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Antologia de Vinícius de Moraes Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913. Poeta do amor e da comunhão, participou de toda a renovação da música brasileira em parceria com os grandes compositores do país. A vida, considerada por ele a "arte do encontro", tinha o sentimento de mistura e comunhão. . Vinícius de Moraes passou a vida rompendo convenções sociais. Passou da poesia culta para a popular, misturando ritmos brancos com negros, samba com candomblé e o comportamento aristocrático com o boêmio. Derrubou convenções também na área literária, usando o soneto após a revolução modernista de 1922, que cassava a composição dos 14 versos. Diplomata de carreira, escandalizou a sociedade ao dar entrevistas cantando com um copo na mão. Em parceria com Tom Jobim, sua peça ‘Orfeu do Carnaval’, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ao ser transformada por Marcel Camus no filme ‘Orfeu Negro’. Mais tarde junto a Tom Jobim e João Gilberto criou a bossa-nova, um dos principais movimentos de renovação musical do Brasil. Entre os sucessos de Vinícius, destacam-se ‘Tarde de Itapoã’, ‘Garota de Ipanema’ e clássicos da MPB, como ‘Marcha da Quarta-Feira de Cinzas’, ‘Samba da Benção’ e outros. Vinícius de Moraes morreu aos 66 anos, em 9 de julho de 1980, no Rio de Janeiro, mas suas obras sobrevivem até hoje. Freqüentemente, os críticos dividem a produção poética de Vinicius de Moraes em duas fases, intitulando-as fase mística e social. Fazem parte da chamada “primeira fase” as seguintes obras: O caminho para a distância (1933), Forma e exegese (1935), Ariana, a mulher (1936), Novos poemas (1938) e Cinco elegias (1943). A “segunda fase” é composta principalmente pelos seguintes livros: Poemas, sonetos e baladas (1946), Pátria minha (1949), Antologia poética (1954), Livro de sonetos (1957) e Novos poemas (II) (1959). Alguns estudiosos, como Renata Pallotini e Otto Lara Resende, consideram a produção inicial de Vinicius, voltada para questões metafísicas, como um experimentalismo estético, logo abandonada para dar lugar ao verdadeiro poeta que se apresentaria em um segundo momento, dedicado à lírica de tendência social e amorosa. Outros críticos, como Antonio Candido e David Mourão Ferreira, contrariando tal posicionamento, defendem a idéia de uma reelaboração destes princípios para uma espécie de “humanização do sentimento religioso”. Partindo desses posicionamentos, este trabalho dedica-se ao estudo da poesia inicial de Vinicius, destacando as suas principais características e influências, e ainda à apresentação de alguns poemas da sua produção final e de algumas criações musicais, como forma de lançar luz sobre o percurso dos fundamentos e do simbolismo religiosos na produção artística do poeta. Inicialmente, foi feita uma revisão da fortuna crítica de Vinicius e, em seguida, realizou-se a análise das composições poéticas e musicais, tomando por base o texto bíblico e os fundamentos teóricos da lírica, da metafísica e do imaginário. A pesquisa permitiu caracterizar a poesia inaugural, no que tange à questão da religiosidade e, a partir disso, dar visibilidade à permanência destes elementos de caráter

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Antologia de Vinícius de Moraes Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913. Poeta do amor e da comunhão, participou de toda a renovação da música brasileira em parceria com os grandes compositores do país. A vida, considerada por ele a "arte do encontro", tinha o sentimento de mistura e comunhão. . Vinícius de Moraes passou a vida rompendo convenções sociais. Passou da poesia culta para a popular, misturando ritmos brancos com negros, samba com candomblé e o comportamento aristocrático com o boêmio. Derrubou convenções também na área literária, usando o soneto após a revolução modernista de 1922, que cassava a composição dos 14 versos. Diplomata de carreira, escandalizou a sociedade ao dar entrevistas cantando com um copo na mão. Em parceria com Tom Jobim, sua peça ‘Orfeu do Carnaval’, ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, ao ser transformada por Marcel Camus no filme ‘Orfeu Negro’. Mais tarde junto a Tom Jobim e João Gilberto criou a bossa-nova, um dos principais movimentos de renovação musical do Brasil. Entre os sucessos de Vinícius, destacam-se ‘Tarde de Itapoã’, ‘Garota de Ipanema’ e clássicos da MPB, como ‘Marcha da Quarta-Feira de Cinzas’, ‘Samba da Benção’ e outros. Vinícius de Moraes morreu aos 66 anos, em 9 de julho de 1980, no Rio de Janeiro, mas suas obras sobrevivem até hoje. Freqüentemente, os críticos dividem a produção poética de Vinicius de Moraes em duas fases, intitulando-as fase mística e social. Fazem parte da chamada “primeira fase” as seguintes obras: O caminho para a distância (1933), Forma e exegese (1935), Ariana, a mulher (1936), Novos poemas (1938) e Cinco elegias (1943). A “segunda fase” é composta principalmente pelos seguintes livros: Poemas, sonetos e baladas (1946), Pátria minha (1949), Antologia poética (1954), Livro de sonetos (1957) e Novos poemas (II) (1959). Alguns estudiosos, como Renata Pallotini e Otto Lara Resende, consideram a produção inicial de Vinicius, voltada para questões metafísicas, como um experimentalismo estético, logo abandonada para dar lugar ao verdadeiro poeta que se apresentaria em um segundo momento, dedicado à lírica de tendência social e amorosa. Outros críticos, como Antonio Candido e David Mourão Ferreira, contrariando tal posicionamento, defendem a idéia de uma reelaboração destes princípios para uma espécie de “humanização do sentimento religioso”. Partindo desses posicionamentos, este trabalho dedica-se ao estudo da poesia inicial de Vinicius, destacando as suas principais características e influências, e ainda à apresentação de alguns poemas da sua produção final e de algumas criações musicais, como forma de lançar luz sobre o percurso dos fundamentos e do simbolismo religiosos na produção artística do poeta. Inicialmente, foi feita uma revisão da fortuna crítica de Vinicius e, em seguida, realizou-se a análise das composições poéticas e musicais, tomando por base o texto bíblico e os fundamentos teóricos da lírica, da metafísica e do imaginário. A pesquisa permitiu caracterizar a poesia inaugural, no que tange à questão da religiosidade e, a partir disso, dar visibilidade à permanência destes elementos de caráter

