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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL
2" OFÍCIO DA CIDADANIA
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA
FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL.
a VARA
Referência: Inquérito Civil n.o 1.16.000.003172/2017-76 e Procedimento Preparatório
n° 1.16.000.000980/2017-81
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos procuradores da
República signatários, no uso das suas atribuições constitucionais e legais, previstas
especialmente nos artigos 37, § 4", 127, coput e 129, incisos II e m, todos da
Constituição da República, assim como nas disposições da Lei Complementar n°
75/1993, da Lei n° 7.347/1985 e da Lei n° 8.429/1992, vem propor
em face de RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA, brasileiro, Deputado Federal
licenciado, atual Ministro do Trabalho,
pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos.
I - SÍNTESE DA DEMANDA
Pretende, o Ministério Público Federal, por intermédio desta Ação
de Improbidade Administrativa, a condenação de RONALDO NOGUEIRA DE
SGAS 604, LOTE 23, AV. L2 SUL, GABINETE 110 - BRASÍLIA (DF) - CEP 70200-640
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OLIVEIRA nas sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso !lI, da Lei nO
8.429/1992, pelos atos de improbidade a seguir descritos que resultaram no
enfraquecimento das estruturas e serviços públicos de fiscalização e combate ao
trabalho em condição análoga à de escravo e no desmonte da política pública de
erradicação do trabalho escravo.
I - DAS CONDUTAS IMPUTADAS
1- Contenção das atividades de fiscalização e de repressão ao trabalho escravo
O Requerido assumiu o cargo de Ministro do Trabalho em 12 de
maio de 2016, desde então, envidou todos os esforços possíveis para esvaziar a política
pública de erradicação do trabalho escravo. O primeiro ato nesse sentido foi a contenção
das atividades regulares desempenhadas pela fiscalização do trabalho, especialmente a
voltada à erradicação do trabalho escravo, chegando a pôr em risco inclusive a
continuidade do Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, criado em junho de
1995' para potencializar o combate ao trabalho escravo, forçado e infantil e ao longo
deste tempo consolidou-se como principal ferramenta de atuação repressiva do trabalho
escravo. Pode-se dizer que foi a primeira medida adotada pelo Governo Brasileiro após
ter reconhecido oficialmente a existência de trabalho em condição análoga à de escravo
no país'.
O Grupo Móvel se tomou referência internacional em matéria de
enfrentamento ao trabalho escravo, sendo considerado como o mais destacado
instrumento de repressão ao trabalho escravo pela Organização Internacional do
Trabalho, que assim discorre sobre a atuação do GEFM e sua importância3:
1 Portaria n° 550, de 14 de junho de 1995, publicada no Diário Oficial da União de 16 de junho de 1995.
2 "Em 1995 o Governo Brasileiro reconheceu oficialmente a existência de trabalho em condição análoga à de escravo no país e começou a tomar medidas para erradicá-lo. Em relação à inspeção do trabalho, isso se concretizou com a criação no mesmo ano do Grupo Especiaf de Fiscalização Móvel (GEFM)". As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil : a erradicação do trabalho análogo ao de escravo I Organização Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 2010. (p. 14). Disponível em: bttp:llwww.oitbrasil.org.brlsites/defaultlfiles/topic/labour inspectionlpub/trabalho escravo inspecao
279.pdf. Acesso em: nov 2017. 3 Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil! International Labour Office;
ILO Office in Brazi!. Brasilia: ILO, 2010, 1 v. (p. 128). Disponível em: htto://www.oit.org.br/sites/default/files/topiclforced labour!pub/combatendotecontemporaneo 307.pd f. Acesso em: nov 2017.
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"Criado em 1995, o GEFM é a base de toda a estratégia de combate ao trabalho escravo, pois diferentes acões decorrem da sua eficiência na fiscalizacão do crime de reducão dos trabalhadores a condicões análogas à escravidão, conforme previsto no Artigo n.' 149 do CPB. Com a atuação do GEFM, mais de 30.000 trabalhadores escravizados foram libertados em todo o território nacional. Com equipes compostas por Auditores Fiscais do Trabalho, Procuradores do Trabalho e Policiais Federais, o objetivo do GEFM é apurar as denúncias de trabalho escravo in loco, libertar os trabalhadores e autuar os proprietários das fazendas onde foram encontrados trabalhadores nessa situação. [. .. ] As ações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel promoveram mudanças significativas no comportamento dos fazendeiros e na relação destes com 05 trabalhadores. Com a presença do GEFM, as vítimas do trabalho escravo passaram a conhecer seus direitos e os patrões, suas obrigações. Isso melhorou as condições de trabalho e ajudou a enfraquecer a lógica da impunidade e do lucro fácil vigente em algumas regiões do Brasil (Viana, 2007)."
Atribui-se às atividades do GEFM um total de aproximadamente
50 mil trabalhadores resgatados em pouco mais de 20 anos de funcionamento do
Grupo, conforme balanço divulgado pelo Ministério do Trabalho4 em maio de 2015.
Somente em 2015 foram 1.010 trabalhadores resgatados de condições análogas às de
escravo, por meio de 140 operações realizadas pelo GEFMs.
Além da ação repressora, a atuação do GEFM também é
importante para garantir aos trabalhadores resgatados o pagamento do Seguro
Desemprego do Trabalhador Resgatado (GSDTR), a proteção temporária em abrigos,
capacitação profissional e inclusão deste público nos projetos do Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), como o Bolsa Família, Tarifa
Social de Energia Elétrica e Minha Casa Minha Vida'.
Neste ponto, o ora Requerido, na qualidade de titular da pasta do
Ministério do Trabalho, de forma omissa e deliberada, deixou de repassar os recursos
orçamentários necessários para o desempenho das operações de fiscalização do
cumprimento da legislação rural e, assim, prejudicou severamente a atuação repressiva
do Estado contra o trabalho escravo contemporãneo. 4 Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2015/05/em-20-anos-50-mil-trabalhadores-foram
resgatados-de-trabalho-escravo-no-brasil. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 02. 5 Dispo nível em: httD:1 / agenciab rasil. ebc. co ffi. brl direi tos-humano s/no ti cia/2 O 16-0 llbrasil-res gata -mais
de-mil-trabalhadores-de-condicoes-analogas. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 03. 6 Conforme informações do próprio Ministério do Trabalho: <tA prioridade para o pagamento do
seguro-desemprego possibilitou que o Ministério do Trabalho atendesse 4.735 trabalhadores retirados de condições similares à escravidão. nos últimos quatro anos. Entre 2013 e 2016. o repasse foi de R$ 8.7 milhões". E mais: UA agilidade no pagamento é garantida pelo engajamento dos auditores fiscais do Trabalho, que integram o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e as equipes das Superintendências nos Estados". Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cidadaniae-justica/20 16/09/governo-paga-r-8-7 -rnilhoes-em-seguro-desemnrego-a-trabalhadores-resgatados.
'"""" ..... O"" 2Q17 'NEXO N' Q4
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o resultado foi a redução drástica do número total de operações
realizadas pela auditoria do trabalho, seja do GEFM, seja de ãmbito regional': em 2015,
foram 155 operações, em 2016 esse número já foi reduzido para 106 operações e em
2017 há registro de apenas 18 operações realizadas no País. Há reflexo, também, no
total de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego: passou de 857, em 2015,
para somente 140, em 2017.
A falta de recursos colocou em risco até mesmo a realização das
operações planejadas pelo GEFM, tendo sido necessário que o Ministério Público do
Trabalho ajuizasse uma ação civil pública para viabilizar a continuidade dessa política
repressiva que funciona ininterruptamente há mais de 22 anos, desde 1995.
A imprescindibilidade da manutenção das atividades do GEFM é
reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho e por estudos acerca da
fiscalização e repressão do trabalho escravo contemporâneo. Como exemplo, cabe trazer
a conclusão de Débora Maria Ribeiro NevesB:
"No âmbito da atuação repressiva, igualmente, restou demonstrada a importância da manutenção e o apeneicoamento da atividade fiscalizatória desenvolvida pelo MTE. por meio do GrUDO Especial de Fiscalização Móvel. tendo por base a legislação trabalhista e as Normas Regulamentadoras expedidas pelo MTE, que determinam as condições de trabalho a serem cumpridas no meio rural. A fiscalização in locu nos locais trabalho, e somente esta, é capaz de retratar detalhadamente as condições em que os trabalhadores são mantidos nas fazendas, o que servirá de base teórica, fática e jurídica para todas as esferas administrativas e judiciais. O relatório de fiscalização é o principal meio de prova Rara a aplicacâo de sancões trabalhistas e penais. Em verdade. a obtenção de indenizações trabalhistas e de condenações çriminais depende. em grande medida. do trabalho e do esforco realizado pelas eguipes de fiscalização."
Para além da relevância do GEFM, cumpre salientar que sua
criação é decorrente da pressão internacional que havia sobre o Estado brasileiro na
década de 90 e que, em 2003, o Brasil assumiu compromisso perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos de adotar diversas medidas legislativas de
repressão e de fiscalização, entre elas o compromisso de fortalecer o Grupo Móvel do
Ministério do Trabalho'. 7 Cf. dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil. As estatísticas levantadas pelo
Observatório Digital serão apresentados em detalhes nesta inicial. Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível online no seguinte endereço http://observatorioescravo.mpt.mD.br.ANEXON° 05.
a NEVES. Débora Maria Ribeiro. Trabalho escravo e aliciamento. - São Paulo: LTr, 2012. p. 13.
9 Trata-se de compromisso relativo ao acordo de solução amistosa assinado pelo Estado brasileiro e as p@tkíQR..3ri.as aS Qrganiza~@s R.ãQ gQv@rQ~@Rt3i" A m.t.1l'i'eéU: lA!atct:!. @ C@atI'Q [email protected] .À:rStiÇ3 @ Q Qil'@itQ
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Com efeito, a atuação do GEFM vem ao encontro de diversos
instrumentos internacionais e da ordem constitucional lO que estabelecem a proibição do
trabalho escravo.
Além do compromisso perante a comunidade internacional, há
um claro compromisso que se reflete no Plano Plurianual da União - PPA - aprovado
em 13 de janeiro de 2016, pois ficou definida como uma das metas a cargo do
Ministério do Trabalho l1 para o quadriênio 2016-2019 "aumentar em 20% as ações
planejadas de Inspeção do Trabalho para o combate ao trabalho análogo ao de
escravo, em especial nas áreas geográficas isoladas do país".
Cumpre ressaltar que a inanição pela qual passa o GEFM é
resultado de uma atuação - ainda que por uma insistente omissão - deliberada e
consciente do Ministro de Estado do Trabalho ora Requerido.
Como se sabe, cumpre ao Ministro de Estado exercer a
orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal
na área de sua competência (artigo 87, parágrafo único, I, da Constituição Federal). Faz
parte das atribuições do Ministro de Estado determinar, diante de contingenciamento
orçamentário determinado pelo Presidente da República, quais áreas e atividades, dentro
da estrutura do Ministério, serão impactadas ou priorizadas diante da nova programação
orçamentária e financeira.
Considerando a notória importância das operações de
fiscalização e repressão do trabalho escravo, a não disponibilização de recursos para sua
continuidade representa evidente e inaceiUível retrocesso em questiio sensível de
direitos humanos. A violação aos direitos fundamentais decorrente da submissão de
indivíduo a condição análoga à de escravo é de tal gravidade - inclusive diante das
normas de direito internacional - que jamais poderia o Estado arrefecer a fiscalização.
Não se desconhece o atual cenário econômico do país e a
imposição de contingenciamentos orçamentários pelo Governo Federal que afetam a
execução de políticas públicas.
Internacional (CEJIL) - do Caso n" 11.289, que se refere ao célebre Caso José Pereira. RELATÓRIO N" 95/03, CASO 11.289. SOLuçA0 AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de outubro de 2003. Disponível em: httos://cidh.oas.org/annualrep/2003portlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.
10 Ainda serão apontados nesta inicial, em pormenores, quais instrumentos internacionais e preceitos constitucionais são descumpridos em razão dos atos de improbidade praticados pelo Ministro de Estado do Trabalho.
11 Anexo I (Programas Temáticos) da Lei n" 13.249/2016. p. 245. Disponível em: http://portal.imprensanacional.gov.br/destaques/poa/2016 01 14 P suplementoppa.odf. Acesso em: nov 2017.
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Contudo, aqui deve ser reconhecida, sem hesitação, hipótese em
que é limitada a discricionariedade do administrador público. Isso é, a manutenção das
atividades do GEFM e de todas as operações de combate ao trabalho escravo realizadas
pela auditoria do trabalho em todo País, como eixo central da política pública de
erradicação do trabalho escravo, é dever que se impõe ao Ministro de Estado do
Trabalho, à luz do princípio do mínimo existencial - que, in casu, prepondera sobre o
princípio da reserva do possível.
Se o Supremo Tribunal Federal já reconheceu12 a possibilidade
de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências
administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por
hospital da rede pública, com muito mais razão pode-se afirmar que cumprir a política
pública previamente estabelecida referente às operações de combate ao trabalho
escravo é um dever incumbido ao Ministro de Estado do Trabalho - e não mera
liberalidade diante de um quadro de restrições orçamentárias -, já que a política pública
de erradicação do trabalho escravo busca preservar a autonomia dos indivíduos e os
direitos mais elementares (dignidade humana, liberdade, integridade física e psíquica,
igualdade).
Esse dever decorre também do princípio da proibição do
retrocesso social l3, de modo que, tendo o Estado, por mais de 20 anos, promovido a
efetivação de direitos fundamentais por meio da deflagração de operações de combate
ao trabalho escravo, não pode o Ministro de Estado do Trabalho, agora, interromper ou
desfazer os avanços alcançados por meio da política pública até então existente.
12 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATNO E PROCESSUAL CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL PRESUMIDA. SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE LOCAL. PODER JUDICIÁRIO. DETERMINAÇÃO DE ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A MELHORlA DO SISTEMA. POSSIBILIDADE. PRINCíPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E DA RESERVA DO POSSíVEL. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repercussão geral é presumida quando o recurso versar questão cuja repercussão já houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar decisão contrária a súmula ou a jurisprudência dominante desta Corte (artigo 323, § 1°, do RISTF ). 2. A controvérsia objeto destes autos - possibilidade, ou não, de o Poder Judiciário determinar ao Poder Executivo a adoção de providências administrativas visando a melhoria da qualidade da prestação do serviço de saúde por hospital da rede pública - foi submetida à apreciação do Pleno do Supremo Tribunal Federal na SL 47-AgR, Relator o Mimstro Gilmar Mendes, Dl de 30.4.10. 3. Naquele julgamento, esta Corte, ponderando os princípios do "mínimo existencial" e da "reserva do possível", decidiu que, em se tratando de direito à saúde, a intervenção judicial é possível em hipóteses como a dos autos, nas quais o Poder Judiciário não está inovando na ordem jurídica, mas apenas determinando que o Poder Executivo cumpra políticas públicas previamente estabelecidas. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, l' Ttirma, Min. ReL Luiz Fux, RE-Agr 642536.5.2.2013. Dle 27.2.2013).
13 Esse princípio será abordado mais adiante já que, de forma geral, toda ü gest50 do Ministro de Estado do Trabalho pertinente à fiscalização e repressão do trabalho escravo está marcada pela afronta ao ~n:;j,R€Íj:1ig da pl'gibiliãg élQ f@1;r9€@SSQ §Q€ial
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No entanto, o que se viu foi a inobservância desse dever: a
recusa injustificada por parte do Requerido, na qualidade de Ministro do Trabalho, em
assegurar o financiamento das atividades de combate ao trabalho escravo, colocando em
xeque até mesmo a continuidade do GEFM. Como dito, a recusa (omissão) deu-se de
forma consciente.
Com efeito, por diversos meios, o Requerido teve ciência da
gravidade que representava a não disponibilização dos recursos para viabilizar as
operações de combate ao trabalho escravo, inclusive do Grupo Móvel.
Em julho de 2017, o Ministério Público do Trabalho interveio
junto ao Ministro do Trabalho buscando solução extrajudicial para reverter o quadro de
iminente inatividade do GEFM. Na oportunidade'4, o Ministro do Trabalho assegurou
que o Ministério do Trabalho estava "trabalhando no sentido de readequar o seu
orçamento para que essas ações não sejam paralisadas".
Mas mesmo diante do compromisso público e oficial assumido
pelo Ministro do Trabalho, não foi percebido qualquer movimento no sentido de
restabelecer as condições mínimas para que a fiscalização do trabalho, exercida tanto
pelas unidades regionais do Ministério do Trabalho, quanto pelo Grupo Móvel, pudesse
voltar a ser realizada em padrões mínimos.
Tanto é que, em 21 de agosto de 2017, a situação precária foi
tema de audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação
Participativa (CDH) do Senado Federal15, com ampla repercussão nacional. A finalidade
da audiência pública era debater sobre "O corte orçamentário e a inviabilização do
combate ao trabalho escravo, infantil e outras violaçães de direitos". Além da redução
das operações do GEFM, consignou-se a iminente paralisia total das fiscalizações por
insnficiência de recursos. A seriedade da situação foi ratificada pelas explicações
prestadas pelo representante do Ministério do Trabalho presente na andiência pública,
o então Chefe da Divisão da Erradicação do Trabalho Escravo (que viria a ser
dispensado em seguida, conforme já mencionado).
Diante da conduta omissiva do Requerido e da magnitnde dos
direitos fundamentais colocados em risco, conbe ao Ministério Público do Trabalho
14 Disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/DortalJportal mpt/mptlsala-imprensa/mpt-noticias/69702823-5b5e-42c8-82bc-18abd1ed4f93. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 53.
15 Conforme notícia divulgada no site do próprio Senado Federal. Disponível em: https.-//www12.senado.leq.br/noticiaslmaterias/2017/08/21/cdh-cobrara...tJo-qoverno-solucao-vara-
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ajuizar ação civil pública" para que fosse assegurada uma quantidade mínima de
operações mensais do GEFM. Cumpre salientar que a propositura da ACP foi
necessária diante do fracasso da atuação extrajudicial, haja vista a recalcitrância do
Ministro de Estado do Trabalho em adotar as diligências cabíveis para manutenção das
atividades do Grupo Móvel17•
Conforme dados coletados pela ASSPAlPRDF (Anexo 61) até
12.9.2017, apenas 52,79% do orçamento destinado à fiscalização para erradicação do
trabalho escravo havia sido empenhado. Além disso, do total destinado à fiscalização de
trabalho no campo (atividade intrinsecamente ligada ao combate ao trabalho escravo),
até a mesma data, havia sido empenhado apenas 34,77% do orçamento destinado a essa
ação orçamentária (Relatório de Informação nO 008/2017, ASSPAlPRDF, quadro
constante da página 3).
Não é demais lembrar que na recente condenacão do Brasil no
Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil a Corte IDH ressaltou os deveres de
fiscalizar a prática do trabalho escravo e prestar assistência às vítimas, nos
seguintes termos!8;
319. No tocante à obrigação de garantir o direito reconhecido no artigo 6 da Convenção Americana, a Corte considera que isso implica no dever do Estado de prevenir e investigar possíveis situacões de escravidão. servidão. tráfico de pessoas e trabalho forçado. Entre outras medidas, os Estados têm a obrigação de: i) iniciar, de ofício e imediatamente, uma investigação efetiva que pennita identificar, julgar e punir os responsáveis, quando exista denúncia ou razão fundadas para crer que pessoas sujeitas à sua jurisdição se encontrem submetidas a uma das situações previstas no artigo 6.1 e 6.2 da Convenção; ii) eliminar qualquer nonna que legalize ou tolere a escravidão e a servidão; iii) tipificar criminalmente estas figuras, com punições severas; iv) realizar fiscalizações ou outras medidas de detecção destas práticas e v) adotar medidas de protecão e assistência às vítimas.
16 Ação civil pública n' 0001120-21.2017.5.10.0021, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em desfavor da União. Na ação, distribuída a 2P Vara do Trabalho de Brasília/DF, houve declínio de competência em favor da Justiça Federal, tendo o feito sido encaminhado à Seção Judiciária do Distrito Federal (ANEXOS 65 e 66).
17 A informação consta da inicial da ação civil pública n' 0001120-21.2017.5.10.0021, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em desfavor da União. In verbis: "Considerando que o estancamento das atividades do Grupo Móvel trará prejuízos diretos e irreversíveis à coletividade de trabalhadores alcançada pelas operações deflagradas para atender denúncias de trabalho escravo, o Ministério Público do Trabalho tentou viabilizar uma solucâo extrajudicial por meio do convencimento do Exmo. Ministro do Trabalho. Sem êxito." A inicial está disponível em: http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connectlportal mptl9935cb85-08dl-4fc4-ac16-9335053180fdlACP+-+Grupo+Mo%CC%81vel.pdf?MOD-AJPERES. Acesso em: nov 2017.
18 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.Ddf. Acesso .I>!: QgH 2Q17 p. g •.
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Constata-se, portanto, que o Requerido praticou atos de
improbidade administrativa aludidos no artigo 11 da Lei n° 8.429/1992, consistentes nas
reiteradas omissões que, ao impedirem a manutenção das atividades de combate ao
trabalho escravo, colocando em risco até mesmo o planejamento do GEFM, e, com isso,
obstar a consecução dos direitos fundamentais violados pela prática do trabalho escravo
contemporâneo, atentam contra os princípios da administração pública, contra os
princípios constitucionais e contra a ordem jurídica internacional. Confonne se verá ao
término da leitura desta inicial, todas as condutas, omissivas e comissivas, do Requerido
tiveram uma motivação política especial, de beneficiar interesses de grupos
empresariais ruralistas em troca do apoio na votação das denúncias oferecidas em face
do Presidente da República.
2 - Negativa de publicidade à lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das
discussões da CONATRAE
Desde 2003, por meio da Portaria n° 1.234 do Ministério do
Trabalho, o Estado brasileiro adotou uma das medidas mais emblemáticas e eficazes no
combate à escravidão contemporânea: a famosa lista suja do trabalho escravo,
consistente em um cadastro nacional de empregadores que submetem trabalhadores a
condições análogas à de escravo.
