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MÍDIA TELEVISIVA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA
LEITURA DAS DISCIPLINAS DE ESTÁGIO DO CURSO DE
LICENCIATURA EM QUÍMICA
Joseane Oliveira da Silva – [email protected]
ULBRA, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais e Interdisciplinares
Canoas – RS
José Vicente Lima Robaina – [email protected]
ULBRA, Curso de Química, Especialização em Ciências da Natureza: Aspectos Transversais
e Interdisciplinares
Av. Farroupilha, 8001 - Bairro São José – CEP 92425-900
Canoas – RS
Resumo: O entendimento dos conceitos da ciência desenvolvidos em sala de aula se
apresenta como uma tarefa difícil para muitos alunos. A fim de minimizar esse impacto os
professores buscam estratégias metodológicas que facilitem a construção destes
conhecimentos. Neste cenário a mídia televisiva surge como uma alternativa facilitadora no
processo de ensino e aprendizagem, porém requer uma avaliação e compreensão profunda,
por parte dos professores, quanto a seus embates dentro do ambiente escolar. O presente
trabalho objetiva avaliar as concepções dos estudantes do curso de Licenciatura em Química
acerca do uso de mídias como cinema, televisão e documentários à luz dos estudos culturais
desenvolvido por Henry Giroux, definido como Pedagogia da Mídia, e os conceitos de
obstáculos epistemológicos descritos Gaston Bachelard. Para isso, foi aplicado um
instrumento de coleta de dados, contendo questões abertas e fechadas, relacionado ao
emprego de imagens midiáticas em sala de aula. A partir da análise dos resultados foi
possível verificar que ainda é preciso discutir e aprofundar melhor os estudos culturais e a
abordagem epistemológica de Bachelard no curso de Licenciatura em Química da ULBRA
Canoas.
Palavras-chave: Mídia, Formação de professores, Obstáculos epistemológicos.
1 INTRODUÇÃO
Interpretar os conceitos de ciência desenvolvidos em sala de aula é concebido como uma
tarefa difícil por muitos alunos. Segundo Mortimer, “... a linguagem é o mais importante
instrumento social que o professor e os alunos utilizam para estruturarem o desenvolvimento
das ideias. Ao mesmo tempo, esse instrumento de medição também coloca limites a esse
processo” (2000, p.33). É importante destacarmos aqui, que essa linguagem pode ser oral,
escrita ou até mesmo visual e é por isso que quando o professor define uma estratégia
metodológica é imprescindível que ele avalie os impactos que tais linguagens podem ter na
construção do conhecimento por parte dos alunos.
Dentro dos conceitos epistemológicos de Bachelard, sujeito e objeto estão em constante
relação e a partir disso propõem uma “ruptura epistemológica”, onde a construção do
conhecimento passa a ser baseada na interação entre o objeto de estudo e o sujeito. O filósofo
afirma que: “... o conhecimento é construído através da constante análise dos erros
anteriores..." (BACHELARD, 1996, p. 120), ou seja, o desenvolvimento do pensamento
científico não pode ser avaliado ao longo da história como um acúmulo de informações, mas
sim como um processo de constante ruptura e retificação. Para Bachelard, o vetor
epistemológico segue do "racional para real", assim, é preciso refletir sobre o objeto de
estudo, e não simplesmente se basear nas observações empíricas do mesmo.
Diante desse cenário, a atuação do professor como pesquisador dentro das salas de aula se
faz extremamente necessária. Nóvoa afirma que “O desafio dos profissionais na área escolar é
manter-se atualizado sobre novas metodologias de ensino e desenvolver práticas pedagógicas
eficientes.” (Revista Nova Escola, setembro/2008). E Tardif conclui que o professor é “... um
sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias, conhecimentos e
saberes de sua própria ação.” (ibidi, 2002, p.235).
Quando se pretende utilizar cinema, televisão ou outros recursos midiáticos como
estratégia de ensino é preciso refletir e estudar profundamente o material que será apresentado
aos alunos. As imagens midiáticas possibilitam a exibição de diferentes representações de
ciência e por esse motivo exigem uma leitura crítica. A partir disso surge a chamada
Pedagogia da Mídia, amplamente discutida por Henry Giroux (1995). O autor argumenta que
a mídia exerce um papel indutivo de ensinar, queiramos ou não, fazendo uso de práticas de
significado que, muitas vezes, privilegia a imagem e prejudica a análise crítica do que está
sendo mostrado.
