mestrado em gestÃo econÔmica do meio ambiente comÉrcio ... · 3.2 teoria do comércio...
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Universidade de Braslia UnB Faculdade de Economia, Administrao e Contabilidade FACE
Departamento de Economia ECO Programa de Ps-graduao em Economia
M EST R A D O E M G EST O E C O N M I C A D O M E I O A M BI E N T E
C O M R C I O D E R ESDU OS E L E T R NI C OS E A C O N V E N O D A B ASI L E I A :
U M A A N L ISE E C O N M I C A
LVIA FARIAS FERREIRA DE OLIVEIRA
BRASLIA DF
2012
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LVIA FARIAS FERREIRA DE OLIVEIRA
COMRCIO DE RESDUOS ELETRNICOS E A CONVENO DA BASILEIA:
UMA ANLISE ECONMICA
Dissertao apresentada como requisito para a
obteno do ttulo de Mestre em Economia Gesto
Econmica do Meio Ambiente da Faculdade de
Economia, Administrao, Contabilidade e Cincias
da Informao e Documentao (FACE), Centro de
Estudos em Economia, Meio Ambiente e
Agricultura (CEEMA), Departamento de Economia,
Universidade de Braslia (UnB).
O rientador: Prof. Dr . Jorge Madei ra Noguei ra.
BRASLIA DF
2012
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LVIA FARIAS FERREIRA DE OLIVEIRA
C O M R C I O D E R ESDU OS E L E T R NI C OS E C O N V E N O D A B ASI L E I A :
U M A A N L ISE E C O N M I C A
Dissertao aprovada como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em E conomia,
Gesto Econmica do Meio Ambiente, do Programa de Ps-Graduao em Economia
Departamento de Economia da Universidade de Braslia, por intermdio do Centro de Estudos
em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA). Comisso Examinadora formada
pelos professores:
________________________________________ Prof. Dr. Jorge Madeira Nogueira
Departamento de Economia UnB Presidente da Banca
________________________________________ Prof. Dr. Denise Imbriosi
Departamento de Economia UnB Membro Interno
________________________________________ Prof. Dr. Moiss de Andrade Resende Filho
Departamento de Economia - UnB
Braslia, 2012.
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A meus pais.
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v
AGRADECIMENTOS
A Deus por todos os desafios vencidos e pelos que ainda vencerei.
Aos meus pais pelo apoio, exemplo, dedicao e amor.
Ao meu irmo Gabriel Oliveira, pela amizade e carinho sempre presentes.
A Fernando Abreu, pelo amor, pacincia, companheirismo e compreenso.
Ao meu grande amigo Czar Almeida, pelo incentivo e fora constantes.
minha querida amiga Isabel Tarrisse, pela inspirao e apoio.
Aos meus colegas Edmrcia, Suzana, Mona, Juliana, Jonas, Jeane, Ilana, Camila,
Priscila e Ricardo, pelas alegrias e angstias compartilhadas.
A Waneska, Marcos e Rafael, pelo apoio e colaborao.
A meu orientador Prof. Dr. Jorge Madeira Nogueira, pela confiana, pela
oportunidade, pela autonomia de trabalho e amizade.
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Vi ontem um bicho
Na imundice do ptio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa;
No examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho no era um co,
No era um gato,
No era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Manuel Bandeira
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R ESU M O
A transferncia de resduos perigosos de pases ricos para pases pobres tem sido um
trao preocupante da economia poltica global. O fenmeno um produto da globalizao
econmica em um contexto de desigualdades mundiais, e gerou vrias respostas polticas,
todas elas com alguma fragilidade. A presente dissertao procura analisar, a partir da teoria
econmica, a transferncia de resduos eletrnicos de pases desenvolvidos para pases em
desenvolvimento. Ns examinamos as foras que contribuem para essa transferncia, bem
como a resposta poltica internacional a ela: a Conveno da Basileia sobre Controle de
Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos e seu Depsito. A moldura conceitual
adotada envolve conceitos da gesto econmica de resduos, sendo apresentada uma reviso
sistematizada da literatura econmica relativa ao comrcio internacional, ao meio ambiente e
economia da poluio. As anlises conduzidas surgerem que o problema do resduo
eletrnico est intrinsecamente ligado a fatores econmicos. Visto que a transferncia de risco
dinmica e multifacetada, defendemos que a maneira mais promissora de abordar o
problema exige medidas que abrangem uma srie de questes, desde o comrcio de resduos
at a promoo da produo limpa.
Palavras-chave: comrcio de resduos, resduos eletrnicos, resduos perigosos, gesto
econmica de resduos, Conveno da Basileia.
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A BST R A C T
The displacement of hazardous wastes from richer to poorer countries has been a
disturbing feature of the global political economy. The phenomenon is a product of economic
globalization in the context of a highly unequal world, and has generated various political
responses, all of them with some weaknesses. This dissertation aims to analyze, from the
economic theory point of view, the transfer of electronic wastes from developed to developing
countries. We look at forces that contribute to that transfer, as well as the international
political response to it the Basel Convention on the Transboundary Movements of
Hazardous Wastes and their Disposal. The conceptual framework adopted involves concepts
of economic waste management, and presents a systematic review of the economic literature
on international trade and the environment and economics of pollution. The analyzes
conducted indicated that the emergence of the waste trade problem is intricately linked to
global economic factors. Because hazard transfer is both dynamic and multifaceted, we argue
that the most promising way to address the problem require measures that cover a range of
issues, from the trade in wastes to the promotion of clean production.
K eywords: trade waste, electronic wastes, hazardous wastes, waste management, Basel
Convention.
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L IST A D E I L UST R A ES
Captulo 1
Quadro 1.1 Impactos na sade de alguns resduos txicos: exemplos 28
Quadro 1.2 Quantidade de substncias em 500 milhes de computadores 29
G rfico 1.1 Quantidade de computadores produzidos na UE entre 2004 -2008 30
G rfico 1.2 Quantidade estima de produtos eletrnicos postos no mercado e
futuro crescimento do lixo eletrnico na Unio Europeia
31
F igura 1.1 Hierarquia na gesto de resduos perigosos 32
Captulo 2
Quadro 2.1 Deciso II/12 Curva de Kuznets Ambiental 63
Quadro 2.2 Deciso III/1 Gerao de resduos per capita 65
Captulo 3
F igura 3.1 Curva de Kuznets Ambiental 76
F igura 3.2 Gerao de resduos per capita 79
Captulo 4
F igura 4.1 Processo de tomada de deciso sobre movimento transfronteirio
de produtos eletrnicos usados
99
F igura 4.2 Procedimento alternativo para equipamentos usados destinados a
reutilizao
101
Quadro 4.1 Problemas que envolvem a gesto de e-resduos 105
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x
L IST A D E A BR E V I A T UR AS, SI G L AS E G L OSS RI O
AAM Acordos Multilaterais ACB Anlise Custo-Benefcio BFR Retardantes de Chama Brominados CEE Comunidade Econmica Europeia
Corrida para o fundo
Movimento no qual jurisdies com elevados padres ambientais relaxam suas regras, de modo a no sobrecarregar suas indstrias com os custos de controle de poluio mais elevados do que os concorrentes que operam em jurisdies com padres ambientais mais flexveis.
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CT Corporaes Transnacionais DAA Disposio a Aceitar DAP Disposio a Pagar EE Equipamentos Eletrnicos EPA Environmental Protection Agency EPR Responsabilidade Estendida ao Produto GT Grupo de Trabalho IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis MPPI Mobile Phone Partnership Initiative OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico OMC Organizao Mundial do Comrcio ONG Organizaes no-Governamentais OUA Organizao da Unidade Africana PACE Partnership for Action on Computing Equipment PD Pas desenvolvido PED Pas em desenvolvimento PNRS Poltica Nacional de Resduos Slidos PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente PVC Policloreto de vinila: REEE resduos eltricos e eletrnicos RE Resduos eletrnicos RS Rio Grande do Sul SCB Secretariado da Conveno da Basileia SINIR Sistema Nacional de Informaes sobre a Gesto de Resduos Slidos UE Unio Europeia UNEP United Nations Environmental Programme
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SU M RI O
R ESU M O ................................................................................................................................. vii
A BST R A C T .......................................................................................................................... viii
L IST A D E I L UST R A ES ................................................................................................... ix
L IST A D E A BR E V I A T UR AS, SI G L AS E G L OSS RI O ................................................... x
SU M RI O ................................................................................................................................ xi
IN T R O DU O ...................................................................................................................... 13
R ESDU OS E L E T R NI C OS: U M A Q U EST O D E SA D E PB L I C A ....................... 19 1.1 O que Poluio? .......................................................................................................... 19
1.2 Resduos Perigosos e Resduos E letrnicos ................................................................ 23
1.2.1 Os fluxos ocultos de resduos eletrnicos ................................................................ 29 1. 3 Gesto de Resduos E letrnicos .................................................................................. 32
1.3.1 Preveno da Gerao de Resduos Perigosos ....................................................... 33 1.3.2 Reduo da Periculosidade dos Resduos ............................................................... 36 1.3.3 Recuperao dos Resduos Perigosos ..................................................................... 37 1.3.4 Recuperao dos Resduos Perigosos ..................................................................... 39
1. 4 A Escolha de Instrumentos de Poltica ...................................................................... 40
A C O N V E N O D A B ASI L E I A ......................................................................................... 43 2.1 Processo de Negociao da Conveno ....................................................................... 43
2.2 A Conveno da Basileia: Apresentao .................................................................... 48
2.2.1 A Emenda de Proibio ........................................................................................... 60 2.2.2. Protocolo de Responsabilizao e Compensao por Danos ................................ 67
O C O M R C I O D E R ESDU OS PE RI G OSOS ................................................................... 70 3.1 Contextualizao do Problema .................................................................................... 70
3.2 T eoria do Comrcio Internacional e Meio Ambiente ................................................ 73
3.2.1 Os Liberais ............................................................................................................... 75 3.2.2 Os Ambientalistas .................................................................................................... 78 3.2.3 Discusso ................................................................................................................. 80
3.3 O Movimento T ransfrontei r io de Resduos .............................................................. 84
3.3.1 Modelo Simplificado do Mercado de Resduos ........................................................ 85
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3.3.2 Fatores Propulsivos A Demanda por Servios de Disposio de Resduos ......... 86 3.3.3 Fatores Atrativos A O ferta por Servios de Disposio de Resduos .................. 88
3.4 T ransferncia de T ecnologia ou Envenenamento por Lucro? ................................. 91
3.4.1 Vantagem Comparativa Distorcida ......................................................................... 92 3.4.2 Reduzindo o Hiato Tecnolgico? ............................................................................. 94
E-RESDUOS E A C O N V E N O D A B ASI L E I A ............................................................ 96 4.1 Desafios na implementao da Conveno da Basileia para e-resduos .................. 96
4.1.1 Distino entre resduos eletrnicos e produtos eletrnicos ................................... 96 4.1.2 Movimento transfronteirio de produtos eletrnicos (no-resduos) ...................... 98 4.1.3 Movimento transfronteirio de equipamentos eletrnicos destinados para reparo 99 4.1.4 Movimento transfronteirio de e-resduos ............................................................. 101
4.2 Implementao da Conveno da Basileia e os e-resduos ...................................... 103
4.2.1 Programa de atividades para a gesto ambiental do lixo eletrnico na sia ....... 107 4.2.2 Programa de atividades para a gesto ambiental do lixo eletrnico na mrica do
Sul ................................................................................................................................... 108 4.2.3 Programa de atividades para a gesto ambiental do lixo eletrnico na frica .... 109
4.2 Dependncia das legislaes nacionais ...................................................................... 112
C O NSID E R A ES F IN A IS E R E C O M E ND A ES..................................................... 117
R E F E R N C I AS ................................................................................................................... 125
AP NDI C E ........................................................................................................................... 133
A N E X O .................................................................................................................................. 136
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IN T R O DU O
Nas ltimas dcadas, a demanda global por produtos eletrnicos cresceu
exponencialmente, enquanto a vida til de tais aparelhos tornou-se cada vez mais curta. A
inovao tecnolgica, aliada obsolescncia planejada dos produtos, desenvolveu uma
no fluxo de resduos urbanos no mundo (BOLAND, 2004). A disposio desse tipo de resduo
constitui um dos maiores desafio na gesto de resduos slidos deste sculo. Na procura por
u pases desenvolvidos passaram a descarregar esses resduos
em pases das regies menos desenvolvidas do planeta (HULL, 2010). o movimento
internacional do lixo eletrnico o objeto de estudo desta dissertao.
