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Ministra Maria Thereza de Assis Moura

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Ministra Maria Thereza de Assis Moura

 

 

 

Ministra Maria Thereza de

Assis Moura 

      

                 

                               

Julgados 1. Habeas Corpus nº 268.459 - SP

2. Habeas Corpus nº 137.349 - SP

3. Recurso Especial nº 1.012.187 - SP

Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSADVOGADO : ALBERTO ZACHARIAS TORON IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : HÉLIO VITÓRIA DA SILVA PACIENTE : ILDELIR BOMFIM DE SOUZA

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL, APRESENTADA DEPOIS DA INTERPOSIÇÃO DE TODOS OS RECURSOS CABÍVEIS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) QUESTÕES DIVERSAS DAQUELAS JÁ ASSENTADAS EM ARESP E RHC POR ESTA CORTE. PATENTE ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) LIBERDADE RELIGIOSA. ÂMBITO DE EXERCÍCIO. BIOÉTICA E BIODIREITO: PRINCÍPIO DA AUTONOMIA. RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO ATINENTE À SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA DE ADOLESCENTE. DEVER MÉDICO DE INTERVENÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus , em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu , foi impetrada indevidamente a ordem depois de interpostos todos os recursos cabíveis, no âmbito infraconstitucional, contra a pronúncia, após ter sido aqui decidido o AResp interposto na mesma causa. Impetração com feições de sucedâneo recursal inominado.2. Não há ofensa ao quanto assentado por esta Corte, quando da apreciação de agravo em recurso especial e em recurso em habeas corpus , na medida em que são trazidos a debate aspectos distintos dos que outrora cuidados. 3. Na espécie, como já assinalado nos votos vencidos, proferidos na origem, em sede de recurso em sentido estrito e embargos infringentes, tem-se como decisivo, para o desate da responsabilização criminal, a aferição do relevo do consentimento dos pacientes para o advento do resultado tido como delitivo. Em verdade, como inexistem direitos absolutos em nossa ordem constitucional, de igual forma a liberdade religiosa também se sujeita ao concerto axiológico, acomodando-se diante das demais condicionantes valorativas. Desta maneira, no caso em foco, ter-se-ia que aquilatar, a fim de bem se equacionar a expressão penal da conduta dos envolvidos, em que medida teria impacto a manifestação de vontade, religiosamente inspirada, dos pacientes. No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a

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omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria, independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, os médicos do hospital, crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional.4. Ordem não conhecida, expedido habeas corpus de ofício para, reconhecida a atipicidade do comportamento irrogado, extinguir a ação penal em razão da atipicidade do comportamento irrogado aos pacientes.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA Turma do Superior Tribunal de Justiça: Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz não conhecendo do pedido de habeas corpus, sendo acompanhado pela Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), a Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido de habeas corpus, e em razão de empate, prevalecendo a decisão mais favorável, concedeu ordem de ofício, com as observações feitas pela Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura na data de hoje, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz (voto-vista) e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora quanto ao não conhecimento da ordem.

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Presidente) votou com a Sra. Ministra Relatora quanto à concessão da ordem de ofício.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Nefi Cordeiro.

Brasília, 02 de setembro de 2014(Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

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HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5)RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSADVOGADO : ALBERTO ZACHARIAS TORON IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE : HÉLIO VITÓRIA DA SILVA PACIENTE : ILDELIR BOMFIM DE SOUZA

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Trata-se de habeas corpus , sem pedido liminar, impetrado em favor de HÉLIO VITÓRIA DA SILVA e ILDELIR BOMFIM DE SOUZA, apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Embargos infringentes 0000338-97.1993.8.26.0590/50003).

Consta dos autos que os pacientes foram denunciados e pronunciados (fls. 41/47) como incursos no art. 121, caput , c/c 61, II, "e", do Código Penal.

Eis o teor da incoativa:

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SÃO VICENTE

Consta do incluso Inquérito Policial que JOSÉ AUGUSTO FALEIROS, qualificado às fls. 14, HÉLIO VITÓRIA DA SILVA, qualificado às fls. 88, ILDELIR BONFIM DE SOUZA, qualificada às fls. 89, entre 0h30min do dia 21 de julho de 1993 às 4h20min de 22 de julho de 1993, nas dependências do Hospital São José, situado neste Município e Comarca, dolosamente, deram causa à morte da vítima Juliana Bonfim da Silva.

Hélio e Ildelir eram genitores da vítima adolescente Juliana, que à época dos fatos, contava com 13 anos de idade.

A vítima sofria de anemia falciforme e, na madrugada do dia 21 de julho de 1993, foi internada no Hospital São José, por apresentar agravamento do seu estado de saúde em consequência dessa moléstia. Foi submetida a exames clínicos, onde se constatou uma baixíssima quantidade de componentes hemáceos, o que exigia, com urgência, uma transfusão de sanguínea. Este diagnóstico foi apresentado aos pais da vítima, que apesar de todos os esclarecimentos feitos por médicos do Hospital, recusavam-se a permitir a transfusão de sangue na paciente, invocando preceitos religiosos da seita Testemunhas de Jeová, do qual eram adeptos.

O quadro da paciente agravava-se cada vez mais e uma das médicas do Hospital estava prestes a conseguir a autorização do pai da adolescente, Hélio, para que se fizesse o procedimento.

Ocorre que a genitora da vítima, Ildelir, comunicou o fato a José Augusto, médico e adepto da mesma seita, em busca de orientação como proceder. Este compareceu ao Hospital e ostentado a condição de membro

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da “Comissão de Ligação com Hospitais das Testemunhas de Jeová”, influenciou os genitores da vítima a não concordar com a transfusão e intimidou os médicos presentes, ameaçando processá-los judicialmente caso efetuassem-na contra a vontade dos pais da paciente.

Durante todo o tempo, os genitores da adolescente foram alertados que não havia outra alternativa à transfusão, caso desejassem salvar a vida da filha. Em resposta, declaravam que preferiam ver a filha morta a deixar ela receber a transfusão, pois se isso ocorresse ela não iria para o Paraíso. Ildelir chegou a assinar por escrito uma declaração (fls. 116) onde assume qualquer responsabilidade decorrente da recusa da transfusão sanguínea.

Enfim, após inúmeras tentativas frustradas de convencimento dos pais da vítima, esta veio a falecer entre 4h10min a 4h30min do dia 22 de julho de 1993, em consequência de assistolia ventricular, crise vásculo oclusiva e anemia falciforme (fls. 73).

Com tal conduta, os denunciados, para supostamente salvaguardar a salvação espiritual da vítima, impediram o procedimento médico adequado ao caso, concorreram para a sua morte e assumiram o risco pelo triste evento.

Ante o exposto, DENUNCIO JOSÉ AUGUSTO FALEIROS DINIZ como incurso no artigo 121, caput , do Código Penal e DENUNCIO HÉLIO VITÓRIA DA SILVA e ILDELIR BONFIM DE SOUZA como incursos no artigo 121, caput , c.c. artigo 61, II, “e” (contra descendente) do Código Penal. Requeiro que recebida, autuada e registrada esta sejam os réus citados para interrogatório e demais atos processuais até a pronúncia, para a final serem submetidos a julgamento pelo E. Tribunal do Júri e condenados, conforme o rito preconizado no artigo 394 e ss. e 406 e ss. do Código de Processo Penal.

(...)São Vicente, 22 de julho de 1997 (fls. 37-40).

Inconformada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, tendo a Corte estadual, por maioria, negado-lhe provimento, nestes termos:

(...)Rejeito a preliminar de inépcia da denúncia, a r. sentença afastou-a

corretamente. Como disse a digna juíza, o promotor de justiça "descreveu a conduta (...) de maneira clara e precisa, preenchendo assim os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal". E é verdade, não apenas em relação a José Augusto: ele "influenciou os genitores da vítima a não concordar com a transfusão e intimidou os médicos presentes, ameaçando processá-los judicialmente caso a efetuassem contra a vontade dos pais da paciente. Durante todo o tempo, os genitores da adolescente foram alertados de que não havia outra alternativa à transfusão, caso desejassem salvar a vida da filha. Em resposta, declaravam que preferiam ver a filha morta a deixá-la receber a transfusão" (fls. 3). Verdade ou não, a essa altura pouco importa; importa, sim, que os fatos estão descritos minudentemente, no tocante a todos os apelantes.

E não há cogitar de nulidade da r. sentença de pronúncia. É certo que foi concisa; mas como se vê pela transcrição acima, disse o que precisava ser dito - nem mais, nem menos.

Também não há falar em cerceamento de defesa. Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 4 de 64

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(...)A questão fática, em si, num primeiro momento - excluídas, portanto, as

sutilezas médico-legais -, não oferece dúvida: apesar das negativas (fls. 231, 233 e 235), os apelantes ofereceram séria resistência à transfusão de sangue que poderia ter salvo a vida da menor. A r. sentença que os pronunciou disse, corretamente, que, "na pronúncia, há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite a acusação sem penetrar no exame de mérito" (fls. 602); a meu ver, porém, deixou de enfrentar uma questão fundamental, de cuja resposta dependia a pronúncia: a recusa dos apelantes em consentir (ou no caso de José Augusto, a participação indireta mas, segundo a denúncia, decisiva nessa recusa) influiu no resultado, mesmo não impedindo o tratamento? é dizer: ante a recusa, o tratamento, mesmo podendo ser realizado, pode ter sido retardado o suficiente para, antes que os médicos se decidissem a fazê-lo, tenha-se tornado, quando menos, concausa da morte da vítima?

Em síntese: há evidências bastantes de que os apelantes se opuseram firmemente a uma transfusão de sangue; pudesse ou não esse tratamento ser realizado sem seu consentimento, parece certo que a conduta deles quando menos retardou o tratamento, está comprovada, por laudo necroscópico, a morte da vítima. É dizer; há prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria e de participação; mais do que isto não se exige para a pronúncia (Código de Processo Penal, art 413). Se, por exemplo, a prova da efetiva oposição dos apelantes ao tratamento é satisfatória ou não, é algo que cabe aos jurados decidir.

É possível, e faço minhas as palavras do eminente Des. Cerqueira Leite, no habeas corpus impetrado pelo apelante José Augusto, que este tenha, agido apenas "sobre o ânimo dos genitores da ofendida, e não de molde a intimidar os médicos"; também é relevante saber "se existia outra terapia, excluída a transfusão, em condições de prolongar a vida da ofendida", já que, se "havia terapia alternativa disponível negligenciada pelos médicos, cuida-se de cogitar de erro médico ou omissão de socorro" (fls. 671). O que se quer dizer é: já que parece fora de dúvida que tanto a lei penal quanto o código de ética médica autorizam a transfusão, em caso de iminente perigo de vida, independentemente do consentimento de quem quer que seja, é bem possível tenha havido culpa do hospital, que não só poderia como deveria ter realizado, de qualquer forma, o tratamento.

Todavia - repito a existência, ou não, de prova efetiva da oposição ao tratamento; se essa oposição, caso tenha ocorrido, foi ou não essencial, de alguma forma, à não realização ou à demora do tratamento; se essa demora foi não concausa essencial à morte da vitima - são essas questões de aprofundada análise da prova. Questões, portanto, que cabe ao corpo de jurados decidir. Não se olvida a dramaticidade do fato; não se menospreza a dor dos pais e do outro apelante, amigo da família; muito menos se despreza a circunstância, que me parece bem clara, de que culpa muito maior (embora talvez não penal) reside na insegurança demonstrada pelo hospital no tratamento que, repito, poderia e deveria, objetassem os pais ou não, ser realizado.

São essas, todavia, circunstâncias que não podem impedir a aplicação da lei à questão de que aqui se trata. E a lei é clara: tratando-se, como se trata, de questões fáticas de que existem indícios bastantes de autoria, não resta senão deixar a solução a cargo do corpo de jurados. Não hesito em afirmar que outra seria a solução, se se tratasse do exame, desde logo, do mérito da questão. Mas, ressalto ainda uma vez, cuida-se, aqui, de mero

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juízo de admissibilidade, e a meu ver impõe-se, acima do respeito à dor dos pais (e, sem dúvida, a do amigo do casal), o respeito à competência constitucionalmente assegurada ao Tribunal do Júri. (fls. 53/54, destaquei)

A ementa do aresto foi redigida nos seguintes termos:

Homicídio. Sentença de pronúncia. Pais que, segundo consta, impedem ou retardam transfusão de sangue na filha, por motivos religiosos, provocando-lhe a morte. Médico da mesma religião que, também segundo consta, os incentiva a tanto e ameaça de processo os médicos que assistiam a paciente, caso realizem a intervenção sem o consentimento dos pais. Ciência da inevitável conseqüência do não tratamento. Circunstâncias, que, em tese, caracterizam o dolo eventual, e não podem deixar de ser levadas à apreciação do júri. Recursos não providos. (fl. 49)

Na sequência foram opostos embargos declaratórios, rejeitados em aresto do qual se extrai o quanto segue:

Passo a analisar, uma a uma, as alegações dos combativos defensores.1. Omissão quanto à expressa manifestação de vontade da vítima: Não

houve omissão; trata-se, simplesmente, de alegação incompatível com a própria defesa dos recorrentes. Precisam eles, afinal, decidir-se: opuseram-se ou não a transfusão? Dizem, claramente, que não o fizeram (fls. 1.174, por exemplo). Mas, neste caso, a concordância, ou não, da vitima é destituída de toda e qualquer importância. Agora, se se opuseram, então a questão passa a ser, como se disse no acórdão, se a conduta foi ou não concausa do resultado; se, por exemplo, em vez de estimular a filha a aceitar o tratamento, a encorajaram a preferir a morte a ele, parece claro que pode ter ocorrido participação.

2. Arguição de nulidade do exame de corpo de delito: Em síntese, alegam os embargantes que os laudos são insatisfatórios, e não houve manifestação no acórdão acerca desta alegação. Mas eu disse, muito claramente, que "não se justifica nova conversão em diligência", pois "os laudos satisfazem às necessidades do julgamento". Afinal, não há dúvida da morte; ninguém lhe discute a causa principal; assim, como realizar um laudo que comprovasse, ou não, exatamente a questão a ser submetida ao júri, ou seja: se a conduta dos recorrentes contribuiu para o desenlace?

Importa, porém, que não houve omissão acerca do fato, até porque já superado pela posterior conversão do julgamento em diligência.

3. Nulidade da perícia hematológica realizada por um só perito: Também aqui não há omissão. Transcrevo: "Porque, com todo o respeito, creio que a conversão em diligência determinada por esta Colenda Corte (fls. 858/86) foi desnecessária: se houve ou não a transfusão; quando, eventualmente, se deu; quem a realizou, como se procedeu a ela e por ordem de quem (fls. 860) são questões fáticas, que, em sua maioria - como se provou pelos resultados das diligências -, já tinham resposta nos autos, ou eram impossíveis de responder. (O mesmo se diga, aliás, das respostas dos quesitos das partes.) E pouco importa o fato de a maioria me parecer de pouca ou nenhuma importância no deslinde da causa: a relevância delas, de toda a sorte, tinha de ser decidida pelos jurados, e não por esta Turma

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Julgadora" (fls. 1.241, o primeiro grifo foi acrescentado).Ou seja: a diligência era desnecessária, e, portanto, a falha no laudo

nenhum prejuízo causou, razão por que não há cogitar de nulidade.4. Obscuridade no tocante ao indeferimento de indicação de assistente

técnico: Com todo o respeito, parece-me que fui bastante claro ao dizer que a conversão em diligência requerida não se justificava; os próprios embargantes transcrevem o trecho do acórdão neste sentido (fls. 1.270). E transcrevem também o fundamento da decisão que indeferiu o pedido: os laudos satisfazem às necessidades do julgamento.

Anoto que não há incoerência, necessariamente, nas respostas do perito (fls. 920), apontada pelos embargantes (fls. 1.269): uma coisa é curar; outra, muito diversa, salvar a vida. Não se curam várias doenças, sem que isto impeça de prolongar a vida do doente, às vezes indefinidamente.

5. Omissão quanto à existência de tratamentos médicos alternativos à transfusão. Mais uma das inúmeras questões de fato cuja decisão, creio ter deixado bem claro, compete - certa ou erradamente - ao júri.

6. Contradição quanto à expressão "impedir": Existiria, mesmo, se não fosse a nota de pé de página (fls. 1.241), acrescentada com este específico fim, que observa, com citação de dois dicionários conceituadíssimos, que "impedir" pode também significar "atrapalhar, retardar".

7. Nulidade da r. sentença: Ao dizer que a r. sentença "deixou de enfrentar questão fundamental", deixei claro, pela própria escolha do vocábulo, que isso ocorrera nos fundamentos da decisão. Ora, nada impede que se confirme uma decisão, embora por diferente fundamento; foi o que houve.

8. Contradição no que se refere ao nexo causal: Ao citar o bem lançado parecer da Procuradoria Geral de Justiça, fui muito claro ao dizer que propiciava "um bom começo" de resposta; especificamente, ao dizer que - como transcrevi - "o nexo causal não pode ser excluído" (grifos meus). E é sabido que, pela teoria adotada pelo eminente procurador de justiça (que fica clara no parecer), quando ele diz que o consentimento "por certo evitaria o resultado", está implícita a causa: evitaria o resultado da forma como ocorreu.

Bem sabem os dignos advogados embargantes, então (que conhecem a teoria da conditio sine qua non melhor do que eu), não haver contradição alguma. Embora, friso, o acórdão não tenha aceitado este fundamento para a pronúncia; deixei muito claro que a questão é normativa, e não fática.

Importa, porém, é que, também aqui, não há contradição. (fls. 82-85).

Seguiram-se, embargos infringentes, que não foram acolhidos por maioria. Eis o teor do voto condutor:

(...)Com tal conduta, os pronunciados, para supostamente salvaguardar a

salvação espiritual da vítima, impediram o procedimento médico adequado ao caso, concorreram para a sua morte e assumiram o risco pelo triste evento.

Correta a decisão do v. Acórdão que os pronunciou, pois a recusa da transfusão de sangue por convicção religiosa, configurou, sim, em tese, o dolo eventual na morte de Juliana.

Destarte, respeitada a posição do voto do douto Desembargador

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NUEVO CAMPOS, não há se falar em absolvição dos embargantes.Em que pesem as referidas convicções religiosas dos acusados que,

não obstante lhe são asseguradas constitucionalmente, a verdade é que a vida deve prevalecer acima de qualquer religião.

Segundo as lições do mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA, o direito à vida deve ser compreendido de forma extremamente abrangente, incluindo o direito de nascer, de permanecer vivo, de defender a própria vida, enfim, de não ter o processo vital interrompido senão pela morte espontânea e inevitável.

(...)Conforme bem observado pelo d. representante ministerial em suas

contrarrazões (fls. 728/732):

"Alegou que o Recorrente sugeriu outros tratamentos alternativos à transfusão de sangue recomendada pelos médicos que atenderam a paciente.

Ora, o único tratamento possível para a infeliz vítima naquele grave estado era a transfusão de sangue. É o que declaram os peritos nos esclarecimentos de fls. 143:

'E-1: Sim. Quando se depara com crise de anemia falciforme, o tratamento mais adequado e de urgência, é a transfusão sanguínea, visto que a Anemia Falciforme é uma destruição maciça de glóbulos vermelhos e com isto há prejuízo da troca gasosa e a oxigenação dos tecidos do organismo.

E-2: Segundo os compêndios de Hematologia, os medicamentos referidos nas fls. 15, não teriam possibilidade de êxito, pois não se tratam de medicamentos de urgência e além disso não substituiriam os efeitos conseguidos pela transfusão sanguínea.'

Em face desse esclarecimentos, a matéria, que é técnica, não comporta mais controvérsia: a única terapia que poderia ter alguma eficácia para o caso seria a transfusão de sangue. As chamadas terapias alternativas são lentas e de efeitos paulatinos - inviáveis para uma paciente que apresenta quadro assustadoramente reduzido de hemáceas e que exigia uma providência urgentes.

(...)

O fato de Juliana vir sendo tratada há anos sem qualquer transfusão sanguínea apenas acentua a responsabilidade e descaso dos pais para com a saúde da vítima. Explica porque a criança apresentava um número tão baixo de hemáceas. Se não morreu antes era porque o quadro clínico foi se agravando sucessivamente até desembocar na sua morte. Dizer que a paciente nunca morreu antes, é um argumento tolo, pois só se morre uma vez e lembra a anedota do cavalo que estava sendo treinado para sobreviver sem se alimentar e 'estranhamente' morreu de fome após vários dias de conseguir a proeza. Porque será que o sujeito que caiu do décimo andar, só veio a morrer ao espatifar no térreo, após passar incólume pelo nono, oitavo, sétimo e todos os demais andares? Por que Juliana morreu só na data dos fatos, após as 'eficientes' terapias alternativas, que não deixaram 'prejuízos maiores?'

Caberá ao juízo natural da causa, o E. Tribunal do Júri, decidir Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 8 de 64

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qual dos dois lados está dizendo a verdade. Para tanto a pronúncia se impõe.

A vítima tinha apenas 13 anos de idade e como absolutamente incapaz (artigo 5, inciso I, do Código Civil), por força de lei, para todos os atos da vida civil, era representada pelos pais (artigo 384, V, do Código Civil). Assim, cabia aos pais e não a ela decidir acerca da submissão ao procedimento terapêutico.

O argumento de que a recusa em aceitar a transfusão de sangue partia do temor em adquirir alguma doença contagiosa não se sustenta. Entre a morte quase certa (resultante da recusa à transfusão) e o eventual risco de contrair doença contagiosa através do procedimento, bastante remoto ante o rígido controle de qualidade que existe nos bancos de sangue a partir do advento da AIDS, a escolha só pode ser uma. O mal maior (a morte) deve ser evitado, ainda que com risco de adquirir o mal menor (a doença), principalmente se este for bastante pequeno".

Especialmente no caso do médico-embargante - JOSÉ AUGUSTO FALEIROS DINIZ - causa estranheza a sua intervenção no sentido de não autorizar a transfusão de sangue na vítima, pois, ao se formar, o médico jura respeitar a vida humana, não permitindo que crenças religiosas interfiram no seu dever de salvar vidas.