Dentro dos conceitos descritos e através das contribuições que Giroux, Bachelard e Tardif
apresentam, objetiva-se compreender como os estudantes das disciplinas de estágio I, II, III e
IV do curso de graduação em Licenciatura em Química concebem o uso dos recursos
midiáticos em sala de aula, bem como analisar como está sendo definida a formação
pedagógica destes futuros professores com relação ao uso de tal recurso.
2 OS CONCEITOS NORTEADORES DO ESTUDO
Para que seja possível analisar as respostas fornecidas pelos alunos das turmas de Estágio
I, II, III e IV é preciso compreender os conceitos de pedagogia da mídia, propostos por Henry
Giroux (1995, 1997); os pressupostos epistemológicos de Gaston Bachelard (1996 e 2000) e
os estudos sobre formação de professores realizados por Tardif (2002).
O ponto de partida da pesquisa está alicerçado na pedagogia da mídia de Henry Giroux
que afirma, juntamente com McLaren:
Existe pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento é produzido, em
qualquer lugar em que existe a possibilidade de traduzir a experiência e construir
verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes,
superficiais e próximas ao lugar-comum. (Giroux e McLaren, 1995, p. 144).
Desta forma, é importante que o professor reconheça em suas ações e estratégias, o lugar
de construção das verdades e compreenda que linguagem e pensamento são interpretações dos
signos. Neste sentido, Giroux e McLaren (1995) apontam para importância de uma pedagogia
crítica da representação, afirmando que “O mundo das imagens deve ser entendido (...) como
um terreno de contestação que serve como locus de estrutura e poderes prático-discursivos
multivalentes.” (1995, p. 147). O autor também chama a atenção para a forma como a mídia
nos coloca na simples posição de espectador e argumenta que o papel desta cultura é de suma
importância para compreendermos a estrutura e a dinâmica de uma sociedade.
Podemos e devemos utilizar os contextos sociais, culturais, históricos e éticos das
imagens produzidas pela mídia, aliados as experiências que os estudantes adquirem na
produção de significados a partir de sua interação com ela, a fim de desenvolver em sala de
aula uma pedagogia crítica da representação. Segundo Stuart Hall (apud GIROUX, 1995,
p.149) “representação é a forma pela qual o significado é construído através da localização,
do posicionamento e da disposição do discurso”. Nesse sentido, a mídia fabrica suas imagens
de modo direcionado, para que o público a receba da forma que ela acredita ser a correta ou a
melhor, e por esse motivo, geralmente, exibe de forma oculta algumas de suas mensagens.
[...] os significados do conhecimento da mídia estão sempre limitados pelas
condições históricas, culturais e políticas de sua produção, pelos recursos
epistemológicos e interpretativos disponíveis para articular seus significados quando
são recebidos pelo/a espectador/a, e pelas formações de leitura que os/as
espectadores/as trazem para o ato de recepção (que depende muito das histórias e
experiências pessoais que são constitutivas do ato de recepção). Os conhecimentos
da mídia são sempre produtos desses limites. (GIROUX, 1995, p.152).
No intuito de “ensinar” ciência, a mídia faz uso dessa pedagogia com o objetivo de
construir o conhecimento científico a partir de um jogo de imagens que traduzem os
ensinamentos de sala de aula. Dessa maneira, diferentes esquemas de significados se cruzam
para melhor concretizar a abstração, muitas vezes necessária para o entendimento científico.
Muitas vezes a “adaptação” dos conceitos científicos feitos pela mídia, pode gerar certa
“vulgarização” da ciência que segundo Charaudeau “isso explica, em parte, que a
vulgarização praticada pela televisão seja mais deformante do que a praticada pelo rádio ou
pela imprensa” (CHARAUDEAU, 2006, p.62), ou seja, ela será maior quanto mais amplo e
diversificado for o público alvo, pois implicará na necessidade de uma transformação no
discurso original. Assim, o discurso promovido pela mídia televisiva é muito mais
informativo do que científico,
Neste sentido, o estudo dos obstáculos epistemológicos apontados por Gaston Bachelard,
nos permite analisar as representações de ciência da mídia de forma a identificar aspectos que
possam impedir o desenvolvimento do pensamento científico. Segundo ele:
[...] é no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie de
imperativo funcional, lentidão e conflitos. É aí que mostraremos causas de
estagnação e até de regressão, detectaremos causas de inércia às quais daremos o
nome de obstáculos epistemológicos. (BACHELARD, 1996, p. 17).
