

Dom José. Meu pai que me trouxe lá. Nós morávamos lá no tal Pico do

Amor, ali perto do Coxipó. Quem me recebeu foi a diretora chamada Alzira

Valadares. Lembro tão bem dela, e me deu pra uma professora chamada

Silca Fiana Lopes da Costa, foi minha primeira professora, estudei com a

professora Leocadia, que fez eu aprender a tabuada no 1º ano. Ela me

colocou no argumento. Eu acertei a tabuada e andei batendo lá né (risos), aí

quando foi que eu errei, mas me sapecaram num bolo. Este bolo pra mim...

Deus me livre, chorei tanto, não fui no recreio. Daí fui embora. Em casa

peguei a lamparina estudei até ficar com sono. Dormi. Quando foi noutro dia

cedo estudei. Pode tomar a tabuada de mim, de cor e salteada, mas, nunca

mais estudei, também nunca mais esqueci (Depoimento, GONÇALINA

ROSA, 20/06/2017).

O ato de rememorar seleciona fatos importantes para serem recordados, aquilo que

teve significado e que mantém viva as recordações (BOSI, 1995). Assim, a professora ainda

traz em suas memórias de seus primeiros anos escolares o significado que teve para ela a

experiencia em sala de aula com a tabuada, onde sentiu necessidade de além de falar de sua

experiencia como professora, também testemunhar como aluna.

Ao finalizar seu depoimento a professora não se esquece do respeito que os alunos

demonstravam ter por ela:

Era uma beleza dar aula porque os alunos tudo obedecia a gente. Tinha já

mocinha que às vezes estava até namorando escondido de pai e mãe, mas

perto de mim... [diziam] a professora! A professora! Não namoravam perto

de mim. Alguns se sentiam felizes ao lado de mim, às vezes chamavam:

fulano vem cá! - Ah! Estou aqui perto da professora. Era muito respeitada,

que a gente era (Depoimento, GONÇALINA ROSA, 20/06/2017).

Ao recordar com emoção e orgulho de seus ex-alunos e da satisfação de ter

trabalhado na Escola Rural Mista de Bom Sucesso, demonstra o gosto pelo ofício que

aprendeu ainda bem jovem quando começou a lecionar, e ao relatar suas lembranças sobre a

escola, demonstrou a convicção de dever cumprido.

3.3 Os cadernos: materialização das representações.

O estudo do caderno escolar como fonte de pesquisa abrange diversos campos de

pesquisa. Segundo Mignot (2008), historiadores da educação, estudiosos em currículos e

formação de professores, psicólogos entre outros que se interessam em pesquisar as

69

experiências em sala de aula, têm investigado os cadernos considerando-os como objetos ou

fontes de pesquisa.

Vinão Frago (2008) ao abordar os cadernos escolares como fonte histórica nos

aspectos metodológicos e historiográficos destaca que:

Os cadernos foram utilizados como fonte para o conhecimento das imagens e

representações sociais sobre a infância, a escola, a família e outros temas

similares; como instrumentos de aculturação escrita; como veículos

transmissores de valores e atitudes ou um modo de doutrinação ideológica e

política; como uma forma a mais de trabalho dos alunos junto aos exercícios

e folhas soltas. E, ainda, como meio para o estudo do currículo e das

diferentes disciplinas e atividades escolares (distribuição do tempo e

organização do trabalho em sala de aula, elaboração de uma tipologia de

atividades e exercícios, avaliação deste, etc.); como uma inovação educativa

dentro do movimento internacional da Escola Nova e como um instrumento

de expressão pessoal e subjetiva do aluno. (VINÃO, 2008, p.18).

Desse modo, a investigação do caderno como fonte histórica possibilita a apreensão

de aspectos políticos e pedagógicos que ocorrem nas práticas educativas. Nesse contexto,

Givirtz e Larrondo (2008) apontam que a partir dos cadernos escolares pode-se analisar as

práticas discursivas escolares, e que tais práticas são distintas de outros tipos como as

pedagógicas, pois as práticas discursivas escolares são produzidas na escola, e as pedagógicas

são produzidas sobre a escola. Assim, “os cadernos funcionam como produtores de saberes, e

não como meros transmissores. Produtores no que diz respeito aos mecanismos que o caderno

põe em funcionamento” (GIVIRTZ, LARRONDO, 2008, P.40). Desse modo, o estudo do

caderno como fonte de pesquisa não é apenas uma reprodução das atividades. Conforme as

autoras, o caderno é, então, um dispositivo que reflete um conjunto de práticas discursivas

escolares. Nele se identifica a produção, a partir da qual é possível estudar os conteúdos e

examinar resultados e efeitos de determinados procedimentos escolares.

