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Mercados e feiras em Felgueiras.
Presença secular para o desenvolvimento local
Joaquim Costa
Resumo
Estes novos tempos do virtual disponibilizam várias formas de comunicar e informar
mas, também, de comprar. Qualquer cidadão pode, comodamente a partir de casa,
adquirir os produtos que necessita, sem necessidade de se deslocar a espaços físicos. A
par deste conceito, temos ainda os centros comerciais e hipermercados que, durante a
última década, surgiram de forma abundante no território nacional. Perante estes canais
modernos de aquisição de produtos, uma pergunta impõem-se: - Qual é o papel dos
mercados e das feiras na atualidade, locais onde, ainda há pouco tempo os nossos avós
e pais compravam os bens necessários para o dia-a-dia? Para encontrar uma resposta a
esta questão, abordaremos a história dos mercados e feiras até aos dias de hoje, usando
como exemplo o concelho de Felgueiras. Procuraremos concluir sobre a sua relevância
para o desenvolvimento local, ao longo dos tempos, nomeadamente ao nível social e
cultural e, mais recentemente, em termos turísticos.
Palavras-chave: Mercado Interno; Mercados; Feiras; Felgueiras
Evolução histórica dos mercados e feiras
Mercado e Feira são conceitos que durante muito tempo se confundiram. No século
XIX, Ferreira Borges (1856:167) definia mercado como "feiras menores" de venda e
troca de produtos. Por sua vez, feira era caracterizada, pelo autor, como sendo "um
mercado grande" e público, onde se vendia todo o tipo de produtos, em determinado dia
e uma ou mais vezes num ano (Borges, 1856:167). Apesar da descrição das
características gerais de cada um deles, os dois conceitos acabam por se interligar em
virtude do uso do termo "feira" definir mercado e vice-versa.
Mais chegados aos nossos dias, as noções encontram-se mais circunscritas sendo que
Virgínia Rau considera que os mercados são espaços destinados a prover a alimentação
corrente da população da localidade onde esse tem lugar tendo, por conseguinte, uma
esfera de influência limitada a nível territorial e restrito à venda e à compra a retalho
(Rau, 1983:56). Já Borges de Macedo (1999:990) define as feiras como eventos
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económico-sociais, de reunião periódica de negociantes profissionais, para a troca,
monetária ou não, de mercadorias realizada num lugar específico e em datas
previamente fixadas e divulgadas.
A história destas duas formas de fornecimento de géneros alimentares e outros produtos
ou serviços às populações é bastante antiga.
Embora se reconheça a sua antiguidade, as referências documentais consistentes sobre
os mercados remontam unicamente ao século IX. Estes, durante a Idade Média
funcionaram como um sítio central de abastecimento da população local, onde se
poderia comprar os bens de primeira necessidade (Carvalho, 1989:58). Por norma,
decorria sempre no mesmo lugar, onde camponeses e vendedores eram desse território e
sempre os mesmos, o que gerava confiança nos que a ele acediam para comprar. Ou
seja, constituía-se num espaço circunscrito, vocacionado para a venda de pequenas
quantidades de produtos - digamos caseiros como galinhas, ovos e outros géneros
alimentícios (Rau, 1983:58) - e cuja quantidade não ultrapassava o valor de alguns
dinheiros.
Um fator relevante para a existência de mercados será o tipo de povoação no nosso
território. Se atendermos ao Mapa 1 elaborado por David Justino (1988:301) sobre os
mercados semanais no ano de 1851, notámos que à medida que descemos para sul o seu
número diminui. Isto é, a sua realização vem ao encontro das diferentes densidades
populacionais ou formas de povoamento do país: no noroeste, zona de forte densidade e
dispersão populacional, encontramos mais mercados do que no sul, onde a baixa
densidade populacional e um povoamento mais concentrado provoca a necessidade de
menos mercados.
Mapa 1 - Representação dos 83 mercados semanais em Portugal no ano de 1851 (Adaptado de: Justino, 1988:301)
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Paralelamente ao mercado temos a feira.
Sob o ponto de vista histórico, podemos buscar as suas origens à remota antiguidade,
existindo registos da sua concretização nas civilizações grega e romana. A primeira
feira pós-Império Romano, a Ocidente, e da qual existem registos foi a de Saint-Denis,
fundada por Dagoberto I (604-639), por volta dos anos de 634 ou 635, e posteriormente
transferida para Paris, por volta do ano de 710 (Macedo, 1999:990).
Ocorre que estes eventos tornaram-se, a partir do século XI, essenciais para a
estruturação da sociedade. Aliás, Virgínia Rau foi da opinião que as feiras
transformaram-se num dos aspetos mais valorizados da economia medieval porque,
nascidas da necessidade de promover a troca de produtos entre o homem do campo e o
da cidade, representavam o ponto de contacto entre o produtor e o consumidor.
Simultaneamente, e segundo a mesma autora, as feiras concentravam a vida mercantil
de uma época onde a circulação de pessoas e bens era dificultada pela falta de
comunicações, de segurança e excesso de portagens ou peagens a pagar (Rau, 1983:33).
Não obstante serem um local singular de troca de produtos e de comunicação entre
povos, o grande impulso para o progresso das feiras foi dado pela religião1. As
romarias, as peregrinações e demais festividades de índole sagrada chamavam
peregrinos vindos de longe e, como este era não só um potencial comprador mas,
também muitas vezes um mercador, essas festividades estavam destinadas a
transformarem-se em centros de comércio (Rau, 1983:33). Não admira assim que, na
Idade Média, a maior parte das cartas de autorização de feiras fossem concedidas por
altura de festas religiosas, como a Páscoa, o Corpo de Deus, dia de São Pedro ou da
Natividade. Exemplo característico é o facto de, um pouco por toda a Europa, os
cabidos das catedrais e vários mosteiros de ordens religiosas incentivarem a criação de
feiras, porque sabiam dos seus benefícios para a igreja ou mosteiro (Moniz, 1990:201).