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metafísico, tanto na poesia final quanto na canção, o que contraria a tese do artificialismo de sua produção inicial. Qualquer que seja a análise feita da obra de VINÍCIUS DE MORAES, não se pode escapar das palavras mudança, evolução, transição. Sua poesia, além de ser a encarnação do movimento e do transitório, elege a busca como motor primordial: do divino, da coisa ordinária, do homem concreto, do homem social, do homem banal, do amante e, sobretudo, da mulher. E na busca da mulher, das infinitas mulheres que se concentram e se desprendem de uma mulher, a afirmação do motivo principal: mudança, evolução, transição. Poeta viril e terno, transcendental e carnal, caudaloso e contido, ele fez de sua obra o lugar do encontro e da despedida. Talvez, nenhum outro poeta personifique tão bem e ao mesmo tempo o apolíneo e o dionisíaco, tanto na obra quanto na vida: ao lado da sobriedade e da lucidez já bem precoces, surge e cresce o espírito da embriaguez e da entrega total, em nome da reflexão e da vitalidade que reinam em sua poesia. Enfim, não importa que Vinícius parta do etéreo para chegar ao real, o que mais vale em sua obra é a busca da fusão com a vida. OBRAS O Caminho para a Distância (1933); Forma e Exegese (1935); Ariana, A Mulher (1936); Novos Poemas (1938); Cinco Elegias, (1943); Poemas, Sonetos e Baladas, (1946); Pátria minha (1949); Antologia Poética (1954); Orfeu da Conceição (1956); Livro de Sonetos (1957); Novos Poemas, II (1959); Para Viver um Grande Amor (1962); Obra Completa e Prosa (1998). PLURALISMO POÉTICO “Porque ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas), e, finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos.” (Manuel Bandeira , Coisa Alóvena, Ebaente) Marcus Vinicius de Melo Moraes já compunha versos ao cursar os estudos secundários em sua cidade natal. Em 1930, ingressou na Faculdade Nacional de Direito, onde conheceu e se ligou a nomes que se destacariam no panorama intelectual e político brasileiro, como Otávio de Faria, San Thiago Dantas e Plínio Doyle. Formou-se em 1933, mesmo ano em que lançou seu primeiro livro de poemas, "O Caminho para a Distância". . Não se dedicou muito tempo à advocacia, ingressando no Ministério da Educação para exercer o cargo de censor cinematográfico. Em 1938, porém, recebeu uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford. Ainda na Inglaterra, casou-se por procuração com Beatriz Azevedo de Melo. Voltou ao Brasil em 1939, devido ao início da Segunda Guerra Mundial. . Passou longa temporada em São Paulo e, voltando ao Rio de Janeiro, começou a colaborar na imprensa. Nessa época, já era reconhecido como poeta e desenvolvera amizade com vários nomes importantes de nossas letras, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles.