(...)Ademais, havendo indícios suficientes de autoria, deve prevalecer a

sentença de pronúncia, nos termos em que proferida.Lembro que não é possível agora a aplicação do princípio in dubio pro

reo; ao contrário, nesta fase vige o in dubio pro societate .(...)Resulta, de todo o exposto, que há prova da materialidade do crime e

indícios suficientes de autoria, de forma que o julgamento compete ao Tribunal do Júri, que tem sua soberania imposta constitucionalmente. (fls. 109-113).

Com esse desate, a defesa interpôs recurso especial, que não foi admitido na origem. Irresignada, manejou, ainda, agravo em recurso especial (AREsp 182.561/SP), ao qual foi negado provimento em decisão de minha lavra, mantida no julgamento de agravo regimental e embargos declaratórios pela Sexta Turma. Confiram-se, por oportuno, as ementas dos referidos julgados:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. RECURSO DE JOSÉ AUGUSTO. APELO NOBRE INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. EXTEMPORANEIDADE. AGRAVO NÃO CONHECIDO. RECURSO DE HÉLIO E ILDELIR. VIOLAÇÃO AO ART. 13, § 2º, "A", DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282 E 356/STF. OFENSA AO ART. 18, I, DO CP. HOMICÍDIO. DOLO DA CONDUTA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. AGRAVO

Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 9 de 64

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A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS NOS AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. RECURSO DE JOSÉ AUGUSTO. APELO NOBRE INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. EXTEMPORANEIDADE. AGRAVO NÃO CONHECIDO. RECURSO DE HÉLIO E ILDELIR. VIOLAÇÃO AO ART. 13, § 2º, "A", DO CP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282 E 356/STF. OFENSA AO ART. 18, I, DO CP. HOMICÍDIO. DOLO DA CONDUTA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. AGRAVOS REGIMENTAIS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento de que a ausência de reiteração das razões recursais, após o julgamento dos embargos de declaração, torna inadmissível o recurso especial interposto.

2. É condição sine qua non ao conhecimento do especial que tenham sido ventilados, no contexto do acórdão objurgado, os dispositivos legais indicados como malferidos na formulação recursal. Inteligência dos enunciados 211/STJ, 282 e 356/STF.

3. A análise acerca do dolo da conduta, em sede de recurso especial, implicaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático e probatório, o que não se coaduna com a via eleita, haja vista o óbice do enunciado nº 7 da Súmula desta Corte.

4. Esta Corte tem reiteradamente decidido que, para comprovação da divergência jurisprudencial, não basta a simples transcrição de ementas, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

5. Agravos regimentais a que se nega provimento.

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO EMBARGADO. EFEITO INFRINGENTE. INVIABILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.

1. O cabimento dos embargos de declaração em matéria criminal está disciplinado no artigo 619 do Código de Processo Penal, sendo que a inexistência dos vícios ali consagrados importam no desacolhimento da pretensão aclaratória.

2. Inviável a concessão do excepcional efeito modificativo quando, sob o pretexto de ocorrência de omissão na decisão embargada, é nítida a pretensão de rediscutir matéria já suficientemente apreciada e decidida.

3. Embargos de declaração rejeitados.

Daí o presente mandamus , no qual sustentam os impetrantes que a "patente falta de justa causa para a ação penal não se compadece com os formalismos que inviabilizaram o apelo-raro como a falta de prequestionamento e outros." (fl. 06).

Dizem, inicialmente, que esta Corte, mesmo nos casos de agravos tirados de recursos especiais que foram improvidos, tem concedido habeas corpus quando

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demonstrada a ocorrência de constrangimento ilegal.Ressaltam que "a questão que se põe nesta impetração cifra-se em saber se a

qualificação jurídica dos fatos é correta". Nesse sentido, asseveram que se trata de uma questão normativa e não fática.

Argumentam que, a partir do momento em que os pacientes levaram a filha ao hospital e a internaram, com a intenção de que recebesse cuidados de profissionais capacitados, o dever de cuidado passou a ser da titularidade dos médicos, havendo uma sucessão na posição de garantes.

Acrescentam, nessa linha, que, como os médicos do hospital, no qual estava a vítima internada, omitiram-se na prática da ação mandada, são eles os únicos aos quais, em tese, poder-se-ia imputar a prática delitiva na forma omissiva.

Alegam que, de acordo com entendimento jurisprudencial, nas hipóteses que envolvem menores de idade com risco de morte, é dever do médico realizar o atendimento, ainda que em detrimento da vontade dos pais, por conta do sentimento religioso (testemunhas de Jeová). Sobre o tema, colacionam julgados do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Além disso, salientam que "a internação da filha pelos pais já tornou viável a realização da transfusão, em razão do dever médico de agir", sendo irrelevante a ausência de consentimento dos pais, e que se trata de caso claro de imputação do resultado a um âmbito de responsabilidade alheio.

Defendem que, "sob o ponto de vista do nexo normativo (ou hipotético) de causalidade, foi a falta de transfusão devida pelos médicos (omissão do dever legal) que 'deu causa' ao resultado típico, e não a (anterior) ausência de consentimento para o tratamento." Asserem, outrossim, que "a imputação objetiva só poderia ser feita aos médicos, mas não aos pais que agiram no sentido da proteção da vida de sua filha."

Por outro lado, alegam que,"se a denúncia e a pronúncia dão como certo que o comportamento dos pais foi movido por uma crença religiosa; se os autos dão conta de que os pais levaram a amada filha para o hospital, ainda que com o dissenso quanto à transfusão, mas buscando tratamento alternativo", tal comportamento não poderia ser típico.

Requerem, ao final, a concessão da ordem para que os pacientes sejam excluídos da ação penal.

Prestadas informações (fls. 1.841/1.843 e fls. 1.845/1.897), o Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República Julieta E. F. C. de Albuquerque, opinou pelo não conhecimento da impetração, em parecer que guarda a seguinte ementa (fl. 2.145):

HABEAS CORPUS . Homicídio simples. Pleito de desconstituição da Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 1 1 de 64

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pronúncia. Impossibilidade pela via eleita.I - Demonstrada a materialidade e havendo indícios de autoria, compete

ao juiz pronunciar o réu, submetendo-o ao julgamento pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.

III - Parecer pelo não conhecimento da ordem .

Esta ordem foi distribuída por prevenção ao AResp 182.561/SP, já mencionado. Esclareço, também, que nesta Corte, pelo corréu, foi interposto recurso ordinário em habeas corpus , que foi improvido por esta colenda Turma, que, enfocando cenário distinto, entendeu que o afastamento do elemento subjetivo dolo não seria viável no seio do habeas corpus : RHC 8505/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 18/05/1999, DJ 07/06/1999, p. 132.

É o relatório.

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HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5)

EMENTA

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL, APRESENTADA DEPOIS DA INTERPOSIÇÃO DE TODOS OS RECURSOS CABÍVEIS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) QUESTÕES DIVERSAS DAQUELAS JÁ ASSENTADAS EM ARESP E RHC POR ESTA CORTE. PATENTE ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) LIBERDADE RELIGIOSA. ÂMBITO DE EXERCÍCIO. BIOÉTICA E BIODIREITO: PRINCÍPIO DA AUTONOMIA. RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO ATINENTE À SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA DE ADOLESCENTE. DEVER MÉDICO DE INTERVENÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus , em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu , foi impetrada indevidamente a ordem depois de interpostos todos os recursos cabíveis, no âmbito infraconstitucional, contra a pronúncia, após ter sido aqui decidido o AResp interposto na mesma causa. Impetração com feições de sucedâneo recursal inominado.2. Não há ofensa ao quanto assentado por esta Corte, quando da apreciação de agravo em recurso especial e em recurso em habeas corpus , na medida em que são trazidos a debate aspectos distintos dos que outrora cuidados. 3. Na espécie, como já assinalado nos votos vencidos, proferidos na origem, em sede de recurso em sentido estrito e embargos infringentes, tem-se como decisivo, para o desate da responsabilização criminal, a aferição do relevo do consentimento dos pacientes para o advento do resultado tido como delitivo. Em verdade, como inexistem direitos absolutos em nossa ordem constitucional, de igual forma a liberdade religiosa também se sujeita ao concerto axiológico, acomodando-se diante das demais condicionantes valorativas. Desta maneira, no caso em foco, ter-se-ia que aquilatar, a fim de bem se equacionar a expressão penal da conduta dos envolvidos, em que medida teria impacto a manifestação de vontade, religiosamente inspirada, dos pacientes. No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria, independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de

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sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, os médicos do hospital, crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional.4. Ordem não conhecida, expedido habeas corpus de ofício para, reconhecida a atipicidade do comportamento irrogado, extinguir a ação penal em razão da atipicidade do comportamento irrogado aos pacientes.

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

De saída, cumpre consignar a impropriedade da via eleita, pois, após o julgamento de todos os recursos cabíveis, não se mostra acertado o manejo do habeas corpus como sucedâneo recursal.

Todavia, havendo na impetração aspecto diverso do quanto assentado no já mencionado agravo em recurso especial (ausência de dolo ou de nexo de causalidade) e no recurso em habeas corpus , interposto por corréu (discussão sobre o dolo, voltando-se contra aresto distinto), entendo que é possível passar-se à verificação da ocorrência de patente ilegalidade.

O presente caso trata de temática que suscita discussão que extravasa os lindes estritamente jurídicos, desaguando em debate de colorido filosófico, moral e religioso.

Daí, acredito que, corporificando verdadeiro hard case , por mais completa e profunda que seja a saída alcançada, sempre haverá quem da solução discorde. Nesse panorama, amparada nas considerações que expenderei, apresento a convicção que, depois de muito meditar, entendi como a mais justa para o caso concreto, sem prejuízo de estar aberta a ouvir os pontos de vista, eventualmente, contrários ou complementares, dos cultos e experientes julgadores que integram este elevado Colegiado.

O deslinde do caso arrasta-se há duas décadas, tendo em vista certas peculiaridades processuais, pertinentes à prova técnica, que paralizaram o feito no curso do sumário de culpa, para a realização de exame de corpo de delito indireto (a pronúncia é de 1997); houve, também, no seio do recurso em sentido estrito, a conversão do julgamento em diligência, da mesma forma, para complementação de perícia (o acórdão do recurso em sentido estrito é de 2010).

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Se, de acordo com Carnelutti, a tão-só existência de um processo penal militando em desfavor de alguém já representa uma pena em si, que dirá um processo penal que perdura por vinte anos. E, pior, com o risco de se ver declarado como assassino da própria filha - que pecha, que pesadelo.

Chama a atenção a peculiaridade de a ação penal em testilha não envolver comportamento parental, à toda evidência, desumano, de pessoas que não nutriam bons sentimentos pela filha. Antes, a conduta irrogada envolve, na concepção de seus genitores, uma perda extremamente dolorida, iluminada por decisão dificílima, timbrada por uma opção religiosa, ou melhor, segundo a sua ótica, não havia propriamente uma opção, mas um imperativo: não ser possível autorizar o tratamento por meio de transfusão de sangue.

Em parecer fornecido a pedido da Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, o Professor, hoje Ministro do STF, Luiz Roberto Barroso asseverou:

As testemunhas de Jeová professam a crença religiosa de que introduzir sangue no corpo pela boca ou pelas veias viola as leis de Deus, por contrariar o que se encontra previsto em inúmeras passagens bíblicas [Gênesis, 9:3-4, Atos 15:28-29]. Daí a interdição à transfusão de sangue humano, que não pode ser excepcionada nem mesmo em casos emergenciais, nos quais exista risco de morte. Por essa razão, as testemunhas de Jeová somente aceitam submeter-se a tratamentos e alternativas médicas compatíveis com a interpretação que fazem das passagens bíblicas relevantes. Tal visão tem merecido crítica severa de adeptos de outras confissões e de autores que têm se dedicado ao tema, sendo frequentemente taxada de ignorância ou obscurantismo. Por contrariar de forma intensa o senso comum e por suas consequências potencialmente fatais, há quem sustente que a imposição de tratamento seria um modo de fazer o bem a esses indivíduos, ainda que contra a sua vontade. Não se está de acordo com essa linha de entendimento. A crença religiosa constitui uma escolha existencial a ser protegida, uma liberdade básica da qual o indivíduo não pode ser privado sem sacrifício de sua dignidade. A transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à vida, a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República brasileira (CF, art. 1º, IV). (Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. In: Direitos do paciente. Coordenação Álvaro Villaça Azevedo e Wilson Ricardo Ligiera. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 368-369).

Ilustrativo, ainda, o quanto constante de publicação realizada pela própria religião das Testemunhas de Jeová:

Nos dias de Noé, antepassado de toda a humanidade, Deus estabeleceu uma lei digna de nota. Embora tenha concedido aos humanos o direito de comer a carne dos animais, ele proibiu o consumo de sangue. (Gênesis 9:4) Ele também explicou os seus motivos ao se referir ao sangue como sendo a alma, ou a vida, do animal. Mais tarde, ele disse: "A alma [ou vida] ... está no sangue." Aos olhos do Criador, o sangue é sagrado. Representa o preciso

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dom da vida que cada alma vivente possui. Deus repetiu esse princípio vez após vez. - Levítico 3:17; 17:10. 11, 14; Deuteronômio 12:16, 23.

Pouco depois de o cristianismo ter sido fundado, há cerca de 2 mil anos, os cristãos receberam a ordem divina de 'abster-se de sangue'. Essa proibição não se baseava em questões de saúde, mas sim na santidade do sangue. (Atos, 15:19, 20, 29) Alguns argumentam que essa restrição dada por Deus só se aplica a comer sangue, mas a expressão "abster-se" fala por si mesma. Se um médico dissesse para nos abstermos de bebidas alcoólicas, dificilmente tomaríamos a liberdade de injetá-la na veia.

A Bíblia apresenta outros motivos pelos quais o sangue é tão sagrado. O sangue derramado de Jesus Cristo, que representa a vida humana que ele deu em prol da humanidade, é fundamental para a esperança dos cristãos. Seu sangue é a base para o perdão dos pecados e para a esperança de vida eterna. Quando um cristão se abstém de sangue, ele está, na verdade, expressando sua fé em que apenas o sangue derramado de Jesus Cristo pode realmente redimi-lo e salvar a sua vida - Efésios 1:7.

(...)Será que essa posição baseada na Bíblia significa que as Testemunhas

de Jeová rejeitam tratamentos médicos ou que não se preocupam com sua saúde e com sua vida? De forma alguma!

(...)As Testemunhas de Jeová, das quais algumas trabalham como médicos e

enfermeiras, são conhecidas mundialmente por rejeitar transfusões de sangue total ou de seus componentes primários. Será que sua posição firme e unidade contra essa prática se origina de uma doutrina inventada pelo homem? Será que se baseia na crença de que a fé de uma pessoa pode curar doenças? Isso está longe de ser verdade.

Por prezarem a vida como sendo um presente de Deus, as Testemunhas de Jeová se esforçam em fazer o melhor que podem para viver de acordo com o livro que acreditam ser 'inspirado por Deus', a Bíblia. (2 Timóteo 3:16, 17; Revelação [Apocalipse] 4:11). Ela incentiva os adoradores de Deus a evitar a prática de hábitos que prejudicam a saúde ou que colocam a vida em risco, como comer e beber em excesso, fumar ou mascar tabaco e se drogar. - Provérbios 23:20; 2 Coríntios 7:1.

Por mantermos nosso corpo e o ambiente à nossa volta limpos, e praticarmos atividades físicas para ter uma boa saúde, estamos agindo em harmonia com os princípios bíblicos. (Mateus 7:12; 1 Timóteo 4:8) Quando as Testemunhas de Jeová ficam doentes, elas mostram razoabilidade por procurar assistência médica e aceitar a grande maioria dos tratamentos disponíveis. (Filipenses 4:5) É verdade que obedecem à ordem bíblica de 'persistir em abster-se de sangue' e, por isso, insistem em receber tratamento médico sem sangue. (Atos 15:29). E essa opção, em geral, resulta num tratamento de melhor qualidade. (Revista Despertai , agosto de 2006, p. 10-12).

Sobre a questão dos riscos da transfusão de sangue, recentemente esta Corte

assentou:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA E TRANSFUSÃO DE SANGUE REALIZADA PELO HOSPITAL RECORRENTE EM 1997. VÍRUS HCV (HEPATITE C) DIAGNOSTICADO EM 2004. CÓDIGO DE

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DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO REPARATÓRIA. TESTES COMPROVARAM QUE DOADORES NÃO ERAM PORTADORES DA DOENÇA. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORIA DO DANO DIREITO E IMEDIATO (INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.

1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explícita, rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável a este. Também inexiste negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem aprecia a questão de forma fundamentada, enfrentando todas as questões fáticas e jurídicas que lhe foram submetidas.

2. Adotadas as cautelas possíveis pelo hospital e não tendo sido identificada a hepatite C no sangue doado, não é razoável afirmar que o só fato da existência do fenômeno "janela imunológica" seria passível de tornar o serviço defeituoso. No limite, a tese subverte todos os fundamentos essenciais da responsabilidade civil, ensejando condenações por presunções.

3. Não se pode eliminar, aqui, o risco de transfundir sangue contaminado a um paciente mesmo com a adoção das medidas adequadas à análise do sangue. Para minimizar essa possibilidade, adotam-se medidas de triagem do doador, que não são todas infalíveis, eis que dependentes da veracidade e precisão das informações por este prestadas. Trata-se, como se vê, de um risco reduzido, porém não eliminável. Parece correto sustentar, assim, que aquilo que o consumidor pode legitimamente esperar não é, infelizmente, que sangue contaminado jamais seja utilizado em transfusões sanguíneas, mas sim que todas as medidas necessárias à redução desse risco ao menor patamar possível sejam tomadas pelas pessoas ou entidades responsáveis pelo processamento do sangue. (FERRAZ, Octávio Luiz Motta Ferraz. Responsabilidade civil da atividade médica no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 156-159) 4. Reconhecendo-se a possibilidade de vários fatores contribuírem para o resultado, elege-se apenas aquele que se filia ao dano mediante uma relação de necessariedade, vale dizer, dentre os vários antecedentes causais, apenas aquele elevado à categoria de causa necessária do dano dará ensejo ao dever de indenizar.

5. Mesmo sem negar vigência aos princípios da verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da vítima quanto à inversão do ônus da prova, não há como deferir qualquer pretensão indenizatória sem a comprovação, ao curso da instrução, do nexo de causalidade entre o contágio da doença e a cirurgia realizada sete anos antes do diagnóstico.

6. Não ficou comprovada nos autos a exclusão da possibilidade de quaisquer outras formas de contágio no decorrer dos quase sete anos entre a cirurgia pela qual passou o autor (ora recorrido) e o aparecimento dos sintomas da hepatite C.

7. É evidente que não se exclui a possibilidade de ser reconhecida a responsabilidade objetiva do hospital em episódios semelhantes, porém o cabimento de indenização deve ser analisado casuisticamente e reconhecido, desde que estabelecido nexo causal baseado em relação de necessariedade entre a causa e o infortúnio.

8. Recurso especial provido.(REsp 1322387/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,

QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 26/09/2013)

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Pelo mundo, há registros de casos em que a temática é enfrentada. Recentemente, na Argentina, a questão foi amplamente debatida, em relação a dois fatos, em que a opção, religiosamente determinada, foi respeitada, verbis :

02.04.13Fallece la testigo de Jehová argentina que rechazó una transfusión(...)Ha muerto la testigo de Jehová argentina que agonizaba en un hospital

después de negarse a recibir una transfusión de sangre después de un grave accidente, tal como publicábamos hace unos días en Info-RIES . María Menguele, de 74 años, fue atropellada el pasado 27 de marzo por un colectivo de la Tamse en barrio San Vicente de Córdoba (Argentina). Finalmente falleció en la noche del 31 de marzo en el Hospital de Urgencias a raíz de un paro cardiorrespiratorio, tal como informa La Mañana de Córdoba .

Falleció la mujer testigo de Jehová que fue embestida por un colectivo de la línea T de Tamse y se negó junto a su familia a recibir una transfusión de sangre. María Menguele permanecía internada en el hospital de Urgencias y el deceso se produjo a raíz de un “paro cardiorrespiratorio” . El accidente se produjo el 27 de marzoen la intersección de calles Agustín Garzón y Diego de Torre de barrio San Vicente.

Según detalla el medio argentino 26 Noticias , si bien el deceso se produjo el domingo 31 de marzo como consecuencia del paro cardiorrespiratorio que padeció la mujer, el hecho fue confirmado en la mañana del 1 de abril por fuentes del hospital municipal.

Entre la ética y la legalidadDesde el Comité de Bioética del hospital informaron de que los

profesionales que atendían a la mujer, adepta de los testigos de Jehová, “tuvieron que admitir su expresión de voluntad” , en los términos de la Ley 26529 (Derechos del Paciente en su Relación con los Profesionales e Instituciones de la Salud). El artículo 2, inciso “E” de la Ley 26529 establece el principio de “autonomía de la voluntad” , según el cual “el paciente tiene derecho a aceptar o rechazar determinadas terapias o procedimientos médicos o biológicos, con o sin expresión de causa” .

Por su parte, el director de la Maestría en Bioética de la Universidad Nacional de Córdoba (UNC), Alberto Sassatelli, precisó a la prensa que, en virtud de la autonomía del paciente, “cada uno es dueño de su cuerpo y de sus creencias, y puede disponer de ellas” . “Esa voluntad tiene primacía por sobre cualquier otra consideración” , precisó el académico al comentar lo sucedido con la mujer que, en virtud de sus creencias, se negó a recibir una transfusión de sangre.

Tras el accidente, la mujer, que había llegado consciente al hospital, manifestó su negativa a una transfusión, lo que después fue refrendado por familiares con la firma de un documento, como lo prevé la ley, que libera a los médicos de las consecuencias que pudieran derivar de esa determinación.

Tratamientos alternativos a la transfusiónAntes de la muerte de la anciana obstetra, el jefe de guardia del centro

hospitalario, Maximiliano Citarelli, había confirmado que la mujer Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 1 8 de 64

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presentaba “un síndrome anémico importante” y estaba en “coma farmacológico” , tal como leemos en Rosario 3. “Se encuentra con lesiones, con un importante sangrado y los métodos alternativos a la transfusión sanguínea que se están usando producen una reposición más lenta de sangre que con la transfusión” , detalló.