Assim, será analisado dois cadernos que serão aqui percebidos como uma

materialização da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Esses cadernos

foram utilizados por uma ex-aluna da Escola, Roberta Gonçalves da Silva, irmã do também

ex-aluno, senhor Petronilo Gonçalves da Silva, que os guardou.

Os cadernos apresentam a estrutura física de folha dupla de papel almaço com 23

linhas sem margens e foram utilizados no decorrer do ano de 1949. Um deles compreende o

período de maio a novembro de 1949, e é destinado ao registro de ditados e exercícios de

língua portuguesa e alguns exercícios de ciências, história e geografia. O outro caderno

70

compreende o período de 22 de setembro a 05 de novembro de 1949, e nele estão registradas

as cópias, exercícios de língua portuguesa e alguns exercícios de aritmética. As sete últimas

páginas deste caderno, contem anotações particulares da aluna: desenhos e versinhos com data

de 1951. Em ambos os cadernos os registros foram feitos na maioria das vezes em caneta

azul, e algumas vezes em lápis e caneta de outra cor.

Na figura 6 a seguir, pode-se observar a capa e contracapa de um dos cadernos. Na

parte superior da capa está escrito “Caderno União” e embaixo dessa informação a foto da

“Livraria e Papelaria União” juntamente com as informações e endereço de sua localização

em Cuiabá. Provavelmente tal livraria confeccionava e comercializava cadernos. Logo abaixo

do título do caderno na figura 6, existe uma foto do Colégio Estadual de Mato Grosso, o

Liceu Cuiabano. O liceu foi criado em 1879 e em 1944 recebeu um prédio novo com

arquitetura moderna cuja construção fez parte do programa de desenvolvimento urbano

realizado pelo interventor Júlio Muller, denominado “Obras Oficiais” o qual equipou a cidade

com diversas obras públicas (BUZATO, 2017). Neste contexto, a arquitetura moderna do

Liceu Cuiabano fazia parte do novo cenário da cidade, o que demonstra que a escola se

transformou num belo cartão postal da época e era motivo de orgulho para a população.

71

Figura 6 - Capa e contracapa do caderno utilizado em 1949

Fonte: Acervo pessoal de Petronilo Gonçalves da Silva. 1949.

No espaço reservado para as informações da escola e do estudante, pode-se perceber

que a aluna escreveu seu nome, o nome da escola e no espaço para indicar a série que estava

cursando escreveu “4º ano”. Contudo, sabe-se que nesse período a legislação vigente ainda

era o Regulamento da Instrução Pública do Ensino Primário de 1927, que estabelecia a

duração do curso do ensino primário rural em dois anos.

Ao verificar as atividades dos cadernos observa-se que foi dada maior importância a

escrita quando comparada aos outros conteúdos desses cadernos, sendo esta disciplina

desenvolvida por meio de cópias, ditados e atividades gramaticais. O caderno no qual estão

registrados os ditados, conta também com exercícios de análise gramatical de algumas

palavras: pronome; substantivo; verbo; artigo e adverbio. Ainda, observa-se correção de

frases, sinônimos das palavras e formação de sentenças com grupos de palavras. Fora do

conteúdo de língua portuguesa há, ainda, perguntas de geografia relacionadas ao sistema solar

e de ciências relacionadas ao corpo humano.

No caderno em que estão registradas as cópias podem ser verificados exercícios de

análise gramatical de algumas palavras bem como alguns exercícios de aritmética: problemas

72

com enunciado envolvendo números fracionários; exercícios relacionados a números

decimais; algarismo romano, grandezas e medidas. Percebe-se que os conteúdos estudados se

direcionavam aos alunos que já haviam concluído o processo de alfabetização.

É importante salientar que os exercícios relacionados aos conteúdos de ciências,

geografia e aritmética foram registrados em apenas um dia no intervalo de maio a novembro

de 1949. Os exercícios de aritmética aparecem no dia seis de novembro no caderno de cópia,

os exercícios de ciências no dia sete de junho e os de geografia no dia dezoito de agosto,

todos no caderno de ditado.