Diante disso e para que possamos fazer uma leitura crítica das imagens midiáticas, nos
interessa compreender melhor quatro obstáculos epistemológicos definidos por Bachelard
(1996):
a) Obstáculo substancialista - baseia-se na noção de que uma determinada propriedade se
deve sempre a uma substância;
b) Obstáculo animista – caracteriza-se pelo fato de ilustrar vivo ou atribuir sentimentos a
objetos inanimados;
c) Obstáculo realista – caracteriza-se pelo de fato de atribuir à representação um caráter
de realidade que está além da própria noção original; e
d) Obstáculo verbal – caracteriza-se quando uma única palavra serve como significado de
vários conceitos, em diferentes contextos, atribuindo-lhes uma significação mais
metafórica do que científica.
De certa forma, Mortimer também faz referência a tais obstáculos e afirma que “...
aprendizagem de Ciências em sala de aula pode ser descrita como uma mudança de perfil
conceitual do estudante, cujo novo perfil inclui também, mas não exclusivamente, as novas
ideias científicas.” (MORTIMER, 2000, p.27).
Frente a tais questões, se faz necessário compreender o quanto os professores em
formação estão preparados para tais análises críticas. Nesse sentido Tardif (2002) desenvolve
um estudo acerca dos saberes dos professores e como tais saberes são construídos e
empregados no cotidiano da prática docente. O autor acredita que a escola é um lugar de
formação, inovação, experiência e de desenvolvimento profissional, mas também é um lugar
de pesquisa e de reflexão crítica e afirma que “Infelizmente, ainda há muitas pessoas (...) que
acreditam que basta entrar em uma sala de aula e abrir a boca para saber ensinar, como se
houvessem uma espécie de causalidade mágica entre ensinar e fazer aprender.” (TARDIF,
2002, p.121).
3 METODOLOGIA
Este estudo tem como base os pressupostos da pesquisa qualitativa. Para tanto, foi
utilizado a metodologia de estudo de caso, visto que visava um grupo específico. Salientando-
se que um dos focos de interesse da pesquisa qualitativa é a obtenção de dados descritivos
mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação de estudo para a validação
desta, esta metodologia representa uma estratégia adequada quando, segundo Yin (2005), se
colocam questões do tipo “como” e “por que”; o pesquisador tem pouco controle sobre os
eventos; e o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da
vida real.
Com o intuito de se obter dados para análise qualitativa, serão utilizados alguns recursos
advindos da prática de pesquisa quantitativa. Sampieri et all (2006) descrevem a importância
de unir os dois modelos (qualitativo e quantitativo) e afirmam que “... possibilitam o
desenvolvimento do conhecimento, a construção de teorias e a resolução de problemas.”
(ibidi, 2006, p.15).
Para que fosse possível realizar a análise proposta na introdução deste artigo, foi
solicitado que, voluntariamente, os estudantes respondessem um questionário contendo
questões abertas e fechadas, esta última utilizando-se da escala Likert, escolha múltipla e
questões dicotômicas. Este instrumento visava coletar dados acerca do perfil, formação e
conhecimento dos estudantes com relação à pedagogia da mídia e aos obstáculos
epistemológicos que possam estar contidos nas representações midiáticas.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Os sujeitos da pesquisa
Para traçar o perfil geral dos sujeitos participantes desta pesquisa, foram propostas
algumas questões gerais que permitissem tal análise. O instrumento foi aplicado com as
quatro turmas de estágio do curso de Licenciatura em Química da ULBRA/RS em Canoas e
contou com a participação de trinta e três dos trinta e sete estudantes que cursam estas
disciplinas, onde: nove deles cursam o estágio I, seis o estágio II, nove o estágio III e nove o
estágio IV. Os quatro alunos que não participaram não estavam presentes no dia em que foi
aplicado o instrumento de coleta de dados. Os resultados que mais chamaram a atenção foram o fato de 100% dos alunos possuírem
acesso diário a internet em casa e apenas cinco deles já atuarem como professor, pois se
esperava que o número de pessoas atuando na área fosse superior.
