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MÍDIA EVIOLÊNCIAO QUE MUDOU EM UMA DÉCADA?
Silvia RamosAnabela PaivaPablo Nunes
FICHA TÉCNICA
Mídia e ViolênciaO que Mudou em uma década
Coordenação:
S i lv ia Ramos e Anabela Paiva
Coordenação de Pesquisadores, Amostra e Bancos
de Dados
Pablo Nunes
Pesquisa – Anál ise de textos
Danie l la V ianna
Kryss ia Ette l
Joan Royo Gual
Úrsula Dalcolmo
Gerência Administrat iva
Ana Paula Andrade
Apoio
Open Society Foundat ions – OSF
Fundação Ford
Centro de Estudos de Segurança e C idadania - CESeC
Univers idade Candido Mendes
Rio de Janeiro, Maio de 2017
Relatór io pre l iminar de anál ise de jornais impressos
Este texto não pode ser c i tado
2
SUMÁRIO
4 Mídia e Violência: O que mudou em uma década?
7 A cobertura da violência urbana em números
11 A geografia da violência na mídia13 Que “local” das cidades é muito coberto?
15 Foco Central: As estrelas do noticiário16 Forças de Segurança 19 Atos Violentos20 Judiciário, Ministério Público, Legislação 21 Questões da Sociedade Civil 21 Questões de Trânsito 22 Drogas 22 Fenômeno da Violência 22 Polít icas de Segurança Pública ou Setor Público 23 Sistema Penitenciário e Sistema Socioeducativo 23 Estatísticas e Pesquisa
25 Questões Jornalísticas 26 Fontes: dependentes de B.O. 28 Atores Sociais 29 Qualidade dos textos 30 Atributos, indícios de qualidade 33 Imagens da violência: edição evita exposição 34 Além do fato: as questões sociais relacionadas à violência 35 Títulos: o que quer, o que pode essa l íngua? 36 Palavras: o que não mudou em uma década
3
MÍDIA & VIOLÊNCIAO que mudou em uma década?
Que assuntos são mais cobertos
d iar iamente nos jornais impressos so-
bre v io lência urbana e que temas são
tratados com menor interesse ou são
esquecidos? Os jornais do Rio de Ja-
neiro cobrem not íc ias sobre São Paulo
na mesma proporção em que os jornais
paul istas abordam fatos ocorr idos no
RJ? As not íc ias mais f requentes são so-
bre os cr imes ou sobre a pol íc ia? Como
cr iminosos e v í t imas são ident i f icados?
Os veículos ouvem opiniões d ivergen-
tes? Quais são as fontes mais f requen-
tes? Fa lam sobre rac ismo, or ientação
sexual , v io lência contra a mulher, es-
tupros e suic íd ios? Que palavras são
mais encontradas nas matér ias?
As respostas a essas e outras
perguntas estão neste re latór io, que
apresenta os resultados da anál ise da
cobertura de sete jornais impressos so-
bre v io lência , cr ime, segurança públ i -
ca, drogas e v io lência no trâns i to 1. As
not íc ias foram publ icadas entre maio
1 Chamaremos esse conjunto de temas de “violência
urbana”.
e setembro de 2015 em três jornais do
Rio de Janeiro (O Globo, Extra, O Dia ) ,
t rês jornais de São Paulo (Estado de S .
Paulo, Folha de S . Paulo e Agora São
Paulo ) e um jornal do Ceará (O Povo ) .
As matér ias foram selec ionadas
através da técnica estat íst ica de e labo-
ração de amostras denominada sema-
na composta, que consiste em sorteio
a leatór io de d ias , respeitando a ordem
dos d ias da semana. Em nossa amostra,
foram sorteados 35 d ias ( representan-
do uma semana de sete d ias de cada
um dos c inco meses observados) . Nos
35 d ias sorteados, todas as matér ias
sobre v io lência urbana publ icadas nos
sete jornais foram selec ionadas (c l ipa-
das) e anal isadas 2.
É importante ressaltar que a
pesquisa se baseou nas edições im-
pressas dos veículos , d isponíveis em
versão dig i ta l para os ass inantes. Em-
bora vár ios desses jornais publ iquem
2 Cabe ressaltar que não usamos buscas por assuntos ou qualquer método eletrônico para encontrar os textos que seriam analisados. Nossos pesquisadores leram inteiramente todas as seções pertinentes dos jornais analisados e só então separaram para classificação as matérias pertencentes à pesquisa.
mais not íc ias , muitas vezes em tama-
nhos maiores, nos seus websites , o
monitoramento desse conteúdo envol-
ver ia outros recursos e d i f icu ltar ia a
comparação entre e les , em razão das
atual izações fe i tas ao longo do dia .
Prefer imos, portanto, optar pela aná-
l i se das not íc ias recebidas em casa pe-
los ass inantes ou vendidas nas bancas,
entendendo que e las const i tuem uma
depuração do not ic iár io d ivulgado nos
s i tes .
Cada uma das 1.778 not íc ias que
anal isamos fo i aval iada a part i r de um
quest ionár io contendo 45 perguntas e
mais de 350 a l ternat ivas de respostas 3.
Essa “anatomia da not íc ia” produz, po-
tencia lmente, um t ipo de anál ise que
não é ev idente na le i tura d iár ia dos
per iódicos, mesmo entre jornal istas
exper ientes. Sendo a amostra repre-
sentat iva da cobertura, os resultados
indicam com precisão tendências so-
bre escolhas de assuntos, uso de fon-
tes , t ipos de recursos mais f requentes
e qual idade jornal íst ica da produção
diár ia de cada jornal anal isado. Os re-
sultados não se baseiam nas matér ias
mais marcantes, nos furos ou nas no-
t íc ias que causaram mais impacto, mas
no conjunto da produção dos veículos ,
com indicações estat íst icas r igorosas.
É importante observar que o
instrumento de pesquisa que ut i l i za-
mos assegura grau razoável de impar-
c ia l idade e baixa subjet iv idade dos
pesquisadores. Esse método, denomi-
nado “anál ise de conteúdo” tem como
um dos seus pr inc íp ios a formulação
3 Veja o questionário completo ao fim do relatório
de perguntas sobre os textos, cujas
respostas não dependem da interpre-
tação do entrevistador. As perguntas
têm respostas objet ivas e os c lass i f i -
cadores são tre inados para escolhe- las
a part i r de cr i tér ios def in idos e usados
por todos 4.
É c laro que acontecimentos
marcantes do per íodo acabam inf luen-
c iando a cobertura dos jornais e va-
lor izando temas que nem sempre têm
presença importante no not ic iár io so-
bre v io lência urbana. Um exemplo des-
se fenômeno fo i o caso da menina Isa-
bel la Nardoni . A morte da cr iança, em
março de 2008, mot ivou uma abundân-
c ia de reportagens sobre o tema da v io-
lência fami l iar, assunto habitualmente
raro nos jornais . Na nossa anál ise, ba-
seada em jornais de 2015, o assass ina-
to de um médico na Lagoa Rodr igo de
Fre itas , no Rio, em maio, impuls ionou
o debate públ ico sobre a proposta de
emenda const i tuc ional prevendo a re-
dução da maior idade penal , examinada
pela Câmara dos Deputados.
Esse t ipo de metodologia , por-
tanto, não pretende medir “recepção”
ou “ impacto” das not íc ias . Por i sso,
optamos por não c lass i f icar matér ias
como “posit ivas”, “negat ivas” ou “neu-
tras”. Por exemplo, como c lass i f icar as
not íc ias “Bope mata dois suspeitos em
ação no Morro dos Macacos”, ou “Ha-
ddad vai entregar praça para v ic iados
da cracolândia”? Obviamente, a cha-
mada pode produzir uma aval iação po-
s i t iva da pol íc ia e do prefe ito para a l -
guns le i tores e negat iva para outros. É
4 Veja o Manual de Classificação nos Anexos ao fim desse relatório.
5
dif íc i l , portanto, medir o impacto que
publ icações jornal íst icas podem ter no
le i tor ou na soc iedade, especia lmente
na cobertura de cr ime e pol íc ia .
A anál ise de conteúdo é também
um método di ferente da “anál ise de
d iscurso”, usada com frequência nas
c iências soc ia is . Em resumo, a anál ise
de d iscurso procura art icular o l inguís-
t ico com o soc ia l e o h istór ico, toman-
do a l inguagem como expressão mate-
r ia l de va lores e ideologia 5.
Optamos pela anál ise de conte-
údo por vár ias razões, mas a pr inc ipal
delas é que o resultado da pesquisa
permite conhecer caracter íst icas es-
truturantes da cobertura e ao mesmo
tempo resulta em dados que enr ique-
cem o diá logo com os produtores das
not íc ias . A metodologia do projeto Mí-
dia e Violência inc lu i entrevistas e en-
contros com jornal istas e editores para
d iscut i r os processos de produção do
not ic iár io os resultados da anál ise.
Ao longo de todo o re latór io, o
le i tor encontrará uma comparação en-
tre os resultados da pesquisa atual ,
baseada nas matér ias publ icadas em
5 Há outras abordagens de análise de mídia que se tornaram importantes. Entre as mais interessantes, além das mencionadas acima, estão o newsmaking em que o analista fica dentro da redação e procura desvendar mecanismos, lógicas e operações que resultam na produção da notícia. O newsmaking tenta entender as rotinas produtivas dos meios. Esta metodologia permite observar mudanças adotadas pelas redações em épocas de crise, contrariando a ideia de um processo automático da produção noticiosa. Uma discussão detalhada encontra-se no texto Violência, crime e mídia, de Silvia Ramos, no livro Crime, polícia e Justiça no Brasil, 2014, organizado por Renato Lima e outros.
2015, e a pesquisa real izada pelo CE-
SeC em 2004, com a mesma metodo-
logia 6. A comparação dos resultados
fo i fe i ta com base apenas nos c inco
jornais estudados na etapa atual que
já t inham s ido anal isados na pr imeira
pesquisa: O Globo, O Dia, Folha de S .
Paulo, O Estado de S . Paulo e Agora
São Paulo 7. Também foram controla-
dos os assuntos, pois na pesquisa de
2004 não anal isamos matér ias sobre
drogas e v io lência no trâns i to, como
f izemos em 2015.
