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77 Miúdas do Pixiv : jovens criadoras japonesas nas comunidades artísticas online ANA MATILDE DIOGO DE SOUSA Title: Abstract: ࢩࢡ Keywords: Resumo: Num momento histórico em que a cultura pop japonesa se torna, cada vez mais, um fenómeno de pertinência global — também no território da arte contemporâ- nea —, comunidades artísticas virtuais como o Pixiv (ࢩࢡ) permitem-nos contac- tar com o trabalho de uma nova geração de autoras nipónicas. Analisarei, brevemente, obras de seis delas, com particular enfo- que na apropriação da linguagem visual do manga e do anime, assim como da estética kawaii (“cute”). Palavras chave: Japão / Pixiv / Kawaii / Moe / Manga. Portugal, artista plástica. Licenciada em Artes Plásticas — Pintura na Faculdade na Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Mestrado em Pintura (FBAUL). Estudante do Doutoramento em Belas-Artes e investigadora no Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013. Sousa, Ana Matilde Diogo de (2013) “Miúdas do Pixiv: jovens criadoras japonesas nas comunidades artísticas online.” Revista :Estúdio, Artistas sobre outras Obras. ISSN 1647-6158, e-ISSN 1647-7316. Vol. 4 (7): pp. 77-91. Introdução Num momento histórico em que a cultura japonesa se torna, crescente- mente, um fenómeno global — com a mundialização do (banda dese- nhada), e (cinema de animação), da cultura (palavra equivalente ao vocábulo anglo-saxónico “ ”), ou mesmo a popularização da gastronomia e nipónicos —, os seus idiomas têm vindo a contaminar a mundividência

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77Miúdas do Pixiv: jovens

criadoras japonesas nas comunidades artísticas online

ANA MATILDE DIOGO DE SOUSA

Title:

Abstract:

— —ࢩࢡ

Keywords:

Resumo: Num momento histórico em que a cultura pop japonesa se torna, cada vez mais, um fenómeno de pertinência global — também no território da arte contemporâ-nea —, comunidades artísticas virtuais como o Pixiv (ࢩࢡ) permitem-nos contac-tar com o trabalho de uma nova geração de autoras nipónicas. Analisarei, brevemente, obras de seis delas, com particular enfo-que na apropriação da linguagem visual do manga e do anime, assim como da estética kawaii (“cute”). Palavras chave: Japão / Pixiv / Kawaii / Moe / Manga.

Portugal, artista plástica. Licenciada em Artes Plásticas — Pintura na Faculdade na Belas-Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL). Mestrado em Pintura (FBAUL). Estudante do Doutoramento em Belas-Artes e investigadora no Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA).

Artigo completo recebido a 13 de janeiro e aprovado a 30 de janeiro de 2013.

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IntroduçãoNum momento histórico em que a cultura japonesa se torna, crescente-mente, um fenómeno global — com a mundialização do (banda dese-nhada), e (cinema de animação), da cultura (palavra equivalente ao vocábulo anglo-saxónico “ ”), ou mesmo a popularização da gastronomia e

nipónicos —, os seus idiomas têm vindo a contaminar a mundividência

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Figura 1 ! Aspecto da página inicial do site Pixiv. Fonte: própria (2013). Figuras 2 e 3 ! Dois exemplos de fan art da popular personagem Hatsune Miku. Em cima, à direita: Kanzaki (2008), ࢥ᪂ห⾲⣬. Photoshop e lápis. Em baixo, à esquerda: Mizui Machiko,ࡓࢡ. PaintTool SAI e lapiseira.Figura 4 ! Yatou Haruka (2012), ᆅ⊹ࡓࡢ㋀ࠊࡆ࠶ࡗ .ᑼ. Lápis e acrílico sobre papel, 29.7 " 21cmࡢⰍࡢࡇ

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ocidental, em particular nas gerações mais novas. Esta migração está na origem da formação, no século XXI, de uma juventude ocidental japonizada (Kinsella: 1998) (na qual, enquanto consumidora e criadora, me incluo), levantando ques-tões sobre os mecanismos de exílio cultural, e a(s) identidade(s) contraditória(s)a que deles advêm.