A par da religião, o estabelecimento da paz de feira no local de realização contribuía
largamente para a expansão deste tipo de comércio. Durante o período de vigência da
“paz”, era proibido nesse espaço disputas, vinganças ou atos de hostilidade. Os
mercadores estavam protegidos no local da feira mas também na viagem de ida e de
volta, bem como tinham a garantia de não serem presos ou perseguidos durante a dita
"paz" (Rau, 1983:42).
1 Sintomático deste impulso, Guy Fourquin considera que o termo feira, provém de feria, ou seja, festa a
um santo (1990:268).
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A estes privilégios devemos juntar os certames que isentavam os feirantes do
pagamento de direitos fiscais, como as portagens e as costumagens. A estas feiras deu-
se a designação de francas. Em Portugal, foi a partir do reinado de D. João I (1385-
1433) que se generalizou a sua outorga (Rau, 1990:540).
Para além destas vantagens, estes eventos desempenharam um papel proeminente ao
nível social e cultural. Socialmente, os monarcas aproveitavam-se delas para fomentar o
povoamento que, por sua vez, queriam honrar e favorecer (Moniz, 1990:204). Ao
mesmo tempo, elas permitiam que as populações que viviam da terra pudessem
socializar com pessoas da sua região, do país ou mesmo do estrangeiro.
Sob o ponto de vista cultural, elas possibilitavam que os comerciantes vindos de longe
narrassem as suas histórias maravilhosas ou terrificantes pelas regiões ou países por
onde passavam (Rau, 1983:53). Transportavam igualmente, os cantares da sua terra, a
poesia popular ou as suas preocupações promovendo a permuta cultural entre regiões.
Muitos governantes, vendo a sua utilidade, foram criando vias de comunicação,
reparando estradas danificadas ou modificando o aspeto das vilas (Rau, 1983:54) a fim
de favorecer este tipo de comércio.
Com estes privilégios e isenções não é de estranhar que, durante a Idade Média, este
tipo de comércio florescesse. Em Portugal, a primeira referência completa surge no foral
de Ponte de Lima, de 1125, onde se estabeleceu uma multa a quem levantasse
dificuldades no acesso à feira. No final do século XIII, existiam sensivelmente 25 feiras
dispersas por todo o país (Macedo, 1999:992).
Entretanto, o final do século XV foi considerado como um período de enfraquecimento
das feiras em Portugal, em virtude de terem deixado de ser os locais mais importantes
de negócio. Com o desenvolvimento económico começaram, nas cidades e vilas, a
surgir outras formas de troca e venda de produtos que serviam adequadamente os
interesses dos cidadãos, como foi o caso de ruas especializadas em determinado tipo de
produtos (dos ferreiros, dos sapateiros...). No século seguinte e apresentando-se
Portugal como potência marítima, o comércio concentrou-se nas cidades à beira-mar,
retirando influência e grandeza às feiras (Rau, 1990:542). Chegados ao reinado de D.
Manuel (1495-1521), a tendência para a decadência continuava.
Todavia a situação inverteu-se nos séculos XVIII e XIX com a criação de feiras um
pouco por todo o país. Nos reinados de D. João V (1707-1750), D. José (1750-1777) e
D. Maria I (1777-1816) são numerosas as autorizações para a sua realização,
normalmente requeridas por assembleias de “fidalgos e povo” de uma vila alegando a
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necessidade de abastecimento e venda de produtos à população (Macedo, 1999:993). De
referir que, neste período, as vantagens adicionais para a sua realização já eram exíguas.
Apesar disso, e segundo Borges de Macedo, nesta época efetuavam-se em Portugal
cerca de 400 feiras semestrais e 140 anuais, sendo predominantemente entre os meses
de julho a novembro (Macedo, 1999:993). Nos restantes meses, o número era mais
escasso devido ao inverno rígido que tornava os caminhos intransitáveis e à falta de
colheitas (Serrão, 1990:230).
Embora estes números traduzam o sucesso deste comércio, os economistas dos finais do
século XVIII e inícios do século XIX davam especial relevância ao seu lado mais
negativo. Em primeiro lugar apontava-se o consumismo. As feiras representavam o luxo
de comprar o que não era necessário, o supérfluo. Expunham também as implicações a
nível laboral, em que a população, com o desejo de as frequentar, perdia dias de
trabalho, acrescentando-se os excessos de vida (consumo excessivo de álcool, por
exemplo) cometidos durante a sua participação. Simultaneamente, os economistas
argumentavam que as feiras eram locais para um outro sem fim de intenções. Era
comum, segundo estes, as pessoas usarem-nas para mostrar os seus melhores fatos e
apetrechos, procurando promoverem-se socialmente e que os jovens usavam-nas como
veículo de emancipação, através da criação de bandos de rapazes ou através de
conflitos. Ainda, havia agricultores que as frequentavam não para vender o gado que
criavam, mas para o mostrar com a única intenção de o avaliar (Alves, 2005:156).
Paralelamente, eram aproveitadas para fins políticos, como sucedeu durante o
liberalismo, onde os partidos ocorriam a elas para passar a propaganda partidária
(Alves, 2005:157).