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Em 1943 ingressou na carreira diplomática, seguindo três anos depois para Los Angeles (EUA) como vice-cônsul. Serviu também em Paris, Montevidéu e novamente Paris. Durante esse tempo, publica diversas obras e casa-se pela segunda, terceira e quarta vez. No início da década de 1960, começou a compor em parceria com Carlos Lira, Pixinguinha e Baden Powell. Também faz shows ao lado de Antonio Carlos Jobim e João Gilberto. Também exerceu intensa atividade na área de cinema, teatro, poesia e música, Em 1969, foi exonerado do Ministério das Relações Exteriores pelo regime militar e se casou com Cristina Gurjão. No ano seguinte, casou-se com a atriz bahiana Gesse Gessy e iniciou sua parceria com Toquinho, que iria continuar até o fim de sua vida. Com o parceiro, excursiona pelo Brasil e pela Europa. Durante a década de 1970, compôs muito, fez vários shows e casou-se ainda mais duas vezes. Em 1979, a convite do então líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, faz uma leitura de seus poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. No mesmo ano, na volta de uma viagem à Europa, sofre um derrame à bordo do avião. Morreu aos 67, de edema pulmonar, em sua casa, na companhia de Toquinho e da última mulher, Gilda Queirós Mattoso. O poeta e a canção - Luiz Nassif Folha de São Paulo, 30.7.2000 Quando Vinícius de Moraes morreu, lá se vão dez anos, foi como se minha geração inteira tivesse perdido um parente íntimo, daqueles que nos instruíram nos primeiros namoros, que nos acompanharam em todas as emoções. Toda lembrança romântica ou nostálgica tinha como referência uma música de Vinícius. A primeira serenata, a primeira paixão platônica, a primeira namorada, o primeiro boteco de boemia, tudo passava pelo poeta Vinícius. Lá em Poços de Caldas (MG), Vinícius de Moraes só não era unanimidade quando se tratava de qualificar quem era o maior poeta brasileiro. A maior parte da turma ficava com Carlos Drummond de Andrade, alguns com Manuel Bandeira, dois cruzadistas ficavam com os concretos. Os novos não chegavam até nós. Mário Faustino era uma lenda que ninguém lera, porque a distribuição do carioca "Jornal do Brasil" não chegava tão longe. Carlos Penna, o homem azul de Recife, também era uma referência distante. Confesso que, se tivesse lido o poema que Bruno Tolentino fez para a morte de Anecy Rocha, o teria incluído imediatamente nas nossas discussões sobre o maior. Mas o que batia no peito, repicava no fígado e cobria de emoções a razão era Vinícius de Moraes. Não era apenas o poeta maior, era o guia. Todos queriam ser como Vinícius, amar e ser amado como Vinícius, beber como Vinícius. Privilégio Quando o Newton, que estudava em Ouro Preto, contou que passou uma noite bebendo com Vinícius e com um estudante chamado João Bosco, a gente pedia

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para ele repetir toda hora cada gesto que se lembrava do mestre. Os puristas torciam o nariz. Até hoje não aceitam que a letra de música tenha valor literário. E Vinícius sempre foi contra limitações e formalidades. Na Música Popular Brasileira, não teve ninguém que o superasse, apesar dos grandes Luiz Peixoto e Orestes Barbosa, e dos clássicos contemporâneos, como Aldir Blanc, Chico Buarque, Caetano, Paulo César Pinheiro e Hermilo Bello de Carvalho. A bossa nova teve Tom Jobim e João Gilberto. Mas a marca maior do movimento foi Vinícius. Ele deu a temática, o modo de vida carioca, a paixão desenfreada e moderna. Com ele, Tom Jobim atingiu seus maiores momentos. Depois, cada novo compositor que se aproximava de Vinícius conseguia alcançar, com ele, o seu auge. Tome-se toda a produção de Carlos Lyra. A parte mais expressiva, de longe, são as parcerias com Vinícius. Baden Powell foi o maior violonista popular do século. Mas, nas composições, jamais conseguiu igualar o período em que seu letrista foi Vinícius. Foi o letrista clássico da dor-de-cotovelo, o autor das mais expressivas cantigas infantis modernas ("Era uma casa, muito engraçada / não tinha teto, não tinha nada"), o homem das críticas sociais. Qualidades O curioso na história é que Vinícius não era apenas o grande letrista e ideólogo de uma nova estética. Era também um compositor dos mais expressivos que apareceram. Compôs poucas melodias, mas todas elas obras-primas de simplicidade musical, de equilíbrio estético. Como "Valsinha", curiosamente uma obra prima de melodia, dele, em uma obra-prima de letra, de Chico Buarque-, "Serenata do Adeus" ("ai, a lua que no céu surgiu / não foi a mesma que partiu"), um clássico da dor-de-cotovelo, com letra e música dele. Assim como "Cem por cento", nosso hino nacional atual ("Há tanta gente que diz, coisas dela / mas essa gente que diz cai por ela"), ou esse primor de equilíbrio melódico criativo que é "Pela luz dos olhos teus". Popularização Confesso que os de minha geração torcemos o nariz quando ele se aproximou de Toquinho. Nada contra Toquinho, que já surgia como um belíssimo violonista e um parceiro de Chico Buarque em algumas músicas consagradas em nossas serenatas. Mas é que parecia que o velho mestre estava começando a se cansar. Passou a produzir em larga escala e, pior do que isso, a fazer um sucesso danado. No fundo admito aqui, de público: o que nos incomodava é que Vinícius deixava de ser "nosso". Ele passava a ser amado também pelos freqüentadores de cervejarias, por aquele povo barulhento e alegre que gostava também de Luiz Ayrão e Paulo Diniz. E o pior é que as músicas eram um embalo só.

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Mas até os mais críticos da dupla esquecem esse preconceito besta e colocam-se de joelhos quando alguma rádio desavisada toca "Rosa Desfolhada" ("Tento compor, com nosso amor, dentro da tua ausência"), dele e de Toquinho. Foi o dia em que Toquinho virou Tom Jobim, e Vinícius mostrou que um poeta nunca envelhece. ANTOLOGIA Soneto da Fidelidade De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meus pensamentos Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive) Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure Soneto do Amor Total Amo-te tanto meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te enfim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente.