Según publica La Voz del Interior , José Seirano, del Comité de Enlace de los Testigos de Jehová, indicó que la mujer, quien era obstetra, firmó un documento médico en el que solicitaba que no se la trasfundiera. “Es una posición que se toma de forma individual, no es obligatorio para todos los testigos de Jehová” , indicó Seirano.

Antecedente en el paísEl último caso sobre este tema ocurrió en junio de 2012, en la ciudad de

Buenos Aires, según informa La Voz del Interior . Pablo Albarracini, un joven testigo de Jehová que fue baleado durante un robo, se negaba a recibir una transfusión de sangre por razones religiosas, mientras estaba internado en la Clínica Bazterrica.

El hombre de 38 años había firmado un documento, rubricado ante escribano público, en el que se negaba a recibir transfusiones de sangre en caso de necesitarla. Su padre recurrió a la Justicia para habilitar la práctica médica, pero la Corte Suprema de Justicia de la Nación ordenó que se respetara la decisión del joven de no recibir sangre. Finalmente, Pablo fue dado de alta, y se repuso.

“Pablo tiene la visión del ojo izquierdo reducida y la mitad del cráneo hundido; se lo reconstruirán con cirugía plástica, pero neurológicamente está perfecto. Mantiene conversaciones y camina. Perdió 20 kilos mientras estuvo internado” , dijo el padre, cuando el joven salió de la clínica. A Pablo debían realizarle una cirugía para extraer la bala ubicada en la base de su cerebro. (fonte: site da Rede Ibero-americana de Estudo de Seitas: http://infocatolica.com, consultado em 16/01/2014)

Em idêntico trilho, a Justiça uruguaia respeitou o direito de uma Testemunha de Jeová de não se submeter a transfusão de sangue:

Accidentada falleció tras rechazar una transfusiónTestigo de Jehová. Jueza apoyó la decisión de la mujer por su creencia

religiosaMALDONADO | MARCELO GALLARDOUna mujer de 46 años perdió la vida como consecuencia de las heridas sufridas en un accidente de tránsito y su posterior negativa -por ser testigo de Jehová- a ser sometida a una transfusión de sangre en el hospital de Maldonado. Ángela Sosa resultó lesionada de consideración cuando el Fiat Uno que conducía su marido, y en el que también viajaba sus hija de 13 años, se estrelló contra una columna de bulevar Artigas y Shakespeare tras chocar con otro vehículo que circulaba en el mismo sentido, una camioneta Volkswagen Saveiro. El accidente ocurrió en la noche del miércoles 29 de febrero. Ángela

Sosa sufrió un fuerte traumatismo de tórax por lo que fue asistida en el lugar del accidente por una unidad de emergencia móvil y luego fue trasladada al hospital de Maldonado.

Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 1 9 de 64

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Empero, la mujer, que se encontraba "lúcida y consciente" al llegar al sanatorio, alegó su condición de Testigo de Jehová para no recibir la transfusión de sangre que pretendieron efectuar los médicos que la atendieron, informó la emisora local FM Gente.

Fuentes del caso señalaron que hasta el propio médico forense le pidió que cambiara de actitud y que aceptara la transfusión para salvar la vida. La mujer se mantuvo en su posición hasta que poco después se descompensó y falleció.

Sus familiares la acompañaban la apoyaron en todo momento. Fuentes consultadas por El País explicaron que si la persona lesionada se encuentra lúcida y con pleno dominio de sus facultades puede solicitar no recibir la transfusión de sangre apelando a sus creencias religiosas. Según informó Canal 7, la jueza Marcela Vargas dio el visto bueno en cuanto a que se respetara la decisión de la mujer, basada en su convicciones religiosas.

"VERDAD MÉDICA". Carlos Olivett, director del hospital del Maldonado, dijo a Canal 7 que "la verdad médica no coincide con la verdad jurídica o la verdad religiosa" y señaló que, como médico, resulta muy difícil quedarse de brazos cruzados en un caso de esta naturaleza cuando hay posibilidades de intervenir por la salud del paciente. Olivett dijo que la causa de la muerte fue la "anemia aguda" -literalmente se desangró-, y sostuvo que en el caso de haberse practicado una transfusión "hubieran aumentado sensiblemente" las posibilidades de que la mujer se recuperara.

En tanto, la Justicia pretende establecer las causas del siniestro para deslindar las responsabilidades de los conductores.

Según trascendió, los conductores se acusaron mutuamente: ambos alegan haber sido encerrados por el otro.

DICEN LOS TESTIGOS. "Queremos vivir vidas largas y saludables", establecen los testigos de Jehová: "Nuestras creencias religiosas promueven el respeto por la vida y nos ayudan a prevenir muchos problemas médicos comunes. Al igual que cualquier otra persona, cuando estamos enfermos, buscamos atención médica. No creemos en la curación por la fe. El tipo de tratamiento médico que se elija es asunto de elección personal. Los testigos de Jehová solicitamos tratamientos sin sangre, ampliamente utilizados y aceptados por la comunidad médica. Lo hacemos debido a que la Biblia nos manda: `sigan absteniéndose de... sangre`. Aunque rechazamos la sangre por motivos religiosos y no por razones médicas, muchos han reconocido que este rechazo ha ayudado a los testigos a evitar contraer enfermedades costosas y mortales como el Sida y la hepatitis. Ya que la Biblia no hace ninguna declaración clara sobre el uso de fracciones menores de la sangre o sobre la reinfusión inmediata de la propia sangre del paciente durante la cirugía, el uso de este tipo de tratamientos es una cuestión de elección personal". (fonte: Jornal El Pais: www.elpais.com.uy, consultado em 16/01/2014)

Na Inglaterra, mesmo em relação a um paciente adolescente, Testemunha de Jeová, foi respeitada a opção religiosa, que veio, ulteriormente, a falecer:

Jehovah's Witness teenager dies after refusing blood transfusion

Joshua McAuley, 15, refused blood transfusion because of religious beliefs after being crushed by car in West Midlands

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theguardian.com, Tuesday 18 May 2010 10.49 BST

A teenage Jehovah's Witness who was crushed by a car as it crashed into a shop died after refusing a blood transfusion in hospital.Joshua McAuley, 15, was airlifted to hospital from the incident in Smethwick, West Midlands, on Saturday morning, but died later that day.The schoolboy, who received abdominal and leg injuries, is believed to have told doctors at Birmingham's Selly Oak hospital not to give him a blood transfusion because of his religious beliefs.Clive Parker, an elder at Kingdom Hall of Jehovah's Witnesses in Smethwick, where Joshua and his family worshipped, said Joshua was conscious after the accident and "made a stand on the blood issue".He said: "I don't want to talk about it any more than that because I don't

want to add to the family's distress."A mother has lost her son, and Joshua had a brother. He has lost his

brother, he was there in the morning and then gone by the afternoon."They are terribly distressed."A spokesman for Selly Oak hospital said he could not comment on the

individual case but described the issue as an "extraordinarily complex area" with no set rules.

He said: "There is not one single policy and not one single law regarding transfusions.

"There is no automatic right to override parental wishes or that of a minor. It is a very complex area that has to be approached on a case-by-case basis.

"Any decisions that have to be made are made in consultation with as many people as possible."

A postmortem is expected to be carried out by a Home Office pathologist on Thursday.

A spokesman for West Midlands police said Joshua's family, who live in Smethwick, did not wish to speak about the tragedy.

He said: "The family of Joshua has asked for privacy at this difficult time … we ask that their privacy is respected."

Two other adults were injured in the crash, which happened in the Cape Hill area at 11.14am.

Police said a 24-year-old woman was in a serious but stable condition in hospital, and a 32-year-old man sustained a suspected broken arm and leg.

A 28-year-old man from the Winson Green area of Birmingham who was arrested after the crash was bailed pending further inquiries, police said. (fonte: Jornal The Guardian: www.theguardian.com, consultado em 16/01/2014).

Por outro lado, o Poder Judiciário da Austrália, num caso em certa medida assemelhado ao presente, envolvendo paciente menor de idade, ordenou fosse realizada transfusão de sangue, a despeito da opção religiosa:

Jehovah's Witness teenager loses bid to refuse blood transfusion A court in Australia has ruled that a 17-year-old Jehovah’s Witness

cannot refuse a life-saving blood transfusion despite his claim he would rip the tube out of his arm.

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The case follows numerous others around the world in which Jehovah’s Witness patients have refused to receive blood for religious reasons. Photo: ALAMY

By Jonathan Pearlman, Sydney9:43AM BST 27 Sep 2013The boy, four months away from turning 18, has said that any attempt to

perform the treatment while he is under anaesthetic would be akin to rape and would violate his beliefs. The boy, who cannot be named for legal reasons, suffers from an aggressive cancer and has an 80 per cent chance of dying from anaemia if he does not have the treatment.

His family has supported his decision and argued in court he was mature and “highly intelligent”.

But a judge in the Supreme Court of New South Wales said the state must seek to preserve his life until he turns 18. In four months, however, the order will be removed.

"The interest of the state is in keeping him alive until that time, after which he will be free to make his own decisions as to medical treatment," Justice John Basten said in his judgement.

"The interest of the state in preserving life is at its highest with respect to children and young persons who are inherently vulnerable, in varying degrees."

The case follows numerous others around the world in which Jehovah’s Witness patients have refused to receive blood for religious reasons. In 2010, a 15-year-old British schoolboy, Joshua McAuley, died at a hospital in Birmingham after refusing a blood transfusion following a car accident.

Most health systems have developed specific protocols for dealing with parents who are Jehovah’s Witness and refuse blood on behalf of their child. Britain, like Australia, allows health authorities to apply for a court order to overrule the parents’ request.

The Sydney Children's Hospital said the boy had a "cocooned upbringing" and his family had "little exposure to challenges of their beliefs from outsiders".

The boy, who has Hodgkin's disease, has refused intense chemotherapy because it would probably lead to a blood transfusion. His father reportedly wrote a scripture reference to abstaining from blood on a whiteboard in the hospital room. (fonte: Jornal Telegrah: www.telegraph.co.uk, consultado em 16/01/2014).

Pois bem, o cenário retratado na ação penal era o seguinte: os pacientes, pais de uma adolescente de treze anos, levaram-na ao hospital, num quadro de sofrimento com a doença anemia falciforme. Os médicos, então, prescreveram transfusão de sangue, que, por razões religiosas, os pacientes se recusaram a fornecer o consentimento. Chamado médico adepto da religião, teria ele "ameaçado processar" os médicos do hospital, caso eles promovessem o tratamento considerado, segundo certa visão, religiosamente, herege, e, medicamente, perigoso.

Veio a adolescente a óbito, na madrugada do dia seguinte ao seu ingresso no hospital.

De pronto, chamou-me a atenção o fato de os pacientes terem socorrido sua

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filha, buscando salvá-la. Tal conjuntura em nada se articula, convenhamos, com uma postura homicida.

A partir daí, o que sobreveio deve ser analisado numa perspectiva jurídico-sistemática, desvestindo-nos de crenças pessoais e preconceitos.

Apreciando os acórdãos do recurso em sentido estrito e dos subsequentes embargos infringentes, visualizo que a razão se encontrava com os votos vencidos, que, nesta assentada, pretendo ver convertidos na ratio da concessão da ordem.

Eis a compreensão divergente lançada no desate do recurso em sentido estrito:

(...)No caso em tela, o dissenso dos responsáveis pela ofendida, em relação

à realização da transfusão de sangue, decorrente de suas convicções religiosas, versa sobre o direito à vida, direito individual pressuposto de todos os demais, que possui especial caráter de indisponibilidade.

Assim sendo, em vista do iminente riso de vida, o dissenso não possuía o efeito de impedir a realização da transfusão de sangue e não afastava o dever legal do médico responsável pelo atendimento da menor de adotar o procedimento terapêutico necessário.

A controvérsia, como se vê, versa, tão somente, sobre os efeitos do dissenso dos genitores e do médico, que, por professar a mesma religião daqueles, sem integrar a equipe que atendeu a ofendida, também se manifestou contrário à realização da necessária transfusão de sangue.

O dissenso foi apontado na petição inicial como causa da morte da ofendida, pois teria consistido em impedimento da adoção do indispensável procedimento terapêutico para tentar preservar a vida da paciente, qual seja, a transfusão de sangue, reconhecendo-se, em consequência, o nexo de causalidade entre o dissenso dos réus e a ocorrência do evento morte.

Respeitado entendimento diverso, a conduta dos réus não possui tipicidade penal, na medida em que, em se tratando de hipótese de iminente risco de vida para a ofendida, o dissenso dos réus não possuía qualquer efeito inibitório da adoção do indispensável procedimento terapêutico a ser adotado, qual seja, a transfusão de sangue.

Os integrantes da equipe médica, que a atendiam, tinham o dever legal de agir.

Ademais, nada há na inicial ou nos autos no sentido de que os genitores e o corréu tenham praticado qualquer espécie de conduta concreta no sentido de impedir a realização do procedimento médico, ou de que tenham tentado praticar.

O impedimento, segundo verte dos autos, consistiu, tão somente, no dissenso.

Importa ressaltar, a propósito, que, no âmbito do Estado Democrático de Direito, não há direito individual fundamental que comporte exercício absoluto, pois tal importaria em sobreposições, e consequentemente em anulações dos sobrepostos.

O status diferenciado de determinado direito individual como fundamental constitui, também, seu limite, pois os direitos individuais fundamentais devem estar em equilíbrio, sem sobreposições.

Na hipótese de colisão de direitos fundamentais, de garantias Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 2 3 de 64

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constitucionais, a solução está na ponderação dos mandamentos em conflito, a partir da identificação das circunstâncias do caso concreto e seus reflexos na aplicação das normas colidentes, para verificação do ponto do equilíbrio indispensável à efetividade de todas as disposições constitucionais incidentes no caso concreto.

Portanto, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença prevista pelo inc. VI do art. 5º da Const. Federal não pode ser tida como absoluta.

No caso sob exame, considerada a excepcional situação de iminente risco de vida para a ofendida, o alcance do equilíbrio exigiu a prevalência do direito à vida, direito que, não é demais repetir, constitui, à evidência, pressuposto à existência e ao exercício dos demais.

O reconhecimento da necessidade de prevalência do direito à vida, consideradas as especificidades presentes, não importa, em absoluto, em negação da garantia constitucional concernente à liberdade religiosa, mas em solução indispensável para se tentar evitar a negação do direito à vida à ofendida, dada a possibilidade iminente de concretização de dano irreparável, o que se apresenta como razoável no âmbito do Estado Democrático de Direito, laico por definição constitucional.

É preciso anotar, ainda, que a questão de natureza religiosa, que permeia a análise do fato gerador da presente persecução penal, não é nova e foi objeto, inclusive da Resolução nº 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina, cujo enunciado, em seu artigo 2º, dispõe: "Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente do consentimento do paciente ou de seus responsáveis".

Ante o exposto, considerando-se que, segundo os termos da inicial, o impedimento à realização da transfusão de sangue limitou-se ao dissenso dos genitores da ofendida, referendado pelo corréu, a conduta atribuída aos acusados, ora recorrentes, deve ser tida como atípica.

Face ao exposto, meu voto, respeitosamente, é no sentido da absolvição dos recorrentes José Augusto Faleiros Diniz, Hélio Vitória da Silva e Ildelir Bonfim de Souza, da imputação de se acharem incursos, o primeiro no art. 121, caput , do Cód. Penal, e, os demais, como incursos no art. 121, caput , combinado com o art. 61, II, e, ambos do Cód. Penal, com fundamento no art. 415, III, do Cód. de Proc. Penal. (fls. 58-61).

Além de tal voto do Desembargador Nuevo Campos, no julgamento dos embargos infringentes, também veio no mesmo sentido o voto do Desembargador Souza Nery, verbis :

Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º, serem todos "iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade", nos termos definidos pela Carta Política naquele mesmo dispositivo, dentre os quais, de interesse para o caso dos autos, desponta o inciso VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias;

Ora, se a liberdade de crença é efetivamente inviolável, não pode o cidadão, ao exercê-la, e só por exercê-la, sofrer nenhuma espécie de

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violação, ainda que promovida sob o manto aparente da lei.Bem a propósito do tema o ensinamento de Wilson Ricardo Ligiera, na

obra "Responsabilidade Médica diante da Recusa de Transfusão de Sangue" (São Paulo: Nelpa, 2009):

O direito à prática da religião professada envolve, indubitavelmente, o direito de viver de acordo com os seus preceitos. Diante disso, por mais que não concordemos com a crença de uma pessoa, temos que respeitar as suas decisões embasadas na fé. Isso também se aplica nos casos de escolha de tratamento médico.

Podemos, por exemplo, achar absurda a recusa de sangue por uma Testemunha de Jeová, ou inaceitável o comportamento de um pentecostal que não vai ao médico na crença de que Jesus irá curá-lo, ou mesmo do espírita que, ao invés de se submeter a uma cirurgia, prefere que lhe seja realizada uma "operação espiritual".

O fato é que, de acordo com nosso ordenamento jurídico, pouco importa a crença da pessoa e o modo como ela decide conduzir sua vida, desde que, é claro, ela não ocasione prejuízos a terceiros, (pág. 168).

Dir-se-á, então, que o exercício da crença religiosa dos embargantes interferiu negativamente nos direitos a tratamento médico eficaz de sua filha, daí advindo a possibilidade de sua responsabilização criminal.

Nem assim se lhes pode incriminar, diante da total inexistência de nexo de causalidade entre o obstáculo que pretendiam opor e a falta de tratamento adequado a ocasionar a morte da infanta.

É que a recusa dos pais da infeliz vítima era absolutamente irrelevante para o atendimento médico que lhe devia ter sido prestado.

O Código de Ética Médica (Resolução nº CFM 1.246/88, de 8 de janeiro), em seu artigo 46, proíbe o médico de "[e]fetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu representante legal, salvo iminente perigo de vida".

O mesmo diploma legal, em outros dois dispositivos isenta de responsabilidade ética o profissional médico que, diante de pessoa entregue a greve de fome, intervenha para afastar o risco iminente da vida (artigo 51), e pune aquele que "desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida" (artigo 56) .

O próprio Código Penal Brasileiro estabelece ser atípica a conduta do médico que realize intervenção, mesmo que cirúrgica, "sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida (artigo 146, § 3º, inciso I).

Assim, admitir a responsabilidade penal dos embargantes corresponde a desobedecer o mandamento constitucional antes transcrito, por isso que seu ato limitou-se ao exercício de sua liberdade de crença, e no comportamento dela decorrente.

Ainda uma vez destaco ser a "proibição" da transfusão de sangue oposta pelos embargantes ao tratamento de sua filha absolutamente irrelevante sob o ponto de vista legal para os médicos encarregados de atendê-la, que tinham o dever de prestar-lhe toda a assistência necessária, agindo sob o manto protetor tanto de seu próprio Código de Ética, quanto, e mais importantemente, do Código Penal Brasileiro, como demonstrei.

Imperioso, no meu entendimento, portanto, aplicar ao caso dos autos o Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 2 5 de 64

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que determina o inciso III do artigo 415 do Código de Processo Penal, decretando desde logo a absolvição dos embargantes, por isso que sua conduta não constitui infração penal.

Demais disso, por meu voto, e nos termos do artigo 417 do mesmo estatuto adjetivo, determinava a devolução dos autos ao representante local da sociedade, diante da clara existência de indícios de responsabilidade "de outras pessoas não incluídas na acusação".

A douta maioria, no entanto, e como de costume, decidiu superiormente a questão. (fls. 114-118).

Por discordar da posição engendrada pela maioria, na origem, parto da conclusão lançada pelos dois votos vencidos, para, em seguida, edificar a minha compreensão, de que não houve fato típico a ensejar o prosseguimento da marcha processual.

Imputou-se aos pacientes a prática do crime descrito do artigo 121 do Código Penal, que possui a seguinte redação: "matar alguém".

Cumpre verificar se a conduta dos pacientes se amolda a tal modelo incriminador, ou, se, no contexto, em que a extinção da vida de sua filha se deu, o comportamento deles teria sido um indiferente penal.

Incursiono, neste passo, em conceitos de bioética, a fim de melhor estruturar o raciocínio que, ao cabo, pretendo se cristalize em um juízo de biodireito.

O primeiro princípio tradicionalmente fixado pelos estudos de bioética é o da beneficência, normalmente aliado ao da não-maleficência. Trata-se de deontologia ligada à tradicional visão hipocrática, de que ao médico incumbe o dever de fazer o bem e não causar danos.

Outro primado fundamental, na matéria, é o princípio da autonomia, pelo qual é de se respeitar as decisões do paciente, concernentes ao tratamento a ser manejado. O consentimento informado é considerado, hoje, um dos grandes temas da bioética.

Esclarecem os especialistas no tema que o "princípio da autonomia não deve ser confundido com o princípio do respeito da autonomia de outra pessoa. Respeitar a autonomia é reconhecer que ao indivíduo cabe possuir certos pontos de vista e que é ele quem deve deliberar e tomar decisões segundo seu próprio plano de vida e ação, embasado em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando divirjam daqueles dominantes na sociedade ou daqueles aceitos pelos profissionais de saúde. O respeito à autonomia requer que se tolerem crenças inusuais e escolhas das pessoas desde que não constituam ameaça a outras pessoas ou à coletividade. Afinal, cabe sempre lembrar que o corpo, a dor, o sofrimento, a doença são da própria pessoa" (Iniciação à bioética . Sergio Ibiapina Ferreira Costa, Gabriel Oselka, Volnei Garrafa, coordenadores. Brasília : Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 58).

De toda sorte, é crucial ter em mente que os próprios monografistas

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advertem que não é possível proceder à absolutização do princípio da autonomia (Op. cit., p. 60). Daí, a "ação dos profissionais de saúde nas situações de emergência, em que os indivíduos não conseguem exprimir suas preferências ou dar seu consentimento, fundamentam-se no princípio da beneficência, assumindo o papel de protetor natural do paciente por meio de ações positivas em favor da vida e da saúde" (Op cit., p. 68). E, mais adiante, assinalam que a "compreensão jurídica prevalente e as normas de ética profissional dos médicos e dos profissionais de enfermagem apontam que no caso de iminente perigo de vida o valor da vida humana possa se sobrepor ao requerimento do consentimento e do esclarecimento do paciente (CEM, arts. 46 e 56)" (Op. cit., loc. cit.).

