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MÍDIA TELEVISIVA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA LEITURA DAS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO DO CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA Joseane Oliveira da Silva [email protected] ULBRA, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais e Interdisciplinares Canoas RS José Vicente Lima Robaina [email protected] ULBRA, Curso de Química, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais e Interdisciplinares Av. Farroupilha, 8001 - Bairro São José CEP 92425-900 Canoas RS Resumo: O entendimento dos conceitos da ciência desenvolvidos em sala de aula se apresenta como uma tarefa difícil para muitos alunos. A fim de minimizar esse impacto os professores buscam estratégias metodológicas que facilitem a construção destes conhecimentos. Neste cenário a mídia televisiva surge como uma alternativa facilitadora no processo de ensino e aprendizagem, porém requer uma avaliação e compreensão profunda, por parte dos professores, quanto a seus embates dentro do ambiente escolar. O presente trabalho objetiva avaliar as concepções dos estudantes do curso de Licenciatura em Química acerca do uso de mídias como cinema, televisão e documentários à luz dos estudos culturais desenvolvido por Henry Giroux, definido como Pedagogia da Mídia, e os conceitos de obstáculos epistemológicos descritos Gaston Bachelard. Para isso, foi aplicado um instrumento de coleta de dados, contendo questões abertas e fechadas, relacionado ao emprego de imagens midiáticas em sala de aula. A partir da análise dos resultados foi possível verificar que ainda é preciso discutir e aprofundar melhor os estudos culturais e a abordagem epistemológica de Bachelard no curso de Licenciatura em Química da ULBRA Canoas. Palavras-chave: Mídia, Formação de professores, Obstáculos epistemológicos. 1 INTRODUÇÃO Interpretar os conceitos de ciência desenvolvidos em sala de aula é concebido como uma tarefa difícil por muitos alunos. Segundo Mortimer, “... a linguagem é o mais importante instrumento social que o professor e os alunos utilizam para estruturarem o desenvolvimento das ideias. Ao mesmo tempo, esse instrumento de medição também coloca limites a esse processo” (2000, p.33). É importante destacarmos aqui, que essa linguagem pode ser oral,

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MÍDIA TELEVISIVA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA

LEITURA DAS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO DO CURSO DE

LICENCIATURA EM QUÍMICA

Joseane Oliveira da Silva – [email protected]

ULBRA, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais e Interdisciplinares

Canoas – RS

José Vicente Lima Robaina – [email protected]

ULBRA, Curso de Química, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais

e Interdisciplinares

Av. Farroupilha, 8001 - Bairro São José – CEP 92425-900

Canoas – RS

Resumo: O entendimento dos conceitos da ciência desenvolvidos em sala de aula se

apresenta como uma tarefa difícil para muitos alunos. A fim de minimizar esse impacto os

professores buscam estratégias metodológicas que facilitem a construção destes

conhecimentos. Neste cenário a mídia televisiva surge como uma alternativa facilitadora no

processo de ensino e aprendizagem, porém requer uma avaliação e compreensão profunda,

por parte dos professores, quanto a seus embates dentro do ambiente escolar. O presente

trabalho objetiva avaliar as concepções dos estudantes do curso de Licenciatura em Química

acerca do uso de mídias como cinema, televisão e documentários à luz dos estudos culturais

desenvolvido por Henry Giroux, definido como Pedagogia da Mídia, e os conceitos de

obstáculos epistemológicos descritos Gaston Bachelard. Para isso, foi aplicado um

instrumento de coleta de dados, contendo questões abertas e fechadas, relacionado ao

emprego de imagens midiáticas em sala de aula. A partir da análise dos resultados foi

possível verificar que ainda é preciso discutir e aprofundar melhor os estudos culturais e a

abordagem epistemológica de Bachelard no curso de Licenciatura em Química da ULBRA

Canoas.

Palavras-chave: Mídia, Formação de professores, Obstáculos epistemológicos.