A violência e atividades marginais eram também comuns: malfeitores, prostitutas,
ladrões e mendigos afluíam às feiras para furtar, criar desordens, pedir esmolas ou para
“entreter” os que a ela concorriam (Justino, 1988:275).
Embora se notem diversos fatores negativos relacionados com as feiras, outros há que
são francamente positivos. Este era um espaço, por excelência, para os pequenos
produtores ou comerciantes apresentarem os seus produtos, quando não conseguiam ou
não tinham dimensão para os colocar em outras redes de negócio (Alves, 2005:157).
Outro dado a realçar é o seu proeminente significado concelhio: os jornais locais davam
especial destaque ao antes e ao depois das feiras, o que revela a importância que este
tipo de acontecimento tinha para a localidade onde se realizava.
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Chegados aos séculos XIX e XX, a função económica das feiras permanecia válida,
todavia com novos motivos. O primeiro motivo encontra-se interligado com a
sobrevivência do feirante. Este não podia frequentar unicamente uma feira, pelo que era
necessário alargar a sua área de vendas e obrigar-se a estar presente em diversas para
garantir a sua subsistência económica. Por exemplo, era comum encontrar-se
comerciantes de Felgueiras a venderem panos de linho na feira da primeira terça-feira
de abril (Capela, 2009:92) na cidade do Porto.
Um outro motivo esclarecedor das mudanças verificadas em torno das feiras prende-se
com o aumento demográfico das cidades e vilas, pois impunha a necessidade de um
abastecimento mais regular. Associado a este, os comerciantes souberam interpretar as
carências das populações e promoveram feiras tendencialmente especializadas, como
por exemplo ao nível dos têxteis e do gado. Exemplo concreto foi a feira de Penafiel,
em novembro de 1854, em que 74% dos produtos transacionados foram cavalos e
bovinos (Justino, 1988:303).
Perante a importância que tinham para as localidades, a partir de 1890, as câmaras
municipais começaram a criar espaços específicos para a sua concretização (Serrão,
1989: 410) e incentivaram a sua efetivação periódica. Por último, mais uma vez, as
festas religiosas intensificaram o desenvolvimento das feiras em torno de santos ou
padroeiros de antiga ou recente celebração. Neste aspeto, a I República não se opôs, isto
porque desenvolvia o localismo e revigorava o comércio e a agricultura (Serrão,
1989:262).
Nos dias atuais, e não obstante a existência de novos canais físicos (hipermercados,
shoppings...) e virtuais de compras (lojas online), as feiras, quer realizadas no mundo
rural ou no citadino, continuam a ser indispensáveis demonstrando grande resistência e
notável capacidade de adaptação às profundas mudanças demográficas, políticas,
culturais, económicas e sociais que a humanidade atravessa. Tal facto não só se deve à
sua função comercial mas, cumulativamente, ao seu caráter social e cultural, mantendo
até aos dias de hoje práticas e tradições ancestrais:
No meio rural, a feira continua a apresentar-se como um ativo relevante no
abastecimento das populações e na subsistência de mercadores ou feirantes. Ao
mesmo tempo, ocupa lugar proeminente a nível social e recreativo porque
afigura-se, muitas vezes, como o único local de reunião e convívio das
populações (NF, 2012:4-5);
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No meio urbano, e embora exista uma maior oferta comercial, a feira tem
subsistido devido à alternativa de bens que oferece e a preços mais convidativos
(NF, 2012:4-5).
Sintomático do mencionado, de apontar que, atualmente, realizam-se 145 feiras no norte
de Portugal, com periodicidades que variam entre semanais a datas específicas, sendo
estas recomendadas pela Associação de Feirantes do Distrito do Porto, Douro e Minho
(AFDP).
Dia da Semana Nº Feiras
Segunda-feira 19
Terça-feira 13
Quarta-feira 13
Quinta-feira 13
Sexta-feira 10
Sábado 30
Domingo 15
Por datas 32
Pelos os dados apresentados notamos diferenças consideráveis entre mercado e feira. A
primeira diferença encontra-se na forma. O mercado cinge-se a um espaço mais restrito,
enquanto que a feira apresenta-se extensiva a mais localidades. O mesmo acontece com
a população alvo. Ao mercado acedia a população local e, à feira, deslocavam-se as
populações locais e visitantes das províncias vizinhas. Conquanto, para que isto
acontecesse a oferta de produtos e, em complemento, o programa cultural ou religioso
tinha de ser bastante chamativo. Percebe-se assim que estes factos tinham
consequências no tipo de vendedores que lá se encontravam: enquanto o mercado era
frequentado por pequenos vendedores locais ou regionais (Rau, 1983:57), o mesmo não
acontecia na feira que aliciava negociantes nacionais e, em certos casos, mesmo
internacionais. Ou seja, o mercado apresentava-se com uma esfera de influência mais
restrita a uma localidade, enquanto a feira tinha um âmbito mais regional, nacional e,
em alguns casos, internacional.
Uma outra distinção entre mercado e feira reside nos privilégios. Como tivemos
oportunidade de expor, a feira, se comparada com o mercado, tinha uma organização
mais perfeita e obtinha mais privilégios (Rau, 1983:57).
A diferença também se nota na amplitude das transações efetuadas em cada uma delas,
pois enquanto no mercado temos um comércio mais direto, com produtos de primeira
Periodicidade Nº Feiras
Semanal 97
Quinzenal 10
Mensal 5
Datas específicas 33
Quadro 1: Feiras no norte de Portugal.
Fonte: AFDP, 2012
Quadro 2: Feiras no norte de Portugal, por
periodicidade
Fonte: AFDP, 2012
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necessidade, na feira a esfera de atuação era mais ampla podendo-se encontrar uma
maior diversificação de produtos que doutra forma não se encontraria no mercado.
