michel maffesoli - entrevista

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Michel Maffesoli,o pensador do novo tribalismoAutor, entre outros livros, deA Conquista doPresente,O Conhecimento Comum,O Tempo das TriboseA Contemplao do Mundo, o socilogo francs Michel Maffesoli, nascido em 1944, enfrentou os clichs da intelectualidade e ousou dizer que a ps-modernidade caracteriza-se pelo tribalismo e no pelo individualismo levado s ltimas consequncias. Pensador extraordinrio, construiu um modo particular e generoso de olhar o mundo contemporneo. Alheio s oposies simplistas do debate entre esquerda e direita, mostra o que as aparncias ensinam enquanto os intelectuais convencionais procuram os mistrios de obscuras e abstratas profundidades. Em duas entrevistas formais, novembro de 1993, em Porto Alegre, e maro de 1995, em Paris, Michel Maffesoli apresenta a sua maneira original de olhar a vida.I parteA poltica acabou ou aconteceu uma mudana na forma de exerc-la?Michel Maffesoli -Trata-se do fim de um sentido da palavra poltica, aprendido no fim do sculo XVIII: uma concepo da vida voltada para o futuro. essa noo que repousa sobre o projeto, mais preocupada com o amanh do que com o hoje, que acredito estar superada. Parece-me que na atualidade o futuro no interessa mais vida social, ao povo. Falemos do povo: as pessoas banais que vivem o cotidiano no se importam mais com o futuro. No a questo da histria ou das teorias debatidas por intelectuais que tem importncia. Nada a ver com Fukuyama e suasabstraes. O foco do interesse deslocou-se para o que se vive aqui e agora.Isso implicar o fim dos partidos polticos ?Michel Maffesoli -Significa o fim do interesse da populao pelos partidos polticos. Mas eu falo no que diz respeito Europa, que conheo bem. H um desengajamento profundo em relao vida poltica, desde que no se d o sentido original palavra poltico : a vida da cidade.Disso deriva uma sociedade mais conservadora ?Michel Maffesoli -No. Esse um falso problema, uma maneira intil e polmica de colocar a questo. No. Trata-se de um outro mundo, de uma outra perspectiva de olhar a realidade. Deixa-se a preocupao exclusiva com o futuro para se desenvolver um interesse acentuado pelo aqui e agora. Quando se retoma o sentido original da palavra poltica, a participao na vida da cidade, ento a situao diferente. Nesse caso, o poltico faz sentido. Mas a poltica no mundo contemporneo deixou de lado a cidade para se dedicar a grandes ideias, utopias, projetos e narrativas. Pensar o fim do poltico caminhar para a reflexo sobre o domstico, os acontecimentos presentes.O senhor continua a teorizar sobre a ps-modernidade. Qual a relao do fenmeno ps-moderno com o neoliberalismo ?Michel Maffesoli -Nenhuma. A palavra ps-modernidade tcnica. No se trata de um conceito. Ela descreve o que est sendo elaborado depois da modernidade. O que a modernidade ? Era uma concepo da vida gestada desde o fim do sculo XVIII e assentada sobre uma concepo racional, futurista e progressista do mundo. Isso est acabando. Constato. O trabalho do intelectual consiste em refletir sobre o que est nascendo e remete ao cotidiano. um falso processo ligar a ps-modernidade ao neoliberalismo. Este tem uma postura econmica precisa e implicaes polticas especficas e no se preocupa com questes intelectuais ou de comunidades de base. Nada tenho a ver com o neoliberalismo.O fim das utopias conduz impossibilidade da construo de um mundo mais justo, democrtico e solidrio?Michel Maffesoli -A morte das grandes utopias no significa a inexistncia de pequenas utopias, vividas no cotidiano em doses homeopticas. No h mais o grande projeto marxista, voltado para a sociedade perfeita, mas h toda uma srie de utopias minsculas, intersticiais, que no so pensadas como utopias, mas vividas como tal. Na histria, olhada com tranquilidade, existem momentos que privilegiam as utopias grandiosas e outros, como a Idade Mdia e a nossa poca, debruados sobre o cotidiano.O senhor poderia dar exemplos de pequenas utopias ?Michel Maffesoli -Cada um de ns pode localiz-las. Eu estudo muito os pequenos grupos de jovens, que chamo de tribos, e a maneira como desenvolvem a vida social. Examino os mecanismos que encontram para estabelecer novas formas de solidariedade, de vizinhana ou de