1 INTRODUÇÃO

Interpretar os conceitos de ciência desenvolvidos em sala de aula é concebido como uma

tarefa difícil por muitos alunos. Segundo Mortimer, “... a linguagem é o mais importante

instrumento social que o professor e os alunos utilizam para estruturarem o desenvolvimento

das ideias. Ao mesmo tempo, esse instrumento de medição também coloca limites a esse

processo” (2000, p.33). É importante destacarmos aqui, que essa linguagem pode ser oral,

escrita ou até mesmo visual e é por isso que quando o professor define uma estratégia

metodológica é imprescindível que ele avalie os impactos que tais linguagens podem ter na

construção do conhecimento por parte dos alunos.

Dentro dos conceitos epistemológicos de Bachelard, sujeito e objeto estão em constante

relação e a partir disso propõem uma “ruptura epistemológica”, onde a construção do

conhecimento passa a ser baseada na interação entre o objeto de estudo e o sujeito. O filósofo

afirma que: “... o conhecimento é construído através da constante análise dos erros

anteriores..." (BACHELARD, 1996, p. 120), ou seja, o desenvolvimento do pensamento

científico não pode ser avaliado ao longo da história como um acúmulo de informações, mas

sim como um processo de constante ruptura e retificação. Para Bachelard, o vetor

epistemológico segue do "racional para real", assim, é preciso refletir sobre o objeto de

estudo, e não simplesmente se basear nas observações empíricas do mesmo.

Diante desse cenário, a atuação do professor como pesquisador dentro das salas de aula se

faz extremamente necessária. Nóvoa afirma que “O desafio dos profissionais na área escolar é

manter-se atualizado sobre novas metodologias de ensino e desenvolver práticas pedagógicas

eficientes.” (Revista Nova Escola, setembro/2008). E Tardif conclui que o professor é “... um

sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias, conhecimentos e

saberes de sua própria ação.” (ibidi, 2002, p.235).

Quando se pretende utilizar cinema, televisão ou outros recursos midiáticos como

estratégia de ensino é preciso refletir e estudar profundamente o material que será apresentado

aos alunos. As imagens midiáticas possibilitam a exibição de diferentes representações de

ciência e por esse motivo exigem uma leitura crítica. A partir disso surge a chamada

Pedagogia da Mídia, amplamente discutida por Henry Giroux (1995). O autor argumenta que

a mídia exerce um papel indutivo de ensinar, queiramos ou não, fazendo uso de práticas de

significado que, muitas vezes, privilegia a imagem e prejudica a análise crítica do que está

sendo mostrado.

Dentro dos conceitos descritos e através das contribuições que Giroux, Bachelard e Tardif

apresentam, objetiva-se compreender como os estudantes das disciplinas de estágio I, II, III e

IV do curso de graduação em Licenciatura em Química concebem o uso dos recursos

midiáticos em sala de aula, bem como analisar como está sendo definida a formação

pedagógica destes futuros professores com relação ao uso de tal recurso.

2 OS CONCEITOS NORTEADORES DO ESTUDO

Para que seja possível analisar as respostas fornecidas pelos alunos das turmas de Estágio

I, II, III e IV é preciso compreender os conceitos de pedagogia da mídia, propostos por Henry

Giroux (1995, 1997); os pressupostos epistemológicos de Gaston Bachelard (1996 e 2000) e

os estudos sobre formação de professores realizados por Tardif (2002).

O ponto de partida da pesquisa está alicerçado na pedagogia da mídia de Henry Giroux

que afirma, juntamente com McLaren:

Existe pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento é produzido, em

qualquer lugar em que existe a possibilidade de traduzir a experiência e construir

verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes,

superficiais e próximas ao lugar-comum. (Giroux e McLaren, 1995, p. 144).