Nos Estados Unidos, a venda de dispositivos eletrnicos cresceu mais de 90% entre
2003 e 2008. Cerca de 24 milhes de computadores foram produzidos em 2006, e mais de 34
milhes de aparelhos de televiso foram vendidos no mercado americano (UNEP, 2009).
Grande parte desse consumo transformada em resduos eletrnicos. Em relatrio intitulado
Exporting Harm estima que, em 1998, 20 milhes de computadores
tornaram-se obsoletos nos EUA, e que a quantidade de lixo eletrnico foi estimada entre 5 e 7
milhes de toneladas. De acordo com o relatrio, estima-se que o volume de e-resduo
aumente a uma taxa de 3% a 5% ao ano, o que chega a ser trs vezes mais rpida do que o
crescimento do lixo municipal (PUCKETT, 2002, p. 7). As Naes Unidas estimam que entre
20 e 50 milhes de toneladas de e-resduos so geradas ao redor do mundo por ano,
quantidade essa com expectativa de grande crescimento nas prximas dcadas (COBBING,
2008).
Diferentemente dos resduos slidos urbanos, alguns componentes dos resduos
eletrnicos contm substncias txicas, que podem representar uma ameaa ao meio ambiente
e sade dos seres vivos (BHUTTA, ADNAM e XIAOZHE, 2011). Os aparelhos eletrnicos
so compostos por substncias como chumbo, mercrio, cdmio, nquel e zinco, conhecidas
por causarem danos fisiolgicos graves quando manejadas sem as devidas precaues. Devido
presena dessas substncias, a reciclagem e a disposio final desses resduos torna-se uma
questo central na gesto ambientalmente sustentvel de resduos.
Diante desse cenrio preocupante, alguns pases, notadamente os desenvolvidos,
cuidaram de ajustar suas legislaes internas no sentido de impor alguns padres aos
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produtores e consumidores de produtos eletrnicos como, por exemplo, responsabilizao de
danos pelos produtores, determinados requisitos na fabricao de produtos, e implementao
da logstica reversa. Essa maior rigidez nas leis nacionais gerou um aumento no custo de
gesto de resduos eletrnicos.
Com vista a solucionar o problema da gerao excessiva de resduos e da maior
rigidez na legislao ambiental nacional, os pases desenvolveram um mecanismo
internacional para reduzir seus custos de disposio final desses resduos: o movimento
transfronteirio de resduos perigosos. Na procura por uma soluo menos onerosa, os pases
desenvolvidos passaram a descarregar seu resduo txico em pases da frica, da Europa
Oriental e em outras regies (BOLAND, 2004; CLAPP, 2001; COBBING, 2008; IBAMA,
2011; KUMMER, 2010; LIPMAN, 2002; PUCKETT, 2002).
primeira vista, esse comrcio pode representar uma ferramenta de alocao mais
eficiente de recursos na medida em que os pases desenvolvidos, com uma grande produo
de resduos e com uma legislao ambiental mais rgida, exportam seu lixo para os pases em
desenvolvimento, onde o custo de disposio menor. Tais pases, por sua vez, se
beneficiariam deste fluxo, utilizando os dejetos como fonte de matria-prima por meio da
extrao de substncias de valor, como ao e ouro.
No entanto, por possurem uma legislao ambiental mais branda ou muitas vezes
por nem mesmo regulamentarem a gesto de resduos esses pases, que no tm condies
de dar uma disposio final adequada a esses resduos veem-se diante de um doloroso dilema,
o trade-off entre poluio e pobreza. Este comrcio tornou-se ento uma verdadeira fonte de
envenenamento ambiental e social (LIPMAN, 2002).
A Conveno da Basilia sobre o Controle de Movimentos Transfronteirios de
Resduos Perigosos e sua Eliminao o tratado internacional mais abrangente que versa
sobre resduos perigosos e outros resduos.1 Negociada sob os auspcios do Programa das
Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no final dos anos 80, a Conveno auxilia
na luta contra a prtica indiscriminada de despejo de resduos entre fronteiras. Adotada em
1989 e em vigor desde 1992, j conta com 170 membros signatrios.
1 advindos da incinerao de resduos domiciliares.
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A Conveno se apoia em dois pilares principais. Primeiro, prev a aplicao do
princpio do informado o qual embarques feitos sem o
consentimento do importador constitui trfico ilegal. Em segundo lugar, obriga as partes a
assegurarem que os resduos perigosos sero geridos e eliminados de forma ambientalmente
sustentvel. Espera-se com isso, no s uma reduo na quantidade de resduos gerada nos
pases signatrios, como tambm na quantidade de resduos perigosos comercializada entre
pases (SECRETARIAT OF THE BASEL CONVENTION, 2007).
Isto posto, o estudo do movimento transfronteirio de resduos se justifica na medida
em que observamos que o fluxo de resduos entre pases objeto de preocupao cada vez
maior para os governos. Ocorrem, constantemente, denncias envolvendo remessa de lixo
fora dos padres estabelecidos pela Conveno. Em julho de 2009, o Brasil recebeu 89
contineres, totalizando 290 toneladas de resduos, provenientes de duas empresas inglesas.
Entre o material encontrado estavam pilhas, seringas, alm de preservativos e fraldas usadas
(IBAMA, 2010). O Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil denunciou formalmente a
Inglaterra por trfico ilegal de lixo, com base na Conveno da Basileia. Em agosto de 2010,
22 toneladas de lixo proveniente da Alemanha foram interceptadas no Porto do Rio
Grande/RS. Em 2011, o Brasil devolveu 46 toneladas de resduos para os Estados Unidos. No
mesmo ano, a Espanha exportou para o Brasil 60 toneladas de resduos para o Brasil. Um
laudo de inspeo da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA) apontou que o
material apresentava mofo e larvas. Em 2012, foi a vez do Canad: 40 toneladas de lixo
exportadas ilegalmente foram reenviados para a origem (IBAMA, 2010). Essas informaes
revelam uma dificuldade de gerenciamento do problema, explicada pela grande quantidade de
stakeholders2 envolvidos com interesses distintos.
Embora as consequncias da disposio inadequada desses resduos no possam ainda
ser dimensionadas com preciso, seus danos j comeam a ser percebidos e podem tomar
propores ainda maiores caso no se estabeleam instrumentos eficientes de gesto de
poltica pblica. Vale ressaltar que, no que tange gesto de resduos slidos, os pases em
2 Em sentido amplo, Stakeholder um termo utilizado para designar todos os envolvidos em um processo, de carter temporrio ou permanente (acionistas, investidores, empregadores, donos de empresas, governos e ONGs so exemplos de stakeholders).
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desenvolvimento esto se articulando em direo a um melhor gerenciamento de resduos, o
que representa um elemento novo no contexto do problema3.
Diante de todos os elementos polticos, sociais e econmicos cabe perguntar se os
instrumentos de que dispomos hoje (globalmente e especificamente no caso do Brasil) para
gerenciar esse problema esto de fato sendo eficazes, sendo essa uma das contribuies deste
estudo.
Objetivos
O objetivo geral do presente trabalho analisar, a partir da tica econmica, como e
por que o fenmeno do movimento transfronteirio de resduos eletrnicos acontece. Ao
buscar-se entender o fenmeno como um todo e no fazendo um recorte especfico de um
de seus aspectos acreditamos que podemos contribuir fornecendo uma viso transversal do
problema. Compreendendo como os fatores se relacionam entre causas e consequncias,
podemos ter mais clareza no momento de propor solues.
Para alcanar esse objetivo, retomamos a literatura econmica relativa ao comrcio
internacional e meio ambiente e sobre economia da poluio. O retorno a essas obras deu
origem ao primei ro objetivo especfico, que o de compreender em que circunstncias
economicamente vantajoso para um pas importar resduo de outro e quais os fatores
propulsores para esse fenmeno.
O segundo objetivo especfico investigar e descrever o instrumento internacional
que dispomos hoje para regulamentar a matria, no caso a Conveno da Basileia, retomando
seu contencioso processo de negociao e de suas posteriores emendas.