Outra discrepância residia na qualidade dos produtos à venda. No mercado havia uma
maior confiança na compra dos produtos porque a qualidade era garantida pelos
próprios produtores. O mesmo não sucedia na feira porque, vindos de várias regiões, os
comerciantes não garantiam muitas vezes de boa-fé a qualidade do que vendiam.
Estas diferenças também se notam no pensamento económico e social português do
século XIX onde se observam duas posições opostas entre os que defendem o mercado
em detrimento da feira como Villa-Nova Portugal, José Silvestre Ribeiro e Alexandre
Herculano e os que advogam a criação de feiras como José Ferreira Borges. Villa-Nova
Portugal critica as feiras considerando-as um luxo, alegando que estas só serviam para o
entretimento e, defendendo assim os mercados em virtude de promoverem a venda de
bens de primeira necessidade (Portugal apud Justino, 1988:273). Por sua vez, José
Silvestre Ribeiro, considerou a criação de feiras como um erro económico e um
anacronismo histórico (Ribeiro apud Justino, 1988:274). Já Alexandre Herculano chega
a designar as feiras como algo de obsoleto (Herculano apud Justino, 1988:274).
Opinião diferente tem Ferreira Borges pois considera as feiras relevantes para o
desenvolvimento económico porquanto vivendo-se num país atrasado, em que as
populações estão muito fechadas – como “ilhas não-communicaveis” -, elas
apresentavam-se como um meio de abrir estradas e comunicações para as localidades e
de suprir as necessidades e aumentar a riqueza dos povos (Borges, 1856:167).
Após esta análise geral, a descrição dos mercados e feiras dum território concreto torna-
se útil pois permite, na prática, avaliar o que foi teoricamente escrito. Para o efeito,
usaremos o exemplo do concelho de Felgueiras.
Mercados e feiras no concelho de Felgueiras
Para o concelho de Felgueiras, as menções históricas sobre os mercados para os tempos
mais recuados são inexistentes. Todavia, convém salientar que na Idade Média e
Moderna teria, com relativa certeza, existido mercados. Se tivermos em conta os dados
fornecidos pelo foral concedido pelo rei D. Manuel (1469-1521) a Felgueiras, nos
inícios de quinhentos, onde é referido que as principais atividades económicas eram a
lavoura (com grande produção de trigo e milho) e a pastorícia, concluímos que teria de
haver uma forma de vender e escoar esses produtos.
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Chegados à Idade Contemporânea, encontramos mais dados sobre este comércio.
Primitivamente, o mercado na sede do concelho realizava-se de frente aos paços
concelhios onde, hoje em dia, temos o jardim da Praça da República. Neste, vendia-se
todo o tipo de produtos desde os agrícolas passando pelo comércio de aves e gado.
Contudo, com intuito de se garantir melhores condições a todos que a ele acediam quer
para vender quer para comprar, em meados do século XX, construiu-se um edifício de
raiz, tendo a obra ficado a cargo do arquiteto portuense Januário Godinho. Este novo
espaço não ficou muito longe do antigo lugar onde se realizava, ficando situado num
largo2 paralelo aos paços do concelho. Devemos notar, por curiosidade, que este não foi
o espaço primeiramente escolhido, tendo na altura a preferência recaído num terreno
junto da Igreja Matriz e da rua da Lomba. Mas, por questões de ordem política e
urbanística, optou-se pelo local já indicado.
Atualmente, o mercado está muito longe das características que tinha no início do
século XX, efetuando-se agora de terça a sábado, com tendência para a especialização:
às terças e sábados comercializa-se peixe; às quartas, quintas e sextas a prioridade é
dada às frutas, legumes e carnes. Devemos aludir que o mercado encontra-se de certa
forma "secundarizado" devido à realização, neste mesmo espaço, da feira semanal à
segunda-feira e à concorrência das superfícies comerciais que existem em seu redor.
Possivelmente, a sua especialização será uma forma de contornar a concorrência.
Para além deste mercado, devemos referir mais dois. Na Lixa, opera-se à terça e sexta-
feira, sendo que às terças cumpre-se simultaneamente com a feira semanal. Como
acontece com o de Felgueiras, verificamos a tendência para a venda de produtos
específicos, nomeadamente o peixe e os legumes.
Temos ainda notícias de que na década de 40 do século passado, havia mercado em
Jugueiros sendo, contudo, realizado no mesmo dia da feira, ou seja, na última sexta-
feira de cada mês (Sampaio, 1941:452).
Se para este tipo de atividade as referências históricas são poucas, o mesmo não sucede
para as feiras, embora continuem a persistir constrangimentos informativos para a Idade
Média. Virgínia Rau em Feiras medievais portuguesas, onde elenca este tipo de
comércio, entre 1125 e 1467, não menciona a existência de alguma para o concelho de
Felgueiras. No entanto, se examinarmos as chancelarias régias, verificamos a outorga
2 Hoje tem a designação de Largo Arquiteto Januário Godinho.
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deste privilégio a Unhão, dada por D. João I, em Évora, no dia 29 de fevereiro de 14293.
Esta era franqueada realizando-se de três em três semanas e na condição de não haver
outra feira na mesma comarca que pudesse ficar prejudicada.