Desta forma, é importante que o professor reconheça em suas ações e estratégias, o lugar

de construção das verdades e compreenda que linguagem e pensamento são interpretações dos

signos. Neste sentido, Giroux e McLaren (1995) apontam para importância de uma pedagogia

crítica da representação, afirmando que “O mundo das imagens deve ser entendido (...) como

um terreno de contestação que serve como locus de estrutura e poderes prático-discursivos

multivalentes.” (1995, p. 147). O autor também chama a atenção para a forma como a mídia

nos coloca na simples posição de espectador e argumenta que o papel desta cultura é de suma

importância para compreendermos a estrutura e a dinâmica de uma sociedade.

Podemos e devemos utilizar os contextos sociais, culturais, históricos e éticos das

imagens produzidas pela mídia, aliados as experiências que os estudantes adquirem na

produção de significados a partir de sua interação com ela, a fim de desenvolver em sala de

aula uma pedagogia crítica da representação. Segundo Stuart Hall (apud GIROUX, 1995,

p.149) “representação é a forma pela qual o significado é construído através da localização,

do posicionamento e da disposição do discurso”. Nesse sentido, a mídia fabrica suas imagens

de modo direcionado, para que o público a receba da forma que ela acredita ser a correta ou a

melhor, e por esse motivo, geralmente, exibe de forma oculta algumas de suas mensagens.

[...] os significados do conhecimento da mídia estão sempre limitados pelas

condições históricas, culturais e políticas de sua produção, pelos recursos

epistemológicos e interpretativos disponíveis para articular seus significados quando

são recebidos pelo/a espectador/a, e pelas formações de leitura que os/as

espectadores/as trazem para o ato de recepção (que depende muito das histórias e

experiências pessoais que são constitutivas do ato de recepção). Os conhecimentos

da mídia são sempre produtos desses limites. (GIROUX, 1995, p.152).

No intuito de “ensinar” ciência, a mídia faz uso dessa pedagogia com o objetivo de

construir o conhecimento científico a partir de um jogo de imagens que traduzem os

ensinamentos de sala de aula. Dessa maneira, diferentes esquemas de significados se cruzam

para melhor concretizar a abstração, muitas vezes necessária para o entendimento científico.

Muitas vezes a “adaptação” dos conceitos científicos feitos pela mídia, pode gerar certa

“vulgarização” da ciência que segundo Charaudeau “isso explica, em parte, que a

vulgarização praticada pela televisão seja mais deformante do que a praticada pelo rádio ou

pela imprensa” (CHARAUDEAU, 2006, p.62), ou seja, ela será maior quanto mais amplo e

diversificado for o público alvo, pois implicará na necessidade de uma transformação no

discurso original. Assim, o discurso promovido pela mídia televisiva é muito mais

informativo do que científico,

Neste sentido, o estudo dos obstáculos epistemológicos apontados por Gaston Bachelard,

nos permite analisar as representações de ciência da mídia de forma a identificar aspectos que

possam impedir o desenvolvimento do pensamento científico. Segundo ele:

[...] é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de

imperativo funcional, lentidão e conflitos. É aí que mostraremos causas de

estagnação e até de regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o

nome de obstáculos epistemológicos. (BACHELARD, 1996, p. 17).

Diante disso e para que possamos fazer uma leitura crítica das imagens midiáticas, nos

interessa compreender melhor quatro obstáculos epistemológicos definidos por Bachelard

(1996):

a) Obstáculo substancialista - baseia-se na noção de que uma determinada propriedade se

deve sempre a uma substância;

b) Obstáculo animista – caracteriza-se pelo fato de ilustrar vivo ou atribuir sentimentos a

objetos inanimados;

c) Obstáculo realista – caracteriza-se pelo de fato de atribuir à representação um caráter

de realidade que está além da própria noção original; e

d) Obstáculo verbal – caracteriza-se quando uma única palavra serve como significado de

vários conceitos, em diferentes contextos, atribuindo-lhes uma significação mais

metafórica do que científica.

De certa forma, Mortimer também faz referência a tais obstáculos e afirma que “...

aprendizagem de Ciências em sala de aula pode ser descrita como uma mudança de perfil

conceitual do estudante, cujo novo perfil inclui também, mas não exclusivamente, as novas

ideias científicas.” (MORTIMER, 2000, p.27).

