método espaço direcional beuttenmuller
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Joo Pessoa, Vol. 2, n. 2, 121-130, jul./dez. de 2011 121
MTODO ESPAODIRECIONALBEUTTENMLLER, MUITO ALM DAS PALAVRAS
BEUTTENMLLERS SPACE-DIRECTIONAL METHOD, FAR BEYOND WORDS
Jane Celeste GuberfainProfessora Escola de Teatro da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO.
Resumo: Este artigo analisa a contribuio do Mtodo Espao-Direcional-Beuttenmller formao e ao trabalho vocal do ator teatral. Investiga os princpios que o norteiam e ressalta a sua relevncia para a pre-parao da voz em cena. Veriicamos que o Mtodo apresenta uma estrutura lexvel, valoriza as experin-cias individuais, a partir da sensibilidade e da conscincia corporal e espacial, acompanhando as tendncias teatrais contemporneas. Redescobre a palavra no sentido da sua expresso como um abrao sonoro no ouvinte.Palavras-chave: voz; qualidade da voz; treinamento da voz.
Abstract: This article analyzes the contribution of Beuttenmllers Space-Directional-Method to theater ac-tors development and vocal work. It investigates its underlying principles and highlights its relevance for on-stage voice training. We conclude that the method provides a lexible structure and is sensitive to indi-vidual experience, based on physical and spatial sensitivity and awareness, in ways that are coherent with contemporary theatrical approaches. The Method situates the word in terms of its expressiveness as a sonorous hug to the listener.Keywords: voice; voice quality; voice training.
Introduo
A escritora e baronesa dinamarquesa
Karen Blixen (1885-1962), em seu
livro Out of Africa1, descreve uma passagem de sua vida no Qunia, onde dirigia
uma fazenda de caf. Karen Christentze
Dinesen, seu nome verdadeiro, costumava
ler noite, em voz alta, poemas em ingls de
Byron, de Shelley, de Pope e de Shakespeare. O
empregado da baronesa, um menino africano
da tribo quicuia, apesar de no entender
outra lngua se no a da sua comunidade
1 Traduzido para o portugus com o ttulo A fazenda africana.
ouvia atentamente a leitura dos poemas. Aps
certo tempo a escritora precisou viajar para
Zanzibar. Ao voltar para sua casa, encontrou
o menino sua espera, ansioso para ouvir
novamente a leitura rotineira. Como ela
demorava a retornar as leituras o menino
apelou para a sua patroa, dizendo: Fala como
chuva outra vez, fala! Podemos constatar que
a leitura dos poemas pela baronesa despertou
no garoto fortes sensaes e sentimentos,
alm do simples gosto de ouvir histrias. Com
certeza a baronesa encantou o menino com
as suas palavras, por saber modular a voz de
modo a transmitir matizes de sentimentos. Os
puros e sensveis ouvidos de um jovem quicuio
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foram afetados por aqueles sons e ainados
pela musicalidade, que o tocavam tanto quanto
um som da natureza como o da chuva.
Para obter tal resultado na leitura
dos poemas, acreditamos que a baronesa
tenha aproveitado vrios recursos da
fala, com suas imensas possibilidades de
sugesto, envolvimento e sensibilizao. A
fala, independentemente da lngua e do seu
contedo signiicativo, age como um fenmeno
capaz de inluenciar sensivelmente o outro,
atravs de suas diversas modulaes. Um
texto, como o de Karen Blixen, que a princpio
foi elaborado para a escrita, ao ser oralizado
adquiriu materialidade e identidade prprias
a partir das suas potencialidades de expresso.
No teatro, a voz tem uma importncia
fundamental, j que o ator utiliza vrios
recursos para a interpretao: suas
possibilidades vocais e corporais aliadas
s emoes, sentimentos e energias do
personagem. Parte-se do princpio que o
modo de dizer tem uma funo lingstica,
quer signiicativa, quer distintiva. Ou seja, o
poder de sugesto da fala transcende o carter
lingstico. A emisso de palavras idnticas
pode resultar em mensagens distintas, com
interpretaes diferentes, devido variao
da curva meldica, resultando em uma
expressividade peculiar.