Ressalte-se que referida medida, entre outras - assim como o já
mencionado Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) -, é resultado de
compromissos decorrentes de convenções e acordos internacionais assumidos pela
República Federativa do Brasil, com forte repercussão internacional, que, até então,
colocou o Brasil como referência na luta global contra o trabalho forçado, conforme
reconhecido pela OIT.
o referido cadastro constitui importante instrumento preventivo
já que, para o empregador, a inclusão do nome no cadastro talvez seja a mais
indesejável consequência da autuação pela prática de trabalho escravo. Isso porque o
empregador que figura no cadastro está sujeito a uma série de efeitos adversos que
prejudicam a obtenção de crédito e a própria atividade comercial19• Como exemplo,
19 "A lista suja do MTE igualmente revelou-se instrumento válido e apto Q diminuir os casos de trabalho escravo, na medida em que os empregadores-fornecedores passam a ser facilmente identificados, publicamente, pelos consumidores nacionaiS e internacionais e, também, por aqueles que financiam suas atividades, gerando restrições em sua cadeia comercial". NEVES, Débora Maria lU".;"" 1<.">11>0 ""'""O" .l;o; ..... alo •• 0 Paulo: b1<, 2Ql1 P lQ4
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basta citar a Resolução n' 3.876/2010-CNM, que "veda a concessão de crédito rural
para pessoas físicas ou jurídicas que estão inscritas no Cadastro de Empregadores que
mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo instituído pelo
Ministério do Trabalho e Emprego".
O objetivo da divulgação do Cadastro de Empregadores que
tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo além de ser medida
de transparência das ações do Ministério do Trabalho, tem por finalidade também inibir
prática tão deplorável e proteger àqueles que se encontram em vulnerabilidade
econômica e social, sem opção de escolha e oportunidade.
Não há fixação de data certa para divulgação da lista do
cadastro, há, contudo, determinação que esta publicidade seja feita observando
periodicidade mínima de 6 (seis) meses.
Não obstante, em dezembro de 2016, o Requerido completou
7 (sete) meses de omissão consistente na não publicação do Cadastro de
Empregadores vinculados à prática deplorável de trabalho escravo, em completa
inobservância das normas então vigentes, o que levou o Ministério Público do Trabalho
a ajuizar ação civil pública para determinar à União e ao Ministro do Trabalho que
divulgassem o cadastro - conforme será detalhado mais à frente.
Em março de 2017, diante do insucesso dos instrumentos
processuais manejados para tentar protelar ainda mais a divulgação do cadastro 20, o
Requerido ainda se omitia quanto ao dever jurídico de publicar a lista, completando 10
(dez) meses de conduta omissiva, o que ensejou a recomendação21 expedida pelo
Conselho Nacional dos Direitos Humanos - CNDH - e a divulgação de nota pública"
pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.
Além da pura inércia, o Requerido, na qualidade de Ministro de
Estado do Trabalho, valeu-se de outros subterfúgios para, de algum modo, obstar ou
retardar a divulgação do cadastro, ou manter indevida ingerência sobre seu conteúdo.
20 Posteriormente será detalhado o trâmite da ação civil pública ajuizada pelo MPT e dos demais atos processuais correlacionados.
21 Na recomendação foi ressaltado ao Ministro de Estado do Trabalho o seguinte: "Considerando que não há. atualmente. qualquer restrição legal. embaraço jurídico ou impedimento técnico que iustifique a não publicação da lista suio do trabalho escravo. sendo. ao contrário. do interesse público a sua divulgacão". RECOMENDAÇÃO W 02, DE 10 DE MARÇO DE 2017, do Conselho Nacional de Direitos Humanos - CNDH. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/sobre/particiD8caosociallcndh!recomendacoes-lIrecomendacao-cndh-02~2017/. Acesso em: nov 2017. ANEXO N° 06.
22 Disponível em: httD:/ /www.inpacto.org.br/wp-contentluploads/2017 /03/Nota-publica-Conatrae-14-Q. ;W17.BElf. "00"0 om' HO" 2Q17. IIJ'IIiJW ]\/' Q7
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Um desses subterfúgios foi instituir, por meio da Portaria 1.42923
de 16 de dezembro de 2016, Grupo de Trabalho "para dispor sobre regras relativas ao
Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas
à de escravo".
Claramente a criação do referido GT teve caráter protelatório. Já
havia a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4, de 11.05.201624 - ou seja,
vigente há mais de 7 (seis) meses - disciplinando o assunto e já haviam cessados os
efeitos da decisão do Min. Ricardo Lewandowski que suspendia a publicação da lista
suja, conforme será visto em detalhes.
Explica-se: o Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas a de escravidão vinha sendo divulgado
periodicamente, com regularidade, desde 2003 até 2014. Em dezembro de 2014 a
Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC - ajuizou a ADI nO
5.209-DF e o Ministro Ricardo Lewandowski deferiu pedido de medida cautelar para
suspender a eficácia da Portaria Interministerial MTE/SDH n° 2, de 12 de maio de 2011
e da Portaria MTE n° 540, de 19 de outubro de 2004, suspendendo, assim, a publicação
da lista suja. No entanto, após a publicação da Portaria Interministerial MT/MMIRDH
uO 4/2016, a Ministra Cármen Lúcia julgou prejudicada a ADI n° 5.209-DF por perda
superveniente do objeto2S e consignou que não subsistiam as alegações de
inconstitucionalidades acerca da norma anterior (Portaria Interministerial n° 2/2011), em
virtude das novas regras introduzidas pela Portaria Interministerial n° 2/2015 e pela
portaria em análise, a Portaria lnterministerial MT/MMIRDH nO 4/2016.
Ou seja, desde maio de 2016 estava em pleno vigor, e com
respaldo do Supremo Tribunal Federal, a Portaria Interministerial MTIMMIRDH
n· 4/2016 que estabelecia o dever de publicar o cadastro, não restando qualquer
empecilho legal, administrativo ou judicial para a publicação. As regras relativas ao
cadastro, portanto, já estavam estabelecidas e vigentes, sem qualquer óbice jurídico.
Ainda que se pretendesse criar outras regras ou alterar as
vigentes, a instituição de GT para esse fim não poderia servir de justificativa para o
descumprimento das normas em vigor.
23 Portaria n° 1.429, de 16 de dezembro de 2016. D.O.V. n° 242, de 19 de dezembro de 2016. Seção 1. p. 135. ANEXO n° 08.
24 Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n° 4, publicada no D.O.V. n° 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: httD://www.imprensanacional.gov.br/. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 09.
25 STF. ADI n° 5.209-DF. decisão monocrática Min. CÁRMEN LÚCIA, ] 6.5.2016.
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Além do intuito protelatório, pretendeu-se afastar da discussão
os principais atores incumbidos de debater as políticas públicas voltadas ao combate ao
trabalbo escravo, especialmente órgãos da administração pública e entidades que têm
objetivo institucional de combater a escravidão e integram a Comissão Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE.
A criação de um GT para suprimir a competência da
CONATRAE teve o claro propósito de permitir a elaboração de novas normas sem a
participação e acompanhamento dos especialistas e técnicos mais ligados ao tema,
bem como manter sob supervisão direta do Ministro de Estado do Trabalho as
discussões.
o GT foi instituído tendo como integrantes fixos apenas
representes do Gabinete do Ministro, da Consultoria Jurídica e da Secretaria de
Inspeção do Trabalho (artigo 2° da portaria). Os demais integrantes teriam apenas status
de convidados, conforme artigos 3° e 4° da portaria". Ainda sim, embora tenha previsto,
por exemplo, a participação de "representantes das Centrais Sindicais aferidas", há
registro de que não houve convite ao Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do
Trabalho - SlNAlT27, justamente o sindicato que representa os agentes públicos com
atribuição para a fiscalização do trabalho em condição análoga à de escravo. Isso
demonstra que os artigos 3° e 4° eram pro forma e que o Ministro de Estado do Trabalho
tentou apenas dar aparência de que o GT tinha composição plural.
Com isso, o Requerido concretizou, em verdade, o afastamento
da CONATRAE e de seus integrantes da discussão envolvendo o Cadastro de
Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo,
conforme já colocado nesta inicial.
Ocorre que obstar a participação da CONATRAE vai contra o
que estabelece o decreto que criou a comissão, que assim prevê28;
Art. 2° Compete à CONATRAE:
26 Art. 3'. Integrarão o referido Grupo de Trabalho, na condição de convidados, representantes dos seguintes órgãos e entidades: I. Casa Civil da Presidência da República; lI. Ministério da Justiça; IH. Advocacia Geral da União; IV. Ordem dos Advogados do Brasil; V. Ministério Público do Trabalho; VI. 6 representantes das Centrais Sindicais aferidas; VII. 6 representantes do Sistema Confederativo PatronaL Art. 4' O MTb poderá convidar participantes de outros órgãos e instituições para participarem das reuniões do GT.
27 Conforme nota publicado pelo SINAIT em 8.3.2017. Disponível em: https://sinait.org.br/site/noticiaprint?id=14045. Acesso em: nov 2017. ANEXO N" 54.
28 Decreto presidencial de 31 de julho de 2003. Disponível em: ÀtW"!.'Wtl·r9léiRàlt9 gg,rbr'GGP'il Q~r,gRRI2JHJ3f.QHRg943.htm A(;@EiEig @m: "Agu 2Q17
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I - acompanhar o cumprimento das ações constantes do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, propondo as adaptacões que se fizerem necessárias; II - acompanhar a tramitação de projetos de lei relacionados com o combate e erradicação do trabalho escravo no Congresso Nacional, bem como propor atos normativos que se fizerem necessários à implementacão do Plano de que trata o inciso I; [. .. ] IV - propor a elaboração de estudos e pesquisas e incentivar a realização de campanhas relacionadas à erradicação do trabalho escravo; [ ... ]
A CONATRAE, ao contrário do GT insliluído pelo Ministro de
Estado do Trabalho, é espaço plural de discussão, tem ampla representatividade, sendo
integrada por representantes de diversos órgãos29, além de nove representantes de
entidades privadas não-governamentais, reconhecidas nacionalmente, e que possuam
atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo. Ademais, a
CONATRAE deve ser presidida pelo titular da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos - SNDH -, enquanto no referido GT do Ministério do Trabalho havia apenas
previsão de participação, corno convidado, de um representante do Ministério da Justiça
- sem necessidade de que o representante fosse vinculado à SNDH.
Fica evidente, então, que o Requerido pretendeu esvaziar o
fórum qualificado constituído pelos membros da CONATRAE para concentrar em sua
esfera de atuação as discussões acerca da lista suja - instrumento vital no combate ao
trabalho escravo.
Não é demais ressaltar que a criação da CONATRAE, assim
corno a criação do GEFM, foi respaldada em compromisso internacional firmado pelo
Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos 30• Nesse acordo de
29 Art. 30 A CONATRAE será integrada: I - pelo Secretário Especial dos Direitos Humanos, que a presidirá; e II - pelos seguintes Ministros de Estado: a) da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; b) da Defesa; c) do Desenvolvimento Agrário; d) do Meio Ambiente; e) da Previdência Social; e f) do Trabalho e Emprego; IH - por dois representantes do Ministério da Justiça, sendo um do Departamento de Polícia Federal e outro do Departamento de Polícia Rodoviária Federal; e IV - por até nove representantes de entidades privadas não-governamentais, reconhecidas nacionalmente, e que possuam atividades relevantes relacionadas ao combate ao trabalho escravo. § 10 Os representantes de que tratam os incisos I a IV poderão ter substitutos por eles indicados. § 20 Poderão ser convidados a integrar a CONATRAE, na qualidade de observadores, representantes de instituições públicas ou privadas, que possuam notórias atividades no combate ao trabalho escravo, § 30 A CONATRAE terá um vice-presidente, eleito entre os representantes, mediante votação por maioria absoluta.
30 Trata-se de compromisso relativo ao acordo de solução amistosa assinado pelo Estado brasileiro e as peticionárias - as organizações não governamentais Américas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) - do Caso n' 11.289, que se refere ao célebre Caso José Pereira. RELATÓRIO W 95/0., C A ~Q 11 2g9 ~QI,,nç Ã Q A MI~TQ~ A JQ~É PEREIR A IlI< A ~Ib 24 <l. QQtu!lrG <lo
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solução amistosa ficou acertado que "o Estado brasileiro compromete-se a implementar
as ações e as propostas de mudanças legislativas contidas no Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo". E no Plano Nacional para a Erradicação do
Trabalho Escravo31, de 2003, consta como algumas das ações gerais que devem ser
perseguidas pelo Estado brasileiro:
13 - Criar o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. 14 - Criar um Grupo Executivo de Erradicação do Trabalho Escravo, como órgão operacional vinculado ao CONATRAE, para garantir uma ação conjunta e articulada nas operações de fiscalização entre as Equipes Móveis, MPT, Justiça do Trabalho, MPF, Justiça Federal, MF/SRF, MMA/IBAMA e MPS/JNSS, e nas demais ações que visem a Erradicação do Trabalho Escravo.
Pois bem, diante da inércia do Requerido em promover a devida
divulgação, o Ministério Público do Trabalho, por meio da sua Coordenadoria Nacional
de Erradicação ao Trabalho Escravo (CONAETE), ajuizou a Ação Civil Pública
0001704-55.2016.5.10.0011 em desfavor da União e do Ministro do Trabalho a fim de
que lhes fosse imposta judicialmente a divulgação da lista suja do trabalho escravo
(ANEXO 62).
Em decisão liminar (ANEXO 67), o Juiz da 110 Vara do
Trabalho de Brasília determinou a publicação da citada lista, cujo trecho a seguir
merece ser transcrito, a fim de elucidar a real magnitude desse instrumento
administrativo como política de efetivação de programa constitucional:
"( ... ) Também tenho por evidente o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), uma vez que a omissão na publicacão desse Cadastro acaba Dor esvaziar. dia a dia, a Política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil. Recorde~se que há mais de uma década esse Cadastro vem se destacando entre as medidas relevantes no enfrentamento do tema, em perfeito alinhamento aos princípios constitucionais da publicidade e da transparência. Trata-se, a toda evidência, de Política Pública permanente, que independe de cores ideológicas ou partidárias momentâneas. Não se deve perder de vista a obrigação assumida pela República Federativa do Brasil perante a comunidade internacional, ao ratificar diversas nonnas internacionais voltadas à erradicação do trabalho análogo ao de escravo e à promoção do trabalho decente, a exemplo das Convenções n 29 e 105 da Organização
2003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/BrasiI.11289.htm. Acesso em: nov 2017.
31 Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/documentos/plano nacional.pdf. Acesso em: nov 2017.
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Internacional do Trabalho - OIT, da Declaração Universal de Direitos do Homem, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos. Sociais e Culturais e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A abolição definitiva do trabalho escravo faz parte, há anos, de uma agenda permanente mundial fundada em norma imperativa do Direito Internacional, de caráter cagente Uus cagens). Assim, o retrocesso do Brasil nesse tema, para além do grave problema social interno, pode ensejar cansequências outras no âmbito externo e perante as Cortes Internacionais, notadamente no delicado momento atual ( ... )" (ACP 0001704-55.2016.5.10.0011, Juiz Rubens Curado Silveira, 11' Vara do Trabalho de Brasília, Data de publicação: 19/12/2016, com grifo nosso)
Após concessão da liminar, a União manejou, perante o Tribunal
Regional do Trabalho da 10' Região, a SLAT 97-06.2017.5.10.0000, requerendo a
suspensão da tutela provisória concedida na ação civil pública, o que restou indeferido
nos termos da decisão proferida pelo Presidente do referido Tribunal. Em seguida, a
União requereu o mesmo pedido perante o E. Tribunal Superior do Trabalho (TST
SLAT-3051-04.2017.5.00.0000), o qual foi deferido consoante entendimento do
Presidente daquela Corte.
Diante disso, o Ministério Público do Trabalho impetrou o
Mandado de Segurança (TST-MS-3351-63.2017.5.00.000) em face da decisão do Exmo.
Sr. Ministro Presidente do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, na qual o Ministro
Relator deferiu, parcialmente, a liminar requerida pelo Ministério Público do Trabalho,
tornando sem efeito a decisão que suspendia a publicação da lista.
Por fim, a sentença de primeiro grau tornou definitiva a liminar
concedida para condenar a União e o Ministro de Estado do Trabalho a publicar o
cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições auálogas a
de escravidão (ANEXO 63).
Assim, apenas no final de março de 2017 - após quase 1 (um)
ano de injustificada omissão e, mesmo assim, somente por força de decisão judicial - o
Ministério do Trabalho publicou o cadastro de empregadores envolvidos com a
submissão de pessoas a condições análogas às de escravo.
No entanto, verificou-se mais uma manobra, dessa vez para
interferir no conteúdo da lista. No mesmo dia (23.3.2017), o cadastro inicialmente
divulgado, com 85 empregadores, foi retirado do site do Ministério do Trabalho e
substituído, cerca de duas horas depois, por outra lista, com apenas 68 nomes32• Ou seja,
32 Conforme matéria publicada pelo Valor Econômico. Disponível em: http://www2.senado.leg.brlbdsflbitstreamlhandle/idl532553/noticia.html?sequence=l. Acesso em: nov 2017. ANEXO n" 12. O fato também foi publicado pela ONG Repórter Brasil. Disponível em: Atkrrllr@QgFt@J!bra8il9fflbrQ:Q17'QJ'gQl7@FRQ 9Gulta RQR=I€'8 gye QQ9€!ri3:m e6tar I-la lista suja 99
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houve clara ingerência para que fossem ocultados 17 nomes de empregadores que
adotaram a nefasta prática do trabalho escravo.
Instaurado o procedimento preparatório na
1.16.000.000980/2017-8133 no âmbito do Ministério Público Federal para apurar o
ocorrido, foi expedido ofício34 ao Chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do
Trabalho Escravo - DETRAE - para que prestasse esclarecimentos.
A resposta35 encaminhada pela DETRAE é esclarecedora no
sentido de que a substituição de uma lista pela outra, com a sonegação injustificada de
17 nomes, foi ato praticado sem respaldo técnico. Vejamos.
A decisão judicial que determinava a publicação do cadastro36
era clara no sentido de que deveria ser publicado, pelo Ministro de Estado do Trabalho,
o cadastro de empregadores "com a inclusão de todos os administrados que detenham
contra si decisão administrativa final de procedência de auto de infração capitulado
no art. 444, da CLT".
Na resposta, que é assinada pela DETRAE, pelo Coordenador
Geral de Fiscalização do Trabalho e pelo titular da Secretaria de Inspeção do Trabalho
(SIT), foi confirmado que "todos os 17 (dezessete) empregadores excluídos possuíam
auto de infração capitulado no art. 444, da CLT".
A DETRAE esclareceu que havia duas listas porque uma (com
68 nomes) era referente a dezembro de 2016 e outra foi atualizada em março de 2017
(com a inclusão de 17 novos nomes, totalizando 85 nomes). In verbis:
"d) Tão logo essa Divisão fora intimada da decisão liminar proferida na ACP 0001704-55.2016.5.10.0011 procedeu-se à confecção dos despachos de inclusão no Cadastro das empresas que se enquadravam na modulação da decisão judicial vigente. Para tanto, partiu-se do banco de dados disponível em 28/12/2016 porque, em sendo o que estava disponível, era aquele que garantiria o imediato atendimento ao comando judicial. Porém, já em dezembro, essa área técnica havia iniciado o processo de revisão e atualização de seu acervo, que só foi finalizado em meados de março de 2017. Ressalte·se que a última pesquisa de atualização anterior bavia se encerrado em agosto de 2016, sendo, portanto, esse retrato o que estava
__ ...,-".-__ --:--,-___ disponível em dezembro. No dia 15/03/2017. às 14:37h. trabalho-escrav%~~ Acesso em: nov 2017. ANEXO W 13.
33 Procedimento preparatório instaurado no âmbito da Procuradoria da República no Distrito Federal (PRlDF·MPF) em 31 de março de 2017 para apurar irregularidades a exclusão de 17 (dezessete) nomes da lista suja do trabalho escravo.
34 Ofício n' 3332/2017-AA PRDFIMPF, de 17.5.2017, ANEXO N' 14, 35 Ofício n' 167/2017/GAB/SIT/MTb, de 13.6,2017. ANEXO N' 15. 36 Decisão proferida em dezembro de 2016 pelo juiz da 11 a Vara do Trabalho em Brasília no bojo da
ACP na 0001704-55,201.6,5.10.0011, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho,
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comunicamos então via e-mai! à Sra. Secretária de Inspeção do Trabalho informando que a atualização e revisão geral do Cadastro havia sido concluída no final daquela manhã. ensejando assim a edicão do Cadastro com incorporacão dos novos 17 empregadores, em relação à lista encaminhada na parte da manhã constando 68 nomes que refletia o banço de dados disponível da atualização anterior (agosto de 2016), conforme comprovam os e-mai! anexados de fls. 16/18".
De fato, com a resposta37, a DETRAE encaminhou cópia de e
mai! com data de 15.3.2017, 14:37, no qual o então chefe da DETRAE André Esposito
Roston remete arquivo com o cadastro atualizado dos empregadores que, mais
recentemente, tiveram decisão administrativa final no auto de infração referente ao art.
444 da CLT. Há, ainda, cópia de e-mai! expedido pela Secretária de Inspeção do
Trabalho Maria Teresa Pacheco Jensen, minutos após (e-mai! de 15.3.2017 às 14:49),ao
Requerido, Ministro de Estado do Trabalho RONALDO NOGUEIRA, e ao Consultor
Jurídico do órgão, Ricardo Santos Si!va Leite, também com arquivo referente ao
cadastro atualizado de 15.3.2017.
Ficou claro, portanto, que tanto a DETRAE corno a SIT
encaminharam ao Ministro de Estado do Trabalho a lista atualizada dos empregadores,
com 85 nomes. Tanto é assim que, no primeiro momento, essa lista é que foi divulgada
na internet. Duas horas depois, sem justificativa plausível e sem qualquer orientação da
DETRAE e da SIT, a lista foi substituída pelo cadastro desatualizado, com a omissão
proposital de 17 empregadores.
Com efeito, a resposta encaminhada ao parquet Federal deixou
claro que não houve consulta à SIT ou à DETRAE para publicação da lista mais antiga,
com apenas 68 nomes38•
A indevida ingerência exercida pelo Requerido sobre a
publicação e o conteúdo do cadastro ficou evidente, também, a partir das informações
contidas na Nota Informativa n° 43/2017/DETRAE/SIT, de 23.8.2017. Embora
constasse na Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4, de 11.05.201639, vigente à
37 Cópias dos e-mails encaminhadas como anexo do Ofício n° 167/2017/GAB/SlTlMTh,de 13.6.2017. ANEXaW 15.
38 Ao item do ofício requisitório do Ministério Público Federal "e) esclareça se Q Secretaria de Inspeção do Trabalho foi consultada tecnicamente antes da retirada dos 17 (dezessete) nomes acima relacionados do Cadastro de Empregadores divulgado no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho" foi respondido que "e) Não. Tomamos ciência da atualização da lista para 68 nomes ao consultarmos o site de publicação do 'Cadastro de Empregadores"'.
39 Portaria lntenninisterial MTPS/MMIRDH n° 4, publicada no D.a.D. nO 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imprensanacional.gov.br/. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 09.