Dessa forma, pudemos compa-
rar com relat iva prec isão o comporta-
mento de textos sobre os dez assuntos
comuns às duas pesquisas: pol íc ia , cr i -
me, Judic iár io, questões da soc iedade
c iv i l , pol í t icas de segurança, fenôme-
nos da v io lência , s istema penitenci -
ár io, estat íst icas , perf is e segurança
pr ivada. Vamos, agora, aos resultados
que encontramos ao anal isar as publ i -
cações de 2015. Em cada capítu lo, se-
rão apresentados os dados comparat i -
vos.
6 Os principais relatórios e produtos da linha de pesquisa Mídia e violência desenvolvida pelo CESeC encontram-se em http://www.ucamcesec.com.br/projeto/midia-e-violencia-monitora-mento-piloto/. Em2007 publicamos o livro Mídia e violência: Novas tendências na cobertura de criminalidade e segurança no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007: http://www.ucamcesec.com.br/livro/midia-e-violencia-novas-tendencias-na-cobertura-de-criminalidade-e-seguranca-no-brasil/
7 A pesquisa de 2004 analisou 2.514 textos dos seguintes jornais: O Globo, O Dia,Jornal do Brasil; Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e Agora São Paulo; O Estado de Minas, Hoje em Dia e Diário da Tarde. A pesquisa de 2015 analisou 1.778 matérias de O Globo, O Dia, Extra; Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo, Agora São Paulo; e O Povo (do Ceará).
6
A COBERTURA DA VIOLÊNCIA URBANA EM NÚMEROS
Os jornais do Rio são os que
mais publ icam textos sobre v io lência
urbana. O Dia encabeça a l i sta , com
372 matér ias , seguido pelo Extra (298)
e o Agora São Paulo (263) . Com 244
textos, o cearense O Povo aparece em
posição intermediár ia . O Globo publ i -
cou 224 not íc ias no per íodo; os dois
jornais de SP aparecem com produção
mais reduzida: O Estado de S . Paulo ,
com 201 matér ias no per íodo examina-
do, e a Folha de S . Paulo , com 182.
Olhar i so ladamente os núme-
ros de not íc ias pode levar a aval iações
equivocadas sobre a produt iv idade
dos veículos . A lguns jornais publ icam
muitas notas pequenas (“colunões”) , o
que aumenta o número geral de maté-
r ias , mas não necessar iamente impl ica
em uma cobertura sobre v io lência ur-
bana mais completa do que diár ios que
publ icam menos textos, mais abran-
gentes. Veremos as d ist inções de t ipos
de publ icações quando tratarmos das
caracter íst icas jornal íst icas das maté-
r ias . A quant idade de textos é , de toda
forma, um indicador re levante da im-
portância que cada veículo dá ao tema.
É s igni f icat ivo, portanto, que a
soma dos textos publ icados pelos três
jornais do Rio de Janeiro corresponde
a 894 matér ias , enquanto a dos três d i -
ár ios de São Paulo é 655. A d i ferença é
de 26,7% e indica que os jornais car io-
cas efet ivamente se dedicam mais ao
tema da v io lência urbana.
Tabela 1 - Veículos analisados e proporção de matérias
DEZ ANOS DEPOISCobertura de violência urbana se reduziu
Impress iona notar a redução do
not ic iár io sobre v io lência em relação
à pesquisa anter ior. Quando compara -
mos o número de matér ias na amostra
de 2015 com a de 2004, ambas cr iadas
de maneira idênt ica, ident i f icamos um
resultado surpreendente: a d iminuição
de mais de um terço (35,1%) na quan-
t idade de textos publ icados.
Todos os jornais d iminuíram a
quant idade de textos. Mas em alguns a
var iação fo i mais express iva, como no
caso dO Globo .
O encolhimento dos jornais im-
pressos é uma real idade mundia l , cau-
sada por fatores como a concorrência
da internet e a queda das receitas pu-
bl ic i tár ias . No caso da presente pes-
quisa, a cr ise do setor fez com que a l -
guns dos veículos estudados em 2004
deixassem de ter edições impressas.
Esse fo i o caso do Jornal do Bras i l , que
desde 2010 tem versão apenas d ig i ta l ;
e do Diár io da Tarde , per iódico de Belo
Hor izonte que c i rculou por 77 anos,
até ser ext into em 2007.
Um objet ivo da atual pesquisa
é ident i f icar fatores especí f icos para
a redução da cobertura jornal íst ica de
v io lência urbana. A d iminuição do nú-
mero de textos ser ia parte de uma ten-
dência ampla, que afeta todas as áreas
dos jornais? Ou impactou mais a publ i -
cação de not íc ias sobre v io lência? Va-
mos abaixo explorar essas h ipóteses.
Nos debruçamos sobre o caso
especí f ico dO Globo , que na amostra
de 2015 produziu um número de tex-
tos sobre v io lência 54% menor do que
em 2004. F izemos um estudo aproxi -
mat ivo da redução das matér ias dO
Globo , baseado no número de páginas
dos cadernos Rio, País , Opinião e Mun-
Tabela 2 - Comparação do número de matérias - 2004 e 2015
8
do no per íodo das duas pesquisas 8.
Encontramos uma redução média de
4,6 páginas, ou 19%. Esta redução fo i
mais acentuada em País (32,7%) e R io
(24,1%); as páginas de opinião aumen-
taram na proporção de 61,5% 9.
Tudo indica que a redução no
caso dO Globo não fo i especí f ica ou
exc lus iva da área de v io lência urbana,
embora tenha s ido pronunciada em
matér ias da editor ia R io. Não é poss í -
vel estabelecer expl icações para todos
os jornais , mas é provável que a d imi-
nuição das páginas impressas tenha
ocorr ido em outros veículos .
E quanto à h ipótese de que a re -
dução da cobertura corresponde à d i -
minuição das ocorrências v io lentas no
País e nos estados de RJ e SP? Ve-
jamos. Para compararmos indica-
dores de v io lência no Bras i l , no RJ
e em SP nos dois per íodos, temos
de comparar os dados do Mapa da
Vio lência , que agrega homic íd ios
registrados pelo S istema de Saú-
de, de 2004; e os dados do Anu-
ár io Bras i le i ro de Segurança Públ ica,
que passou a c i rcular a part i r de 2007.
Efet ivamente, as taxas de homi-
c íd ios no Rio de Janeiro e São Paulo
ca íram acentuadamente em uma dé-
cada. No Rio a taxa era 49,2 por 100
mi l habitantes em 2004 e passou para
26,4 por 100 mi l em 2015. Em São Pau-
lo, fo i de 28,6 para 9,8. A taxa do Bra-
s i l manteve-se muito a l ta (27 por 100
mi l ) porque mortes intencionais explo-
8 Usamos a técnica de semana composta sorteando sete dias respeitando segunda a domingo no período estudado.
9 A seção de Opinião também inclui as cartas de lei-tores
diram em estados do Nordeste e Nor-
te do Bras i l . Como veremos a seguir,
a cobertura do jornais f luminenses RJ
e paul istas não acompanhou a impor-
tância desse fenômeno no Nordeste e
Norte. 1011
Mas não são apenas as taxas de
homic íd ios que impactam os fenômenos
da v io lência urbana. Os cr imes contra
o patr imônio, especia lmente a lgumas
modal idades, aumentaram na região
Sudeste. A lém disso, houve histór ias
importantes l igadas à v io lência urba -
na no per íodo entre as duas anál ises .
No Rio de Janeiro, a implantação das
UPPs começou em dezembro de 2008,
o que provocou redução da v io lência
contra a v ida, mas não necessar iamen-
te provocou redução de not íc ias , pois
as UPPs foram foco intenso de atenção
dos meios. Em 2015, já se percebia o
in íc io da deter ioração do per íodo po-
s i t ivo dos indicadores de segurança,
cujo melhor momento ocorreu de 2010
a 2013. Em São Paulo, a explosão de
cr imes de maio de 2006 12 expl ic i tou o
10 Dados do Mapa da Violência de 2010.
11 Dados do Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segu-rança Pública de 2016.
12 No dia 12 de maio daquele ano, uma série de rebeliões em 74 penitenciárias paulistas foi seguida de ataques a policiais, agentes penitenciários, viaturas policiais e delegacias, atribuída ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Em resposta aos ataques, grupos de extermínio e agentes policiais realizaram execuções em vários pontos do estado. Ao todo, 59 agentes públicos e 505 civis morreram nos ataques.
Tabela 3 - Homicídios no Brasil, São Pauloa e Rio de Janeiro
9
crescente poder io de facções armadas
e grupos de extermínio no estado. Há,
portanto, fenômenos novos e impor-
tantes de v io lência urbana ao longo
da década, que não coinc idem neces-
sar iamente com um panorama de re-
dução l inear da v io lência , a despeito
da queda dos homic íd ios na região
Sudeste do Bras i l nesses dez anos.
10
A GEOGRAFIA DA VIOLÊNCIA NA MÍDIA
Nos anos 1980, um debate fo i
estabelec ido entre c ient istas soc ia is ,
pol í t icos e prof iss ionais de imprensa.
O governador do Rio de Janeiro, Leo-
nel Br izola (1983-1986 e 1991-1994) ,
re i teradas vezes associou o cresc imen-
to da v io lência urbana no estado à mí -
d ia , tanto no sent ido de que os meios
exageravam o fenômeno, como por
considerar que “a v io lência e a cr imi-
nal idade veiculadas pela te lev isão in-
f luem na formação das cr ianças e no
s istema educacional” 13.
Efet ivamente, há quem defenda
que a mídia exagera quando se trata da
v io lência no Bras i l e especia lmente no
Rio. Nós já defendemos no l ivro Mídia
e Vio lênc ia (2007) que “exagerada é a
v io lência bras i le i ra”, com seus 58 mi l
homic íd ios e 45 mi l estupros por ano.
Com um mi lhão de carros roubados em
dois anos, 584 mi l presos (sendo 40%
ainda sem ju lgamento) e nove mortos
pelas pol íc ias bras i le i ras todos os d ias ,
13 Discurso de Leonel Brizola no seminário Mídia e Violência Urbana, em julho de 1993 (Silvia Ramos, Faperj, 1994).
d i f ic i lmente podemos acusar os jor-
nais de exagerar ao publ icar uma pe-
quena parte do cot id iano v io lento em
que v ivemos 14. O CESeC acredita que
importante não é cr i t icar a proeminên-
c ia dada ao tema, e s im acompanhar
a qual idade da cobertura. Diminuir o
número e o destaque das not íc ias para
o tema da v io lência poder ia reduzir o
necessár io debate sobre as pol í t icas
de segurança públ ica.