O Mtodo Espao-Direcional-
Beuttenmller (M.E.D.B.) busca despertar
a sensibilidade para a percepo dessas
caractersticas, que so prprias da natureza
da voz e, muitas vezes, pouco exploradas
pelos proissionais da comunicao.
Procuramos investigar em nossa pesquisa
essas possibilidades do mtodo, que, aplicado
expresso da fala pretende associar a cincia
fonoaudiolgica aos aspectos que constituem
o verdadeiro mistrio da voz: cores e formas
das palavras, tcnica e sensibilidade, fala e
vocalidade potica, isionomia, expresso
corporal-vocal, sentimentos e sentidos. Enim
aspectos que fazem da voz um instrumento
privilegiado da arte da comunicao. A
professora e fonoaudiloga Maria da Glria
Cavalcanti Beuttenmller foi a mentora do
Mtodo Espao-Direcional-Beuttenmller.
1. A fonoaudiloga e professora Maria da Glria Beuttenmller
Maria da Glria Cavalcanti
Beuttenmller gosta de ser chamada de
Glorinha. Conta que o diminutivo foi uma
opo pessoal, pois considera este nome mais
aberto, mais projetado, favorecido pelo grupo
consonantal [gl], principalmente pelo fonema
[l] que, por ser uma consoante lquida,
impossvel de ser pronunciada para dentro e
pela slaba rin, que propicia uma ressonncia
nasal ao nome (BEUTTENMLLER, 2003:15).
Respeitando o seu desejo, passaremos a trat-
la, ao longo do trabalho, como Glorinha. Ela
constri a originalidade do seu mtodo luz
da experincia proissional e do conhecimento
adquirido nas reas da Msica, Teatro,
Fonoaudiologia, Pedagogia, Odontologia e
Psicologia.
Beuttenmller construiu o M.E.D.B. a
partir de sua experincia como professora de
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vrias instituies de ensino e coordenadora
do Setor de Logopedia, de ensino
especializado, no Instituto Benjamin Constant,
de 1960 a 1974, aliada sua sensibilidade,
adquirida como violinista e declamadora e
sua formao como fonoaudiloga.
A necessidade de aprimoramento
da palavra falada dos deicientes visuais
do Instituto Benjamin Constant permitiu
a Beuttenmller sensibilizar-se sobre a
dimenso da importncia da expressividade,
pois percebia grande diiculdade nos alunos
de compreenso para determinadas palavras e
conceitos. Diante dessa situao, pressentiu a
necessidade de estimul-los atravs dos outros
sentidos do corpo, veiculando sensaes tteis,
gustativas, olfativas e auditivas ao signiicado
das palavras.
O poder de sugesto, de imerso do
ouvinte em um espao sensorial inerente
fala um dos aspectos que investigamos
no M.E.D.B. E para o ator, que precisa se
relacionar como um atleta do corao, com o
espectador, tal caracterstica da fala apresenta-
se como recurso interpretativo essencial no
seu trabalho e que ele precisa dominar.
2. O Mtodo Espao-Direcional-Beuttenmller (M.E.D.B.)
Em sua atuao como professora dos
deicientes visuais no Instituto Benjamim
Constant, Beuttenmller pesquisou
formas inovadoras de produzir nos cegos a
compreenso do sentido das palavras atravs
de sensaes e sentimentos. Associando
vozes e gestos, criava, atravs do movimento,
uma representao das coisas que eles nunca
chegaram a enxergar, a im de conseguir
um resultado corporal e vocal satisfatrio
para a declamao dos poemas como se
a voz fosse um instrumento que as izesse
enxergar: As cores, a luz e os movimentos,
que os olhos jamais puderam ver, ganharam
novas dimenses no mundo escuro e limitado
dessas meninas, quando aprenderam que pelas
palavras e gestos poderiam substituir o prazer
da viso (BEUTTENMLLER, 2003, p. 52).
Ela conseguiu que os seus alunos
deicientes visuais compreendessem que o
prejuzo da viso poderia ser compensado por
meio de outras sensaes e expresses no-
visuais, como o prazer de falar e de gesticular
no espao. Nesse sentido, para compensar a
falta da viso, os cegos receberam estmulos
auditivos, olfativos, tteis e gustativos. A
informao visual era substituda por uma
percepo sensorial, permitindo que os
cegos vivenciassem sensaes corporais. Tais
sensaes geravam, por sua vez, uma imagem
mental, uma memria, um registro, facilitando
a compreenso do signiicado das palavras.