Embora não haja informações claras de que o caderno analisado era destinado à

cópia e ditado, essas atividades não aparecem num mesmo caderno, o que dá indícios que

havia outros cadernos destinados às outras áreas do conhecimento e que a aluna tenha feito os

registros de tais conteúdos eventualmente nesses cadernos.

Os textos utilizados nos ditados e cópias eram os mesmos e foram trabalhados apenas

em datas alternadas (figura 8). Observa-se que ditado e a cópia eram recursos utilizados

diariamente em sala de aula como meio para memorizar e aperfeiçoar a linguagem escrita.

73

Figura 7 - Ditado e cópia. Ditado do dia 07/06/1949 e cópia do dia 05/07/1949. Método Experimental

Fonte: Acervo pessoal de Petronilo Gonçalves da Silva. 1949

Observa-se que o texto foi utilizado como meio de memorização e aprimoramento da

escrita. Em um primeiro momento foi utilizado como ditado seguido de exercícios de

ciências, já em um segundo momento como cópia seguido de exercícios de análise gramatical

de algumas palavras. Ao comparar o conteúdo desses cadernos com o programa de ensino

destinado às escolas rurais, estabelecido pelo Regulamento de Ensino de 1927, constata-se

que os cadernos garantem o cumprimento do que era prescrito para a instrução primária

rudimentar, pois o programa constava de escrita, as quatro operações sobre números inteiros,

noções de história pátria, geografia do Brasil e de Mato Grosso e noções de higiene.

Na tarefa de educação moral e cívica religiosa contida no caderno (figura 8), foi

possível perceber a influência da igreja católica nas práticas escolares. Uma vez que o

conteúdo demonstra que havia orientação dos princípios religiosos, ou seja, da moral católica

intercalados com o sentimento de civismo e deveres com a pátria. O exercício consta de

74

quatro perguntas específicas sobre a doutrina católica que por sua vez são respondidas pela

aluna.

Figura 8 - Tarefa de E. M. e Cívica Religiosa

Fonte: Acervo pessoal do Senhor Petronilo Gonçalves da Silva

Ao redigir a tarefa a próprio punho a professora deixa sua impressão registrada no

caderno, que é representada também pelas marcas de sua correção. Nesse contexto, Isa

Cristina da Rocha Lopes em “Cadernos Escolares: Memória e discurso em marcas de

correção” destaca que as marcas de correção é uma prática discursiva que intercala as relações

de ensino e aprendizagem.

As marcas de correção materializam uma representação da memória

discursiva da comunidade escolar. O dizer do professor, que se materializa

por meio delas, constitui-se em um dos elementos que contribui para

delinear a identidade profissional docente, já que é um discurso em relação

estreita com práticas especificas ao contexto escolar e não a outro. (LOPES,

2008, p.200)

Nesse sentido é possível perceber a presença da professora em todas as atividades do

caderno. Nas atividades dos cadernos consideradas como corretas a professora grafava a letra

75

“C” e para indicar os erros escrevia de forma correta em cima da palavra que estava grafada

com erros; ou ainda passava um risco em cima das palavras e escrevia novamente de forma

correta. Nota-se a atribuição de nota para todas as atividades, apesar disso não se pôde

perceber os critérios utilizados pela professora ao realizar as avaliações. Contudo, foi possível

perceber que às atividades que não apresentavam erros ou apresentavam um pequeno número

de erros, era atribuída a nota 10, e para as atividades que continham um número maior de

erros, as notas atribuídas oscilavam entre 8, 9 e 9,5. Em algumas cópias e ditados para os

quais foi atribuída a nota 10, pôde-se observar a inserção gráfica da professora com a

expressão “Muito Bem” – expressão esta que indica uma relação de afeto referente às

atividades da aluna.

Observa-se também que a professora corrigia as atividades com uma cor de caneta

diferenciada da cor da caneta da aluna. Na maioria das atividades a aluna escreve com caneta

azul e a professora corrige com caneta vermelha, mas em alguns casos a professora corrige

com lápis de cor azul ou caneta preta.

