migraÇÃo e formaÇÃo humana notas1 · o capital em seu processo dialético de crise e...
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MIGRAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA – NOTAS1
Jackson Vital Souto2
[email protected] - SEDEC/PMJP
GT6: Educação: Formação, ensino e prática docente
RESUMO
Por que relacionar educação e mundo do trabalho? Pelas demandas surgidas durante os
trabalhos de campo realizados durante as pesquisas de graduação e de mestrado. Esse artigo é
uma tentativa de aproximação, por tratar-se de domínios em constante mudança, aos temas
sem presunção ou natureza conclusiva. Mais indagações do que propriamente respostas ou
achados de pesquisa é que nos propomos delinear neste artigo: por que contraditoriamente o
numero de trabalhadores migrantes, após períodos de abandono e evasão escolar, retomam
nos locais de destino o estudo formal e a formação? A tese burguesa da meritocracia e da
qualificação continuada mediada pelo conhecimento científico é relevante no flexível e
precário mercado de trabalho no Brasil? O que explica na origem o fechamento de escolas
1 Trata-se de aproximação ao debate e se Engels em “Literatura de refugiados” estava correto ao indicar os nexos
do trabalho com formas fetichizadas no complexo social da reprodução social como ocorre com a educação e o
acesso ao conhecimento científico, é preciso considerar as especificidades conjunturais e determinações
históricas e sociais do período atual. Vale chamar a atenção para a datação do texto, fim do século XIX,
localizado na Europa, mas que mostra, pela generalização e atualidade, a permanência de determinadas
estruturas. Engels informa os leitores sobre as concepções de emigrantes poloneses, franceses, e russos sobre os
acontecimentos revolucionários em seus países. Os problemas tratados em cada formação social ajuda-nos a
compreensão mais profunda do movimento revolucionário nesses países e – considerando as experiências da
Comuna de Paris – intermediam importantes conclusões para o desenvolvimento de uma estratégia e tática de
luta proletária. Ao mesmo tempo o autor tinha a intenção de trazer ainda mais fortemente à consciência da classe
trabalhadora a conexão da sua luta com o movimento revolucionário internacional. (Engels, 2013, p.17).
Artigo apresentado no IV ENGPECT e X Fórum Estado, Capital, Trabalho ocorrido entre os dias 9 a 11 de
agosto de 2017 no campus de São Cristovão da Universidade Federal de Sergipe – UFS.
2Professor da rede municipal de ensino. Bacharel e Mestre em geografia na linha de pesquisa Espaço Agrário,
Movimentos Sociais e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE com orientação do
Profº. Dr. Caio Augusto Amorim. Dissertação de mestrado defendida em 2012, com o título: Resistência e
Trabalho no Campo no município de Santana dos Garrotes/PB.
rurais e a reprodução histórica da baixa escolaridade de parte dos trabalhadores migrantes? O
domínio ideológico burguês dentre eles o fetiche ao progresso pelos estudos continuados não
estão, na origem, cumprindo uma função social quando reproduz a ideologia da continuidade
dos estudos pelo conjunto mais amplo dos trabalhadores, em especial os migrantes? Como
operamos e como estamos? Alguns achados de campo resultaram de revisão bibliográfica;
outros de observação direta com uso de cadernos de campo e a aplicação de questionário e
uns tantos com o uso de entrevistas semiestruturadas. Alem desses instrumentos nossa prática
em sala de aula na rede oficial de ensino especialmente junto a adultos e trabalhadores muitos
deles migrantes de outras regiões reforça os sentidos de nosso trabalho. As notas indicam que
a temática da educação segue sendo desafio, em virtude da centralidade que assumiu a
organização dos trabalhadores migrantes na dissertação, mas que apontam a continuidade de
fenômenos históricos tais como: migração institucionalizada com baixa escolarização;
fechamento de escolas rurais. Nosso recorte espaço temporal foi a ultima quadratura do século
XX e a primeira do XXI com o estudo realizado na escala do município de Santana dos
Garrotes, localizado na mesorregião do sertão da Paraíba, Nordeste do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho Migrante, Teleologia, Progresso, Educação Socialista.