Lembro, também, que, recentemente, o Conselho Federal de Medicina baixou a Resolução 1.995/2012, que trata das "diretivas antecipadas de vontade dos pacientes", que são definidas como "o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade". A despeito de, à época do fatos, não se encontrar em vigor tal diretriz, presta-se ela como subsídio exegético. Ocorre que, o próprio documento reza no § 2º do artigo 2º, que o "médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica".

Nesse cenário, é fundamental não descurar de comando do Código de Ética Médica, já multicitado no feito em apreço. Refere-se ao artigo 22 do CEM (com redação atual conferida pela Res. CFM 1931/2009), pelo qual em situação de risco iminente de morte, o consentimento do paciente e/ou familiares é prescindível, sobrelevando-se o valor-matriz vida.

Pois bem, conquanto reconheça-se relevo na manifestação de vontade dos pais, a exprimir certa concepção religiosa, nos estreitos lindes do caso em apreço, creio que o concurso de outras condicionantes valorativas solaparam a expressão penal de seu comportamento, despindo-o, portanto, de tipicidade.

Destaco, de início, a situação de urgência.As Testemunhas de Jeová, a par da explicação religiosa, também

pavimentam sua posição de vida em aspectos científicos para repudiar a transfusão de sangue. Ensina o Professor Titular da USP, Alvaro Villaça de Azevedo: "Ao optarem por tratamentos médicos alternativos, as Testemunhas de Jeová não estão abdicando de seu direito à vida. Estão exercendo o seu direito de escolha de tratamento médico, cujo fundamento é o direito à vida com dignidade; a junção do meramente existir com a liberdade e a autonomia, cujo resultado lhes confere a condição de seres humanos" (Autonomia do paciente e direito de escolha de tratamento médico sem transfusão de sangue. In: Direitos do paciente. Coordenação Álvaro Villaça Azevedo e Wilson Ricardo Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 2 7 de 64

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Ligiera. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 272).A lição do renomado civilista reforça as considerações introdutórias

alinhadas neste voto, de que, levando a filha ao hospital, a conduta dos pacientes não foi direcionada ao resultado morte. Antes, buscavam salvá-la, servindo-se de tratamento infenso aos riscos transfusionais, como constou do acórdão dos embargos de declaração, fl. 110-111.

Nesse panorama, ausente alternativa que pudesse tempestivamente colocar a vida da filha dos pacientes a salvo, impenderia aos médicos do hospital, passando por cima de qualquer obstáculo, materializar a intervenção que restasse.

Caso assim agissem, de uma só vez, estariam dando concreção ao exercício profissional que abraçaram, ao princípio da beneficência, e, justificando a impossibilidade de aplicação tratamento alternativo, no contexto, teriam respeitado, na medida do possível, o primado da autonomia (em relação à concepção religiosa dos pais).

Soma-se a este primeiro ponto, um outro que, naquele panorama, afigura-se-me de supina importância.

Cuida-se do superior interesse do adolescente.Extrai-se do artigo 227 do Texto Maior, que é "dever da família, da

sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas" (destaquei).

No artigo 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, estatui-se que a "criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência".

Tem-se, portanto, uma preocupação normativa toda especial, conferindo-se sensível atenção à criança e ao adolescente, em diversos pontos, não sendo diferente em relação à saúde.

Conferir, a propósito, a compreensão desta Corte:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRATAMENTO FONOAUDIOLÓGICO A MENOR COM LÁBIO LEPORINO. SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL. ART. 227 DA CF/88. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART. 127 DA CF/88. ARTS. 7.º, 200, e 201 DO DA LEI N.º 8.069/90.

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(...)

7. O direito à saúde, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

8. Outrossim, a Lei n.º 8.069/90 no art. 7.º, 200 e 201, consubstanciam a autorização legal a que se refere o art. 6.º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como "substituição processual".

(...)(AgRg no REsp 752.190/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA

TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 231, destaquei)

Desta maneira, não obstante tratar-se dos pais ou responsáveis, a ausência de consentimento para a única saída para a preservação da vida de um adolescente, como na espécie, não representava, penso, óbice à transfusão de sangue, no horizonte descrito na denúncia.

Exsurgiu, portanto, uma plêiade de fatores no período de internação retratado nos autos, a rechaçar a magnitude penal da atuação dos pacientes. Logo, se falha houve, teria sido, penso, dos médicos responsáveis pela internação, que, ausente a possibilidade de profícuo tratamento alternativo, não cumpriram com o seu dever de salvar a adolescente, com a única terapia de que dispunham.

Cumpre lembrar que o próprio Código Penal afasta a responsabilidade pelo emprego de violência ou grave ameaça, a fim de viabilizar intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida - inciso I do § 3º do artigo 146 do Código Penal.

Por fim, ademais de não identificar responsabilidade por parte dos pais, dadas todas essas peculiaridades, há uma faceta que muito me toca. Um viés humanitário, concernente ao sofrimento que esses pais já passaram, não só pela perda da filha (o que já não é pouco), mas, também, pelo tempo que este processo se arrasta.

De pronto, verifico a impossibilidade do reconhecimento do perdão judicial, que demanda a prévia condenação. Todavia, dadas as feridas que não puderam ser cicatrizadas pelo transcurso do tempo, mas, pelo contrário, eram, frequentemente, reabertas pelo evolver processual, acredito que o atroz sofrimento amargado por toda essa via crucis já representou reprimenda mais intensa que qualquer privação de liberdade possa infligir.

Por conseguinte, entendo que é possível rematar o meu raciocínio pela impossibilidade de prosseguimento deste processo à luz do conceito de culpabilidade cunhado por Claus Roxin.

Segundo o magistério do Professor alemão, além de limite da pena, na

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aferição da culpabilidade cumpre ter como vetor político criminal a ideia de "necessidade de pena", à luz da finalidade preventiva. Ensina o doutrinador que a "fraqueza dos sistemas abstratos não está somente em sua posição defensiva contra a política criminal, mas, mais geralmente, no desprezo pelas peculiaridades do caso concreto, no fato de que, em muitos casos, a segurança jurídica seja salva à custa da justiça." (Política criminal e sistema jurídico penal . Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 85).

Em outro trabalho, esclarece Roxin:

O que se discute não é adequação do fim, mas a conformidade do meio ao direito; se, como afirma KANT, - e como ele grande parte da doutrina actualmente dominante - , não se pode admitir sob nenhum pretexto, por isso ser contrário à dignidade humana, que se dê valor na aplicação da lei a considerações de prevenção geral (...). Na realidade, talvez se trate apenas do poder do mais forte. A isto se acrescentará que com a fundamentação dada até agora não podemos encontrar nenhum limite à duração da pena, e, em troca, uma sanção muito rigorosa fortaleceria ainda mais claramente a inviolabilidade do ordenamento jurídico. Mas poderá realmente considerar-se conforme ao direito tal sacrifício do particular no interesse da colectividade? A resposta negativa a esta pergunta está fora de dúvida depois do que já dissemos na nossa breve abordagem histórica. Um ordenamento jurídico para o qual o particular não é objecto, mas sim o titular do poder estatal, não o pode desvirtuar convertendo-o em meio de intimidação. (...) Assim, com estas reflexões, encontra-se aberto o caminho para a solução do problema: a aplicação da pena estará justificada se se conseguir harmonizar a sua necessidade para a comunidade jurídica com a autonomia da personalidade do delinquente, que o direito tem de garantir.

(...)Em contrapartida, uma teoria unificadora dialéctica, como a que aqui se

defende, pretende evitar os exageros unilaterais e dirigir os diversos fins da pena para vias socialmente construtivas, conseguindo o equilíbrio de todos os princípios, mediante restrições recíprocas. (...) A culpa não justifica a pena por si só, podendo unicamente permitir sanções no domínio do imprescindível por motivos de prevenção geral e enquanto não impeça que a execução da pena se conforme ao aspecto da prevenção especial. (...)

Esta dupla polaridade entre indivíduo e colectividade, e também entre o fenómeno empírico e a ideia de homem, constitui o ponto de tensão de qualquer problemática social, que em cada caso também se representa na sua totalidade por uma fragmentação como aquela que o direito penal contém. Uma teoria da pena que não pretenda manter-se na abstracção ou em propostas isoladas, mas que tenha como objectivo corresponder à realidade, tem de reconhecer estas antíteses inerentes a toda a existência social para, de acordo com o princípio dialéctico, poder superá-las numa fase superior; ou seja, tem de criar uma ordem que demonstre que, na realidade, um direito penal só pode fortalecer a consciência jurídica da generalidade no sentido da prevenção geral se ao mesmo tempo preservar a individualidade de quem a ele está sujeito; que o que a sociedade faz pelo delinquente também é afinal o mais proveitoso para ela. (...)

Deste modo, como também ARTHUR KAUFMANN concorda, os autores do Projecto Alternativo desenvolveram de comum acordo tal ideia,

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consagrada no § 59, 2, do P. A.: "apenas se aplicará integralmente a medida da culpa determinada pelo facto, quando a reintegração do sujeito na comunidade jurídica ou a protecção dos bens jurídicos o requeiram". (Problemas fundamentais de direito penal . Trad. Ana Paula dos S. L. Natscheradetz. Lisboa: 1986, p. 34-46).

Por seu turno, mas na mesma linha, Jesús-María Silva Sánchez pontifica

que a culpabilidade deriva "de uma síntese de fins preventivos, outros fins utilitários opostos à intervenção e fins garantísticos" (Aproximación al derecho penal contemporáneo . Barcelona: Bosh, 1992, p. 252). E prossegue, aduzindo que a "finalidade garantística é própria dos princípios de igualdade, proporcionalidade e humanidade, assim como de ressocialização. Dada uma situação de anormalidade do sujeito ou da situação que o rodeia, que possa repercutir em uma deficiente motivação normativa, tais princípios demandam a exclusão, ou ao menos, a diminuição da responsabilidade penal. A solução definitiva, todavia (não-punição, atenuação, punição) depende de uma síntese histórica (suscetível de variação) das pretensões dali derivadas (que, em sua tradução concreta, logicamente variam com o tempo) e das necessidades preventivas (também variáveis)" (Op. cit., loc. cit.).

Ante o exposto, não conheço da ordem, mas expeço habeas corpus de ofício para extinguir a ação penal em relação aos pacientes.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0106116-5 PROCESSO ELETRÔNICO HC 268.459 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00003389719938260590 2577213 3389719938260590 993990853540

EM MESA JULGADO: 04/02/2014

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

Subprocuradora-Geral da RepúblicaExma. Sra. Dra. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSADVOGADO : ALBERTO ZACHARIAS TORONIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOPACIENTE : HÉLIO VITÓRIA DA SILVAPACIENTE : ILDELIR BOMFIM DE SOUZACORRÉU : JOSÉ AUGUSTO FALEIROS DINIZ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Simples

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). ALBERTO ZACHARIAS TORON, pelas partes PACIENTES: HÉLIO VITÓRIA DA SILVA E ILDELIR BOMFIM DE SOUZA SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA: EXMA. SRA. DRA. RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Sra. Ministra Relatora não conhecendo do habeas corpus, expedindo, contudo, ordem de ofício, pediu vista o Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior. Aguardam os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Rogerio Schietti Cruz e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE).

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HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: De modo a

tornar desnecessária a leitura de um novo relatório, encaminhei a V. Exas.,

nos últimos dias, cópia do voto da Ministra Maria Thereza, Relatora, voto este

que relata com enorme fidelidade a questão em debate.

Vou ser breve.

Estou de acordo com a Ministra Maria Thereza. Não vou me

prolongar até porque tanto o voto que acompanho como os votos vencidos na

origem esgotam o assunto. A vítima é menor, não podendo a vontade dos

pais, portanto, prevalecer. Aqui, o direito à vida se impõe ao direito à crença

religiosa dos pais. Logo, não havendo como se impor a vontade dos pais,

deveriam os médicos responsáveis pelo atendimento da menor atuar como

devido, até em razão de imposição legal e de ausência de responsabilização

penal caso assim agissem.

A omissão destes, sim, é que deu causa ao falecimento da filha dos

pacientes, e não a não autorização dos pais para a necessária e essencial

transfusão de sangue. Poderia haver, penso eu, responsabilidade dos pais se

estes se recusassem a levar a filha a um hospital ou, de outro modo,

impedissem efetivamente que esta fosse tratada (tirassem a criança do

hospital, por exemplo). A simples manifestação de vontade contrária ao

tratamento, sem qualquer ação que efetivamente o impedisse, não os torna

responsáveis pelo falecimento da filha.

Esta – a autorização – era, e é em casos como este, que envolve

interesse de menor, desnecessária.

Pertinente a conclusão do Desembargador Nuevo Campos, para

quem (fl. 123):

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[...]Respeitado entendimento diverso, a conduta dos réus não possui

tipicidade penal, na medida em que, se tratando de hipótese de iminente risco de vida para a ofendida, o dissenso dos réus não possuía qualquer efeito inibitório da adoção do indispensável procedimento terapêutico a ser adotado, qual seja, a transfusão de sangue.

Os integrantes da equipe médica, que a atendiam, tinham o dever legal de agir.

Ademais, nada há na inicial ou nos autos no sentido de que os genitores e o corréu tenham praticado qualquer espécie de conduta concreta no sentido de impedir a realização do procedimento médico, ou de que tenham tentado praticar.

O impedimento, segundo verte dos autos, consistiu, tão somente, no dissenso.

[...]

Esclareço, por fim, que me reservo para um exame mais detalhado

quando a hipótese cuidar de falecimento de adulto decorrente da não

aplicação do tratamento médico adequado em razão de crença religiosa

própria.

Assim, não conheço do habeas corpus , mas expeço ordem de

ofício.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0106116-5 PROCESSO ELETRÔNICO HC 268.459 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00003389719938260590 2577213 3389719938260590 993990853540

EM MESA JULGADO: 12/08/2014

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. OSWALDO JOSÉ BARBOSA SILVA

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSADVOGADO : ALBERTO ZACHARIAS TORONIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOPACIENTE : HÉLIO VITÓRIA DA SILVAPACIENTE : ILDELIR BOMFIM DE SOUZACORRÉU : JOSÉ AUGUSTO FALEIROS DINIZ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Simples

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior não conhecendo do habeas corpus, expedindo, contudo, ordem de ofício, pediu vista o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz. Aguarda a Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE). Não participou do julgamento o Sr. Ministro Nefi Cordeiro.

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HABEAS CORPUS Nº 268.459 - SP (2013/0106116-5)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:

A questão debatida nos autos cinge-se à possibilidade do prosseguimento de ação penal proposta em face de HÉLIO VITÓRIA DA SILVA e ILDELIR BONFIM DE SOUZA, ora pacientes, pela suposta prática do delito descrito no art. 121, caput , c/c art. 61, inciso II, alínea "e", ambos do Código Penal, que vitimou a adolescente JULIANA BONFIM DA SILVA, filha dos acusados, que contava, à época dos fatos, 13 anos de idade.

Narra a denúncia, em síntese, que a vítima era portadora da doença conhecida como anemia falciforme e veio a óbito em razão de complicações causadas pela moléstia, as quais teriam sido evitadas se a paciente recebesse tratamento ambulatorial consistente em transfusão de sangue. Não obstante, a exordial acusatória narra que o procedimento não foi realizado, em virtude da negativa dos pais da jovem em autorizá-lo, dada a sua condição religiosa, Testemunha de Jeová.

Explicita a denúncia que, no decorrer do atendimento, foi solicitada a presença de outro médico, amigo da família e adepto da mesma religião – José Augusto Faleiros Diniz, igualmente denunciado –, o qual teria influenciado os pacientes a não concordar com a transfusão, além de intimidar e ameaçar processar os médicos judicialmente, caso levassem a transfusão a efeito.

Em emblemático trecho da inicial, consta que os pais declararam que "preferiam ver a filha morta a deixar ela receber transfusão, pois se isso ocorresse ela não iria para o Paraíso." (fl. 38).

A denúncia foi recebida e, posteriormente, os acusados foram pronunciados, como incursos no art. 121, caput , c/c art. 61, inciso II, "a", ambos do Código Penal.

Interpostos os competentes recurso em sentido estrito e embargos infringentes, a Corte de origem manteve a decisão do juízo singular.

Neste habeas corpus , a defesa pugna pela exclusão dos pacientes da ação penal.

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Malgrado todas as ponderações feitas pela defesa, corroborada pelos votos precedentes, desloco o questão para uma outra perspectiva, que leva à conclusão pela responsabilidade penal dos ora pacientes.

I.

O caso dos autos não é simples e exige sensibilidade, respeito à opção religiosa dos pacientes, mas, sobretudo, razão.

Após atenta leitura do material didático entregue pela defesa, além de outras fontes pesquisadas, o que se vê é um sem-número de explanações acerca das alternativas à transfusão. Folhetos, matérias, artigos, livros, etc. apresentam opções dadas às Testemunhas de Jeová em casos de necessidade de submissão a cirurgias e a tratamentos de enfermidades do sangue.

A origem religiosa da recusa de introdução de sangue no corpo, inclusive a autotransfusão, também me foi bastante aclarada, de modo que destaco o devido respeito pela escolha que fazem esses fiéis.

Sem embargo, a minha conclusão tem como guia o princípio da proteção prioritária, absoluta e integral da criança e do adolescente, tratado no art. 227 da Constituição Federal, bem como a prevalência do bem vida sobre o bem liberdade religiosa.

Não discordo da veracidade e da legitimidade da angústia vivenciada pelos pais da menor morta. Não apenas em razão da perda da filha, mas também pelos efeitos de figurar no polo passivo de uma ação penal que, como bem salientado pela Ministra Relatora, se arrasta por mais de duas décadas.

De igual modo, reputo ponderáveis os argumentos apresentados pela defesa, bem como pelos honrados pares que me antecederam nos votos. Toda a digressão feita acerca das alternativas de tratamento aos Testemunhas de Jeová e da responsabilidade dos médicos, no sentido de que não estavam impedidos de evitar a morte da menina, no entanto, não se prestam, segundo penso, para desatar a controvérsia imposta.

Isso porque o contexto fático nos revela que não havia alternativa para que a vida da vítima fosse preservada, a não ser a transfusão sanguínea. É sabido que existem inúmeras opções de procedimentos terapêuticos diversos daquele repudiado pelos fiéis Testemunhas de Jeová. No

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entanto, esses são utilizados quando o paciente não se encontra em colapso ou em risco iminente de morte, de modo que não há de se invocar o direito fundamental à liberdade de crença quando não há alternativas para salvar a vida de uma pessoa natural ou legalmente incapaz de exercer plenamente sua própria individualidade e autodeterminação.

O texto constitucional vigente elegeu a família, entre outros sujeitos ativos dos direitos das crianças e dos adolescentes, para assegurar, com absoluta prioridade, os direitos lá elencados, dentre eles o direito à vida.

A redação do artigo que carrega o princípio é clara:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Destaquei.)

Os estudos sobre a postura dos operadores do Direito perante os casos de Testemunhas de Jeová, que recusam a transfusão sanguínea, cingem-se, essencialmente, à ponderação de direitos fundamentais, com destaque ao confronto entre o direito à vida e o direito à liberdade religiosa. O que se discute, sempre, nessas hipóteses, é como deve agir o magistrado diante de um (aparente) conflito de direitos, os quais, alerto, estão situados no campo dos valores.

O fato de estarem insertos no campo dos valores não permite ao magistrado agir com total discricionariedade na escolha entre os princípios concorrentes, devendo ser eleito aquele que mais se aproxima da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso III da Constituição Federal), essa sim com valor absoluto.

Oportuna é a consideração feita pelo Ministro Gilmar Mendes (A Constituição de 1988 na Visão dos Ministros do Supremo Tribunal Federal , Edição Comemorativa, 2013, p. 104), acerca do dito fundamento:

Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o constituinte acabou por 'reconhecer categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.' O ponto de partida para qualquer reflexão

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sobre a constituição, e sobre qualquer desenvolvimento de uma Constituição liberal, seria o homem e sua dignidade.[...] Na Constituição Federal brasileira, a dignidade humana não está prevista apenas no art. 1º, III, mas ainda em três outras passagens.[...]Artigos que versam sobre criança e adolescente e proteção aos idosos fazem menção à dignidade humana.

O direito à vida, o mais fundamental de todos os direitos, não é absoluto, disso não me olvido. Sem, também, perder de vista que não há hierarquia entre direitos fundamentais, entendo que a hipótese dos autos não deixa espaço para mitigação do direito à vida, pois o embate enredava a vida de uma adolescente, cuja obrigatoriedade de proteção pelos pais encontrava-se constitucionalmente resguardada, moralmente desejada e naturalmente imposta.

Recordo que as crianças e os adolescentes receberam, a partir da Constituição Federal de 1988, o status de sujeitos de direitos. A eles, portanto, foram destinados direitos de personalidade, essenciais à sua formação. Nesse sentido, penso que o poder familiar, a ser exercido pelos genitores, deve ser totalmente voltado ao bem dos filhos, e não ao interesse próprio, ainda que revestido de roupagem religiosa.