E o tercei ro objetivo especfico discutir o instrumento enquanto poltica pblica
ambiental internacional luz dos critrios propostos por Field (1997), apontando algumas
fragilidades do documento, bem como contribuies para soluo do problema.
Apresentao dos captulos
O trabalho organizado em quatro partes, alm da introduo e das consideraes
finais.
3 Podemos citar o exemplo do Brasil, que instituiu a Poltica Nacional de Resduos Slidos em 2010 por meio da Lei n 12.305.
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O objetivo do primeiro captulo fornecer subsdio conceitual para compreenso da
gerao e tratamento dos resduos eletrnicos enquanto problema de sade pblica. Para
tanto, fazemos um breve retrospecto do conceito de poluio trazido pela literatura econmica
e passamos, brevemente, pelo contexto econmico global no qual o resduo eletrnico se
insere, enquanto produto de uma demanda cada vez maior por tecnologia. Procedemos ento
definio do resduo eletrnico, bem como ao apontamento de suas particularidades enquanto
resduo perigoso, o que demanda um tratamento diferenciado em sua gesto. Em seguida,
cuidamos de apresentar as formas de disposio dos resduos eletrnicos e suas implicaes e
os instrumentos que a teoria econmica ambiental nos fornece para elaborao de polticas
ambientais voltadas para gesto de resduos.
No segundo captulo, apresentamos o principal instrumento internacional que regula o
movimento transfronteirio de resduos, a Conveno da Basileia. Fazemos um breve
retrospecto do seu processo de negociao, fundamental para compreenso de suas
fragilidades e de sua estrutura final. Nesse momento, buscamos apresentar do texto
reorganizado por temas a fim de facilitar o entendimento do texto instrumento sobre trata cada
ponto abordado.
O terceiro captulo trata de explicar, luz da literatura sobre comrcio internacional, o
funcionamento o movimento transfronteirio de resduos perigosos. Procuramos cuidar, num
primeiro momento, da contextualizao desse comrcio, ou seja, de como ele ocorre e quais
os fatores histricos se sucederam para que tenhamos um cenrio no qual resduos perigosos
so comercializados entre pases. A seguir, apresentaremos parte da literatura sobre teoria
econmica que trata a relao entre comrcio de meio ambiente. Conforme veremos, existe
um debate polarizado por duas vises liberais e ambientalistas-, cujos pontos de vistas so
sumariamente expostos. Investigamos as dificuldades financeiras, econmicas e tecnolgicas
de gesto dos e-resduos nos pases lderes da produo e consumo de produtos eletrnicos,
por meio da reviso da literatura tcnica e cientfica. Em um segundo momento, analisamos as
vantagens financeiras, econmicas e tecnolgicas se existirem dos pases receptores dos e-
resduos na gesto desses produtos. Assim, procedendo, identificamos as causas estruturais da
existncia de um comrcio internacional de e-resduos.
No ltimo captulo, tratamos da anlise da Conveno da Basileia enquanto poltica
pblica internacional e os desafios relacionados gesto de resduos eletrnicos. Para tal,
analisamos as possibilidades de enquadramento do resduo eletrnico de acordo com a
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Conveno da Basileia: produto eletrnico sujeito aos trmites normais de comrcio, produto
eletrnico destinado recuperao, resduo no-perigoso e resduo perigoso. Como esse
instrumento depende para sua eficincia das legislaes internas dos pases-membros, feita
uma breve anlise da regulamentao nacional no caso do Brasil, a Poltica Nacional de
Resduos Slidos (PNRS).
A ltima parte da dissertao versa sobre as consideraes finais.
Uma vez introduzido o trabalho, passo, agora, para as abordagens tericas desta
pesquisa.
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C AP T U L O 01
R ESDU OS E L E T R NI C OS: U M A Q U EST O D E SA D E PB L I C A
Isso aqui um depsito dos restos. s vezes s 4
1.1 O que Poluio?
Segundo Mueller, poluio a denominao genrica dos fluxos de resduos, de
rejeitos de materiais despejados pelos processos econmicos no meio ambiente (MUELLER,
2007, p. 110). Esses fluxos so capazes de gerar efeitos detrimentais tanto sobre a estabilidade
de sistemas ecolgicos, como sobre o bem-estar humano.
Do ponto de vista fsico, a poluio uma consequncia de duas leis fundamentais da
natureza: as duas primeiras leis da termodinmica o campo da fsica que trata de
transformaes de energia e de matria (HELFAND, BERCK e MAULL, 2003). A primeira
lei a lei da conservao da energia nos diz que, em um sistema isolado, a quantidade total
de massa e energia constante. A energia no pode ser criada nem destruda, embora possa
assumir diferentes formas; tal qualmente, a massa total do sistema no pode se alterar
(MUELLER, 2007). A segunda lei, a lei da entropia, trata da mudana qualitativa da energia.
Mueller (2007) explica que um sistema isolado, que no se encontre em estado de equilbrio
termodinmico, embora seja constante a quantidade total de energia que este contm, a
energia est sempre passando da condio de disponvel para realizar trabalho condio de
no disponvel para essa finalidade . (MUELLER, 2007, p. 162).
De acordo com a primeira lei, se algum recurso utilizado, o material que no
aproveitado deve ir para algum lugar; no se esvai. Essa lei tem profundo impacto na
economia do meio ambiente, pois nos sugere que a produo de bens materiais a partir de
4 Estamira, mulher de 63 anos que sofre de distrbios mentais e viveu e trabalhou durante mais de 20 anos no Aterro Sanitrio de Jardim Gramacho, um local renegado pela sociedade, que recebia diariamente mais de oito
Produo Zazen Produes Audiovisuais. Rio de Janeiro, 2005.
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recursos naturais envolve, inevitavelmente, a dissipao de energia e gerao de resduos. O
ato de consumir os bens que emanam do processo produtivo e os servios gerados por uma
dada base material no faz a matria e a energia desaparecerem, e sim as transformam em
resduos de materiais e em energia dissipada (MUELLER, 2007).
J a segunda lei nos assegura que a energia e at parte da matria usada nos processos
de produo e consumo perdem, de forma irreversvel, a capacidade de ser usadas novamente
para satisfao das necessidades humanas. Esses processos aumentam a entropia de energia e
de parte da matria, transformando-as em energia e matria dissipadas. De acordo com
Mueller (2007, p. 88), a lei da entropia5 reflete o fato de que os processos fsicos e qumicos
que esto na essncia da produo e do consumo transformam de forma irreversvel os
materiais e a energia empregados nesses processos, inviabilizando a possibilidade de seu uso
outra vez na gerao de novos bens e servios. Em vista disso, ambas as leis sugerem que a
gerao de poluio a produo fsica final do processo econmico.
De forma simplificada, a poluio existe uma vez que uma quantidade de poluio
igual a zero factualmente impossvel, se mantivermos os processos produtivos tal como so
constitudos hoje. A gerao de subprodutos quer sob a forma material (resduos slidos) ou
sob a forma de dissipao de energia parte inevitvel do processo de produo devido
conservao de massa e energia e crescente entropia do sistema. Se esses subprodutos so
indesejveis ou seja, se possurem um valor de mercado negativo eles se tornam efluentes,
e se causam danos externos, so considerados poluio (HELFAND, BERCK e MAULL,
2003).
A perspectiva acima sobre a poluio enfatiza relaes fsicas. Assim como na
dualidade da teoria da produo, que descreve como um processo fsico de produo pode ser
descrito em termos de informaes de preo e custo, de acordo com Helfand, Berck e Maull
(2003), uma interpretao essencialmente econmica pode ser dada ao processo de gerao de
efluentes. Nessa interpretao, uma externalidade produzida quando os produtos so
produzidos. A gerao da externalidade pode ser mitigada com gastos em reduo da
5 Mueller (2007) traz a definio de Rifkin
, uma diferena de temperatura) em partes distintas do sistema. O trabalho ocorre quando a energia se move de um nvel mais alto para um nvel mais baixo de concentrao (ou de uma temperatura mais alta para uma mais baixa). E fundamentalmente, cada vez que a energia passa de um nvel de concentrao a outro, resta menos energia
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poluio. Quando o de nvel de reduo da poluio torna-se muito elevado, os custos de
reduo da poluio aumentam em uma velocidade exponencial. Dessa forma, do ponto de
vista econmico existe poluio porque os custos de no poluir so muito elevados.
O conceito econmico se relaciona com o conceito fsico na medida em que a
vlido
rememorar que uma externalidade acontece quando a funo utilidade (ou de produo) de
um agente contm uma varivel cujo valor real depende do comportamento de outro agente, o
qual no considera esse efeito de seu comportamento na sua tomada de deciso (VERHOEF,
1997, p. 200).
Baumol e Oates (1988, p. 17) determinam duas condies necessrias para que uma
relao apresente externalidade. A primeira condio, em consonncia com o conceito acima,
determina que uma externalidade estar presente se a produo ou utilidade de um individuo
inclui uma varivel real (isto , no monetria) cujo valor determinado por outros agentes
(pessoas, corporaes, governos) sem uma ateno particular a seu bem-estar. A segunda
condio para caracterizar uma externalidade que o tomador de deciso, cuja atividade afeta
nveis de utilidade ou funes de produo de outros agentes, no compense esses custos.
Nos dizeres de Ronaldo Sera da Motta (1997),
As externalidades esto presentes sempre que terceiros ganham sem pagar por seus benefcios marginais ou percam sem ser compensados por suportarem o malefcio adicional. Assim, na presena de externalidades, os clculos privados de custos ou benefcios diferem dos custos ou benefcios da sociedade. (SEROA DA MOTTA, 1997, p. 224).
O autor prossegue nos apresentando uma explicao algbrica da questo, aqui
replicada para nos auxiliar em um mais claro entendimento:
Uj = [X1j, X2j,..., Xnjf(X mk)] , j k
onde Xi so as atividades dos indivduos j e k, enquanto f(Xmk) uma funo da
atividade Xmk de k que afeta a atividade Xnj de j.
Contador (2000) ressalta trs caractersticas das externalidades. A primeira delas que
ela resultado no de um comportamento prejudicial ou bondoso dos indivduos ou empresas,
mas sim de uma indefinio do direito de propriedade. Uma fbrica polui o ar porque no
existem direitos de propriedade sobre ele. Caso existissem, o proprietrio poderia exigir uma
indenizao da fbrica, que seria obrigada a adotar medidas antipoluentes para continuar
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funcionando. A segunda caracterstica seu carter involuntrio, quando beneficiar ou
prejudicar terceiros no o objetivo principal da atividade do externalizador. A terceira
caracterstica a falta de controle direto a custo zero sobre as fontes dos efeitos externos, a
no ser pelo prprio externalizador.