INTRODUÇÃO
Nosso estudo aproximativo relacionou educação e trabalho migrante, seus desafios e
potencialidades na produção de espaços sociais contra hegemônicos frente às formas de
dominação e superexploração que o Capital e o Estado burguês engendram. Pensar a
educação e os processos formativos mais amplos, seus limites e possibilidades na formação
dos jovens trabalhadores migrantes tornou consequente diante do fetichismo que assume a
partir da chamada reestruturação produtiva do trabalho, o complexo social de ideias e valores
do progresso. Esta noção é renovada tanto no aparato ideológico conciliatório via produção de
consenso quanto via coerção e violência, necessários à conciliação dos diferentes interesses de
classes sociais então em vigor na sociedade.
Dentre aquelas estão o complexo de ideias e praticas pedagógicas burguesas no
domínio da educação escolar e formal tais como: meritocracia; educação de jovens e adultos;
qualificação continuada para a empregabilidade no mercado de trabalho; competitividade; e
pedagogia das competências. Produtos do acesso, mesmo que dividido, ao conhecimento, à
formação e qualificação científica superiores. São discursos que garante o passaporte para a
aquisição da concorrência necessária e exigida nas vagas de (des) emprego atuais. Esse
apanhado de ideias é um produto histórico que a educação adquiriu na reprodução social com
efeitos devastadores de grande intensidade numa fração da classe trabalhadora: fragmentação,
precarização, superexploração simultaneamente à esvaziamento de sentidos, alienação,
reificação e estranhamentos especialmente junto aos trabalhadores migrantes.
Nacionalmente a última quadratura do século XX conhecida por “milagre brasileiro”
provou-se insustentável diante da escalada mundial que assumiu o quadro de crise estrutural
do capital. Os momentos econômicos de dificuldade tornaram-se mais frequentes, longos e
foram intercalados por crescimento pífio, sem muita expressão. Crises estruturais articuladas
às conjunturais especialmente em nações dependentes expõem com mais força os limites
concretos e as possibilidades sociais frente ao controle sociometabólico do capital.
No entanto essa primeira quadratura de século XXI caracteriza-se como período de
contrarreformas de tipo neoconservadoras que assumem a forma da intensificação do controle
social, sobretudo, no domínio da educação, com reformas que não traduz a necessidade
popular, mas o avanço do capital sobre o trabalho e no mercado da educação: II Plano
Nacional da Educação – PNE; Reforma do Ensino Médio; Movimento Escola Sem Partido;
Base Nacional Comum Curricular – BNCC; expansão da privatização de educação, expansão
da educação técnica e superior à distancia, privatização e abertura do sistema nacional de
educação para o mercado internacional e de capitais estrangeiro, fusões e aquisições de
grupos nacionais por grandes empresas multinacionais do setor de ensino.
O Brasil, seus trabalhadores e a sociedade não passaram imunes aos últimos 12 anos
de política neodesenvolvimentista de caráter assistencialista dos governos LULA e Dilma do
Partido dos Trabalhadores – PT. As estratégias da incorporação pela integração via mercado
de consumo de parte dos trabalhadores mostrou-se artificial e sem qualquer alteração das
estruturas econômicas e sociais. Por outro lado, mesmo em período considerado de recuo e de
retração das lutas e organização classista dos trabalhadores a expansão geométrica de greves,
movimentos paredistas classistas ou não de forma coletiva ou espontânea são expressões de
que as lutas outrora adormecidas entram em movimento repondo o contraditório.
O movimento de renovação do conhecimento em geografia mostrou que a “caminhada
no chão da noite3” esteve e está permeada por crises e debates às vezes “homéricos” embora
ás vezes em círculos. Como recorda a autora, a dinâmica social rompe e possibilita avanços
focados em temáticas diversas e que por vezes,
[...] significou para o campo científico e educacional a ampliação e consolidação de
diferentes referenciais interpretativos da realidade, que se revelavam mais complexos que
aqueles modelos macro de análise, fundados nas chamadas “metanarrativas”. Abriram-se,
assim possibilidades para a inclusão no cenário acadêmico de reflexões e propostas de
leitura da realidade pós modernas e pós estruturalistas. [...]
3 Obra de José de Souza Martins que reflete a condição social, de vida e de trabalho dos camponeses, suas lutas,
conquistas e derrotas.
Essa área ganhou espaço acadêmico, profundidade teórica, amplitude temática. A
pesquisa passou a focar temas diversificados e a sugerir abordagens, 4[...].