Frente a tais questões, se faz necessário compreender o quanto os professores em

formação estão preparados para tais análises críticas. Nesse sentido Tardif (2002) desenvolve

um estudo acerca dos saberes dos professores e como tais saberes são construídos e

empregados no cotidiano da prática docente. O autor acredita que a escola é um lugar de

formação, inovação, experiência e de desenvolvimento profissional, mas também é um lugar

de pesquisa e de reflexão crítica e afirma que “Infelizmente, ainda há muitas pessoas (...) que

acreditam que basta entrar em uma sala de aula e abrir a boca para saber ensinar, como se

houvessem uma espécie de causalidade mágica entre ensinar e fazer aprender.” (TARDIF,

2002, p.121).

3 METODOLOGIA

Este estudo tem como base os pressupostos da pesquisa qualitativa. Para tanto, foi

utilizado a metodologia de estudo de caso, visto que visava um grupo específico. Salientando-

se que um dos focos de interesse da pesquisa qualitativa é a obtenção de dados descritivos

mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação de estudo para a validação

desta, esta metodologia representa uma estratégia adequada quando, segundo Yin (2005), se

colocam questões do tipo “como” e “por que”; o pesquisador tem pouco controle sobre os

eventos; e o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da

vida real.

Com o intuito de se obter dados para análise qualitativa, serão utilizados alguns recursos

advindos da prática de pesquisa quantitativa. Sampieri et all (2006) descrevem a importância

de unir os dois modelos (qualitativo e quantitativo) e afirmam que “... possibilitam o

desenvolvimento do conhecimento, a construção de teorias e a resolução de problemas.”

(ibidi, 2006, p.15).

Para que fosse possível realizar a análise proposta na introdução deste artigo, foi

solicitado que, voluntariamente, os estudantes respondessem um questionário contendo

questões abertas e fechadas, esta última utilizando-se da escala Likert, escolha múltipla e

questões dicotômicas. Este instrumento visava coletar dados acerca do perfil, formação e

conhecimento dos estudantes com relação à pedagogia da mídia e aos obstáculos

epistemológicos que possam estar contidos nas representações midiáticas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Os sujeitos da pesquisa

Para traçar o perfil geral dos sujeitos participantes desta pesquisa, foram propostas

algumas questões gerais que permitissem tal análise. O instrumento foi aplicado com as

quatro turmas de estágio do curso de Licenciatura em Química da ULBRA/RS em Canoas e

contou com a participação de trinta e três dos trinta e sete estudantes que cursam estas

disciplinas, onde: nove deles cursam o estágio I, seis o estágio II, nove o estágio III e nove o

estágio IV. Os quatro alunos que não participaram não estavam presentes no dia em que foi

aplicado o instrumento de coleta de dados. Os resultados que mais chamaram a atenção foram o fato de 100% dos alunos possuírem

acesso diário a internet em casa e apenas cinco deles já atuarem como professor, pois se

esperava que o número de pessoas atuando na área fosse superior.

Uma das questões solicitava que os estudantes enumerassem de 1 a 10 por ordem de

prioridade, considerando como 1 o mais importante e 10 o menos importante, os recursos

pedagógicos que acreditassem ser necessário utilizar para o ensino da ciência. No gráfico da

Figura 1 é possível observamos uma visão geral da priorização dos recursos didáticos feito

por esses professores em formação.

Figura 1 - Distribuição geral da priorização dos recursos didáticos.

A análise geral da priorização nos permite perceber que o laboratório ainda é o recurso

mais cogitado como alternativa pedagógica; 90% dos alunos priorizaram este recurso entre 1 e

5, sendo que 65% deles priorizaram como 1 ou 2. Logo em seguida vem o uso de

documentários e jogos didáticos com 83%, sendo que 52% dos sujeitos classificaram os

documentários entre 3 e 5 e 48% classificaram os jogos didáticos entre 1 e 2, ou seja, em

linhas gerais, eles consideram os jogos didáticos mais importantes do que os documentários.