As externalidades positivas, chamadas tambm de economias externas, deveriam ter
preos positivos por representarem benefcios que no so pagos pelo agente beneficiado. Um
exemplo de externalidade positiva dado por Pindyck e Rubinfield (1999) o investimento que
algumas empresas fazem em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Muitas vezes, o resultado
desse investimento replicado por outras empresas (como um novo design de um produto) e
quando no h patente, as empresas que replicaram esse conhecimento auferem lucros que
seriam da empresa que investiu na P&D. As externalidades negativas, ou deseconomias
externas, por sua vez, deveriam ter preos negativos, pois representam prejuzos no
absorvidos pelo sistema de preos. Um exemplo de externalidade negativa seriam, por
exemplo, enfermidades da poluio gerada nas atividades industriais.
No que concerne gesto de resduos slidos e da poluio enquanto externalidade
negativa do processo produtivo a magnitude dos danos causados por esse fenmeno
depende da natureza e da intensidade da emisso de resduos e de rejeitos, bem como da
resilincia do meio ambiente. Resilincia refere-
Em algumas circunstncias, a
capacidade de absoro e regenerao suficiente para absorver tais emisses. Em outras, as
emisses so muito elevadas ou altamente txicas; exercem, ento, impactos negativos sobre
os ecossistemas e sobre a sociedade humana a prpria responsvel por tais emisses.
(MUELLER, 2007, p. 111).
Assim, a poluio ou seja, as deposies no meio ambiente de resduos e rejeitos
tem caractersticas e impactos mais variados. Envolve fenmenos complexos, muito ainda no
totalmente compreendidos (MUELLER, 2007, p. 111). No caso dos resduos eletrnicos,
esses aspectos so ainda mais determinantes. Isso porque se trata de um resduo especial, no
sentido de que ao mesmo tempo em que possibilita em alguma medida o reaproveitamento da
matria-prima por meio da recuperao de materiais valiosos podem representar danos
graves ao mesmo ambiente e sade humana, quando manejados inadequadamente, como
discutiremos no prximo tpico.
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1.2 Resduos Perigosos e Resduos E letrnicos
Por trs dos benefcios gerados pela revoluo tecnolgica, revela-se uma obscura
realidade. O crescimento vertiginoso da indstria de equipamentos eletrnicos aliado
rpida obsolescncia dos produtos culmina em um crescimento exponencial da quantidade
de resduos. O montante de e-resduos despejado ao redor do mundo ganha propores
desastrosas, apesar dos pases desenvolvidos terem passado a preocupar-se com a questo
apenas recentemente, legitimando-as enquanto um componente na gesto de resduos slidos
merecedor de especial ateno. (PUCKETT, 2002, p. 7).
Enquanto conceito fundamental para compreenso deste trabalho, faz-se necessria
, e-resduo 6, antes de
adentrarmos no tema desse subttulo. Neste intento, Bandyopaghyay (2010) adverte no haver
uma definio precisa do termo na literatura tcnica. No entanto, o prprio autor fornece uma
definio segundo a qual:
E-resduo um termo popular, informal utilizado para designar equipamentos eletrnicos (EE) descartados e em fim-de-vida incluindo equipamentos de tecnologia de comunicao e informao, eletrodomsticos, produtos de udio e vdeo e todos os seus perifricos. (BANDYOPAGHYAY, 2010, p. 794, traduo nossa)
Na definio de Bhutta, Adnam e Xiaozhe (2011), o termo lixo eletrnico (e-
resduo) refere-se amplamente a quaisquer produtos da linha branca7, eletrnicos de consumo
e de negcios, e hardware de tecnologia da informao que estejam no fim da sua vida til.
Em definio semelhante, Puckett et al. (2002, p. 7) afirmam que o e-resduo abrange uma
ampla e crescente categoria de dispositivos eletrnicos, desde eletrodomsticos, como
refrigeradores, at dispositivos portteis de uso pessoa, como telefones celulares e
equipamentos de computao. Ainda, de acordo com o Programa das Naes Unidas para o
Meio Ambiente (PNUMA), e-resduo um termo genrico abrangendo vrios tipos de
equipamentos eltricos e eletrnicos velhos, em fim de vida, que cessaram de ter valor para
seus proprietrios (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME, 2012)
6 Para o presente trabalho, os trs termos sero considerados sinnimos deste momento em diante. 7 Os produtos de linha branca so refrigeradores, freezers verticais e horizontais, condicionadores de ar,
lavadoras de loua, lavadoras de roupa, secadoras, fornos de micro-ondas e foges. (BNDES, 2006)
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Uma vez esclarecida procuraremos responder
seguinte pergunta: quais caractersticas o resduo eletrnico apresenta que o torna um resduo
considerado perigoso?
De acordo com Baker et al. (2004), os resduos perigosos se constituem sob diversas
formas: podem ser lquidos, slidos, ou gasosos. So subprodutos dos processos de fabricao
ou simplesmente o descarte dos produtos comerciais. Os autores nos apresentam quatro
caractersticas intrnsecas aos resduos perigosos:
Inflamabilidade: resduos inflamveis podem desencadear queimadas acidentais sob
certas condies ou so espontaneamente inflamveis. Os exemplos incluem leos e
solventes.
Corrosividade: resduos corrosivos so os cidos ou bases capazes de corroer o metal,
como tanques de armazenamento, recipientes, tambores e barris. O cido de bateria um bom
exemplo.
Reatividade: resduos reativos so instveis sob condies "normais". Eles podem
causar exploses, fumaa, gases txicos ou vapores quando misturados com gua. Exemplos
incluem as baterias de ltio-enxofre e explosivos.
Toxicidade: os resduos txicos so prejudiciais ou mesmo fatais quando ingeridos ou
absorvidos. Quando os resduos txicos so eliminados em terra, o lquido contaminado pode
escorrer a partir de resduos (lixiviao) e poluir as guas subterrneas. Certos resduos
qumicos e metais pesados so exemplos de potenciais resduos txicos.
Para atender s necessidades tcnicas complexas do mundo moderno, os produtos
eletrnicos utilizam-se de vrias combinaes de metais txicos pesados e outros elementos
que representam danos potenciais sade humana e ao meio ambiente. Nesse sentido,
Bandyopaghyay (2010) esclarece que os resduos eletrnicos so uma complexa mistura de
prata (Ag), ouro (Au), paldio (Pd) e platina (Pt) enquanto metais preciosos; cobre (Cu),
alumnio (Al), nquel (Ni), estanho (Sn), zinco (Zn) e ferro (Fe) como metais de base;
mercrio (Hg), berlio (Be), chumbo (Pb), cdmio (Cd), cromo hexavalente (Cr(VI)), arsnio
(As), antimnio (Sb) e bismuto (Bi) como metais perigosos; halognios e combustveis
(plsticos e BRFs), muitos deles txicos.
No entanto, a literatura afirma ser extremamente difcil apresentar uma composio
material que possa ser generalizada para toda a gama de resduos eletrnicos, uma vez que os
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produtos eletrnicos so compostos por vrios materiais com um amplo espectro de
caractersticas fsico-qumicas. Bandyopaghyay (2010) afirma que em geral, seis categorias de
materiais presentes do resduo eletrnico so apontadas na maioria dos estudos: metais
ferrosos, metais no- dos
a caracterstica poluente do resduo eletrnico pode vir a apresentar.
Quando esse tipo de resduo dispostos indiscriminadamente, o nvel de poluio emitido
significantemente mais elevado. Apesar dos componentes txicos, o e-resduo contm uma
quantidade considervel de metais valiosos. A reciclagem desse tipo de resduo assume uma
importncia significante do ponto de vista comercial.
O Quadro 1.1 apresenta os impactos de alguns dos elementos mais comuns nesse tipo
de resduo. A discusso naturalmente no tem o intuito de esgotar o assunto, mas apenas de
ilustrar por meio de exemplos algumas particularidades deste tipo de resduo que o faz
merecedor de ateno especial no que tange a formulao de polticas de gesto de resduos8.
O descarte descontrolado bem como gerenciamento e reciclagem inadequados dos
resduos eletrnicos significam emisses de elementos txicos, com impactos severos na
sade humana e no meio ambiente (UNEP, 2009). So definidos trs nveis de emisso de
produtos txicos:
- Emisses primrias: substncias perigosas que compem o lixo eletrnico (exemplo
das substncias supracitadas);
- Emisses secundrias: reao das substncias perigosas ao tratamento inadequado do
lixo eletrnico (como por exemplo dioxinas ou furanos liberados na incinerao ou na
fundio inadequada de plstico contendo retardadores de chama halognicos);
- Emisses tercirias: substncias ou reagentes perigosos que so empregados no
processo de reciclagem (como a utilizao de cianeto ou outros agentes lixiviantes e a
aplicao do mercrio no processo de amalgamao do ouro) e que so liberados
devido manipulao e tratamento inadequados.
mister vislumbrar que o alcance da legislao que restringe o uso de substncias
perigosas normalmente limita-se s emisses primrias e parcialmente s emisses
8 Para mais informaes sobre as caractersticas dos elementos que compes os resduos perigosos, consultar (BRIDGEN e ET AL., 2008).
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secundrias9.
emisses tercirias caso tecnologias inapropriadas sejam utilizadas no processo de
reciclagem. Este tipo de emisso o maior desafio dos pases em desenvolvimento, onde
mtodos artesanais de reciclagem como incinerao a cu aberto, uso de cianeto na
lixiviao, e o derretimento de placas de circuito podem levar a dramticos efeitos para
sade humana e para o meio ambiente (UNEP, 2009, p. 38).
Diante dos graves riscos sade humana causados pelo manejo inadequado de
resduos perigosos, estabeleceu-se um tratado internacional que passou a regulamentar o
movimento transfronteirio desses resduos, estabelecendo algumas condies que devem ser
obedecidas quando da importao ou exportao de resduos considerados perigosos.