A propósito, bastante pertinentes as considerações acerca do tema – mormente no que se refere à prevalência de interesses nas hipótese em que o paciente sujeito à transfusão é menor –, feitas por Fábio Carvalho LEITE (Liberdade de crença e a objeção à transfusão de sangue por motivos religiosos . Revista Eletrônica do Ministério Público Federal. Custos Legis, p. 24-30, disponível em http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2010/2010/aprovados/2010a_Dir_Pub_Fabio.pdf):

[...]Por fim, nos casos em que o paciente é menor de idade, os tribunais norte-americanos têm ordenado a realização da transfusão de sangue, seja para salvar a vida da criança, seja simplesmente para o seu bem-estar. Como resumiu Kerry Louderback-Wood, apontando diversas decisões neste sentido, "os tribunais norte-americanos têm acolhido a escolha de um adulto capaz em recusar transfusão de sangue por motivos religiosos, mas ordenarão a realização da transfusão de sangue

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para salvaguardar a vida ou o bem-estar de uma criança"55. De fato, os tribunais consideram que o interesse do Estado no bem-estar dos menores de idade predomina sobre a autoridade dos pais para acomodarem a conduta dos filhos às suas próprias convicções morais.A jurisprudência adotada pelos tribunais norte-americanos ilustra bem o que aqui se aponta como uma tendência no tratamento conferido à questão também por outros países, como Canadá, Austrália, Itália e Alemanha. De fato, o que se nota nestes países é que a recusa à transfusão de sangue por motivos religiosos é considerada como uma conduta amparada pela liberdade religiosa, uma vez que resulta de uma decisão tomada a partir de uma consciência individual que deve ser respeitada pelo Estado. Nota-se também que, metodologicamente, este é apenas um ponto de partida para se alcançar a solução jurídica adequada, cabendo ainda verificar peculiaridades que se fazem presentes nos casos concretos, como o fato de o cidadão que recusa o tratamento ter ou não filhos, ou ser adulto incapaz ou encontrar-se momentaneamente incapacitado de manifestar sua vontade, ou ser uma criança ou um adolescente, etc. Todos estes são aspectos que devem ser levados em consideração na interpretação constitucional e que podem conduzir a resultados diversos. Nesse sentido, o que se tem verificado, grosso modo , é que a decisão pela recusa à transfusão de sangue só estaria amparada pela liberdade religiosa caso fosse tomada por um adulto, plenamente capaz e no gozo de suas faculdades mentais, e quando este fosse o próprio paciente. Nos demais casos, e justamente por envolver o bem jurídico vida – quando não a vida de outro (o filho ou o cônjuge) –, nota-se que a postura adotada pelos países citados, seja em sede jurisdicional, seja em sede legislativa, é no sentido de não permitir a recusa ao tratamento médico. [...]Por outro lado, é importante ressaltar que a prevalência da vontade do paciente, quando esta resulta ou pode resultar em sua própria morte, é necessariamente dependente da verificação das condições que permitem assegurar o caráter consciente e autônomo desta decisão. A recusa ao tratamento de transfusão de sangue, portanto, não deverá prevalecer quando o paciente for menor ou incapaz ou não estiver no gozo de suas faculdades mentais. Pode-se ainda cogitar, recorrendo ao exemplo norte-americano, da hipótese de não se reconhecer como legítima a recusa quando da existência de filhos dependentes que seriam deixados pelo enfermo, caso a recusa a tratamento

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médico levasse à sua morte. [...]Os casos que envolvem menores não parecem encontrar maiores polêmicas, devendo-se impor o tratamento ainda que contra a vontade dos pais. É que neste caso não há propriamente uma decisão autônoma, madura e consciente tomada pelo paciente a ser respeitada, nem a vontade dos pais poderia substituí-la, por conta das conseqüências decorrentes da recusa ao tratamento médico. Ademais, como recordam Maria de Fátima e Ana Carolina Brochado, "não se sabe se, no futuro, os filhos seguirão a religião na qual foram criados", cabendo assim ao médico "realizar os procedimentos que o caso requeira, com ampla liberdade e independência". (Destaquei.)

Em assim sendo, reputo típica, ilícita e culpável a conduta dos pacientes, porquanto, não fosse a ação por eles empreendida, os médicos responsáveis pelo pronto atendimento teriam levado a efeito a transfusão sanguínea na adolescente e muito provavelmente salvado sua vida. E assim não o fizeram, única e exclusivamente, por força do incisivo comportamento dos pais da menina, que, além de recusar o tratamento, anuíram à intervenção do médico da família, que constrangeu e ameaçou processar os profissionais da saúde que ousassem salvar a vida da menor com o procedimento recomendado para a situação emergencial daquele momento.

A propósito, refuto a tese da assunção do domínio, trazida pela defesa, pois aos médicos não foi cedida a vida da menor, de modo que não se encontravam na posição de garantes, uma vez que não adquiriram o domínio da confiança para realizar o que julgavam necessário. Houve, em verdade, choque de interesses, não havendo que se falar em responsabilidade exclusiva, mas concorrente, dos médicos.

A argumentação para a exclusão dos pacientes da ação penal também é assentada, em viés humanitário – sempre louvável, registro –, na amargura em que se encontram, na qualidade de pais da vítima. No entanto, pergunto-me se esse sentimento de pesar em relação à vítima afasta a conduta humana responsável por seu óbito. Aqueles que tinham o dever natural, legal (no nível constitucional) e moral de protegê-la abstiveram-se de agir, em nome da crença religiosa professada.

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O viés humanitário, neste caso, deve se voltar integralmente ao sofrimento vivido pela criança que, nos instantes finais de sua vida, padeceu desprotegida, objeto de disputa entre a ciência e a religião, entre a razão e a fé.

Preciso, outrossim, fazer algumas observações a respeito da argumentação trazida no brilhante voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

O voto da Ministra Relatora se socorre de decisões proferidas por tribunais de outros países, que abrigariam a prevalência do direito à liberdade de consciência em casos similares ao dos autos. Entretanto, a leitura desses julgados não autoriza tal conclusão.

Deveras, o primeiro aresto referido no voto provém da justiça argentina e faz menção ao caso de uma senhora de 74 anos, atropelada por um ônibus coletivo. Por professar a religião Testemunhas de Jeová, negou-se a receber transfusão de sangue, tal qual prescrito pelos médicos, vindo a falecer, preservada, assim, sua vontade livremente manifestada aos profissionais de saúde.

O outro caso, da justiça uruguaia, também diz respeito a uma mulher, esta de 46 anos de idade, que igualmente alegou sua condição de Testemunha de Jeová para rejeitar a transfusão.

O caso importado da Inglaterra, trazido como exemplo de situação semelhante à deste writ – por se cuidar de um adolescente – também não serve de paradigma, pois se refere a um jovem, seguidor da multicitada religião, que, ferido em acidente de automóvel, expressamente afirmou aos médicos, antes de falecer, que não desejava receber transfusão de sangue, sendo certo não ter havido intervenção, positiva ou negativa, de seus familiares.

O único caso que realmente ostenta similitude ao presente – mas em sentido contrário ao perfilado nos votos até aqui colhidos – foi o ocorrido na Austrália, país em que o Poder Judiciário ordenou, como dito no voto da Relatora, fosse realizada a transfusão de sangue em um jovem de 17 anos acometido de grave doença (Mal de Hodgkin), a despeito da opção religiosa. Decidiu a Suprema Corte australiana que, em tal idade, a vontade do adolescente não autorizaria a omissão médica. Repito as palavras da Corte: “O interesse do estado é de conservá-lo [o jovem] vivo até o tempo [em que completar 18 anos], após o que ele estará livre para fazer suas próprias decisões em relação ao tratamento médico. O interesse do estado em preservar a vida é com o máximo respeito a crianças e jovens que são inerentemente vulneráveis, Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 4 2 de 64

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em vários graus” (tradução livre).

Também entendo não se amoldar à situação sob julgamento o invocado princípio da autonomia, “pelo qual é de se respeitar as decisões do paciente, concernentes ao tratamento a ser manejado”, porque não estamos, na espécie, cuidando de opção livre de pessoa capaz de decidir sobre seu destino, mas de deliberação tomada por aqueles que sobre ela exerciam o poder familiar, seus pais. O próprio excerto de obra de bioética citada no voto bem esclarece que “o respeito à autonomia requer que se tolerem crenças inusuais e escolhas das pessoas desde que não constituam ameaça a outras pessoas ou à coletividade”.

Eis o ponto nodal da questão, prezados pares, que destaquei na citação da obra coletiva referida no voto em apreço: as opções individuais, inclusive relativas à própria saúde ou mesmo à própria vida, hão de ser respeitadas, mormente quando abrigadas em direito ao livre exercício de crença religiosa. O princípio da autonomia, entretanto, não permite, como o próprio ensaio explicita, que as escolhas individuais interfiram na saúde ou na vida de terceiros, máxime – acrescento – quando o terceiro é uma adolescente incapaz, por lei e por natural imaturidade psíquica, a tomar decisão tão vital.

Faço recordar que, em complemento à norma do artigo 1.634 do Código Civil, o artigo 4º da Lei n. 8.069/90, plasmando a proteção integral determinada pelo Constituinte à criança e ao adolescente, é claro ao situar em primeiro plano a família como a entidade de quem deve ter assegurada, com absoluta prioridade, a efetivação dos seus direitos à vida e à saúde, O parágrafo único desse dispositivo é ainda mais incisivo, ao prever que a garantia de prioridade compreende “a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;” Mais ainda, determina, no artigo 5º do ECA, que “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência (...) punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Pelas mesmas razões também não considero possível estender ao caso vertente o escólio, sempre lúcido e aprofundado, de Luiz Roberto Barroso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, que assere – após ressaltar o dever de respeito à crença religiosa como uma “escolha existencial a ser protegida” – que “a transfusão compulsória violaria, em nome do direito à saúde ou do direito à vida, a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República brasileira”. Digo que tal ensinamento não se estende ao presente caso porque me parece estar Sua Excelência referindo-se à opção individual de Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 4 3 de 64

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quem, plenamente capaz de se autodeterminar, manifesta o desejo de não receber, em seu corpo – e não no corpo de terceira pessoa, menor de idade – o sangue de outrem.

Feito esse registro, reputo que o direito de recusa à transfusão sanguínea, por motivo de crença religiosa – que também está longe de ser absoluto –, esbarra no direito à proteção integral e absoluta da adolescente. Esse, apesar de não constar do rol do artigo 5º da Constituição Federal, deriva diretamente de diversos direitos ali positivados e é reconhecido como direito fundamental.

A manifestação da vontade da menor, por óbvio, foi suprida pela vontade dos pais, na qualidade de representantes legais. Entretanto, não poderiam haver disposto de sua vida, em decorrência do princípio constitucional de dever de proteção, que os regia.

Lembre-se que a técnica utilizada para solucionar colisão aparente de princípios é a da ponderação de bens ou de direitos. Aqui, concluo pela máxima observância do direito à vida – dado o risco iminente de morte da adolescente – com o mínimo de sacrifício do direito à liberdade religiosa. Ou seja, o parâmetro a ser tomado, nesses casos, dever ser sempre o real perigo de perdimento da vida, que, saliente-se, não podia ser contornado por tratamento alternativo não invasivo.

Acerca da natureza não absoluta do direito à liberdade religiosa, lembro, ainda, que o artigo 18 do Decreto n. 592/1992 (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York) assim dispõe:

ARTIGO 181. Toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino.2. Ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha.3. A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas à limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.

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4. Os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções. (Destaquei.)

A essência da norma inserta nesse dispositivo, na lição de Othon Moreno de Medeiros ALVES (Liberdade Religiosa Institucional: Direitos Humanos, Direito Privado e Espaço Jurídico Multicultural. Fundação Konrad Adenauer. 2008. Disponível em http://www.kas.de/wf/doc/kas_16285-1522-5-30.pdf?090519171726.) revela que:

É geralmente aceito pela doutrina internacional que a liberdade religiosa é ilimitada apenas no sentido da crença pessoal. Ou seja, a consciência religiosa, inclusive em sua manifestação pública, não pode ser limitada. No entanto, a conduta do indivíduo pode estar sujeita à incidência de normas penalizadoras, especialmente de normas de Direito Penal, mesmo que decorrentes de profundas convicções religiosas. Na sua manifestação social, portanto, a crença confessional pode entrar em conflito com normas de convivência que limitem condutas compreendidas como socialmente indesejáveis. Verifica-se, pois, que a análise jus-sociológica da liberdade religiosa abrange dois pontos diversos: a liberdade de consciência, irrestrita, e a liberdade de conduta, que pode ser excepcionalmente restringida.

Esse pensamento foi expresso com bastante profundidade no voto condutor do acórdão proferido na ADPF 54/DF, da relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO do Supremo Tribunal Federal, publicado no DJe 30.4.2013:

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do

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Código Penal.

O trecho do voto dispensado à laicidade do Estado é de fundamental clareza para externar o entendimento formado neste caso. Ao proferir o voto, referido Relator assim consignou:

[...]Nesse contexto, a Constituição de 1988 consagra não apenas aliberdade religiosa – inciso VI do artigo 5º –, como também o caráter laicodo Estado – inciso I do artigo 19. Citados preceitos estabelecem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;[...]Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federale aos Municípios:I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,na forma da lei, a colaboração de interesse público;[...]

A partir daí o Relator fez uma digressão acerca da expressão "sob a proteção de Deus" contida no preâmbulo da atual Constituição, que expressamente aludiu à religião cristã, e assim prosseguiu:

A despeito de tais opiniões, essa não foi a posição abraçada por este Supremo quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.076/AC, da relatoria do Ministro Carlos Velloso [18]. Na ocasião, o Tribunal explicitou que a menção a Deus carece de força normativa, conforme se depreende da ementa:

CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro,

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mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Naquela assentada, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence asseverou que a “locução ‘sob a proteção de Deus’ não é norma jurídica, até porque não se teria a pretensão de criar obrigações para a divindade invocada. Ela é uma afirmação de fato jactanciosa e pretensiosa, talvez – de que a divindade estivesse preocupada com a Constituição do país”[19].Conclui-se que, a despeito do preâmbulo, destituído de força normativa – e não poderia ser diferente, especialmente no tocante à proteção divina, a qual jamais poderia ser judicialmente exigida –, o Brasil é um Estado secular tolerante, em razão dos artigos 19, inciso I, e 5º, inciso VI, da Constituição da República. Deuses e césares têm espaços apartados. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro.[...]Vê-se, assim, que, olvidada a separação Estado-Igreja, implementou-se algo contrário ao texto constitucional. A toda evidência, o fato discrepa da postura de neutralidade que o Estado deve adotar quanto às questões religiosas. Embora não signifique alusão a uma religião específica, “Deus seja louvado” passa a mensagem clara de que o Estado ao menos apoia um leque de religiões – aquelas que creem na existência de Deus, aliás, um só deus, e o veneram –, o que não se coaduna com a neutralidade que há de ditar os atos estatais, por força dos mencionados artigos 5º, inciso VI, e 19, inciso I, da Constituição da República. Desses dispositivos resulta, entre outras consequências, a proibição de o Estado endossar ou rechaçar qualquer corrente confessional. Consigno, para efeito de documentação, que ao término de 2011, o Ministério Público intercedeu objetivando esclarecimentos sobre a matéria. Porém, não houve, até aqui, desdobramento sob o ângulo da efetiva impugnação.A laicidade estatal, como bem observa Daniel Sarmento, revela-se princípio que atua de modo dúplice: a um só tempo, salvaguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva do Estado nas respectivas questões internas – por exemplo, valores e doutrinas professados, a

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maneira de cultuá-los, a organização institucional, os processos de tomada de decisões, a forma e o critério de seleção dos sacerdotes e membros – e protege o Estado de influências indevidas provenientes da seara religiosa, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático – no qual estão investidas as autoridades públicas – e qualquer igreja ou culto, inclusive majoritário[21].[...]Se, de um lado, a Constituição, ao consagrar a laicidade, impede que o Estado intervenha em assuntos religiosos, seja como árbitro, seja como censor, seja como defensor, de outro, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais. Vale dizer: concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e espiritual – ou a ausência dela, o ateísmo – serve precipuamente para ditar a conduta e a vida privada do indivíduo que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado. Não podem a fé e as orientações morais dela decorrentes ser impostas a quem quer que seja e por quem quer que seja. Caso contrário, de uma democracia laica com liberdade religiosa não se tratará, ante a ausência de respeito àqueles que não professem o credo inspirador da decisão oficial ou àqueles que um dia desejem rever a posição até então assumida.No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510 – na qual se debateu a possibilidade de realização de pesquisas científicas com células-tronco embrionárias –, o Supremo, a uma só voz, primou pela laicidade do Estado sob tal ângulo, assentada em que o decano do Tribunal, Ministro Celso de Mello, enfatizou de forma precisa:

nesta República laica, fundada em bases democráticas, o Direito não se submete à religião, e as autoridades incumbidas de aplicá-lo devem despojar-se de pré-compreensões em matéria confessional, em ordem a não fazer repercutir, sobre o processo de poder, quando no exercício de suas funções (qualquer que seja o domínio de sua incidência), as suas próprias convicções religiosas (grifos no original).

Ao Estado brasileiro é terminantemente vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado

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secular e da liberdade religiosa não param aí – são mais extensas. Além de impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o Estado endosse concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou aquele culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles[23]. A liberdade religiosa e o Estado laico representam mais do que isso. Significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como o direito à autodeterminação, o direito à saúde física e mental, o direito à privacidade, o direito à liberdade de expressão, o direito à liberdade de orientação sexual e o direito à liberdade no campo da reprodução. (Destaquei.)

II.

A conclusão alcançada até o momento neste julgamento é no sentido de que a simples manifestação de vontade contrária ao tratamento não configurou ação suficiente para impedir os médicos – esses, sim, responsáveis pelo resguardo da vida da paciente – de fazer a transfusão.

Da leitura que faço dos votos já lançados, entendi que, apesar da concordância quanto à proteção prioritária, absoluta e integral da adolescente, devendo sua vida prevalecer sobre a liberdade de escolha por crença religiosa, estavam os médicos obrigados a ultrapassar a vontade eleita pelos pais. Restou compreendido, portanto, que os médicos que ministraram a internação da menor falharam ao não empregar, a despeito dos empecilhos criados, a única alternativa de que dispunham para salvá-la, a transfusão.

A menina Juliana padecia da doença conhecida como anemia falciforme, uma moléstia congênita caracterizada pela má formação das hemácias, que assume forma semelhante a foices, causando deficiência no transporte de oxigênio e gás carbônico nos indivíduos acometidos pela doença (http://pt.wikipedia.org/wiki/Anemia_falciforme). Uma doença própria do sangue.

Os pais, naturalmente, deviam ter pleno conhecimento de causas, sintomas, formas de tratamento, riscos e consequências da enfermidade, ao ponto de antever a necessidade de eventual transfusão.

Chegou, então, o momento limite, em que o organismo da Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 4 9 de 64

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menina foi acometido das complicações inerentes à doença, e ela foi encaminhada ao hospital, onde, apesar dos esforços dos médicos, que esclareceram ser a transfusão a única chance de salvar a vida da filha, os pacientes recusaram o tratamento.

O ponto nodal da discussão é aferir se a conduta perpetrada pelos acusados concorreu para o evento morte. Entendo, sim, que a conduta foi relevante e decisiva para contribuir com o resultado.

Com todo o respeito às teses anteriormente lançadas, dizer que a ação dos pacientes não impediu efetivamente o tratamento recomendado, ou que não interferiu na omissão dos médicos que a atenderam, não me parece razoável.

A denúncia é clara e precisa:

O quadro da paciente agravava-se cada vez mais e uma das médicas do Hospital estava prestes a conseguir a autorização do pai da adolescente, Hélio, para que se fizesse o procedimento.Ocorre que a genitora da vítima, lldelir, comunicou o fato a José Augusto, médico e adepto da mesma seita, em busca de orientação como proceder. Este compareceu ao Hospital e ostentando a condição de membro da "Comissão de Ligação com Hospitais das Testemunhas de Jeová", influenciou os genitores da vítima a não concordar com a transfusão e intimidou os médicos presentes, ameaçando processá-los judicialmente caso efetuassem-na contra a vontade dos pais da paciente. Durante todo o tempo, os genitores da adolescente foram alertados que não havia outra alternativa à transfusão, caso desejassem salvar a vida da filha. Em resposta, declaravam que preferiam ver a filha morta a deixar ela receber a transfusão, pois se isso ocorresse ela não iria para o Paraíso, lldelir chegou a assinar por escrito uma declaração (fls. 116) onde assume qualquer responsabilidade decorrente da recusa da transfusão sangüínea.Enfim, após inúmeras tentativas frustradas de convencimento dos pais da vítima, esta veio a falecer entre 4h10min. a 4h20min. do dia 22 de julho de 1993, em conseqüência de assistolia ventricular, crise vásculo oclusiva e anemia falciforme (fls. 73).Com tal conduta, os denunciados, para supostamente salvaguardar a salvação espiritual da vítima, impediram o procedimento médico adequado ao caso, concorreram para a sua morte e assumiram o risco pelo triste evento." (fls. 38/39).

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Da simples leitura desses excertos, verifico que a conduta dos pacientes, de fato, não foi voltada ao resultado morte, até o momento em que buscaram socorro e tratamento, levando a vítima ao hospital. Contudo, a partir do instante que foi esclarecida a falta de alternativa, a linha de ações desdobrou-se para a aceitação do evento letal, na medida em que fizeram a opção pela convicção religiosa em detrimento da vida de sua filha.

A concretização dessa vontade não poderia ser mais clara com a já citada frase: "preferiam ver a filha morta a deixar ela receber transfusão, pois se isso ocorresse ela não iria para o Paraíso." (fl. 38).

Para tornar o debate ainda mais consistente, transcrevo os seguintes trechos da decisão de pronúncia, por considerar de crucial importância para absorver a dinâmica dos fatos, desde a entrada da vítima no hospital até o momento de sua morte. Os seguintes excertos da referida decisão que encerrou o iudicium accusationis descrevem os esforços da equipe médica em efetuar a transfusão, diante da clara objeção dos pais:

A materialidade do crime de homicídio é incontroversa e, restou demonstrada pelos documentos de fls. 74, 77, 117 a 126, 143 e pelo laudo de exame necroscópico de fls. 589.Além da prova documental acima citada, existem as provas testemunhais de fls. 349/361 a 379/380.A testemunha Denize, médica, declarou que os acusados, Hélio e Ildelir, pais da vítima, na noite que antecedeu o óbito, não consentiram que fosse realizada a transfusão de sangue. Afirmou em seu depoimento que: "... a acusada Ildelir me declarou que se sua filha tomasse o sangue de outra pessoa não iria mais para o paraíso." Informou também que o co-réu José Augusto lhe fez ameaças de que iria processá-la caso procedesse a transfusão.A testemunha Milton, declarou que foi chamada pela Dra. Denize para atender a vítima que estava internada, quando presenciou a co-ré Ildelir, se negar a permitir que sua filha recebesse a transfusão. Saiu a procura do genitor, co-réu Hélio, e no caminho ao hospital, conversando com o pai da vítima, praticamente o convenceu em aceitar a transfusão sanguínea. Porém, chegando ao hospital, o co-réu Hélio ao conversar com sua esposa mudou de idéia, passando a não consentir com a transfusão (fls. 352/353).A testemunha Rosane, médica, declarou que a genitora, co-ré Ildelir, não permitiu a transfusão de sangue na filha. Resolveu, então, conversar com duas técnicas do banco de

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sangue e elas lhe disseram que não conseguiram fazer a transfusão na noite anterior, porque os pais da vítima haviam impedido. A depoente afirma que, por estar perplexa diante daquele situação, achou prudente conversar com um colega mais velho e foi aconselhada a realizar novos exames (fls. 354/355).A testemunha Sílvia, médica, esclareceu que esteve no quarto do hospital para examinar a vítima e conversou com sua genitora, a co-ré Ildelir, e esta lhe disse que não permitiria a transfusão de sangue em sua filha (fls. 356/357).A testemunha Marcos, médico, esclareceu que orientou, por telefone seu colega Jaime que deveria ser realizada uma transfusão de sangue na vítima. No dia seguinte, ficou sabendo que não foi realizada a transfusão diante do impedimento dos pais da paciente (fls. 358/359)" (fls. 44-45). Destaquei.