(CAVALCANTI, 2016, p. 405).
Por uma questão de método, mas de relação teoria e prática há autores que repõem o
espaço nos discursos contraditórios com o fim de ponderar a organização da vida social,
tornar inteligíveis as práticas sociais e intervir em sua conduta e consequências5 (Gregory,
1996, p. 91). Se estivermos corretos parece consequente perguntar mais do que responder e os
achados de pesquisa, diante dos complexos sociais que adquire a sociedade, razão pela qual
optamos pelas “Notas” mero recurso aproximativo.
Por que contraditoriamente o fluxo e a dinâmica dos trabalhadores migrantes, com
certa especificidade os Estados da Paraíba e da Bahia, não cessaram ou reduziram? Após
longos períodos de abandono e evasão escolar o que leva os trabalhadores retomarem os
estudos formais nos lugares de destino? A tese burguesa da meritocracia e da qualificação
continuada mediada pelo conhecimento científico é relevante no mercado de trabalho ocupado
pelos jovens trabalhadores migrantes? O que explica o fechamento de aproximadamente
trezentas escolas estaduais especialmente junto às comunidades rurais e a reprodução histórica
da baixa escolaridade dos trabalhadores migrantes? O fetiche do progresso pela via
continuada da educação e dos estudos está a serviço de quem? Valores hegemonizados pelo
capital cumprem, no interior do trabalho alienado dos migrantes, que função social?
Estas são provocações que não temos pretensões de responder neste formato de artigo,
mas que estão a indicar a relevância e centralidade do complexo do trabalho e as mediações
que assume o complexo reprodutor da educação na forma de desenvolvimento de
conhecimentos e habilidades. Passaremos a tentar costurar os fios invisíveis, seus nós e
amarras. Qual a área de estudo? Os mapas abaixo demonstram os municípios da mesorregião
do Sertão do Estado da Paraíba com maiores registros de migração de jovens trabalhadores,
Nordeste do Brasil.
4 Grifos nosso.
5 Grifos nossos para o sentido que assume as praticas no espaço, seus limites e consequências. A prática em sala
de aula na escola, a prática nos sindicatos, as intervenções acadêmicas ou não.
O detalhe da mesorregião do Sertão que historicamente se constituiu como espaço
ocupado e povoado por fluxos diversos e mobilidades espaciais renovadas conforme as
tensões produzidas na base territorial. Migrações temporárias, rural urbana, rural rural,
migração permanente do Sertão para a Zona da Mata, e mais recentemente para o corte de
Cana de açúcar no Estado de São Paulo. Os municípios com registro mais intenso, a partir de
dados do Serviço Pastoral de Migrantes, estão ligados à questão da elevada concentração de
terras, portanto da propriedade capitalista, da ausência de empregos e de educação
qualificada.
O mapa acima aponta a relação de municípios de origem com maior mobilidade
espacial da força de trabalho com destino ao corte de cana de açúcar no estado de São Paulo.
São jovens trabalhadores com baixa escolaridade e com experiências em práticas agrícolas e
na criação de animais. Passemos a descrever a conjuntura para então uma aproximação teórica
aos complexos sociais.
Desenvolvimento
Novos níveis de concorrência, crise estrutural do regime de acumulação e expansão
das novas configurações do trabalho no centro do sistema capitalista repercutiram com mais
força nos mercados de trabalho em países dependentes e periféricos como o Brasil,
especialmente na região Nordeste. Novos conceitos adquiriram funcionalidade: padrão
racional de organização e gestão científica do trabalho sob o discurso vigoroso da
modernização; imposição de novos limites à natureza e a sociedade com degradação da vida;
precarização e superexploração da força de trabalho articulados ao desemprego estrutural;
flexibilidade; fragmentação associados à integração coercitiva e consensual. O capital em seu
processo dialético de crise e reprodução desenvolve uma diversidade de complexos sociais.
A ordem metabólica do capital responde à crise, contraditoriamente, com aumento da
produtividade do trabalho, institucionalização das migrações, espaços escolares a serviço de
práticas pedagógicas voltadas à competitividade e meritocracia; expansão da produção, acesso
e aquisição ao conhecimento científico reprodutor de habilidades e comportamentos a serviço
da divisão do trabalho e da sociedade de classes. São valores no interior das escolas e do
complexo educacional com função social que atende as demandas do mercado e do (des)
emprego. Sem escapar da divisão da sociedade em classes sociais o complexo social da
educação reproduz em seu interior condições estruturais as quais o trabalho está subsumido.