Para compreender as d inâmicas
de pr ior idade espacia l das not íc ias , ve-
r i f icamos os focos geográf icos das ma-
tér ias publ icadas. E efet ivamente en-
contramos, a inda, uma forte atenção
dos jornais de SP pelos fatos aconteci -
dos no RJ. Quando se considera o tota l
da cobertura dos sete jornais anal isa-
dos, percebe-se que 43% das not íc ias
têm foco no Rio, e só 19,6% em São
Paulo. Os jornais do Rio dedicam seus
esforços pr inc ipalmente ao not ic iár io
local : ao todo, 60% das matér ias em O
14 Dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2016 (dados de 2015) apresentados na página do CESeC: www.ucamcesec.com.br
Globo abordam fatos ocorr idos no Es-
tado; o mesmo acontece em 69% de O
Dia e em 86% do Extra . Em contrapar-
t ida, esses veículos dão pouca atenção
aos fatos ocorr idos em São Paulo: só
4,2% das matér ias do G lobo , 2 ,7% do
Extra e 9 ,6% de O Dia t ratam da v io-
lência urbana na maior c idade do país .
Os jornais paul istas , especia l -
mente O Estado de S . Paulo e a Folha
de S . Paulo , seguem uma l inha edito-
r ia l d i ferente. Not íc ias do Rio de Ja-
neiro são bastante numerosas entre
suas matér ias : 23,8% em O Estado e
14,8% na Folha . O Agora SP mantém
um “padrão car ioca”, cobr indo muito a
própr ia praça (69,8%) e re lat ivamente
pouco o Rio (9 ,5%). O jornal O Povo ,
do Ceará, também pr ior iza o not ic i -
ár io sobre o estado nordest ino, que
abrange 55,1% dos seus textos sobre
v io lência urbana. Na amostra, o d iár io
dedicou uma produção semelhante aos
fatos ocorr idos no Rio de Janeiro (7 ,7%
do tota l ) e São Paulo ( 5 ,7%).
Na comparação com os resulta-
dos de 2004, vemos que o foco no Rio
de Janeiro já fo i a inda mais intenso.
Houve redução da proporção de ma-
tér ias sobre o R io na mídia dos dois
estados. Em 2004, encontramos 57,8%
de matér ias sobre o R io e 28,8% sobre
São Paulo.
Chama atenção o fato de que os
jornais estudados não apresentam um
número s igni f icat ivo de not íc ias sobre
o Norte e o Nordeste, regiões que nos
ú l t imos dez anos exper imentaram uma
explosão da taxa de homic íd ios e ou-
tros fenômenos, como a presença de
facções. A redução dos corpos de jor-
nal istas , que tem s ido observada, por
ser parc ia lmente culpada por i sso: jor-
nais paul istas e car iocas tem fechado
sucursais em todo o país , e o Nordeste
e o Norte não são exceção.
Dois pontos, a inda, merecem
destaque na anál ise de foco geográf i -
Tabela 4 - Local do assunto principal da matéria12
co das not íc ias . O pr imeiro d iz respei -
to às matér ias que abrangem o país ou
mais de um estado. Ver i f icamos que
a lguns per iódicos cobrem assuntos
nacionais ou com mais de um estado
com maior f requência . É caso de veí -
culos de expressão nacional , como O
Globo (17,6% do tota l das matér ias do
jornal anal isadas) e Folha (18,1%), e
regional , como O Povo (15,4%). O jor-
nal Estado de S . Paulo , apesar de estar
associado a uma agência cujo conteú-
do é republ icado por jornais de todo
o Bras i l , apresenta um percentual de
matér ias nac ionais e regionais menor
do que os três .
O segundo destaque é va lor iza-
ção de not íc ias sobre v io lências ocor-
r idas fora do Bras i l . No per íodo da
pesquisa foram publ icadas 169 maté-
r ias sobre v io lência em outros países ,
a maior ia sobre d istúrbios , rebel iões e
mobi l i zações da soc iedade em c idades
norte-americanas em reação a v io lên-
c ias pol ic ia is contra jovens negros. De
novo, foram os jornais formadores de
opinião os que mais apresentaram es-
sas not íc ias : O Globo com 10,6%; Folha
com 18,7%; e Estado , com 22,3%. 15
15 NFPI significa Não Foi Possível Identificar.
Outra questão anal isada pela
pesquisa fo i a descr ição do local da
not íc ia como uma favela . Em caso po-
s i t ivo, perguntamos se a favela t inha
Unidade de Pol íc ia Pac i f icadora (UPP) .
Os resultados são express ivos sobre
o panorama no Rio de Janeiro. Do to-
ta l gera l de apenas 14% de matér ias
que se refer iam a favelas , nos jornais
f luminenses essa proporção aumen-
ta para 27% no Extra , 20% em O Dia e
16% em O Globo . Ou seja , ver i f icamos
que quase um terço das matér ias pro-
duzidas pelo Extra refer iam-se a a lgum
fato ou assunto re lac ionado às favelas .
Não fo i poss ível ver i f icar, no
caso dos jornais de São Paulo e do Ce-
ará, se o fato ocorr ia numa favela ou
não, por desconhecimento em detalhe
sobre o terr i tór io e também devido a
d i ferenças cultura is (nem toda metró-
pole ut i l i za a categor ia favela , como se
faz no Rio de Janeiro) . I sso contr ibuiu
para que as f requências de not íc ias
Que “local” das cidades é muito
coberto? As favelas e a
violência, dilemas de sempre
Tabela 5 - O fato ocorreu em favelas?
13
sobre favelas nesses jornais se jam ex-
press ivamente menores.
Chama atenção o Agora SP , que
a despeito de ser um jornal de venda
em banca, voltado ao públ ico de ren-
da menor, só dedicou 3,8% de matér ias
a fatos sobre favelas , seguindo a ten-
dência da imprensa paul ista , que apre-
senta uma cobertura sobre as favelas
reduzida em relação à car ioca.
Entre todas as matér ias re lac io-
nadas a favelas (245 textos) , em 149
casos, ou 61%, a not íc ia refer ia-se a
uma favela com Unidade de Pol íc ia Pa-
c i f icadora (UPP) . A predominância se
just i f ica por duas razões: a centra l ida-
de da Pol í t ica de Paci f icação no contex-
to de segurança públ ica f luminense, e
na mídia em part icular ; e o fato de que
as favelas que contam com Unidades
de Pol íc ia Pac i f icadora estão entre as
maiores e mais conhecidas do Rio, e
mesmo antes da insta lação das UPPs já
eram pr ior i tár ias para a imprensa.
Os resultados, ao nosso ver,
conf i rmam a centra l idade das favelas
para o tema da cr iminal idade no Rio
de Janeiro e demonstram a pr ior iza-
ção desses terr i tór ios pelos jornais
car iocas, até pela sua local ização em
áreas af luentes ou estratégicas para a
metrópole. A profusão de not íc ias re-
lac ionadas à cr iminal idade nas favelas
pode contr ibuir para est igmat izar es-
ses bairros como “ locais de v io lência”.
Mas parece mais benéf ico, no sent i -
do de motivar pol í t icas e ações públ i -
cas e da soc iedade, do que o s i lêncio.
Vale lembrar que a Baixada F luminen-
se, campeã em taxa de homic íd ios ao
longo da ú lt ima década, tem presença
muito reduzida no not ic iár io . E que o
controle dos subúrbios do Rio de Ja-
neiro por forças mi l ic ianas, não tem
cobertura cot id iana.
Segundo dados do ISP, entre
2008 e 2015, os homic íd ios ocorr idos
na Baixada correspondiam a 31,8% do
estado, em média; já as matér ias so-
bre esse terr i tór io ident i f icadas na
pesquisa
Esse é um permanente d i lema da
cobertura – como veremos nas entre-
v istas com administradores de páginas
de internet dedicadas a mídias comu-
nitár ias – que também não se “resol -
veu” no mundo das mídias locais .
Tabela 6 - Número de matérias por regiões do estado do RJ
14
FOCO CENTRALAs estrelas do noticiário
Figura 1 - Foco central: qual é o principal tema discutido pela matéria (%)
Uma das teor ias mais importantes
dos estudos de mídia é a do “agenda set-
t ing ”, ou “agendamento”. Em resumo, essa
escola teór ica considera que a mídia não in-
f luencia necessar iamente a opinião públ ica
em relação ao conteúdo ou às “posições”
que os veículos adotam ao publ icar not í -
c ias porque, na verdade, le i tores de jornais
conservadores ou progress istas , reac ioná-
r ios ou reformistas , procuram os veículos
mais af inados com suas v isões.
Mas os meios de comunicação in-
f luenciam o agendamento – ou seja , o pro-
tagonismo – de determinados assuntos no
debate e nas pol í t icas públ icas . Ao optar
por cobr ir muito um tema (ou esquecer ou-
tros) , os veículos de mídia estão inf luen-
c iando le i tores e autor idades a considerar
Forças de Segurança
determinados assuntos importantes.
Por i sso a mensuração do “foco
centra l” das matér ias é muito re le-
vante na anál ise de conteúdo. E la
demonstra quais são os assuntos do-
minantes nas pautas dos veículos .
No caso da v io lência urbana,
durante muito tempo as “páginas pol i -
c ia is” – também chamadas de páginas
de cr ime e poster iormente de c ida-
de, cot id iano, metrópole etc . – eram
dominadas por not íc ias sobre cr imes
pontuais (assass inatos, br igas , cr imes
sexuais) e sobre bandidos famosos. O
jornal ista e escr i tor Fernando Mol i -
ca, em um texto de 2007, lembra que
nos anos 1950 e 60 a cobertura de se-
gurança era marcada pelos fe i tos de
personagens notór ios do mundo do
cr ime, como “Cara-de-Cavalo”, “Minei -
r inho” e “Bandido da Luz Vermelha”,
ou de casos envolvendo integrantes da
e l i te , pessoas “que t inham sobreno-
mes”, como Aída Cury, Dana de Teffé,
Leopoldo Heitor ou o tenente Bandei-
ra . A lguns casos rendiam semanas ou
meses de not ic iár io . Nessa época d i -
z ia-se de muitos per iódicos, por causa
da cobertura sensacional ista e fotos
apelat ivas: “espreme e sa i sangue” 16.