Tudo comeou com o trabalho realizado com a
professora cega que lhe pedira uma orientao
vocal: Preciso que algum me ensine as
palavras que desconheo. Voc no precisa
me explicar o que o sol. O sol tem calor e eu
o vejo e sinto. Mas no sei como a lua... (...)
E, por isso, no sei falar a palavra lua com
verdade (BEUTTENMULLER, 2003, p. 31).
Valendo-se de sua veia potica, logo viu que o
problema era ttil, uma coisa de pele, intuiu
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consigo mesma. Mas no o disse em voz alta.
Meio de improviso, replicou: A lua morna. E
inspira os namorados (2003, p. 31).
Beuttenmller conseguiu converter
uma imagem visual dicil de explicar, como a
lua, numa percepo ttil, associando-a aos
sentimentos. Assim como a lua, muitos outros
conceitos foram compreendidos atravs do
estmulo de outros sentidos. As sensaes
estimulam nos cegos a criao de imagens
mentais que facilitam o reconhecimento e a
compreenso do mundo, colaborando para
uma expresso oral mais eiciente, atravs da
expanso de uma memria sensorial.
O senso comum entende que os cegos,
por no terem a viso, no so capazes de
construir imagens representativas, porm
est comprovado que possuem um mundo
de representaes sensoriais (no visuais),
que podem ser evocadas pela memria na
ausncia dos objetos que as provocaram. A
diferena consiste em que o vidente integra
as informaes de outros sentidos formando
uma imagem visual das experincias; no
cego essas imagens visuais esto ausentes,
mas no a imagem mental. Uma pessoa cega
tem peculiaridades especicas e limitaes
inegveis, em relao a uma pessoa vidente,
porm possui um aparelho psquico capaz
de representar o mundo de uma maneira
qualitativamente diferente, capaz de adaptar
sua evoluo e funcionamento psicolgico com
a informao sensorial de que dispe.
Beuttenmller foi percebendo outras
diiculdades dos cegos, sempre relacionadas
questo espacial: extenso, distncia, alto e
baixo, esquerda e direita, frente e trs, cheio
e vazio, veloz, devagar ou parado, e todas as
diversas combinaes dessas percepes
(BEUTTENMLLER, 2003, p. 33). Concluiu que
a diiculdade com o reconhecimento do espao
pode acarretar problemas de emisso vocal,
pois, sem a devida noo de onde e em que
dimenso deve projetar a sua voz o indivduo
se intimida e tem diiculdades para falar e
expressar-se com naturalidade e eicincia.
Com base na percepo desta questo
espacial, como vimos, ela desenvolveu com
seus alunos esse trabalho bem sucedido,
de Coro Falado, obtendo reconhecimento
pelos efeitos extremamente positivos na
comunicao dos deicientes visuais. A partir
desta experincia, Beuttenmller ratiicou a
importncia da conscincia do espao para
a projeo adequada da voz, base da sua
metodologia de trabalho.
O M.E.D.B. foi considerado
revolucionrio na poca da sua criao
(dcadas de sessenta e setenta do sculo XX,
Rio de Janeiro). Os atores tradicionais, ao
tentarem impostar a voz para serem ouvidos,
de acordo com a esttica vigente, produziam
um efeito sonoro de verticalizao, falando
alto demais e em uma nica direo, para a
ltima velhinha surda da platia. Na viso
proposta pelo M.E.D.B., os atores desenvolvem
uma nova relao com o espao cnico: a voz
tem que ter direo e ao mesmo tempo tem
que envolver o espectador. No preciso uma
superarticulao das palavras para que se
tenha uma boa compreenso delas; preciso
acima de tudo, respeitar cada vocbulo, de
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acordo com a sua forma e a imagem perceptual
que cada uma tem em si.
O smbolo do M.E.D.B. uma borboleta,
com uma pessoa no centro e as letras do nome
do mtodo, como podemos visualizar a seguir:
Figura 1: Smbolo do M. E. D. B. (BEUTTENMULLER, 1995)
A palavra borboleta derivada do
latim belbellita < bellu, bom, belo. e quer dizer pequena bela. As borboletas so insetos
originados de um processo de metamorfose.