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E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude. Soneto de Devoção Essa mulher que se arremessa, fria E lúbrica em meus braços, e nos seios Me arrebata e me beija e balbucia Versos, votos de amor e nomes feios. Essa mulher, flor de melancolia Que se ri dos meus pálidos receios A única entre todas a quem dei Os carinhos que nunca a outra daria. Essa mulher que a cada amor proclama A miséria e a grandeza de quem ama E guarda a marca dos meus dentes nela. Essa mulher é um mundo! - uma cadela Talvez... - mas na moldura de uma cama Nunca mulher nenhuma foi tão bela! Ausência Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar seus olhos que são doces... Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres exausto... No entanto a tua presença é qualquer coisa, como a luz e a vida... E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto... E em minha voz, a tua voz... Não te quero ter, pois em meu ser tudo estaria terminado... Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados... Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada... Que ficou em minha carne como uma nódoa do passado... Eu deixarei...Tu irás e encostarás tua face em outra face... Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada... Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu... porque eu fui o grande íntimo da noite... Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa... Porque os meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. E eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos Mas eu te possuirei mais que ninguém, porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas, serão a tua voz presente, tua voz ausente, a tua voz serenizada.

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De Repente De repente do riso fez-se o pranto Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. Soneto a Quatro Mãos (Paulo Mendes Campos/ Vinicius de Morais) Tudo de amor que existe em mim foi dado. Tudo que fala em mim de amor foi dito. Do nada em mim o amor fez o infinito Que por muito tornou-me escravizado. Tão pródigo de amor fiquei coitado Tão fácil para amar fiquei proscrito. Cada voto que fiz ergueu-se em grito Contra o meu próprio dar demasiado. Tenho dado de amor mais que coubesse Nesse meu pobre coração humano Desse eterno amor meu antes não desse. Pois se por tanto dar me fiz engano Melhor fora que desse e recebesse Para viver da vida o amor sem dano. A Rosa de Hiroshima

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Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroshima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada Pela Luz dos Olhos Teus Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos teus Resolvem se encontrar Ai que bom que isso é meu Deus Que frio que me dá o encontro desse olhar Mas se a luz dos olhos teus Resiste aos olhos meus só pra me provocar Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar Meu amor, juro por Deus Que a luz dos olhos meus já não pode esperar Quero a luz dos olhos meus Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará Pela luz dos olhos teus Eu acho meu amor que só se pode achar Que a luz dos olhos meus precisa se casar. Rosário E eu que era um menino puro Não fui perder minha infância No mangue daquela carne! Dizia que era morena Sabendo que era mulata

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Dizia que era donzela Nem isso não era ela Era uma môça que dava. Deixava... mesmo no mar Onde se fazia em água Onde de um peixe que era Em mil se multiplicava Onde suas mãos de alga Sobre o meu corpo boiavam Trazendo à tona águas-vivas Onde antes não tinha nada. Quanto meus olhos não viram No céu da areia da praia Duas estrelas escuras Brilhando entre aquelas duas Nebulosas desmanchadas E não beberam meus beijos Aqueles olhos noturnos Luzinho de luz parada Na imensa noite da ilha! Era minha namorada Primeiro nome de amada Primeiro chamar de filha Grande filha de uma vaca! Como não me seduzia Como não me alucinava Como deixava, fingindo Fingindo que não deixava! Aquela noite entre todas Que cica os cajus! travavam! Como era quieto o sossego Cheirando a jasmim-do-Cabo! Lembro que nem se mexia O luar esverdeado. Lembro que longe, nos longes Um gramofone tocava, Lembro dos seus anos vinte Junto aos meus quinze deitados Sob a luz verde da lua. Ergueu a saia de um gesto Por sobre a perna dobrada Mordendo a carne da mão Me olhando sem dizer nada Enquanto jazente eu via Como uma anêmona n'água A coisa que se movia Ao vento que a farfalhava.

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Toquei-lhe a dura pevide Entre o pêlo que a guardava Beijando-lhe a coxa fria Com gosto de cana-brava. Senti, à pressão do dedo Desfazer-se desmanchada Como um dedal de segredo A pequenina castanha Gulosa de ser tocada. Era uma dança morena Era uma dança mulata Era o cheiro de amarugem Era a lua cor de prata Mas foi só aquela noite! Passava dando risada Carregando os peitos loucos Quem sabe pra quem, quem sabe! Mas como me perseguia A negra visão escrava Daquele feixe de águas Que sabia ela guardava No fundo das coxas frias! Mas como me desbragava Na areia mole e macia! A areia me recebia E eu baixinho me entregava Com medo que Deus ouvisse Os gemidos que não dava! Os gemidos que não dava Por amor do que ela dava Aos outros de mais idade Que a carregaram da ilha Para as ruas da cidade. Meu grande sonho da infância Angústia da mocidade. A rosa de Hiroxima Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas

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Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroxima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose A anti-rosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada. Ausência Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces. Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto. No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz. Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado. Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada. Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado. Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite. Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa. Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço. E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado. Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos. Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir. E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas. Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada. Dialética É claro que a vida é boa E a alegria, a única indizível emoção É claro que te acho linda Em ti bendigo o amor das coisas simples É claro que te amo E tenho tudo para ser feliz Mas acontece que eu sou triste... Soneto da separação De repente do riso fez-se o pranto