Quando invest igamos o foco
predominante das not íc ias nos jor-
nais de 2015, não nos surpreende que
cr ime e pol íc ia representem mais de
50% da cobertura. Mas ta lvez surpre-
enda o le i tor saber que não é o ato
cr iminal , e s im a atuação das pol íc ias ,
o tema predominante das not íc ias .
As pol íc ias (c lass i f icadas como
Forças de Segurança, pois inc luem Po-
l íc ia Mi l i tar, Pol íc ia C iv i l , Pol íc ia Fede-
ra l , Pol íc ia Rodoviár ia Federal , Guarda
Munic ipal e Forças Armadas e Força
Nacional ) são as estre las do not ic iá-
r io . Representam mais de um terço de
todas as matér ias sobre v io lência , se-
gurança, cr ime, drogas e v io lência no
16 Um a expressão correspondente nas descrições sobre no-ticiário de crime na imprensa norte-americana é “if it bleeds, it leads”.
Tabela 7 - Qual é o principal tema discutido pela matéria
16
Tabela 8 - Forças de Segurança
17trâns i to, ou seja , 34,1%. Em alguns ve-
ículos e las u l trapassam 40% das not í -
c ias publ icadas, como é o caso do Extra
(45,1%), de O Dia (40,4%) e do Ago-
ra (40,1%). Ou seja , entre os jornais
mais dependentes de venda em banca.
Como se vê na tabela abaixo, a
PM é o foco das not íc ias sobre forças
de segurança em 43% dos casos, che-
gando a 52% na Folha de S . Paulo e
50% no Extra . A PF é a força pr inc ipal
em apenas 6% das matér ias , chegando
a 10% na Folha e 13% nO Povo . Impor-
tante lembrar que essas matér ias não
inc luem not íc ias sobre “corrupção”,
i sto é , cr imes de colar inho branco,
mas apenas cr imes comuns, i sto é , cr i -
minal idade urbana. A a l ta f requência
da Pol íc ia Mi l i tar no not ic iár io e baixa
da Pol íc ia Federal é um indicat ivo do
quanto a atuação das forças – e , em
consequência , da imprensa –, no cam-
po da cr iminal idade se dá mais no âm-
bito local do que no regional e fede-
ra l 17.
A despeito do enorme peso das
facções cr iminais na v io lência urba-
na, da presença de cr ime organizado
(por exemplo, em roubos de cargas,
17 Vale ressaltar que os crimes de colarinho branco, campo de forte atuação da PF, não são objeto desse estudo
roubos de veículos e roubos de ca ixas
e letrônicos, e obviamente em parte do
tráf ico de drogas) , pouquíss imo esfor-
ço de inte l igência tem s ido real izado
neste campo no Bras i l . O not ic iár io é
uma evidência que conf i rma essa per-
cepção. As Pol íc ias Mi l i tares , respon-
sáveis pela repressão e prevenção do
cr ime junto à popula -
ção e especia lmente
nas áreas populares,
são predominantes,
seguidas pelas Pol íc ias
C iv is estaduais .
Ao pesquisarmos
os temas pr inc ipais
dentro das matér ias
cujo foco centra l são
as pol íc ias , ver i f icamos que as “ações
pol ic ia is” – pr isões, apreensões, ope-
rações – são a maior ia dessas maté-
r ias (66%), chegando a mais de 70%
no Povo e Agora . As not íc ias de cr imes
(ou denúncias de cr imes) cometidos
pelas pol íc ias estão no segundo lugar,
mas com apenas 13%. A Folha de S .
Paulo é um ponto fora da média dos
impressos, pois 35% de sua cobertu-
ra sobre pol íc ia d iz respeito a cr imes
cometidos por essas forças. Em ter-
ceiro lugar, vêm as not íc ias de cr imes
cometidos contra as pol íc ias (7 ,2%).
A maior ia das not íc ias de cr imes
cometidos pelas forças de segurança
refere-se a homic íd ios onde pol ic ia is
são suspeitos de assass inar a lguém (45
das 79 not íc ias sobre cr imes cometidos
pelas pol íc ias são sobre mortes pro-
vocadas pelos agentes, ou seja , 57%).
Chama a atenção o fato de que apenas
11 not íc ias d izem respeito à corrupção
18 pol ic ia l – o que indica pouca capacidade
dos jornais em chegarem a esses fatos.
Ao pesquisarmos os temas pr in-
c ipais dentro das matér ias cujo foco
centra l são as pol íc ias , ver i f icamos que
as “ações pol ic ia is” – pr isões, apreen-
sões, operações – são a maior ia des-
sas matér ias (66%), chegando a mais
de 70% no Povo e Agora. As not íc ias de
cr imes (ou denúncias de cr imes) come-
t idos pelas pol íc ias estão no segundo
lugar, mas com apenas 13%. A Folha de
S . Paulo é um ponto fora da média dos
impressos, pois 35% de sua cobertu-
ra sobre pol íc ia d iz respeito a cr imes
cometidos por essas forças. Em ter-
ceiro lugar, vêm as not íc ias de cr imes
cometidos contra as pol íc ias (7 ,2%).
A maior ia das not íc ias de cr imes
cometidos pelas forças de segurança
refere-se a homic íd ios onde pol ic ia is
são suspeitos de assass inar a lguém (45
das 79 not íc ias sobre cr imes cometidos
pelas pol íc ias são sobre mortes provo-
cadas por pelos agentes, ou seja , 57%).
Chama a atenção o fato de que apenas
11 not íc ias d izem respeito à corrupção
pol ic ia l – o que indica pouca capacidade
dos jornais em chegarem a esses fatos.
Uma queixa comum entre
pol ic ia is , de baixo e a l to escalão, é a
f requência dos ataques da imprensa.
“A mídia só bate na gente”, costumam
dizer. Diante da constatação de que
um terço das matér ias do not ic iár io
da v io lência urbana tem como foco
centra l as pol íc ias e que, entre esses
textos, quase 70% são sobre ações
pol ic ia is , conclu ímos que a rec lamação
não é sustentada pela anál ise dos
dados. Pelo contrár io, poucos setores
públ icos (saúde, educação, t ransporte,
habitação etc . ) contam uma cobertura
igualmente cot id iana e abundante
sobre as ações de seus agentes –
not íc ias que, em geral , podem ser
interpretadas como posit ivas , por
mostrar os agentes em at iv idade, em
combate à cr iminal idade. Com exceção
da Folha de S . Paulo , as not íc ias sobre
cr imes cometidos pela pol íc ia são
muito infer iores. Ta lvez o incômodo
Tabela 9 - Principal temática das Forças
AtosViolentos
dos pol ic ia is com relação à mídia se
baseie no impacto das not íc ias em que
pol ic ia is aparecem no not ic iár io como
autores de desvios . Essas not íc ias
costumam ter destaque e de fato tem
grande capacidade de contaminar
a imagem do resto da corporação.
Certo é que a percepção dos po-
l ic ia is de uma mídia antagônica contr i -
bui para d i f icu ltar a comunicação das
pol íc ias com a imprensa e a soc iedade.
De modo geral é poss ível af i rmar que
as forças de segurança – com exceção
poss ivelmente da Pol íc ia Federal – a in-
da aproveitam pouco e mal o interes-
se espontâneo do públ ico e dos meios
de comunicação sobre suas ações.
Os cr imes são o segundo as-
sunto mais f requente na cobertu-
ra de v io lência urbana, aparecendo
como foco centra l de 387 matér ias ,
que correspondem a 21,8% da cober-
tura, ou um quinto do tota l da amos-
tra. As not íc ias sobre atos v io lentos
têm mais destaque em alguns veículos
e chegam a 30,5% no Agora e 26,8%
no Extra . Os cr imes mais not ic iados
são os homic íd ios; a seguir, os roubos.
Ao invest igar como são qual i f i -
cadas v í t imas, agressores e testemu-
nhas, ver i f icamos que em 82,2% das
matér ias sobre cr ime há descr ição de
sexo e idade das v í t imas; em 74,9%, há
descr ição de agressores; e em 25,8%,
de testemunhas. Também observamos
que em 45,5% das not íc ias há menção
ao uso de arma de fogo, conf i rmando
a intensa presença de armas na cr i -
minal idade urbana. Em 68% das no-
t íc ias há descr ição da cena do cr ime.
Quando testamos se há menção
de c lasse soc ia l , cor ou opção sexual
de agressores, vemos que as propor-
ções em que isso acontece são extre-
mamente baixas . A ident i f icação de
agressores pelo nome só ocorre em
14% das matér ias sobre cr imes. Esses
dados demonstram que os veículos
que anal isamos, de modo geral , ev i -
tam reforçar preconceitos e est igmas,
ao s i lenciar sobre c lasse, cor e opção
sexual de pessoas not ic iadas como
agressores de atos v io lentos a não ser
que sejam cr imes motivados por ódio
sexual ou rac ia l .
Há enorme contraste quando as
matér ias têm foco geográf ico interna-
Tabela 10 - Atos Violentos
Tabela 11 – Características dos agressores
19
Judiciário, Ministério Público,
Legislação
c ional . Descobr imos que de 43 not íc ias
com foco em “cr ime” de or igem inter-
nacional , 13,9% informavam a cor/raça
do agressor e 4 ,6%, da v í t ima. Nas no-
t íc ias sobre cr ime no Bras i l , apenas
0,7% mencionavam a raça do agressor
e 0 ,5%, a da v í t ima. Também são mais
f requentes nas not íc ias sobre fatos no
exter ior expressões como “ jovem ne-
gro”, “adolescente negro”, “adolescen-
te branco” ou “rac ismo”. Essas pala-
vras aparecem em 8,3% das matér ias
sobre cr ime com foco internacional e
em apenas 0,5% dos textos nac ionais .