Ainda que também contrária ao Direito e à Medicina, a conduta dos médicos que realizaram o atendimento da adolescente se viu turbada pela escolha em, de um lado, fazer o que o dever ético e jurídico lhes impunha, e de outro, assumir o risco de sofrer as consequências das ameaças recebidas. Provavelmente vieram-lhe à memória casos de ações judiciais, de natureza cível e penal, sofridas por médicos e hospitais, em virtude das quais têm de responder pelos danos morais causados aos fiéis ou pelos crimes de lesão corporal e constrangimento ilegal, respectivamente descritos nos arts. 129 e 146, ambos do Código Penal.

É certo que o artigo 146, § 3º, inciso I do Código Penal torna atípica a conduta do médico que realiza procedimento terapêutico ou cirúrgico, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada pelo iminente risco de morte. Mas, daí a deslocar a integral responsabilidade pela morte da menina para os profissionais envolvidos no seu tratamento não se afigura correto, pois a ação dos ora pacientes teve relevância no desdobramento da cadeia de condutas concorrentes para a produção do resultado do evento criminoso. Assevero que os médicos não apenas tiveram de lidar com a recusa do tratamento, mas também com as ameaças de serem processados judicialmente, se levassem o procedimento a efeito.

Diante da situação fática vivida pelos envolvidos, julgo relevante a conduta dos acusados para a concretização do evento morte, pois os médicos não hesitariam em aplicar a única alternativa restante para salvar a adolescente, houvessem os pais consentido no tratamento indicado.

Insisto: os pacientes deliberadamente anteviram e assumiram

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o risco do evento morte, ainda que, obviamente, não o desejassem. Quanto aos médicos, mesmo que o dever deontológico os vinculasse à intervenção profissional, viram-se, consoante descrito na denúncia, coagidos e ameaçados pelo corréu e pelos pacientes, de modo a retardar a possibilidade de qualquer intervenção. E, em face da tardança da ação médica – que efetivamente não houve – a morte de Juliana se deu poucas horas depois de seu atendimento inicial.

Reconhecer que os médicos tentaram realizar o procedimento e não o fizeram por determinação dos pais e, ao mesmo tempo, entender que a conduta dos pacientes de nenhum modo concorreu para o evento morte, não se identifica como um raciocínio compatível e harmônico com o Direito Penal.

Ora, inibitória é exatamente do que se pode adjetivar a ação dos ora pacientes.

Divirjo, assim, da conclusão a que chegou também o Ministro Sebastião Reis Júnior, que creditou, com exclusividade, aos médicos que atenderam a adolescente – e não, também, aos seus pais – a responsabilidade pelo falecimento da jovem enferma. Em verdade, o voto-vista não examina a responsabilidade delitiva da conduta dos pais, notoriamente relevante como causa concorrente para a produção do resultado morte.

Insisto: decerto que os médicos que atenderam Juliana Bonfim de Souza incorreram em omissão relevante e determinante para o resultado morte, pois, mesmo com o dissenso, e ainda que ameaçados de serem processados pelos pais da jovem, não poderiam descumprir o dever jurídico (e humano) derivado do juramento de Hipócrates. Como bem assinalado no voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, “ausente alternativa que pudesse tempestivamente colocar a vida da filha dos pacientes a salvo, impenderia aos médicos do hospital, passando por cima de qualquer obstáculo, materializar a intervenção que restasse”.

Mas a pergunta a fazer é: houve alguma interferência humana relevante para o desenvolvimento da cadeia causal omissiva, i.e., para que os médicos deixassem de agir como devido? A resposta, ineludivelmente, é afirmativa. Deixaram eles de agir – realizando a transfusão de sangue, indispensável para salvar a vida de Juliana, como reconhecido no voto da Relatora – porque se sentiram intimidados, constrangidos e ameaçados pelo ostensivo comportamento tanto dos pais da paciente quanto do médico que os acompanhava.

Assim agindo, os pais da vítima – em relação a quem, Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 5 3 de 64

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impende evidenciar, deve ser feita a análise, pois são eles os pacientes neste writ – como também os médicos (tanto o que os acompanhava, quanto os que deveriam realizar a intervenção necessária) contribuíram, de maneira relevante, para que a omissão médica fosse determinante para o trágico evento final. Logo, concorreram, nos termos do art. 29 do Código Penal, para o crime ora em discussão.

Tal lógica é, segundo penso, incontornável.

O tipo de omissão de ação imprópria, como na hipótese dos autos, exige, de acordo com o pensamento de JUAREZ CIRINO dos Santos: “a produção do resultado típico como consequência causal da omissão da ação mandada (...) A relação de causalidade entre resultado e omissão da ação mandada é uma das questões problemáticas da omissão de ação imprópria, porque a ausência de causalidade real na omissão da ação [...] é suprida por uma causalidade hipotética (...): se a realização da ação mandada teria evitado o resultado com probabilidade próxima da certeza, então o resultado é atribuível ao autor (do ponto de vista normativo, é suficiente um juízo de causalidade adequada); em caso contrário, o princípio in dubio pro reo impede a atribuição do resultado.” (Direito Penal, Parte Geral, 4. ed. Florianópolis: Conceito, 2006, p. 200-201, destaquei)

Heleno Cláudio FRAGOSO também orienta que "nos crimes comissivos por omissão, o agente responde pelo resultado, não porque o tenha causado, mas porque não o impediu. A indagação a ser feita é apenas esta: a ação omitida teria evitado o resultado? A resposta somente pode ser dada por um juízo hipotético, e a afirmação somente pode fundar-se na certeza ou em alta probabilidade, próxima da certeza. Em face da definição de nossa lei, podemos dizer que ela equipara o não impedimento à causação, considerando como causa a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, ou seja, quando, através de um juízo hipotético, for possível afirmar que ação esperada, possível e devida, com segurança, teria impedido o resultado.” (Lições de Direito Penal . Parte Geral. 17 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 290-291, destaquei.)

Similar é a opinião dos autores Francisco MUÑOZ CONDE e Cezar Roberto BITENCOURT, em tradução livre:

O delito comissivo por omissão é um delito de resultado, no qual o resultado produzido deve ser imputado ao sujeito da omissão; para isso deve-se buscar um critério que permita equiparar a omissão à causação do resultado [...] O que importa na

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imputação de um resultado a uma conduta omissiva ou, se prefere a terminologia clássica, nos crimes comissivos por omissão, é a constatação de uma causalidade hipotética, é dizer, a possibilidade fática que teve o sujeito de evitar o resultado. Se é certo ou, pelo menos muito provável, que, se o sujeito tivesse realizado a ação mandada o resultado não teria sido produzido, então se poderá indagar se cabe também a imputação objetiva do resultado ao sujeito da ação. (Teoria Geral do Delito. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 113, Destaquei.)

É por isso que, para se aferir a causalidade da omissão - ensinam Nelson HUNGRIA e Heleno Cláudio FRAGOSO – deve ser formulada a seguinte pergunta:

Teria sido impedido pela ação omitida o evento subsequente? Se afirmativa a resposta, a omissão é causal em relação ao evento" (Comentários ao Código Penal , 5 ed., vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 69)

Sob outra angulação – e fazendo a ressalva de que o tema haveria de ser enfrentado, com a necessária verticalidade, pelo juiz natural da causa – considero, em face do que consta dos autos, haver indicativos da presença de dolo eventual na conduta dos pais da adolescente vitimada. Faço lembrar, de acordo com a lição de Guilherme de Souza NUCCI (Código Penal Comentado. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 216), que essa espécie de dolo "é a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido, unido ao primeiro." (Destaquei.)

Para corroborar, também me socorrendo da lição de Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI (Manual de Direito Penal Brasileiro V.1. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 430): "Quando uma pessoa planeja a causalidade para obter uma finalidade, faz uma representação dos possíveis resultados concomitantes de sua conduta. Em tal caso, se confia em que evitará ou que não sobrevirão estes resultados, deparamo-nos com um hipótese de culpa com representação (...), mas se age admitindo a possibilidade de que sobrevenham, o caso será de dolo eventual." Destaquei.

De qualquer sorte, cabe ao Tribunal do Júri esmiuçar e definir a conduta dos ora pacientes, com o fim de julgá-los e, se for o caso, Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 5 5 de 64

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aplicar, ou não, a pena cabível aos que assim reconhecerem culpados.

Isso porque, segundo salientado, observo que a denúncia descreveu, com a clareza necessária, qual conduta dos pacientes teria impedido o resultado morte, com probabilidade próxima da certeza.

Por essas razões, o juiz singular considerou que "ao contrário do que postulam as Defesas, verificam-se indícios de que os acusados estariam envolvidos e teriam concorrido para a morte da vítima Juliana Bonfim da Silva no momento em que impediram a realização da transfusão de sangue, circunstância que deverão ser melhor analisadas pelo Juiz Natural do processo" (fl. 46), motivo pelo qual pronunciou os pacientes, a fim de submetê-los a julgamento perante o Tribunal do Povo.

Conforme entendimento cediço, a pronúncia consubstancia um mero juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual basta que o juiz esteja convencido da materialidade do delito e de indícios suficientes da autoria ou de participação, consoante o disposto no artigo 413 do Código de Processo Penal.

Assim, consoante observou o juiz de primeiro grau, "considerando que na pronúncia, há um mero juízo de prelibação, pelo qual o juiz admite a acusação sem penetrar no exame do mérito, não é possível um exame mais aprofundado da prova, tampouco fazer qualquer menção as agravantes, a fim de preservar o campo de atuação soberana dos jurados." (fl. 46).

Isso significa que, provada a materialidade do delito e havendo indícios suficientes de autoria, o julgamento pelo Tribunal Popular somente pode deixar de ocorrer, caso se verifique ser manifestamente improcedente a acusação, o que, consoante se viu, não é o caso dos autos.

Assim, entendo que caberá ao Conselho de Sentença, juiz natural da causa, decidir, com base nos elementos fático-probatórios amealhados aos autos, se a ação dos pacientes teria concorrido para o resultado morte, sob pena de invadir a competência constitucional do Tribunal do Júri.

Em outros termos, entendo que não cabe a este Superior Tribunal, sobretudo nesta via estreita do habeas corpus , proceder a um aprofundado exame do mérito, porquanto, em respeito ao princípio do in dubio pro societate e ao disposto no inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, a tese de que a conduta dos pacientes não teria sido penalmente Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 5 6 de 64

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relevante deverá ser analisada pelo Tribunal do Júri.

A Corte de origem, por meio do voto condutor do acórdão do recurso em sentido estrito, no que foi corroborado pelo julgado dos embargos infringentes, também consignou (fls. 51-54):

[...] É certo que a digna sentenciante confirma a existência da . relação de causalidade porque, "no momento em que os réus impediram a transfusão de sangue, a vítima veio a falecer" (fls. 602). Mas, data venia, a assertiva não é correta: o tratamento poderia, talvez, ter salvo a vida da menor, mas é ponto incontroverso entre os depoentes e nos laudos médicos (nem haveria necessidade deles, na verdade: é fato da vida) que não havia certeza disso. Friso, ainda, que não se trata de avaliar a causalidade fática, pura e simplesmente - ou seja, causalidade no sentido em que se tem de admitir que, se o vendedor de armas não tivesse vendido o revólver, o crime não teria sido cometido. Cuida-se, isto sim, da causalidade jurídica, atualmente, talvez com mais propriedade - embora não necessariamente com maior precisão-, chamada de "imputação objetiva". Um bom princípio para a resposta é dado pelo, culto procurador de justiça Gilberto de Angelis, em seu brilhante parecer (fls.736/747. Diz ele que "[o] nexo causal não pode ser excluído, na conta de que a conduta dos acusados representou indiscutível condição ao advento da morte da vítima. A recusa em dar consentimento constituir evento relevante que, tivesse ocorrido, por certo evitaria o resultado" (fls. 746). E, para a confirmação da existência do dolo eventual, não se exigem mais do que duas condições: o conhecimento concreto dos fatos e a aceitação das possíveis conseqüências. Como bem sintetiza Claus Roxin, "(quem inclui em seus cálculos a realização de um tipo por ele reconhecida como possível, se que isso o dissuada de seu plano, decidiu-se conscientemente - ainda que apenas para o caso eventual e amiúde contra suas próprias esperanças de evitá-lo - contra o bem jurídico protegido pelo tipo correspondente" (Derecho Penal-Parte Geral, tomo I, Editorial Civitas-Madri, 1.a ed.,. 1997, pág. 425).Pois bem. Posto isto, nada mais é necessário para mostrar o acerto da r. sentença. Porque, com todo o respeito, creio que a conversão em diligência determinada por esta Colenda Corte (fls. 858/86) foi desnecessária: se houve ou não a transfusão; quando, eventualmente , se deu; quem a realizou, como se procedeu a ela e por ordem de quem (fls. 860) são questões

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fáticas, que, em sua maioria - como se provou pelo resultados das diligências - já tinham respostas nos autos, ou eram impossíveis de responder. (O mesmo se diga, aliás, das repostas dos quesitos das partes). E pouco importa o fato de a maioria me parecer de pouca ou nenhuma importância no deslinde da causa, a relevância delas, de toda a sorte, tinha de ser decidida pelos jurados, e não por esta Turma Julgadora.Em síntese, há evidências bastantes de que os apelantes se opuseram firmemente a uma transfusão de sangue; pudesse ou não esse tratamento ser realizado sem seu consentimento, parece certo que a conduta deles quando menos retardou o tratamento, está comprovada, por laudo necroscópio, a morte da vítima. É dizer; há prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria e da participação; mais do que isto não se exige para a pronúncia (Código de Processo Penal, art. 413). Se, por exemplo, a prova da efetiva oposição dos apelantes ao tratamento é satisfatória ou não, é algo que cabe aos jurados decidir.É possível, e faço minhas as palavras do eminente Des. Cerqueira Leite, no habeas corpus impetrado pelo apelante José Augusto, que este tenha agido apenas 'sobre o ânimo dos genitores da ofendida e não de molde a intimidar os médicos' [...]. O que se quer dizer é: já que parece fora de dúvida que tanto a lei penal quanto o código de ética médica autorizam a transfusão, em caso de iminente perigo de vida, independentemente do consentimento de quem quer que seja, é bem possível tenha havido culpa do hospital, que não só poderia como deveria ter realizado, de qualquer forma, o tratamento.Todavia - repito a existência, ou não, de prova efetiva da oposição ao tratamento; se essa oposição, caso tenha ocorrido, foi ou não essencial, de alguma forma, à não realização ou à demora do tratamento; se essa demora foi não concausa essencial à morte da vítima - são, essas, questões de aprofundada análise da prova. Questões, portanto, que cabe ao corpo de jurados decidir. Não se olvida a dramaticidade do fato; não se menospreza a dor dos pais e do outro apelante, amigo da família; muito menos se despreza a circunstância, que me parece bem clara, de que culpa muito maior (embora talvez não penal) reside na insegurança demonstrada pelo hospital no tratamento que, repito, poderia e deveria, objetassem os pais ou não, ser realizado.São essas, todavia, circunstâncias que não podem impedir a aplicação da lei à questão de que aqui Se trata. E a lei é clara: tratando-se, como se trata, de questões fáticas de que existem

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indícios bastantes de autoria, não resta senão deixar a solução a cargo do corpo de jurados. Não hesito em afirmar que outra seria a solução, se se tratasse do exame, desde logo, do mérito da questão. Mas, ressalto ainda uma vez, cuida-se, aqui, de mero juízo de admissibilidade, e a meu ver impõe-se, acima do respeito á dor dos pais (e, sem dúvida, a do amigo do casal), o respeito à competência constitucionalmente assegurada ao Tribunal do Júri.

III.

Há quem vislumbre, em casos como este, a aplicação de eventual perdão judicial, dado o tão grave sofrimento vivenciado pelos pais da vítima, apto a ensejar a inutilidade da função retributiva da pena.

Caberá, conforme largamente explicitado, ao juízo competente, caso também entenda pela inutilidade da reprimenda penal, o emprego do referido instituto despenalizador.

Não obstante, pessoalmente considero que a justa, devida e proporcional responsabilização penal pelo crime perpetrado deve ser levada a termo, uma vez que, na hipótese dos autos, remanesce, ao meu ver, a função preventiva da pena.

Santiago MIR PUIG (El Derecho penal en el Estado Social y Democratico de Derecho . Barcelona: Bosch, 1994, p. 118-120) bem enfatiza, entre outros aspectos relativos ao tema, a distinção entre a retribuição e a prevenção como objetivos primordiais da sanção criminal. Sublinhando a necessidade de prevalência do caráter preventivo da pena, aduz o penalista catalão que "se a retribuição visa ao passado e se esgota no castigo pelo fato, a prevenção visa ao futuro e objetiva inibir, mediante a cominação da pena, o cometimento de delitos".

Conforme orienta Rogério GRECO (Curso de Direito Penal. Parte Geral, Volume 1, 15. ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 477):

[...] por meio da prevenção geral negativa ou prevenção por intimidação, o Estado se vale da pena por ele aplicada a fim de demonstrar à população, que ainda não delinquiu, que, se não forem observadas as normas editadas, esse também será o seu fim. Dessa forma, o exemplo dado pela condenação daquele que praticou a infração penal é dirigido aos demais membros da sociedade.Com base nessa finalidade preventiva, considerando-se a forma

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como é operada, bem como os efeitos que se procuram produzir, as críticas com relação à prevenção por intimidação, segundo Hassemer, giram em torno dos seguintes pontos:

'A intimidação como forma de prevenção atenta contra a dignidade humana, na medida em que ela converte uma pessoa em instrumento de intimidação de outras e, além do mais, os efeitos dela esperados são altamente duvidosos, porque sua verificação real escora-se, necessariamente, em categorias empíricas bastante imprecisas, tais como:- o inequívoco conhecimento por parte de todos os cidadãos das penas cominadas e das condenações (pois do contrário o Direito Penal não atingiria o alvo que ele se propõe) e- a motivação dos cidadãos obedientes à lei e assim se comportarem precisamente em decorrência da cominação e aplicação de penas (pois do contrário o Direito Penal como instrumento de prevenção seria supérfluo).'

Também não escapou à crítica dos juristas o critério de prevenção especial positiva ou ressocialização. A finalidade, segundo essa concepção, é a de recuperar o condenado, fazendo sua reinserção na sociedade.[...]Na verdade, mesmo que passível de críticas, os critérios preventivos ainda poderão servir à sociedade, bem como ao agente que cometeu a infração penal, principalmente no que diz respeito à prevenção especial ou à ressocialização do condenado. Devemos entender que, mais que um simples problema de Direito Penal, a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. (Destaquei).

Na lição de Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIRANGELI (Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral, 10. ed. São Paulo: RT, 2013, p. 105), a questão é aprofundada, em relação à prevenção especial, da seguinte forma:

[...]c) Posto que cada delito tem um significado social diferente e que a criminalização é produto de um processo seletivo, a prevenção especial penal não pode ser rígida, mas deve traduzir-se em uma pluralidade de objetivos concretos, que devem adequar-se cada situação real. Socialmente, cada criminalização é uma forma de manifestar um conflito e cada conflito tem particularidades próprias. A prevenção especial deve ser um meio prático de resolver tais conflitos, pois toda rigidez apodíctica tende a cair na ficção e a mascarar o conflito.

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d) A plasticidade da prevenção especial penal deve permitir uma pluralidade de soluções que possibilite selecionar o sentido mais adequado às características do conflito manifestado na criminalização.O § 6º do art. 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que a finalidade essencial das penas privativas de liberdade deve ser 'a reforma e a readaptação social dos condenados'. Em geral, podemos afirmar que estes objetivos são os de toda prevenção especial penal que se dirija ao criminalizado [...].Se a finalidade da prevenção especial fosse somente a de conseguir que os criminalizados não voltem a delinquir, a medida da pena seria a medida da periculosidade: quanto mais inclinação ao delito mostrasse um indivíduo, maior seria a privação de bens jurídicos que seria objeto a ser logrado a título de prevenção. [...]. Não obstante, isto não ocorre assim, porque embora a prevenção especial deva ter por objeto conseguir que os apenados não voltem a delinquir, não podemos esquecer que este objetivo deve ser por sua vez um meio para promover a segurança jurídica. (Destaquei.)

Postas as ideias, destaco que a doutrina não aborda o tema voltando-se para um caso peculiar como o dos autos. A exegese é, sempre, focada na criminalidade de rua, nos sujeitos ativos mais suscetíveis à prática de delitos, na função da pena dentro da política criminal.

Um caso como este é raríssimo e, em um primeiro momento, parece não merecer punição.

Na linha dos excertos doutrinários transcritos, ressalto que não se pretende tornar os ora pacientes um exemplo para a sociedade, de modo a aplicar-lhes uma pena exemplar, o que atentaria contra a dignidade humana. Muito menos se pretende puni-los para que se afastem de suas crenças ou que, em visão simplista, para que se “ressocializem”, mesmo porque nada revela tratar-se de pessoas socialmente desajustadas e tampouco perigosas ao convívio humano. Aliás, talvez até, dado o tempo já transcorrido, nem mais se alcance qualquer punição concreta, ante a perspectiva – se eventualmente condenados pelo Tribunal Popular – de ser a conduta alcançada pela prescrição.