"feira Franqueada em hunham
Dom Joham etc. A quantos esta carta virem fazemos saber que nos querendo fazer
graça e mercee a joham gomez da silua nosso uasallo por muito serujço que delle
Recebemos e entendemos de receber por seer ma/is nobre ho seu lugar dhunham
que he em terra de sousa Teemos por bem e mandamos que no dicto seu lugar d hunham
se faça e possa fazer daquj en diante de tres em tres somanas hũa feira franqueada
que dure huũ dia e mais nom comtanto que se faça em tal dia que se nom faça outra
algũa feira na comarca d arredor a que esta possa fazer perjujzo. E Porem mandamos a
todollos corregedores e meyrinhos e jujzes e justiças e a todollos outros
officiaães e pesoas quaãesquer a que esto perteencer ou ouuerem de ueer que leixem
fazer a dicta feira no dicto lugar d hunham de tres em tres somanas como dicto he
sem embargo nemhuũ que a ello ponham. a qual feira mandamos que aia e lhe seiam
guardados todollos priujllegios e franquezas que a feira de lanhoso. E em testimunho
desto lhe mandamos dar esta nossa carta dante na cidade d euora xxvj dias de feuereiro
el rrey o mandou aluaro gonçalluez a fez era de mil iiijc xxix annos".
Se as informações são parcas para a Idade Média, o mesmo não acontece para a Idade
Moderna e Contemporânea onde a documentação permite identificar diversas feiras,
com periodicidade variada, por todo este território.
No século XVIII existiam nove feiras nestas terras, sendo uma quinzenal, cinco mensais
e três anuais. Em Unhão, e ao contrário do período medieval, existiam duas: com
duração de um dia cada, tínhamos uma quinzenal aos dias 17 e 28 de cada mês e uma
anual, no dia 22 de setembro. A quinzenal, conhecida também como feira de Santo
Eusébio (Gomes, 1996:164), realizava-se no lugar da Sargaça, pagando sisa ao Rei. Por
seu turno, a feira anual acontecia em terras do conde de Unhão (Capela, 2009:841).
Em Margaride, a feira realizava-se na primeira terça-feira de cada mês. Decorre que a
realização desta tinha implicações com a que se efetuava na Lixa, também mensal, na
primeira segunda-feira: quando o primeiro dia do mês fosse à terça-feira, a da Lixa seria
na segunda-feira anterior, mas caso esse primeiro dia fosse dia santo, a feira na Lixa
passava para terça e a de Margaride para o dia seguinte, ou seja, para quarta (Capela,
2009:841). Analisando em mais pormenor a da Lixa, esta era parcialmente franca na
parte deste concelho e considerada uma “das maiores feiras do mês que há no reino”
(Capela, 2009:841), sendo bastante popular (Fernandes, 1989:122). Para além dos mais
3 Ou seja, dia 26 de fevereiro de 1391, em virtude de estar na Era de César.
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variados géneros de produtos à venda, a preponderância era dada ao comércio de pano,
linho, pão, gado, tendeiros, ourives e chapeleiros (Capela, 2009:841).
Ainda neste século XVIII, temos a ocorrência de mais cinco outras feiras nas freguesias
de Barrosas, Pombeiro e Várzea. A primeira, em Barrosas, de caráter cativa4, efetuava-
se no dia 23 de cada mês, durando um dia (Capela, 2009:841). Existiam depois duas em
Pombeiro: uma aos dias 7 de cada mês e uma anual no dia seguinte à comemoração do
São Bartolomeu5, sendo esta última vocacionada para a venda de gado (Dias, 2011:4).
Por seu turno, a realizada em Várzea, e conhecida por Feira de São Jorge, resultou da
extinção da feira mensal de Pombeiro. O rei D. José, no ano de 1765, suprime a de
Pombeiro e cria a de São Jorge no lugar do Souto. A razão apontada era a falta de
condições espaciais em Pombeiro. Esta nova feira começou a realizar-se no dia 15 de
cada mês, sendo vocacionada para a venda de gado, bestas, pães e outros géneros. Mas
nesta freguesia de Várzea existia uma outra conhecida por Feira dos 23 de Abril ou dos
Folares. Esta era franca e anual, decorria no dia de São Jorge, padroeiro da freguesia e
atraía a população de freguesias vizinhas:
"A vinte e três de Abril de cada anno, que hé dia de Sam Jorge, orago desta freguezia,
concorre muita gente de romaria, aonde vêm clamores de muitas freguezias a esta igreja.
Por cuja razam se faz na dita lameda ou deveza feira nesse dia de algumas couzas mais
percizas " (Capela, 2009:258).
Nesta realizavam-se corridas de cavalos e venda de alfaias agrícolas, gado, linho e
linhaça. Também havia sável pescado no rio Tâmega e posteriormente trazido de
Amarante para aqui se vender. Como se efetuava em dia do santo padroeiro, o cariz
religioso desta feira fazia-se sentir: ao amanhecer, os lavradores levavam o gado à igreja
dando uma volta em seu redor para que São Jorge, padroeiro do gado, os ajudasse a
fazer um bom negócio (Gomes, 1996:166).
Convém acentuar que a extinção, criação de feiras ou transferências de datas não se
ficou por esta centúria, continuando nas seguintes.
Por exemplo, a mencionada Feira de São Jorge, em meados do século XIX, já se
realizava ao dia 14 de cada mês, no lugar da Deveza tendo sida transferida, em 1854,
para a vila de Margaride, sede do concelho. Como acontecia com a extinta, esta nova
4"Cativa" porque os comerciantes locais estavam isentos de pagamentos de sisa ou portagem, não
acontecendo com os restantes comerciantes que ficavam sujeitos aos impostos devidos (Capela, 2009:92).