Uma das questões solicitava que os estudantes enumerassem de 1 a 10 por ordem de
prioridade, considerando como 1 o mais importante e 10 o menos importante, os recursos
pedagógicos que acreditassem ser necessário utilizar para o ensino da ciência. No gráfico da
Figura 1 é possível observamos uma visão geral da priorização dos recursos didáticos feito
por esses professores em formação.
Figura 1 - Distribuição geral da priorização dos recursos didáticos.
A análise geral da priorização nos permite perceber que o laboratório ainda é o recurso
mais cogitado como alternativa pedagógica; 90% dos alunos priorizaram este recurso entre 1 e
5, sendo que 65% deles priorizaram como 1 ou 2. Logo em seguida vem o uso de
documentários e jogos didáticos com 83%, sendo que 52% dos sujeitos classificaram os
documentários entre 3 e 5 e 48% classificaram os jogos didáticos entre 1 e 2, ou seja, em
linhas gerais, eles consideram os jogos didáticos mais importantes do que os documentários.
Os recursos considerados menos importantes foram o teatro, com 97%, e a música com
90%. Os programas de TV aparecem em quinto lugar, onde 69% dos estudantes classificaram
entre 6 e 10, sendo que 45% deles classificaram entre 8 e 10.
Dentre os programas que estes estudantes acompanham com frequência os mais citados
foram: Tele Jornais (23 pessoas), Fantástico, Globo Repórter e Filmes (cada um com 18
pessoas) e Documentários (17 pessoas). A opção seriados foi uma das de menor aderência, e
dos que a selecionaram, a maior parte é da TV por assinatura, como por exemplo: CSI, Bones
e o Mundo de Beakman. Quando questionados sobre quais assuntos que remetem à ciência
eles costumam ver com maior frequência nos programas que acompanham os mais citados
foram conteúdos relacionados à natureza e ao meio ambiente, totalizando 23 citações.
Em seguida, foram propostas algumas questões abertas onde o participante poderia se
posicionar livremente quanto a sua relação cotidiana com a mídia. Entre elas, foi questionado
se eles julgavam ter aprendido melhor algum conceito da ciência através de algum tipo de
mídia como televisão, cinema ou documentários. O resultado foi surpreendente, pois 43% dos
estudantes que responderam esta questão disseram não ter aprendido melhor nenhum conceito
científico através da mídia.
Outra questão levantada foi quais assuntos que remetem à ciência eles costumavam ver
com maior frequência nos programas que eles assinalaram assistir. O assunto mais citado
foram os relacionados à natureza, englobando poluição, animais e meio ambiente, com 60%
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Recurso Didático
Prioridade dos Recursos
Prioridade 1 a 5
Prioridade 6 a 10
das repostas; em seguida aparecem assuntos relacionados à saúde (tratamentos e medicação),
com 24% e química forense com 15%.
4.2 Os conhecimentos pedagógicos e epistemológicos dos sujeitos
A análise de como está sendo definida a formação pedagógica destes futuros professores
com relação ao uso de mídias em sala de aula, foi realizada a partir do posicionamento desses
estudantes com relação a algumas afirmações propostas. Eles deveriam assinalar se
concordavam ou não com o que estava sendo dito. Para isto, foi utilizada a escala Likert da
seguinte forma: CT – concordo totalmente, C – concordo, D – discordo, DT – discordo
totalmente, SO – sem opinião.
Foi afirmado: “Tenho um conhecimento suficiente sobre filosofia da ciência”, a Figura 2
apresenta a distribuição das respostas fornecidas pelo grupo.
Figura 2 - Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre seus conhecimentos
filosóficos.
O resultado desta afirmativa é bastante curioso. O percentual de estudantes que não
concordam ter um conhecimento suficiente sobre filosofia da ciência é elevado, apesar da
maioria deles se posicionar favorável à questão anterior onde era afirmado que o currículo do
curso oferece disciplinas que permitem a discussão e estudo de diferentes vertentes
epistemológicas, por esse motivo o resultado esperado era diferente.
Avaliando o currículo do curso, percebemos que o mesmo oferece uma disciplina de
Filosofia da Educação, porém o foco da mesma é o estudo de autores como Paulo Freire e não
a filosofia da ciência.