Os recursos considerados menos importantes foram o teatro, com 97%, e a música com

90%. Os programas de TV aparecem em quinto lugar, onde 69% dos estudantes classificaram

entre 6 e 10, sendo que 45% deles classificaram entre 8 e 10.

Dentre os programas que estes estudantes acompanham com frequência os mais citados

foram: Tele Jornais (23 pessoas), Fantástico, Globo Repórter e Filmes (cada um com 18

pessoas) e Documentários (17 pessoas). A opção seriados foi uma das de menor aderência, e

dos que a selecionaram, a maior parte é da TV por assinatura, como por exemplo: CSI, Bones

e o Mundo de Beakman. Quando questionados sobre quais assuntos que remetem à ciência

eles costumam ver com maior frequência nos programas que acompanham os mais citados

foram conteúdos relacionados à natureza e ao meio ambiente, totalizando 23 citações.

Em seguida, foram propostas algumas questões abertas onde o participante poderia se

posicionar livremente quanto a sua relação cotidiana com a mídia. Entre elas, foi questionado

se eles julgavam ter aprendido melhor algum conceito da ciência através de algum tipo de

mídia como televisão, cinema ou documentários. O resultado foi surpreendente, pois 43% dos

estudantes que responderam esta questão disseram não ter aprendido melhor nenhum conceito

científico através da mídia.

Outra questão levantada foi quais assuntos que remetem à ciência eles costumavam ver

com maior frequência nos programas que eles assinalaram assistir. O assunto mais citado

foram os relacionados à natureza, englobando poluição, animais e meio ambiente, com 60%

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Recurso Didático

Prioridade dos Recursos

Prioridade 1 a 5

Prioridade 6 a 10

das repostas; em seguida aparecem assuntos relacionados à saúde (tratamentos e medicação),

com 24% e química forense com 15%.

4.2 Os conhecimentos pedagógicos e epistemológicos dos sujeitos

A análise de como está sendo definida a formação pedagógica destes futuros professores

com relação ao uso de mídias em sala de aula, foi realizada a partir do posicionamento desses

estudantes com relação a algumas afirmações propostas. Eles deveriam assinalar se

concordavam ou não com o que estava sendo dito. Para isto, foi utilizada a escala Likert da

seguinte forma: CT – concordo totalmente, C – concordo, D – discordo, DT – discordo

totalmente, SO – sem opinião.

Foi afirmado: “Tenho um conhecimento suficiente sobre filosofia da ciência”, a Figura 2

apresenta a distribuição das respostas fornecidas pelo grupo.

Figura 2 - Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre seus conhecimentos

filosóficos.

O resultado desta afirmativa é bastante curioso. O percentual de estudantes que não

concordam ter um conhecimento suficiente sobre filosofia da ciência é elevado, apesar da

maioria deles se posicionar favorável à questão anterior onde era afirmado que o currículo do

curso oferece disciplinas que permitem a discussão e estudo de diferentes vertentes

epistemológicas, por esse motivo o resultado esperado era diferente.

Avaliando o currículo do curso, percebemos que o mesmo oferece uma disciplina de

Filosofia da Educação, porém o foco da mesma é o estudo de autores como Paulo Freire e não

a filosofia da ciência.

Em seguida é afirmado: “O conhecimento da história e epistemologia da ciência auxiliam

a elaboração e execução das estratégias pedagógicas.”, nesta questão 90% dos participantes da

pesquisa se posicionaram a favor, o que justifica o alto percentual de discordância com

relação à afirmativa apresentada na Figura 2. O fato de esses alunos estarem passando pelos

desafios e dificuldades da sala de aula e da elaboração de estratégias pedagógicas, pode ter

incitado sua curiosidade e mais ainda, suas dúvidas com conceitos relacionados à história e

filosofia da ciência, levando-os a refletir e questionar quanto aos seus saberes no momento de

responder a esta afirmação.