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época, norma expressa determinando que "a organização e divulgação do Cadastro
ficará a cargo da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo
(DETRAE)" (artigo 2°, § 3° da portaria), foi informado pela DETRAE/SIT que40:
"31. Porém, atualmente, embora a DETRAE realize os trabalhos de organização do Cadastro de Empregadores (verificação de enquadramento dos administrados nas regras de inclusão no Cadastro, atualização do banco de dados e confecção dos despachos de inclusão), a providência de publicação do instrumento está, no fluxo atual, completamente fora da governabilidade e controle da Divisão, pois é realizada pela ASCOMlMTb, a partir de encaminhados realizados pelo Gabinete do Ministro, ao qual aquela área é subordinada diretamente."
Desde que assumiu o comando da pasta, o Requerido atuou em
total descumprimento ao seu dever jurídico imposto pela Portaria Interministerial
MTIMMIRDH nO 4/201641• A portaria prevê expressamente a obrigatoriedade de
divulgação da lista atualizada em período não superior a 6 (seis) meses:
Art. l' Estabelecer, no âmbito do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, bem como dispor sobre as regras que lhes são aplicáveis. Art. 2° O Cadastro de Empregadores será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravo. [ ... ] § 5° A atualização da relação poderá ocorrer a qualquer tempo, não podendo tal providência. entretanto. ocorrer em periodicidade superior a 6 (seis) meses.
Cumpre esclarecer que os termos dessa portaria foram
avalizados pelo Supremo Tribunal Federal, imediatamente após sua publicação.
Diante das requisições do Ministério Público Federal para apurar
o ocorrido, as respostas encaminhadas pela DETRAE e SIT foram categóricas em
40 Nota Informativa n' 43/2017/DETRAE/SIT, de 23.8.2017, encaminhada ao MPF por meio do Ofício n° 249/20l7/GAB/SITIMTB, de 28.8.2017, em resposta ao Ofício n° 5226/2017-AA, de 1'.8.2017. ANEXON' 16.
41 Portaria Interministerial MTPSIMMIRDH n' 4, de 11.5.2016, publicada no D.O.V. o' 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imprensanacional.gov.brl. Acesso em: oov 2017. ANEXO n° 09.
18 f 67
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confirmar que não foram consultadas a respeito da indevida substituição, contrariando
as normas em vigor (Portaria Interministerial MT/MMIRDH nO 4/2016):
Art. 2° O Cadastro de Empregadores será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos à condições análogas à de escravo. r .. ] § 3° A organização e divulgação do Cadastro ficará a cargo da Divisão de Fiscalizacão para Erradicacào do Trabalho Escravo IDETRAE1, inserida no âmbito da Secretaria de Inspecão do Trabalho (SITl, do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Também foi informado pela DETRAE/SIT, conforme já
detalhado, que ao contrário do que dispõe o § 3° acima transcrito, a praxe adotada no
âmbito do Ministério do Trabalho era de centralizar a publicação do cadastro na
ASCOM e no Gabinete do Ministro.
Ora, impossível não constatar que a transgressão ao referido
normativo tem como consequência - almejada pelo Ministro de Estado do Trabalho -
viabilizar um controle direto sobre o conteúdo da lista suja, permitindo interferências
decorrentes de um crivo estritamente político, conforme critérios particulares, em
evidente desvio de finalidade.
Depois disso, em setembro e outubro do corrente ano, conforme
já salientado, o Ministro de Estado do Trabalho voltou a se omitir. Novamente, diante da
negativa injustificada de dar publicidade à lista, o MPT precisou recorrer ao judiciári04'.
Já com relação à Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho,
de 13 de outubro de 2017 - que será analisada em detalhes mais a frente -, verifica-se
que foram alterados dispositivos da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n° 4, de
11 de maio de 2016, para aniquilar de forma brutal a lista suja, cuja organização - feita
até então de forma rigorosamente técnica pela DETRAE - passa, agora, a depender de
determinação expressa do Ministro do Trabalho. Essa recente portaria foi o último
ataque à lista suja do trabalho escravo e, em geral, à política pública de combate ao
trabalho escravo, conforme será visto.
Mas já cabe adiantar que a publicação da lista suja não pode ser
fruto de escolha do agente político, de forma arbitrária, a seu gosto, conforme lhe
convir.
42 Notícia no site do MPT. Disponível em: htto://portal.mpt.mp.br/wps/portallportal mptlmptlsalaimprensalmpt-noticias/e7ea5bcb-7b60-4b17-b696-8be6405e7775. Acesso em: nov 2017.
19 J 67
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL
A publicação do Cadastro de Empregadores que tenham
submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, como dever constitucional da
administração pública de dar publicidade aos seus atos (artigo 37 da Constituição
Federal), deve-se ater a critérios objetivos e técnicos, sob responsabilidade de agentes
públicos dotados de imparcialidade. Esses, sim, capazes de trazer a segurança jurídica
almejada por determinados setores privados.
Corroborando com o exposto, transcreve-se trecho da decisão
exarada pelo Exmo. Desembargador Presidente do E. Tribunal Regional do Trabalho da
10' Região nos autos do mencionado pedido de suspensão de liminar:
"( ... ) De fato. Não se ignora a potencialidade nociva que a divulgação de dados errôneos, eventualmente existentes no cadastro, possam gerar ao ente público e aos administrados, pois a associação de empresas ao trabalho em condições análogas ao de escravo é situação que provoca efeitos negativos para a imagem dos envolvidos que, comumente, não são minorados ou esquecidos pela sociedade no decurso do tempo. Todavia, não há como conceber que a inclusão de nome de empresas no cadastro se dê de forma inconsequente. Fosse assim, o próprio agente público estaria reconhecendo gravíssimas falhas em sua mais legítima atuação de modo a tornar duvidoso o resultado das ações engendradas para a erradicação do trabalho escravo. As atuações do órgão fiscalizador em relação à apuração do trabalho escravo são rígidas e us aulu.'S ue infração somente são expedidos quando o processo administrativo de cada empregador foi analisado em todas as instâncias e possui decisão irrecorrível (art. 2', § 1', do normativo). Ou seja, a inclusão de um nome no cadastro constitui a etapa final de todo um procedimento fixado por normas específicas editadas, repita-se, pelo próprio Ministério do Trabalho, órgão da Administração Federal responsável e estruturado para apurar as denúncias de irregularidades e fiscalizar o trabalho em todo o território nacional. Ademais, destaque-se que, no presente momento, os termos da Portaria Interministerial n.' 4/2016 estão vigentes. Como bem consignado pelo Juízo, a criação de a quo grupo de trabalho destinado a aperfeiçoar sua redação 'não suspende, expressa ou implicitamente, a vigência da Portaria atual' (id 4ba2d98, pág. 6), até porque houve tempo suficiente - desde a sua edição - para que as citadas ações de aperfeiçoamento tivessem sido concretizadas. A União também não aponta, especificamente, quais são os termos da Portaria n.o 4/2016 que seriam falhos, nem quais são os possíveis erros que ensejariam a inscrição equivocada de empresas no cadastro, tendo em vista que, destaque-se uma vez mais, a inclusão do empregador ocorre apenas com a decisão final desfavorável no processo administrativo. Como já dito, embora a sociedade brasileira já esteja consciente da existência da situação aviltante e da necessidade de combate ao labor análogo ao escravo no país, pouco se tem avançado para se concretizar as medidas que, efetivamente, mostrem-se eficazes na coibição da conduta irregular. A autorização da criação de cadastro dos empregadores ligados ao trabalho escravo, por si, não é sufici.ente para intimidar os praticantes da irregularidade, sendo essencial a divulgação dos dados, uma vez que ao Estado cabe, precipuamente, operacionalizar e concretizar as medidas repressivas destinadas à
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erradicação do trabalho irregular. Não há, pois, como reconhecer que a divulgação do documento poderá ocasionar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (Lei n." 8.437/1992, art. 4"), inclusive para legitimar a própria ação do Ministério do Trabalho que enuncia ser um dos seus pilares de atuação a proteção do trabalhador, tendo em vista que a sociedade brasileira possui a necessidade premente de que o Estado adote medidas realmente eficazes que coíbam a exploração desse tipo de mão de obra. Impedir a divulgação do cadastro, como registrado na decisão id bf87826, 'acaba por esvaziar, dia a dia, a Política de Estado de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil' (pág.19)". (SLAT 0000097-06.2017.5.10.000, Desembargador Presidente Pedro Luís Vicentin Foltran, Tribunal Regional do Trabalho da 10' Região, Data de publicação: 06/03/2017, com grifo nosso)
Ademais, convém repisar que, justamente para garantir a
segurança jurídica, a Portaria Interministerial n° 4/2016 aperfeiçoou as normas
anteriores, tendo sido referendada pela decisão proferida pela Ministra Cármen Lúcia, já
mencionada, nos autos da ADI 5209/DF. As alterações das regras relativas ao Cadastro
de Empregadores constantes da Portaria Interministerial nO 4/2016, portanto, foram
realizadas justamente para resolver os questionamentos feitos no bojo da referida ADI,
quando então ficou consignado que as supostas inconstitucionalidades foram sanadas.
Não há se falar, pois, em aprimoramento da atuação do Estado
brasileiro, muito menos em segurança jurídica, quando o conceito de trabalho escravo,
os efeitos da lista suja e a fiscalização do trabalho são restringidos. O que se vê,
claramente, é um grave retrocesso social.
Além disso, tornar discricionária a publicidade do Cadastro de
Empregadores previsto na Portaria Interministerial nO 4/2016 é uma violação ao direito
fundamental de acesso à informação catalogado no inciso XXXII do artigo 5° da
Constituição Federal de 1988, regulamentado pela Lei 12.527, de 18 de novembro de
2011, que deu concretude e materialização jurídica ao direito garantido a todos os
cidadãos de acesso amplo a informações e documentos produzidos pela Administração
Pública.
Aliás, é clara a afronta, por parte da conduta omissiva reiterada
do Ministro de Estado do Trabalho, à Lei de Acesso à Informação, que assim dispõe:
Art. 8" É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas. [. .. ] § 2° Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos
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de que dispuserem, sendo obrigatória a divnlgacão em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).
A divulgação da lista de pessoas jurídicas e físicas envolvidas na
prática de trabalho escravo, além de atender ao direito fundamental da sociedade de
acesso à informação, serve de parâmetro para o desenvolvimento de políticas de
responsabilidade social, considerando a existência de riscos decorrentes da celebração
de relações comerciais com tais infratores.
Cabe frisar, por fim, que a Lei n° 8.429/1992 prevê
expressamente como atos de improbidade administrativa "retardar ou deixar de
praticar, indevidamente, ato de ofício" e "negar publicidade aos atos oficiais" (artigo
11, incisos II e N).
3 - Portaria n° 1.129, de 13 de outubro de 2017, do Ministério do Trabalho
o último ato ilegal e atentatório à política pública de erradicação
do trabalho em condição similar à escravidão do Requerido foi a edição, pelo Ministro
de Estado do Trabalho, da Portaria n' 1.129, de 13 de outubro de 201743, que dispõe
sobre "os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de
escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser
resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho".
Trata-se da mais recente medida que vem integrar um conjunto
de atos coordenados objetivando desestabilizar a política pública nacional de combate
ao trabalbo escravo.
As disposições contidas na referida Portaria têm como propósito
e como efeito prático imediato esvaziar a fiscalização dos Auditores-Fiscais quanto à
ocorrência de trabalho escravo e dificultar - ou quase inviabilizar - a autuação de
infrações decorrentes da submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo.
Com isso, a Portaria também nega benefícios de seguro
desemprego a inúmeros trabalhadores resgatados em situações degradantes e torna
remota a possibilidade de inclusão de empregadores no Cadastro de Empregadores que
tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo (lista suja do trabalho
escravo).
43 Portaria n" 1.129, de 13 de outubro de 2017. Publicada no Diário Oficial da União, n" 198, de 1. 1Q 2Q17, 'Q~'" 1, P g2/g;J o NEXO RO :10
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Mesmo uma análise sem profundidade - já que o objeto da
presente ação não repousa sobre o teor da portaria - revela os fins pretendidos e as
consequências que poderão ser acarretadas com a implantação e observância da citada
norma infralegal. Vejamos.
A portaria, ao fixar conceitos distintos para trabalho forçado,
jornada exaustiva, condição degradante e condição análoga à de escravo (itens I a N
do artigo 1°), criando quatro diferentes categorias, determinou (art. 2°) que tal
classificação deve ser observada para fins de inclusão de nome de empregadores no
Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à
de escravo, de modo que somente haverá inclusão no cadastro (conforme artigo 4°)
quando ocorrer uma das hipóteses elencadas nas alíneas "a" a "d" do inciso IV; do artigo
1°, referentes à categoria "condição análoga à de escravo"44. Logo, as demais hipóteses
que, à luz do ordenamento jurídico e da jurisprudência, denotam sujeição do trabalhador
à condição similar à de escravo, não mais ensejarão a inclusão do nome do empregador
autuado na assim chamada lista suja do trabalho escravo.
Isso é, aqueles empregadores que submeterem pessoas ao
trabalho forçado, à jornada exaustiva ou a condições degradantes, aviltando os
trabalhadores, parecerão idôneos aos olhos da sociedade, pois não constarão na lista suja
divulgada pelo Ministério do Trabalho.
Para exemplificar, de acordo com os termos da Portaria, os
trabalhadores resgatados em AItamira do Pará, em julho do presente ano, embora
44 Art. 10 Para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE n' 1.153, de 13 de outubro de 2003, em decorrência de fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo, estabelecido pela PI MTPS/MMIRDH n' 4, de 11.05.2016, considerar-se-á: I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade; II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria; In - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade; N - condição análoga à de escravo: a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;
d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local dolMb"/".
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"alojados em barracos de lona, tomando água de um riacho e sem instalações
sanitárias", não seriam considerados, para efeito dessa norma infralegal,
trabalhadores em condição análoga à de escravo (art. 1', IV, da Portaria) e nem
mesmo em condição degradante, já que para essa última hipótese (inciso III) a
portaria prevê que deve haver o "cerceamento da liberdade de ir e vir". Outrossim, os
trabalhadores resgatados na zona rural de Terra Nova do Norte (MT), embora
submetidos a uma jornada de trabalho de 14 horas por dia, não seriam
considerados, à luz da citada portaria, submetidos a jornada exaustiva, caso não
constada a "privação do direito de ir e vir" mencionada no art. 1', inciso 1I45•
Portanto, a Portaria do Ministério do Trabalho veio para
estreitar, indevidamente, os contornos legais acerca do trabalho em condição análoga à
de escravo.
Além disso, a Portaria n' 1.129/2017 inovou com diversas
disposições que estão claramente voltadas a dificultar as autuações das infrações pelo
Auditor-Fiscal do Trabalho. O artigo 3', § 1', IV, estabelece que, para ser lavrado o auto
de infração, deve haver descrição detalhada que aponte obrigatoriamente "a) existência
de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; b) impedimento de deslocamento
do trabalhador; c) servidão por dívida; d) existência de trabalho forçado e involuntário
pelo trabalhador". A necessidade de descrever tais itens é apenas outra maneira de
restringir o conceito atual de trabalho em condição análoga à de escravo, pois cria
requisitos que até então não são reconhecidos pela legislação ordinária ou pela
jurisprudência sobre o tema.
Também segundo a Portaria, para que o auto de infração seja
recebido pelo órgão julgador, o Auditor-Fiscal deverá, ainda, juntar boletim de
ocorrência lavrado pela autoridade policial que participou da fiscalização - embora não
haja nenhuma determinação legal nesse sentido - e comprovação de recebimento do
relatório de fiscalização pelo empregador autuado (art. 40, § 30, inc. II e III). Esses e
outros requisitos representam um subterfúgio para embaraçar a atividade dos Auditores
Fiscais do Trabalho, conforme se demonstrará adiante.
Além disso, com a nova Portaria, a inscrição do empregador na
lista suja passa a ficar a critério de determinação do Ministro de Estado do Trabalho
(art. 30, § 30). Ficou estabelecido, ainda, que "a organização do Cadastra ficará a cargo 45 A notícia referente à operação que resgatou trabalhadores em Altamira (PA) e em Terra Nova do
Norte (MT) está disponível em: httD:I/agenciabrasiLebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-08/opcracno-conjunta-rcsgata-36-trabalhadorcs-crn-condicocs-analogas. Acesso em: nov 2017. ANEXOW21.
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da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cuja divulgação será realizada por
determinação expressa do Ministro do Trabalho" (artigo 4', § I'). Isto é, a inscrição do
empregador autuado e a divulgação do cadastro deixam de estar adstritas aos critérios
técnicos das áreas competentes do Ministério do Trabalho e ficam submetidas ao
crivo político do titular da pasta.
Não fosse o bastante, a Portaria previu, no parágrafo único46 do
artigo 5°, mecanismo que permite retirar desse cadastro aqueles empregadores que
tenham sido autuados antes da publicação da portaria - ainda que em decisão
irrecorrível administrativamente -, por meio de uma nova "análise de adequação"
conforme os termos - ilegais - estabelecidos pela própria portaria. Trata-se de
verdadeira anistia aos empregadores anteriormente autuados pela odiosa prática do
trabalho escravo.
A Portaria impõs retrocessos também com relação à
possibilidade de celebração pela União de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou
de acordo judicial com o administrado sujeito a constar na lista suja. Ao disciplinar
novamente sobre o assunto e revogar diversos dispositivos que disciplinavam o tema
anteriormente47 (o artigo 8' revogou os artigos 2', § 5', 5', 6', 7', 8', 9', 10, 11 e 12 da PI
MTPSIMMIRDH n' 4, de 11.05.2016), o Ministério do Trabalho, por exemplo, excluiu
a necessidade de a União dar ciência ao Ministério Público do Trabalho dos TACs
firmados, excluiu a previsão acerca dos compromissos (medidas reparatórias,
preventivas ou promocionais) que deveriam ser assumidos pelo empregador, revogou a
determinação de que o TAC fosse disponibilizado na internet para consulta pública e
permitiu que empregadores, mesmo reincidentes, possam firmar novos TACs.
Por fim, é de estarrecer que as disposições da portaria deverão
ser consideradas para fins de concessão do benefício de seguro-desemprego. Ou seja,
mais do que simplesmente proteger o empregador que pratica alguma forma
contemporânea de trabalho escravo, a Portaria ainda pretende negar às vítimas a
46 Art. 5° A atualização do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalbadores à condição análoga à de escravo será publicada no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho duas vezes ao ano, no último dia útil dos meses de junho e novembro. Parágrafo único. As decisões administrativas irrecorríveis de procedência do auto de infração. ou conjunto de autos de infração, anteriores à data de publicação desta Portaria valerão para o Cadastro após análise de adequação da hipótese aos conceitos ora estabelecidos.
47 O artigo 6' da Portaria n' 1.129, de 13 de outubro de 2017, disciplina sobre a celebração de TAC ou acordo judicial, enquanto o artigo 8° da mesma portaria revoga os artigos 5° ao 12 da PI MTPS/MM1RDH n' 4, de 11.5.2016, que disciplinavam de forma mais pormenorizada o tema. A Portaria lnterministerial MTPSIMMIRDH n' 4 foi publicada no D.D.U. n' 91, de 13.5.2016, seção 1, p. 178 e 179. Disponível em: http://www.imorensanacional.gov.br/.Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 09.
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assistência financeira necessária para que possam deixar a situação de risco, a despeito
do que dispõe a Lei nO 7.998/1990.
O episódio teve grande repercussão na imprensa nacional48,
além de ter gerado perplexidade nos especialistas da área. A Secretária Nacional de
Direitos Humanos e Presidente da CONATRAE divulgou nota contra os termos da
portaria, ressaltando que a norma "compromete a execução da política de combate ao
trabalho escravo"4'. A Procuradora-Geral da Repúblicaso e a Ordem dos Advogados do
Brasil" também se manifestaram em sentido semelhante.
Até mesmo a Organização Internacional do Trabalho - OIT -
manifestou-sé2 acerca da portaria ao afirmar, por meio do coordenador do Programa de
Combate ao Trabalho, que o Brasil "deixa de ser referência no combate à escravidão
que estava sendo na comunidade internacional". A entidade também divulgou nota53
sobre a portaria em que vislumbra o "enfraquecimento e limitação da efetiva atuação
da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e
vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada".
Segundo o que já se apresentou em detalhes nesta inicial, os
conceitos trazidos pela portaria estão vinculados à noção de cerceamento da liberdade
de ir e vir, de não consentimento, de privação do direito de locomoção ou de retenção
do trabalhador por meio de segurança armada, o que se mostra evidente retrocesso
conceitual sobre o terna.
Em verdade, a compreensão do trabalho escravo pelos termos da
recente portaria faz concluir que o Ministério do Trabalho pretende combater o 48 O assunto foi destaque em diversos telejornais e nas rádios. Os órgãos da imprensa também
divulgaram a notícia pela internet. Como exemplo, seguem os seguintes sites: 1.h ttps: 11 eco no mia. uo I. co m. b r/noticias/redacao/2 O 17/10/161 entidades-de-co mbate-ao-trabalhoescravo-descrevem-portaria-como-retrocesso.htm; 2. http://agenciabrasil.ebc.co m. briDa li tica/no ticia/20 17-1 O/ministerio-altera-regras-para-divulgacao-delista -suj a-do-trabalho-escravo; 3. http://veja.abril. co m. br I eco no mia/DO rtaria-do-governo-dificultacorrmrovacao-de-trabalho-escravo/; 4. httDs://m.oglobo.globo.comleconornia/governo-cria-regras-que-dificultam-combate-ao-trabalho-escravo-21950654; 5. http://www.valor.com.brlh rasi1J515 7 5121 governo-dificulta -fiscalizacao-de-trabalho-escravo ; 6. http://hr.reuters.com/article/topNews/idBRKBN1CL20K-OBRTP? feedType-RSS&feedName-topNews. Acesso em: nov 2017. ANEXOS n" 22 a 27.
49 Disponível em: http://www.valor.com.br/politica/5159220/secretaria-de-temer-diz-que-mudancaafeta-combate-ao-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 28.
50 DispoIÚvel em: htto://www.mpf.mp.br/oer/notlCIaS-OQr/oortana-que-altera-conceito-de-trabalho-escravo-implica-retrocesso-na-orotecao-da-dignidade-hurnana-afinna-pgr. Acesso em: nov 2017. ANEXOn" 29.
51 Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia/55737/0ab-manifesta-contrariedade-com-mudancas-nafiscalizacao-do-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 30.
52 Disponível em: httos://gl.globo.comleconomialnoticialoit-expressa-nreocupacao-Dor-decreto-sobretrabalho-escravo-no-brasil.ghtml. Acesso em: nov 2017. ANEXO nO 31.