A Conveno sobre o Controle de Movimentos Transfronteirios de Resduos
Perigosos e seu Depsito tambm chamada de Conveno da Basileia tratou de definir,
em seu artigo 1 os resduos perigosos como:
1. Sero "resduos per igosos " para os fins da presente Conveno, os seguintes resduos que sejam objeto de movimentos transfronteirios:
a) Resduos que se enquadrem em qualquer categoria no Anexo I , a menos que no possuam quaisquer das caracter sticas descr itas no Anexo I I I; e
b) Resduos no cobertos pelo pargrafo (a) mas definidos, ou considerados, resduos perigosos pela legislao interna da parte que seja Estado de exportao, de importao ou de trnsito.
2. Os resduos que se enquadram em qualquer categoria contida no Anexo II e que sejam objetos de movimentos transfronteirios sero considerados "outros resduos" para os fins da presente Conveno. (CONVENO DA BASILEIA, 1989, grifo nosso, p. 5).
Seu mbito de aplicao abrange uma ampla gama de resduos definidos como
1 e anexos I, III, VIII e IX). A Conveno regula tambm dois tipos de resduos definidos
como "outros resduos" (resduos domsticos e cinzas de incinerao, artigo 2 e anexo II).
9 Pode-se citar o exemplo da Diretiva 2002/95/EC da Unio Europeia , que restringe o uso de algumas substncias txicas no equipamentos eltricos e eletrnicos. Mais informaes em Unio Europeia (2003), disponvel em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ .do?uri=OJ:L:2003:037:0019:0-023:pt:PDF. ltimo acesso em 02 de maio de 2012.
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ%20.do?uri=OJ:L:2003:037:0019:0-023:pt:PDF
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No entanto, a redao confusa desse artigo pouco auxilia na compreenso do que vem
a ser um resduo perigoso no entendimento da Conveno. Neste trabalho, em uma tentativa
de esclarecermos o conceito, entendemos a definio como exposta a seguir.
De acordo com a alnea a, a Conveno define 45 categorias no anexo I, que dizem
respeito composio desses resduos. Alm disso, em seu anexo III, a Conveno lista 13
categorias de caractersticas consideradas perigosas como toxicidade ou inflamabilidade
que os resduos podem apresentar. Um resduo sujeito a movimento transfronteirio deve ser
controlado no mbito da Conveno se corresponder a uma das categorias indicadas no
Anexo I e exibir uma ou mais das caractersticas do Anexo III. O texto da Conveno nos
permite interpretar que caso um resduo no apresente uma das caractersticas elencadas no
Anexo III mesmo tendo em sua composio os elementos listados no Anexo I ele deixa de
ser considerado perigoso no mbito da Conveno 10 . Ou seja, h uma prevalncia das
caractersticas elencadas no Anexo III em detrimento da composio do resduo, elencada no
Anexo I. Esses resduos so esclarecidos, definidos e detalhados nos anexos VIII e IX da
Conveno.
De acordo com a alnea b, os resduos que, mesmo no definidos como perigosos pela
Conveno, sejam considerados pela legislao nacional de algum pas membro como tal
tambm sero resduos perigosos no mbito da Conveno. Esclarecemos que estes resduos
no so necessariamente considerados como perigosos por todas as Partes, mas uma vez que
uma das Partes notifique o Secretariado da Conveno do enquadramento de determinado
resduo com perigoso pela legislao nacional, os procedimentos da Conveno aplicados aos
resduos perigosos (como notificaes e autorizaes) passam a ser aplicados.
10 A alnea b do artigo primeiro, transcrita acima, indica que os resduos que no os descritos pela Conveno e que so definidos ou considerados pela legislao nacional como resduos perigosos tambm so resduos perigosos no mbito da Conveno. Estes resduos no so necessariamente considerados como perigosos por todas as Partes, mas uma vez que uma das Partes notifique a Secretaria da legislao nacional com tais disposies e definies, os procedimentos da Conveno so aplicadas a todos os movimentos transfronteirios que envolvem a Parte, como notificaes e autorizaes para os movimentos transfronteirios de tais resduos.
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Quadro 1.1 Impactos na sade de alguns resduos txicos: exemplos Resduos comumente exportados e seus componentes Impactos na sade humana e no meio ambiente Chumbo Distrbios neurolgicos; enfraquecimento do sistema imunolgico; dificuldade de crescimento, problemas de audio; doenas
cardiovasculares; disfunes renais; problemas reprodutivos, de memria e de concentrao; Interfere na fotossntese; pode erradicar colnias de baterias, fungos e de outros micro-organismos necessrios para a decomposio da matria; Afeta o sistema nervoso de animais e sua capacidade de produzir glbulos vermelhos
Mercrio Afeta o crebro, corao, rins e pulmes; causa tremores, alteraes emocionais, insnia, alteraes neuromusculares, cefalia, mudanas nas respostas nervosas e dficits de desempenho em testes de funo cognitiva; gera problemas renais, insuficincia respiratria e bito; prejudica o sistema nervoso e o desenvolvimento intelectual Gera morte prematura de animais, reduzindo a reproduo, e desacelerando o crescimento da espcie
Cdmio Disfunes renais e osteoporose; danos bronquiais e pulmonares; gera m formao do esqueleto; interfere no metabolismo dos fetos; prejudica o desenvolvimento neurolgico; Substncia carcinognica, causa proliferao celular, induzindo a apoptose; Causa efeitos mutagnicos em plantas; Representa risco para uma ampla gama de microrganismos, como fungos e bactrias
C romo H exavalente Problemas no fgado e pulmo; causa alergia cutnea e nos olhos Berlio
Doena pulmonar aguda ou crnica, dermatite, granulomas de pele e irritao de mucosas, nasofaringite, traqueobronquite, faringite e conjuntivite
Bifenilpoliclorados (PCBs) Disfunes reprodutivas, supresso do sistema imunolgico Bromo e compostos baseados no cloro
Disfuno endcrina, endometriose, danos neurolgicos e deformao de fetos.
Cinzas de incinerao Normalmente contm chumbo, mercrio, arsnico, cromo Resduos de metais e sucatas Normalmente contm chumbo, mercrio, cobre e cdmio. O cobre causa danos no fgado Bater ias de chumbo-cido Contm chumbo Resduos de plsticos: normalmente contm cloreto de polivinil (PV C)
Resduo de embalagens: perigo de toxinas ou bactrias de restos de contedos anteriores libera gases altamente txicos quando incinerado ou reciclado PVC: danos neurolgicos e no fgado, cncer. Geralmente contm aditivos como metais txicos (cdmio, chumbo, plstico ftalato)
Sucata de equipamentos eletrnicos Contm PVC, metais pesados e outros compostos como PCB Sucata de cabos Geralmente contm chumbo, cobre ou PVC Poei ra de incinerao de produtos eletrnicos: contm zinco, chumbo, nquel, e dioxinas; poei ra de fundio de cobre contm chumbo e cdmio
Problemas respiratrios e cncer de pulmo decorrentes da inalao da poeira
Fonte: elaborao prpria a partir de informaes coletadas de Fowler (2008), Hull (2010), EPA (2008) (2012) (2009) (2012a), Kamel apud Hull (2010), Greene (1993), Agency for Toxic Substances and Disease Registry (1999) (2008), Boland (2004), Vahter et al. (1996) apud Guimares et al. (2008), Waalkes, 2003 apud Guimares et al. (2008), Went e Stark (1968), U.S.Government (2011).
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1.2.1 Os fluxos ocultos de resduos eletrnicos
A quantidade real de e-resduo gerada a cada ano desconhecida, mesmo em regies
como a UE que apresentam regulaes cada vez mais rgidas sobre a matria. Por motivo que
veremos no prximo captulo, no h uma fonte nica e oficial de dados, mas sim estimativas
realizadas por agncias reguladoras, empresas de produtos eletrnicos, ONGs em pesquisas
de campo ou consultorias contratadas pelo Secretariado da Conveno da Basileia.
Resumiremos nesta seo alguns dados que constam em dois trabalhos do Greenpeace: Toxic
Tech: Not in Our Backyard (2008) e Exporting Harm (2002), para ilustrar a grandeza dos
fluxos de resduos eletrnicos. Apesar de no ser uma fonte de dados oficialmente
reconhecida pelas autoridades internacionais, acreditamos que seja uma boa representao do
cenrio de resduos eletrnicos, notadamente pelo fato de o Greenpeace ter desempenhado
papel fundamental nas negociaes da Conveno da Basileia.
E Exporting Harm aponta que em 1998 foi estimado que 20
milhes de computadores tornaram-se obsoletos nos EUA, e que a quantidade de lixo
eletrnico foi estimada entre 5 e 7 milhes de toneladas (PUCKETT, 2002). Estudos europeus
estimam que o volume de e-resduo aumenta a uma taxa de 3% a 5% ao ano, o que chega a
ser trs vezes mais rpido do que o crescimento o lixo municipal (PUCKETT, 2002, p. 7).
Entre 1997 e 2007, especialistas estimaram que mais de 500 milhes de computadores
tornaram-se obsoletos nos EUA. A Tabela 1.1 reproduz a quantidade presente de substncias
txicas que pode ser encontrada em 500 milhes de computadores de alguns resduos
mencionados:
Quadro 1.2 Quantidade de substncias em 500 milhes de computadores
Substncia Quantidade (em toneladas)
Plstico 2,8 milhes Chumbo 717 mil Cdmio 1360 Cromo 861 Mercrio 286
Fonte: Puckett (2002) adaptada.
Uma estimativa da quantidade de produtos eltricos e eletrnicos colocados no
mercado nos 27 pases da Unio Europeia de 9,3 milhes de toneladas por ano. As vendas
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de computadores pessoais cresceram em uma mdia de 12% ao ano entre 2004 e 2008 nesses
pases (Grfico 1.1). Estima-se que a quantidade de usurio de telefones celulares em 2008
era de 2 bilhes de pessoas e que 45,5 milhes de aparelhos de televiso foram vendidos entre
2005 e 2006 ao redor do mundo, com um crescimento de 3% ao ano.