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Aproximadamente 65% dos participantes assinalaram discordar da afirmação

“representações concretas de conceitos abstratos da ciência interfere na evolução do

conhecimento científico”, o que evidencia o pouco conhecimento deste grupo no que se refere

aos obstáculos epistemológicos. Não pretendo com isso negar que a representação de uma

molécula de água através de esferas ligadas entre si por palitos de madeira, por exemplo, é

uma forma de exemplificar a maneira como esta está disposta no espaço. O que pretendo, é

levantar o questionamento crítico quanto à utilização de tais artifícios metodológicos; que

estes devem ser encarados pelos professores como uma primeira fase do desenvolvimento do

pensamento científico e que por se tratar de uma etapa inicial exige outras alternativas e

requer uma discussão profunda sobre seu papel diante do processo de ensino e aprendizagem.

Neste sentido Bachelard argumenta que:

O materialismo, com efeito, procede de uma abstração inicial que parece dever

mutilar para sempre a noção de matéria. [...], o materialismo tende ainda a limitar a

matéria: recusando-lhe qualidade a distância pela proibição de agir onde ela não

está. Por uma propensão insensível, o materialismo chega ao atomismo realista.

(BACHELARD, 2000, p.59).

Desta forma, busquei verificar a compreensão dos estudantes acerca dos obstáculos

realistas (dentre outros) apontados por Gaston Bachelard. Segundo o filósofo: “a ideia de

substância é tão clara, tão simples, tão pouco discutida, que deve apoiar-se numa experiência

bem mais íntima que qualquer outra.” (BACHELARD, 1996, p. 163), ou seja, a simplificação

exagerada dos conceitos pode impedir que este evolua para o abstrato.

Podemos utilizar representações, mas devemos analisar como estas serão empregadas e

permitir que evoluam. Não podemos reduzir as explicações científicas a analogias simplórias

e com pouco ou nenhuma relação com a realidade.

Nas afirmativas relacionadas ao uso de mídias em sala de aula, mais de 90% dos

estudantes concordaram que é possível fazer uso de programas de televisão, cinema e

documentários para o ensino de ciências. Contudo, cabe ao professor selecionar e analisar os

materiais midiáticos a fim de emprega-los de forma consciente. Vale ressaltar aqui uma

afirmação de Henry de Giroux:

Como é impossível para o telespectador, a menos que disponha de um equipamento

de vídeo, reduzir a velocidade ou observar novamente a rápida difusão de imagens,

ele tem poucas chances de se distanciar do conteúdo da produção visual e refletir

sobre seu significado. (GIROUX, 1997, p.118).

Desta forma, o professor possui um papel importante como mediador das discussões

relacionadas aos conteúdos visuais que a televisão apresenta, pois suas mensagens vão além

do conteúdo científico, elas são carregadas de conceitos culturais e sociais que devem ser

profundamente avaliados.

Na Figura 3 podemos observar a distribuição das respostas fornecidas pelos alunos com

relação à afirmativa: “Documentários são um melhor recurso quando se pretende desenvolver

conceitos relacionados às ciências.”.

Figura 3 - Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre o uso de

documentários.

Relacionando o gráfico da Figura 1 com o resultado desta afirmativa, verificamos que

83% dos participantes da pesquisa priorizaram documentários entre 1 e 5 e apenas 31%

priorizaram programas de televisão entre 1 e 5, fica evidente que eles acreditam que o

primeiro recurso é mais carregado de conteúdo científico do que um simples programa de

televisão. Sem dúvida é mais fácil encontrarmos material que aborde conteúdos de ciência nos

documentários da Discovery do que nos programas matinais ou nos filmes da Sessão da Tarde

exibidos pela rede Globo, mas Piassi e Pietrocola apontam para importância de fazermos uso

dos “erros” contidos nas mídias a fim de propiciar um debate a cerca da construção dos

conceitos científicos e afirmam: “é didática, porque se propõe a veicular ideias, mas não no

sentido de explicar o que é a ciência ou ensinar conceitos científicos, embora isso possa

ocorrer ocasionalmente.” (ibidi, 2009, p.536). Em suma, podemos fazer uso da mídia se

utilizada de forma crítica e discursiva.