5 Como este Santo é comemorado a 24 de agosto, a feira realizar-se-ia no dia 25.
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seria no dia 14 de cada mês, salvo se o dia coincidisse com domingo ou dia santo,
passando para o dia seguinte.
Se tivermos em conta a existência de mais que uma feira num mesmo concelho e se
juntarmos a rivalidade entre freguesias, estavam reunidas as condições para mal-estares
entre populações vizinhas. Não foi assim de estranhar que a transferência da Feira de
São Jorge para Margaride causasse incómodo na freguesia que a perdia. Com intuito de
salvaguardar os interesses da povoação, a Câmara Municipal de Felgueiras através de
requerimento dirigido ao Governo Civil do Porto, solicitou que a população de Várzea
pudesse continuar a "reunir-se" nesse mesmo dia para exporem "à venda quaesquer
objetos ou mercadorias". Ou seja, não havia feira mas, em compensação, a população
local poderia reunir-se para vender os produtos que cultivava ou produzia. Sucede que
os problemas não ficaram só por esta freguesia. Os lixenses também se sentiram
ameaçados e mostraram o descontentamento: aquando da publicação dos editais na Lixa
sobre a transferência da feira para Margaride, a população arrancou os editais em modo
de protesto.
Voltando à feira de Margaride, ainda neste século ela passou de mensal para quinzenal,
sendo efetuada no dia 14, como até então, e no dia 29 de cada mês.
Como qualquer evento efetuado ao ar livre, as feiras acabam por estar sujeitas às
condições climatéricas do dia e com repercussões na afluência de público e nas vendas.
Sobre este assunto, de recordar que a feira de Margaride do dia 14 de abril de 1898 foi
transferida para a semana seguinte, para o dia 18, em virtude do mau tempo ter
impedido a sua realização. Quando não eram as condições climatéricas, a falta de
produtos para vender era motivo para uma feira fraca: a falta de gado para se vender na
de 18 de julho de 1899, em Margaride, resultou que a feira nesse dia fosse pouco
movimentada.
Todavia, se uma ou outra não decorria como desejado para os feirantes e população, a
que antecedia a época natalícia – conhecida por Feira de Natal – era mais animada,
chamando sempre muita população à sede do concelho, com intuito de se preparar a
consoada.
No que concerne à da Lixa, por volta de 1813, ela era realizada num largo pertencente à
casa do Terreiro com a autorização do proprietário. Todavia, devido aos muitos
mercadores e compradores, este espaço tornou-se exíguo, tendo mudado de local, para o
largo da Cruz (CFV, 2000:69). Mas, como a oferta e a procura continuava a crescer,
passou a realizar-se no largo das Carvalheiras (CFV, 2001:11).
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De fazer nota que, chegados ao final deste século em análise, a designação adotada na
Lixa era de feirões e realizava-se duas vezes por mês.
Como exposto na primeira parte deste artigo, os políticos souberam aproveitar estes
ajuntamentos para passarem as suas mensagens políticas, especialmente em tempos de
eleições. Sobre esta matéria, lembramos a polémica que envolveu o feirão ocorrido no
dia 3 de abril de 1854: chegaram boatos aos Governo Civil que nesse evento ter-se-ia
realizado uma manifestação de apoio aos absolutistas. Perante este facto, a Câmara
Municipal teve de vir a público desmentir tal manifestação referindo, em defesa da
população lixense, que era costume nesse local haver trocas comerciais e que não teria
sido possível essa manifestação porque os moradores "na sua maior parte são do partido
liberal".
Continuando a descrever o século XIX, devemos apontar a feira semanal do Sambeito,
na atual vila da Longra cujas origens, segundo Armando Pinto, remontam à criação do
concelho de Barrosas, entre 1837 e 1852. Esta feira terá sido abolida após a extinção do
concelho mencionado (Pinto, 2003:31). Porém, antes da sua extinção, esta efetuava-se
aos sábados e não se iniciava sem a presença da Banda de Música do Aniceto que criava
uma atmosfera de boa disposição (Pinto, 2003:69).
Armando Pinto (2003:31) expõe ainda que, na mesma época da criação da feira do
Sambeito, terá sido criada uma outra no concelho vizinho de Barrosas. Não obstante
esta indicação, devemos recordar o assinalado anteriormente quando foi mencionado
que nesta localidade, no século XVIII, já existia feira. Ou seja, esta exposta pelo
referido autor poderá ser a continuação da que se realizava na centúria de setecentos.
Instrumento útil para se saber mais sobre a organização e as condições destes eventos
foi o aparecimento da imprensa local no concelho de Felgueiras, em finais do século
XIX. Citemos o Semana de Felgueiras que reproduzia regularmente os ecos destes
eventos escrevendo sobre tudo o que com elas se relacionava. Por exemplo, era vulgar
notícias sobre os preços praticados nos géneros alimentícios. A este nível e fazendo uma
breve comparação entre feiras, de notar que os preços praticados na de Margaride eram
ligeiramente mais baixos que os praticados na da Lixa.
Outros factos passados para o papel, eram as cenas de violência ou polémicas na sua
organização. Modelo de evento pouco pacífico era a Feira dos 23 de Abril, não obstante
o seu pendor religioso. Desordens públicas eram frequentes. Por exemplo, a realizada
no ano de 1902 fora notícia de jornal devido às escaramuças ocorridas entre populares
devido ao destino a dar-se às esmolas que os peregrinos ofertavam na ocasião.
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Entrados no século XX, novas mudanças se verificaram, especialmente na feira da Lixa
e de Margaride e que permaneceram até aos dias de hoje.