Dois estudos foram preparados para a UE, como parte da reviso da Diretiva REEE
(UNIO EUROPEIA, 2003). Um relatrio da Universidade das Naes Unidas (UNU)
estima o tempo de vida tpico de vrios produtos eltricos e eletrnicos usados em uma casa
tpica da UE. Um segundo relatrio da empresa alem kopol calculou o tempo de vida
mdio desses produtos em nove anos (com base no tempo de vida de categorias de produtos
calculados pela UNU). Portanto, como a quantidade estimada de lixo eletrnico colocada no
mercado em 2006 de 9,3 milhes de toneladas, a projeo da kopol que 9,5 milho
toneladas de e-resduos sejam geradas em 2016. O Grfico 1.2 mostra a projeo feita pela
kopol de e-resduos colocados no mercado at 2020, e retrata os possveis surgimentos
futuros de resduo eletrnico para os 27 pases da UE com base nessas vendas projetadas e na
vida til mdia de nove anos.
G rfico 1.1- Quantidade de computadores produzidos na UE entre 2004 e 2008
Fonte: Cobbing (2008)
As Naes Unidas estimam que entre 20 e 50 milhes de toneladas de e-resduos so
geradas ao redor do mundo por ano, quantidade essa que com expectativa de grande
Uni
dade
s (m
ilhe
s)
Consumidores Comrcio Total
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31
crescimento nas prximas dcadas. No h uma informao global sobre o que acontece com
essa montanha de resduos. No entanto, um cenrio pode ser desenhado olhando
individualmente alguns pases e regies onde informaes mais detalhadas so disponveis.
G rfico 1.2 Quantidade estimada de produtos eletrnicos postos no mercado e
futuro crescimento do lixo eletrnico na Unio Europeia
Fonte: Sander et al. (2007)
Tone
lada
s
Projeo da quantidade total de EEs no mercado (em toneladas)
Projeo da quantidade total de REs no mercado (em toneladas)
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1. 3 Gesto de Resduos E letrnicos
Diante desse cenrio preocupante, cabe ento nos questionarmos como realizada a
gesto de resduos eletrnicos. O movimento transfronteirio de resduos se estabelece sob o
argumento da suposta vantagem comparativa na disposio final dos resduos e na reciclagem
que teoricamente teriam os pases que recebem esses resduos. Aprofundaremos no prximo
captulo o conceito de vantagem comparativa e sua relao com o comrcio de resduos. Pelo
momento, importante atentarmos para o fato de que essas duas formas de destinao de
resduo so tidas como menos preferveis de acordo com a hierarquia da gesto de resduos.
Isso significa que, de acordo com a hierarquia, s se deve dispor e reciclar aps terem sido
tentadas polticas de reduo da quantidade de lixo gerada e de sua periculosidade.
A hierarquia na gesto de resduos uma estratgia internacionalmente conhecida na
gesto de resduos slidos urbanos. Ela sugere que seja dada uma maior nfase em estratgias
e programas de reduo da gerao do lixo, colocando o tratamento e disposio como opes
secundrias (WETHERILL, 2005). O Programa das Naes Unidas para Meio Ambiente
elaborou um manual, intitulado Integrated Waste Management Scoreboard (WETHERILL,
2005), que faz uma adaptao da hierarquia de resduos slidos urbanos para o cenrio dos
resduos perigosos, resultando no seguinte esquema (da poltica mais desejvel para a menos
desejvel):
F igura 1.1 H ierarquia na gesto de resduos perigosos
Fonte: Wetherill (2005)
Preveno da gerao de resduos perigosos
Reduo da periculosidade dos resduos
Recuperao dos resduos perigosos
Disposio final dos resduos
Preferncia
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1.3.1 Preveno da Gerao de Resduos Perigosos
Devido preocupao quanto quantidade e toxidade dos e-resduos, a reduo
coloca-se como primeira opo na gesto adequada dos resduos perigosos. De acordo com
Wetherill (2005, p. 20
mente por ser
A reduo (ou minimizao da quantidade de lixo gerada)
possibilita conservar os recursos naturais, economizar energia, e reduzir a emisso de
poluentes e gases de efeito estufa. Ademais, a reduo da quantidade lixo produzido reduz os
custos de coleta e tratamento. De acordo com o autor, as polticas de reduo da gerao de
resduos slidos podem abranger tambm educao ambiental, assistncia tcnica dos
produtos e incentivos econmicos como elementos chave dos programas de preveno e
legislao.
O desafio da reduo reconhecido de forma geral pela literatura. Mueller (2007) nos
lembra de que a quantidade de lixo gerada por um pas funo de sua prosperidade
econmica. Assim, cumprir objetivos de reduo de resduos torna-se uma tarefa rdua,
sobretudo quando se tratam de resduos eletrnicos, cuja velocidade de substituio dos
produtos tende a um crescimento descomedido. O produto eletrnico demandado no
somente pela necessidade tecnolgica, mas tambm por ser um bem que a literatura
econmica intitula bem posicional O resduo advindo da indstria de produtos
eletrnicos pode ser classificado como uma externalidade do
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posicional 11. Podemos definir um bem posicional como aquele cuja utilidade no depende
apenas do consumo absoluto (como os bens normais), mas tambm de sua utilidade relativa,
ou seja, de quanto deste bem est sendo consumido pelos outros agentes. Nos dizeres de
Robert H. Frank12: I use the term positional good to denote goods for which the link between
context and evaluation is strongest and the term nonpositional good to denote those for which
for which this link is weakest. 13 (FRANK, 2005, p. 2, itlico do autor, traduo nossa).
Os bens posicionais geram uma externalidade no consumo, na forma de uma
por bens que podem impulsionar o status social de determinado agente em
detrimento de outros. Como prossegue Robert H. Frank:
11 primrdios. Nesse sentido, Vatiero (2011, pg 2, traduo nossa) fornece valiosa sntese da evoluo das ideias econcmicas relativas a esse conceito: Marx (1849) e Galbraith (1958), inter alia, notam que as vontades, demandas e prazeres dos agentes so em grande parte influenciados pela sociedade; Veblen (1899) enfatiza a importncia da posio relativa de um determinado agente na sociedade, com referncia ao conceito de lazer consp
. No entando, o conceito foi formalmente introduzido na literatura econmica por
todos os aspectos dos bens, servios, postos de trabalho e outras relaes sociais que so (1) escassos de forma absoluta ou por imposio social ou (2) sujeitos a congestionamento e superlotao (Hirsch, 1976, pg. 27, traduo nossa). De fato, como j afirmado por Vatiero (2011), sua maior contribuio consiste na primeira definio, j que a segunda remete escassez j tratada nas abordagens convencionais da economia. Pagano (2006, pg. 3-4) especifica mais esse ponto, atendo- A natureza posicional da segunda categoria de bens muito mais forte: no ato de consumo, indivduos devem necessariamente se dividir em dois grupos dif negativos .(...) impossvel para algum consumir prestgio
uperioridade soc e Neste caso, impossvel consumir quantidades positivas independentemente do comportamento de outros indivduos, que devem sofrer um consumo negativo dos mesmos bens.restringimos tambm a este mesmo conceito.
12 Robert H. Frank professor e pesquisador da Cornell University. Ele pesquisa a teoria do consumo aplicada a The frame of reference do public good
Luxury fever 13 Traduo l Eu uso o termo bem posicional para denotar bens para os quais a relao entre contexto e
valorao forte e o termo bem no posicional para denotar aqueles para os quais essa relao fraca Robert H. Frank exemplifica com clareza o conceito: onsidere dois modelos experimentais simples. Em cada um voc deve escolher entre dois mundo indnticos, exceto sob um aspecto. A primeira escolha entre o mundo A, em que voc pode escolher entre viver em uma casa de 400m2 sabendo que os vizinhos vivero em uma casa de 600m2; e o mundo B, em que voc viver em uma casa com 300m2 sabendo que seus vizinhos vivero
entanto, muitas pessoas disseram que escolheriam B, situao em que o tamanho absoluto de suas casas seria
entre dois mundos. Voc deve escolher entre o mundo C , no qual voc ter 4 semanas de fr ias enquanto seus colegas teriam 6 semanas; e o mundo D , em que voc teria 2 semanas de frias e os demais apenas uma. Desta vez, a maioria das pessoas escolheu C , escolhendo a quantidade absoluta de dias de frias em detrimento da quantidade relativa. Em termos desses experincias, o tamanho da casa um bem posicional e
(FRANK, 2005, p. 1, traduo nossa)
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The conflict stems from the fact that concerns about relative consumption are stronger in some domains than in others. The disparity gives rise to expenditure arms races focused on positional goods those for which relative position matters most. The result is to divert resources from nonpositional goods, causing welfare losses. (FRANK, 2005, p. 1, grifo nosso)14
Essa do qual fala Robert H. Frank claramente observada no
consumo de produtos eletrnicos. O conceito de bens posicionais indica que gastos
dispendidos pelos mais ricos exercem uma presso sobre os gastos do consumidor mediano,
gerando o que Fran 15: Quando os consumidores do topo
contrem casas maiores, por exemplo, eles mudam o padro de referncia do que aqueles que
se situam logo abaixo deles na escala de renda consideram ser uma casa desejvel ou
A associao do produto eletrnico ao conceito de bem posicional nos ajuda a
entender porque a reduo representa um desafio difcil de superar. A literatura aponta que
polticas podem ser desenvolvidas no intento de taxar o consumo desses bens para corrigir
essa externalidade e consequentemente o desperdcio total 16 , embora seja de difcil
aplicao17.
pertinente mencionar que a reduo da gerao de resduos constitui um dos
objetivos da Conveno da Basileia, elencados em sua introduo:
As disposies da Conveno giram em torno dos seguintes objetivos principais: (i) a reduo da gerao de resduos perigosos e a promoo do manejo ambientalmente saudvel dos resduos perigosos, qualquer que seja o local de sua eliminao; (ii) a restrio dos movimentos transfronteirios de resduos perigosos, salvo nos casos em que se percebe estar de acordo com os princpios do manejo ambientalmente saudvel, e (iii) um sistema regulamentar aplicvel aos casos em
14 O conflito decorre do fato de que as preocupaes sobre o consumo relativo mais forte em alguns domnios do que em outros. A disparidade d origem s corridas armamentistas de despesas focadas em bens posicionais - aqueles para os quais a posio relativa a que mais importa. O resultado desvio de recursos de bens no posicionais, causando perdas de bem-estar.