Primeiro larva, torna-se crislida e depois,
inalmente, a borboleta. Talvez exista essa
relao implcita entre o smbolo da borboleta
escolhida por Glorinha Beuttenmller para
o seu mtodo e a metamorfose em diferentes
etapas que pretende promover no uso da voz
pelo ator.
Na Grcia antiga, quando a borboleta
emergia do casulo (da crislida) dizia-se
que este momento era idntico libertao,
equivalia ao acesso imortalidade.
Simbolicamente, Beuttenmller, com o
seu M.E.D.B., traz a possibilidade desta
metamorfose, desta libertao pela palavra.
Cria uma forma original de expressar a
comunicao - ao mesmo tempo, trabalhando
com o belo, com as cores e formas da palavra,
como as diferentes fases da borboleta. Por
outro lado, a borboleta, como alguns outros
insetos, tem grande atrao pela luz, e o seu
aparecimento prenuncia acontecimentos
alegres. Ao buscar o sentido da palavra na
relao entre imagem e forma, Glorinha lana
luz sobre as possibilidades de signiicao
dessa palavra.
E foram essas peculiaridades que
Glorinha conseguiu perceber e soube
trabalhar para o aprimoramento das tarefas
comunicativas dos deicientes visuais.
Glorinha ensinou-lhes a perceber que o mundo
oferecia sons, cheiros, texturas, temperaturas,
que devem ser percebidas pelo corpo todo,
com o auxlio da informao verbal, pelo poder
evocativo que a palavra possui.
Nesse sentido, a palavra memria.
A palavra memria de duas naturezas: a
palavra como memria individual, resultado
das experincias particulares de cada um; a
palavra como memria social, no sentido de
que a palavra um signo ideolgico, como
airma Bakhtin (1979). Traz uma marca
social, um registro social de possibilidades
semnticas. Segundo Bakhtin, no texto do
falante, a signiicncia vai alm da fala, ou
torna-se translingustica, pois o dialogismo
da linguagem compreende as relaes
intertextuais. A palavra signiicada dentro
de um contexto social, em um processo
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narrativo que ultrapassa as relaes
signiicante-signiicado, em um dilogo que
transfere a condio de sujeito da narrao
ao destinatrio. Este, o sujeito da leitura,
o intrprete daquele que enuncia algo para
si mesmo e para o outro. Dessa maneira
tentando articular o sentido da palavra a
sensaes e sentimentos, Beuttenmller
amplia e refora pela memria sensorial e
sentimental as possibilidades expressivas do
signo verbal.
Os fenmenos so explicados no
prprio estilo de ver o mundo, e o que
signiicativo para o enunciador pode no ser
para o outro, na mesma realidade social. Em
cada situao particular, em um processo
dialtico e contnuo, cada agente sente de
modo singular, com sua prpria histria
de vida e constri signiicados especicos,
engendrando um texto igualmente especico
para a compreenso do fenmeno. O M.E.D.B.
tem a preocupao de reunir signiicante
e signiicado, valorizando as experincias
individuais e o poder sugestivo ideolgico do
discurso, de que nos fala Bakhtin.
A partir da experincia bem sucedida
com os cegos, os princpios do M.E.D.B., que
analisaremos a seguir, foram aplicados e
aprimorados no tratamento e na formao
dos proissionais da voz em geral, tais
como atores, cantores, locutores, polticos,
oradores, pastores e professores de
quaisquer modalidades de ensino, cuja voz
, essencialmente, o seu instrumento de
trabalho.
Maria da Glria Beuttenmller criou
vrios conceitos no seu mtodo, reformulando
as concepes sobre a impostao vocal. Nesse
sentido, a impostao da voz passou a ser
traduzida em um abrao sonoro na platia,
como se as pessoas fossem tocadas pela voz,
um verdadeiro efeito de tato distncia.
Essa opinio reforada pela jornalista
Ftima Bernardes, locutora de telejornal de
uma importante emissora no pas: O que
de mais importante aprendi com Glorinha
foi que, a cada frase, a cada texto, devemos
dar um abrao sonoro no pblico. Para isso
precisamos falar no apenas com a boca, a
garganta, e sim com o corpo inteiro. Essa
mensagem icou, e uso em minha carreira
desde ento (Apud BEUTTENMLLER, 2003, p. 46).