A comparação mostra que a inda impe-
ra um s i lêncio quase sepulcra l sobre o
v iés rac ia l de cr iminosos e v í t imas de
cr imes – quando a v io lência é “bras i -
le i ra”. Voltaremos a esse assunto.
Uma surpresa da nova edição da
pesquisa Mídia e Vio lência fo i o gran-
de número de not íc ias sobre ações do
Judic iár io, do Ministér io Públ ico, De-
fensor ias ou do Legis lat ivo. Ao todo,
foram 248 matér ias , ou 13,9% no con-
junto dos textos anal isados – o tercei -
ro lugar entre as categor ias de foco
centra l estudadas. O destaque é para
os jornais formadores de opinião,
onde essas not íc ias aparecem em se-
gundo lugar, na frente dos atos v io len-
tos, como é o caso do Estado (19,8%),
Globo (18,5%) e FSP (16,5%). Como ve-
remos à f rente, uma grande mudança
em relação ao observado em pesquisas
anter iores.
Como mencionamos antes, é
importante lembrar que nesse per ío-
do dois fatos est imularam a cobertura
desse tema pelos impressos. O pr imei-
ro fo i a tentat iva de votação, na Câ-
mara de Deputados, à época pres id i -
da por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) , de
emenda dedicada à redução de idade
de imputabi l idade cr iminal . O segundo
fo i o assass inato de um médico na La-
goa Rodr igo de Fre itas , um dos bairros
mais r icos – e seguros – da Zona Sul
do Rio de Janeiro, poss ivelmente por
um ou dois adolescentes. Ver i f icamos
que em 32,5% a maior idade penal fo i o
tema dentro do foco.
A inda mais numerosas foram
as not íc ias com foco em decisões de
ju ízes , ju lgamentos ou habeas corpus
(35,5%). Condenação, absolv ição e l i -
bertação de presos respondem por
11,3% das not íc ias dentro desse grupo.
A seguir aparecem outros assuntos em
proporções reduzidas, como pedidos
do Ministér io Públ ico (12 matér ias) ,
audiências de custódia (4) , Defensor ia
(3) , tornozele iras e letrônicas (2) , etc .
Em suma, o destaque para a Jus-
t iça e o Legis lat ivo na cobertura de
v io lência urbana é uma bem vinda mu-
dança a ser mencionada, em contraste
à escassez de not íc ias sobre esse tema
nos per iódicos há dez anos. A d is -
cussão sobre essas inst i tu ições, seus
mecanismos e instrumentos é funda-
mental para acompanharmos como a
soc iedade l ida com cr imes e del i tos .
20
Questões da Sociedade Civil
Questões de Trânsito
Outra surpresa é a apar ição do
i tem Questões da Sociedade Civ i l em
quarto lugar, com 110 matér ias , cor-
respondendo a 6,2% do not ic iár io .
Neste quesito, O Globo (13,4%) e O
Povo (6 ,9%) f icaram ac ima da média
geral , demonstrando um interesse es-
pecia l pelas reações da soc iedade aos
fenômenos de v io lência . Por outro
lado, Extra (3 ,1%) e Agora São Paulo
(3 ,4%) publ icaram matér ias re lac iona-
das a questões da soc iedade c iv i l em
proporção express ivamente menor que
a média.
Um terço das matér ias des-
se foco referem-se a protestos sobre
v io lência e corrupção pol ic ia l (30%).
Outros temas são movimentos soc ia is
(28,2%), protestos em geral contra a
v io lência (28,2%) e mobi l i zações con-
tra o rac ismo (6,4%). Mas chama a
atenção que quase um terço das maté-
r ias dentro desse foco (32 not íc ias em
110) referem-se a protestos ocorr idos
no exter ior, f requentemente por casos
l igados à v io lência pol ic ia l . A presen -
ça do movimento Black L ives Matter
e rebel iões em vár ias c idades do EUA
susc i taram matér ias dos nossos per ió-
dicos associando v io lência pol ic ia l nos
EUA à luta de jovens negros contra o
rac ismo. Nesse per íodo houve mani-
festações contra a morte de um jovem
em Char leston, na Carol ina do Sul , e
sobre morte de jovem morto em Fergu-
son, no Missour i , um ano antes.
Esta é a pr imeira vez que o tema
da v io lência no trâns i to é incorporado
aos estudos do CESeC sobre v io lência
urbana e mídia . Nossa intenção é ver i -
f icar se esta agenda, que ganhou mais
proeminência nos ú l t imos anos no Bra-
s i l , fo i incorporada às pautas dos jor-
nais . Segundo o Mapa da Vio lência de
2016, baseado nos dados do SUS, hou-
ve 43 mi l mortes no trâns i to no Bras i l
no ano de 2014.
Ver i f icamos que os sete jornais
estudados publ icaram 85 not íc ias , que
representam apenas 4,8% de tudo que
os jornais produzem sobre o assunto.
O Povo u l trapassa a média, com 6,5% e
Folha e Estado também se colocam l i -
geiramente ac ima da média, com 5,5%
e 5,4%.
A maior ia absoluta das not í -
c ias desse foco fo i sobre ac identes
(75,3%), mas houve outros temas tra-
tados, como legis lação, estat íst icas e
pol í t icas de trâns i to (22,4%). Nós es-
perávamos que a produção fosse mais
express iva. Pr inc ipalmente porque o
not ic iár io combinou casos de mortes
em estradas e c idades com discussões
e polêmicas sobre como regular o trân-
s i to para torná- lo menos v io lento.
21
Drogas
Fenômeno da Violência
Políticas de Segurança Pública
ou setor público
Os jornais produziram 79 maté-
r ias sobre drogas (4 ,4%). Vale ressaltar
que essa categor ia não inc lu i not íc ias
sobre apreensão de drogas e v io lência
re lac ionada ao tráf ico, que foram in-
c lu ídos nos focos Forças de Seguran-
ça e Ato Cr iminoso. Nosso interesse,
nesta rodada de 2015, fo i ver i f icar o
quanto a imprensa tem part ic ipado do
debate sobre a rev isão da leg is lação
sobre drogas, mot ivado pela percep-
ção, em c írculos cada vez mais amplos,
da inef icác ia da pol í t ica de guerra às
drogas. Será que esses temas, que
vem sendo tratados em blogs, páginas
de redes soc ia is e s i tes jornal íst icos ,
estar iam presentes na cobertura dos
jornais d iár ios? A despeito da presen-
ça reduzida de not íc ias sobre o foco,
quando comparada aos outros temas,
a mudança parece ser sens ível em re-
lação ao passado – a inda que não te-
nhamos dados numéricos para com-
provar, pois essa questão não estava
na anál ise anter ior.
O destaque f ica com a Folha de
S . Paulo , reservou 10,4% da cobertu-
ra de v io lência urbana para matér ias
sobre drogas. O Estado deu 7,4% e O
Globo , 5 ,6%. A maior ia das not íc ias
desse foco fo i sobre pol í t icas de dro-
gas (54,4%) seguido de not íc ias sobre
tráf ico (11,4%) e depois por pesquisas
(10,1%). Importante observar que ao
longo dos ú l t imos anos a lguns jornais
têm tomado posição, em editor ia is , so-
bre o tema da legal ização das drogas.
Tanto os veículos do grupo Info-
Globo, como os da Folha e Estado de
S . Paulo se manifestaram favoráveis a
uma revisão da leg is lação no sent ido
de tratar do problema das drogas me-
nos como casos de cr ime e pol íc ia e
mais como problemas da área de saú-
de. Em nossa pesquisa, 45,6% das ma-
tér ias sobre drogas mencionava a lgu-
ma exper iência internacional .
Uma pequena parcela de 4,4%
das matér ias fo i c lass i f icada dentro
desse foco. São not íc ias sobre causas,
so luções ou consequências dos fenô-
menos da v io lência urbana. Essas ma-
tér ias podem se basear em um caso es-
pecí f ico, mas prec isam apresentar uma
abordagem mais abstrata do tema.
Muitas vezes estão nos cadernos de
opinião, onde um especia l i sta ou art i -
cul ista do jornal desenvolve teor ias ou
expl icações para a v io lência , enquanto
fenômeno. Entre as 78 matér ias c lass i -
f icadas nesse foco, O Globo tem forte
destaque, com 8,8%; em seguida, vem
a Folha de S . Paulo , com 7,1%. Efet iva-
mente, 34 das 78 matér ias sobre fenô-
meno da v io lência eram art igos ass ina-
dos, editor ia is ou notas de colunas.
Ao c lass i f icar reportagens e ar-
t igos por este foco, a pesquisa pre-
22
Sistema Penitenciário
e sistema socioeducativo
Estatísticas e Pesquisa
23tende ident i f icar textos dedicados a
questões re lac ionadas à e laboração,
modif icação e a qual idade de pol í t icas
de segurança públ ica. Ao todo, 78 ma-
tér ias , que representaram 4,4% do to-
ta l de matér ias c l ipadas, foram ident i -
f icadas. O jornal O Povo mostrou maior
interesse neste debate, já que reser-
vou 7,7% da sua produção sobre v io-
lência urbana para essa anál ise estru-
tura l . O resultado é condizente com a
h istór ia do veículo – va le lembrar que
O Povo mantém uma coluna dedicada à
segurança públ ica. O car ioca O Globo
também invest iu mais no tema, dedi -
cando 7,4% das suas matér ias ao foco;
na Folha de S . Paulo , o índice fo i de
6,6%.
Em um país com uma população
carcerár ia de mais de 622 mi l pessoas,
a quarta do mundo, e com um s istema
penitenciár io e soc ioeducat ivo precá-
r io e conturbado, apenas 67 matér ias
foram publ icadas nos sete jornais so-
bre pr isões ou sobre unidades para
adolescentes. As matér ias represen-
tam apenas 3,8% de tudo que fo i pu-
bl icado.
Esse resultado surpreende, es-
pecia lmente quando o colocamos em
contraste com a enxurrada de not íc ias
sobre pr isões e s istema penitenciár io
após os massacres ocorr idos em Rorai -
ma, Manaus e Maranhão, no in íc io de
2017. Uma just i f icat iva para a cobertu-
ra l imitada é o fato de que no per íodo
não houve rebel iões ou cr ises intensas
em unidades pr is ionais ; como a maior
parte da cobertura é factual , a escas-
sez de not íc ias fo i o resultado.