Desse modo, o registro do ditado, da cópia e dos demais exercícios no caderno de

classe, fazia parte do trabalho escolar mediado pela professora, representada nas marcas de

correções impressas nos cadernos. A análise dos cadernos retrata que o uso do caderno nas

práticas escolares da Escola Rural Mista de Bom Sucesso era feito para copiar, escrever,

elaborar frases, resolver exercícios. Esta análise do material permitiu revelar algumas formas

de organização do trabalho das professoras no cotidiano das aulas.

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta desta pesquisa consistiu em analisar o cenário educativo rural de Mato

Grosso e compreender as representações da cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom

Sucesso na memória de ex-alunos e de uma ex-professora, no recorte temporal compreendido

entre 1937 a 1952. Para isto foi necessário analisar as políticas educacionais que circulavam

no Brasil a respeito do ensino primário rural em Mato Grosso comparando-se as normas às

práticas escolares (JULIA, 2001).

O ideário pedagógico preconizado para a educação rural apoiou-se numa concepção

que vislumbrava uma escola rural diferenciada, adequando-se para realizar os saberes

necessários para o homem e o trabalho do campo. Dessa forma, a escola era também

responsável por proporcionar desenvolvimento ao homem do campo, no sentido de prepará-lo

para a sociedade moderna. Havia no imaginário da sociedade as representações construídas

sobre o indivíduo rural que creditava ao campo uma população atrasada e sem cultura.

Essas discussões desencadearam políticas e programas voltados para a

instrumentalização do trabalhador rural. Contudo, pôde-se constatar que a escola rural chegou

até a metade do século XX apresentando algumas características das políticas públicas dos

anos anteriores, como por exemplo as condições precárias de ensino e a maioria dos

professores leigos. Nesse contexto, encontravam-se as escolas rurais de Mato Grosso, das

quais fazia parte a Escola Rural Mista de Bom Sucesso.

Os vestígios de alguns documentos e leituras acerca da história da educação nacional

e regional permitiram apreender alguns aspectos da história e das práticas pedagógicas da

escola. Assim, pôde-se perceber que a mesma funcionou por muitos anos como escola-casa e

neste espaço as autoridades revezavam professores que trabalhavam com alunos de diversas

idades e de diferente avanço escolar.

Nesta dissertação, em consonância com o referencial teórico apresentado, entende-se

a memória como uma construção social e como uma ferramenta importante para a

compreensão da escola. A partir das lembranças dos sujeitos da pesquisa (ex-alunos e ex-

professora), fontes vivas que fizeram parte do contexto escolar da Escola Rural Mista de Bom

Sucesso, constatou-se um sentimento compartilhado de saudade, uma vez que todos se

referiram ao tempo da juventude em seus relatos. Esse sentimento sobrevive ao tempo, mbora

77

em seus depoimentos todos os sujeitos retratem as muitas dificuldades de um tempo marcado

por pobreza e por árduo trabalho para economia de subsistência.

As representações da cultura escolar pelos alunos foram marcadas pela rigidez do

ensino. Exigia-se deles uma rotina rigorosa, na qual era necessário muito esforço para

conseguir acompanhar os conteúdos proporcionados, sendo a memorização a principal

estratégia de aprendizagem. A responsabilidade do avanço escolar era atribuída quase que

exclusivamente ao aluno.

Os depoimentos dos alunos apresentam reflexões acerca da autoridade do professor:

para eles os professores daquele tempo eram respeitados em comparação com a realidade de

hoje. Os sujeitos atribuem a autoridade que o professor tinha outrora em sala de aula como

resultado do bom desempenho dos alunos na escola.

De alguns dos aspectos da cultura escolar que foram possíveis de ser apreendidos a

partir da memória dos ex-alunos, os castigos escolares foram os que mais chamaram atenção.

Os castigos escolares eram empregados como forma de garantir a aprendizagem. Nesse

sentido, marca-se que os castigos físicos em relação à indisciplina também foram relatados,

mas, com a informação de que tinham a aprovação dos pais. A escola era a extensão de casa,

logo o professor tinha também o direito de aplicar castigos físicos para corrigir algum mal

comportamento. Por outro lado, todos os ex-alunos reconhecem e dão importância a formação

que receberam. Acreditam que o ensino naquele tempo era melhor, e que toda rigidez era

necessária. Com o olhar de hoje compreendem que o ensino se configurava daquela forma

pelo contexto histórico da época, e guardam profundo respeito pelas professoras que passaram

pela escola no tempo em que foram alunos.