Ademais, com o aparecimento de japoneses como o (ࢩࢡ) (Figura 1), em 2007 — uma comunidade onde artistas e ilustradores ex-põem o seu trabalho, com mais de 5 milhões de utilizadores registados — e, concomitantemente, de ferramentas de tradução instantânea como o

(que permitem, mesmo não lendo japonês, navegar dentro de páginas escritas na língua nipónica), tornou-se possível entrar em contacto directo, em tempo real e sem recurso à mediação institucional, com um tipo de produção artística , praticada por jovens nipónicos. Trata-se de uma subcultura, ligada à desconstrução do idioma mediático da BD e animação japonesas — e, em particular, das suas representações de — sob a forma de desenho, pintura, arte digital, escultura/objectos e .

O que me proponho realizar, nesta comunicação, é um breve roteiro pela obra de algumas “miúdas do ” (que, dada a juventude das criadoras, é ain-da relativamente escassa e desconhecida), com a qual — enquanto autora no lado oposto do planeta —, sinto maior a!nidade em termos de postura criativa. Mesmo que algo esteja sempre, inevitavelmente, .

As miúdas do PixivEm comunidades artísticas como o , é possível sentir as reper-

cussões do movimento nipónico Super"at ou Neo Pop (encabeçado por !guras como Murakami Takashi ou Nara Yoshitomo), no trabalho de uma nova geração de jovens artistas nascidas entre meados dos anos 80 e 90. Agregadas nesta pla-taforma virtual, que, pela sua estrutura operante, não faz uma distinção hierár-quica entre arte original e (imagens criadas, por #ãs, a partir de persona-gens pré-existentes), ou ilustração em estilo e trabalhos desconstru-tivos (Figuras 2 e 3), as “miúdas” estão perfeitamente integradas num pós--moderno, típico do , de achatamento da distância entre Arte e

. Sintomaticamente, a sua gramática visual é fortemente ancorada no câ-none de representação derivado do e do , mas distorcido através de uma lente psíquica que re"ecte tensões e atribulações próprias de cada autora.

Transversal a estas artistas é, ainda, a apropriação do idioma (“ ), que serve de “veículo artístico inesperado para emoções sombrias e comple-xas” (Vartanian, 2005: 7). Apesar da remeter, necessariamente, para um imaginário infantil e inocente, o conceito japonês de evoca, não só

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Figura 5 ! Yatou Haruka (2012), pinturas para a exposição�⦕࠸࡞࠼ᆅ⊹. Óleo sobre tela. Figura 6 ! Yatou Haruka (2011), ኪࡢᒇ⚾ࡗ⾜༑Ꮠᯫࡓࡗ. Lapiseira sobre papel. Figura 7 ! Yatou Haruka (2012),�ᆅ⊹ࡢᾏࠊ. Óleo sobre tela, 45.5 " 53 cm.

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a capacidade de alguém ou alguma coisa suscitar sentimentos de afecto e em-patia, mas também sentidos secundários como tímido, patético e vulnerável; inclusivamente, o adjectivo , com as mesmas raízes etimológicas, signi!ca patético, pobre e triste, com um sentido eminentemente negativo (Kinsella, 1995: 221). Esta ambivalência do justi!ca por que:

cutenessloci

(Vartanian, 2005: 11)

É esta paisagem emocional envolta numa escuridão fantasmagórica, demoníaca, que encontramos nos trabalhos de Yatou Haruka ( 823025). As suas pinturas e desenhos são habitados por grupos de !guras humanoides alongadas que, à maneira de alienígenas num relato de ufologia , sur-gem como recortes luminosos em ambientes nocturnos e saturados (Figura 4).

Por outro lado, os corpos angulosos e sintéticos, onde enormes olhos negros ocupam grande parte do rosto, remetem-nos para uma linguagem neoexpres-sionista, na intersecção, e sinistra, entre personagens reminiscentes da po-pular diva digital Hatsune Miku (Figura 2) e a linguagem totémica da escultura japonesa primitiva ou dos ídolos minoicos (Figura 5).

Noutro desenho, uma !gura feminina microcéfala, de pé numa plataforma rodeada por muralhas e torres com ameias, parece o cruzamento improvável en-tre uma heroína de , uma lolita gótica e um guerreiro medieval (Figura 6).

Figuras 8 e 9 ! À esquerda: Mizui Machiko (2012),࠾እࠚ㸰㸮㸯㸰ᖺࢲᒎࠚࢫࢫᐷ࡞ࢣ㹼㸟. Lápis, esferográ#ca, lápis de cor e marcadores sobre papel. À direita: Mizui Machiko (2012), Ỉ࡞࠸࠸ࠉࡗࡎࠕࢥࢳ. Lápis, esferográ#ca,lápis marcadores sobre papel.