Traçando um novo comparativo com os resultados apresentados na Figura 1, percebemos

certa contradição nas respostas. A priorização do recurso cinema ficou entre 6 e 10 por 79%

dos estudantes, sendo que 52% deles priorizaram entre 8 e 10, em resumo, este recurso ocupa

a sétima colocação na preferência deste grupo; apesar disso, 90% deles concordaram que o

cinema pode ensinar ciência,

Piassi e Pietrocola (2009) argumentam que o cinema (em particular filmes de ficção

científica - FC), apresenta-se como um bom recurso didático, pois possibilita uma ligação

afetiva do aluno com o conteúdo científico e afirmam:

A FC trabalha em um limiar, que é a fronteira entre os sentimentos e a

racionalidade. A racionalidade, a lógica das conclusões e o estabelecimento de

relações causais podem ser explicitados em um discurso não literário. Os

sentimentos que expressam angústias, preocupações, admiração, perplexidade —

que são, por assim dizer, a matéria-prima da imaginação e da criatividade — só

aparecem de forma contundente no trabalho ficcional. (PIASSIE PEITROCOLA,

2009, p.537).

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Quando questionados sobre a importância de analisar o impacto cultural, social e ético

que as mídias podem implicar, 97% dos estudantes assinalaram concordar com a afirmação.

Nesse sentido Giroux e McLaren apontam para importância de uma pedagogia crítica da

representação: “O mundo das imagens deve ser entendido, a partir de uma perspectiva

pedagógica, como um terreno de contestação que serve como locus de estrutura e poderes

prático-discursivos multivalentes.” (ibid, 1995, p. 147), ou seja, a mídia impõe uma

diversidade de discursos - culturais, econômicos, sociais, etc. - e nós, enquanto professores,

precisamos compreender e avaliar os diferentes impactos que nossas escolhas pedagógicas

possam acarretar.

Por fim foi afirmado: “O ‘certo’ e ‘errado’ apresentado nos programa de TV, filmes e

documentários permite discutir em sala de aula a forma como a ciência é construída.”. A

Figura 4 apresenta a distribuição das repostas fornecidas pelos alunos das turmas de estágio I,

II, III e IV.

Figura 4 – Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre o “certo” e “errado”

apresentados na mídia televisiva.

Analisando o gráfico da Figura 4, percebemos que a maioria dos estudantes (90%)

concorda ou concorda totalmente que o “certo” e “errado” apresentado na mídia permite uma

discussão sobre como a ciência é construída.

Para que esse processo seja realmente produtivo, cabe ao professor incitar, estimular e

oportunizar que esses momentos de discussão ocorram, mas para isso é preciso que ele esteja

preparado e consiga perceber além do conteúdo que as imagens midiáticas apresentam.

Segundo Piassi e Pietrocola: “Somente quando o professor for capaz de ver algo além da

superfície é que poderá mostrar aos alunos aquilo que não é imediatamente visível, de levá-

los a refletir sobre a própria construção de seu conhecimento.” (ibidi, 2009, P. 536).

De acordo com Tardif (2002), o conhecimento docente, assim como qualquer outro, é

socialmente estabelecido, assim, os conhecimentos trabalhados em sala de aula só ganham

sentido quando o professor possui experiências significativas com ele. Portanto, é preciso

compreender que existe uma relação intrínseca entre o saber docente e o trabalho na sala de

aula e que tais saberes estão vinculados à pessoa e dependem do que ela é e faz, bem como do

que ela foi e do que fez .

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[...] o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber

deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de

vida e com a sua história profissional, com as suas relações com aos alunos em sala

de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. (TARDIF, 2002, p.11)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se com este trabalho compreender como os estudantes das disciplinas de estágio

I, II, III e IV do curso de graduação em Licenciatura em Química concebem o uso das mídias

em sala de aula, bem como analisar como está sendo definida a formação pedagógica destes

futuros professores com relação ao uso de tal recurso. A partir de algumas questões os

estudantes puderam se posicionar a favor ou contra o que estava sendo afirmado e com a

tabulação dos resultados obtidos, foi possível refletir sobre os conhecimentos e preparo desses

profissionais no diz respeito ao emprego das mídias e identificação dos obstáculos

epistemológicos.