Se estivermos corretos a saída para o conjunto dos trabalhadores desse momento
contrarrevolucionário de arrefecimento histórico das conquistas perpassa em repor a origem,
função social e nexos do complexo reprodutor do trabalho alienado com os processos mais
amplos de formação restrita e ampla, inclusive o papel das práticas pedagógicas no espaço
formal das escolas e das diversas instituições educativas. Refletir o elo dos pores teleológicos
do mundo do trabalho migrante, seus nexos com a formação ampla e as razões da captura dos
complexos sociais, inclusive o domínio da educação, pelo sistema metabólico do capital é o
que nos move.
Se o trabalho é a origem e fundação ontológica do ser social, não de qualquer trabalho
é verdade, a permanência na condição social de desempregado estrutural, excedente e
flexibilizado características presentes no trabalho migrante, estamos diante de um limite ao
desenvolvimento social ou será esse o momento de rupturas?
Migrantes: Integração e Incorporação Precária
Historicamente a dinâmica de classes estabeleceu formações sociais pautadas em
estruturas econômicas desiguais, permeadas por contradições. Relações de dominação e de
cooperação se apresentam em diversas escalas: classes, nações, regiões e mundial. A
produção da relação social Capital presume seu contrario, sua negação, a (re) produção
socioespacial do trabalho. No entanto a (re) produção do trabalho em países dependentes
como o Brasil especialmente no Sertão do Nordeste desenvolveu-se sobre especificidades
históricas dentre elas as múltiplas formas e dinâmicas migratórias como observa os autores:
O Estado do Maranhão perdeu importância como absorvedor de migrantes, [...]. Essas
mudanças afetaram o volume de migração intrarregional no Nordeste, havendo, no período
entre 1950 e 1970, crescimento da migração interregional. Nesse período 5,7 milhões de
pessoas deixaram a área rural do Nordeste, [...](MOURA, 1980, p.1044).[...]
Apesar da importância crescente das migrações interregionais em direção ao Sudeste, os
fluxos migratórios rurais-urbanos intrarregionais continuaram sendo o tipo mais expressivo
na região Nordeste na década de 1960. No entanto, os Estados da Paraíba e Bahia foram
exceção a essa regra, apresentando migração para fora da região Nordeste mais
significativa do que dentro da própria região6. (MENEZES e SATURNINO, 2007, p. 233)
Diante da complexa trama histórica que assumiu as migrações na formação social do
Brasil, suas origens e destinos, as tensões entre o partir e o ficar reflete tendências e
contratendências no desenvolvimento social. Em outro momento histórico e espacial Engels
dá o tom acerca da formação política dos trabalhadores,
[...] sua série de artigos, promoveu a continuada delimitação ideológica e política do
movimento revolucionário dos trabalhadores em relação a doutrinas socialistas pequeno
burguesas. Desse modo, apoiou também o processo de esclarecimento entre os emigrantes
revolucionários. [...] se ocupou e seus aportes refletiram as concepções de grupos
revolucionários da emigração política [...] (ENGELS, 2013, p. 19).
Noutro tempo e espaço a história da mobilidade humana no Brasil dinamizou não só as
condições de emprego e de realização do trabalho ao aprofundar sistemas distintos de
acumulação (primitivo/ ampliado) com alteração das relações de trabalho, o que reforça a tese
das consequências negativas para o conjunto mais amplo de trabalhadores do campo e das
cidades, produto da reestruturação produtiva e do mundo do trabalho (Harvey, 2009).
Na escala da mesorregião do Sertão Nordestino o trabalho migrante é realizado por
jovens os que constituem o tipo mais recorrente, sendo que em muitas comunidades a
6 Grifo nosso.
migração de jovens é institucionalizada funcionando mesmo como um rito de passagem para
o mundo adulto (Menezes e Saturnino, 2007).
O espaço do Sertão com suas especificidades dentre elas o clima semiárido e a
pecuarização subordinada a outras regiões como a Zona da Mata expressa o avanço da divisão
do trabalho simultaneamente ao sistema de acumulação primitiva. O movimento de
expropriação da terra dos trabalhadores do campo que resulta em processos de migração
forçada é gênese dos processos de superexploração dos trabalhadores migrantes que pela
acumulação ampliada do capital são inseridos no trabalho alienado em regiões e estados de
destino.