53 Disponível em: bttp://www.ilo.org/brasilialnoticiasIWCMS 584323!lang--pt/index.htrn. Acesso em:
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escravagismo dos séculos XVIII e XIX, das sessões públicas de açoitamento de
escravos rebeldes, do enclausuramento noturno nas senzalas, das correntes que atavam
uns escravos aos outros, do ferro em brasa usado para marcar a pele dos fugitivos. Essas
práticas, embora não se possa duvidar que ainda sejam adotadas Brasil afora, não são
necessárias para reconhecimento do trabalho escravo, seja pela legislação nacional,
seja pelas regras de Direito Internacional.
Com efeito, o Requerido parece não se dar conta que está
retornando aos tempos do trabalho escravo pré-republicano, quando "a força de
coerção era a própria lei que autorizava a escravidão". Parece ignorar que, hoje, a
vítima de quaisquer formas contemporâneas de trabalho escravo "cede sua força de
trabalho sem maiores possibilidades de resistência, antes ou durante o aprisionamento,
antes pela necessidade de qualquer espécie de trabalho, e durante devido à dívida
fraudulenta e às violências física e psicológica"54.
Desde 2003, com as alterações da Lei n° 10.803/2003, o artigo
149 do Código Penal55 - que passou a ser referência legal em matéria de trabalho em
condições análogas à de escravo - passou a apresentar conceito mais abrangente para
permitir adequada repressão ao trabalho escravo. A nova redação da norma é
reconhecida pelos organismos internacionais56 como exemplo internacional na luta pelo
fim do trabalho em condição análoga à de escravo.
Aliás, é preciso esclarecer que a nova redação não surgiu de
súbita misericórdia do legislador, mas sim em virtude das demandas de organismos
internacionais" e da necessidade que se fazia cada vez mais premente de aperfeiçoar os 54 NEVES, Débora Maria Ribeiro. Trabalho escravo e aliciamento. - São Paulo: LTr, 2012. p. 13. 55 Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 10 Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. § 20 A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I - contra criança ou adolescente; II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
56 O Sistema ONU no Brasil divulgou nota em que manifesta profunda preocupação com a Portaria n° 1.129 e lembra que "A ONU reconhece o alinhamento do conceito brasileiro de trabalho escravo, definido no artigo 149 do Código Penal, às normas internacionais, conforme já mencionado em nota de posicionamento da Equipe da ONU no Brasil em relação ao assunto, publicada em 2016". Disponível em: https://nacoesunidas.org/sistema-onu-no-brasil-divulga-nota-sobre-portaria-dotrabalho-escravo/. Acesso em: nov 2017. ANEXO N° 55.
57 "Desde 1988, a Comissão de Peritos da OIT insistiu para que o Governo Brasileiro modificasse o artigo 149 do Código Penal, que regula a questão, de modo a detalhar os elementos constitutivos do Gri~B' dB lrg/nllhg S&Gn~v~, psr1+lltil::uJQ, gssi~, g fo'Llr.lifigg l?f«tillQ dgs QLtlQr:sS dsssa prátiGQ" [ ]" '\,ç
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instrumentos legais para permitir a repressão ao trabalho escravo. Impende ressaltar que
a alteração do artigo 149 do Código Penal foi objeto de compromisso assumido pelo
Estado brasileiro perante à CIDH na homologação do acordo amistoso referente ao
célebre Caso José Pereira".
o referido dispositivo da lei penal, portanto, já permitia, desde a
nova redação introduzida em 2003, reconhecer o trabalho em condição semelhante à de
escravo pelas mais variadas formas (submissão a trabalhos forçados; submissão a
jornada exaustiva; sujeição do trabalhador a condições degradantes; restrição da
locomoção por dívida; cerceamento do uso de meio de transporte; uso de vigilância
ostensiva; e retenção de documentos).
O Requerido pretendeu, com a Portaria, dar sentido diverso e
limitante ao artigo 149 do Código Penal, contrariando frontalmente o entendimento já
sedimentado pelo Superior Tribunal de JustiçaS9 e pelo Supremo Tribunal Federal, que
reconhecem no dispositivo múltiplas condutas - sem a necessidade de restrição da
liberdade - equiparadas à redução de pessoa à condição análoga à de escravo. Em
julgado recente o Supremo Tribunal Federal ratificouGO o entendimento:
"O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens juridicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os
alterações do artigo 149 do CPB são parte da execução do Acordo de Solução Amistosa assinado entre o Estado Brasileiro e a CPT, CEJIL-Brasil e Human Rights Watch. No Acordo, o Estado comprometeu-se Q melhorar a legislação nacional, no sentido de proibir a prática de trabalho escravo no paÍs e, com o objetivo de evitar Q impunidade, defender que a redução análoga à condição de escravo seja julgada como crime". Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasill International Labour Office: ILO Office in Brazil. - Brasilia: ILO, 2010, 1 v. (p. 35 e p. 53-54). Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/defauIUfiles/topic/forced labour/nub/combatendotecontemporaneo 307.pd f. Acesso em: nov 2017.
58 RELATÓRIO N' 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de outubro de 1.003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualreD/2003portlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.
59 "Nos termos do consignado no acórdão a quo, o crime de redução a condição análoga à de escravo consuma-se com a prática de uma das condutas descritas no art. 149 do CP, sendo desnecessária a presença concomitante de todos os elementos do tipo para que ele se aperfeiçoe, por se tratar de crime doutrinariamente classificado como de ação múltipla ou plurinuclear". (STJ, HC 239.850IPA, 5' Turma, ReI. Min. GILSON DIPP, DJe 20/8/2012).
60 Em célebre decisão, pouco menos recente, a Egrégia Corte já havia consolidado o seguinte entendimento: "PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal. não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomocão. bastando a submissão da vítima a trabalhos forcados ou a iornada exaustiva ou a condicões degradantes de trabalho. condutas alternativas previstas no tipo penal. A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos," (STF, Inq n°
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direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados." (STF, RE 459.510/MT, Tribunal Pleno, ReI. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 12104/2016).
Se até mesmo na seara penal, em que incidem os princípios da
ultima ratio e da fragmentariedade, adota-se - com chancela das Cortes Superiores -
conceituação ampla para definição do trabalho em condição análoga à de escravo, a
pretensão do Ministro de Estado do Trabalho de restringir o conceito para fins
administrativos é manifesta incongruência no sistema normativo. Seria mais difícil
alcançar os efeitos repressivos e preventivos no âmbito administrativo do que promover
a persecução criminal. A inovação conceitual, portanto, é totalmente danosa à segurança
jurídica6'.
Aliás, é interessante notar que a opção do legislador de 2003 -
de admitir no Código Penal um conceito abrangente para caracterização do trabalho em
condição análoga à de escravo - foi ratificada em 2016. Isso porque, por meio da Lei n°
13.344/2016, o legislador ordinário inseriu um novo tipo penal - o artigo 149-A, a
respeito do tráfico de pessoas - em que faz referência direta62 ao delito do artigo 149,
sem promover qualquer alteração em seu conteúdo.
Portanto, o entendimento que se tem hoje quanto à erradicação
do trabalho escravo, orientado pela afirmação histórica dos direitos humanos, leva em
conta concepções mais conectadas à realidade contemporânea do mundo e às atuais
relações e condições de trabalho. Busca-se, enfim, proteger a dignidade do trabalhador,
evitar sua objetificação, o que pressupõe o enfrentamento do trabalho escravo sob vários
aspectos - não apenas a restrição física da liberdade -, como as condições precárias de
alojamento, fornecimento insuficiente ou inadequado de alimentação ou água potável,
maus-tratos, violência psicológica, precarização da saúde, aliciamento de trabalhadores
e exploração do trabalhador migrante, retenção de salário como forma de reter o
trabalhador, isolamento geográfico, seIVidão por dívida, entre inúmeros outros aspectos.
Essa visão hodierna sobre a condição análoga à de escravo, que
está em harmonia com a Constituição Federal, foi ignorada pelo Requerido com a
61 A segurança jurídica foi o pretexto descabido utilizado em nota oficial do Ministério do Trabalho para justificar a (injustificável) portaria. Disponível em: hUp:/ /www.secretariageral.gov.br/rro ti das/tr abalho-escr aVQ-no t8-0 ficial-sobre-Dortaria-no-1-129-2017. Acesso em: nov 2017. ANEXO N' 56.
62 Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: [ ... ] II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; [ ... ].
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edição da Portaria nO 1.129, em sinal de completa falta de compromisso com a
erradicação do trabalho escravo.
A citada Portaria não representa afronta apenas ao marco legal
estabelecido pelo artigo 149 do Código Penal. Sem maiores digressões - já que, cabe
repisar, a validade jurídica da Portaria n° 1.129 não é objeto desta causa -, impende
registrar que o teor da portaria afronta as Convenções 29 e 105 da Organização
Internacional do Trabalho.
A Convenção 29 da OIT, promulgada pelo Decreto n°
41. 72111957, estabelece a obrigação de todos os Estados-membros suprimirem "o
emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto
prazo possível" (artigo 1°, 1) e dispõe que a expressão "trabalho forçado ou obrigatório"
corresponde a "todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de
qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade" (artigo
2°, 1, da Convenção 29 da OIT, promulgada pelo Decreto n° 41.72111957). Pela
Convenção n° 105 da OIT, promulgada pelo Decreto n° 58.822/1966, o Brasil assumiu o
compromisso de suprimir o trabalho forçado ou obrigatório. Veja-se que a Convenção
n° 105 vale-se da mesma expressão cujo conceito foi estipulado pela Convenção n° 29
da OIT. Portanto, ambos os instrumentos internacionais, ao versarem sobre a
necessidade de suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, empregam conceituação
mais ampla que a definição pretendida pela Portaria n° 1.129.
O Requerido, ao restringir o conceito para limitar a atuação do
Estado na repressão ao trabalho escravo, também ignorou outros instrumentos
internacionais. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966
(promulgado pelo Decreto n° 592/1992) dispõe que:
ARTIGO 8 1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas. ficam proibidos. 2. Ninguém poderá ser submetido à servidão. 3. a) Ninguém poderá ser obrigado a executar trabalhos forçados ou obrigatórios; [ ... ]
A Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de
1956 (Decreto n° 58.563/1966) também adota conceitos amplos com vistas a obter a
abolição completa ou abandono das práticas análogas à escravidão63•
63 A convenção traz, por exemplo, a necessidade de abolir a prática da servidão, que seria "o condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por um acordo, a viver e trabalhar numa tBrrg JJ(M:,~JqGE'Rt8 fi Qutnl flE'SSQg fi!' g rfg'+lE'Ger 61' ~gfl Qutrbl PSSSQ6l, GQRg"g c(?R"ll.lRE'rQ'çgg {;lU
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A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José
da Costa Rica) proíbe a escravidão ou a servidão em todas as suas formas (artigo 6°,
1).
Ainda no plano internacional, merece destaque o fato de que a
nova conceituação pretendida pelo Requerido não guarda nenhuma harmonia com os
termos da recente condenacão do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasi/64•
Na sentença, a Corte IDH reconheceu que um dos elementos a
ser considerado para o conceito de escravidão é "o exercício de algum dos atributos do
direito de propriedade, isto é, que o escravizador exerça poder ou controle sobre a
pessoa escravizada ao ponto de anular a personalidade da vítima". Ficou consignado
que "a constatação de uma situação de escravidão representa uma restrição
substantiva da personalidade jurídica do ser humano e poderia representar, ademais,
violações aos direitos à integridade pessoal, à liberdade pessoal e à dignidade, entre
outros, dependendo das circunstâncias específicas de cada caso"65. A Corte
Interamericana expressamente decidiu que a exploração da vulnerabilidade da vítima é
um elemento da escravidão, a demonstrar que o conceito do art. 149 do Código Penal
brasileiro não está tão distante assim do conceito internacional de escravidão.
Além da tentativa de fixar conceitos para o trabalho em
condição análoga à de escravo, em completa desarmonia com a legislação ordinária,
com o entendimento das Cortes Superiores e com os instrumentos internacionais sobre
direitos humanos, a Portaria n° 1.129, de 13.10.2017 mostrou-se ilegal por outros
diversos aspectos, a seguir delineados.
Como visto, a Portaria pretendeu amarrar a atuação dos
Auditores-Fiscais do Trabalho, estabelecendo condições para a tramitação dos processos
relativos aos autos de infração lavrados. O artigo 4°, § 3°, previu, por exemplo, a
obrigatoriedade de registro fotográfico, boletim de ocorrência66, comprovação de gratuitamente, determinados serviços, sem poder mudar sua condição" (artigo 1°, b), Também apresenta a definição do que seria escravidão: "ê o estado ou Q condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade e "escravo" é o indivíduo em tal estado ou condição" (artigo 7', al.
64 Dada a relevância para o tema da escravidão contemporânea e para compreensão dos atos ímprobos descritos nesta inicial, a sentença da CorteIDH no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde será aludida com mais detalhes adiante.
65 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016, Disponível em: httn://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.pdf. Acesso em: nov 2017. p. 71/72.
66 Quanto à exigência de boletim de ocorrência, há que se concordar com a Nota Técnica n° ;;?:ti2Q:Q17t~ITj d@ 12161 2Q17, qU3aQQ 3PQata· ":14 ,,~&~ pgr:ag, " PgrklriQ gpb8Esr:HeJ LI~Q AflUIRiA
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recebimento do Relatório de Fiscalização pelo empregador autuado e envio de ofício à
Delegacia de Polícia Federal competente comunicando o fato para fins de instauração.
Quanto à obrigatoriedade de boletim de ocorrência e de ofício à
Delegacia de Polícia Federal, a incongruência salta à vista. Como se sabe, as instâncias
administrativa e criminal são independentes, de modo que a participação da polícia
judiciária da União não pode ser exigida - embora possa ser apropriada em alguns
casos" - como pressuposto para a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho.
Sobretudo porque a atuação da Polícia Federal, nesses casos, fica adstrita às situações
em que há mandado judicial ou flagrante delito. Isso é, a atuação é mais restrita que
aquela conferida aos Auditores-Fiscais do Trabalho, que detêm poder de polícia
administrativa para exercer a fiscalização em qualquer estabelecimento,
independentemente de mandado judicial". O Decreto nO 4.552/2002 prevê em seu artigo
13 que "o Auditor-Fiscal do Trabalho, munido de credencial, tem o direito de ingressar,
livremente, sem prévio aviso e em qualquer dia e horário, em todos os locais de
trabalho mencionados no art. 9°»69. Logo, atrelar a atividade do Auditor-Fiscal do
Trabalho à presença obrigatória de força policial é reduzir consideravelmente o alcance
das fiscalizações e, em consequência, a repressão ao trabalho escravo e os resgates de
trabalhadores em condições análogas à de escravo.
Além disso, haveria dificuldades de ordem prática, pois
frequentemente a fiscalização ficaria prejudicada diante da impossibilidade de conciliar
normativa ao utilizar em seu texto Q expressão 'Boletim de Ocorrência'. 35. A ação penal cuja acusação argumente pela subsunção do artigo 149 do Código Penal (que prevê o crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo) é de competência da Justiça Federal (art. 109, V-A e VI da CF), por ser crime contra a organização do trabalho e contra os direitos humanos e, portanto, Q
atribuição exclusiva para Q investigação criminal (inquérito policial) nesses casos é da Polícia Federal que exerce, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União (art. 144, § 1" da CF). 36. Na PolÍcia Civil há a lavratura de Boletins de Ocorrência, que são atos declaratórios do demandunte pelo registro, sujeiws, em regra, u apuração pos(erior; porém, na Polícia Fedem/. não há previsão de emissão deste instrumento". «<ANEXO nO»>.
67 De fato, nas atividades de fiscalização do Ministério do Trabalho, a Polícia Federal, em regra, só acompanha as fiscalizações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM. Não acompanha, portanto, as fiscalizações procedidas pelas unidades descentralizadas (Superintendências Regionais) do Ministério do Trabalho, que são responsáveis pela mai.or parte dos resgates. Além disso, não é incomum que a configuração do trabalho escravo ocorra em fiscalizações de rotina - que não decorre de denúncia sobre trabalho escravo - em que não há, via de regra, apoio da força policial.
68 A Convenção n" 81 da OIT assim prevê sobre o alcance da fiscalização dos inspetores de trabalho: "Artigo 12 - 1. Os inspetores de trabalho munidos de credenciais serão autorizados: a) a penetrar livremente e sem aviso prévio, a qualquer hora do dia ou do noite, em qualquer estabelecimento submetido à inspeção; b) a penetrar durante o dia em todos os locais que eles possam ter motivo razoável para supor estarem sujeitos ao controle de inspeção".
69 O artigo 9° do Decreto n° 4.552/2002, por sua vez, estabelece os locais sujeitos à inspeção do trabalho: "Arr. 90 A inspeção do trabalho será promovida em todas as empresas, estabelecimentos e locais de trabalho, públicos ou privados, estendendo-se aos profissionais liberais e instituições sem fjR& lusnlti'lQ&, b@J:N Sg~g Q& @J:Nbgo;ç,,~g@& @&frgRg@irg& @,tl:l g,gUgf tgrritGrigis bnl&ilsirgs"
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a atuação da Polícia Federal e do órgão responsável do Ministério do Trabalho, em
razão da estrutura e disponibilidade de pessoal para cada evento.
Essa indevida ingerência pretendida pela Portaria afronta
dispositivos da Convenção nO 81 da OIT (Decreto nO 41.721/1957) que preveem a
independência do Auditor-Fiscal do Trabalho, especialmente o artigo 6°:
Artigo 6' - O pessoal da inspeção será composto de funcionários públicos sujo estatuto e condições de serviços lhes assegurem a estabilidade nos seus empregos e os tornem independentes de qualquer mudança de governo ou de qualquer influência externa indevida.
Ademais, exigir a presença de autoridade policial para a
fiscalização administrativa é uma forma de conferir a ela, indiretamente, atribuições que
são privativas do Auditor-Fiscal do Trabalho, conforme estabelecem o artigo 11 da Lei
n° 10.593/2002 e os dispositivos do Decreto n° 4.552/2002, o que também contraria a
Convenção n° 81 da OIT e norma expressa do citado decreto70•
Portanto, os novos requisitos são dispensáveis e excessivos, não
têm respaldo legal, e têm apenas o condão de embaraçar a autuação de infrações ou a
instrução dos processos administrativos pertinentes. A imposição de novas - e
infundadas - condições para que sejam realizadas fiscalizações e para que tenham
seguimento os autos de infração é um claro prejuízo à política de combate ao trabalho
escravo. Revela-se, uma vez mais, o propósito deliberado e indisfarçável de obstar a
fiscalização do trabalho escravo.
Além disso, a Portaria também se mostrou ilegal quanto às
novas regras" para a celebração de Termo de Ajusta de Conduta (TAC) com
empregadores envolvidos com a prática do trabalho escravo para exclusão do
empregador da chamada lista suja. Conforme já explicitado, foram excluídas a
necessidade de cientificar o Mirtistério Público do Trabalho dos TACs firmados e a
exigência de disponibilização na internet dos TACs firtnados72. Dessa forma, o Ministro 70 Art. 19. É vedado às autoridades de direção do Ministério do Trabalho e Emprego: IH ~ conferir
qualquer atribuição de inspeção do trabalho a servidor que não pertença ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho.
71 Conforme já explicitado, a Portaria n' 1.129, de 13.10.2017, revogou diversos dispositivos da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n' 4, de 13.5.2016, que era a portaria que continha a disciplina acerca da celebração de TACs e acordos judiciais com os empregadores sujeitos a constar no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo.
72 A Portaria n' 1.129, de 13.10.2017, revogou o § 2' do artigo 5' da Portaria MTPS/MMIRDH n' 4, que previa ciência ao Ministério Público do Trabalho (MPT), mediante comunicação à Procuradoria Geral do Trabalho, para "acompanhamento das cracivas", bem como o § 2° do artigo 10, que previa que a cópia do TAC ou do acordo judicial deveria ficar acessível ao público por meio de link no documento QU@ );@t9r9Rte àQ Cagastrg de EJ+l:pn~giu;lgt=@s qY:8 t@RRàm sblbm@QQQ tríibãlRàQQt:Qs à QQR,QivQ@S
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de Estado do Trabalho buscou restringir a publicidade desses atos e afastar o controle do
Ministério Público e o controle popular sobre os tennos dos acordos. Aqui já se nota
ofensa ao princípio da publicidade e ao direito fundamental de acesso à informação
previsto no artigo 5°, XXXIII.
Corno se não fosse suficiente a intenção de pennitir a celebração
de acordos furtivos, o Ministro de Estado do Trabalho pretendeu permitir que os
acordos fossem sucessivamente celebrados, sem qualquer limitação e
independentemente de verificada a reincidência". Também revogou os artigos 6° e 7° da
Portaria Intenninisterial MTPS/MMIROH nO 4, de 13.5.2016, que continham urna longa
lista de disposições e compromissos mínimos que deveriam ser atendidos pelos
empregadores corno medidas de reparação, saneamento, prevenção ou promoção.
Com isso, o Requerido não visou ao aprimoramento do TAC
corno instrumento para melhor servir ao interesse público. Longe disso. O que se
pretendeu foi a transformação do TAC em um mecanismo para permitir abrandar as
consequências administrativas impostas aos empregadores identificados com a prática
do trabalho escravo.
Aliás, essa é a tônica de todo o teor da Portaria n° 1.129: reduzir
o alcance dos efeitos administrativos adversos aos empregadores que submetem
trabalhadores a condiçôes análogas à de escravo. Quanto a isso, talvez o ponto mais
espantoso da portaria seja a pretensão de estender essa "benevolência" da administração
pública até mesmo aos empregadores autuados e condenados em decisão definitiva
anterior à publicação da Portaria74•
Quer dizer, o Requerido pretendeu, sob o falso argumento da
segurança jurídica, permitir a revisão, com base nos novos - e flexíveis - conceitos
que a portaria estnbeleceu para condição análoga à de escravo, de todos essas
decisões anteriores, abrindo possibilidade para excluir o empregador do Cadastro de
Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo.
análogas à de escravo. 73 A Portaria n' 1.129, de 13,10.2017, revogou o artigo 11 da Portaria MTPS/MMIRDH n' 4, assim
disciplinava sobre os efeitos da reincidência: C<Art. 11. Durante o período em que permanecerem na relação prevista no §3° do art. 5D
, os empregadores estarão igualmente sujeitos a fiscalização da Inspeção do Trabalho e, no caso de reincidência de identificação de trabalhadores submetidos à condições análogas às de escravo neste interstício: I - A União não celebrará com o administrado novo Tenno de Ajusklmenro de Condukl ITAC} ou acordo judicial". ANEXO n' 09.