Esses e outros conceitos como ncleo
sonoro, escultura sonora, dentre outros,
criados no M.E.D.B. reletem um desejo pela
mudana de postura do ator, que relete uma
concepo e um olhar para o mundo sob
uma nova perspectiva, uma perspectiva mais
humana da realidade e no mais apenas pela
tica da tcnica propriamente dita. Nesse caso,
o ator deve aliar a natureza e a singularidade
dessa tcnica com a sensibilidade e a
afetividade.
Acreditamos pertinente reproduzir
o organograma do M.E.D.B., que explicita
claramente a interligao de todos os aspectos
a serem trabalhados no ator e que expressam a
viso global do Mtodo.
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Figura 2: Organograma do M.E.D.B.
(BEUTTENMLLER; LAPORT, 1974, p. 2)
Ao analisarmos as relaes apontadas
neste organograma, percebemos um
movimento circular que sugere uma ao
constante de retro-alimentao. A conscincia
e vivncia de todas estas etapas so
consideradas imprescindveis para garantir
um desenvolvimento artstico harmonioso e
um bom desempenho do ator no teatro, seja
qual for a natureza da concepo esttica da
encenao, a tendncia do texto ou a exigncia
da direo.
Um dos aspectos essenciais apontados
constitui o objetivo principal do ator:
relacionamento, que se encontra no centro
do esquema de Beuttenmller. A atividade
teatral deve ser realizada pelo ator com
equilbrio e controle do seu esquema corporal-
vocal, atravs de movimentos bsicos e
esforos motores, na busca de uma presena
cnica capaz de produzir um envolvimento
sonoro no espao.
Projetar a voz no ncleo sonoro do espao essencial, tanto para garantir a
audibilidade e envolvimento sonoro, quanto
para garantir o melhor rendimento com o
mnimo de esforo do aparelho fonador. Para
tanto, de suma importncia a percepo
desse ncleo, que varia de acordo com o
tipo de palco ou espao cnico. Para se ter
a percepo do ncleo sonoro, traam-
se no espao de atuao linhas diagonais
imaginrias e estabelece-se o ponto de
encontro dessas linhas, para que a voz seja
lanada no espao global pelo ator.
Por outro lado, o ator deve ter um
treinamento especializado para que possa
aproveitar as caixas naturais de ressonncia
com o controle respiratrio. A sonorizao
deve ser realizada respeitando-se a forma
global da palavra e a sua imagem. Ao
pronunci-la, devemos levar em conta a
percepo corporal, vocal, espacial e rtmica,
atravs dos movimentos e esforos motores,
para que se estabeleam relaes na atividade
artstica.
O relacionamento a base da arte
teatral: do ator com os outros atores, do ator
com o cenrio, do ator com os objetos cnicos
e do ator com o pblico. Esse relacionamento
deve ser realizado atravs do uso dos
sentidos, sentimentos e emoes do ator,
expressos vocal e corporalmente, a partir de
suas vivncias, como recomenda Stanislavski
(1995).
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De acordo com o M.E.D.B., voz vida,
voz movimento, voz ar. E essa voz tem que
envolver o ouvinte. Esse envolvimento tem a
ver com o abrao sonoro que a adequada
projeo da voz no espao. E para se conseguir
dar o abrao sonoro no pblico, Beuttenmller
recomenda olhar-ver-enxergar para poder
tocar o espectador com a voz. Devemos
usar o nosso corpo e a nossa voz de forma
criativa e personalizada, pois para ela: A
voz a identidade, o selo, a marca sonora de
uma pessoa (...) Falamos com o corpo inteiro,
desde a ponta dos ps at a ponta dos cabelos
(BEUTTENMLLER, 2003, p. 40). Por este
motivo, o corpo e a voz devem estar sempre
ainados, atravs da sensibilidade, conscincia
dos movimentos, equilbrio interno e externo
e da economia de esforos. curioso observar
que esses fatores tambm so fundamentais
para os pesquisadores Rudolf Laban (1978)
e Moshe Feldenkrais (1977), constatado em
nossos estudos do Doutorado.