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Silencioso e branco como a bruma E das bocas unidas fez-se a espuma E das mãos espalmadas fez-se o espanto. De repente da calma fez-se o vento Que dos olhos desfez a última chama E da paixão fez-se o pressentimento E do momento imóvel fez-se o drama. De repente, não mais que de repente Fez-se de triste o que se fez amante E de sozinho o que se fez contente. Fez-se do amigo próximo o distante Fez-se da vida uma aventura errante De repente, não mais que de repente. A volta da mulher morena Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo E estão me despertando de noite. Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena Eles são maduros e úmidos e inquietos E sabem tirar a volúpia de todos os frios. Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma Cortai os peitos da mulher morena Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono E trazem cores tristes para os meus olhos. Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes Traze-me para o contato casto de tuas vestes Salva-me dos braços da mulher morena Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim São como raízes recendendo resina fresca São como dois silêncios que me paralisam. Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena Livra-me do seu ventre como a campina matinal Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria. Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena Reza para murcharem as pernas da mulher morena Reza para a velhice roer dentro da mulher morena Que a mulher morena está encurvando os meus ombros E está trazendo tosse má para o meu peito. Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus [últimos cantos Dai morte cruel à mulher morena!

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A um passarinho Para que vieste Na minha janela Meter o nariz? Se foi por um verso Não sou mais poeta Ando tão feliz! Se é para uma prosa Não sou Anchieta Nem venho de Assis. Deixa-te de histórias Some-te daqui! O dia da criação Macho e fêmea os criou. Gênese, 1, 27 I Hoje é sábado, amanhã é domingo A vida vem em ondas, como o mar Os bondes andam em cima dos trilhos E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar. Hoje é sábado, amanhã é domingo Não há nada como o tempo para passar Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal. Hoje é sábado, amanhã é domingo Amanhã não gosta de ver ninguém bem Hoje é que é o dia do presente O dia é sábado. Impossível fugir a essa dura realidade Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios

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Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas Todos os maridos estão funcionando regularmente Todas as mulheres estão atentas Porque hoje é sábado. II Neste momento há um casamento Porque hoje é sábado Hoje há um divórcio e um violamento Porque hoje é sábado Há um rico que se mata Porque hoje é sábado Há um incesto e uma regata Porque hoje é sábado Há um espetáculo de gala Porque hoje é sábado Há uma mulher que apanha e cala Porque hoje é sábado Há um renovar-se de esperanças Porque hoje é sábado Há uma profunda discordância Porque hoje é sábado Há um sedutor que tomba morto Porque hoje é sábado Há um grande espírito-de-porco Porque hoje é sábado Há uma mulher que vira homem Porque hoje é sábado Há criançinhas que não comem Porque hoje é sábado Há um piquenique de políticos Porque hoje é sábado Há um grande acréscimo de sífilis Porque hoje é sábado Há um ariano e uma mulata Porque hoje é sábado Há uma tensão inusitada Porque hoje é sábado Há adolescências seminuas Porque hoje é sábado Há um vampiro pelas ruas Porque hoje é sábado Há um grande aumento no consumo

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Porque hoje é sábado Há um noivo louco de ciúmes Porque hoje é sábado Há um garden-party na cadeia Porque hoje é sábado Há uma impassível lua cheia Porque hoje é sábado Há damas de todas as classes Porque hoje é sábado Umas difíceis, outras fáceis Porque hoje é sábado Há um beber e um dar sem conta Porque hoje é sábado Há uma infeliz que vai de tonta Porque hoje é sábado Há um padre passeando à paisana Porque hoje é sábado Há um frenesi de dar banana Porque hoje é sábado Há a sensação angustiante Porque hoje é sábado De uma mulher dentro de um homem Porque hoje é sábado Há uma comemoração fantástica Porque hoje é sábado Da primeira cirurgia plástica Porque hoje é sábado E dando os trâmites por findos Porque hoje é sábado Há a perspectiva do domingo Porque hoje é sábado III Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação. De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. Na verdade, o homem não era necessário Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.

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Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra. Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia. Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em [cópula. Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e [sim no Sétimo E para não ficar com as vastas mãos abanando Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança Possivelmente, isto é, muito provavelmente Porque era sábado. Balada dos mortos dos campos de concentração Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald! Ocos, flácidos cadáveres Como espantalhos, largados Na sementeira espectral Dos ermos campos estéreis De Buchenwald e Dachau. Cadáveres necrosados Amontoados no chão Esquálidos enlaçados Em beijos estupefatos Como ascetas siderados Em presença da visão. Cadáveres putrefatos Os magros braços em cruz Em vossas faces hediondas Há sorrisos de giocondas E em vossos corpos, a luz Que da treva cria a aurora.