74 Conforme já explicado, a portaria (art. 5°, parágrafo único) possibilita a exclusão da chamada lista suja de empregadores que tenham sido autuados antes da publicação da portaria - ainda que em decisão irrecorrível administrativamente.
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Aqui fica evidente uma condescendência incompatível com o
dever de proteção imputado ao Estado, o que representa ofensa ao princípio da
proporcionalidade em sua vertente referente à proibição da proteção insuficiente.
Também já se expôs nesta inicial que o Requerido procurou
atrair para seu crivo político a decisão (determinação) de inscrever empregador no
cadastro da chamada lista suja e a divulgação do cadastro (artigo 3°, § 3° e artigo 4°, §
1°). Isto é, tais atos deixam de ser norteados apenas pelos critérios técnicos
estabelecidos pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT).
Centralizar esses atos, que são - ou deveriam ser -
essencialmente técnicos e burocráticos, na instância máxima do Ministério do Trabalho,
não pode ter outro objetivo que não o de abrir espaço para interferências políticas no
conteúdo do cadastro, com a exclusão de empregadores da lista suja para satisfazer
interesses outros que não o interesse público.
Há, portanto, manifesta violação ao princípio da impessoalidade,
pois, com a portaria, o Requerido tentou outorgar a ele próprio poderes que permitem
intervir em prol de quem quer que seja, conforme conveniências pessoais ou partidárias,
afastando os atos das necessárias neutralidade e imparcialidade.
Quanto às ilegalidades relacionadas à Portaria nO 1.129, é
preciso ressaltar, finalmente, alguns aspectos formais ou referentes às circunstâncias que
envolvem a edição do ato normativo.
A Portaria foi elaborada sem a devida participação das áreas
técnicas da estrutura organizacional do Ministério do Trabalho7S, em descumprimento ao
que prevê o Decreto nO 8.894/2016". Isso é, o Ministro de Estado do Trabalho, sem
consulta à Secretaria de Inspeção do Trabalho, editou normas a ela aplicáveis. Do
mesmo modo, não houve nenhuma consulta à Divisão de Fiscalização para erradicação
do Trabalho Escravo - DETRAE.
Aliás, nesse ponto, cabe destacar algumas estranhezas
observadas nos trâmites havidos para que fosse editada a portaria.
O Ministério Público Federal requisitou ao Ministério do
Trabalho a íntegra do processo administrativo que deu origem à Portaria n° 1.129,
"incluindo manifestações das áreas técnicas e jurídicas". Em resposta, foi encaminhada 75 Basta ver a Nota Técnica n° 268/2017, de 18.10.2017, emitida pela Secretaria de Inspeção do
Trabalho e dirigida ao Ministro do Trabalho, em que se solicita revogação da Portaria n° 1.129/2017 por constituir ato administrativo manifestamente ilegal. ANEXO n° 57,
76 Art. 18. À Secretaria de Inspeção do Trabalho compete: I - formular e propor as djretrizes da inspeção do trabalho, inclusive do trabalho portuário, de maneira a priorizar o estabelecimento de política de combate ao trabalho forçado e infantil e a todas "' 1<"",,", Q@ t,,,,alR" Qog",l.ato;
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cópia do Processo Administrativo n° 46012.001314/2017-48 - que, na verdade, parece
ter sido instaurado a partir da demanda do Ministério Público Federal".
Da documentação encaminhada, percebe-se que o impulso
inicial é uma carta redigida pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias -
ABRAINC - e dirigida ao Ministro do Planejamento, em que manifesta insatisfação
com a Portaria MTPS/MMIRDH n° 4. Cabe notar que foi a ABRAINC que ajuizou a
ADI n° 5.209-DF pretendendo a suspensão da divulgação da lista suja, julgada
improcedente em maio de 2016, e que a carta dirigida ao Ministro do Planejamento é de
10.8.2017, menos de três meses depois de frustrada a pretensão junto ao STF. Nota-se,
ainda, que parte das "sugestões" contidas na parte final da carta" foram acolhidas pela
Portaria n° 1.129.
Depois de tramitar no Ministério do Planejamento, o "processo"
- que até então era constituído, basicamente, pela carta da ABRAINC e manifestações
no sentido de que a competência para a matéria era do Ministério do Trabalho - foi
encaminhado ao Ministério do Trabalho. Ocorre que o despacho de encaminhamento ao
MTb foi assinado eletronicamente em 5.9.2017 e em 11.10.2017 foi emitido o Parecer
n. 00595/2017/CONJUR-MTB/CGU/AGU, sem qualquer despacho ou providência
anterior. Esse parecer - emitido dois dias antes da data da portaria - foi o único ato
relevante produzido até que fosse editada e publicada a portaria. Mais uma vez
restando comprovada a falta de consulta às áreas técnicas e açodamento por parte do
Requerido.
O Parecer n. 00595/2017/CONJUR-MTB/CGU/AGU não
apresentou análise do mérito da portaria - já que, ao analisar o conteúdo da portaria, o
parecer limitou-se a tecer considerações sobre o poder regulamentar e competência
normativa. Nada mais. Aliás, pelo teor da portaria, e pela ausência de documentos
administrativos produzidos no processo (memorandos, despachos, parecer), nem sequer
é possível saber quem foi responsável pela elaboração da minuta da portaria. O
parecer ainda alertou79, em vão, sobre a necessidade de consulta às áreas técnicas.
77 Ofício n° 286/SE-MTb, de 7.11.2017, em resposta ao Oficio n° 7704/2017-AA da PRlDF-MPF, de 20.10.2017. Encaminha cópia do Processo CANSEIMTB nO 46012.001314/2017-48. ANEXO n° 58.
78 Por exemplo: ".l. Conceituação da expressão 'condição degradante'; [ ... ] 7. A decisão final que ordenará a inclusão no Cadastro de Empregadores será de competência do Ministro do Trabalho". ANEXO n° 58.
79 Constou do parecer: "Por oportuno, reitere-se que deve ser considerada a necessidade da área técnica administrativa manifestar-se sobre a matéria, caso assim não se entenda, os autos deverão conter análise técnica administrativa por parte da Assessoria Técnica do Gabinete do Ministro". "!>liXO ,,0 .g.
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Constata-se, então, que em verdade não houve um processo
administrativo anterior para subsidiar a decisão do Ministro de Estado do Trabalho.
O parecer da consulta jurídica é vazio em relação ao mérito da portaria e deixou claro a
necessidade de submeter a minuta à apreciação das áreas técnicas competentes. Sabe-se
que muitas vezes a informalidade é o meio encontrado pelo administrador público para
escamotear os interesses particulares que justificam o ato. Intimado a comparecer a esta
Procuradoria da República para prestar esclarecimentos acerca do procedimento
adotado, o Consultor Jurídico Ricardo Santos Silva Leite há duas horas do horário
agendado, informou que não compareceria pois todos os esclarecimentos a respeito do
tema já haviam sido apresentados à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Cárnara dos Deputados (Anexo 70) numa explicita demonstração de falta de interesse de
contribuir para elucidação dos fatos.
Além de tudo isso, a Portaria foi editada sem que fosse dada
oportunidade à Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo - CONATRAE
-, fórum especializado em combate ao trabalho escravo contemporâneo, de discutir e
apresentar as sugestões pertinentes acerca da nova normaBO• Mais uma vez, não houve
observância do decreto presidencial que criou a CONATRAE e estabeleceu como suas
competências, entre outras, propor adaptações às ações do Plano Nacional para
Erradicação do Trabalho Escravo e propor atos normativos necessários para sua
implementaçã08!.
o Requerido editou novas normas para a execução da política de
erradicação do trabalho escravo sem sequer admitir a participação da Comissão criada
especificamente para atuar no tema e que é vinculada ao Poder Executivo.
Tão grave quanto isso: a Portaria n° 1.129 revogou dispositivos
da Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nO 4 que previam a participação da
CONATRAE no acompanhamento dos TACs firmados com empregadores sujeitos a
constar no Cadastro de Empregadores8'. Mais uma vez, subtraiu-se competência da
CONATRAE, desvendando o desígnio de enfraquecer sua atuação. Foram revogados os
seguintes dispositivos:
80 Cumpre lembrar que, após publicada a Portaria 1.129, a Secretária Nacíonal de Direitos Humanos e Presidente da CONATRAE divulgou nota manifestando posição contrária aos termos da portaria. Disponível em: http://www.valor.com.brlDolitica/5159220/secretaria-de-temer-diz-gue-mudancaafeta-combate-ao-trabalho-escravo. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 28.
81 Decreto presidencial de 31 de julho de 2003. Disponível em: htto://www.planalto.gov.brlccívíl03ldnn!2003ldnn9943.htm. Acesso em: nov 2017.
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Art. 6" Para alcançar os objetivos e gerar os efeitos expressos no artigo 5", a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial, deverá conter, no mínimo, as seguintes disposições e compromissos por parte do administrado: [. .. ] XVI - obrigação de apresentação de informações por escrito, acompanhadas dos documentos comprobatórios eventualmente solicitados. a qualquer questionamento formulado pela União ou por entidade integrante da CODÚssào Nacional para Erradicacão do Trabalho Escravo ICONATRAEl quanto ao cumprimento dos termos do TAC ou acordo judicial, no prazo máximo de 30 (trinta) dias; [ ... ] XX - previsão de que todas as comunicações relativas à exeçução do Termo de Ajustamento de Conduta ITAC) ou acordo iudicial deverão ser remetidas Dor escrito à AdvocaciaGeral da União, à Secretaria de Inspeção do Trabalho e ª CONATRAE; [ ... ]
Não fosse o bastante, o Requerido, por meio da Portaria n°
1.129/2017, revogou, de forma unilateral, dispositivos de Portaria Interministerial n°
412016, que foi nonua editada conjuntamente pelo então Ministro de Estado do
Trabalho e Previdência Social (MTPS) e pela então Ministra de Estado das Mulheres, da
Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (MMIRDH).
Ou seja, o Requerido deixou de observar regra elementar de
competência para a prática de ato administrativo, pois a portaria editada por duas pastas,
por simetria, só poderia ser desconstituída, ainda que parcialmente, também por
manifestação conjunta83• É oportuno esclarecer que a Lei nO 13.341.12016, embora tenha
extinguido o MMIRDH (artigo 1°, VI), expressamente determinou a transferência de
suas competências para o Ministério da Justiça e Cidadania (artigo 6°, IV).
83 Tal entendimento foi confirmado em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça: "MANDADO DE SEGURANÇA. FINANCEIRO E ORÇAMENTÁRIO. REPASSE DE VERBAS DO FUNDEB. PORTARIA INTERMINISTERIAL MEC/MPOG 221/09. REVOGAÇÃO PELA PORTARIA MEC 788/09. ATO ADMINISTRATNO COMPLEXO. REVOGACÃO. DESCONSTITUICÃO OUE DEMANDA A MANIFESTACÃO DE VONTADE DE AMBOS OS RESPONSÁVEIS PELO ATO OUE SE OUER REVOGAR. SIMETRIA. REDUÇÃO POSTERIOR DO PERCENTUAL DO REPASSE. vrOLAçÃO DO ART. 15 DA LEI 11.494/07. OFENSA AOS PRlNCÍPlOS DA UNICIDADE E ANUALIDADE. ORDEM DE SEGURANÇA CONCEDlDA. 1. A regulamentação exigida pelo art. 70. do Decreto 6.253/07, constitui ato administrativo complexo, demandando Q
manifestação de dois órgãos da Administração para sua constituição, quais sejam, o Ministério da Educação e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, sob pena de invalidade. 2. Por simetria. apenas se admite a revogação do ato administrativo por autoridade/órgão competente para produzi-lo. A propósito, o ilustre Professor DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO assinala que a competência para a revogacão do ato administrativo será. em princípio. do mesmo agente que o praticou C .. .) Assim. se o ato foi suficiente e validamente constituído a revogação é. simetricamente. um ato desconstitutivo. ou. em outros termos. um ato constitutivo-negativo. pelo qual a Administração competente para constituí-lo e apenas ela - retira a eficácia de um ato antecedente. exclusivamente por motivos de mérito administrativo. jamais por motivos jurídicos (Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 230-231). 3. No caso, a Portaria 788/09 aqui combatída, emitida pelo MEC. por si só. procurou revogar a regulamentação anterior. composta pela manifestação das duas Pastas responsáveis. Nesse contexto, dada a simetria necessária para a edição~desconstituição do ato administrativo, entende-se viciado o ato. [ ... ]" (STJ, l' Seção, MS 14.731-DF, Min. ReI. Napoleão Nunes Maia Filho, 14.12.2016, DJe 2.2.2017), grifos "Rggggg}
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Não é demais ressaltar, ainda, que o Requerido extrapolou seu
poder regulamentar, previsto no artigo 87, parágrafo único, II, da Constituição Federal,
pois pretendeu sobrepor ato administrativo infralegal, de caráter secundário, aos ditames
da lei (artigo 149 do Código Penal), que é fonte normativa primária.
A edição da Portaria n° 1.129, que altera normas de relevância
ímpar para a execução da política pública de erradicação do trabalho escravo sem
participação da sociedade, das áreas técnicas envolvidas - sobretudo a Secretaria de
Inspeção do Trabalho e a DETRAE, ambas do Ministério do Trabalho -, e da
CONATRAE, e ainda revoga dispositivos de portaria interministerial anterior sem a
necessária aquiescência do Ministério da Justiça e Cidadania, revela o ímpeto que
moveu o Requerido no anseio de concretizar, o quanto antes, o desmantelamento das
estruturas e atividades administrativas voltadas ao combate ao trabalho escravo.
Por fim, é lamentável concluir que a Portaria nO 1.129 tem como
efeito restringir as hipóteses de pagamento de seguro-desemprego aos trabalhadores
resgatados, reduzindo ainda mais o número de benefícios concedidos". A fatídica
Portaria estabelece em seu artigo lOque os conceitos restritivos ali contidos deverão ser
considerados "para fins de concessão de beneficio de seguro-desemprego ao
trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado
ou reduzido a condição análoga à de escravo, nos termos da Portaria MTE nO 1.153, de
13 de outubro de 2003".
Trata-se de mais um retrocesso social inaceitável, pois o seguro
desemprego, que é pago aos trabalhadores resgatados desde 2003, é um amparo mínimo
que o Estado deve prestar ao trabalhador para que ele possa, de fato, ter alguma chance
de sair do seu estado de vulnerabilidade e não voltar a ser vitimado pelo crime de
trabalho escravo. Se, em regra, é justamente a miséria que toma o trabalhador suscetível
à exploração, o benefício do Seguro-Desemprego, ainda que temporário, é condição
mínima para reinserção da pessoa no mercado de trabalho com dignidade.
Nesse ponto, também há manifesta ilegalidade, pois a Portaria n°
1.129 pretende condicionar o pagamento do seguro-desemprego às hipóteses que
estejam de acordo com os conceitos restritos que ela estabelece, ao passo que a Lei n°
7.998/1990, com redação dada pela Lei n° 10.608/2002, estabelece apenas que o
benefício será devido ao "trabalhador comprovadamente resgatado de regime de
trabalho forçado ou da condição análoga à de escravo".
84 Cabe registrar novamente que o número de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego passou de 857 em 2015 para somente 140 em 2017.
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o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo85, de
2003, previu que uma das ações a ser implementada pelo Estado brasileiro era
"contemplar as vítimas com seguro-desemprego e alguns benefícios sociais
temporários". Portanto, o seguro-desemprego também representa compromisso
internacional finnado pelo Brasil perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos86•
Quanto à Portaria nO 1.129 cabe acrescentar, finalmente, que o
Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática da Ministra Rosa Weber no
bojo da ADPF 489, suspendeu os efeitos da portaria até o julgamento do mérito. A
Ministra Rosa Weber reconheceu, ainda que em juízo delibatório, que:
"A Portaria do Ministério do Trabalho n" 1.129/2017 tem como provável efeito prático a ampliação do lapso temporal durante o qual ainda persistirá aberta no Brasil a chaga do trabalho escravo. A presença do trabalho escravo entre nós causa danos contínuos à dignidade das pessoas (art. 1", IH, da CF) a ele submetidas, mantendo a República Federativa do Brasil distante de alcançar os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3", I, da CF), alcançar o desenvolvimento nacional (art. 3", H, da CF), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (art. 3", IH, da CF) e promover o bem de todos (art. 3°, IV). Tais danos são potencializados pela ausência de uma política pública eficiente de repressão, prevenção e reparação. Vale ressaltar que, a persistir a produção de efeitos do ato normativo atacado. o Estado brasileiro não apenas se expõe à responsabilização jurídica no plano internacional, como pode vir a ser prejudicado nas suas relações econômicas internacionais, inclusive no âmbito do Mercosul, por traduzir, a utilização de mãode-obra escrava, forma de concorrência desleal."
Todas as condutas do Requerido descritas nessa exordial tiveram
o intento claro de atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional de
forma a influenciá-los na votação da denúncia oferecida pelo então Procurador-Geral da
República contra o Presidente da República Michel Temer e outros Ministros de Estado,
inclusive o Chefe da Casa Civil.
Nesse sentido, o Jornal Nacional da Rede Globo exibiu
reportagem87 sobre o assunto, destacando que o Presidente da República Michel Temer,
em uma semana decisiva para seu mandato - em razão de estar prevista a análise, pela
85 Disporuvel em: http://reDorterbrasil.org.br/documentos/plano nacional.pdf. Acesso em: nov 2017. 86 RELATÓRIO N" 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISroSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de
outubro de 2003. Disponível em: https://cidh.oas.org/annualrepI2003DortlBrasiI.11289.htrn. Acesso em: nov 2017.
87 Edição do Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão, de J6.10.2017. Vídeo (edição completa) disponível em: httD://g1.globo.comljornal-nacionalJedicoes/2017/10/16.htrnl. A partir da minutagem
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Comissão de Constituição e Justiça - CCJ - da Câmara dos Deputados, da segunda
denúncia criminal em seu desfavor oferecida pelo Procurador-Geral da República ao
Supremo Tribunal Federal -, "cedeu à bancada ruralista e mudou as regras sobre o
trabalho escravo".
Na edição do telejornal de 17.10.2017, foi exibida reportagem
na qual o Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, reconheceu publicamente" que a
portaria veio para atender um antigo pleito da bancada ruralista em um
"momento político diferente". De um modo geral, a imprensa confirma" que a
portaria é uma concessão do Governo Federal que veio para assegurar apoio dos
parlamentares ruralistas na Câmara dos Deputados para a rejeição da denúncia
apresentada em desfavor do Presidente da República e dos Ministros de Estado Eliseu
Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco.
De fato, essa troca de favores noticiada pela mídia -
especificamente, o arrefecimento da fiscalização estatal do trabalho escravo para
obtenção de apoio parlamentar -, é perfeitamente crível pois os fatos e evidências
apontam para isso. Vejamos.
É sabido que, em regra, os empresários autuados por manter
trabalhadores em condição análoga à de escravo fazem parte do setor agropecuário. O
Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil90 traz um retrato dessa realidade: as
88 Em entrevista, as palavras do Ministro da Agricultura foram as seguintes: "Nesse momento, há um momento político diferente e o presidente resolveu atender a esse pleito antigo da classe produtora e obviamente nós estamos trabalhando em um momento de política muito diferente. Temos um momento confuso e aí a classe produtora resolveu levar essa reivindicação ao presidente. Ele atendeu e nós só temos a comemorar", Disponível em: http://g1.globo.comljomalnado nal/ no ti cia/2 O 17/1 O/no vas-regras-sobre-trabalho-escravo-sao-cri ticadas-a te-dentro -deministerio.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 33.
89 No Editorial O Globo afirmou-se que: "Para agradar à bancada ruralista na Câmara dos Deputados, a atual legislação sobre o assunto - considerada referência no mundo - sofreu uma série de mudanças que, no conjunto, representa um grande retrocesso". Disponível em: http://nobla!.oglobo.glo bo. co ml editoriais/no ticia/2 O 17/1 O/po rtari a-sobre-trabalho-escravo-e-umretrocesso.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 34. Em reportagem da Jovem Pan, ficou registrado que: "A portaria, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira, atende a anseio da bancada ruralista no Congresso e seria uma troca por votos contrários à segunda denúncia criminal pesa sobre o presidente Michel Temer e tramita na Câmara", Disponível em: http://jovempan.oo1.co m. br/ no ti das/po liti ca/14-oo ntos-da-po rtaria -do-governo-temer -que-dificul tamdeteccao-e-punicoes-ao-trabalho-escravo.html. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 35. Matéria de O Estado de S. Paulo lembrou que a portaria vem ao encontro de pautas da bancada ruralista e que" a mudança ocorre às vésperas da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara". Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral.governo-publica-portaria-que-dificultacomorovacao-de-trabalho-escravo, 70002047703. Acesso em: nov 2017. ANEXO n' 36.
90 O Observatório Digital de Trabalho Escravo é uma iniciativa do SMARTLAB de Trabalho Decente do Ministério Público do Trabalho - MPT - e da Organização Internacional do Trabalho - OIT - no Brasil para fomentar a gestão eficiente e transparente de políticas públicas, de programas e de projetos de prevenção e de erradicação do trabalho escravo, de modo que essas ações sejam cada vez mais orientadas por resultados e baseadas em evidências. Observatório Digital do Trabalho Escravo ao !l,agi! '",ototlob g. Trabalho J;I.c,Qt, MPT QIT .017 POgO' ."."0<10' .",. ao" .017
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dez atividades econômicas com maior número de resgates de trabalhadores pertencem
ao setor e representam91 cerca de 85% dos resgastes (total de 19.397 resgates). A criação
de bovinos para corte é a atividade econômica responsável pela maior parcela de
resgates (30,94%), segundo o Observatório.