resistncia contra o desemprego. Interessam-me as construes simblicas que reinventam a vida sexual e a famlia. Percebo o alastramento de uma espcie de famlia ampliada. So pequenas utopias. preciso levar em considerao esses fenmenos para a boa compreenso deste final de sculo.Por que o senhor considera o Brasil um laboratrio da ps-modernidade ?Michel Maffesoli - uma posio pessoal derivada da minha simpatia pelo Brasil. Mas existem aspectos precisos. O Brasil o pas da diversidade e da pluralidade. H um Brasil nordestino, outro paulista, um outro gacho Para bem ou mal, o Brasil multifacetado. Uma das caractersticas principais da ps-modernidade, para mim, a pluralidade, o mosaico. O essencial, no entanto, que h uma coerncia nessa pluralidade. Apesar da abrangncia das diferenas, o conjunto se reproduz e os fragmentos esto cimentados.Qual a diferena entre ps-modernidade e modernidade tardia?Michel Maffesoli -O problema terico. A disputa semntica suprflua. A ps-modernidade refere-se aos acontecimentos posteriores modernidade. A ideia de modernidade tardia, defendida por Habermas, pretende salvar as utopias modernas, os ideais e os projetos. Trata-se, com a expresso modernidade tardia, de fazer crer que a modernidade continua a gerir seus sonhos e de que a sociedade perfeita ser alcanada um dia. como pedir apenas um pouco mais de pacincia. A racionalidade das narrativas legitimadoras da modernidade continua a condicionar muitas anlises. compreensvel. As incertezas atuais espalham melancolia e depresso. Busca-se, ento, lenitivos. Mas, nas ruas, o povo vive outros sentidos e preocupaes.II parteO fim do ideal democrtico e o nascimento do ideal comunitrioO senhor um dos grandes socilogos contemporneos empenhado na decifrao do universo imaginal. A imagem um poder ou o poder necessita de imagem?Michel Maffesoli -A imagem interessa-me muito e eu me inscrevo na linha de algum mais importante na anlise desse fenmeno que Gilbert Durand. A base terica de minha reflexo permanece a obra de Durand. Na atualidade, a imagem um poder. Durante a modernidade, entretanto, ela foi secundarizada. Poder antropolgico que no cessa de voltar boca do palco. Atravs das novas tecnologias, a imagem retoma o poder que tinha na antiguidade e nas sociedades tradicionais. Trato disso no meu livro A Contemplao do Mundo. Desde o momento em que a imagem reassume o seu poder antropolgico tudo o que da ordem do poder passa a ter necessidade dessa imagem. O poder sempre administra o que importante. Nas sociedades tradicionais, o sacerdote e o guerreiro ou o sacerdote e o rei administravam os smbolos e as imagens correspondentes a eles. Hoje, para alm da razo, o poder poltico, econmico ou intelectual precisava recorrer s imagens.As imagens esto a servio dos homens ou os homens tornaram-se escravos das imagens?Michel Maffesoli -Em princpio, a imagem est a servio do Homem. Trata-se de uma questo moderna que se apoia sobre a ideia de controle de algo. Acredito que somos mais dominados pela imagem do que a dominamos. Existem efeitos subliminares da imagem que escapam a todo controle. A penetrao imaginal provocada por elementos que no pertencem ao nvel da conscincia indica que h uma iluso a respeito da nossa capacidade de submeter a imagem.Na contramo dos diagnsticos sobre o individualismo contemporneo, o senhor continua a falar em tribalismo, de crise da representao e novas formas de socialidade. Esses fatores conjugados podem colocar a democracia e todos os valores de solidariedade, liberdade e comunicao entre as culturas em perigo?Michel Maffesoli -Estou convencido de que o tema do tribalismo, em oposio ao individualismo, vem sendo cada vez mais reconhecido como pertinente, mesmo se os intelectuais resistem. Discuto com os homens que fazem a vida, de empresrios afuncionrios comuns, e percebo que eles, conhecedores da realidade concreta, visualizam tambm o aspecto tribalista da atualidade. Das empresas moda, passando pelos jovens, v-se bem a existncia de algo que ultrapassa o individualismo. Passados vrios anos da publicao de meu livro O Tempo das Tribos, descubro que a realidade encontrou a fico ou, em resumo, a realidade social essencialmente tribal. A palavra tribalismo, recusada naquela poca, tornou-se amplamente empregada em nossos dias, ainda