Mesmo os d iár ios formadores
de opinião parecem funcionar desta
forma c ic lot ímica, pautando intensa-
mente assuntos re lac ionados a acon-
tec imentos chocantes e depois deixan-
do-os de lado, como se t ivessem s ido
“resolv idos”. A lguns jornais , entretan-
to, d iscut i ram com mais f requência
esse tema importante e tão esquecido:
O Povo fo i o que publ icou mais sobre
o s istema penitenciár io e soc ioeduca-
t ivo: os dois assuntos somaram 7,3%
de sua cobertura; a Folha de S . Paulo
dedicou a e le 5 ,5% das suas matér ias .
Um tota l de 30 matér ias teve
como foco centra l pesquisas produzi -
das por d iversas fontes: soc iedade c i -
v i l organizada, autarquias , fundações
e órgãos do poder execut ivo, IBGE. É
pouco e representa apenas 1,7% do
conjunto. Como veremos, ao tratar de
qual i f icação das matér ias , i sto não s ig-
n i f ica que um número tão reduzido de
publ icações ut i l i ze fontes estat íst icas
ou estudos. S igni f ica apenas que es-
tudos e pesquisas raramente se desta-
cam no not ic iár io como o assunto pr in-
c ipal .
A partir desses dados iniciais, ve-rificamos que as ações das polícias e os atos criminosos continuam dominando o noticiário de violência ur-bana. Mas isto ocorre de forma desproporcional en-tre os veículos. Os jornais baseados em venda em banca cobrem mais esses dois temas: O Dia dedicou a eles 63% de sua cobertu-ra; o Agora São Paulo, 71%; e Extra, 72%. Nos jornais formadores de opinião, o cardápio de notícias é mais amplo e os dois temas são menos dominantes: no Es-tado de S. Paulo, 50%; no Povo, 45%; na Folha de S. Paulo, 38%; e no Globo, 37%. Em compensação, a tendência se inverte quando olhamos a cobertura so-bre drogas ou trânsito. Especialmente se consideramos a soma das matérias que
em geral fogem do factual e demandam contextualização, como Fenômenos da Violência, Questões da Sociedade Civil, Políticas de Segurança e Estatísticas: nesses, O Globo l idera, com 30%, seguido pela Folha de S. Paulo, com 23%; O Povo, com 21%; Estado de S. Paulo, com 15%; O Dia, com 14%; Extra, com 10%; e Agora São Paulo, com 9%.
A manchete mais positiva sobre os veículos pesquisados na rodada de 2015 é a entrada expressiva na pauta de
temas relacionados ao Judiciário, Minis-tério Público e Legislação, mostrando uma ampliação da cobertura dos meios de comunicação, que passou a monitorar e debater mais essas instituições O predomínio das notícias sobre
segurança e crime era ainda mais forte em 2004, quan-do os dois temas somavam 78,2% do conjunto das ma-térias analisadas. Na época, a presença de textos sobre Judiciário, Ministério Públi-co e Legislação era de ape-nas 3,7%, é de 16,7% hoje.
As matérias sobre Fenômenos da Violên-cia passaram de 2,8% para 5,5% e sobre Questões da Sociedade Civil de 2,3%, para 7,5%. O aumento de notícias sobre esses temas e sobre o Judiciário, Minis-tério Público e Legislação, associado à redução de notícias sobre Forças de Se-gurança e Ato Violento indica uma cober-
DEZ ANOS DEPOISCrime e polícia , ainda a base da cobertura
Tabela 13 Foco central - Comparação 2004 e 2015
Tabela 12 - Focos Centrais resumidos
24
QUESTÕES JORNALÍSTICAS
tura mais equilibrada e contextualizada Segundo o depoimento de jor-
nal istas 18, durante muito tempo a edi -
tor ia de cr ime era a menos valor izada
das redações. Nela, t rabalhavam jorna-
l i stas especia l izados, mas com menos
acesso a cursos e formação; a fonte
pol ic ia l era onipresente; o not ic iár io,
predominantemente factual , ocupa-
va-se bas icamente de re latar o cr ime
de ontem. Isso mudou. Desde os anos
1990, quando o agravamento da cr ise
de segurança levou o tema a tornar-se
uma preocupação de toda a soc iedade
bras i le i ra , a cobertura de v io lência ur-
bana começou lentamente a tornar-se
mais parec ida com a de outros temas
re lac ionados às c idades, como saúde e
educação. Aumentou muito o número
de reportagens invest igat ivas e con-
textual izadas, cresceram os art igos e
anál ises , os dados ganharam mais des-
taque.
É justamente para invest igar
18 Para ler os depoimentos, consulte o livro “Mídia e violência: Novas tendências na cobertura de segurança e criminalidade”, disponível em http://www.ucamcesec.com.br/
como vem se dando esse processo de
qual i f icação que inc lu ímos na nossa
pesquisa questões sobre o fazer jor-
nal íst ico, como fontes, atores men-
c ionados, t ipo de matér ia e atr ibutos
dos textos. Neste sent ido, os resulta-
dos dessa parte da pesquisa podem,
potencia lmente, ser comparados a le-
vantamentos sobre quaisquer outros
temas publ icados nos jornais impres-
sos (Economia, Internacional , Pol í t ica ,
Meio Ambiente etc . ) . Os resultados a
seguir permitem afer i r o invest imento
de recursos humanos e mater ia is e o
cuidado envolv ido na produção de no-
t íc ias sobre cr ime, segurança públ ica,
drogas e v io lência no trâns i to.
“Dependentes de B.O.” fo i o t í -
tu lo do capítu lo do l ivro Mídia e Vio-
lênc ia , publ icado há dez anos, ao tra-
tar das fontes jornal íst icas presentes
nas matér ias . Na época, mostramos
que o jornal ismo de segurança públ ica
era extremamente dependente das in-
formações pol ic ia is . Uma s i tuação que
pouco se a l terou.
Nesta rodada da pesquisa, a
fonte mais ouvida fo i NFPI – ou Não
Foi Poss ível Ident i f icar. I sto é , em
26,4% das matér ias anal isadas a fonte
não estava declarada – quase sempre,
em razão do texto ser muito curto;
apenas uma nota. A segunda fonte
mais ouvida fo i a pol íc ia 19 (25,1%).
Como infer imos que na maior ia esma-
gadora das not íc ias sem fonte a or igem
da informação era a pol íc ia , na prát ica
isto quer d izer que mais de 50% das
matér ias foram baseadas apenas em
relatos ou documentos pol ic ia is .
Em segundo lugar, aparecem os
integrantes do Poder Execut ivo (repre-
sentantes de secretar ias estaduais e
munic ipais , etc . ) c i tados em 9,8% dos
textos; v í t imas, fami l iares e amigos
das v í t imas foram fontes pr inc ipais das
not íc ias em 8%.
19 O dado inclui as várias corporações policiais.
Fontes:dependentes
de B.O.
26
Tabela 14 - Fontes das matérias – Comparação 2004 e 2015
27
Quando comparamos 2004 com 2015, verificamos que matérias cuja fon-te principal eram a Polícia Militar, Polí-cia Civil e outras forças correspondiam a 31,4% e passaram a ser 23,3%, uma redu-ção de 8,1%. A redução se torna menos expressiva se somamos esses textos aos textos cujas fontes não são identificadas (NFPI). Em 2004, esse conjunto equivalia a 58,3% de todos os textos publicados. Considerando esse total, a redução é muito pequena depois de uma década20. Essas proporções se alteram para cada jornal, mas não ao ponto de mudar as fontes predominantes. No entanto, al-gumas chamam a atenção e parecem in-dicar opções editoriais dos veículos. No Agora São Paulo, 38,9% dos textos não tem fontes identificadas. Como veremos, o Agora publica diariamente diversas no-tas – os chamados “colunões” – nos quais falta espaço para declarar explicitamen-te a fonte. O jornal com a menor propor-ção de NFPI foi O Globo, com 14,8%. Em alguns veículos, a fonte poli-cial superou ligeiramente as fontes não identificadas. É o caso dO Globo, com 15,3% das matérias atribuídas a forças de segurança, e dO Povo, com 28,7% (contra 27,1% de NFPI). O Extra, Agora SP e O Dia, jornais de venda em banca, buscaram fontes do Executivo muito menos do que O Globo, Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo e
20 Na tabela comparativa das principais fontes em 2004 e 2015 nem todas as fontes têm equivalência nas duas pesquisas pois alteramos ligeiramente a identificação de alguns atores sociais.
O Povo. Por fim, chama a atenção a au-sência completa de especialistas como fontes no Extra. Em compensação, esse veículo ouviu vítimas, amigos e familia-res em 11% dos textos, enquanto O Povo só o fez em 2,8%. Além das 26,7% de matérias sem fonte, verificamos que 33,1% apresentam uma fonte; 17,9%, duas; e 22,3%, mais de duas fontes. Ao mesmo tempo, des-cobrimos que apenas 266 matérias entre as 1.778 analisadas apresentavam opini-ões divergentes, isto é, somente 15%. Os dados chamam a atenção, por mostrar que a imprensa não vem conseguindo se-guir recomendações do bom jornalismo, como a apresentação de mais de um pon-to de vista, na grande maioria das suas matérias sobre violência urbana. Além disso, a comparação sobre o percentual de matérias com mais de uma fonte mostrou algum esforço de qualifi-cação do noticiário, mas ainda pouco sa-tisfatório: em 2004, apenas 34,7% apre-sentavam mais de uma fonte; em 2015, esse total chegou a 42,2%. A comparação sobre a presença de opiniões divergentes nos textos mos-tra que essa recomendação jornalísti-ca continua a ser mais exceção do que regra: matérias que mostravam “os dois lados” das questões totalizavam 11% em 2004 e passaram a 16% em 2015. O Esta-do de S. Paulo e O Globo foram os que se destacaram nesse quesito.
DEZ ANOS DEPOISAinda dependentes da polícia
28
Também levantamos quais os
atores soc ia is c i tados nas matér ias .