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Cadáveres fluorescentes Desenraizados do pó Grandes, góticos cadáveres! Ah, doces mortos atônitos Quebrados a torniquete Vossas louras manicuras Arancaram-vos as unhas No requinte da tortura Da última toalete . . . A vós vos tiraram a casa A vós vos tiraram o nome Fostes marcados a brasa E vos mataram de fome! Vossas peles afrouxadas Sobre os esqueletos dão-me A impressão que éreis tambores — Os instrumentos do Monstro — Desfibrados a pancada: Ó mortos de percussão! Cadáveres de Nordhausen Erla, Belsen e Buchenwald! Vós sois o húmus da terra De onde a árvore do castigo Dará madeira ao patíbulo E de onde os frutos da paz Tombarão no chão da guerra! Soneto da intimidade Nas tardes de fazenda há muito azul demais. Eu saio as vezes, sigo pelo pasto, agora Mastigando um capim, o peito nu de fora No pijama irreal de há três anos atrás. Desço o rio no vau dos pequenos canais Para ir beber na fonte a água fria e sonora E se encontro no mato o rubro de uma amora Vou cuspindo-lhe o sangue em torno dos currais. Fico ali respirando o cheiro bom do estrume Entre as vacas e os bois que me olham sem ciúme E quando por acaso uma mijada ferve Seguida de um olhar não sem malícia e verve

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Nós todos, animais, sem comoção nenhuma Mijamos em comum numa festa de espuma. A mulher que passa Meu Deus, eu quero a mulher que passa Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabelos Sete esperanças na boca fresca! Oh! como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicias Dentro das noites, dentro dos dias! Teus sentimentos são poesia Teus sofrimentos, melancolia. Teus pelos leves são relva boa Fresca e macia. Teus belos braços são cisnes mansos Longe das vozes da ventania. Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Como te adoro, mulher que passas Que vens e passas, que me sacias Dentro das noites, dentro dos dias! Por que me faltas, se te procuro? Por que me odeias quando te juro Que te perdia se me encontravas E me concontrava se te perdias? Por que não voltas, mulher que passas? Por que não enches a minha vida? Por que não voltas, mulher querida Sempre perdida, nunca encontrada? Por que não voltas à minha vida Para o que sofro não ser desgraça? Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Eu quero-a agora, sem mais demora

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A minha amada mulher que passa! Que fica e passa, que pacífica Que é tanto pura como devassa Que bóia leve como a cortiça E tem raízes como a fumaça. A bomba atômica e = mc2 EINSTEIN Deusa, visão dos céus que me domina . . . tu que és mulher e nada mais! ("Deusa", valsa carioca) I Dos céus descendo Meu Deus eu vejo De pára-quedas? Uma coisa branca Como uma forma De estatuária Talvez a forma Do homem primitivo A costela branca! Talvez um seio Despregado à lua Talvez o anjo Tutelar cadente Talvez a Vênus Nua, de clâmide Talvez a inversa Branca pirâmide Do pensamento Talvez o troço De uma coluna Da eternidade Apaixonado Não sei indago Dizem-me todos É A BOMBA ATÔMICA

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Vem-me uma angústia Quisera tanto Por um momento Tê-la em meus braços E coma ao vento Descendo nua Pelos espaços Descendo branca Branca e serena Como um espasmo Fria e corrupta De longo sêmen Da Via-Láctea Deusa impoluta O sexo abrupto Cubo de prata Mulher ao cubo Caindo aos súcubos Intemerata Carne tão rija De hormônios vivos Exacerbada Que o simples toque Pode rompê-la Em cada átomo Numa explosão Milhões de vezes Maior que a força Contida no ato Ou que a energia Que expulsa o feto Na hora do parto. II A bomba atômica é triste Coisa mais triste não há Quando cai, cai sem vontade Vem caindo devagar Tão devagar vem caindo Que dá tempo a um passarinho

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De pousar nela e voar . . . Coitada da bomba atômica Que não gosta de matar! Coitada da bomba atômica Que não gosta de matar Mas que ao matar mata tudo Animal e vegetal Que mata a vida da terra E mata a vida do ar Mas que também mata a guerra . . . Bomba atômica que aterra! Bomba atônita da paz! Pomba tonta, bomba atômica Tristeza, consolação Flor puríssima do urânio Desabrochada no chão Da cor pálida do hélium E odor de rádium fatal Lœlia mineral carnívora Radiosa rosa radical. Nunca mais oh bomba atômica Nunca em tempo algum, jamais Seja preciso que mates Onde houve morte demais: Fique apenas tua imagem Aterradora miragem Sobre as grandes catedrais: Guarda de uma nova era Arcanjo insigne da paz! III Bomba atômica, eu te amo! és pequenina E branca como a estrela vespertina E por branca eu te amo, e por donzela De dois milhões mais bélica e mais bela Que a donzela de Orleães; eu te amo, deusa Atroz, visão dos céus que me domina

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Da cabeleira loura de platina E das formas aerodivinais — Que és mulher, que és mulher e nada mais! Eu te amo, bomba atômica, que trazes Numa dança de fogo, envolta em gazes A desagregação tremenda que espedaça A matéria em energias materiais! Oh energia, eu te amo, igual à massa Pelo quadrado da velocidade Da luz! alta e violenta potestade Serena! Meu amor . . . desce do espaço Vem dormir, vem dormir, no meu regaço Para te proteger eu me encouraço De canções e de estrofes magistrais! Para te defender, levanto o braço Paro as radiações espaciais Uno-me aos líderes e aos bardos, uno-me Ao povo ao mar e ao céu brado o teu nome Para te defender, matéria dura Que és mais linda, mais límpida e mais pura Que a estrela matutina! Oh bomba atômica Que emoção não me dá ver-te suspensa Sobre a massa que vive e se condensa Sob a luz! Anjo meu, fora preciso Matar, com tua graça e teu sorriso Para vencer? Tua enégica poesia Fora preciso, oh deslembrada e fria Para a paz? Tua fragílima epiderme Em cromáticas brancas de cristais Rompendo? Oh átomo, oh neurônio, oh germe Da união que liberta da miséria! Oh vida palpitando na matéria Oh energia que és o que não eras Quando o primeiro átomo incriado Fecundou o silêncio das Esferas: Um olhar de perdão para o passado Uma anunciação de primaveras! Poema enjoadinho Filhos . . . Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos Como sabê-lo? Se não os temos Que de consulta Quanto silêncio