Antes mesmo de a então Presidente da República Dilma
Rousseff ser afastada do cargo, a Frente Parlamentar da Agropecuária - FPA - já havia
pleiteado formalmente junto ao então Vice-Presidente da República Michel Temer, em
27 de abril de 2016 (poucos dias antes de o Vice-Presidente assumir interinamente), que
fosse estabelecida uma "diferenciação entre trabalho escravo, condições degradantes
de trabalho e jornada exaustiva" e que fossem estabelecidas "limitações aos auditores
do trabalho" - exatamente o que foi acolhido pela portaria em questão -, conforme
documento entregue pelo Presidente da FPA ao Vice-Presidente da República na
ocasião92• Desde o início da gestão do atual Presidente da República, a bancada ruralista
manifestou seu apoio e apresentou seus pleitos93•
À época da primeira denúncia criminal apresentada pelo então
Procurador-Geral da República contra o Presidente da República (fato público e notório
ocorrido em 26.6.2017), já foi possível perceber a relação entre a concessão de benesses
pelo Poder Executivo Federal e a votação favorável ao Presidente da República na
Câmara dos Deputados. Foi noticiado" que o Presidente da República, logo após ser
denunciado, "fez uma ofensiva junto aos ruralistas, chamando dezenas deles ao Palácio
do Planalto". Às vésperas da apreciação da denúncia, editou uma medida provisória
reduzindo a taxa de contribuição do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
(Funrural) e parcelando dívidas do campo e almoçou com ruralistas fora da agenda um
Disponível anline no seguinte endereço http://observatoríoescravo.mpt.mD.br. 91 As cinco atividades econômicas nas quais mais foram resgatados trabalhadores somam 17.607
resgates, o que representa cerca de 77,73% dos resgates. São elas: criação de bovinos para corte (com 30,94% dos resgates); cultivo de arroz (20,63%); fabricação de álcool (11,30%); cultivo de cana-deaçúcar (9,67%) e fabricação de açúcar em bruto (5,19%). Fonte: Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017, Disponível online no seguinte endereço htto:/lobservatorioescravo.mpt.mp.br.
92 O documento denominado "PAUTA POSITIVA - BIÊNIO 2016/2017" foi obtido no site da própria Frente Parlamentar da Agropecuária - FPA (http://www.fDagropecuaria.org.br) e segue anexa a esta inicial. Disponível em: http://www.foagropecuaria.org.br/noticias/fua-tem-encontro-produtivo-comtemer#.Weer-WhSyUl. Acesso em: nov 2017. ANEXOS n' 37 e 38.
93 Conforme notícia do próprio Planalto, houve encontro em 12.7.2016 no qual o então Presidente da FPA, deputado Marcos Montes, ao manifestar apoio ao Presidente da República em exercício, entregou documento com "pautas estratégicas para o setor agropecuário". Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-planalto/noticias/2016/07 /frente-parlamentar-daagropecuaria-rnanifesta-apoio-a-governo. Acesso em: nQV 2017. ANEXO n° 39.
94 Disponível em: httDs://rn.oglobo.globo.comlbrasil/um-dia-antes-de-votacao-da-denuncia-temer-almQf;;él f,;;QI+l RlralÜ;tas kll"él da él'UmQél 2Hiaa372 A ,,;;eEiEiQ ~m: R!w:2:017 r\ NEXO aO 4Q
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dia antes votação da denúncia naquela Casa Parlamentar95, Em consequência, como se
sabe, o apoio da bancada ruralista foi decisivo para que a Câmara dos Deputados
rejeitasse a denúncia já que, dos 263 votos pelo arquivamento, 129 foram de deputados
ligados à FPA96,
Já no contexto da segunda denúncia criminal - e retomando a
questão atinente à lamentável portaria -, importante destacar que a própria FPA emitiu
nota pública oficial de esclarecimento" em que admite que a portaria "vem ao encontro
de algumas pautas da FPA e diminui a subjetividade da análise", mas, por óbvio, nega
que tenha havido "tratativa com o Poder Executivo sobre o assunto" - a despeito de o
pleito constar expressamente no documento "Pauta Positiva - Biênio 2016/2017" que
foi entregue formalmente ao Vice-Presidente da República, conforme já aduzido,
A publicação da portaria no Diário Oficial da União, em
16.10.2017, surtiu efeito imediato na votação ocorrida na CCJ da Câmara dos
Deputados, em 18,10.2017 (apenas dois dias depois), para apreciação da denúncia
em desfavor do Presidente da República. Dos 39 votos a favor do Governo e do
relatório contrário à denúncia, 27 (vinte e sete) vieram de integrantes da Frente
Parlamentar da Agropecuária - ou 75% dos votos", Impressiona ver que a bancada 95 Disponível em: htto:llwww1, folha,uol.com,br/poder/20 17/08/1906335-em-vespera-de-votacao-temer-
afaga-ruralistas-e-baixo-clero,shtml. Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 40. E ainda: "Atrás de votos, Temer faz agrado bilionário à bancada ruralista". Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/politica/reDublicaJatras-de-votos-temer-faz-agrado-bilionario-abancada-ruralista-cx4w20vrys4diwjovwuwzczas, Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 42,
96 Sobre isso, destacam-se as seguintes notícias publicadas naquela ocasião: ((Após anistia de R$ 8,6 bilhões, 2/3 da bancada ruralista votam a favor de Temer". Disponível em: httos :llno ti cias, uo L com. b r IDO li tica/ultimas-no ticias/2 O 17/08/0 31 aoos-anistia -de-r -86-bilho es-2 3-dabancada-rura1ista-vota-a-favor-de-temer.htm?cmpid~coDiaecola. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 43. "Metade dos votos para Temer saiu da Frente Parlamentar da Agropecuária". Disponível em: https:llwww.brasildefato.com.br/2017/08/04/metade-dos-votos-para-temer-saiu-da-frenteparlamentar-da-agropecuaria/. Acesso em: nov 2017, ANEXO n' 44. "Temer foi apoiado por 73% dos ruralistas e 56% da bancada da bala, Presidente recebeu parlamentares antes da votação da denúncia na Câmara". Disponível em: https://m.oglobo.globo.comJbrasilJtemer-foí-apoiado-por-73-dos-ruralistas-56-da-bancada-da-bala-21667328. Acesso em: nov 2017, ANEXO n' 45,
97 Disponível em: http://www.fpagropecuaria.org.br/destagues/nota-de-esclarecímento-sobre-portariamtb-no-1129-de-13102017#,WeexW2hSyUk. Acesso em: nov 2017, ANEXO n° 46,
98 Votaram a favor do Governo os deputados federais (39 no total): Alceu Moreira (pMDB-RS), Antonio Bulhões (PRB-SP), Arthur Lira (PP-AL), Beto Mansur (PRB-SP), Bilac Pinto (PR-MG), Carlos Bezerra (PMDB-MT), Carlos Marun (PMDB-MS), Cleber Verde (PRB-MA), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Daniel Vilela (PMDB-GO), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Delegado Edson Moreira (PRMG), Domingos Neto (PSD-CE), Edio Lopes (PR-RR), Edmar Arruda (PSD-PR), Evandro Gussi (PV-SP), Evandro Roman (PSD-PR), Fausto Pinato (PP-SP), Francisco Floriano (DEM-RJ), Genecias Noronha (SD-CE), Hildo Rocha (PMDB-MA), José Carlos Aleluia (DEM-BA), Juscelino Filho (DEM-MA), Luís TIbé (Avante-MG), Luiz Fernando (PP-MG), Magda Mofatto (PR-GO), Maia Filho (PP-PI), Marcelo Aro (PHS-MG), Milton Monti (PR-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Osmar Serraglio (pMDB-PR), Paes Landim (pTB-PI), Paulo Abi-Ackel (pSDB-MG), Paulo Maluf (PP-SP). Rogério Rosso (PSD-DF), Ronaldo Fonseca (Pros-DF), Thiago Peixoto (PSD-GO), Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) e Rodrigo de Castro (PSDB-MG), Disponível em: httD://veja.abril.com.br/politica/veja-como-cada-deputado-votou-na-ccj-sobre-denuncía-contra-
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ruralista somou mais votos a favor do Governo do que os votos obtidos pela oposição
(que foram 26). Cabe ressaltar, ainda, que o relatório contrário ao prosseguimento da
denúncia foi de autoria do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), também
integrante da FPA, como já mencionado.
Já na votação no Plenário da Câmara dos Deputados, ficou
evidente que, sem o apoio da bancada ruralista, o referido relatório (contrário ao
prosseguimento da denúncia) não seria aprovado. Tendo por base a relação de
Deputados Federais integrantes da FPA obtida no site da própria FPA, é possível
identificar que dos 251 votos favoráveis ao Governo (voto "sim", pela aprovação do
relatório do Dep. Federal Bonifácio de Andrada) pelo menos 126 vieram de
parlamentares ligados à FPA99 - ou seja, mais de 50% dos votos obtidos pelo Governo.
De acordo com o levantamento da Folha de São Paulo lOo o número é ainda maior: 140
deputados da bancada agropecuária votaram pelo arquivamento da denúncia. Dos
Deputados Federais que pertencem à bancada ruralista, apenas 30% manifestaram voto
obtidas no site da própria FPA (27 no total): Alceu Moreira (PMDB-RS), Arthur Lira (PP-AL), Bilac Pinto (PR-MG), Carlos Bezerra (PMDB-MT), Carlos Marun (PMDB-MS), Cleber Verde (PRB-MA), Cristiane Brasil (PTB-RJ), Daniel Vilela (PMDB-GO), Darcísio Perondi (PMDB-RS), Domingos Neto (PSD-CE), Edio Lopes (PR-RR), Edmar Arruda (PSD-PR), Evandro Gussi (PV-SP), Evandro Roman (PSD-PR), Fausto Pinato (PP-SP), Francisco Floriano (DEM-RJ), Genecias Noronha (SDCE), Hildo Rocha (PMDB-MA), Juscelino Filho (DEM-MA), Magda Mofatto (PR-GO), Marcelo Aro (PHS-MG), Milton Monti (PR-SP), Nelson Marquezelli (PTB-SP), Osmar Serraglio (PMDB-PR), Paes Landim (PTB-PI), Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e Bonifácio de Andrada (PSDB-MG). Disponível em: http://wwwJpagroDecuaria.org.br/integrantes. ANEXO n° 48.
99 A lista de Deputados Federais ligados à FPA está disponível em: htm://wwwJpagroDecuaria.org.br/integrantes. ANEXO n° 48. No site da Câmara dos Deputados há lista com o voto de cada Deputado Federal na votação realizada em 25.10.2017. Disponível em: http://www.camara.leg.br/internetlvotacaoiPARECER%20DA%20CCJC%20-%20SIP%202-2017%20-%20%20UF.pdf. Acesso em: nQV 2017. ANEXO N° 49.
100 Disponível em: http://wwwl.folha.uol.com.br/poder/2017 II 0/1930266-deDutados-barram-segundaQE!AY.HGiél ":Qatra mic;::bel ÜUllef }::la Gam.ara.&R.tI=R:l i\ GQlltsQ eGr RQU 2017 A NEXO AO 130
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contrário ao Governo!01. Percebe-se, assim, que o apoio da bancada da agropecuária foi
decisivo, mais uma vez, para os interesses da cúpula do Poder Executivo Federal.
O Requerido foi peça-chave para o êxito dessa estratégia de
garantir a permanência do atual governo com apoio dos parlamentares ligados à FPA.
Sem dúvida, o Requerido participou ativamente dessas negociações, pois além de ser o
agente público com poderes para execução dos atos aqui examinados e de ser um
notório interlocutor entre a FPA e o Poder Executivo Federa!,02, foi incumbido
diretamente pelo Presidente da República de atuar na votação da Câmara dos 101 Ao todo, 58 Deputados Federais votaram "não" (pela não aprovação do Relatório que negava
seguimento à denúncia): Abel Mesquita Ir. (DEMlRO), Shéridan (PSDB/RO), Alan Rick (DEM/AC), César Messias (PSB/AC), Rocha (PSDB/AC), Irajá Abreu (PSDfTO), Weverton Rocha (PDT/MA), Vitor Valim (PMDB/CE), Antônio Iácame (PodemosIRN), Zenaide Maia (PRlRN), Wellington Roberto (PRlPB), Gonzaga Patriota (PSBIPE), Givaldo Carimbão (PHS/AL), Jony Marcos (PRB/SE), Félix Mendonça Júnior (PDT/BA), Paulo Magalhães (PSD/BA), Sérgio Brito (PSDIBA), Uldurico Junior (PVIBA), Gabriel Guimarães (PT/MG), Jaime Martins (PSDIMG), Júlio Delgado (PSBIMG), Leonardo Monteiro (PT/MG), Lincoln Portela (PRB/MG), Marcelo Álvaro Antônio (PRlMG), Weliton Prado (PROSIMG), Carlos Manato (Solidariedade/ES), Dr. Jorge Silva (PHS/ES), Evair Vieira de Melo (PV/ES), Paulo Foletto (PSBIES), Sergio Vidigal (PDT/ES), Celso Pansera (PMDBIRJ), Felipe Bomier (PROS/RJ), Sergio Zveiter (PodemoslRJ), Sóstenes Cavalcante (DEMIRJ), Antonio Carlos Mendes TIlame (PV/SP), Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), Vicente Candido (PT/SP), Ságuas Moraes (PT/MT), Augusto Carvalho (SolidariedadeIDF), Flávia morais (PDT/GO), Heuler Cruvinel (PSD/GO), João Campos (PRB/GO), Dagoberto Nogueiro (PDTIMS), Mandetta (PSB/MS), Assis do Couto (PDTIPR), Diego Garcia (PHS/PR), Leopoldo Meyer (PSBIPR), Luciano Ducci (PSBIPR), Sandro Alex (PSB/PR), Esperidião Amin (PP/SC), Jorginho Mello (PRlSC), Pedro Uczai (PT/SC), Afonso Hamm (PP/RS), Afonso Motta (PDT/RS), Heitor Schuch (PSBIRS), Jerônimo Goergen (PP/RS), Luis Carlos Heinze (PP/RS), Onyx Lorenzoni (DEMlRS). Estavam ausentes nove Deputados: Roberto Góes (PDT/AP), Josi Nunes (PMDBfTO), Marcelo Castro (PMDB/PI), João Fernando Coutinho (PSB/PE), Laercio Oliveira (Solidariedade/SE), José Carlos Araújo (PRlBA), Mário Heringer (PDT/MG), Ezequiel Teixeira (Podemos/RJ), Marco Tebaldi (PSDB/SC). Votaram "SIM" (pela aprovação do relatório) 126 Deputados: Edio Lopes (PRlRO), André Abdon (PP/AP), Jozi Araújo (Podemos/ AP), Silas Câmara (PRB/ AM), Lucio Mosquini (PMDB/RO), Luiz Cláudio (PRlRO), Marinha Raupp (PMDB/RO), Jéssica Sales (PMDB/AC), Carlos Henrique Gaguim (PodemosfTO), César Halum (PRBfTO), Lázaro Botelho (PPfTO), Vicentinho Júnior (PRfTO), André Fufuca (PP/MA), Cleber Verde (PRB/MA), Hildo Rocha (PMDBIMA), Juscelino Filho (DEM/MA), Amoal Gomes (PMDB/CE), DaniJo Forte (PSB/CE), Domingos Neto (PSD/CE), Genecias Noronha (Solidariede/CE), Raimundo Gomes de Matos (PSDB/CE), Átila Lira (PSB/PI), Júlio Cesar (PSD/PI), Paes Landim (PTB/PI), Beta Rosado (PP/RN), Walter Alves (PMDB/RN), André Amaral (PMDBIPB), Benjamin Maranhão (Solidariede/PB), Efraim Filho (DEMIPB), Hugo Motta (PMDBIPB), Rômulo Gouveia (PSD/PB), Wilson Filho (PTB/PB), Arthur Lira (PP/AL), Marx Beltrào (PMDB/AL), Antonio Imbassahy (PSDB/BA), Arthur Oliveira Maia (PPS/BA), Benito Gama (PTB/BA), Claudio Cajado (DEM/BA), João Carlos Bacelar (PRlBA), José Rocha (PRlBA), Lucio Vieira Lima (PMDB/BA), Aelton Freitas (PRlMG), Bilac Pinto (PRlMG), Bonifácio de Andrada (PSDB/MG), Carlos Melles (DEMIMG), Diego Andrade (PSDIMG), Domingos Sávio (PSDB/MG), Fábio Ramalho (PMDB/MG), Leonardo Quintão (PMDB/MG), Marcelo Aro (PHSIMG), Marcos Montes (PSDIMG), Marcus Pestana (PSDBIMG), Mauro Lopes (PMDB/MG), Misael Varella (DEMIMG), Newton Cardoso Jr (PMDB/MG), Paulo Abi-Ackel (PSDBIMG), Raquel Muniz (PSD/MG), Renzo Braz (PPIMG), Saraiva Felipe (PMDB/MG), Toninho Pinheiro (PP/MG), Zé Silva (SolidariedeIMG), Marcus Vicente (PP/ES), Aureo (SolidariedeIRJ), Celso Jacob (PMDBIRJ), Cristiane Brasil (PTB/RJ), Francisco Floriano (DEM/RJ), Leonardo Picciani (PMDB/RJ), Paulo Feijó (PRlRJ), Roberto Sales (PRB/RJ), Soraya Santos (PMDB/RJ), Baleia Rossi (PMDB/SP), Bruna Furlan (PSDB/SP), Eli Corrêa Filho (DEMlSP), Evandro Gussi (PV/SP), Fausto Pinato (PP/SP), Gilberto Nascimento (PSC/SP), Guilherme Mussi (PP/SP), Herculano Passos (PSD/SP), Milton Monti (pRlSP), Nelson Marquezelli (PTB/SP), Paulo Pereira da Silva (Solidariede/SP), Adilton Sachetti (PSBIMT), Carlos Bezerra (PMDB/MT), Ezequiel Fonseca (PP/MT), Fabio Garcia (PSB/Mn, Nilson Leitão (PSDB/MT), Professor Victório GalJi (PSC/MT), Alberto Fraga (OEM/Of), balei J.y"", (1'50>l/Of), Roa")' Wo"" •• (1'IlLDf), Alox.aª.o >I.lª)' (pgª"""g,/CQ), Oílig
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Deputados, tendo sido, inclusive, exonerado do cargo de Ministro de Estado de
Trabalho com único propósito de registrar voto contra a denúncia criminal, sendo
nomeado novamente ao cargo imediatamente após o arquivamento da denúnciaI03 .
Isso mostra que o Requerido não só tinha conhecimento da
estratégia levada a caho para impedir a tramitação da denúncia, mas tamhém participou
ativamente da organização dessa estratégia, inclusive, como descrito nessa ação, com a
edição da Portaria 1.129/2017 como forma de atender os interesses da FPA, em
contrapartida aos votos pelo arquivamento da denúncia.
Importante ver como se deram os fatos envolvendo a puhlicação
da controversa Portaria na 1.129 e o arquivamento, pela Cãmara dos Deputados, da
denúncia criminal contra o Presidente da República e os Ministros de Estado Eliseu
Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco: Em 14.9.2017 o Procurador-Geral da
República apresenta denúncia contra o Presidente da República. Em 10.10.2017, no
final do dia, o Deputado Federal Bonifácio de Andrada, também da bancada ruralista,
apresenta parecer favorável ao Presidente da República Michel Temer e aos Ministros
de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco. Em 16.10.2017 é
publicada a Portaria na 1.129, de 13.10.2017. Em 18.10.2017 a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com apoio expressivo da
bancada ruralista, aprova o parecer pelo arquivamento da denúncia. Finalmente, em
Silveira (PSDB/GO), Daniel Vilela (PMDB/GO), Jovair Arantes (PTB/GO), Lucas Vergilio (Solidariede/GO), Magda Mofatto (PRlGO), Pedro Chaves (PMDB/GO), Roberto Balestra (PP/GO), CarIos Marun (PMDB/MS), Elizeu Dionizio (PSDB/MS), Geraldo Resende (PSDB/MS), Tereza Cristina (PSBIMS), Alex Canziani (PTB/PR), Alfredo Kaefer (PSLlPR), Dilceu Sperafico (PP/PR), Edmar Arruda (PSDIPR), Evandro Roman (PSDIPR), Giacobo (PRlPR), Luiz CarIos Hauly (PSDB/PR), Luiz Nishimori (PRlPR), Nelson Meurer (PP PpAvante/PR), Osmar Serraglio (PMDB/PR), Reinhold Stephanes (PSD/PR), Sergio Souza (PMDBIPR), Takayama (PSC/PR), Celso Maldaner (PMDB/Se), João Rodrigues (PSD/Se), Rogério Peninha Mendonça (PMDB/Se), Ronaldo Benedet (PMDB/Se), Valdir Colatto (PMDB/Se), Alceu Moreira (PMDB/RS), Covatti Filho (PPIRS), Darcísio Perondi (PMDBIRS), Giovani Cherini (PRlRS), Mauro Pereira (PMDB/RS), Renato Molling (PP/RS). Dentre os Deputados Federais integrantes da FPA, houve uma abstenção: Alexandre Leite (DEM/SP).
102 Basta ver que já em junho de 2016, logo no início de sua gestão, o Ministro do Trabalho reuniu-se com integrantes da FPA para tratar das pautas do agro negócio - que incluíam, conforme já salientado, urna "diferenciação entre trabalho escravo, condições degradantes de trabalho e Jornada exaustiva" e a imposição de "limitações aos auditores do trabalho". A notícia sobre o encontro está disponível em: h ttR :/ /www.fpagroDecuaria.org.br/noticias/ fna-se-enco ntra-CQ m-ministro-do-trabalho-paradebater·pautas-do-agronegocio#.WhcOt2hSyUk. ANEXO na 68.
103A exoneração de RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA deu-se pelo Decreto de 19.10.2017, publicado no D.O.U. n° 202, de 20.10.2017, seção 2, p. 2. A votação na Câmara dos Deputados, em que RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA manifestou voto favorável ao Presidente da República ocorreu em 25.10.2017. Por meio do Decreto de 26.10.2017 - no dia seguinte à votação -, publicado no D.O.U. n° 206-A. edição extra de mesma data. seção 2, p. 1, o requerido foi nomeado ao cargo de Ministro de Estado do Trabalho. Os decretos publicados no D.O.U. estão disponíveis em: l:!tJ;Q:/'vQ,n'T.ÜBQr@asélt:.léldgaéllgw,gr/ "WEXO aO ~!il
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25.10.2017, a Câmara dos Deputados acolhe o parecer aprovado pela CCJ, também com
apoio decisivo da bancada agropecuária.
Para atender os interesses dos empresários ruralistas, o
Requerido valeu-se do requerimento apresentado pela ABRAINC, que, como já vimos,
foi apresentado ao Ministério do Planejamento e declinado por este ao Ministério do
Trabalho, onde, sem consulta à área técnica, houve manifestação da Consultoria Jurídica
do Ministério do Trabalho quanto a urna minuta de portaria e, em seguida, já houve a
publicação da Portaria 1.129/2017 no Diário Oficial da União. (ANEXO 58)'04
O atropelo da instrução do procedimento que ensejou a alteração
do conceito do trabalho escravo é mais uma prova da urgência desta medida e do
interesse evidente de utilizá-la como moeda de troca aos interesses de integrantes do
governo do qual faz parte o Requerido.
4 - Consequências do enfraquecimento da política pública de erradicação do
trabalho escravo
Diversos números, estatísticas e fatos concretos mostram qual o
resultado, até o momento, obtido a partir de todo o esforço havido nos últimos meses
pelo Requerido para causar embaraços à fiscalização e ao combate ao trabalho escravo e
infantil.