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Figuras 10 a 12 ! À esquerda: Mizui Machiko (2012), ✜ Lápis, esferográ#ca, lápis de cor e marcadores .࠸࡞⏕sobre papel pautado. Figuras 13 e 14 ! À esquerda: Datsu (2010), ࢫࡤ㹼. Lápis sobre papel quadriculado. À direita: Datsu (2010), . Lápis e marcador sobre papel quadriculado.

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Figura 15 ! Datsu (2012), ࡍࡗ. Lápis e pastel sobrepapel quadriculado. Figuras 16 e 17 ! Em cima, à esquerda: Nanako (2012), ࡞Em baixo, à direita: Nanako (2012), 㔜 .ࡁࡘࡑ࠺ࡣ .ࢺ

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Figura 18 ! Nanako (2012), ゅ࠶ࡢጜጒ. Figuras 19 e 20 ! À esquerda: Nanako (2012), ࢫ. À direita: Nanako (2012), ࠼࠾.

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Figura 21 ! Amuchimoshii (2012), exemplos da série ࠺ࡁ.Lapiseira sobre papel, Photoshop .ࢤ࠾ࡢFiguras 22 e 23 ! À esquerda: Amuchimoshii (c. 2012), ࢼࢩ ,ⴿ. Custom doll. À direita: Amuchimoshii (2012)࠾ࡢࢱ Lapiseira sobre .㸳ࡘࡀ99�㸰ࢸࢥࠉvol.2ࢢpapel, Photoshop.

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Já na Figura 7, o aspecto angular e maquinal dos corpos dissolve-se, transmutan-do-se num ambiente impressionista tosco, alusivo a um qualquer tipo de sopa primordial.

Deformação e são, também, conceitos-chave no trabalho de Mizui Machiko ( 1057602). Os seus personagens são imediatamente reconhe-cíveis: espécie de criaturas arboriformes com corpos em forma de troncos e enormes cabeças semicirculares, com pequenos olhos ao centro e cabelo re-duzido a apontamentos em linhas paralelas. As composições, claramente evo-cativas do desenho infantil (algo que é reforçado pela utilização frequente de folhas pautadas), são caóticas e estridentes, marcadas por um em que todo o plano pictórico é preenchido por corpos, animais, arco-íris, cora-ções, estrelas, casas, nuvens, carros ou simples manchas riscadas, num efeito de plani!cação em que coexistem diferentes escalas (e, suspeita-se, tempos) de representação (Figuras 7 e 8).

Nesse vórtice psicadélico, colorido, descortinam-se indícios de narrativa, in-variavelmente sabotados pela profusão de elementos e fragmentos de corpos in-completos ou partes autónomas, por exemplo, grandes olhos brilhantes que "u-tuam no espaço como sorrisos de um gato de (Figura 10). A relação com a ideogra!a é, nesta autora, mais livre, mas ainda assim presente e corro-borada pelas suas incursões no território da banda desenhada (Figuras 11 e 12).

Por seu lado, Datsu ( 129648) abraça uma !liação mais !el no idioma do e do , em particular na estética . é um termo de jargão da

surgido no seio da subcultura conhecida por (“ ”), que é utili-zado para de!nir uma “síndrome da !lha” ou da “irmãzinha”; liga-se, portanto, a um culto do vulnerável e do infantil. As personagens caracterizam-se por

Figura 24 ! Hatsumi (2012), ࢶࢳᑡዪయ⣔� Caneta e marcador sobre colagem de papéis.

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Figuras 25 a 28 ! Em cima, à esquerda: Hatsumi (2012), 㸯0ࡣ$. Acrílico e marcadores sobre tecido. Em cima, à direita: Datsu (2011), ࢫࢡ⣬─ࢫ㸴. Pintura sobre prato de papel. Em baixo, à esquerda: Yatou Haruka (2011), 㸯0ࡣ$. Acrílico e tecido sobre papel recortado.Em baixo, à direita: Nanako (2012), ༑Ꮠᯫ.