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Como os queremos! Banho de mar Diz que é um porrete . . . Cônjuge voa Transpõe o espaço Engole água Fica salgada Se iodifica Depois, que boa Que morenaço Que a esposa fica! Resultado: filho. E então começa A aporrinhação: Cocô está branco Cocô está preto Bebe amoníaco Comeu botão. Filhos? Filhos Melhor não tê-los Noites de insônia Cãs prematuras Prantos convulsos Meu Deus, salvai-o! Filhos são o demo Melhor não tê-los . . . Mas se não os temos Como sabê-los? Como saber Que macieza Nos seus cabelos Que cheiro morno Na sua carne Que gosto doce Na sua boca! Chupam gilete Bebem xampu Ateiam fogo No quarteirão Porém que coisa Que coisa louca Que coisa linda Que os filhos são! Receita de mulher

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As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental. É preciso Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture Em tudo isso (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa). Não há meio-termo possível. É preciso Qu tudo isso seja belo. É preciso que súbito Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da [aurora. É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços Alguma coisa além da carne: que se os toque Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência. É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas No enlaçar de uma cintura semovente. Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras É como um rio sem pontes. Indispensável Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida A mulher se alteie em cálice, e que seus seios Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas. Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal! Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem No entanto, sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!) Preferíveis sem dúvida os pescoços longos De forma que a cabeça dê por vezes a impressão De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior

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A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos Ao abri-los ela não mais estará presente Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber O fel da dúvida. Oh, sobretudo Que ele não perca nunca, não importa em que mundo Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre O impossível perfume; e destile sempre O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável. Vinícius de Morais Ai, quem me dera terminasse a espera Retornasse o canto simples e sem fim E ouvindo o canto se chorasse tanto Que do mundo o pranto se estancasse enfim Ai, quem me dera ver morrer a fera Ver nascer o anjo, ver brotar a flor. Ai, quem me dera uma manhã feliz. Ai, quem me dera uma estação de amor Ah, se as pessoas se tornassem boas E cantassem loas e tivessem paz E pelas ruas se abraçassem nuas E duas a duas fossem ser casais Ai, quem me dera ao som de madrigais Ver todo mundo para sempre afim E a liberdade nunca ser demais E não haver mais solidão ruim Ai, quem me dera ouvir o nunca-mais Dizer que a vida vai ser sempre assim E, finda a espera, ouvir na primavera Alguém chamar por mim. Vinícius de Morais Eu sei e você sabe Já que a vida quis assim

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Que nada nesse mundo levará você de mim Eu sei e você sabe Que a distância não existe Que todo grande amor Só é bem grande se for triste Por isso meu amor Não tenha medo de sofrer Que todos os caminhos Me encaminham a você. Assim como o Oceano, só é belo com o luar Assim como a Canção, só tem razão se se cantar Assim como uma nuvem, só acontece se chover Assim como o poeta, só é bem grande se sofrer Assim como viver sem ter amor, não é viver Não há você sem mim E eu não existo sem você! Poesias infantis A arca de Noé Sete em cores, de repente O arco-íris se desata Na água límpida e contente Do ribeirinho da mata. O sol, ao véu transparente Da chuva de ouro e de prata Resplandece resplendente No céu, no chão, na cascata. E abre-se a porta da Arca De par em par: surgem francas A alegria e as barbas brancas Do prudente patriarca Noé, o inventor da uva

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E que, por justo e temente Jeová, clementemente Salvou da praga da chuva. Tão verde se alteia a serra Pelas planuras vizinhas Que diz Noé: "Boa terra Para plantar minhas vinhas!" E sai levando a família A ver; enquanto, em bonança Colorida maravilha Brilha o arco da aliança. Ora vai, na porta aberta De repente, vacilante Surge lenta, longa e incerta Uma tromba de elefante. E logo após, no buraco De uma janela, aparece Uma cara de macaco Que espia e desaparece. Enquanto, entre as altas vigas Das janelinhas do sótão Duas girafas amigas De fora a cabeça botam. Grita uma arara, e se escuta De dentro um miado e um zurro Late um cachorro em disputa Com um gato, escouceia um burro. A Arca desconjuntada Parece que vai ruir Aos pulos da bicharada Toda querendo sair.

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Vai! Não vai! Quem vai primeiro? As aves, por mais espertas Saem voando ligeiro Pelas janelas abertas. Enquanto, em grande atropelo Junto à porta de saída Lutam os bichos de pelo Pela terra prometida. "Os bosques são todos meus!" Ruge soberbo o leão "Também sou filho de Deus!" Um protesta; e o tigre — "Não!" Afinal, e não sem custo Em longa fila, aos casais Uns com raiva, outros com susto Vão saindo os animais. Os maiores vêm à frente Trazendo a cabeça erguida E os fracos, humildemente Vêm atrás, como na vida. Conduzidos por Noé Ei-los em terra benquista Que passam, passam até Onde a vista não avista Na serra o arco-íris se esvai . . . E . . . desde que houve essa história Quando o véu da noite cai Na terra, e os astros em glória Enchem o céu de seus caprichos É doce ouvir na calada A fala mansa dos bichos Na terra repovoada.