Em seguida é afirmado: “O conhecimento da história e epistemologia da ciência auxiliam
a elaboração e execução das estratégias pedagógicas.”, nesta questão 90% dos participantes da
pesquisa se posicionaram a favor, o que justifica o alto percentual de discordância com
relação à afirmativa apresentada na Figura 2. O fato de esses alunos estarem passando pelos
desafios e dificuldades da sala de aula e da elaboração de estratégias pedagógicas, pode ter
incitado sua curiosidade e mais ainda, suas dúvidas com conceitos relacionados à história e
filosofia da ciência, levando-os a refletir e questionar quanto aos seus saberes no momento de
responder a esta afirmação.
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Aproximadamente 65% dos participantes assinalaram discordar da afirmação
“representações concretas de conceitos abstratos da ciência interfere na evolução do
conhecimento científico”, o que evidencia o pouco conhecimento deste grupo no que se refere
aos obstáculos epistemológicos. Não pretendo com isso negar que a representação de uma
molécula de água através de esferas ligadas entre si por palitos de madeira, por exemplo, é
uma forma de exemplificar a maneira como esta está disposta no espaço. O que pretendo, é
levantar o questionamento crítico quanto à utilização de tais artifícios metodológicos; que
estes devem ser encarados pelos professores como uma primeira fase do desenvolvimento do
pensamento científico e que por se tratar de uma etapa inicial exige outras alternativas e
requer uma discussão profunda sobre seu papel diante do processo de ensino e aprendizagem.
Neste sentido Bachelard argumenta que:
O materialismo, com efeito, procede de uma abstração inicial que parece dever
mutilar para sempre a noção de matéria. [...], o materialismo tende ainda a limitar a
matéria: recusando-lhe qualidade a distância pela proibição de agir onde ela não
está. Por uma propensão insensível, o materialismo chega ao atomismo realista.
(BACHELARD, 2000, p.59).
Desta forma, busquei verificar a compreensão dos estudantes acerca dos obstáculos
realistas (dentre outros) apontados por Gaston Bachelard. Segundo o filósofo: “a ideia de
substância é tão clara, tão simples, tão pouco discutida, que deve apoiar-se numa experiência
bem mais íntima que qualquer outra.” (BACHELARD, 1996, p. 163), ou seja, a simplificação
exagerada dos conceitos pode impedir que este evolua para o abstrato.
Podemos utilizar representações, mas devemos analisar como estas serão empregadas e
permitir que evoluam. Não podemos reduzir as explicações científicas a analogias simplórias
e com pouco ou nenhuma relação com a realidade.
Nas afirmativas relacionadas ao uso de mídias em sala de aula, mais de 90% dos
estudantes concordaram que é possível fazer uso de programas de televisão, cinema e
documentários para o ensino de ciências. Contudo, cabe ao professor selecionar e analisar os
materiais midiáticos a fim de emprega-los de forma consciente. Vale ressaltar aqui uma
afirmação de Henry de Giroux:
Como é impossível para o telespectador, a menos que disponha de um equipamento
de vídeo, reduzir a velocidade ou observar novamente a rápida difusão de imagens,
ele tem poucas chances de se distanciar do conteúdo da produção visual e refletir
sobre seu significado. (GIROUX, 1997, p.118).
Desta forma, o professor possui um papel importante como mediador das discussões
relacionadas aos conteúdos visuais que a televisão apresenta, pois suas mensagens vão além
do conteúdo científico, elas são carregadas de conceitos culturais e sociais que devem ser
profundamente avaliados.
Na Figura 3 podemos observar a distribuição das respostas fornecidas pelos alunos com
relação à afirmativa: “Documentários são um melhor recurso quando se pretende desenvolver
conceitos relacionados às ciências.”.
Figura 3 - Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre o uso de
documentários.
Relacionando o gráfico da Figura 1 com o resultado desta afirmativa, verificamos que
83% dos participantes da pesquisa priorizaram documentários entre 1 e 5 e apenas 31%
priorizaram programas de televisão entre 1 e 5, fica evidente que eles acreditam que o
primeiro recurso é mais carregado de conteúdo científico do que um simples programa de
televisão. Sem dúvida é mais fácil encontrarmos material que aborde conteúdos de ciência nos
documentários da Discovery do que nos programas matinais ou nos filmes da Sessão da Tarde
exibidos pela rede Globo, mas Piassi e Pietrocola apontam para importância de fazermos uso
dos “erros” contidos nas mídias a fim de propiciar um debate a cerca da construção dos
conceitos científicos e afirmam: “é didática, porque se propõe a veicular ideias, mas não no
sentido de explicar o que é a ciência ou ensinar conceitos científicos, embora isso possa
ocorrer ocasionalmente.” (ibidi, 2009, p.536). Em suma, podemos fazer uso da mídia se
utilizada de forma crítica e discursiva.