Em nossa pesquisa de mestrado achamos que alguns municípios do estado da Paraíba
a redução contínua da população rural evidencia a expansão da estrutura agrária concentrada e
a mobilidade espacial da força de trabalho o horizonte e a perspectiva dos trabalhadores. O
município agrícola de Santana dos Garrotes com uma população total de 7.266, sendo rural
3.530, e urbana 3.736, sua extensão territorial é de 354 Km2, densidade demográfica em torno
de 20,54 hab/Km2. A sede municipal está localizada nos quadrantes 37.98º de longitude e
7.38º de latitude, especificamente na porção sudoeste do Estado da Paraíba. O quadro abaixo
nos permite a observação acerca da evolução da população, conforme IBGE (2011):
Tabela 1 – População residente no município de Santana dos Garrotes
População Total (hab.) Rural (hab.)
Censo 1991 8.064 5.643
Censo 2000 7.882 4.210
Censo 2010 7.266 3.530
Fonte: www.ibge.gov.br/cidadessat/painel.php.Resultados do Censo 2010. Organizado por Jackson Souto
Embora no sertão da Paraíba de clima semiárido e vegetação xerófita típica de
caatinga o município de Santana dos Garrotes está localizado próximo à bacia do Rio Piancó e
seus afluentes como o rio Gravatá e têm na cultura do arroz da terra parte da chamada “roça
principal” combinado a sistemas intensivos de criação de gado, em regime de minifúndios.
Não á toa quando indagamos ao conjunto dos trabalhadores migrantes do município de
Santana dos Garrotes a respeito da função que os processos migratórios exercem sobre o
conjunto mais amplo dos trabalhadores e os limites que a mobilidade espacial impõe na
organização dos trabalhadores a afirmativa é unanime no sentido do esvaziar as lutas inclusive
nos processos de formação que os sindicatos e as associações dos trabalhadores locais
promovem em momentos anteriores de organização das lutas.
Outra demanda observada foram os relatos de fechamento de escolas rurais nas redes
estadual e municipal, a falta de professores e de estrutura adequadas nas comunidades rurais o
que reforça a importância, o acesso ao conhecimento científico nas escolas.
Informação que podemos aferir dos dados observados na tabela é a queda, em números
absolutos, do total da população o que demonstra em linhas gerais que a população do
município enfrenta sérios desafios à reprodução social e a permanência. Com a virada do
milênio a mudança observada é a predominância da população residindo no espaço urbano,
algo que ocorrera no Brasil na década de 1970 (IBGE, 2010).
A falta de perspectiva no desenvolvimento social reflete a condição e a posição de
classes não apenas no fechamento de escolas, mas, sobretudo no domínio que a burguesia
realiza sobre o complexo social da educação em sua forma restrita e ampla. A expansão do
complexo social do trabalho e o desenvolvimento e natureza da divisão do trabalho assumem,
contraditoriamente, a negação ao trabalho ao negar o acesso aos conhecimentos e habilidades
necessárias e requeridas. Ao complexo social do trabalho migrante basta o conhecimento
básico e elementar das técnicas e tecnologias enquanto para as classes dominantes o acesso
amplo e irrestrito ao conhecimento superior, especialmente o domínio da gestão e organização
do trabalho.
Ainda na escala do município de Santana dos Garrotes observamos nos territórios
pesquisados que para efeito de organização dos trabalhadores quando indagamos ao
presidente da Associação de Trabalhadores do distrito de Pitombeira a respeito das
consequências que a instituição do trabalho migrante reproduz, a resposta da liderança dá o
tom dos efeitos da divisão e hiperespecialização do trabalho:
Os mais comuns são pedreiros, carpinteiros e diversas outras coisas como também a
questão de trabalhar de camelo, trabalhar por conta própria. Também no corte de
cana ocorre. Pra ser verdade ela desestabiliza um pouco por que a pessoa nem fica lá
e nem fica cá e fica essa “fagancia7”. Não contribui assim de certa maneira muito
positiva. Era pra ser na realidade a fixação dessas pessoas ou desses associados e
dessas famílias aqui na própria comunidade para que ela não precisasse sair lá pra
fora (JOÃO ALEXANDRE, DISTRITO DE PITOMBEIRA, 2012).