Desde que RONALDO NOGUEIRA DE OLIVEIRA assumiu a
pasta!OS, em 12 de maio de 2016, os números apontam urna crescente ineficácia do
Poder Público no desempenho de suas atividades relacionadas à fiscalização e repressão
ao trabalho escravo.
O Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil'06 reúne
alguns dados que refletem a paralisia do Estado quanto ao tema.
104 Veja-se que foi enviado ao Ministério Público Federal cópias de um procedimento que foi numerado a partir da requisição ministerial. Toda a numeração de folhas decorre da numeração inicial do ofício de requisição. Tudo a demonstrar que não houve o trâmite regular do procedimento no âmbito do Ministério do Trabalho, mas o atendimento a uma demanda da ABRAINC, sem atenção aos preceitos legais e ao interesse público.
105 A nomeação foi ato do VIce-Presidente da República Michel Temer, no exercício do cargo de Presidente da República em decorrência de afastamento da titular após o Senado Federal ter admitido, na mesma data, o processo de impeachment. O decreto de nomeação, de 12 de maio de 2016, foi publicado no D.O.V. n' 91, de 13 de maio de 2016, seção 2, p. 3. ANEXO n' 01.
106 Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil - Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível online no seguinte endereço http://observatorioescravo.mnt.mp.br. ANEXO n° 05.
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o número de egressos beneficiados pelo Seguro-Desemprego,
por exemplo - e conforme já mencionado nesta inicial -, reduziu-se abruptamente em
2017: passou de 857 em 2015 para somente 140 em 2017.
Especificamente quanto ao resgate de trabalhadores em
condição análoga à de escravo, o Observatório apresenta informações atinentes às
operações e inspeções realizadas desde 2003 até o presente ano. Os números constam na
seguinte tabela:
2887 40.10
85 189 4348 51.15 -- --------- -----_. ------------
109 209 3417 31.35
116 206 5999 51.72
159 302 5016 31.55
158 352 3669 23.22
143 310 2634 18.42
173 344 2495 14.42
145 259 2603 17.95
185 313 2088 11.29
160 272 1449 9.06
155 279 869 5.61
106 184 658 6.21
18 30 73 4.06
Percebe-se que as operações realizadas em 2016 e 2017 (já
passados quase doze meses do ano corrente) não somam o total de operações realizadas
em 2015. Do mesmo modo, as inspeções de 2016 e 2017, juntas, não chegam ao total de
inspeções ocorridas em 2015 (ou em qualquer outro ano desde 2008).
Nem mesmo o argumento sobre a crise econõmica e finaoceira
do país e do contingenciamento orçamentário é capaz de convencer à luz dos números
apresentados. Isso porque a crise, embora já sentida nos anos de 2014 e 2015, não
causou, nesse biênio, decréscimo significativo de operações e inspeções em relação aos
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biênios imediatamente anteriores, ao contrário do que se nota em relação ao biênio
2016-2017. VejamoslO7:
317 316 330
654 654 572
Se analisados apenas os números de 2017, a situação mostra-se
ainda mais caótica. No ano corrente nem sequer foram resgatados 15 % do total de
trabalhadores resgatados em 2016 ou 10% do total de trabalhadores resgatados em
2015 (foram resgatados em 2017 apenas 73 trabalhadores, enquanto em 2016 e 2015
foram resgatados 658 e 869, respectivamente). O número de inspeções realizadas nos
dez primeiros meses da 2017 (ou seja, quase 80% do ano civil) não representa nem
1/6 das inspeções verificadas no ano 2016, e representa apenas 10,7% das inspeções
realizadas em 2015.
Quanto às operações, também se constata a mesma discrepância.
O total de operações no ano de 2017 (18) equivale a cerca de 1,8 operações por mês
(levando em conta 10 meses já passados), enquanto nos anos de 2016 e 2015 verifica
se uma média de 8,83 e 12,91, nessa ordem.
Para ficar mais evidente a queda nas atividades de combate ao
trabalho escravo, impende destacar que a média de operações/mês em 2017 caiu mais
de 85% em relação às operações de 2015. Outrossim, a média de inspeções/mês
(2,85) em 2017 caiu cerca de 87,50% em relação à média de inspeções havidas em
2015 (23,25).
Isso mostra com qual intensidade vêm sendo desmanteladas as
estruturas estatais que deveriam estar, diutumamente, a serviço da sociedade no
combate às práticas perniciosas de submissão das pessoas ao trabalho sob condição
análoga à de escravo.
A postura assumida pelo Ministro do Trabalho em relação à
erradicação do trabalho escravo tem gerado reflexos negativos de toda a ordem.
107 Tabela elaborada com base nos dados disponíveis no Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil- Smartlab de Trabalho Decente MPT - OIT. 2017. Dados acessados em: nov 2017. Disponível 9AliRe RQ ~ii~gQiAt@ 9AQ@fQ<iQ R,J;tg" !lgb~@pzat;Qrig@sGnwg Rlpt moI? Qf /\ ~XQ aO 0)3
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Quanto à Portaria n° 1.129, de 13.10.2017, cabe citar, por
exemplo, que os Auditores-Fiscais do Trabalho, dois dias após a publicação da portaria,
em resposta à norma manifestamente ilegal, decidiram paralisar as atividades em todos
os Estados da Federação!08.
A OIT emitiu nota!09 destacando os riscos da limitação da
fiscalização do trabalho, antevendo piora na situação de vulnerabilidade dos trabalhos
que se encontram em condição de trabalho análoga à de escravo.
Mais recentemente, especialistas em direitos humanos das
Nações Unidas divulgaram nota!1O alertando ser essencial "que o Brasil tome ações
decisivas agora para evitar o enfraquecimento das medidas anti-escravidão que foram
implementadas na última década, o que enfraquece a proteção das populações pobres e
excluídas que são vulneráveis à escravidão".
O fisiologismo presente na política brasileira, tão repugnado
pela sociedade brasileira nos últimos anos, talvez tenha alcançado o seu degrau mais
sórdido. Seguramente, adentra-se em uma fase do nosso presidencialismo de coalizão
que rompe com os mais basilares limites éticos e morais de uma sociedade que se
propõe justa e solidária. Para assegurar apoio no Congresso Nacional - sobretudo os
votos da bancada ruralista da Câmara dos Deputados diante da importante votação que
se avizinhava l11, referente à segunda denúncia criminal contra o Presidente da
República, a dignidade humana dos trabalhadores é relegada à moeda de troca pelo
Poder Executivo Federal. Para garantir pennanência no poder e a manutenção de cargos
e benesses, afrouxam-se, sem pudor, os mecanismos que buscam conferir maior
segurança à integridade física, psíquica e moral dos trabalhadores.
108 Disponível em: https:/lm.oglobo.globo.comleconomia/paralisacao-anunciada-por-auditores-que-fiscaliLam-u'abalhu-escravo-abrange-luuo-uais-21963749, Acessu em: IlOV 2017. ANEXO n° 5L
109 Disponível em: htm://www.ilo.orglbrasilia/noticias!WCMS584323/lang--ptlindex.htm. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 32.
110 Disponível em: httos://nacoesunidas.orglbrasil-deve-agir-com-urgencia-para-evitar-enfraguecimentoda-Iuta-contra-a-escravidao-moderna-alertam-especialistas-da-onu/. Acesso em: nov 2017. ANEXO n° 52.
111 Importante ver como se deram os fatos envolvendo a publicação da controversa Portaria nO 1.129 e o arquivamento, pela Câmara dos Deputados, da denúncia criminal contra o Presidente da República e os Ministros de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco: Em 14.9.2017 o Procurador-Geral da República apresenta denúncia contra o Presidente da República. Em 10.10.2017, o Deputado Federal Bonifácio de Andrada, também da bancada ruralista, apresenta parecer favorável ao Presidente da República Michel Temer e aos Ministros de Estado Eliseu Lemos Padilha e Wellington Moreira Franco. Em 16.10.2017 é publicada a Portaria nO 1.129, de 13.10.2017. Em 18.10.2017 a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com apoio expressivo da bancada ruralista, aprova o parecer pelo arquivamento da denúncia. Finalmente, em 25.10.2017~ a Câmara dos Deputados acolhe o parecer aprovado pela CCl, também com apoio decisivo da bancada agropecuária.
SO /67
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III DA CARACTERIZAÇÃO DOS ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA·
Segundo a Lei n° 8.429/1992, constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação
ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade
às instituições (artigo 11). Ainda segundo a mesma lei, os agentes públicos de qualquer
nível ou hierarquia, no desempenho de suas funções, são obrigados a velar pela estrita
observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade
(artigo 4°).
É uníssono na doutrina e na jurisprudência o entendimento pelo
qual o agente público responderá por ato de improbidade quando houver violação de
qualquer dos princípios constitucionais que devem reger a administração pública - os
princípios referidos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Em verdade, a
violação a "todo e qualquer princípio, expresso ou implícito, aplicável à Administração
Pública" enseja a responsabilização civil e política por ato de improbidade, não somente
aqueles previstos no artigo 37 da Carta Maiorl12•
Não se desconhece o entendimento segundo o qual a mera
ilegalidade não pode ser, automaticamente, alçada à condição de ato ímprobo. Sabe-se
que alguns elementos são necessários para que seja reconhecida a improbidade
administrativa, a exemplo da demonstração do dolo na conduta do agente público.
No caso em tela, os atos praticados pelo Requerido atinentes à
política pública de erradicação do trabalho escravo configuram atos de improbidade
administrativa - não podendo ser reduzidos a simples atos de ilegalidade - pois se
afiguram presentes todos os elementos exigidos em lei - e reconhecidos pela doutrina e
jurisprudência - para incidência do artigo 11 da Lei n° 8.429/1992: ilicitude dos atos
praticados, dolo ou má-fé consistente na atuação contrária ao Direito e nos atos
112 "'Trata-se do reconhecimento do princípio da juridicidade, que impõe a obediência, por parte do administrador público, não apenas das regras formais (legais), mas, também, de todos os principios reconhecidos pela comunidade jurídica. A ideia de juridicidade encontra-se positivada, por exemplo, no art. 2', parágrafo único, I, da Lei 9.784/1999, que exige a 'atuação conforme a lei e o Direito'. Além dos princípios enumerados no art. 37 da CRFB (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a Administração deve observar outros princípios expressa ou implicitamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico (razoabilidade, proporcionalidade, finalidade pública, continuidade, QutolUtela, consensualidode/participação, segurança jurídica, confiança legítima, boa-fé, dentre outros)". Neves, Daniel Amorim Assumpção. Manual de improbidade administrativa / Daniel AmorimAssumpção Neves, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. -5' ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017. p. 93.
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administrativos manifestamente ilegais; desvio de finalidade; a ofensa à moralidade
pública; e a impossibilidade, ineficácia ou insuficiência de correção administrativa - já
que o requerido é a autoridade máxima do Ministério do Trabalbo.
Sobre a necessidade de comprovação do elemento subjetivo para
a condenação do agente por improbidade administrativa, cumpre consignar que o
entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça - STJ - é no sentido de que
basta a verificação de "dolo eventual ou genérico de realizar conduta que atente contra
os princípios da Administração Pública, não se exigindo a presença de intenção
específica, pois a atuacão deliberada em desrespeito às normas legais. cujo
desconhecimento é inescusável. evidencia a presença do dolo"l13. É o que ocorre no
caso em análise, em que toda a atuação funcional do Requerido, na qualidade de
Ministro de Estado do Trabalho, pautou-se pela desconstrução da política pública
voltada à erradicação do trabalho escravo.
Todos os atos aqui relatados, que integram a forma pela qual o
Ministro de Estado do Trabalho conduz a política pública de erradicação do trabalho
escravo, têm como ponto comum a violação de diversos princípios e de normas
internacionais. É o que se apresenta a parlir de agora: a manifesta ofensa à ordem
jurídica - interna e internacional - qne decorre de cada um dos atos aqui aventados e da
gestão administrativa resultante da conjunção de todos eles, praticados de forma
concertada para arrefecer o combate ao trabalho em condição análoga à de escravidão.
De começo, há inequívoco desvio de finalidade já que, como se
viu, em nenhum dos atos o Requerido buscou a concretização de interesses públicos.
Justamente o oposto. Por trás de todas as medidas adotadas pelo Ministro de Estado do
Trabalho há o indisfarçável objetivo de embaraçar, retardar ou inviabilizar as atividades
voltadas à fiscalização ou repressão ao trabalho escravo.
Todos os fatos apresentados nesta inicial, sobretudo os
acontecimentos mais recentes, apontam, com clareza, que o desmantelamento da
política pública de erradicação do trabalho escravo sempre serviu ao Poder Executivo
como valiosa moeda de troca para obtenção de apoio no Congresso Nacional. Ainda que
se alegue a impossibilidade de comprovação cabal da existência dessa finalidade
específica e dessa faceta mais execrável do fisiologismo dos dias atuais, o contexto
fático delineado serve - e é mais que suficiente - para atestar, no mínimo, que os atos
não foram praticados visando ao interesse público.
113 STJ, AgRg AREsp n' 73.968-SP, 2011/0261049-5, ReI. Min. Benedito Gonçalves, 2.10.2012, Dle 29102011
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Sobre isso cabe trazer a lição de José dos Santos Carvalho
Filho'14, que aborda com propriedade o desvio de poder (ou desvio de finalidade)
citando outros dois renomados autores:
"O desvio de poder é conduta mais visível nos atos discricionários. Decorre desse fato a dificuldade na obtencão da prova efetiva do desvio. sobretudo porque a ilegitimidade vem dissimulada sob a aparência da perfeita legalidade. Observa a esse respeito CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: 'TrQtQ-se, pois, de um vício particularmente censurável, já que se traduz em comportamento soez, insidioso. A QutoridQde QtuQ embuçQdQ em pretenso interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio.' Não obstante. ainda que sem prova ostensiva. é possível extrair da conduta do agente os dados indicadores do desvio de finalidade. sobretudo à luz do objetivo que a inspirou. Em preciosa monografia sobre o tema. CRETELLA JUNIOR, também reconhecendo a dificuldade da prova, oferece, entretanto, a noção dos sintomas denunciadores do desvio de poder. Chama sintoma 'qualquer traco. interno ou externo. direto. indireto ou circunstancial que revele a distorcão da vontade do agente público ao editar o ato. praticando-o não por motivo de interesse público, mas por motivo privado',"
Ainda quanto à comprovação de eventual finalidade específica
alheia ao interesse público, cabe repisar que, para a caracterização do ato de
improbidade administrativa, basta o dolo genérico de praticar ato atentatório contra
princípios da Administração Pública'" ou princípios constitucionais que devem reger a
atuação do administrador público. No caso concreto, esse dolo genérico foi
copiosamente demonstrado.
Sobre o desvio de finalidade cabe lembrar, finalmente, que a Lei
de Improbidade Administrativa prevê expressamente como hipótese de ato de
improbidade "praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência" (artigo 11, inciso I).
Também há ofensa ao princípio da moralidade administrativa,
pois contraria todos os valores éticos e noções de justiça social o fato de o Ministro de
Estado do Trabalho atuar em prol de interesses daqueles que se encontram na posição
privilegiada da balança da desigualdade social - sob o falso argumento de que busca
promover segurança jurídica -, agravando a condição de vulnerabilidade daqueles que
mais precisam da tutela do Estado.
114 Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. - 31. ed. rev., atual. e ampL - São Paulo, Atlas, 2017. Grifas nossos.
l1S Confonne decisão do Superior Tribunal de Justiça já referenciada nesta inicial. STJ, AgRg AREsp n' 73.96B-SP, 2011/0261049-5, ReI. Min. Benedito Gonçalves, 2.10.2012, DJe 29.10.2012.
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Não há como considerar preservada a moralidade pública diante
dos atos ora analisados, que se opõem ao dever atribuído ao Ministro de Estado do
Trabalho de conduzir com retidão a política pública de erradicação do trabalho escravo.
O estado de perplexidade da sociedade diante dos últimos acontecimentos, bem
ilustrado pela repercussão midiática e internacional, mostra o quanto o Ministro de
Estado do Trabalho atua em descompasso com os valores morais do povo brasileiro.
Outrossim, o princípio constitucional da impessoalidade restou
aviltado. Esse postulado exige que o agente público tenha "comportamento objetivo,
neutro e imparcial, isto é, imune a seus liames de caráter pessoal, subjetivo ou
partidário, procurando o atendimento dos interesses de todos e não de determinados
grupos, facções ou indivíduos"!16. Objetividade, neutralidade e imparcialidade é o que
não se observou da gestão do requerido referente à fiscalização e à repressão do trabalho
escravo. Todos os atos mencionados foram permeados por finalidades estritamente
particulares, em benefícios de grupos específicos.
A violação ao princípio da legalidade, por sua vez, é inequívoca
e dispensa detalhada explanação já que, ao longo de todas as razões apresentadas nesta
inicial foram apontadas, para cada um dos atos ímprobos, as transgressões ao sistema
jurídico vigente.
Também é óbvia a afronta ao princípio da eficiência, haja vista
que todas as medidas adotadas pelo requerido e aqui impugnadas demonstram a
ineficácia do poder público no combate ao trabalho em condição análoga à de escravo, o
que ficou bem evidente pelas estatísticas apresentadas anteriormente.
Além da violação aos princípios expressamente previstos no
artigo 37 da Constituição Federal - inclusive ao princípio da publicidade, em relação a
reiterada negativa de divulgação da lista suja -, os atos ímprobos mencionados,
enquanto enfraquecem a fiscalização e repressão estatais do trabalho escravo,
contrariam frontalmente a ordem constitucional vigente. São vários os princípios e
normas violados.
Pois, afinal, como poderia o retrocesso na política pública de
combate ao trabalho escravo proporcionado pelo Ministro de Estado do Trabalho em
pouco mais de um ano estar de acordo com a cidadania, com a dignidade da pessoa
humana e com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da
116 Pazzaglini Filho, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas. 5. ed. - São Paulo: Atlas, 2011. p. 16.
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República Federativa do Brasil insculpidos no artigo 1°, incisos rI a IV, da Constituição
Federal?
Quando o Poder Público dá as costas às pessoas marginalizadas
que, pela situação de vulnerabilidade que vivem, não encontram forças para escapar da
exploração e da humilhação, vislumbra-se um estado de barbárie em que cidadania,
dignidade humana e valores sociais do trabalho são apenas palavras vazias.
Sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana, alicerce
de toda ordem constitucional e fundamento fuIeral na condução das políticas públicas
do Estado, é vilipendiado diante do desmonte das normas e das estruturas e serviços
públicos a disposição do combate ao trabalho escravo contemporâneo.
Isso porque o Estado enxerga o indivíduo como reles objeto e
não como pessoa sujeito de direitos ao permitir, pela indulgência do principal agente
público a frente da política pública de erradicação ao trabalho escravo, a exploração do
indivíduo e sua submissão a condições degradantes, negando o gozo dos direitos
fundamentais mais básicos como liberdade, igualdade e dignidade.
A submissão às formas modernas de trabalho escravo, além de
constituir odiosa prática pela qual há objetificação e precificação das pessoas, devasta o
arbítrio e a autonomia do indivíduo, sendo, portanto, a forma mais emblemática de
ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, cumpre trazer
ensinamento de André de Carvalho Ramos1l7;
"Para Kant, tudo tem um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço é substituíve/ e tem equivalente; já aquilo que não admite equivalente, possui uma dignidade. Assim. as coisas possuem preço; os indivídnos possuem dignidade. Nessa linha. a dignidade da pessoa humana consiste que cada indivíduo é um fim em si mesmo. com autonomia Dara se comportar de acordo com seu arbítrio. nunca um meio ou instrumento para a consecução de resultados. não possuindo nreco Consequentemente, o ser humano tem o direito de ser respeitado pelos demais e também deve reciproçamente respeitá-los."
Também os objetivos fundamentais da República (artigo 3° da
Carta Maior) são desprezados pela gestão do Requerido, pois quando se promove atos
visando ou permitindo a precariedade das atividades administrativas dirigidas à
erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo, verifica-se, na realidade,
uma atuação que impede a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; que é
contrária ao desenvolvimento nacional; e que, longe de promover o bem de todos,
117 Ramos, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, l016. Grifas nossos.
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apenas aprofunda a pobreza e marginalização e permite, de forma conivente, o
agravamento das desigualdades sociais e regionais.
O Requerido descumpriu diversos preceitos constitucionais
quando, por meio de atos concatenados, atuou para desestabilizar os serviços públicos
empenhados no combate ao trabalho escravo e, em completa dissonância com as
atribuições do cargo que ocupa, compactua com a manutenção do status quo no que se
refere à exploração criminosa de trabalhadores.
Há, primeiramente, ofensa aos direitos fundamentais à vida, à
liberdade, à igualdade e à segurança (artigo 5°, caput, da Constituição Federal). O
Estado que é permissivo em relação à prática do trabalho escravo nega aos
trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo o gozo desses direitos
constitucionais.
Também há inobservância dos deveres estatais de não permitir o
tratamento desumano ou degradante e a imposição de trabalhos forçados (artigo 5°,
inciso III e inciso XLVII, 'c', da Carta Maior).
Outrossim, a condução desidiosa da política pública de
erradicação do trabalho escravo leva à degradação das condições de trabalho, o que vai
de encontro aos direitos previstos no artigo 6° e 7° da Constituição Federal.
Não se pode olvidar que o Estado deve não apenas respeitar os
direitos fundamentais, abstendo-se de interferir na fruição desses direitos pelo indivíduo
(prestação negativa), mas também atuar para que esses direitos sejam garantidos, que
não sejam violados por terceiros, dando-lhes concretude e efetividade (prestação
positiva).
Sobretudo na matéria em análise, tendo em vista que a
exploração e a submissão de pessoa à condição análoga à de escravo são postas em
prática por particulares que se valem da posição privilegiada que ocupam e da miséria e
pobreza das vítimas, a atuação positiva do Poder Público - fiscalizar, repreender e
promover a reinserção das vítimas ao mercado do trabalho, com dignidade - é
indispensável para a efetivação dos direitos fundamentais mencionados.
Todo ordenamento constitucional confere aos indivíduos uma
proteção no âmbito das relações de trabalho que é ignorada pela atuação do Ministro de
Estado do Trabalho, quanto aos fatos contidos nesta inicial. Essa proteção não decorre
somente dos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,
previstos nos artigos 1° e 3° da Constituição, ou dos direitos fundamentais capitulados
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nos artigos 5°, 6° e 7°, mas também do princípio da prevalência dos direitos humanos
(artigo 4°, II) e das diretrizes constitucionalmente estabelecidas para a ordem econômica
e financeira: deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa
e deve ter como objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da
justiça social (artigo 170, caput), além de observar princípios como redução das
desigualdades regionais e sociais e busca do pleno emprego (artigo 170,incisos VII e
VIII).