que nem sempre se faa referncia a mim. Sem problema. Aquilo que era criticado de maneira moralista passou a ser quase um nome comum. Cada poca possui um termo que a sintetiza. O tribalismo no esgota toda a nossa realidade social, mas d conta de uma realidade precisa.O mundo intelectual, globalmente, mesmo onde a capacidade de anlise mais generosa, continua a ter dificuldade para integrar esse fenmeno. O racionalismo no est apto a captar a especificidade do tribalismo. Feita a constatao de que no o indivduo a prevalecer, temos de buscar outras categorias. Democracia, representao poltica e ideal democrtico no funcionam mais. Mas isso no implica a inexistncia de outra maneira de organizao.Vivemos o fim do ideal democrtico e o nascimento do ideal comunitrio. H, enfim, outras formas de solidariedade social e de organizao poltica a partir das comunidades de base: o primado da subjetividade de massa em contraposio subjetividade individual prpria representao democrtica (republicana). Afirmar que chegamos ao fim do ideal democrtico nada tem a ver com uma atitude reacionria ou de retorno barbrie. Assistimos emergncia do novo no terreno do poltico.O seu livro A Contemplao do Mundo apresenta uma crtica consistente do reducionismo econmico e destaca a importncia da contemplao, da observao, no cotidiano das sociedades ocidentais de hoje. A economia da imagem tomou o lugar hegemnico da produo?Michel Maffesoli -Sim. Anunciar o fim de algo sempre um pouco ingnuo, mas a concepo econmica do mundo foi o grande vetor da modernidade e, em contrapartida, pode-se perceber a existncia de outros elementos em jogo na atualidade, embora no seja fcil delimitar a natureza dos novos fatores. Podemos falar em aspectos imateriais que alimentam a vida social. A Cmara do Comrcio de Marselha, por exemplo, atenta a essas modificaes, procurou-me para que eu participe de uma discusso sobre o assunto. Mesmos os empresrios sabem que a viso econmica tradicional atingiu o seu limite e que para compreender o real preciso integrar o no-econmico.Qual ser o grande vetor do futuro? Marx e outros desvelaram os contornos do econmico como linha mestra da modernidade. A economia enquanto administrao da produo persistir, mas progride a relativizao da economia no sentido da definio da vida pela produo. A ecologia ser talvez a diretriz do amanh. Ecologia na acepo ampla dada a esse termo por Morin. Do respeito natureza ao hedonismo, ao prazer corporal, ao lazer, ao turismo, etc. Nisso tudo h sempre uma dimenso econmica. Antes, a economia era tudo; hoje, uma parte.Pode-se construir um mundo melhor quando se est imerso em uma cultura da contemplao?Michel Maffesoli -Outro dia, durante uma conferncia no Brasil, onde testo as minhas ideias, afirmei de maneira provocadora que antes se pensava no intelectual como algum que dizia o mundo. Ora, o mundo diz-se atravs dos homens. Ao empregar a palavra contemplao talvez eu no tivesse conscincia da sua pertinncia. Agora, reflexo feita, persisto, assino e descubro o quanto o termo correto. A contemplao dos monges na Idade Mdia no era necessariamente passiva e induzia determinados modos de comportamento, de generosidade, caritativos, destinados a atenuar a infelicidade do mundo. Creio que existe hoje uma forma de contemplao capaz de estimular a generosidade nas relaes entre os seres, respeitando-se o outro pelo que e no pelo que se gostaria que fosse. Mantenho-me atento razo sensvel, interna, e creio que a contemplao pode resultar em contribuio, ainda que no seja no sentido da felicidade distribuda por algum em posse de todo saber e de todas as solues. O pensamento sincrtico oriental mostra que, sem ter uma concepo brutal de interveno, a contemplao pode operar como uma forma de participao.Realizei o sonho de conhecer o interior do mosteiro dos Beneditinos de Olinda. Eu sempre me interessei pelas regras de vida dessa ordem na Frana. Fiquei surpreso, diante desses religiosos, em torno de 15, pelo fato de que no integram a Teologia da Libertao. Presos dinmica da orao e do trabalho (lgica da contemplao), eles conseguem, em contrapartida, fazer jorrar o respeito pelo prximo e dar o melhor deles mesmos para a comunidade. Enquanto outros sabem o caminho a ensinar, esses beneditinos preferem a integrao.O Brasil