O desenvolvimento do complexo social do trabalho na sociedade moderna e a
generalização da capacidade teleológica, em diferentes momentos históricos, com a virada do
regime de acumulação ampliado para o sistema flexível fez da aquisição de habilidades e
conhecimentos relevante momento de realização social. Vale lembrar que historicamente o
7 Fagancia no sentido de esvaziamento na organização dos trabalhadores.
desenvolvimento da sociabilidade baseada na divisão do trabalho adquiriu autonomia em
relação à atividade humana e passou de condição à determinante nos processos de trabalho e
de produção:
De modo tão marcante como o trabalho, [...] esse planejamento mental que
antecede o trabalho tenha sido no inicio apenas coleta e aplicação de experiências,
assim como que – no curso do aperfeiçoamento do processo laborativo – esse
pensar que precede ao próprio pôr, essa elaboração mental de pôr fins e meios de
realização, teve de se generalizar e, com o desenvolvimento da divisão do trabalho,
também teve que se autonomizar (LUKÁCS, 2010, p. 236).
De crise em crise o capital chama a mediar relações o agente representante dos seus
interesses: o Estado. A desregulamentação do mercado de trabalho com o desemprego
estrutural, a flexibilização das relações de trabalho e a financeirização da vida estão a garantir
a renovação de jovens com seus braços e mentes dispostos e prontos à mobilidade espacial
para tentar uma vida melhor nas grandes e pequenas cidades. O desenvolvimento da atividade
na origem e no destino é consequência do aumento qualitativo das demandas e de
determinadas atividades impostas pela intensificação da divisão do trabalho aos trabalhadores
que:
[...] Devido à ampliação qualitativa do campo de atividades humanas (a agricultura,
pecuária, e etc. em comparação com o período de coleta), devido ao
desenvolvimento extensivo e intensivo da divisão do trabalho, devido à
diferenciação dos problemas internos das sociedades (surgimento de classes), e às
atividades que por consequência aumentam quantitativamente e que se diferenciam
fortemente etc., esse âmbito de possibilidades se amplia de forma constante e
necessária, tanto quantitativamente como qualitativamente, em cada membro
singular da sociedade e na totalidade de sua cooperação (LUKÁCS, 2010, p. 221).
Nos Manuscritos econômicos e filosóficos de 1848, Marx destaca que “[...] as grandes
cidades industriais perderiam, em pouco tempo, a sua população de trabalhadores, se não
recebessem a cada instante dos campos vizinhos recrutamentos contínuos de homens sadios,
de sangue novo” (MARX, 2006, p. 38). Se a posição e a condição de classe interdita
ontologicamente a possibilidade de desenvolvimento social pela subsunção dos complexos
reprodutivos e do trabalho aos ditames da burguesia que função e natureza deve ter á
educação, como mediação entre o trabalho e a natureza, no desenvolvimento social? Caso
estejamos correto quais os limites ao desenvolvimento social diante do momento de crise
estrutural?
Posição Teleológica8 e Educação – (In) Dependência Ontológica?
8 Por posição teleológica categoria essencial materializada nos seres sociais do trabalho constitutiva da relação
entre o homem e o mundo natural. A constituição primária do trabalho busca atender à necessidade da
Historicamente os pores teleológicos estiveram presentes com o trabalho o ato
fundamental de constituição do ser social e a formação de complexos sociais refletindo o
desenvolvimento histórico e social. A humanidade saltou ontologicamente da condição
inorgânica para a constituição do ser social guardando especificidades na dinâmica das
categorias e nas múltiplas determinações de ordem contraditórias. Há dependência ontológica
entre os seres (inorgânico, orgânico e social) e a conformação legal e categorial constituem
diferentes seres que se eleva em formas mais complexas.
O ser social da educação assumiu certa dependência e autonomia frente ao trabalho
embora chame atenção às especificidades das categorias e das múltiplas determinações a que
cada salto ontológico deu origem, desde a formação dos seres inorgânicos até os seres sociais.
Na relação do trabalho com a educação o primeiro é o ser geral, fundador do ser social,
enquanto o outro é mediação entre o desenvolvimento do ser social e o trabalho Maceno
(2017).