Neste caso, não era necessár io que es-
ses atores aparecessem como fontes
da informação; bastava que seus no-
mes fossem c i tados na reportagem ou
art igo. O quest ionár io permit ia a esco-
lha de d iversos atores para o mesmo
texto. Os resultados conf i rmam a per-
cepção de dependência dos jornais das
fontes pol ic ia is e of ic ia is : a pol íc ia era
c i tada em 69% dos textos; o Execut i -
vo em 38,1%; o Judic iár io em 19,9%; o
Legis lat ivo em 13,4%; o Ministér io Pú-
bl ico e a Defensor ia em 8,8%. Pesqui-
sadores e especia l i stas foram mencio-
nados em 7,9% dos textos. Moradores
só foram c i tados em 4,6% das matér ias
– um dado que indica o abismo entre
o mundo dos jornais impressos e o das
redes soc ia is , onde os moradores têm
forte presença como fontes ou atores
soc ia is nas not íc ias sobre v io lência ur-
bana.
Atores Sociais
Tabela 15 - Fonte principal da matéria
29
Desde as pr imeiras invest idas
nas anál ises de mídia , dec id imos fugir
da contagem de cent ímetros dos textos
anal isados, método adotado com algu-
ma frequência em pesquisas das déca-
das de 1980 e 1990. Na nossa opinião,
o tamanho não traduz integralmente
a re levância atr ibuída aos temas pe-
los veículos . Um editor ia l , uma colu-
na ass inada e uma reportagem podem
ter a mesma cent imetragem e impor-
tância bastante d i ferente. Um colunão
e uma nota numa coluna ass inada de
muito prest íg io e v is ib i l idade – que às
vezes pauta os jornais – também po-
dem ter tamanhos parec idos. Usamos
outra estratégia para tentar ident i f icar
o grau de importância e o cuidado dos
jornais na cobertura de v io lência urba-
na. Combinamos anál ises sobre t ipo de
matér ia com a observação sobre o uso
de atr ibutos e recursos re lac ionados
ao texto, como chamada na pr imeira
capa fotos, gráf icos, boxes, c i tação de
dados etc .
As reportagens são campeãs
destacadas nas páginas, correspon-
dendo a 65,6% dos textos. Em segundo
lugar, perfazendo um quarto de tudo
que se publ ica, aparecem os colunões
(25,3%). Art igos ass inados vêm em
terceiro lugar, mas com presença re-
duzida, correspondendo a 3,1%. Colu-
nas ass inadas por art icul istas f ixos do
diár io) são raras (1 ,6%) 21; entrevistas ,
notas em colunas de notas (como Pai -
nel , Ancelmo etc . ) e Editor ia is somam
apenas 1,3% dos textos.
O manual da Folha de S . Paulo
def ine ass im os colunões: “Recurso
editor ia l usado na Folha para reunir
not íc ias que não demandem mais do
que nove l inhas impressas, seu tama-
nho-padrão. Como todas as notas cur-
tas , as suas têm alto índice de le i tura.
Não devem, portanto, ser encaradas
como vala comum da edição, dest ino
do que não coube na parte “nobre” das
páginas. É também no cuidado com es-
ses supostos “detalhes” que um jornal
se d ist ingue.”
A cobertura sobre v io lência ur-
bana parece dar uso pr iv i leg iado a
essas not íc ias curtas . Raras na seção
de Pol í t ica , e las são muito ut i l i zadas
para informar sobre serv iços, inc lus ive
21 O único jornal analisado a manter na sua edição impressa uma coluna dedicada exclusivamente à Segurança Pública foi O Povo ( a coluna sai de 15 em 15 dias, sempre às segundas-feiras).
Qualidade dos textos
Tabela 16 - Tipos de textos
30 nas editor ias de Economia (com infor-
mações sobre impostos e câmbio, por
exemplo) ; Internacional , Tur ismo, Es-
porte e Cultura. A lguns jornais reúnem
vár ias notas , sobre var iados assuntos,
numa única página (“Breves”, no Povo ;
“Folha corr ida”, na Folha de S . Paulo ) .
O uso muito frequente dos co-
lunões pode indicar um jornal ismo me-
nos contextual izado e aprofundado. O
veículo campeão no uso desse recurso
é o Agora SP. Em formato de tablo ide,
e le recorre aos colunões para publ icar
uma grande var iedade de not íc ias em
um pequeno espaço. No caso, a seção
“Nas ruas”, que conjuga duas ou três
reportagens (a lgumas or ig inadas por
seus repórteres e outras , da Folha de
S . Paulo ) encabeçadas por três notas
que, dessa forma, “abrem” diar iamen-
te a d iagramação da página. Depen-
dendo das reportagens, pode haver
outros colunões abaixo, na página.
Uma surpresa é o fato de que
30,3% dos textos dO Estado de S . Pau-
lo c l ipados foram colunões. O Estado
publ ica pouco sobre v io lência urbana
(aparece na penúlt ima posição, com
210 matér ias publ icadas no per íodo
anal isado, representando 11,7% do
peso dos jornais) e quase um terço de
suas publ icações é composto de pe-
quenas notas.
O Globo reduziu express ivamen-
te o número de colunões (correspondia
a 14,4% em 2004 e a apenas 5,1% em
2015) . O Agora SP manteve o formato
de tablo ide que já t inha em 2005 e fo i
o jornal que reduziu menos o núme-
ro de matér ias sobre v io lência: apenas
21,1%.
A aval iação do t ipo de texto, re-
vela , também, que a inda é muito res-
tr i ta a presença de textos anal í t icos ,
como editor ia is , art igos e colunas. As
colunas not ic iosas ass inadas também
dedicam pouca atenção à cobertura de
vio lência urbana. Aparentemente, te-
mas re lac ionados à segurança, drogas
e cr iminal idade a inda não são pr ior i -
tár ios para art icul istas , editor ia l i stas
e colunistas , grandes formadores de
opinião e inf luenciadores da agenda
públ ica.
Apesar de ausentes de edito-
r ia is e art igos, a cobertura de v io lên-
c ia urbana é destaque nos jornais .
Globo, Extra, Dia, Folha e Agora cha-
mam entre 16% e 25% das matér ias na
pr imeira página. O percentual é maior
nos veículos de venda em banca, pos-
s ivelmente pelo interesse que o tema
desperta nos le i tores. No Extra esse
recurso é usado mais intensamente:
um quarto de todas as matér ias publ i -
cadas sobre v io lência urbana pelo jor-
nal vão para a página mais importante.
Atributos, indícios de qualidade
Tabela 17 - Comparação dos tipos de textos - 2004 e 2015
O Estado (14,4%) e O Povo (13%) usam
esse recurso em menor proporção.
Boxes informat ivos são usados em
15% dos textos. O recurso é um indica-
dor de reportagens contextual izadas, já
que o box geralmente serve para deta-
lhar a lgum aspecto do texto pr inc ipal ,
re latando antecedentes do fato; expl i -
cando informações técnicas; ou apresen-
tando o local ou os personagens da ma-
tér ia . O Globo usou o recurso em 20,4%
dos textos que publ icou; o Agora SP , em
apenas 9,5%. O jornal Extra usou o box
em 18,3%, bem mais do que o Estado ,
por exemplo. Esse número pode estar re-
lac ionado ao projeto editor ia l do jornal ,
que favorece d iv id ir uma reportagem
longa em um texto pr inc ipal e outros
curtos.
I lustrações foram usadas em
13,7% dos casos, gera lmente em art i -
gos ou para va lor izar matér ias em que
as fotos não estão disponíveis ou não
ter iam o mesmo valor d idát ico. Gráf i -
cos (ou quadros ou mapas) foram usados
em 5,3% dos casos; e boxes de anál ise
ou opinião estão presentes em 4,6% dos
textos – o que compensa a pequena pre-
sença da v io lência urbana em editor ia is
e art igos.
Importante d izer que uma mesma
matér ia pode ter um ou mais recursos s i -
multâneos: chamada na pr imeira página,
box de opinião e gráf ico, por exemplo.
Por i sso, quando ver i f icamos a propor-
ção geral de publ icações sem nenhum
recurso encontramos 63,4%. Os jornais
que publ icam mais textos pequenos,
t ipo “colunões”, naturalmente apresen-
tam percentuais mais a l tos de “nenhum
recurso”, como o Agora (70,6%), Estado
(65,8%) e O Dia (64,7%).
31
Tabela 18 - Atributos das matérias
Tabela 19 - Comparação de aspectos da qualificação das matérias - 2004 e 2015
Se, como destacamos, i lustra-
ções, chamadas, gráf icos e boxes são
usados para va lor izar as matér ias , o
grande número de textos sem qual -
quer desses atr ibutos conf i rma o fato
de que a cobertura a inda é dominada
por textos factuais e pouco contextua-
l i zados.
Comparamos, por exemplo, a
presença de dados e estat íst icas nos
textos de 2004 e 2015. Houve eviden-
te melhora, a inda que informações nu-
méricas cont inuem escassas. Passaram
de 4,9% a 8,4%.
As fotos ou i lustrações, que es-
tavam presentes em 35,9% das maté-
r ias , agora aparecem em mais da me-
tade (54,4%). Um aumento que pode
estar re lac ionado à d iminuição dos co -
lunões.
Chamadas na pr imeira página
ocorr iam em apenas 7% dos casos em
2004; agora ocorrem em 18,1%, o que
mostra va lor ização do tema da v io lên-
c ia urbana e segurança públ ica
Os dados conf i rmam a impres-
são geral de que as publ icações sobre
v io lência urbana melhoraram de qual i -
dade, a inda que possam estar longe de
const i tu ir um acervo que se caracter i -
za pela complexidade e abrangência .
DEZ ANOS DEPOISO quanto a imprensa investe na cobertura
32
D i ferentemente da internet , os
veículos impressos enfrentam l imi-
tações de espaço, mais sér ias a inda
com a redução de páginas ver i f icadas
nos jornais . Ao lado da presença forte
dos colunões, i sso expl ica que apenas
40,8% das matér ias publ icadas t inham
fotograf ias .