Entretanto, a não responsabilização penal dos pacientes – tal qual sinalizado até o momento – consubstancia mensagem negativa muito clara a toda a sociedade: a de que dogmas inerentes a uma religião ou crença religiosa hão de prevalecer sobre o direito à vida e que a norma penal, em casos que tais, desprotege pessoas que não podem – por incapacidade momentânea ou Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 6 1 de 64

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natural – fazer opção livre sobre seu próprio destino. A prevenção geral (negativa e positiva) da função punitiva restaria, assim, totalmente neutralizada.

IV.

Por fim, uma reflexão.

Eximir os Testemunhas de Jeová de responsabilidade penal em casos como o ora julgado significa conceder-lhes uma blindagem penal que o Estado, por ser laico e sedimentado no Direito, não permite.

Em verdade, é de indagar-se: como a Justiça distribuiria tratamento igualitário, se membros de religiões distintas buscassem por direitos das mais diversas naturezas, incluindo, por que não, a descriminalização de uma conduta que, não fosse o embasamento religioso, típica seria? Como seria lidar com as crenças individuais, legitimamente fundadas em seus respectivos textos sagrados, perante um caso concreto em que um direito fundamental haja sido violado?

Conquanto as religiões disponham cada qual de caminhos para a alcançar a vida após a morte, por meio de cultos, hábitos e práticas, a nenhuma delas é dado, sem a respectiva responsabilização, impor sua fé em detrimento da saúde ou integridade física de terceiros. Na hipótese dos autos, o referido fundamento foi ultrajado, na medida em que uma adolescente ficou descoberta da proteção legal que lhe era devida pelos pais, e teve a vida ceifada em decorrência, sim, de embate causado entre os ora pacientes e os médicos que lhe assistiram no momento da internação. Tudo, repito, em nome da convicção religiosa.

Dentro desse pensamento, indago: não fossem os pacientes seguidores da religião Testemunha de Jeová, e, por qualquer outra conviccção íntima (que não a religiosa), houvessem recusado determinado procedimento médico que implicasse a morte de sua filha, qual seria o tratamento dado pelo Direito Penal? Penso eu que dúvidas não haveria em responsabilizá-los. O debate não seria, creio, tão profundo e delicado.

A laicidade do Estado não permite esse tratamento desigual.

VI.

À vista do exposto, com a vênia dos eminentes pares que me Documento: 1293470 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 28/10/2014 Página 6 2 de 64

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antecederam, não conheço do habeas corpus e, examinando seu conteúdo, não identifico constrangimento ilegal que pudesse me levar a, ex officio , conceder a ordem postulada.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2013/0106116-5 PROCESSO ELETRÔNICO HC 268.459 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00003389719938260590 2577213 3389719938260590 993990853540

EM MESA JULGADO: 02/09/2014

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSADVOGADO : ALBERTO ZACHARIAS TORONIMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULOPACIENTE : HÉLIO VITÓRIA DA SILVAPACIENTE : ILDELIR BOMFIM DE SOUZACORRÉU : JOSÉ AUGUSTO FALEIROS DINIZ

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a vida - Homicídio Simples

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz não conhecendo do pedido de habeas corpus, sendo acompanhado pela Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ/SE), a Sexta Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido de habeas corpus, e em razão de empate, prevalecendo a decisão mais favorável, concedeu ordem de ofício, com as observações feitas pela Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura na data de hoje, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz (voto-vista) e Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora quanto ao não conhecimento da ordem.

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Presidente) votou com a Sra. Ministra Relatora quanto à concessão da ordem de ofício.

Não participou do julgamento o Sr. Ministro Nefi Cordeiro.

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO PACIENTE : KURT PAUL PICKEL

EMENTA

HABEAS CORPUS . “OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA”. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SUBMETIDA À INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. DESCONEXÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA MEDIDA CAUTELAR. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO FORMAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVOS IDÔNEOS. BUSCA GENÉRICA DE DADOS.As garantias do processo penal albergadas na Constituição Federal não toleram o vício da ilegalidade mesmo que produzido em fase embrionária da persecução penal.A denúncia anônima, como bem definida pelo pensamento desta Corte, pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendida investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão, o que leva a considerar imprópria a realização de medidas coercitivas absolutamente genéricas e invasivas à intimidade tendo por fundamento somente este elemento de indicação da prática delituosa.A exigência de fundamentação das decisões judiciais, contida no art. 93, IX, da CR, não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social. Verificada a incongruência de motivação do ato judicial de deferimento de medida cautelar, in casu , de quebra de sigilo de dados, afigura-se inoportuno o juízo de proporcionalidade nele previsto como garantia de prevalência da segurança social frente ao primado da proteção do direito individual.Ordem concedida em parte, para anular o recebimento da denúncia da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Celso Limongi, acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, concedendo parcialmente a ordem de habeas corpus e o voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues no mesmo sentido, a Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido o Sr. Ministro Og Fernandes, que conhecia parcialmente do pedido de habeas corpus e, nessa extensão, denegava a ordem, expedindo habeas corpus de ofício." Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 1 de 102

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(Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 05 de abril de 2011(Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO PACIENTE : KURT PAUL PICKEL

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Cuida-se do julgamento conjunto de dois procedimentos heroicos. O primeiro habeas corpus , com pedido liminar, é este de n.º 137.349/SP, e foi impetrado em 27/5/2009 pelos advogados Alberto Zacharias Toron, Carla Vanessa T. H. de Domenico e Claudia Maria Bernasconi, em favor de KURT PAUL PICKEL, tendo como autoridade coatora Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Relatora do HC nº 2009.03.00.014446-1.

Narra a impetração que, após um ano e dois meses de investigação sigilosa, fundada na quebra de sigilo de dados, interceptação telefônica e telemática, escuta ambiental e monitoramento de pessoas, iniciada com base em denúncia anônima, o paciente foi preso preventivamente, na denominada operação da Polícia Federal denominada Operação Castelo de Areia.

Informa que, na mesma decisão que decretou a custódia cautelar do paciente, o Juízo de primeiro grau determinou “o cumprimento de mandado de busca e apreensão em sua residência, onde foram recolhidos todos os seus pertences indiscriminadamente, bem como decretado o bloqueio de suas contas correntes, a quebra do sigilo bancário e fiscal e o sequestro do apartamento em que reside” (fl. 9).

Nos autos do HC nº 2009.03.00009974-1, o Tribunal a quo revogou a prisão preventiva decretada em desfavor do paciente. No entanto, a investigação continua e persistem os efeitos das demais medidas decretadas.

Foi impetrado, pela defesa, prévio writ, “em razão das ilegalidades que maculam a investigação e tornam nulos todos os atos e provas lá colhidos” (fl. 10), cujo pleito liminar foi indeferido, em decisão assim fundamentada (fls. 93/95):

A concessão de liminar em habeas corpus é medida de caráter excepcional, possível somente quando restar evidenciado, de plano, o alegado constrangimento ilegal, ou seja, quando presentes o periculum in mora e o fumus boni iuris .

Diante disso, ainda que com ressalvas, nosso ordenamento jurídico admite a denúncia anônima, desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes à deflagração de procedimento de investigação.

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Verifico, dentro desse contexto, que a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico, na verdade, cingiu-se aos dados telefônicos, o que não se confunde com a inviolabilidade das comunicações havidas por telefone. Destaco que a decisão é expressa no sentido de determinar que as empresas operadoras de telefonia forneçam senhas para possibilitar aos agentes federais o acesso aos seus bancos de dados e à obtenção dos dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários.

Oportuno salientar, ainda, que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, como querem fazer crer os impetrantes.

Com efeito, colho dos autos que, além da denúncia anônima, o procedimento de interceptação telefônica também está lastreado em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal.

Ademais, consoante informado pelo magistrado impetrado, os elementos indiciários foram igualmente obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na “Operação Downtown ”, em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP.

Doutra parte, entendo não haver qualquer nulidade por não ter sido feita a degravação integral das conversas telefônicas interceptadas, pois a transcrição total das conversas, em muitos casos, acabaria por inviabilizar a investigação, podendo, inclusive, prejudicar a sua celeridade, conforme entendimento proclamado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal:

(...)No que tange às prorrogações, as decisões estão suficientemente

motivadas, sendo certo que o Colendo STF, em decisão recente, já decidiu pela sua possibilidade (Inquérito nº 2424/RJ) desde que devidamente fundamentadas e necessárias, conforme consta no Informativo nº 529 (período de 17 a 21 de novembro de 2008).

Por fim, as traduções dos diálogos feitos em idioma estrangeiro pelos policiais federais, a princípio, não se revestem de nulidade, considerando que os mesmo conhecem o idioma e estão capacitados para tal, mormente por se trata de feito em que o sigilo deve ser resguardado.

Com esteio no expendido, dentro do exame prévio, não verifico qualquer mácula no processo que determine de plano o sobrestamento do feito originário, razão pela qual a liminar pleiteada fica indeferida.

Daí o presente mandamus, no qual os impetrantes afirmam que toda a investigação, que culminou com a denominada Operação Castelo de Areia, teve início exclusivamente em notitia criminis anônima “dando conta de que uma pessoa de nome Kurt Pickel estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto. Tratar-se-ia de verdadeiro 'doleiro', atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o sistema financeiro nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro” (fl. 11).

Com base em tal informação, a autoridade policial, para iniciar a investigação, “solicitou ao magistrado o fornecimento de senhas a policiais federais para que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos

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ao cadastro de assinantes e usuários, o que foi deferido” (fl. 12).Aduzem que a autoridade policial, após consultas a bancos de dados e

acesso de dados pessoais do paciente e de terceiros desconhecidos, e “sem apresentar qualquer elemento informativo idôneo colhido por meio de investigação realizada pela Polícia Federal, requereu a interceptação telefônica dos telefones do paciente afirmando genericamente que 'através de investigações preliminares foi obtida a informação de que Kurt prestaria seus serviços ilegais à construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora Camargo Correa'” (fl. 12).

Esclarecem que o Ministério Público Federal e o magistrado a quo entenderam que tal pedido seria genérico, determinando fosse este esclarecido. Em nova manifestação da autoridade policial, afirmou que se tratava de pedido propositadamente genérico, sem lançar qualquer esclarecimento. A despeito disto, o pleito foi deferido.

Asseveram que a decisão que determinou o fornecimento de senhas a policiais federais, permitindo que estes realizassem a quebra do sigilo de dados de pessoas não identificadas, é carente de fundamentação, “vazia, infundada, genérica e sem conexão com a realidade” (fl. 26), não apontando elementos concretos que demonstrassem a necessidade da medida.

Defendem que tudo o que seguiu à denúncia anônima – o resultado das interceptações telefônicas, telemáticas, escutas ambientais e monitoramento de dados de pessoas – são dela derivados e, portanto, frutos de uma árvore envenenada.

Salientam que há flagrante ilegalidade, uma vez que tudo o que ocorreu até o presente momento é derivado exclusivamente de prova inadmitida em nosso ordenamento jurídico.

Entendem que não há que se afirmar que a denúncia anônima tenha se mostrado pertinente durante o curso das investigações, tendo em vista que levou à descoberta de fatos típicos.

Ressaltam que “não socorre a ideia de que os elementos indiciários decorreriam também do compartilhamento de dados com a “Operação Downtown ”, porque “o pedido de compartilhamento das informações só ocorreu em 4 de agosto de 2008 (...), portanto, sete meses após o início do procedimento que se reputa ilegal” (fl. 16).

Apontam que todas as 33 (trinta e três) decisões que deferiram pedidos de prorrogação da interceptação telefônica, que durou um ano e dois meses, são desmotivadas.

Consideram que foi desrespeitado o prazo estabelecido no art. 5º da Lei nº 9.296/96, constatado evidente excesso de prazo, não cabendo falar-se em “razoabilidade para violar por mais de um ano direitos invioláveis, quais sejam, a liberdade e a intimidade” (fl. 40).

Reputam que o desrespeito à mencionada lei torna ilícita a prova produzida.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 5 de 102

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Consignam que não há nos autos transcrição integral das conversas gravadas, mas tão somente “diálogos transcritos, seguidos dos comentários da autoridade policial que nada mais são que uma interpretação parcial do conteúdo de áudio”, o que fere o princípio da ampla defesa.

Destacam que “a simples existência de mídia eletrônica contendo a gravação das conversas não satisfaz a exigência legal” (fl. 47).

Requerem, liminarmente, o sobrestamento de qualquer investigação ou diligência em curso no procedimento em que se aponta o constrangimento ilegal, até o julgamento do presente writ. No mérito, pretendem o reconhecimento da imprestabilidade de toda prova que respalda a investigação obtida em razão de denúncia anônima e, por consequência, a nulidade de todo procedimento, inclusive das diligências de busca e apreensão, quebra de sigilos e bloqueios de contas correntes e patrimonial, que foram maculados por derivação. Alternativamente, pleiteiam seja determinada a transcrição integral feita por técnicos habilitados e tradutor juramentado de todas as conversas interceptadas.

Indeferida a liminar, foram solicitadas informações à autoridade coatora, que as prestou nos seguintes termos, no que interessa (fls. 2764/2766):

“...Cuidando-se de procedimento nulo, os impetrantes pedem a concessão de liminar para sobrestar qualquer investigação ou diligência em curso no procedimento originário.

O pedido foi indeferido, em síntese, sob o fundamento de que se admite a denúncia anônima que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes a deflagração de procedimento de investigação. Ademais, no caso sub examen , além da denúncia anônima, os elementos indiciários que lastrearam o procedimento de interceptação telefônica foram obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Policia Federal e por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown", em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP.

A degravação integral das conversas telefônicas interceptadas afigura-se desnecessária por inviabilizar a investigação, podendo, inclusive, prejudicar a sua celeridade bastando que sejam degravados os excertos necessários ao embasamento de eventual denúncia.

Por fim, a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico é expressa no sentido de determinar que as empresas operadoras de telefonia forneçam senhas para possibilitar aos agentes federais o acesso aos seus bancos de dados e a obtenção dos dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários, não configurada hipótese de inviolabilidade das comunicações.

Sendo estas as informações que, de momento, me são possíveis prestar, coloco-me a inteira disposição de Vossa Excelência para eventuais esclarecimentos, caso isto se revele necessário.”

Na sequência, observou-se o julgamento do mérito do writ originário, o qual

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foi denegado, concedendo-se, no entanto, ordem de ofício, consoante acórdão assim sumariado:

“PENAL: HABEAS CORPUS. PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FUNDAMENTOS. DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. INFORMAÇÕES. CREDIBILIDADE. NECESSIDADE DE APURAÇÃO. DEVER FUNCIONAL DA AUTORIDADE. NECESSIDADE DE AGIR COM CAUTELA E DISCRIÇÃO. MEDIDAS CONSTRITIVAS. MÍNIMO RAZOÁVEL DE INDÍCIOS DE ATIVIDADE CRIMINOSA. LEI nº 9.296/96. ARTIGO 2º. INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DEVEM SER SALVAGUARDADAS. ACESSO AOS AUTOS FEITOS CONDUZIDOS SOB SIGILO DECRETADO JUDICIALMENTE. ACESSO ASSEGURADO EM RELAÇÃO ÀS INFORMAÇÕES INTRODUZIDAS NOS AUTOS. SÚMULA VINCULANTE Nº 14 DO STF. PRINCÍPIO DA COMUNHÃO DA PROVA. ARTIGO 20 DO CPP. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA. INEXISTÊNCIA DE RISCO DO COMPROMETIMENTO DA EFICÁCIA DAS INVESTIGAÇÕES. CONHECIMENTO DA PROVA PRODUZIDA.

I - A jurisprudência tem admitido a instauração de procedimento investigatório com base unicamente em denúncia anônima desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas.

II - Não se trata de uma faculdade. Quando a notitia criminis trouxer ao conhecimento fatos revestidos de aparente ilicitude penal, o Estado tem a obrigação de apurar a procedência das afirmações feitas por meio de investigações.

III - Embora a denúncia anônima não possua, por si só, força probatória, é admitida como elemento válido a desencadear as investigações necessárias ao esclarecimento de supostos crimes.

IV - Na esteira do entendimento jurisprudencial perfilhado, não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, devendo, contudo, proceder com cautela.

V - Embora a denúncia anônima seja apta a ensejar a investigação dos fatos narrados, ela não tem o condão de, por si só, autorizar a adoção de medidas constritivas como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados, para as quais se exige um mínimo razoável de indícios de atividade criminosa.

VI - É esse o teor da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre as interceptações telefônicas, cujo artigo 2º expressamente veda a sua realização quando não houver indícios razoáveis de infração penal punida com reclusão e quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, vale dizer, meios que não se contraponham à inviolabilidade constitucionalmente assegurada, ou o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

VII - Mostra-se irrelevante a discussão a respeito da validade das medidas constritivas pois, ao contrário do sustentado pelos impetrantes, as

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informações prestadas pela autoridade apontada como coatora são categóricas no sentido de que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão adstritos à denúncia anônima, tendo se pautado, também, em elementos concretos, colhidos através de investigações preliminares realizadas pela Unidade de Análise e Inteligência da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELFIN que apontaram para existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e eventuais crimes de "lavagem" de valores, bem como no compartilhamento de informações constantes em ação penal diversa.

VIII - Os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, estando lastreado em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal e, por meio do compartilhamento de informações constantes em ação penal diversa.

IX - As investigações preliminares consistentes em diligências empreendidas para apurar a denúncia anônima não foram juntadas aos autos, a evidenciar que tanto os réus, como os seus advogados não tiveram acesso a elas.

X - O procedimento investigatório não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. É certo , também, que sempre que contrapostos, o interesse público deve ficar acima do interesse privado, sem que isso signifique, necessariamente e sempre, uma violação de direitos.

XI - Hodiernamente prevalece a orientação de que devem ser conciliados os interesses da investigação e o direito à informação do investigado e, consequentemente, de seu advogado, a fim de salvaguardar as suas garantias constitucionais.

XII - Na esteira do entendimento firmado pelo STF, esta Corte tem assegurado a amplitude do direito de defesa em sede de inquéritos policiais em especial no que diz respeito ao exercício do contraditório e ao acesso de dados e documentos já produzidos no âmbito das investigações criminais.

XIII - Tal posicionamento, contudo, ressalva os procedimentos que, por sua própria natureza, não dispensem o sigilo, sob pena de ineficácia da diligência investigatória, hipótese em que o acesso deverá ser assegurado em relação às informações já introduzidas nos autos.

XIV - O acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal, decorre igualmente do princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova segundo o qual a prova é comum, ou seja, estando no processo, ela pertence a todos os sujeitos processuais.

XV - O princípio da comunhão da prova, estabelece situação de igualdade das partes na relação jurídico-processual, de forma a possibilitar ao que sofre persecução penal, ainda que tramite em regime de sigilo, o conhecimento do acervo probatório coligido nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse.

XVI - Assegura-se, portanto, à pessoa investigada, por meio de seu patrono constituído, o acesso aos elementos probatórios que já tenham sido levados aos autos da investigação penal, como indícios, fundamentos e/ou informações, os quais deverão ser efetivamente introduzidos no processo, ainda que em apenso aos autos principais.

XVII - O entendimento proclamado não significa negar à autoridade que conduz o procedimento investigatório a possibilidade de impor o sigilo ao inquérito policial quando necessário à elucidação dos fatos ou quando exigido pelo interesse da sociedade, conforme preceitua o artigo 20 do CPP.

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É inadmissível que findas as investigações e, portanto, sem possibilidade de comprometimento da sua eficácia, e uma vez deflagrada a ação penal, os réus não tenham conhecimento da prova produzida.

XVIII - Negar aos réus o acesso às informações coligidas, cuja influência no convencimento do Julgador se mostra inquestionável, constitui manifesta violação do direito ao contraditório e à ampla defesa, assegurados pelo artigo 5º, inciso LV, da CF.

XIX - Até mesmo em hipótese de delação premiada, o caráter sigiloso cinge-se ao acordo celebrado com o réu colaborador e não às declarações incriminadoras, sob pena de se tornar possível a condenação de alguém com base em "prova secreta".

XX - Assentado o direito ao acesso dos réus delatados às declarações incriminadoras, com muito mais razão não é possível obstar-lhes o acesso às investigações preliminares que deram ensejo à deflagração do procedimento de interceptação.

XXI - À luz do caso concreto, há ação penal em curso, não se justificando eventual impedimento ao acesso amplo dos diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes devem formalmente ser incorporados.

XXII - As investigações preliminares levadas a cabo pela Polícia Federal devem ser juntadas aos autos, dada a sua imprescindibilidade para a aferição do valor jurídico da denúncia anônima e das provas que dela derivaram e para assegurar a amplitude do direito de defesa.

XXIII - Concedido habeas corpus de ofício para garantir ao paciente, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos. Para tanto, determino a publicidade imediata dos documentos que, lacrados, se encontram juntados aos autos. Prejudicado, por ora, o exame das questões suscitadas na presente impetração, considerando-se que a legalidade das mesmas somente poderá ser aferida frente ao novo quadro processual que se delineará com a juntada aos autos das mencionadas investigações e amplo conhecimento dos réus/investigados e seus respectivos advogados.”

O Ministério Público Federal, por sua vez, instado a manifestar-se na condição de custos legis , opinou pelo não conhecimento da ordem, em face da previsão sumular 691 do Supremo Tribunal Federal.

Registre-se, ainda, que houve aditamento do writ, por parte dos Impetrantes, para que fosse conhecido, uma vez julgado o mérito do processamento originário.

O Segundo habeas corpus , o HC de n.º 159.159/SP, no qual foi requerido e

decretado o sigilo dos autos, também com pedido de liminar, foi ajuizado nesta Corte em benefício dos corréus P. F. G.-B., D. B. e F. D. G., consoante petição assinada pelos advogados Celso Sanchez Vilardi e Luciano Quintanilha de Almeida, autuado nesta Corte sob o n.º 159.159/SP, e apresentando semelhante discussão, no bojo do qual o eminente Ministro Cesar Asfor Rocha, na presidência, deferiu a liminar, determinando a suspensão de todos os procedimentos relativos à denominada operação “Castelo de Areia”.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 9 de 102

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Veja-se o teor da referida decisão:

“Neste habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, os impetrantes alegam que os pacientes tiveram afrontadas as suas garantias processuais por ter sido deflagrada, contra eles, no âmbito da 6ª Vara Federal da SJ/SP, uma Ação Penal calcada em Procedimento Criminal Diverso-PCD, iniciado no âmbito do Departamento da Polícia Federal, instaurado com base em uma delação anônima e secreta, do que decorreu, sem sequer uma mínima averiguação prévia, a quebra de sigilo telefônico, ademais em decisão desfundamentada e genérica (alcançando todos os usuários do serviço de telefonia), tendo as escutas sido prorrogadas - também sem fundamentação – por período superior a 14 meses, já aí alcançando os pacientes.