A partir das reflexões sobre o depoimento da professora, foi possível perceber o

descaso por parte dos governantes em relação às escolas rurais. As dificuldades vivenciadas

em seu início de carreira docente retratam as condições de ensino da época das escolas rurais

em Mato Grosso. Dificuldade de acesso, falta de mobiliário, de recursos pedagógicos e

sobretudo ausência de orientação pedagógica. Contudo constatou-se que a determinação da

docente foi maior do que os contratempos. Em suas memórias a professora narrou sua

experiencia em um tempo de dificuldades, mas, da mesma forma como os ex-alunos narrou o

sentimento de orgulho por fazer parte do contexto da escola.

Os cadernos são elementos constitutivos das práticas escolares, a análise dos

conteúdos de um caderno de classe referente ao ano de 1949, permitiu compreendê-los

78

também como memória de uma cultura escolar, reflexo das formas de organização pedagógica

da Escola Rural Mista de Bom Sucesso naquele momento.

Para finalizar, compreende-se que outras investigações serão necessárias para

compreender melhor a cultura escolar da Escola Rural Mista de Bom Sucesso. Ouviu-se

alguns sujeitos que tiveram acesso à escola e nela permaneceram e concluíram a instrução

primária rudimentar. No entanto, nesse processo, sabe-se, haviam aqueles que não

aprenderam, que abandonaram a escola e ainda aqueles que não tiveram acesso à mesma.

Dessa forma, pode se tomar como objeto de investigação as memórias de sujeitos que não

concluíram o ensino primário não foram ouvidas.

79

REFERÊNCIAS

ALBERTI. V. História dentro da História. In: PINSKY. C. B. (org.) Fontes Históricas. 2ª

ed., São Paulo: Contexto, 2008.

ALMEIDA, D. B. A Educação Rural como Processo Civilizador. STEPHANOU. M. &

BASTOS. M. H..In: Histórias e Memórias da Educação no Brasil. C. Vozes. 4ª ed.

Petrópolis. 2011.

ALVES, L. M. A. Nas trilhas do ensino. Cuiabá, EDUFMT. 1998.

AMORIM. R.P. Professoras primárias em Mato Grosso: Trajetórias profissionais e

sociabilidade intelectual na década de 1960. UFMT. Cuiabá: 2013.

ARAÚJO. F. M. L. Mulheres letradas e missionárias da luz: Formação da professora nas

Escolas Normais Rurais (1930 a 1960). UFCE. Fortaleza. 2006.

BAREIRO. E. Políticas Educacionais e Escolas Rurais no Paraná – 1930-2005.

Universidade Estadual de Maringá, Maringá. 2007.

BARR0S. J. D. A Nova História Cultural – considerações sobre o seu universo conceitual e

seus diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n.

16, 1º sem. 2011.

BERITH. A. O ensino da leitura em escolas isoladas de Florianópolis: Entre o prescrito e o

ensinado (1946-1956). Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis. 2009.

BORGES. A. C. Nas Margens da História. Cuiabá. UFMT.2008.

BOSI. E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. Companhias da Letras. 4ª ed. São

Paulo: 1995.

BRASIL. Lei Orgânica do Ensino Primário. 1946. Disponível em:

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/6_Nacional_Desenvolvimento/l

ei%20org%C2nica%20do%20ensino%20prim%C1rio%201946.htm. Acesso em 09/06/2017.

BRITO, S.M.A. Fronteira e questão educacional no oeste do Brasil: Mato Grosso, 1946-1954.

In.: II Congresso Brasileiro de História da Educação: História e memória da educação

brasileira. Anais Natal – RN, novembro de 2002.

BUZATO, G. F. Transformações urbanas em Cuiabá e a formação do cidadão moderno

(1937 – 1945). UFMT, Cuiabá, 2017.

CAMPO. M. L. C. A paisagem simbólica de Bom Sucesso e Limpo Grande Em Várzea

Grande – MT. UFMT, Cuiabá, 2006.

80

CAVALCANTE. L. O. H. Das políticas ao cotidiano: entraves e possibilidades para a

educação do campo alcançar as escolas no rural.

CHARTIER. R. Á Beira da Faslésia: A história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre:

Ed. Universidade. UFRGS, 2002.

FERREIRA. M.M. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro: 2002 p.

314-332.