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Natal De repente o sol raiou E o galo cocoricou: — Cristo nasceu! O boi, no campo perdido Soltou um longo mugido: — Aonde? Aonde? Com seu balido tremido Ligeiro diz o cordeiro: — Em Belém! Em Belém! Eis senão quando, num zurro Se ouve a risada do burro: — Foi sim que eu estava lá! E o papagaio que é gira Pôs-se a falar: — É mentira! Os bichos de pena, em bando Reclamaram protestando. O pombal todo arrulhava: — Cruz credo! Cruz credo! Brava A arara a gritar começa:

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— Mentira! Arara. Ora essa! — Cristo nasceu! canta o galo. — Aonde? pergunta o boi. — Num estábulo! — o cavalo Contente rincha onde foi. Bale o cordeiro também: — Em Belém! Mé! Em Belém! E os bichos todos pegaram O papagaio caturra E de raiva lhe aplicaram Uma grandíssima surra. O girassol Sempre que o sol Pinta de anil Todo o céu O girassol Fica um gentil Carrossel. O girassol é o carrossel das abelhas. Pretas e vermelhas Ali ficam elas Brincando, fedelhas Nas pétalas amarelas. — Vamos brincar de carrossel, pessoal? — "Roda, roda, carrossel Roda, roda, rodador Vai rodando, dando mel Vai rodando, dando flor".

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— Marimbondo não pode ir que é bicho mau! — Besouro é muito pesado! — Borboleta tem que fingir de borboleta na entrada! — Dona Cigarra fica tocando seu realejo! — "Roda, roda, carrossel Gira, gira, girassol Redondinho como o céu Marelinho como o sol". E o girassol vai girando dia afora . . . O girassol é o carrossel das abelhas. O elefantinho Onde vais, elefantinho Correndo pelo caminho Assim tão desconsolado? Andas perdido, bichinho Espetaste o pé no espinho Que sentes, pobre coitado? — Estou com um medo danado Encontrei um passarinho! A porta Eu sou feita de madeira Madeira, matéria morta Mas não há coisa no mundo Mais viva do que uma porta. Eu abro devagarinho Pra passar o menininho Eu abro bem com cuidado Pra passar o namorado Eu abro bem prazenteira

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Pra passar a cozinheira Eu abro de sopetão Pra passar o capitão. Só não abro pra essa gente Que diz (a mim bem me importa . . .) Que se uma pessoa é burra É burra como uma porta. Eu sou muito inteligente! Eu fecho a frente da casa Fecho a frente do quartel Fecho tudo nesse mundo Só vivo aberta no céu! O leão (inspirado em William Blake) Leão! Leão! Leão! Rugindo como um trovão Deu um pulo, e era uma vez Um cabritinho montês. Leão! Leão! Leão! És o rei da criação! Tua goela é uma fornalha Teu salto, uma labareda Tua garra, uma navalha Cortando a presa na queda. Leão longe, leão perto Nas areias do deserto. Leão alto, sobranceiro Junto do despenhadeiro. Leão na caça diurna Saindo a correr da furna. Leão! Leão! Leão! Foi Deus que te fez ou não?

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O salto do tigre é rápido Como o raio; mas não há Tigre no mundo que escape Do salto que o Leão dá. Não conheço quem defronte O feroz rinoceronte. Pois bem, se ele vê o Leão Foge como um furacão. Leão se esgueirando, à espera Da passagem de outra fera . . . Vem o tigre; como um dardo Cai-lhe em cima o leopardo E enquanto brigam, tranqüilo O leão fica olhando aquilo. Quando se cansam, o Leão Mata um com cada mão. Leão! Leão! Leão! És o rei da criação! O pato Lá vem o Pato Pata aqui, pata acolá La vem o Pato Para ver o que é que há. O Pato pateta Pintou o caneco Surrou a galinha Bateu no marreco Pulou do poleiro No pé do cavalo Levou um coice Criou um galo Comeu um pedaço De jenipapo Ficou engasgado Com dor no papo Caiu no poço

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Quebrou a tigela Tantas fez o moço Que foi pra panela. O peru Glu! Glu! Glu! Abram alas pro Peru! O Peru foi a passeio Pensando que era pavão Tico-tico riu-se tanto Que morreu de congestão. O Peru dança de roda Numa roda de carvão Quando acaba fica tonto De quase cair no chão. O Peru se viu um dia Nas águas do ribeirão Foi-se olhando foi dizendo Que beleza de pavão! Glu! Glu! Glu! Abram alas pro Peru! As borboletas Brancas Azuis Amarelas E pretas Brincam Na luz As belas Borboletas Borboletas brancas São alegres e francas.

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Borboletas azuis Gostam muito de luz. As amarelinhas São tão bonitinhas! E as pretas, então . . . Oh, que escuridão!