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uma propensão para a neotenia, , para uma aspecto visual infantilizado, pré--pubescente, pautado pela ênfase nas linhas arredondadas e numa proporção geral das partes que faz as personagens parecer baixas e infantis (pernas curtas, cintura descaída, membros esguios, cabeças grandes, peito pequeno…). Nos de-senhos de Datsu — muitos deles executados a lápis sobre papel de bloco quadri-culado, evocando o universo escolar — as crianças aparecem-nos como inábeis em que os fundos são, ou inexistentes, ou reduzidos a meros apontamen-tos esquemáticos (Figuras 13 e 14). A exacerbada destas personagens, com gargantuescos olhos redondos preenchidos por bolinhas de brilho, contras-ta com os seus corpos precários no vazio de mundos malformados (Figura 15).

Ao contrário de Datsu, Nanako ( 1412423) apropria-se do idioma hi-perfeminino do ( e para raparigas), criando ilustrações em que miúdas de íris estreladas e cabelos farfalhudos parecem protagonistas de uma interminável . A paleta suave de tons pastel é complementada por um longo reportório de laços, rendas, sapatos de bailarina, coroas de "ores,

e animais de estimação, subtilmente destabilizado pela fusão entre corpos, ou dos corpos com os motivos ornamentais, eliminando contornos sepa-radores e acentuando o carácter híbrido das suas personagens (Figuras 16 e 17).

Esta hibridez, encontramo-las também nas raparigas-unicórnio, raparigas aladas, raparigas-gato ou coelho, ou raparigas coloridas em “negativo”, que po-voam o imaginário da autora (Figura 18). Por vezes, vemos emergir um erotis-mo que evoca as fantasias românticas do género ou (amor entre raparigas), ou insinua um subtexto , vagamente desviante, sob a cremosa das imagens (Figuras 19 e 20).

Figuras 29 e 30 ! À esquerda: Yatou Haruka (2011), Ⲕ☇. Cerâmica. À direita: Datsu (2010-2012), 㸟. Impressão de desenho digital sobre capa protectora para telemóvel.

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Em alguns casos, um carácter abjecto torna-se mais evidente, como nos uni-versos sujos e sexualizados de Amuchimoshii ( 3049383), em que o surge retorcido nos corpos intumescentes, suados e corados das personagens, envoltas numa atmosfera que é sufocante e tumultuosa. A extensa série de de-senhos de raparigas a vomitarem (Figura 21) — acompanhadas pela descri-ção detalhada, para-cientí!ca, das características do vómito de cada uma — é um exemplo da componente nojenta e repulsiva no trabalho desta autora, que se estende ao fabrico de objectos e, de forma particularmente e!caz, à banda desenhada (Figuras 22 e 23).

Já em trabalhos de Hatsumi ( 1120023), o elemento aparece como instrumento de acesso a uma plasticidade . Em obras recentes, a autora aplica um “efeito Arcimboldo” à representação , criando !guras através da acumulação in!ndável de outras semelhantes, miniaturizadas, e deste modo apontando para uma forma !nal de acumulação fetichista: uma “loli de lolis” (“loli” é o termo utlizado para descrever uma rapariga representada em estilo

) (Figura 24). De destacar é, ainda, o facto das obras destas autoras não se limitarem ao

suporte bidimensional e aos materiais tradicionais. Com frequência, encon-tramos experiências onde jogam com a materialidade do suporte da pintura e do desenho (instalação espacial das obras ou ) (Figura 25, 26, 27 e 28), ou com a construção de objectos tridimensionais — desde as dolls de Amuchimoshii, até peças cerâmicas e outros objectos de uso quotida-no (Figuras 29 e 30). As experiências de desenho e pintura digital são, também, uma prática em comum, parecendo funcionar como um território espontâneo de experimentação e ensaio que, em alguns casos, poderá adquirir um valor autónomo (Figura 31).

Figura 31 ! Mizui Machiko (2011), 㨱ἲᑡ�ዪࡗࡔࡘࡣ. Pintura digital.

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ConclusãoEm suma, as “miúdas do ” são um conjunto de jovens artistas japone-

sas, cujo trabalho, colocado em e tornado visível por esta plataforma virtual, dá continuidade à transposição da ideogra!a visual do e para o território das artes plásticas (uma porta aberta pelo movimento Super-"at, nos anos 90). Apesar da diversidade dos projectos artísticos — mais ou mais , mais desconstrutivos relativamente à forma ou focados numa gra-mática abjecta —, todos trabalham a estética (“ ”), não só nos temas, mas a partir da própria linguagem plástica e materialidade dos suportes.

Pela sua força, deixam antever possibilidades futuras para a arte contempo-rânea japonesa; ou, inclusivamente, diálogos com o Ocidente, numa sociedade que é, cada vez, um circuito global.

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