FERREIRA. M.S.F. O rio Cuiabá como subsídio para a educação ambiental. EDUFMT.

Cuiabá: 1999.

FURTADO, A. C.; SCHELBAUER, A. R.; SÁ, E. F. de. Escola primária rural: caminhos

percorridos pelos estados de Mato Grosso e Paraná (1930-1961). In: SOUZA, R. F. de.;

PINHEIRO, A. C. F.; LOPES, A. de P. C. (Org.). História da escola primária no Brasil:

investigações em perspectiva comparada em âmbito nacional. Aracaju: Edise, 2015. p.

103-146.

GVIRTZ, S.; LARRONDO, M. Os cadernos de classe como fonte primária de pesquisa:

alcances e limites teóricos e metodológicos para sua abordagem. In: MIGNOT, A. C.

Venancio (org.). Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: Uerj,

2008, p. 35-48.

HALL. S. Cultura e Representação. Rio de Janeiro. PUC-RIO. Apicuri. 2016.

JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da

Educação, Campinas, n. 1, p. 9-44, 2001.

LE GOFF, J. História e Memória. São Paulo: Ed. Unicamp, 1990.

LEITE. G. Aspecto mato-grossense do ensino rural, Cuiabá. 1942.

LEITE. S. Escola Rural: Urbanização e políticas educacionais. Ed. Cortez. Rio de Janeiro:

1999.

LOPES. I. C. Cadernos escolares: memória e discurso em marcas de correção. In:

MIGNOT, A. C. Venancio (org.). Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de

Janeiro: Uerj, 2008.

_____ memória e discurso em marcas de correção: um estudo de cadernos escolares. Rio

de Janeiro. UNIRIO. 2006.

MATO GROSSO. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de Mato

Grosso. Arquivo Público de Mato Grosso - APMT, Cuiabá – MT, 1949.

81

____. Lei Orgânica do Ensino Primário de Mato Grosso de 1951. Arquivo Público de Mato

Grosso - APMT, Cuiabá - MT – 1951.

_____ Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso a

Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. Arquivo Público de Mato Grosso -

APMT, Cuiabá – MT, 1950.

_____ Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso - APMT,

Cuiabá – MT, 1952.

_____ Regulamento da Instrução Pública Primária de 1927. Arquivo Público de Mato

Grosso - APMT, Cuiabá – MT, 1927.

_____ Relatório da Diretoria Geral da Instrução Pública do Estado de Mato Grosso –

Referente ao ano de 1942. Arquivo Público de Mato Grosso - APMT, Cuiabá – MT, – 1942.

MENDES. F. A. F. O Ensino Primário em Mato Grosso. In: Anais do oitavo Congresso

Brasileiro de Educação. Goiânia. Associação Brasileira de Educação. 1942.

MIGNOT, A. C. V. (Org.). Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de

Janeiro: Eduerj, 2008.

MONTEIRO. U. Várzea Grande: passado e presente - 1867-1987. Policromos, Cuiabá:

1987.

NETO. L.B. Educação Rural no Brasil: do ruralismo pedagógico ao movimento por uma

educação do campo. Uberlândia, Navegando Publicações. 2016.

OLIVEIRA. L.A. Os caminhos e descaminhos do trabalho nos engenhos de rapadura de

Bonsucesso. ANPUH-XXV Seminário Nacional de História, Fortaleza, 2008.

____.A festa do pescador em Bonsucesso: A produção social da festa. UFMT. Cuiabá, 2012.

PALMA FILHO. J.C. A Educação Brasileira no Período de 1930 a 1960: A Era Vargas.

Pedagogia Cidadã. Cadernos de Formação da Educação. 3. Ed. São Paulo: Progr/unesp –

Santa Clara, 2005, p.61-74.

PALMA, L. C. Rede de dormir: algumas abordagens interpretativas na semiótica da

cultura. Cuiabá. Especialização. Instituto de Linguagem. Universidade Federal de Mato

Grosso. 1996.

PERIPOLLI, O. J. Amaciando a terra – o projeto casulo: um estudo sobre a política

educacional dos projetos de colonização do Norte de Mato Grosso. Porto Alegre:

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2002 (Dissertação).

82

PINHO, L. A. Civilizar o campo: Educação e saúde nos cursos de aperfeiçoamento para

professores rurais- Fazendo do Rosário (Minas Gerais, 1947-1956). Belo Horizonte:

Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.

POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: vol.