O levantamento mostrou c lara-
mente que a publ icação de fotos nos
jornais anal isados segue procedimen-
tos para ev i tar explorar a v io lência pe-
las imagens. Olhando as fotograf ias ,
é poss ível infer i r que a maior parte
da imprensa superou a era do sensa-
c ional ismo agress ivo e declarado tão
comum na cobertura de cr ime até os
anos 1980. Um ícone do jornal ismo po-
pular, famoso pelo uso de imagens grá-
f icas de cadáveres e fer idos, o Notíc ias
Populares , de São Paulo, fechou em
2001; e O Povo , do Rio de Janeiro, que
t inha a mesma proposta, reformulou
sua l inha editor ia l em 2006. Em entre-
v ista na época da mudança editor ia l , o
editor do jornal car ioca d isse que “os
le i tores estão saturados desse t ipo de
cobertura”, refer indo-se a fotos de ca-
dáveres muti lados na capa. A re je ição
a esse t ipo de imagem chegou a moti -
var o Ministér io Públ ico a entrar com
uma ação, em 2009, que resultou na
proib ição dos três pr inc ipais jornais do
Pará – Diár io do Pará, O L iberal e Ama-
zônia – de publ icar imagens de ac iden-
tes e v í t imas de cr imes.
Nos jornais anal isados, é raro
encontrar fotos de cadáveres. Quando
publ icadas, em geral mostram o corpo
de longe ou coberto. Não são ex ib idos
fer imentos ou muti lações. Uma exce-
ção são os casos de agressão f ís ica ,
como espancamentos. Nessas not íc ias ,
é comum a publ icação de fotos das v í -
t imas ex ib indo as marcas no corpo.
Os jornais chamados populares
– e pr inc ipalmente os “ jornais popula-
res de qual idade”, segundo expressão
usada por a lguns pesquisadores 22 para
caracter izar d iár ios como O Dia , Ex-
tra , Agora São Paulo – e os novos jor-
nais “ locais” do inter ior parecem ter
adotado o recurso de manchetes i r re-
verentes, chamativas e em alguns ca-
sos engajadas e surpreendentes, mas
sem uso de fotos aberrantes. O mesmo
acontece mesmo em tablóides a inda
mais populares, como o Meia Hora e O
Expresso .
22 Veja por exemplo, artigo de Laura Seligman publicado em SBPJor/Sociedade Brasileira de Pesquisa em Jornalismo, em 2009.
Tabela 20 - Fotografias nos textos
33Imagens da
violência: edição evita exposição
Vale destacar que a internet tem
se encarregado de compensar com fol -
ga a restr ição da imprensa às imagens
vio lentas: em páginas de redes soc ia is ,
b logs e mesmo veículos jornal íst icos ,
é fác i l encontrar fotos e v ídeos pertur-
badores em sua v io lência .
Por f im, é importante ressaltar
o uso de recursos de proteção da iden-
t idade de entrevistados, indicando ob-
servância à estatutos de proteção da
cr iança e do adolescente e percepção
da responsabi l idade do jornal ista em
re lação à segurança do entrevistado.
No quest ionár io ut i l i zado para
a pesquisa, inc lu ímos questões adic io-
nais – junto com anál ises de atr ibutos
jornal íst icos apresentadas ac ima –
para tentar afer i r a proporção em que
os textos apresentavam algum t ipo de
d iscussão ou ao menos c i tavam ques-
tões soc ia is ” re lac ionadas ao do fato.
É verdade que essa pergunta pode ge-
rar interpretação um tanto subjet iva
do pesquisador que anal isa as maté-
r ias . Mas o resultado da ver i f icação
em 1.778 textos é muito express ivo do
verdadeiro deserto de contextual iza-
ção que acompanha as not íc ias . Vale
ressaltar que nesta questão era permi-
t ido marcar mais de uma opção.
O quadro geral é muito consis-
tente com tudo que ver i f icamos até
aqui : prat icamente, a ausência de
d iscussões sobre d ivers idade sexual ,
v io lência domést ica e de raça e et-
n ia . Entre os apenas 3,8% dos textos
em que as fatores como cor e raça es-
tavam c i tados ou mesmo anal isados,
como já v imos, a maior ia refer ia-se
a not íc ias internacionais , que na sua
or igem já receberam esse enquadre,
como as mortes de jovens negros pela
pol íc ia , que motivaram tensão rac ia l ,
manifestações e manchetes expl íc i tas
sobre o problema da v io lência e seu
v iés rac ia l nos EUA.
O debate mais presente é sobre
causas e consequências para a v io lên-
c ia – tentat ivas de invest igar e anal isar
o contexto em que se dão os cr imes
e atos v io lentos. Estes aparecem com
presença um pouco mais a l ta (8 ,6%) e
mais nos jornais formadores de opinião
(quase 20% nO Globo ) , o que também
é consistente com a frequência maior
Tabela 21 - Discussões e questões nos textos
34
Além do fato: as questões sociais
relacionadas à violência
nesses jornais de matér ias de opinião,
boxes e colunas ass inadas.
Estat íst icas e dados estão pre-
sentes em 9,1% das matér ias e esse é
um dado re levante para anal isarmos
mudanças nos ú l t imos anos, como ve-
remos a seguir.
Por f im, as c i tações sobre Le-
g is lação são re lat ivamente express ivas
(14,8%) e sem dúvida resultantes da
nova v is ib i l idade para os temas de Jus-
t iça nas pautas de cr imes e segurança
públ ica. O tema chega a ser presente
em quase 20% dos textos nos jornais
formadores de opinião.
A produção dos t í tu los é uma
etapa importante da edição do texto
jornal íst ico. E laborado para chamar a
atenção do le i tor, o t í tu lo s intet iza e
por vezes comenta o texto, apresen-
tando-o sob um enquadre que valor iza
determinados aspectos do fato ou aná-
l i se. Por i sso f izemos um levantamento
especia l de expressões mais f requen-
tes nas manchetes dos 1.778 textos
anal isados.
Nosso interesse fo i ver i f icar que
palavras são usadas agora para comu-
nicar sobre v io lência urbana na década
atual .
Os t í tu los de matér ias sobre
v io lência urbana em 2015 são uma
espécie de re ino de Thanatos. As no-
t íc ias de mortes, homic íd ios e assas-
s inatos são as mais f requentemente c i -
tadas nos t í tu los e estão em pr imeiro
lugar, com 329 menções. Se somamos
esses termos às 20 not íc ias que fa lam
de “chacinas” e aos 74 usos de “mata”
e “matado” (“Mãe mata f i lha de nove
anos”; “Adolescente confessa ter atro-
pelado e matado jovem”) chegamos a
423 menções.
Outro assunto extremamente
Tabela 22 – Frequência de palavras usadas nos títulos
35
Títulos: o que quer, o que pode essa
l íngua?
f requente nos t í tu los é a pol íc ia (188) .
Somado ao uso d ireto da s ig la PM (129)
e suas ações (pr isão, apreensão, inves-
t igação, operação e UPP) , a lcançamos
634 chamadas.
Quando se referem aos cr imino-
sos e agressores, os jornais anal isados
incorporaram preferencia lmente nas
manchetes a expressão suspeito (70) e
bem menos bandido (23) . Não encon-
tramos nenhum “vagabundo”.
As armas de fogo comparecem
com t i ros , t i rote ios , fuz is , confrontos,
arma e balas , que somam 167 usos.
F inalmente, ver i f icamos um
número a l to de t í tu los com palavras
como medo, horror, pânico, assusta –
ao todo, 86. Somados à palavra v io lên -
c ia e ataque, chegamos a 150 desta-
ques que retratam o temor e a tensão
na segurança públ ica.
36
Quando trabalhamos com um
programa de anál ise de textos – o sof-
tware IRaMuTeQ – para anal isar as pa-
lavras f requentes nos t í tu los da maté-
r ias de 2004 e 2015, vemos como as
manchetes mudaram pouco. De fato,
o fenômeno das mortes por causas ex-
ternas (que inc lu i mortes por ac identes
e suic íd ios) e , muito especia lmente, o
da v io lência leta l intencional (o fenô-
meno cr iminal do homic íd io) no Bras i l ,
tornou-se ao longo das ú l t imas déca-
das um problema “bras i le i ro”. Estac io-
namos no patamar a l t íss imo de 25 a 30
homic íd ios por 100 mi l habitantes há
quase duas décadas, com as atuais 60
mi l mortes not i f icadas por ano, apro-
x imadamente. As respostas bras i le i ras
a esta tragédia têm s ido inef ic ientes
e descoordenadas. O fenômeno é re-
sultante de d inâmicas d ist intas , porém
complementares (cultura de resolução
v io lenta de conf l i tos , cr ime organiza-
do, v io lência pol ic ia l inst i tuc ional iza-
da, grupos de extermínio, p isto lagem,
etc . ) . O país tarda em cr iar campanhas
de mobi l i zação e combina- las a ações
de prevenção e repressão, como f i -
zemos com temas complexos como a
Aids .
Enquanto isso os jornais im-
pr imem minúscula parte dos dramas
e tragédias de mi lhares de famí l ias ,
escolhendo publ icar a lguns dos casos
que lhes chegam pela pol íc ia , pelos
le i tores e pelas redes soc ia is . Casos
que se tornaram dignos de impressão
por fatores var iados: pelo local em que
ocorreram, pelas c i rcunstâncias , pelo
enredo socia l , econômico ou afet ivo.
Mas, na imensa maior ia das vezes, h is -
tór ias cuja not íc ia provavelmente não
produzem repercussões ou efe i tos em
pol í t icas públ icas ou a l teram a v ida
ou a compreensão dos le i tores. Quase
sempre histór ias sem acompanhamen-
to no dia seguinte.
A escolha por publ icar muito
sobre h istór ias que resultaram em vio-
lência leta l intencional nos parece, de
todo modo, mais pos i t iva do que omi-
t i r esses dramas ou pr ior izar os cr imes
contra o patr imônio. Em confrontos
com pol ic ia is em áreas de per i fer ia ,
por exemplo, a imprensa, impuls iona-
da pelo debate nas redes soc ia is , tem
s ido essencia l para ampl i f icar o ques-
t ionamento sobre pol í t icas de seguran-
ça e demandar dos responsáveis uma
ref lexão sobre a conduta das forças de
segurança. Poss ivelmente, quando a
soc iedade est iver pronta para des lan-
char campanhas e pol í t ica para reduzir
o fenômeno, os jornais que mais publ i -
cam sobre o assunto serão potencia l -
mente os mais interessados.
Palavras: o que não mudou em uma
década
37
Figura 2 - Nuvem de palavras usadas nos títulos em 2004
38
Figura 3 - Nuvem de palavras usadas nos títulos em 2015
39
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