Traçando um novo comparativo com os resultados apresentados na Figura 1, percebemos
certa contradição nas respostas. A priorização do recurso cinema ficou entre 6 e 10 por 79%
dos estudantes, sendo que 52% deles priorizaram entre 8 e 10, em resumo, este recurso ocupa
a sétima colocação na preferência deste grupo; apesar disso, 90% deles concordaram que o
cinema pode ensinar ciência,
Piassi e Pietrocola (2009) argumentam que o cinema (em particular filmes de ficção
científica - FC), apresenta-se como um bom recurso didático, pois possibilita uma ligação
afetiva do aluno com o conteúdo científico e afirmam:
A FC trabalha em um limiar, que é a fronteira entre os sentimentos e a
racionalidade. A racionalidade, a lógica das conclusões e o estabelecimento de
relações causais podem ser explicitados em um discurso não literário. Os
sentimentos que expressam angústias, preocupações, admiração, perplexidade —
que são, por assim dizer, a matéria-prima da imaginação e da criatividade — só
aparecem de forma contundente no trabalho ficcional. (PIASSIE PEITROCOLA,
2009, p.537).
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Quando questionados sobre a importância de analisar o impacto cultural, social e ético
que as mídias podem implicar, 97% dos estudantes assinalaram concordar com a afirmação.
Nesse sentido Giroux e McLaren apontam para importância de uma pedagogia crítica da
representação: “O mundo das imagens deve ser entendido, a partir de uma perspectiva
pedagógica, como um terreno de contestação que serve como locus de estrutura e poderes
prático-discursivos multivalentes.” (ibid, 1995, p. 147), ou seja, a mídia impõe uma
diversidade de discursos - culturais, econômicos, sociais, etc. - e nós, enquanto professores,
precisamos compreender e avaliar os diferentes impactos que nossas escolhas pedagógicas
possam acarretar.
Por fim foi afirmado: “O ‘certo’ e ‘errado’ apresentado nos programa de TV, filmes e
documentários permite discutir em sala de aula a forma como a ciência é construída.”. A
Figura 4 apresenta a distribuição das repostas fornecidas pelos alunos das turmas de estágio I,
II, III e IV.
Figura 4 – Percentual de concordância dos alunos com a afirmação sobre o “certo” e “errado”
apresentados na mídia televisiva.
Analisando o gráfico da Figura 4, percebemos que a maioria dos estudantes (90%)
concorda ou concorda totalmente que o “certo” e “errado” apresentado na mídia permite uma
discussão sobre como a ciência é construída.
Para que esse processo seja realmente produtivo, cabe ao professor incitar, estimular e
oportunizar que esses momentos de discussão ocorram, mas para isso é preciso que ele esteja
preparado e consiga perceber além do conteúdo que as imagens midiáticas apresentam.
Segundo Piassi e Pietrocola: “Somente quando o professor for capaz de ver algo além da
superfície é que poderá mostrar aos alunos aquilo que não é imediatamente visível, de levá-
los a refletir sobre a própria construção de seu conhecimento.” (ibidi, 2009, P. 536).
De acordo com Tardif (2002), o conhecimento docente, assim como qualquer outro, é
socialmente estabelecido, assim, os conhecimentos trabalhados em sala de aula só ganham
sentido quando o professor possui experiências significativas com ele. Portanto, é preciso
compreender que existe uma relação intrínseca entre o saber docente e o trabalho na sala de
aula e que tais saberes estão vinculados à pessoa e dependem do que ela é e faz, bem como do
que ela foi e do que fez .