fornece-lhe inspirao?Michel Maffesoli -Sim. Mas privilegio o respeito pelos trabalhos dos pesquisadores brasileiros que, mesmo prximos de mim, examinam as relaes entre as teorias europeias e a cultura brasileira. O senhor, por exemplo, defendeu tese comigosem negar a influncia de Morin, Baudrillard e Duvignaud. Assim que deve ser. Outros, entretanto, e penso em Althusser, que teve repercusso no Brasil, agiam no no-respeito.O senhor cita com frequncia Heidegger, Nietzsche, Jnger, Pareto e muitos outros que tiveram laos diretos com a extrema-direita ou foram apropriados de alguma maneira, por exemplo, pelo nacional-socialismo. Qual a sua reao quando os adversrios afirmam que o senhor o continuador de uma filosofia reacionria centrada sobre temas caros direita como a comunidade?Michel Maffesoli -No reajo. Com o avano da idade, no tenho mais vontade de reagir, o que reacionrio. No sou politicamente de direita. A minha sensibilidade popular em funo de minhas origens e de minha personalidade. As ideias que trabalho decorrem em grande parte dessa perspectiva que nada tem a ver com privilgios. Na esquerda, porm, h toda uma trajetria e uma atitude reacionrias feitas de ausncia de generosidade e por pequenos ou grandes burgueses. Temos a esquerda caviar. Em 1981, quando Mitterrand foi eleito, escrevi um artigo sobre a necessidade de manter distncia em relao aos novos donos do poder. O porta-voz de Mitterrand escreveu-me uma carta agora na qual reconhece que a esquerda caviar estava mais prxima da direita do que do socialismo.A utilizao de autores diabolizados no para mim um insulto. No sou heideggeriano, embora conhea bem a filosofia de Heidegger. Estou de fato prximo de Nietzsche. Interessei-me por Jung, tambm acusado de cumplicidade com o nacional-socialismo, a ttulo pessoal e leio-o sistematicamente nos ltimos anos. Estimo Jnger, tive uma correspondncia com ele, mas no respaldo a sua adeso momentnea ao nacional-socialismo. Pode-se pegar ideias em autores que em certos momentos tiveram posturas polticas com as quais no concordamos. Na Frana, Heidegger foi levado ao pinculo. Depois, comeou-se a descobrir o que todos sabiam, certas relaes com os nazistas, e ele foi rejeitado em bloco. Adorao e rejeio sistemticas so atitudes imbecis e prprios aos inseguros. O intelectual deve ser um aristocrata livre de esprito decidido a no se tornar escravo de nenhum pensador.Seria possvel afirmar que, por no nutrir nenhuma nostalgia de um passado mtico, no temer a tecnologia e no mergulhar no pessimismo, o senhor o nico verdadeiro ps-moderno. Como integrar Nietzsche, antimoderno, e Heidegger, que desconfiava da tcnica, no pensamento caracterizador de uma poca marcada pela acelerao e desenvolvimento tecnolgico de ponta?Michel Maffesoli -Escrevi um texto em 1970 sobre Heidegger e a tcnica que no foi publicado. Talvez eu o retome. Heidegger tem uma relao ambgua com a tcnica. Ao mesmo tempo, critica-a em nome do passado e reconhece a irreversibilidade do movimento. Certos autores tm intuies premonitrias ao menos em uma parte do que escrevem. Nietzsche e Heidegger fazem parte dessa categoria. Jnger tambm. Quais so essas intuies? A relativizao, por exemplo, da hegemonia explicativa da economia. Nietzsche e Heidegger retomaram aspectos da existncia humana que a modernidade havia relegado: a paixo, o onrico, o imaterial, etc. Eu uso e abuso dos autores sem me prender a eles. Eis a antropofagia do modernismo de Oswald de Andrade. O fato de que interpretaes mal-intencionadas aproveitam isso para me estigmatizar e rotular direita no me interessa, pois nascem dos mesmos que viro amanh me convidar para dar conferncias.A sua crtica do racionalismo cego e a abertura ao no-racional so vistas por vezes como um elogio do irracional. O senhor no fundo um mstico?Michel Maffesoli -A perspectiva mstica interessa-me cada vez mais, assim como a contemplao, e permite-me uma melhor compreenso do que acontece na atualidade. A realidade torna-se cada vez mais mstica e contemplativa. Temo o emprego da palavra irracional e ocupo-me antes do no-racional. A estigmatizao atravs do rtulo irracional ainda uma ttica de quem tem medo, caso dos intelectuais e de tantos acadmicos improdutivos.As crianas na Frana conhecem uma cano interessante atravs da qual a