Quanto às normas internacionais, também é manifesta a ofensa à
ordem jurídica. Além da inobservância das Convençôes n° 29, 81 e 105 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT -, já ressaltadas nesta inicial quando da análise das
alterações impostas pela Portaria nO 1.129, outros diplomas internacionais são
afrontados.
O enfraquecimento deliberado da política pública de combate ao
trabalho escravo vai contra o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos (PIDCP),
que prevê a proibição da escravidão em todas as suas formas (artigo 8, 1). Também
representa descumprimento do dever incumbido ao Estado, previsto na Convenção
Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956 (artigo 1°) de tomar todas as
medidas, legislativas e de outra natureza, que sejam viáveis e necessárias, para obter
progressivamente e logo que possível a abolição completa das práticas análogas à
escravidão.
O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC), ao tratar do direito ao trabalho, determina que os Estados devem
tomar todas as medidas apropriadas para salvaguardar o direito de toda pessoa de ter a
possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito
(artigo 6°).
Finalmente, o Pacto de San José da Costa Rica contém previsão
expressa no sentido de que ninguém poderá ser submetido a escravidão e ninguém
deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório (artigo 6°).
Conclui-se, portanto, que a Constituição Federal e a ordem
jurídica internacional impõem ao Estado um dever inescusável de empreender todos
esforços para erradicar o trabalho escravo e infantil em todas as suas formas, o que
pressupõe a aplicação de todas as medidas administrativas ao alcance do gestor público
para promover, de forma incansável, a fiscalização e repressão da submissão de pessoa a
trabalho em condição análoga à de escravo.
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E nesse sentido o Brasil veio atnando nas últimas duas décadas,
com avanços na política pública de combate ao trabalho escravo, com a implementação
de mecanismos e instrumentos internacionalmente reconhecidos como boas práticas a
serem seguidas.
Não há dúvida de que o Ministro de Estado detém autonomia
para conduzir a gestão administrativa da pasta conforme o plano de governo
estabelecido e a realidade orçamentária. Contudo, a ordem jurídica vigente estabelece
alguns limites que não podem ser ignorados.
Nesse sentido, o princípio da vedação ao retrocesso, como
construção jurídico-constitucional, entende que atos normativos, ao efetivar um direito
fundamental, instituindo mecanismos de concretude, incorporam-se aos direitos da
sociedade, não podendo ser restringidos ou suprimidos.
É cediço que os direitos sociais possuem a característica da
progressividade. Sendo assim, inovações legislativas ou atos regulamentares devem
impor melhores condições sociais da que as anteriormente alcançadas. Essa ilação
interpretativo-jurídica impõe ao Estado obrigações negativas, consistentes na abstenção
de restringir políticas públicas que efetivam direitos sociais.
Esse também tem sido o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, conforme disposto em acórdão de relatoria do Ministro Celso de Mello, pois
veja:
"Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto na hipótese - de todo inocorrente na espécie - em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais." (ARE 74745AgRlMG, 2" Turma, ReI. Min. Celso de Mello, DJe 19/12/2014)
Tem-se, portanto, que em decorrência do princípio da dignidade
da pessoa humana, do comando constitucional contido no artigo 5°, § 1°, que determina
a máxima efetividade dos direitos fundamentais, e do princípio constitucional da
vedação ao retrocesso social, é inadmissível o retrocesso que o Ministro do Trabalho
vem imprimindo na política pública de erradicação do trabalho escravo.
Conforme visto, os fatos relatados nesta inicial demonstraram
que o Ministro de Estado do Trabalho descumpriu acintosamente os compromissos
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assumidos pelo Estado brasileiro perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos no acordo de solução amistosa assinado no célebre Caso José Pereira'lB.
O que mais impressiona na conduta assumida pelo requerido
para desconstruir a política pública de combate ao trabalho escravo contemporâneo é o
completo desprezo pela recente condenação do Estado brasileiro na sentença
proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso dos
trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil.
A sentença de 20.10.2016, que impôs ao Brasil a primeira
condenação na jurisdição contenciosa da CorteIDH pela existência de trabalho
escravo, reconheceu a "proibição de trabalho escravo como norma de jus cogens
(dotada de qualidade normativa superior) e também como obrigação erga omnes (todos
os países possuem interesse no cumprimento da proibição do trabalho escravo)"'l9.
Além dos pontos já destacados nesta inicial sobre a sentença da
CorteIDH - especificamente sobre como a conduta do Ministro de Estado do Trabalho
não está em consonância com as conclusões havidas na sentença -, cabe colacionar o
seguinte trecho da sentença, quando a CorteIDH ressaltou que'20
"f. .. ) não basta que os Estados se abstenham de violar os direitos, mas é imperativa a adoção de medidas positivas. determináveis em função das particulares neçessidades de proteção do sujeito de direito. seja por sua condicão pessoal ou nela situação específica em que se encontre. como a extrema pobreza ou a marginalização"
A condenação do Brasil pela CorteIDH representa, portanto, um
importante marco na jurisprudência internacional de direitos humanos que não poderia
ser ignorado pelo requerido, sobretudo com uma postura reiterada, insistente e
incessante pelo enfraquecimento dos serviços públicos e estruturas administrativas
voltados à erradicação das formas modernas de trabalho escravo.
As principais medidas administrativas descritas nesta inicial
foram adotadas em curto período 121 de gestão e de forma coordenada com o fim de 118 RELATÓRIO W 95/03, CASO 11.289. SOLUÇÃO AMISTOSA. JOSÉ PEREIRA. BRASIL 24 de
outubro de 2003. Disponível em: https://cidb.oas.orglannualreo/20030ortlBrasil.11289.htm. Acesso em: nov 2017.
119 Paiva, Caio Cezar. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos / Caio Cezar Paiva, Thimotie Aragon Heeman, 2 ed. - Belho Horizonte: Editora CEI, 2017. p. 626.
120 Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 20 de outubro de 2016. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/images/Banco de imagens/Sentenca Fazenda Brasil Verde.pdf. Acesso em: nov 2017. p. 88.
121 Considerando que no mês de dezernbro/2016 a inércia para publicação da lista suja consolidou-se por 7 (sete) meses e foi necessário o ajuizamento de ACP por parte do MPT, e que a Portaria n° 1.129 foi publicada em outubrol2017, conclui-se que os principais atos praticados contra a política pública d@ GDlAbat@ ag trabalhu SGr3J1Q @ infaAtiI GDAG@R1;I'aHl S@ AU iRt@F'italu d@ aR@Aas lO (dez) IIl@S@S
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dificultar a fiscalização do trabalho em condição análoga à de escravo, bem como de
proteger os empregadores envolvidos com essa nefasta prática.
Com efeito, os atos ou decisões administrativas relacionados
com os fatos narrados não foram pontuais e não decorreram de manifestações
isoladas da administração pública. É inevitável constatar que os fatos representam
urna vontade política de arrefecer o combate ao trabalbo escravo e têm corno origem
comum a atuação direta do titular do Ministério do Trabalho. Dito de outro modo, os
atos administrativos ora refutados não podem ser percebidos corno meras
irregularidades apartadas. Trata-se de ilegalidades conectadas pela gestão do Ministro
de Estado do Trabalho, ora requerido, e voltadas a urna mesma finalidade que não é o
interesse público, mas impor o retrocesso na política pública de erradicação ao trabalho
em condição análoga a de escravo, em prol de alguns poucos interesses privados.
Os fatos, portanto, representam a atual política de governo para
a erradicação do trabalho escravo que, contrariando a política pública desenvolvida nos
últimos vinte anos, está pouco comprometida com a dignidade humana dos
trabalhadores vulneráveis e mais direcionada a atender aos anseios de urna parcela de
empregadores do setor agropecuário ou do setor imobiliário.
Ocorre que o combate ao trabalho escravo que deve ser eficaz,
contínuo e progressivo -, enquanto política pública de promoção de direitos humanos,
materializa urna política púbica de Estado que não pode ser suplantada por essa
política de governo posta em execução pelo Ministro de Estado do Trabalho.
Importante frisar que mesmo os atos discricionários, próprios da
formulação e execução de políticas públicas, estão vinculados aos ditames
constitucionais, de modo que cabe ao Poder Judiciário, quando constatada a violação da
ordem jurídica, impor as sanções previstas na Lei de Improbidade, conforme autoriza a
Carta Maior no seu artigo 37, § 4°. A ação de improbidade administrativa, aliás, é um
indispensável instrumento para controle das políticas públicas. Nesse sentido'22:
"Muito embora os atos administrativos discricionários permitam o exercício de um ato de vontade, deixando ao agente a possibilidade de optar, validamente, por uma dentre as múltiplas opções existentes, existe uma vinculação finalística aos valores e princípios constitucionais. com especial ênfase aos contidos no art. 37. caDut. da CF/88. [ ... ] A avaliacão judicial das políticas públicas uão se apresenta como novidade no contexto brasileiro. já que se faz a partir do
122 Appio, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. la ed., sa reimpr. Curitiba: Juruá, 2012. p. 118 e 135.
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controle de legalidade e legitimidade de atos admilÚstrativos. especialmente através da aplicacão da Lei de Improbidade admilÚstrativa (Lei 8.429/92). bem como através dos instrumentos de repressão penal."
Ainda quanto à importância da Lei nO 8.429/92 para controle
principiológico da atuação discricionária do gestor público, cabe trazer a seguinte lição
doutrinária, especialmente por se adequar de forma precisa ao contexto apresentado
nesta inicial"':
r~Dcntrc os atos de improbidade administrativa, o art. 11 da Lei 8.429/92, considerou como tais aqueles violadores dos princípios administrativos. Este dispositivo legal veio exercer um controle principiológico de toda atividade administrativa, inclusive discricionária. Isto porque, caso haja vi.olação aos princípios que norteiam a Administração Pública, mesmo no exercício de competência discricionárja, caberá a incidência do art. 11, responsabilizando-se, pessoalmente, o administrador público, com a aplicação das sanções previstas no art. 12, inc. m. [ ... ] Diante do espírito individualista brasileiro. reproduzido para a esfera da Administração Pública, na qual o que se verifica é a busca da satisfacão de interesses privados ou de determinados grupos. econômicos e políticos. em detrimento de um verdadeiro interesse público; na qual a discricionariedade na prática é confundida frequentemente com a arbitrariedade; na qual os administradores públicos se consideram donos do poder. mantido a qualquer preco; entendemos que o referido artigo constitui uma das formas mais eficazes no controle da discricionariedade, desde quando a violação de princípios administrativos leva à imposição de sanções que incidem diretamente na pessoa do agente público transgressor."
Cabe salientar que a atuação do Requerido foi deliberada. A
afronto. à ordem jurídica é intencional e inconsequente.
Veja-se, por exemplo, quanto à Portaria n° 1.129, que apesar de
toda a repercussão negativa e reação das mais diversas entidades e organismos
internacionais, o Ministro deu entrevista'24 sustentando que não há motivo para
revogação da portaria.
Nem mesmo a Nota Técnica emitida pela Secretaria de Inspeção
do Trabalho'25 - que é a unidade da estrutura do Ministério do Trabalho com
123 Tourinho, ruta André Rehem Almeida. Discricionariedade administrativa: ação de improbidade & controle principiológico. 2' edição. Curitiba: Juruá, 2009. p. 269.
124 Disponível em: https:/loglobo.globo.com/economialportaria-sohre-trabalho-escraVQ-nao-serarevogada-21988117. Acesso em: nov 2017. ANEXO N" 59.
125A Nota Técnica n° 268/2017/SIT, de 18.10.2017, teve como conclusão o seguinte: "Diante de todo o B"P9St9, @5tar::/gg d@m9FlErrr;u}Qg QS diw~r&g& "iglgçgss l~gis @ gltE'rgçges pr:e}udiGigjf QQS ir::s.t8reSEfMj
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competência para "formular e propor as diretrizes da inspeção do trabalho, inclusive
do trabalho portuário, de maneira a priorizar o estabelecimento de política de combate
ao trabalho forçado e infantil e a todas as formas de trabalho degradante" (artigo 18, I,
do Decreto n° 8.894/2016) - apontando as inconsistências verificadas na norma e
solicitando a revogação da portaria, não foi o bastante para que o Ministro de Estado
afastasse a ilegalidade.
Tampouco a recomendação expedida pelo Ministério Público
Federa!''' ou a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal para suspender os
efeitos da Portaria foram suficientes para demover o Requerido do Trabalho do
propósito de fragilizar a fiscalização e repressão ao trabalho escravo.
Não há como sustentar que a desastrosa gestão quanto ao
combate ao trabalho escravo é fruto de mera inabilidade do requerido ou que os atos
aqui descritos decorrem de negligência, imprudência ou imperícia. De forma desleal
cada ato foi praticado conscientemente mirando a violação dos princípios da
Administração Pública e a desestabilização dos serviços públicos atinentes à erradicação
do trabalho escravo, afrontando, por consequência, os mais basilares preceitos
constitucionais e normas intelnacionais 111encionados.
Os atos ilícitos praticados foram da mais extrema gravidade,
haja vista o status dos princípios constitucionais violados, o que caracteriza, de forma
ainda mais inequívoca, os atos de improbidade. Como se sabe, o ato ilícito é requisito
para configuração do ato ímprobo. Para Calil Simão127, o ilícito deve ser grave, sendo
que "ilícito grave é aquele que a lei procura evitar (não deseja que ele ocorra),
legitimando uma punição severa". Dada a proporção das ofensas à ordem jurídica já
enumeradas, é certo que a gravidade dos ilícitos, no presente caso, é inegável.
O resultado da gestão do atual Ministro de Estado do Trabalho,
ora Requerido, conforme já atestado pelos números aqui apresentados, é o
enfraquecimento das estruturas governamentais que atuam pelo fim do trabalho escravo.
A gravidade dos atos ímprobos decorre também do fato de que o Brasil ainda tem mais
de 161 mil pessoas submetidas a alguma forma contemporânea de trabalho escravo'28.
sociais e individuais indisponíveis, que configuram inquestionável retrocesso na política brasileira de combate e erradicação do trabalho análogo ao escravo, resta evidente que Q Portaria n° 1129/2017 constitui um ato administrativo manifestamente ilegal". ANEXO n° 57.
126 Até a propositura desta ação civil pública de improbidade administrativa não havia resposta à Recomendação n' 38/2017-AA, de 17 de outubro de 2017. ANEXO N' 60.
127 Simão, Calil. Improbidade administrativa: teoria e prática. - 3. ed. - Leme: J. H. Mizuno, 2017. p. 90. 128 Segundo estimativa de 2016 realizada pela organização de direitos humanos Walk Free Foundation.
Disponível em: https://www.globalslaveryindex.org/lindings/. Acesso em: nov 2017.
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Definitivamente, a dignidade humana e os direitos fundamentais dessas pessoas não são
prioridade para o Requerido. Aliás, muito pelo contrário, este não teve qualquer pudor
em negociar estes interesses para beneficiar diretamente terceiros e indiretamente a si.
Posto tudo isso, conclui-se que os fatos narrados nesta petição
demonstram que o Requerido, de forma deliberada e plenamente consciente, praticou
atos de improbidade administrativa na forma do artigo 11, caput e incisos I, II e IV; da
Lei 8.429/1992.
IV - DOS PEDIDOS
Por todo exposto, o Ministério Público Federal requer:
a) a autuação da presente petição inicial, instruída com a
documentação anexa;
b) a notificação do Requerido nos termos do artigo 17, § 7°, da
Lei n" 8.429/1992, no endereço profissional (Ministério do Trabalho, Esplanada dos
Ministérios - bloco F - CEP: 70.056-900, BrasílialDF);
c) a intimação da UNIÃO, na forma do artigo 17, § 3°, da Lei
8.429/1992;
d) decorrido o prazo para manifestação do requerido, o
recebimento desta petição inicial e a citação do réu (artigo 17, § 9°, da Lei n°
8.429/1992);
e) ao final, seja a presente ação civil pública de improbidade
administrativa julgada procedente, para condenar RONALDO NOGUEIRA DE
OLIVEIRA nas sanções civis e políticas previstas no artigo 12, inciso m, da Lei n°
8.429/1992.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em
Direito admitidos, especialmente pela oitiva de ANDRÉ ESPOSITO ROSTON, ex
chefe da DETRAE/MTb, bem como outras pessoas a serem indicadas no momento
processual oportuno.
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Dá à causa o valor de R$ 1.000.000,000129 (hum milhão de
reais).
Brasília/DF, 6 de dezembro de 2017.
AnnaocaAsende Maia Garcia Procuradora da República
~ Felipe Fritz Braga
Procurador da República
~ Melina Castro Montoya Flores Procuradora da República
\. " .", • , f))j...J ":,%,;;M~-"''''''''"
Ana Ca{oli,a Alves Araújo Roman Prociiradora da República
1",z..V~ randão Zollin er ora da Repúb ica
129 Valor referente ao prejuízo à imagem do Brasil junto aos organismos internacionais e da multa ~,e"i't. R9 .rt, 12, R lII, <I. bei g,42Q'Q2
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RELAÇÃO DE DOCUMENTOS ANEXADOS À INICIAL
ANEXO 01- DOU - nomeação Ronaldo Nogueira
ANEXO 02 - GEFM - notícia EBC
ANEXO 03 - GEFM - notícia EBC
ANEXO 04 - GEFM - notícia Brasilgov
ANEXO 05 - Consequências - observatório das inspeções de resgate
ANEXO 06 - Lista suja - Recomendação CNDH
ANEXO 07 - Lista suja - CONATRAE
ANEXO 08 - Lista suja e CONATRAE - Portaria 1.429
ANEXO 09 - Portaria MPTS
ANEXO 10 - Lista suja e CONATRAE - MTB
ANEXO 11 - Lista suja e CONATRAE - Portaria 289
ANEXO 12 - Lista suja - Notícia Valor
ANEXO 13 - Lista suja - Notícia Repórter Brasil
ANEXO 14 - Lista suja - Ofício 3332 - PRDF - exclusão 17 nomes
ANEXO 15 - Lista suja - Ofício 167 - MTB - exclusão 17 nomes
ANEXO 16 - Lista suja - Ofício 249 MTB - exclusão 17 nomes
ANEXO 17 - Lista suja - Cumprimento de sentença MPT
ANEXO 18 - Audiência Pública SF - notícia Senado Federal
ANEXO 19 - Audiência Pública SF - notícia o Globo
ANEXO 20 - Portaria 1.29-2017 - DOU
ANEXO 21- Portaria 1.29-2017 - notícia EBC
ANEXO 22 - Portaria 1.29-2017 - notícia UOL
ANEXO 23 - Portaria 1.29-2017 - notícia EBC
ANEXO 24 - Portaria 1.29-2017 - notícia Veja
ANEXO 25 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo
ANEXO 26 - Portaria 1.29-2017 - notícia Valor
ANEXO 27 - Portaria 1.29-2017 - notícia Reuters
ANEXO 28 - Portaria 1.29-2017 - notícia SDH - CONATRAE
ANEXO 29 - Portaria 1.29-2017 - notícia PGR MPF
ANEXO 30 - Portaria 1.29-2017 - notícia OAB
ANEXO 31- Portaria 1.29-2017 - notícia G1
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ANEXO 32 - Portaria 1.29-2017 - notícia OIT
ANEXO 33 - Portaria 1.29-2017 - notícia Rede globo - fisiologismo
ANEXO 34 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - fisiologismo
ANEXO 35 - Portaria 1.29-2017 - notícia Jovem pan - fisiologismo
ANEXO 36 - Portaria 1.29-2017 - notícia Estadão - fisiologismo
ANEXO 37 - Fisiologismo - Encontro FPA
ANEXO 38 - Fisiologismo - Encontro FPA
ANEXO 39 - Portaria 1.29-2017 - notícia Planalto
ANEXO 40 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - FPAx Presidente
ANEXO 41 - Portaria 1.29-2017 - notícia Folha de São Paulo - FPA x
Presidente
ANEXO 42 - Portaria 1.29-2017 - notícia Gazeta do Povo - FPA x Presidente
ANEXO 43 - Portaria 1.29-2017 - notícia UOL - bancadas ruralistas votam a
favor
ANEXO 44 - Portaria 1.29-2017 - notícia Brasil de fato - bancada ruralista vota
a favor
ANEXO 45 - Portaria 1.29-2017 - notícia O Globo - ruralistas votam a favor
Temer
ANEXO 46 - Portaria 1.29-2017 - nota de esclarecimento sobra a portaria MTB
nO 1129
ANEXO 47 - Portaria 1.29-2017 - notícia Veja - deputados CCJ votam a favor
do governo
ANEXO 48 - Fisiologismo - FPA -lista deputados
ANEXO 49 - Fisiologismo - camara deputados - votação 2' denúncia
ANEXO 50 - Fisiologismo - notícia folha - 2" denúncia
ANEXO 51- Consequências - notícia Globo - paralisação auditores
ANEXO 52 - Consequências - carta especialistas ONU
ANEXO 53 - GEFM - notícia MPT - mpt cobra solução
ANEXO 54 - Lista suja e CONATRAE - nota SINAIT
ANEXO 55 - Portaria 1.129.2017 - notícia - ONU Brasil
ANEXO 56 - Portaria 1.129.2017 - notícia oficial MTB
ANEXO 57 - Nota técnica n° 268 - SIT
ANEXO 58 - Portaria 1.129.2017 - Processo Adm MTE
ANEXO 59 - Portaria 1.129.2017 -notícia O Globo - não vai revogar
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO DISTRITO FEDERAL
ANEXO 60 - Recomendação MPF n° 38 - REC - Portaria trabalho escravo
ANEXO 61.1 - Pesquisa ASSPA PRDF- Contingenciamento do Orçamento do
MTE (Parte 1)
ANEXO 62.2 - Pesquisa ASSPA PRDF- Contingenciamento do Orçamento do
MTE (Parte 2)
ANEXO 62 - Inicial ACP lista suja
ANEXO 63 - Decisão ACP lista suja
ANEXO 64 - Execução ACP Lista suja
ANEXO 65 - Inicial ACP orçamento Grupo Móvel
ANEXO 66 - Decisão na ACP orçamento Grupo Móvel
ANEXO 67 - Decisão liminar ACP lista suja
ANEXO 68 - Fisiologismo - notícia FPA - reunião com o ministro
ANEXO 69 - Fisiologismo - DOU - exoneração e nomeação de ministro
ANEXO 70 - Justificativa para o não comparecimento de oitiva perante o MPF
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