Em março de 1900, um grupo de comerciantes lixenses, descontentes com os feirões
realizados na freguesia, apresentaram um pedido para a extinção deste tipo de comércio
e a sua substituição por feira semanal às terças-feiras. Esta solicitação foi atendida pela
autarquia que, a 24 de março de 1900, suprimiu os feirões substituindo-os por uma feira
semanal no dia pretendido, mas com condicionantes: quando a data coincidisse com dia
santo ou com a Feira dos 23 de Abril, em Várzea, a da Lixa realizar-se-ia no dia
anterior, ou seja, à segunda-feira. O certo é que esta mudança ressuscitou rivalidades
antigas. Comerciantes de Margaride, liderados por Silva & Irmão, solicitavam, por sua
vez, à Câmara Municipal a supressão da feira quinzenal e a sua passagem a semanal e
efetuada às segundas-feiras. Diante tais indícios, um conjunto de comerciantes lixenses,
encabeçados por Vicente da Silva Cunha, solicitavam à edilidade que não aprovasse a
solicitação dos negociantes felgueirenses, pois tinham o receio que uma feira realizada
às segundas-feiras prejudicasse a da Lixa, às terças.
No entanto, este pedido não foi atendido, apesar da autarquia tomar "em consideração o
representado pelos signatários ".
Apesar dos medos demonstrados, a feira semanal da Lixa nas primeiras décadas do
século XX, obteve grande prosperidade especialmente após a inauguração, em setembro
de 1914, do troço ferroviário que ligava Penafiel, Lousada, Felgueiras e Lixa devido à
facilidade de transporte de mercadorias e passageiros entre concelhos vizinhos (CFV,
2001:17).
Uma das imagens de marca da Lixa foi e é as suas feiras. A esta acabada de descrever,
outras três de caráter anual, se juntaram e ainda hoje persistem: a Feira das Oitavas, na
segunda-feira de Páscoa, não sendo por isso realizada num dia fixo; a Feira das Uvas
ou das Cebolas, na primeira segunda-feira de setembro e a Feira Franca, no domingo
anterior ao Natal. Sem menosprezar nenhuma delas, devemos destacar a primeira feira
citada porquanto seria das mais animadas, pois decorriam corridas de cavalos,
concursos de gado bovino e cavalar e prémios para os melhores cantadores e cantadeiras
que variavam entre os 50$00 e os 25$00 consoante as categorias (CFV, 2001:17).
Concomitante a estas feiras praticadas nas duas principais povoações de Felgueiras, este
século XX será profícuo em outras efetuadas um pouco por todo o concelho. Em
Varziela, havia uma que se concretizava às quintas-feiras (Gomes,1996:168). Na
freguesia de Jugueiros, tínhamos feira mensal criada em março de 1853. Inicialmente
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realizada no dia 5 de cada mês, passou mais tarde, para a última sexta-feira. Atualmente
já não se realiza. A esta juntamos uma outra, de periodicidade anual, na última sexta-
feira de agosto, que ainda hoje se concretiza. É conhecida por Feira de Santa Águeda,
sendo vocacionada para o comércio de gado bovino. Reconhecendo a sua importância,
no ano de 1985, a Câmara Municipal chega a atribuir um subsídio de 15.000$00 para a
sua concretização.
Por fim, de destacar feira surgida em finais da última década do século XX: a Feira
Popular e Tradicional da Vila da Longra. Organizada pela Associação da Casa do Povo
da Longra e pelas juntas de freguesia de Rande, Pedreira e Sernande e com uma
periodicidade trimestral (na segunda semana de março, junho, setembro e dezembro),
pretende restaurar a antiga feira que existira entre os séculos XIX e princípios do XX.
Com o evoluir dos tempos e na necessidade de se promover a história, cultura e o
turismo, as autarquias viram nas feiras uma outra forma de promover a terra. Não foi de
admirar assim que, em Felgueiras, a centenária Feira de Maio em vez da primordial
função de abastecimento da população começasse, nos tempos mais chegados aos
nossos dias, a ser usada para os três fins citados.
Criada por deliberação camarária em março de 1901 e, sendo também denominada por
Feira Franca, esta devia realizar-se todos os anos no primeiro dia do mês de maio. Ela
foi criada após solicitação de alguns comerciantes do concelho proporem que a então
feira anual de gado cavalar, que se realizava a 28 de junho, fosse substituída por uma
outra no dia citado. O espaço inicialmente escolhido para a sua realização foi o jardim
frontal aos antigos paços do concelho. Seria uma feira para se vender gado cavalar,
muar, asinino e bovino, bem como ser um mercado geral de produtos. Ao mesmo
tempo, decorreriam concursos para o gado em exposição, com atribuição de prémios
monetários para melhor cavalo (12$000), para a melhor junta de bois (12$000) e junta
de touros (5$000). Na primeira edição, em 1901, o júri era composto por personalidades
importantes do concelho, como o Dr. Eduardo de Freitas, Dr. Abílio M. da Costa Santos
ou Joaquim Ferreira de Paiva Sampaio. O sucesso conseguido foi tal que, no ano
seguinte, diversas personalidades felgueirenses decidiram criar um prémio suplementar
de 5$000 reis para o melhor par de cantores de desafio da feira. Como acontecia com a
que se realizava na Longra, era presença assídua a Banda do Aniceto para a abrilhantar.
O certo é que, nos seus primeiros anos de existência foi uma feira muito divulgada e
com elevado sucesso. Por exemplo, a ela acorriam grande número de vendedores de
Trás-os-Montes e das Beiras. Mas com o tempo foi caindo no esquecimento e nas
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polémicas: a feira de 1991 já era pouco animada e a de 1995 levantou controvérsia ao
nível da localização, em que o lugar escolhido – na atual Praça Dr. Machado de Matos –
não agradava aos moradores das proximidades devido ao barulho criado. Acabou por
ser suspensa.