acusao retorna ao acusador: Se tu dizes porque tu s. Sabedoria infantil. O meu objetivo mostrar que o grande racionalismo moderno no mais o vetor da sociedade. Pode-se lamentar isso. A cultura do sentimento est em obra. Constato. De nada adiante tentar administrar o mundo desde a fortaleza universitria atravs da razo instrumental. A comunidade pode ter sido reacionria em outro tempo. Hoje, no que chamo de tribalismo, est o sentimento comunitrio, a emoo vivida em comum, etc. Na comunidade existem categorias o afetivo, a emoo, etc que no so racionais.Com Jean Baudrillard e Edgar Morin, o senhor forma a trade mais inconformista da sociologia francesa. Ser um intelectual que incomoda e sacode o pensamento institucionalizado implica em sofrimento pessoal?Michel Maffesoli -No. Agora no. irritante ver por vezes os estudantes que formamos bloqueados aqui ou ali. Sou um caso particular. Morin tambm. Baudrillard sofreu mais. Fui nomeado professor titular da Sorbonne muito jovem. O mais novo na poca. Esse estatuto, apesar de crticas e operaes contra os meus estudantes, protegeu-me. Obtive reconhecimento internacional rpido, antes da maioria de meus colegas, e compensei o bloqueio francs com a reflexo no estrangeiro. O mais importante realizao do prprio trabalho. O verdadeiro sofrimento est no solido necessria, no gabinete, para pensar. Continuo a passar longas horas de isolamento, leitura, sonho e reflexo. Os golpes dos outros j no me atingem. A minha divisa, aprendida em Santo Agostinho, diz que o bem difunde-se sozinho. Morin, ao escrever Meus Demnios, retoma a ideia socrtica do gnio de cada um. preciso ser fiel ao prprio gnio.O senhor pensa, como Jean Baudrillard, que o mundo ultrapassou o conservadorismo e vive a era da metstase?Michel Maffesoli -Baudrillard meu amigo e tem uma trabalho relevante, mas discordo de certas anlises dele. O mesmo vale para Morin. Baudrillard parece-me cercado por seu prprio sistema, encurralado pelo jogo de imagens que criou. Pela ideia do simulacro, que explora desde longo tempo, v-se o limite da explorao de uma metfora. Levada ao extremo, a imagem nada mais significa. A metstase uma expresso dessa estratgia pela qual s h profuso e no existe mais o real.No concordo. A crtica do mecanicismo e de um certo racionalismo da realidade no significa a inexistncia de outras formas de estar-junto: a socialidade. Onde ele v o simulacro e a metstase, enxergo uma anlise idealista e moralista.Em A Contemplao do Mundoapresento algumas pginas de crtica da perspectiva de Baudrillard.Qual o lugar de Jung no seu pensamento?Michel Maffesoli -Diziam-me que era influenciado por Jung quando eu no o tinha lido. Havia parado em 1975 na metade de Psicologia e Alquimia . Retomei-o h trs meses. Sofri, em contrapartida, a influncia de Gilbert Durand que se sensibilizara com as ideias de Jung. Recebi-o, portanto, de maneira indireta e talvez no que se refere aos arqutipos.Hoje, preocupado com a imagem e o imaginrio coletivo, procurei de fato o pensamento de Jung. Nas minhas prximas obras certamente se poder notar ainda mais o papel de Jung. H nele algo uma concepo do global que ajuda a entender o imaterial contemporneo. O ltimo livro de Morin surpreendeu-me por revelar o quanto ele conhece Jung apesar de quase no ter falado disso antes.O Brasil representa ainda para o senhor um laboratrio da ps-modernidade candomblmais tecnologia de ponta assim, segundo a sua associao deliciosa, como para Lenin o socialismo significava a eletricidade mais os soviets?Michel Maffesoli -Frmulas! Continua a pensar o mesmo com outros termos e acredito na sinergia do arcaico e do desenvolvimento tecnolgico. O Brasil vivo, no o dos intelectuais, fascinante namedida em que no est bloqueado pelos escrpulos do Primeiro Mundo e exprime uma forma de vitalismo. A ps-modernidade, na contramo do pessimismo, a expresso desse vitalismo. O Brasil uma terra de futuro por viver a intensidade do presente.Cada vez que vou ao Brasil fico espantado com a imensa distncia existente entre o discurso miserabilista de certos intelectuais brasileiros e a realidade que vitalista. Os tecnocratas de esquerda, na Frana, que nunca pegaram o metr no compreendem as estratgias de sobrevivncia dos desempregados. Pergunto-me se o mesmo no ocorre no Brasil.