2, nº 3, 1989.

SÁ, E. F; ROHDEN, J. B. Ser professora primária em Mato Grosso (1930-1945).

Notandum, São Paulo/Porto, ano XVIII, n. 37, jan./abr., 2015. p. 127-138.

_____ A introdução da escola nova em Mato Grosso. In: ESTÁCIO M.A.F; NICIDA. L. R.

A. História e Educação da Amazônia. Manaus, 2001.

_____ De criança a aluno: As representações da escolarização da infância em Mato Grosso

(1910-1927). EdUFMT, Cuiabá, 2007.

_____.SILVA; M. O Ruralismo Pedagógico: uma proposta para a organização da escola

primária rural. Revista Educação e Cultura Contemporânea. Vol 11, n. 23, 2012.

SÁ. N. SÁ. E. F. A escola pública primária mato-grossense no período republicano (1900-

1930) In: ____. Revisitando a história da escola primária: os grupos escolares em Mato

Grosso na Primeira República. Cuiabá: EdUFMT, 2011.

SÁ, N. P. SIQUEIRA. E.M. Modernidade e castigos escolares: oscilando entre os costumes

e a legislação (o caso da província de Mato Grosso). Disponível em

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_086.htm. Acesso em

10/09/2017.

SÁ, E. F. A introdução da escola nova em Mato Grosso. In: ESTÁCIO M.A.F; NICIDA. L.

R. A. História e Educação da Amazônia. Manaus: Editora EDUA, 2016.

SCAFF, I. C. Kyvaverá. Editora: Entrelinhas, Cuiabá, 2011.

SILVA, M. O. Escola Primária Rural: Trilhar caminhos e transpor barreiras na educação em

Mato Grosso. (1927-1945). Edufmt: Cuiabá. 2014.

SILVA. R. N. Sobre o tempo e o controle dos corpos na escola primária: O que dizem

dezessete professores do território da grande Aracaju (1930-1961). Interfaces científicas –

Educação – Aracaju, v.5, n. 3, p.97-112, jun-2017.

83

SILVA, C. Magno; MARTA, J. M. C. Caracterização de produção agrícola e os aspectos

econômicos da cana-de-açúcar, mandioca e algodão arbóreo em Várzea Grande/MT.

Revista Connection Line, Várzea Grande, MT, n. 6, p. 61-84, 2011.

SILVA, M. R. da. A Toponímia em Bonsucesso e Pai André no Rio Cuiabá. Cuiabá:

UFMT, 2011.

SOUZA, R. F.; ÁVILA, V.P.S. As disputas em torno do ensino primário rural (São Paulo,

2931-1947). História da Educação On Line. Porto Alegre. V. 18, n. 43, mai/ago 2014.

TAVARES. J.W. Várzea Grande: História e Tradição. KCM editora, Cuiabá, 2011.

VIDAL. D. Culturas e Práticas Escolares. In: SOUZA. R.F.; VALDEMARIAN. V. T. A

Cultura Escolar em Debate. Autores Associados. Campinas. 2005.

_____.Mapas de frequência a escola de primeiras letras. Fontes para uma história da

escolarização e do trabalho docente em São Paulo na primeira metade de São Paulo XIX.

Revista Brasileira de História da Educação. N.17. mai/ago, 2008. Pp. 41-67.

VINÃO FRAGO, A. Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos

e historiográficos, In: MIGNOT, A. C. (org). Cadernos a vista: escola, memória e cultura

escrita. Rio de Janeiro: Eduerj, 2008.

WERLE. F. O. C. Escola Normal Rural Articulando a Evangelização à Formação do

Professor. Disponível em:

http://www2.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/10FlaviaWerle.pdf. Acesso: 14/10/2017.

84

ANEXOS

ANEXO 1 – Ofício à Instrução Pública Primária do Ensino de Mato Grosso

Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso.

85

ANEXO 2 - Atestado de Frequência

Fonte: Arquivo Público de Mato Grosso.

86

ANEXO 3 – Horário Modelo para as Escolas Isoladas – 1916

Fonte: Arquivo Público de Estado de Mato Grosso.

87

ANEXO 4 – Atestado de exercício

Fonte: Arquivo Público de Estado de Mato Grosso.

88

ANEXO 5 – Atestado de gozo de férias

Fonte: Arquivo Público do Estado de Mato Grosso