Se historicamente durante os séculos XVIII, XIX e primeira quadratura do XX a
expansão do capital industrial exigiu uma formação mínima aos trabalhadores já que sua
atividade era simples e rotineira, o mesmo não ocorre atualmente. Na origem os processos de
educação foram pautados coletivamente pelos operários, no movimento dos trabalhadores
(proletariado industrial) e por frações da burguesia liberal e progressista e só no século XX
foram arrefecidas.
A institucionalização da educação enquanto complexo social e o domínio da escola
pela burguesia assumiu na França e na Inglaterra o caráter de promoção da cidadania e acesso
aos bens comuns. Como recorda o autor à escolarização resultou da ampliação das
reivindicações das frações superiores do proletariado que pela integração dos trabalhadores
suprimiu o antagonismo de classes com forte conteúdo ideológico (Oliveira, 2013). Atender
algumas bandeiras de luta fez parte das concessões necessárias para que a burguesia
continuasse o projeto de dominação pela conciliação.
No entanto a conjuntura social de disputas ideológicas e tensões exigira a
universalização do acesso às escolas e a institucionalização do ensino, mediados pelo Estado.
O discurso da escola pública e gratuita adquiriu estatuto de compromisso burguês com os
trabalhadores, uma “conquista cidadã”.
reprodução social dando origem objetiva ao desenvolvimento de vários outros complexos sociais, como a
educação Maceno (2017).
No período histórico em questão de maneira liberal e burguesa Carvalho ao rever os
achados de Max Weber no campo da educação reforça a interpretação equivocada e
inconsequente que a centralidade psicológica exerce sob o comportamento humano e os
hábitos. Assim a concepção pedagógica weberiana apoiada na neutralidade axiológica afirma
que a escola deve ser um espaço reformador:
[...] cumpre ao professor não reivindicar o direito de se portar como reformador da cultura.
Os cidadãos devem permanecer livres para escolher o deus ou demônio que querem seguir.
[...] no início do século XX, ao contrário, a dedicação a uma tarefa, como ser professor ou
cientista, deve ser exercida nos limites de suas atribuições, sem qualquer interferência de
sentimentos de amor ou de ódio. “É de mau gosto misturar assuntos pessoas à análise
especializada dos fatos”. [...] (CARVALHO, 2004, p. 258).
Essa abstração positivista se opõe ao posicionamento e condição que as classes sociais
impõem aos indivíduos e à coletividade. Foi um momento que exigia resignificar a natureza
positiva e o desenvolvimento social do trabalho, muito embora esvaziados de sentido pelo
avanço da divisão do trabalho. A dialética negativa da racionalização do “mundo
desencantado” com a liberdade impediu que autores como Max Weber e seguidores
considerassem a categoria da totalidade e as particularidades na universalidade do mundo.
Para o autor não há princípios gerais nem determinações na ação pedagógica humana, logo
não há universalidade possível no mundo desencantado.
É preciso notar que o desenvolvimento do complexo social da educação assumiu o
caráter universal no desenvolvimento do ser social com os conteúdos da educação adquirindo
complexidade. A educação de forma restrita com o espaço forma da escola cumprindo função
social reprodutora dos conteúdos, esses só são transmitidos com elevado grau de consciência.
Nesse processo de especificidade o caráter universalizado deixa de,
[...] existir com o aparecimento das classes sociais e com a transformação de antigas
sociedades comunais em formações assentadas nos modos de produção asiático e
escravista. Isto é, deixa de existir na sua forma fenomênica de manifestação típica de uma
sociedade sem classes sociais, pois, nas suas determinações mais essenciais, o complexo da
educação, tal como antes, continua a operar como uma mediação atuante sobre todos os
indivíduos sociais. Assim, no sentido mais ontológico do ser do complexo da educação,
afirma-se a sua universalidade. Com as sociedades de classes desaparece aquela
possibilidade de acesso socialmente irrestrito aos conteúdos imateriais produzidos e
acumulados pelas comunidades primitivas, os quais a educação se encarregaria de
transmitir. A atividade mediadora da educação continua, assim como antes, a se realizar em
todos os sujeitos sociais, porém de modo desigual, em conformidade com a natureza de
classe dessas sociedades (MACENO, 2017, p. 115).