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[...] o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber
deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles, com a sua experiência de
vida e com a sua história profissional, com as suas relações com aos alunos em sala
de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. (TARDIF, 2002, p.11)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se com este trabalho compreender como os estudantes das disciplinas de estágio
I, II, III e IV do curso de graduação em Licenciatura em Química concebem o uso das mídias
em sala de aula, bem como analisar como está sendo definida a formação pedagógica destes
futuros professores com relação ao uso de tal recurso. A partir de algumas questões os
estudantes puderam se posicionar a favor ou contra o que estava sendo afirmado e com a
tabulação dos resultados obtidos, foi possível refletir sobre os conhecimentos e preparo desses
profissionais no diz respeito ao emprego das mídias e identificação dos obstáculos
epistemológicos.
A análise das respostas fornecidas pelos estudantes nos leva a indagar sobre o quanto os
estudos culturais são abordados nos cursos de Licenciatura em Química, bem como nos faz
perceber que tais abordagens são indispensáveis à formação de profissionais na área da
educação.
Uma vez que nossas ações pedagógicas são um reflexo de tudo aquilo que acreditamos e
tomamos como necessário e significativo, precisamos ter muito claro que nos saberes
docentes estão inclusos a relação do professor com o ambiente, sua interpretação,
identificação, modelagem e orientação. Nesse sentido, o cotidiano tem um importante papel,
pois é a partir dele que muitas questões são pensadas e suas possíveis respostas são traçadas,
ou seja, é dele que nascem as experiências e a ele que elas retornam. O professor não usa o
saber em si, aquele adquirido puramente nos centros de formação profissional, mas sim
através de toda associação que ele faz com seu cotidiano, que formam o saber ensinar, que
advém de suas experiências pessoais, familiares, estudantis e de tudo mais que o cerca.
Diante desse cenário, torna-se impossível para o professor negar que a mídia também se
constituiu como um espaço de formação de conhecimento. Assim, avaliar qual compreensão
os estudantes das disciplinas de estágio possuem a cerca dos benefícios e prejuízos que o uso
da mídia pode acarretar para o aprendizado das ciências, se caracteriza como um campo
importante na análise de sua formação e de suas convicções enquanto profissionais, pois
fornecem um “recorte” de como esses professores em formação veem o mundo e como eles
articulam e tratam os empasses apresentados na mídia televisiva.
Ora, visto que o ambiente de formação dos professores é composto por uma diversidade
de situações, este mesmo saber profissional vem carregado de vícios que podem (ou não) se
colocar como um fator de complexidade na maneira como ele desenvolve os conceitos da
ciência dentro da sala de aula. Não podemos negar que a prática docente é feita a partir da
visão cultural e conhecimentos específicos do sujeito que a executa e que estas são ícones
interligados.
Portanto, para que esses profissionais sejam capazes de analisar criticamente a mídia
enquanto recurso pedagógico é preciso que os assuntos relacionados à pedagogia da mídia e
aos obstáculos epistemológicos sejam mais aprofundados no curso de graduação em
Licenciatura em Química. Desta forma, os futuros professores saberão olhar além daquilo que
a imagem mostra, bem como compreenderão que também no ensino de ciência estamos
influenciando a formação de indivíduos que constituem toda uma sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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psicanálise do conhecimento. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1996.
BACHELARD, Gaston. O novo espírito científico. Tradução de Juvenal Hahne Júnior. Rio
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CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. Tradução Ângela S. M. Corrêa. São Paulo:
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YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução Daniel Grassi. 3. ed.
Porto Alegre: Bookman, 2005.
MEDIA TELEVISION AND TEACHER: A READING OF SUBJECTS
OF TRAINING COURSE DEGREE IN CHEMISTRY
Abstract: The understanding of science concepts developed in the classroom is presented as a
difficult task for many students. To minimize this impact teachers seek methodological
strategies that facilitate the construction of knowledge. In this scenario the television media is
an alternative facilitator in the process of teaching and learning, but requires a deep
assessment and understanding, by teachers, about their struggles inside the school
environment. The present study aims to evaluate the students' conceptions of the Degree in
Chemistry on the use of media such as film, television and documentaries in the light of
cultural studies developed by Henry Giroux, defined as the Media Pedagogy, and the
concepts of epistemological obstacles described Gaston Bachelard. For this, it was applied a
data collection instrument containing closed and open questions related to the use of media
images in the classroom. From the analysis of the results was possible to verify that it is still
necessary to discuss and develop better the cultural studies and epistemological approach in
Bachelard's Degree in Chemistry ULBRA Canoas.
Key-words: Media, Teacher training, epistemological obstacles.