Alm disso, devemos usar a expresso
do olhar quando se fala, para que se possa
conjugar o olhar-ver-enxergar, reunindo
todos os outros sentidos de uma forma
humanista, pois envolve afetividade.
Beuttenmller prope uma outra natureza de
interpretao, pois esse afeto vai se reletir
no gesto, no movimento, na fala e em todas as
aes, pois no teatro se dialoga principalmente
com afetos. As idias podem ser obtidas pela
leitura dos livros. Os afetos se transformam
em voz. Voz que expressa o afeto dando um
abrao sonoro no espectador.
Podemos estabelecer uma relao com
a epgrafe do livro do autor portugus Jos
Saramago (1995): Se podes olhar, v, se
podes ver, repara. O mesmo recomendado
no M.E.D.B. saber ver, saber reparar, para que
se possa tocar o outro com a voz. Seu prprio
olhar e a sua voz se manifestam tocando o
outro. Essa atitude s pode ser concretizada
se houver o domnio do espao. E isso implica
no domnio da projeo vocal no espao que
deve vir acompanhada da forma e da imagem
das palavras. Tal pensamento se relaciona com
a Teoria da Gestalt, que considera a percepo
como um fenmeno de totalidade, mais do que
como uma justaposio de partes. A Teoria da
Gestalt surgiu no inal do sculo XIX e hoje
importante linha de pesquisa e atendimento
teraputico na Psicologia (GOMES FILHO,
2000).
A palavra vai expressar um universo
de imagens e signiicados que devem ser
levados em considerao pelo ator na
expresso vocal, da palavra como fenmeno
de totalidade, a partir de sua percepo, da
sua sensibilidade e da sua experincia. Cabe
ao ator, ao representar seu personagem,
transmitir sentimentos e sensaes, dar vida
s palavras, atravs da sua maneira prpria de
falar. Descobrindo suas possibilidades, o ator
pode ir alm do signiicado padronizado ou
pr-estabelecido, criando nuanas e sutilezas
de mbito supra-segmental2. Nesse sentido,
2 Os aspectos supra-segmentais dizem respeito aos sons no-verbais, alm da explorao da melodia das palavras. Esto relacionados aos aspectos extralingsticos
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a palavra pode trazer em si a representao da realidade ou criar outra realidade, sugestiva de sentidos, como se fosse uma escultura sonora.
Para que se possa viver intensamente
um personagem preciso perceber o mundo
nossa volta, utilizando com propriedade os
sentidos e expressando os sentimentos de
forma envolvente para o pblico. Segundo
o M.E.D.B., para que se estabeleam essas
relaes entre os sentimentos e os sentidos, o
ator necessita olhar-ver-enxergar em cena,
de forma a dominar o espao atravs da viso.
Concluso
A ausncia da dimenso espacial
existente na limitao dos cegos inspirou
o desenvolvimento do Mtodo Espao-
Direcional-Beuttenmller, realizado de
forma emprica, orientada por sua formao
terica, por sua grande intuio e pela
experimentao, Mtodo em que o corpo e a
palavra projetada no espao ocupam um lugar
essencial na emisso da voz.
Maria da Glria Beuttenmller
aprimorou a aplicao do seu mtodo nos
atores e alunos das escolas de teatro do Rio
de Janeiro. Sua grande intuio foi fortemente
excitada pelo exerccio da experincia docente,
associada densa bagagem acumulada nos
anos anteriores com os deicientes visuais
e pelo embasamento cientico obtido nos
cursos realizados. Uma vivncia extremamente
da comunicao.
enriquecedora, que propiciou terreno frtil
para o aperfeioamento do seu mtodo e a
sua aplicao, no s junto aos atores, como
tambm junto a outros proissionais.
Beuttenmller parte assim da premissa
de que a palavra traz em si mesma a cor e
a forma que deinem o seu poder sugestivo
e sinestsico, envolvendo uma fuso de
sensaes na sua emisso. Esse aspecto da fala
ser um pilar sobre o qual se fundar a sua
metodologia espao-direcional.
Artigo recebido em 18 de maro de 2011.
Aprovado em 20 de abril de 2011.
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