No entanto, como as feiras se encontram enraizadas na memória coletiva concelhia, em
2006, uma nova Feira de Maio surgia, porém com outras finalidades, nomeadamente ao
nível da promoção da história, cultura e turismo do concelho. Possui muita animação,
produtos tradicionais, exposições e conferências associadas.
O mesmo se pode considerar da Feira das Tradições. Sem ter uma feira concreta que a
preceda historicamente com intuito de se buscar as suas origens, e realizada desde 1997,
este evento pretende recriar o ambiente das feiras dos finais do século XIX e inícios do
XX. Promovida pela edilidade felgueirense, a feira conta com a presença de vendedores
de produtos regionais (doçaria, brinquedos em madeira, artigos de cestaria e produtos
hortícolas), trajados a rigor. Durante anos feita no monte de Santa Quitéria, em 2013,
passou a efetuar-se na Praça da República, zona histórica por excelência das feiras
realizadas neste concelho.
Por último, devemos guardar algumas palavras para uma curiosidade. Aquando da festa
em honra de Nossa Senhora do Alívio, na freguesia de Santão, entre os dias 15 e 17 de
junho de 1945, estava prevista uma "Grande Feira Franca Anual". Acontece que a festa
e a feira acabaram adiadas sine die, em virtude de terem sido organizadas sem o
consentimento do Bispo do Porto. Desnecessário será dizer que esta situação causou
incómodo e embaraço a todos os envolvidos, sendo mesmo necessário um
esclarecimento público por parte do pároco de então, José Pereira dos Santos.
Como forma de esquematizar o historiado, apresentamos o Quadro 1 que enumera os
mercados e feiras em Felgueiras ao longo dos tempos.
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Quadro 1 – Mercados e feiras em Felgueiras por freguesia e séculos
Freguesia Designação ≤ Séc.XV Séc.XVI Séc.XVII Séc.XVIII Séc.XIX Séc.XX Séc.XXI
Barrosas
Feira Cativa
Feira
Jugueiros
Mercado
Feira mensal
Feira Sta Águeda
Longra
Feira de Sambeito
Feira tradicional
Lixa
Feira mensal
Feirão
Feira semanal
Mercado
Feiras das Oitavas
Feira das Uvas
Feira franca
Margaride
Feira ou mercado
Feira mensal
Feira quinzenal
Feira semanal
Feira de Natal
Mercado
Feira de Maio
Feira das Tradições
Pombeiro
Feira mensal
Feira S. Bartolomeu
Santão Grande Feira
Unhão
Feira franca
Feira S. Eusébio
Feira anual
Várzea
Feira dos 23 Abril
Feira de São Jorge
"Reunião"
Varziela Feira semanal
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Conclusão
A inventariação dos mercados e feiras em Felgueiras, para além de ajudar a fazer a
história deste concelho, possibilita extrair ilações gerais para a história do mercado
interno nacional.
Para além das designações, muitas vezes confundíveis entre mercado e feira
encontramos o uso de outras denominações como feirão, na Lixa, ou reunião, em
Várzea, para classificar o encontro das gentes locais para a venda de produtos.
Fica claro que Felgueiras foi e é um território fértil em feiras e que estas fazem parte do
quotidiano das suas gentes. O mesmo não sucede com os mercados, onde o seu número
é infinitivamente menor que as primeiras. Os dados apresentados permitem reconhecer
que quase um terço das 32 freguesias deste concelho tiveram ou têm mercado ou feira,
perfazendo um total de 32 eventos ao longo destes séculos. Deste conjunto, ainda
persistem nos dias de hoje, dez feiras ativas (duas semanais, uma trimestral e sete
anuais) e dois mercados quase diários.
Esta análise permitiu, inclusive, percecionar que as autoridades locais ao longo dos
séculos souberam interpretar o papel social e económico dos mercados e feiras para o
desenvolvimento local e por isso sempre apoiaram a sua criação ou realização por
exemplo, através da construção de edifícios de raiz para os acolher, na atribuição de
subsídios ou na mudança de locais e datas para ir ao encontro das necessidades das
populações a servir.
Relacionado com este último fator, de mencionar o caráter bairrista das mesmas. As
lutas das freguesias para impedir a realização das feiras noutras localidades para não
prejudicar a efetuada no seu limite territorial é uma realidade. que demonstra a
importância que este comércio tinha para as populações.
Notamos igualmente uma ligação forte à religiosidade, em que cerca de 30% das feiras
em Felgueiras estão relacionados com o culto a santos ou a outras festas católicas.
Ao mesmo tempo, para além de possibilitarem o abastecimento das populações, a sua
concretização ajuda a conservar ou mesmo restaurar a cultura e valores locais ao mesmo
tempo que promovem o turismo. O caso da Feira de Maio e das Tradições são
exemplos do novo uso que se dá a este tipo de eventos. Simultaneamente permite
verificar a importância social que este tipo de comércio tinha e ainda tem para o
território.
Como conclusão final podemos considerar que os mercados e mais especificamente as
feiras, são realidades indissociáveis do nosso comércio interno, contribuindo para a
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venda e escoamento local de produtos, ao mesmo tempo que promovem cultural e
turisticamente o município.
Fontes e Bibliografia
Fontes
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1851-1855 - Livro para o registo de correspondência recebida, nº 144
1854 - Livro de correspondência recebida, nº 261
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