15 expenditure cascade 16 Positional Externalities Cause Large and Preventable Welfare
Losses The F rame of Reference as a Public Good 17 Achamos pertin Positional Externalities Cause
Large and Preventable Welfare Losses debate a abordagem da economia posicional na literatura econmica moderna, e reitera o fato de ela merecedora de maior ateno por parte dos economistas. Podemos observar essa opinio no apontamento: If theory and evidence suggest that positional concerns loom large in human motivation, why does the economics profession take no account of these concerns when formulating economic
(FRANK, 2005, p. 6) Ns tambm acreditamos que o estudo da economia posicional pode em grande parte acrescentar ao debate do consumo na era ps-moderna.
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que os movimentos transfronteirios so permitidos. (CONVENO DA BASILEIA, 1989, p. 6, traduo nossa, grifo nosso)
O aumento do ciclo de vida dos produtos pode configurar uma alternativa para
desacelerar o consumo. Nesse contexto algumas empresas como por exemplo a HP, a Apple,
Samsung e Panasonic tm aumentado as garantias das baterias de seus produtos. A Apple
afirma que as baterias de seus computadores pessoais duram em mdia 5 anos, perodo
durante o qual a bateria dos computadores de outras marcas precisa ser substituda trs
vezes18.
1.3.2 Reduo da Periculosidade dos Resduos
Enquanto a reduo na quantidade de resduos possa ser de difcil implementao, a
reduo da periculosidade dos resduos mais facilmente aplicada. Uma poltica do tipo
ontrole 19 como por exemplo uma lei que determine alguns critrios na
confeco de produtos ou que proba o uso de alguns elementos na fabricao pode ser mais
facilmente implementada.
Algumas empresas j esto incorporando medidas para reduzir a periculosidade dos
seus produtos. HP, Apple e Dell entre outras j esto a caminho de cumprir seu compromisso
de eliminar a utilizao de PVC e BRF, embora essa restrio seja na maioria dos casos
limitada a produtos de computao apenas. No obstante o esforo empreendido, em muitos
casos ainda no h compromisso com a eliminao progressiva dos outras substncias
especificadas como perigosas como por exemplo o antimnio e compostos de berlio, e
ftalatos20.
Embora a reduo da periculosidade j esteja sendo considerada por algumas
empresas e governos como importante aspecto na gesto adequada de resduos perigosos,
vlido lembrar que os resduos de que precisamos tratar hoje so produtos do consumo de um
passado no qual essa preocupao ainda no existia. Em virtude disso, muito provvel que
os produtos descartados hoje ainda apresentem uma grande quantidade de substncias
perigosas, e por isso merecem cuidado em seu manejo.
18 Guide do Greener Electronics http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/cool-it/Campaign-analysis/Guide-to-Greener-Electronics/. ltimo acesso em 04 de maio de 2012.
19 O conceito ser discutido no ltimo tpico do captulo. 20 Para mais informaes consultar o relatrio do Greenpeace.
http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/cool-it/Campaign-analysis/Guide-to-Greener-Electronics/http://www.greenpeace.org/international/en/campaigns/climate-change/cool-it/Campaign-analysis/Guide-to-Greener-Electronics/
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1.3.3 Recuperao dos Resduos Perigosos
Terceira prioridade na hierarquia da gesto dos resduos, o termo recuperao
adotado pelo Secretariado da Conveno da Basileia abrange todas as etapas envolvidas na
recuperao de componentes passveis de reutilizao, bem como o gerenciamento dos
produtos no reutilizveis, ou seja: recuperao dos recursos naturais, recuperao do
produto, reciclagem e reuso (SECRETARIAT OF THE BASEL CONVENTION, 2002). A
recuperao apresenta-se como uma abordagem complexa, objeto de muitos questionamentos
pela literatura devido s suas implicaes ambientais, econmicas e comerciais.
A recuperao ambientalmente sustentvel ajuda a reduzir a quantidade dos resduos,
bem como seu potencial dano. As polticas de gerenciamento de resduos costumam
reconhecer o valor dos rejeitos enquanto fonte potencial de matria prima e energia, e como
uma forma de evitar custos ambientais e econmicos de extrao e processamento de
materiais virgens. Essa prtica poupa a explorao de recursos naturais, visto que os produtos
da recuperao de resduos competem com o mercado nacional e internacional de matria-
prima. A recuperao reduz igualmente o fluxo de lixo que direcionado aos aterros para
disposio final (SECRETARIAT OF THE BASEL CONVENTION, 2002).
Como o comrcio de resduos visando a recuperao (habitualmente reciclagem ou
reuso) prev que os pases importadores tenham condies mais adequadas de tratar esses
resduos do que o pas onde os resduos foram gerados, conclui-se que os carregamentos de
resduos enviados para recuperao em pases com condies mais adequadas de realiz-la
pode resultar em contaminao de gua, ar e solo menor que aconteceria nos pases de
origem.
No obstante os aspectos positivos acima mencionados, os benefcios da recuperao
somente so auferidos se a prtica for realizada sob certas circunstncias. Como em qualquer
processo industrial, a recuperao de resduos pode impactar o meio ambiente e a sade
humana decorrentes de suas atividades normais. Esse impacto pode ser agravado caso a
indstria de recuperao no apresente infraestrutura, tecnologia e logstica adequadas
(SECRETARIAT OF THE BASEL CONVENTION, 2002). Devido presena de
componentes txicos, a recuperao de resduos perigosos pode liberar emisses txicas no
ar, gua e solo se no for realizada de forma apropriada. Para ser bem sucedida, a iniciativa
demanda ento um investimento que muitas vezes os pases em desenvolvimento no tm
condies de realizar.
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Relacionando essa prtica com o comrcio de resduos, a existncia de um destino
onde a recuperao do resduo menos custosa pode desincentivar o uso de tecnologia limpa
na confeco dos produtos, bem como a reduo de sua periculosidade, o que contraria a
ordem proposta pela hierarquia de gesto dos resduos (CLAPP, 2001).
Quando tratamos especificamente da reciclagem, vlido ressaltar que consiste em
uma prtica fortemente dependente de um sistema eficiente de coleta seletiva. Ademais, os
produtos eletrnicos no so originalmente desenhados para serem reciclados. Os metais
valiosos so muitas vezes envoltos por plsticos ou misturados com outros contaminantes, o
que torna sua desmontagem dispendiosa e intensiva em trabalho (BOLAND, 2004). Puckett
(2002) argumenta que a reciclagem em alguma medida apenas transfere a substncia perigosa
de um produto para outro, sem resolver de forma definitiva o problema da disposio final
desse elemento. A menos que se passe a utilizar elementos no perigosos na confeco desses
produtos, a reciclagem configura-se apenas como uma pseudo-soluo.
Por outro lado, a qumica verde prev, em um de seus doze princpios, que o uso de
substncias recicladas, os produtos e subprodutos de processos qumicos devero ser
reutilizados sempre que possvel (PRADO, 2003). De acordo com o Centro de Gesto e
Estudos Estratgicos, as solues de reciclagem tambm podem ter grande peso na obteno
de resultados favorveis na anlise do ciclo de vida do produto (CENTRO DE GESTO E
ESTUDOS ESTRATGICOS, 2010) -
prima, j que apresenta algumas vantagens no que se refere a custo, que pode ser negativo, ao
contrato de fornecimento, que pode ser estabelecido com as municipalidades em prazos
compatveis com a vida til dos projetos, e localizao, que, sendo prxima ao mercado
consumidor dos produtos gerados, simplifica o transporte e a necessidade de infraestrutura
adicional. Mas de acordo com o relatrio, os desafios da utilizao do lixo se colocam
justamente do lado das tecnologias de converso.
Nesse contexto, mencionamos que as atividades de reciclagem realizadas nos pases
em desenvolvimento normalmente acontecem no setor da economia informal, que faz uso de
mtodos rudimentares de separao das substncias perigosas e desprovido de fiscalizao e
orientao quanto aos processos de coleta, triagem e desmontagem (SEPLVEDA et al.,
2010). De acordo com os autores, as atividades de reciclagem de e-resduos no setor informal
so realizadas por uma gama de negcios sem registro e publicamente aceitos, ao quais dada
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pouca ateno ao processos ilegais e clandestinamente executados, com consequncias de
grande preocupao para o meio ambiente e a sade humana.
Vrios autores tratam das tcnicas de reciclagem de resduos perigosos. Um dos
documentos mais consistentes o relatrio do Programa das Naes Unidas para o Meio
Recycling-From E-waste to Resources
necessrias para uma reciclagem adequada desse tipo de produto e quais pases em
desenvolvimento teriam condies de receber essa transferncia de tecnologia, baseado em
sua estrutura legal, poltica e econmica.
1.3.4 Recuperao dos Resduos Perigosos
Como alternativa menos desejvel segundo a hierarquia da gesto de resduos, a
disposio dos resduos contempla aterros e incinerao. Como exposto neste trabalho, os
produtos eletrnicos podem causar graves danos ao meio ambiente e sade humana se no
forem manejados adequadamente. Esse fato torna as formas usuais de disposio de resduos
slidos urbanos (aterros sanitrios, por exemplo) inadequadas para o descarte de produtos
eletrnicos. Os riscos envolvidos se explicam devido variedade e aos tipos de substncias
txicas contidas nesses produtos. No entanto, por no haver em muitos pases um sistema
eficiente de coleta que permita a separao de resduos perigosos, aproximadamente 70% dos
metais pesados encontrados em aterros provm dos equipamentos eletrnicos descartados
(PUCKETT, 2002).
A incinerao a queima dos resduos slidos, transformando-os em cinza,
promovendo sua descaracterizao e reduo significativa do seu volume. A prtica apresenta
duas preocupaes: os gases emitidos pela combusto dos resduos e a destinao das cinzas.
No caso de resduos perigosos, a incinerao pode levar a emisses de metais pesados na
atmosfera, e a queima de PVC e BFRs geram dioxinas, furanos e disruptores endcrinos21
(BOLAND, 2004). A fundio (derretimento) de resduo traz consequncias semelhantes aos
da incinerao. No entanto, o maior risco reside na queima a cu aberto de plsticos com o
intuito de recuperar cobre e outros metais. Essas prticas j foram documentadas na sia. O
21 Disruptores endcrinos so produtos qumicos sintetizados artificialmente que atuam sobre o sistema endcrino dos animais e humano, ao mimetizarem, bloquearem ou interferirem, de alguma maneira, as instrues naturais dos hormnios s clulas. http://www.nossofuturoroubado.com.br-/old/disruptorestexto.htm
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produto txico desta queima afeta tanto meio ambiente local quanto as correntes de ar,
podendo levar essas toxinas para outros territrios alm-fronteiras (PUCKETT, 2002).