A gênese e desenvolvimento da história da educação no Brasil, a expansão do
discurso9 da universalidade e do acesso ao ensino básico, à instrumentalização técnica da
formação foi à forma eficaz e eficiente da expansão e controle burguês do complexo social da
educação no Brasil. Dos jesuítas á hegemonia da pedagogia tecnicista passando pelos
movimentos de renovação o equívoco esteve vinculado à transposição do sistema fabril ao
espaço formal das escolas sem considerar as especificidades do processo educativo. Segundo
o autor é preciso articular escola e processos produtivos por meio de mediações necessárias
(Saviani, 2010, p. 382).
Qual a natureza e função social do discurso burguês da qualificação da força de
trabalho para o mercado de trabalho? A empregabilidade é uma contradição pedagógica que
repõe a qualificação e o uso do trabalhador migrante de baixa escolaridade, reprodução esta
reduzida aos valores e custos da reprodução social dentre eles a educação da classe
trabalhadora. Nesse sentido conforme destacam os autores,
[...], quanto menor for o tempo de formação profissional exigido por um trabalho,
menos será o custo de produção do operário e mais baixo será o preço de seu trabalho,
de seu salário. [...] Eis a razão por que o preço de seu trabalho será determinado pelo
preço dos meios de subsistência necessários. (K. Marx, Trabalho Assalariado e
Capital, II; In: Marx e Engels, 2004, p. 89).
Projetos e programas são criados nos estados de destino para integrar e absorver força
de trabalho e excedente humano jovem, migrantes. Desenvolve-se biotecnologias,
mecanização agrícola e inovação na gestão flexível do trabalho, aparato tecnológico e
organizacional reflexo dos ajustes do capital, reorientação em escala mundial. Como lembra-
nos os autores,
Essa reestruturação do setor sucroalcooleiro no interior paulista favoreceu um
redirecionamento das correntes migratórias do Estado da Paraíba. Dessa forma, além da
clássica migração para regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e das
migrações sazonais do agreste e do brejo Paraibano paras as usinas da Zona da Mata na
Paraíba e no Estado de Pernambuco, as migrações sazonais do Sertão Paraibano para a
região canavieira de São Paulo começaram a ter visibilidade e a ganhar importância
desde meados da década de 199010
. (MENEZES e SATURNINO, 2007, p. 237)
9 Para o autor o dialogo da geografia humana com a teoria social esboça o que entende por discurso e sua
incapacidade imposta nas disciplinas. Observa que essas divisões disciplinares não correspondem a qualquer
interrupção natural no panorama intelectual: elas não são respeitadas pela vida social e as ideias fluem por elas.
É este o movimentado tráfego de cruzar fronteiras que tenho em mente quando falo de “discurso” (Gregory,
1996, p. 93).
10 Grifos nosso para destacar o papel central que joga a região do Sertão como celeiro de camponeses e
trabalhadores do campo especialmente os migrantes como força de trabalho constante a alimentar a diferentes
regimes de acumulação do capital muito embora historicamente estão á garantir a reprodução social do trabalho
À guisa de um debate (in) concluso
A divisão do trabalho revoluciona relações de trabalho e de produção e a pecuarização
com a monocultura expressa e reforça o esvaziamento de sentidos do mundo do trabalho.
Serve a dois senhores: ao latifúndio com seu regime de acumulação primitiva e ao
agronegócio das usinas de cana de açúcar, acumulação ampliada que amplia os significados
do precariado no espaço do campo.
Os sentidos concretos das migrações revela a dialética da fragmentação e da unidade
mediado pelo discurso da melhoria das condições de vida e de trabalho nas regiões de destino.
A possibilidade de fracasso na organização coletiva dos trabalhadores do campo de Santana
dos Garrotes é concreta e deve-se além daquela dialética do partir e do ficar à crise por que
passa parte das organizações classistas como os sindicatos de trabalhadores rurais – STR’s.
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nos seguintes moldes, segundo os trabalhadores: a ajuda à família que fica no campo e a composição de
remuneração de tal maneira a fixar residência nas cidades médias e pequenas de origem. Do importante papel
que joga o fornecimento de mão de obra e força de trabalho do campo para as cidades ver partes sexta e sétima
do volume VI do livro O Capital de Karl Marx (1991). Aqui o autor envereda pelo debate importante da natureza
das rendas, suas origens e desenvolvimento e de como a acumulação primitiva se apresenta na gênese e
desenvolvimento do capitalismo.
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