A análise das respostas fornecidas pelos estudantes nos leva a indagar sobre o quanto os

estudos culturais são abordados nos cursos de Licenciatura em Química, bem como nos faz

perceber que tais abordagens são indispensáveis à formação de profissionais na área da

educação.

Uma vez que nossas ações pedagógicas são um reflexo de tudo aquilo que acreditamos e

tomamos como necessário e significativo, precisamos ter muito claro que nos saberes

docentes estão inclusos a relação do professor com o ambiente, sua interpretação,

identificação, modelagem e orientação. Nesse sentido, o cotidiano tem um importante papel,

pois é a partir dele que muitas questões são pensadas e suas possíveis respostas são traçadas,

ou seja, é dele que nascem as experiências e a ele que elas retornam. O professor não usa o

saber em si, aquele adquirido puramente nos centros de formação profissional, mas sim

através de toda associação que ele faz com seu cotidiano, que formam o saber ensinar, que

advém de suas experiências pessoais, familiares, estudantis e de tudo mais que o cerca.

Diante desse cenário, torna-se impossível para o professor negar que a mídia também se

constituiu como um espaço de formação de conhecimento. Assim, avaliar qual compreensão

os estudantes das disciplinas de estágio possuem a cerca dos benefícios e prejuízos que o uso

da mídia pode acarretar para o aprendizado das ciências, se caracteriza como um campo

importante na análise de sua formação e de suas convicções enquanto profissionais, pois

fornecem um “recorte” de como esses professores em formação veem o mundo e como eles

articulam e tratam os empasses apresentados na mídia televisiva.

Ora, visto que o ambiente de formação dos professores é composto por uma diversidade

de situações, este mesmo saber profissional vem carregado de vícios que podem (ou não) se

colocar como um fator de complexidade na maneira como ele desenvolve os conceitos da

ciência dentro da sala de aula. Não podemos negar que a prática docente é feita a partir da

visão cultural e conhecimentos específicos do sujeito que a executa e que estas são ícones

interligados.

Portanto, para que esses profissionais sejam capazes de analisar criticamente a mídia

enquanto recurso pedagógico é preciso que os assuntos relacionados à pedagogia da mídia e

aos obstáculos epistemológicos sejam mais aprofundados no curso de graduação em

Licenciatura em Química. Desta forma, os futuros professores saberão olhar além daquilo que

a imagem mostra, bem como compreenderão que também no ensino de ciência estamos

influenciando a formação de indivíduos que constituem toda uma sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma

psicanálise do conhecimento. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:

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2002.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução Daniel Grassi. 3. ed.

Porto Alegre: Bookman, 2005.

MEDIA TELEVISION AND TEACHER: A READING OF SUBJECTS

OF TRAINING COURSE DEGREE IN CHEMISTRY

Abstract: The understanding of science concepts developed in the classroom is presented as a

difficult task for many students. To minimize this impact teachers seek methodological

strategies that facilitate the construction of knowledge. In this scenario the television media is

an alternative facilitator in the process of teaching and learning, but requires a deep

assessment and understanding, by teachers, about their struggles inside the school

environment. The present study aims to evaluate the students' conceptions of the Degree in

Chemistry on the use of media such as film, television and documentaries in the light of

cultural studies developed by Henry Giroux, defined as the Media Pedagogy, and the

concepts of epistemological obstacles described Gaston Bachelard. For this, it was applied a

data collection instrument containing closed and open questions related to the use of media

images in the classroom. From the analysis of the results was possible to verify that it is still

necessary to discuss and develop better the cultural studies and epistemological approach in

Bachelard's Degree in Chemistry ULBRA Canoas.

Key-words: Media, Teacher training, epistemological obstacles.