1. 4 A Escolha de Instrumentos de Poltica
Tendo em vista que o propsito do movimento transfronteirio de e-resduos de
recuperar ou dispor esses dejetos em outro territrio, nos questionamos: qual o incentivo teria
um pas para adotar as outras medidas propostas pela hierarquia (ou seja, reduzir a quantidade
de resduos gerada e sua periculosidade), j que existe, em tese, uma alternativa menos
custosa, que enviar esse resduo para outro pas?
Apesar das limitaes inerentes natureza do instrumento do tipo C&C22, em se
tratando de resduos cujo manejo inadequado pode afetar vidas humanas e o meio ambiente
causando danos irreversveis, acreditamos que a medida mais apropriada seja o
estabelecimento de um padro de emisso
sugere a economia ambiental neoclssica, uma vez os danos potenciais ainda
no podem ser adequadamente valorados (NOGUEIRA e PEREIRA, 1999) .
Nesse sentido, pases desenvolvidos tm includo em suas legislaes certos requisitos
para manejo e muitas vezes interditam o uso de alguns produtos com elementos perigosos. A
Diretiva 2002/96 do Parlamento Europeu e do Conselho um exemplo de um instrumento de
Comando e Controle que determina algumas medidas a serem tomadas com relao aos
resduos eltricos e eletrnicos (UNIO EUROPEIA, 2003). A norma, em consonncia com a
hierarquia da gesto de resduos, determina que a preveno da gerao de resduos seja
prioritria, e adicionalmente prev recuperao e reciclagem e outras forma de valorizao
desses resduos de modo a reduzir a quantidade total de resduos a ser eliminada. Alm disso,
o instrumento tem o objetivo de melhorar o comportamento ambiental de todos os operadores
envolvidos no ciclo de vida dos equipamentos eltricos e eletrnicos.
22 Como nos demonstra Nogueira e Pereira, resumiremos aqui as feitas por MARGULIS (1992, p.94-5) aos instrumentos de C&C: a) incapacidade das agncias ambientais de aplicarem as leis; sem recursos financeiros e humanos e infraestrutura adequada, a aplicao da lei quase impossvel; b) os instrumentos disponveis so limitados no sentido de no permitirem a introduo de instrumentos econmicos de aplicao de menor custo, capazes de gerar suficiente receita para financiar os gastos governamentais de gesto ambiental; c) o eventual dinheiro recolhido com multas vai para um fundo comum governamental, de modo que as agncias ambientais perdem motivao; d) a complexidade da lei, que deve prever situaes muito especficas e complexas, encarecendo o processo de monitoramento e de cumprimento da lei; as exigncias legais esto acima da capacidade administrativa; e e) falta coordenao entre as diversas agncias do governo; os problemas ambientais no se encaixam muito bem na estrutura dos diferentes ministrios e agncias de governo: um mesmo problema ambiental frequentemente envolve uma srie de ministrios e setores econmicos.
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41
De acordo com a Diretiva, os Estados-membros devem incentivar a concepo e
produo de equipamentos eltricos e eletrnicos que facilitem seu desmantelamento e
valorizao, em especial a reutilizao e reciclagem dos resduos. Ainda, os Estados devem
cuidar para que os produtores no impeam, atravs de caractersticas de concepo ou
processos especficos de fabricao, a reutilizao dos resduos eletrnicos. O instrumento
normativo prev tambm que os produtores disponibilizem postos de coleta gratuitamente aos
consumidores, e exigem dos Estados-membros que disponibilizem aos consumidores
informaes sobre os sistemas de coleta, potenciais efeitos sobre meio ambiente e sade
humana provenientes do descarte de resduos eletrnicos, e que conscientizem os
consumidores acerca de seu papel para reutilizao, reciclagem e outras formas de
aproveitamentos desses resduos (UNIO EUROPEIA, 2003).
Em 31 de Janeiro de 1991, o Conselho da OCDE aprovou uma Deciso-
Recomendao sobre a Reduo dos Movimentos Transfronteirios de Resduos - C(90)
178/FINAL (OCDE, 1991). Este Ato aplicvel a todos os resduos sujeitos a controle nos
termos da Conveno de Basileia e todos os outros resduos sujeitos a controle de
movimentos transfronteirios dos pases-membros exportadores e importadores. O
instrumento estabelece uma distino entre resduos destinados a operaes de recuperao e
resduos destinados a eliminao final. No que concerne ao descarte final, o ato de janeiro de
1991 prev que os pases-membros, na medida do possvel, disponham seus resduos em seu
prprio territrio. Obedecendo a Deciso do Conselho C(92)39/FINAL (OCDE, 2009), de 30
de Maro de 1992, os pases membros da OCDE adotaram um sistema de classificao dos
resduos destinados a operaes de recuperao, que permite o controle os movimentos
transfronteirios de acordo com a classe: verde, laranja ou vermelho.
A literatura tambm aponta a inovao como fator determinante na gesto sustentvel
dos resduos eletrnicos. Aes governamentais para o estmulo de parcerias pblico-privadas
e para a formao de redes cooperativas de pesquisa desempenham papel fundamental no
desenvolvimento de solues tecnolgicas para gesto de e-resduos (CENTRO DE GESTO
E ESTUDOS ESTRATGICOS, 2010). Especialistas em polticas cientficas e tecnolgicas
acreditam que a inovao depende de uma rede de instituies pblicas e privadas cujas
atividades e interaes iniciam, modeificam e difundem novas tecnologias (FREEMAN,
1995).
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42
No mbito internacional, um tratado internacional j mencionado neste trabalho a
Conveno da Basileia trata da regulamentao do movimento transfronteirio de resduos,
apresentado no prximo captulo.
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C AP T U L O 02
A C O N V E N O D A B ASI L E I A
2.1 Processo de Negociao da Conveno
Quando a extenso do comrcio internacional de resduos envolvendo pases em
desenvolvimento passou a ser amplamente divulgada por grupos ambientalistas e pela mdia
no final dos anos 80, houve um clamor pblico. As desventuras de navios como o Katrin B e
o Pelicano, que velejaram de porto em porto em busca de um cais para despejar seus resduos
txicos, ocuparam as manchetes do mundo inteiro (SECRETARIAT OF THE BASEL
CONVENTION, 2007)
Essa preocupao se refletiu nos mecanismos internacionais que ento surgiram com o
objetivo de controlar as exportaes de resduos perigosos. A regulamentao internacional
sobre comrcio de resduos perigosos teve incio na dcada de 80, quando diversas
organizaes internacionais estabeleceram regras para gesto de resduos entre fronteiras. Em
1982, o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente comeou a elaborar as Diretrizes
do Cairo para a Gesto Ambiental Segura de Resduos Perigosos, concluda em 1985
(CLAPP, 2001).
A Unio Europeia e a OCDE tambm se mobilizaram para elaborar regulamentaes
23 e no mesmo ano
riz sobre Remessas Transfronteirias de Resduos 24. Em 1986, ambos os instrumentos sofrerem emendas para acrescentar clusulas
referentes exportao para pases em desenvolvimento. Em que pese esses instrumentos
determinassem algumas diretrizes sobre o comrcio internacional de resduos, eles no
constituam um acordo globalmente firmado sobre a matria (KUMMER, 2010).
Quando as Diretrizes do Cairo foram aprovadas em 1987 pelo Conselho de
Administrao do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Senegal,
23 Decision and Recommendation on the Transfrontier Movements of Hazardous Wastes 24 Directive on Transfrontier Shipment of Hazardous Waste
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Sua e Hungria propuseram que o diretor-executivo do PNUMA organizasse a elaborao de
uma conveno global baseada em princpios semelhantes. A proposta foi ratificada pela
Assembleia Geral das Naes Unidas, e o PNUMA assumiu o papel de agncia organizadora
das negociaes (KEBE, 1990).
O cronograma determinado pelo Conselho determinou um perodo de menos de dois
anos para a elaborao e negociao da conveno. O Grupo de Trabalho Ad Hoc de Peritos
Tcnicos e Juristas com um Mandato para Preparar uma Conveno Global sobre o Controle
dos Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos (deste momento em diante
designado como "Grupo de Trabalho") iniciou suas deliberaes em uma reunio de
organizao em outubro de 1987 e realizou um total de cinco sesses de negociao entre
fevereiro de 1988 e maro de 1989. Noventa e seis pases participaram de pelo menos um
desses encontros, sendo sessenta e seis deles pases em desenvolvimento. Alm disso,
tambm participaram oito organizaes governamentais e vinte e quatro organizaes no-
governamentais, representantes da sociedade civil, de grupos ambientais e industriais
(KUMMER, 2010).
O Grupo de Trabalho apresentou o projeto final do texto do que viria a ser a
conveno na Conferncia de Plenipotencirios sobre a Conveno Global sobre o Controle
de Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos, ocorrida a convite do governo suo
entre 20 e 22 Maro de 1989 em Basileia, e na qual 116 Estados foram representados. A
Conveno sobre Controle de Movimentos Transfronteirios de Resduos Perigosos e seu
Depsito, doravante referida como Conveno da Basileia , foi aprovada por unanimidade
pela Conferncia em 22 de Maro de 1989. A Conferncia tambm aprovou oito resolues
relacionadas ao seu desenvolvimento e implementao. Cento e cinco Estados e a
Comunidade Econmica Europeia (CEE) assinaram o Ato Final da Conferncia de Basileia.
Em 22 de maro de 1990, quando a Conveno de Basileia foi fechada para assinatura, em
conformidade com seu artigo 21, cinquenta e trs Estados e a CEE a tinham assinado.
(KUMMER, 2010) Ela entrou em vigor em 05 de maio de 1992, aps o depsito do vigsimo
instrumento de adeso, como determinado pelo Artigo 25. Em setembro de 2010, existiam
174 partes da Conveno de Basileia (BASEL CONVENTION, 2011).
Uma contextualizao do processo de negociao da Conveno no seria completo
sem um apontamento das dificuldades que emergiram durante as deliberaes do Grupo de
Trabalho e que persistiram at a adoo da Conveno. As negociaes acerca do texto da
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Conveno revelaram-se extremamente difceis e contenciosas, principalmente devido
grande sensibilidade poltica da questo, que intensificou a dificuldade de conciliar os
objetivos dos Estados com