Antes deste HC, de que ora se cogita, os pacientes ingressaram com idêntica medida no colendo TRF da 3ª Região, tendo a sua egrégia 2ª Turma, aqui apontada como autoridade coatora, se omitido de julgar as teses jurídicas por eles apresentadas àquela Corte, em que vindicaram a nulidade da Ação Penal referenciada, pelos vícios acima expostos.

Os impetrantes reclamam que ao egrégio TRF de origem não era cabível deixar de apreciar e julgar como entendesse de direito as alegações que os pacientes lhe submeteram, para o que teriam que levar em conta, obviamente, os argumentos deduzidos na postulação e a documentação constante do processo.

No entanto, assim não agiu tendo para tanto se valido, como consta nas razões de decidir, de uma estranha e intempestiva comunicação secreta não apensada aos autos, constante de ofício reservado passado pelo Juiz Federal da 6a. Vara da SJ/SP à Relatora do feito mandamental no TRF, cuja existência só foi anunciada no instante do julgamento (e ainda assim só depois da sustentação oral formulada naquela ocasião), onde constaria a informação de que a deflagração referida estava alicerçada em denúncia anônima e apurações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal.

Apontam, ainda, os impetrantes, em reforço da alegação de que essas investigações preliminares não se acham autuadas, o fato de o próprio Magistrado, no tal ofício secreto, ter solicitado que a informação repassada nesse mesmo expediente sigiloso não fosse juntada aos autos do pedido de Habeas Corpus.

Registro que o pedido de tutela mandamental neste HC é apenas para sustar o trâmite da Ação Penal 2009.61.81.006881-7, da 6ª Vara Federal da SJ/SP, e os demais feitos a ela relacionados, tendo em vista a ilicitude das provas coligidas, somente até o julgamento do mérito desta impetração, cujo núcleo é o reconhecimento da ilicitude das provas obtidas nas interceptações telefônicas constantes dos autos do PCD 2008.61.81.000237-1, da mesma Vara Federal, para ulterior aplicação do art. 157 do CPP e do seu § 1º.

Esses dispositivos do CPP proclamam que são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais, e também as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

Passo a decidir.01. Cabe-me apreciar neste HC tão só e apenas o pedido de medida

liminar, cuja cognição é essencialmente limitada à verificação da presença

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simultânea da aparência de bom direito e da iminência de dano de monta a esse mesmo direito, de forma a impor a necessidade de concessão de tutela de eficácia imediata ou prontíssima, no interesse processual de colocar a salvo de desgaste a inteireza da relação jurídica subjetiva para a qual se postula a proteção judicial mandamental.

Em razão da sua precariedade, a tutela judicial liminar não tem a força de constituir ou desconstituir situação substantiva consolidada, senão somente a de preservá-la ou conservá-la ou ainda de acautelar ou evitar a ocorrência de prejuízo relevante ao direito da parte que a postula, quando esse direito se mostrar visível ao primeiro exame, vale dizer, se mostrar aparente, ainda que a conclusão quanto à sua existência e consistência seja provisória ou modificável.

02. Cumpre observar que o sistema jurídico do País e o seu ordenamento positivo não aceitam que o escrito anônimo possa, em linha de princípio e por si, isoladamente considerado, justificar a imediata instauração da persecutio criminis, porquanto a Constituição proscreve o anonimato (art. 5º, IV), daí resultando o inegável desvalor jurídico de qualquer ato oficial de qualquer agente estatal que repouse o seu fundamento sobre comunicação anônima, como o reconheceu o Pleno do STF no julgamento do INQ 1957, Rel. Min. Cézar Peluso (DJU de 11.11.2005), ainda que se admita que possa servir para instauração de averiguações preliminares, na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, ao fim das quais se confirmará – ou não – a notícia dada por pessoa de identidade ignorada ou mediante escrito apócrifo..

Nesta Corte Superior a orientação dos julgamentos segue esse mesmo roteiro, destacando dentre muitos e por todos o que decidido no HC 74.581 (Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 10.03.2008) e no HC 64.096 (Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU 04.08.2008).

No exame da presente hipótese, tenho como fortes os indicativos de que a referida delação anônima serviu diretamente à instauração das medidas persecutórias no Juízo da 6ª Vara Federal da SJ/SP, conforme se pode claramente ler na solicitação do Juiz do feito, no ofício reservado que encaminhou à Relatora do HC no TRF da 3ª Região, no qual postula que a informação ali prestada não seja juntada aos autos do pleito mandamental.

Essa circunstância, que em outros contextos até poderia ser eventualmente irrelevante, sugere que as mencionadas investigações preliminares, se é que foram realmente encetadas, não tiveram os seus resultados postos nos autos ou foram subtraídos ao exame dos pacientes, o que não é abonado pelas normas legais que regem as atividades investigatórias pré-processuais.

03. Noutro viés, a teor do art. 93, IX, da Constituição, é de curial sabença que a fundamentação é requisito de validade de qualquer decisão judicial.

Ora, com muito maior razão há de se ver que terá de ser ainda mais fortemente fundamentada a decisão que excepciona, anula e afasta os sigilos assegurados na Carta Magna, que decorrem de conquistas civilizatórias, por isso mesmo que é diretriz uniforme da jurisprudência das Cortes e das lições da doutrina jurídica a sua exigência impostergável a não tolerar que o afastamento daquelas garantias se faça de modo banal ou simples, calcada apenas, por exemplo, na comodidade da coleta de indícios ou produção de provas. Assim é que se requer, como anotam os impetrantes, que a quebra do sigilo telefônico só se dê por decisão exaustivamente fundamentada e

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individualizada.Examinando-se demoradamente a situação retratada neste HC,

verifica-se que não passou à margem da acuidade do douto Procurador da República que era por demais genérico o primeiro pedido de quebra de sigilos telefônicos por isso mesmo que não o acolheu, devolvendo-o à Autoridade Policial, que, por seu turno, reiterou-o assentando que o seu pleito fora genérico de propósito, mas mesmo assim o MPF o aceitou, de idêntico modo procedendo o Juiz Federal da 6ª Vara da SJ/SP.

04. Desponta, noutro passo, o fato de que a quebra do sigilo telefônico deu-se por prazo superior a 14 meses, ainda que por períodos renovados, o que abala o decidido pela eg. 6ª Turma deste colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n. 76.686 (Rel. Min. Nilson Naves, DJU 10/11/2008).

05. Não fico desatento, de mais a mais, nessa primeira análise, que a ordem para quebra do sigilo tinha uma abrangência tão ampla e irrestrita que poderia até invadir a reserva de intimidade de toda e qualquer pessoa que se utiliza dos sistemas de telecomunicações, como, aliás, observaram, assustadas, as empresas de telefonia (fls. 642/643).

06. Pelo tanto exposto, confesso-me convicto que o contexto dos autos evidencia que a Ação Penal em apreço se mostra fortemente impactada pelos argumentos jurídicos trazidos pelos impetrantes, fazendo surgir aquela aparência de bom direito, ou seja, a plausibilidade de o direito invocado vir a receber tutela de mérito positiva, como igualmente antevejo que a persistência da mesma Ação Penal causa aos pacientes dano jurídico de monta, decorrente da própria existência do processo em condições aparentemente injurídicas, vulnerando-lhes direito subjetivo que cumpre ser resguardado.

Por outro lado, a tutela judicial liminarmente postulada não acarreta o trancamento da Ação Penal em apreço, não liberta pessoas detidas, não disponibiliza patrimônios constritos e não produz efeitos definitivos sobre o mérito da pretensão punitiva; porém, a sua continuidade e assim como dos feitos que derivam do mesmo PCD lavra contra os pacientes efeitos particularmente lesivos, por submetê-los a processo penal aparentemente eivado de insanáveis vícios, isso só já representando um constrangimento ilegal a que se deve pôr cobro de imediato, em atenção ao direito fundamental que tem toda pessoa de não sofrer ação punitiva sem a observância das suas garantias processuais.

Nessas condições, considerando que se o referido PCD não for objeto de suspensão imediata, poderá lastrear ações penais outras, criando contra os pacientes situações plurais de constrangimento ilegal, defiro a suspensão provisória imediata do trâmite da mencionada Ação Penal e das iniciativas sancionatórias que têm por supedâneo os elementos colhidos no PCD 2008.61.81.000237-1, da 6ª Vara Federal da SJ/SP, até o julgamento de mérito deste HC pela Turma a que couber a sua distribuição, obviamente sem embargo de o seu Relator, que conduzirá o feito a partir do dia 1o de fevereiro do corrente ano, poder alterar os termos, o alcance ou o conteúdo desta decisão, o que faço com esteio do art. 83, § 1º, do Regimento Intento do STJ, que atribui ao Presidente, nos feriados e nas férias coletivas, decidir pedidos de liminar em mandado de segurança e habeas corpus.

Comunique-se com urgência o inteiro teor desta decisão ao egrégio TRF da 3ª Região e ao Juízo da 6ª Vara Federal da SJ/SP, para que lhe seja dado integral cumprimento; após, distribua-se este feito em forma regular para ser submetido ao seu Relator logo após o recesso da Corte.”

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Em suma, o presente habeas corpus tem os mesmos contornos do anteriormente relatado, apontando os Impetrantes a ilegalidade da quebra do sigilo telefônico em face da existência de denúncia anônima.

Afirmam não ser verdade que a investigação iniciou-se após supostas averiguações preliminares, realizadas pela polícia judiciária, porquanto em nenhum momento foram estas conhecidas ou mesmo citadas para justificar o deferimento da invasão dos dados telefônicos, somente vindo à tona depois de concretizada invasão da privacidade, assim também ocorrendo em relação à eventual delação premiada, que só foi anunciada depois de julgado o habeas corpus perante o Tribunal a quo, não constando de qualquer pedido da autoridade policial, do ministério público ou mesmo das decisões do Juízo do caso.

Os Impetrantes sustentam, também, que o tempo de realização do monitoramento dos Pacientes viola qualquer regra de bom senso e razoabilidade.

Com o deferimento da liminar, o Ministério Público Federal interpôs agravo interno, no bojo do qual foi mantida a referida medida liminar.

Sobreveio, então, o parecer de fls. 1703/1725, pela denegação da ordem, consoante os termos da ementa:

“HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, DE LAVAGEM DE DINHEIRO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA DETECTADOS ATRAVÉS DE INVESTIGAÇÕES REALIZADAS PELA POLÍCIA FEDERAL, NO CURSO DA OPERAÇÃO “CASTELO DE AREIA”. WRIT QUE VISA O RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DA QUEBRA DO SIGILIO TELEFÔNICO DETERMINADA NO BOJO DA REFERIDA OPERAÇÃO, COM A CONSEQUENTE ANULAÇÃO DE TODOS OS PROCEDIMENTOS REALIZADOS COM BASE NAS PROVAS PRODUZIDAS. ALEGATIVA DE QUE AS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS FORAM DEFLAGRADAS COM APOIO EM SIMPLES DENÚNCIA ANÔNIMA. DESCABIMENTO. AINDA QUE COM RESERVAS, A DENÚNCIA ANÔNIMA É ADMITIDA EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO, SENDO CONSIDERADA APTA A DEFLAGRAR PROCEDIMENTOS DE AVERIGUAÇÃO, SE APRESENTAR ELEMENTOS INFORMATIVOS IDÔNEOS SUFICIENTES E DESDE QUE OBSERVADAS AS DEVIDAS CAUTELAS NO QUE DIZ RESPEITO À IDENTIDADE DO INVESTIGADO. PRECEDENTES DO STJ. MEDIDA INVASIVA PRECEDIDA POR DIVERSAS INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES, CUJOS RESULTADOS SE MOSTRARAM HARMÔNICOS COM O TEOR DA DELAÇÃO APÓCRIFA. ALEGATIVA DE AUSÊNCIA DE MOTIVOS PARA A AUTORIZAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS, BEM COMO PARA SUA PRORROGAÇÃO POR 14 MESES. DESCABIMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA DE FORMA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, PELO MAGISTRADO COMPETENTE, NO CURSO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL PREPARATÓRIO. OBEDIÊNCIA AOS

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REQUISITOS DISPOSTOS NA LEI 9.296/96. INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO LEGAL AO NÚMERO DE PRORROGAÇÕES DO MONITORAMENTO TELEFÔNICO, SE A COMPLEXIDADE DAS INFRAÇÕES PENAIS EXIGIR O PROSSEGUIMENTO DE TAL PROVIDÊNCIA INVESTIGATIVA E SE ESSA CIRCUNSTÂNCIA FICAR DEMONSTRADA POR DECISÃO SUFICIENTEMENTE MOTIVADA. PARECER PELO CONHECIMENTO E PELA DENEGAÇÃO DO WRIT.”

É de se anotar, igualmente, que esta relatora, em face de pedido dos impetrantes, resolveu manter o sigilo dos autos, fazendo lacrar, em duas oportunidades, documentos remetidos da origem que não faziam parte da ação penal.

Por tudo o que ficou delineado, urge, portanto, o julgamento conjunto de ambos os habeas corpus , porquanto se reportam a mesma base de suposta ilegalidade, sendo definidos na origem por uma mesma linha de argumentação.

É o relatório.

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5)

EMENTA

HABEAS CORPUS . “OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA”. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO SUBMETIDA À INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. DESCONEXÃO DOS MOTIVOS DETERMINANTES DA MEDIDA CAUTELAR. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO FORMAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVOS IDÔNEOS. BUSCA GENÉRICA DE DADOS.As garantias do processo penal albergadas na Constituição Federal não toleram o vício da ilegalidade mesmo que produzido em fase embrionária da persecução penal.A denúncia anônima, como bem definida pelo pensamento desta Corte, pode originar procedimentos de apuração de crime, desde que empreendida investigações preliminares e respeitados os limites impostos pelos direitos fundamentais do cidadão, o que leva a considerar imprópria a realização de medidas coercitivas absolutamente genéricas e invasivas à intimidade tendo por fundamento somente este elemento de indicação da prática delituosa.A exigência de fundamentação das decisões judiciais, contida no art. 93, IX, da CR, não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social. Verificada a incongruência de motivação do ato judicial de deferimento de medida cautelar, in casu , de quebra de sigilo de dados, afigura-se inoportuno o juízo de proporcionalidade nele previsto como garantia de prevalência da segurança social frente ao primado da proteção do direito individual.Ordem concedida em parte, para anular o recebimento da denúncia da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7.

VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Afira-se, de saída, a viabilidade da apreciação dos temas suscitados nesta primeira impetração em virtude do julgamento do mérito do writ originário, conforme aludido em aditamento acostado pelos Impetrantes.

Sem dúvida, a discussão passou ao comando do entendimento do colegiado de origem, não sendo o caso de postergar-se sua análise, notadamente porque as questões postas mantêm-se inalteradas mesmo com a sobrevinda do acórdão do prévio habeas corpus (HC n.º 2009.03.00.014446-1).

Assim, seria mero preciosismo impedir a continuidade do procedimento heroico só pelo fato de inicialmente contestar a decisão liminar da Relatora na origem.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 1 5 de 102

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Além do que, é de se observar que no HC 159.159/SP, no curso do qual todo o debate é reproduzido, o acórdão originário seguiu a mesma linha de argumentação, tendo, inclusive, o Ministério Público Federal, nesta Corte, oferecido substanciosa manifestação, o que deverá ser levado em conta para o fim do exame pretendido.

Retomando o exame das pretensões, segundo se depreende da exposição, bem como da discussão promovida pela defesa dos Pacientes, a questão prioritária tem suas bases fincadas na alegação da ilicitude da prova colhida na investigação inicial, bem assim no seu desenrolar.

Antes de adentrar nos temas da impetração, diga-se que a perquirição das nuanças do caso, dada a complexidade e a existência de inúmeros procedimentos dele dependentes, reclama o exame necessário e conjugado de princípios e normas com assento na ordem dos direitos fundamentais.

O que se está a debater praticamente esgota e desvenda o âmbito de atuação das autoridades públicas, com vistas à proteção da segurança social, em comparação com o leque de normas de proteção da liberdade individual, no qual se encontra, também, o direito à intimidade.

Qual o limite, no caso concreto, do direito da coletividade à persecução penal?

Esse parece ser o ponto candente da discussão heroica.Sem dúvida, controvérsias como as que tais serão sempre ditadas pelo

conflito de princípios fundamentais onde a solução tende a alicerçar-se no equilíbrio entre a liberdade do cidadão, de grande valia para a preservação do Estado Democrático de Direito, nos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da CR), e o sentido da segurança social, sem a qual o próprio Estado deixaria de existir.

Se de um lado a pessoa deve ter preservada a sua individualidade, de outro, o Poder Público tem a prerrogativa de fazer prevalecer a ordem, afastando e coibindo, dentro do plano da legalidade, eventuais desestímulos à paz social. E tudo se interpondo no curso da previsão constitucional do devido processo legal.

A título de menção, esclareça-se que a doutrina, de modo geral, tem dado ênfase à necessidade de se buscar um ponto médio entre o direito libertário e a salvaguarda da sociedade.

Neste ponto é que Inês Moreira Santos, em obra organizada pelos Professores Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, com apoio na doutrina lusitana acerca do direito fundamental à privacidade versus persecução criminal, lembra com bastante percuciência que:

“O direito à reserva da intimidade, 'não é ilimitado ou absoluto, uma Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 1 6 de 102

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vez que, a relativização das liberdades públicas constitui a têmpera necessária para manter o equilíbrio do ordenamento jurídico e o processo criminal compreende o vector que assume a responsabilidade em estabelecer uma harmonia entre as esferas das exigências comunitárias da repressão do crime (interesse social) e a proteção de liberdades fundamentais, como é o direito à intimidade (interesse individual)'.” (Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2009, pág. 106).

Diante do embate normal de direitos fundamentais, por óbvio que a análise do fato concreto afigura-se, para o julgador, um atuar sempre comprometido, o que qualifica a discussão, na medida em que, sendo ele partícipe dos papéis sociais, algumas vezes se deixa levar por esta ou aquela ideologia, ora tendente a considerar subordinante a ordem das garantias individuais, ora vislumbrando a prevalência da segurança pública, por meio da imposição rígida do ordenamento jurídico.

Ocorre que a visão de supremacia da proteção social, embate que se avizinha do contexto ora examinado, envolve mais do que a simples atuação dos poderes constituídos em prol da segurança comunitária.

Isso se dá, no plano do direito pátrio, porque, ao atuar, o agente público deve ter o cuidado de fazê-lo dentro da legalidade, porquanto, mesmo exercendo seu múnus contra possíveis atos desviantes, é-lhe defeso abrigar meios de concreção “absolutamente ilegais”. Aí está o fundamento da atuação estatal, na medida em que “O sujeito investido no exercício de competências estatais se encontra em situação de responsabilização administrativa no sentido de submissão ao direito e vinculação à realização dos fins que justificam a existência do Estado. ” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, pág. 664).

Reafirme-se: a perquirição dos pontos de estrangulamento entre o que se deve ter como liberdade individual e o que deve ser entendido como prerrogativa de persecução criminal, há de merecer o cuidado absoluto do julgador, inclusive no tocante a reconhecer as limitações do procedimento escolhido para análise do caso concreto.

É momento de averiguar os parâmetros da causa penal.Consta dos autos, a partir das fls. 241 do primeiro h.c., que a Polícia

Federal, após receber denúncia anônima de que o suíço, naturalizado brasileiro, KURT PAUL PICKEL estaria se dedicando à atividade ilegal de compra e venda de dólares, representou ao Juízo da Vara Especializada em Crimes Financeiros da Seção Judiciária de São Paulo, em 10/1/2008, pela quebra do sigilo telefônico dos usuários de telefonia, para que se pudesse dar início às investigações formais, já que “...nestes tipos de delitos, há enorme dificuldade na obtenção de provas” (Ofício n.º 2504/2008). Foi a parte inicial do pedido (fl. 245 dos autos do HC 137.349):

“Recebemos nesta Unidade de Análise e Inteligência Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 1 7 de 102

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(UADIP/DELEFIN/DRCOR/SR/DPF/SP) notitia criminis anônima dando conta de que uma pessoa de nome KURT PICKEL estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto.

Trata-se de verdadeiro “doleiro”, atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro.”

Encaminhado o pedido à análise do Ministério Público Federal, o seu representante manifestou-se no sentido de que fosse esclarecida a diligência pela autoridade policial, já que o pedido se apresentava genérico no tocante a disponibilizar senhas a determinados policiais para que pudessem “acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários” (fl.250). E mais: esperava o M.P.F. fosse aclarada a diligência quanto ao alvo escolhido.

Também é de rigor a transcrição da promoção ministerial, verbis (fl. 250):“O MPF entende que efetivamente é o caso de investigação do

nominado.No entanto, ao final, o pedido da ilustre autoridade policial é por demais

genérico ao solicitar senha para 'que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários'.

Assim, de modo a não sugerir nada que possa afetar as investigações imaginadas pela autoridade policial, opino pelo retorno dos autos ao DPF, em caráter sigiloso, para que as diligências sejam melhor especificadas considerando-se o alvo escolhido.”

Em resposta, a autoridade policial informou que o pedido era proposital justamente para se impedir o vazamento de informações (fl. 255), conforme já teria ocorrido em outra investigação (“Trata-se de proposital pedido genérico com o fito de assegurar o sigilo das investigações” – fl. 255).

Com isso, sobreveio a chancela do representante do Ministério Público e, ao depois, o deferimento da medida. Vejam-se os fundamentos da decisão assinada em 22/1/2008, pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Federal (fls. 258/259):

“Trata-se de representação formulada pela I. Autoridade Policial visando o fornecimento de senhas para que os policiais federais integrantes da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELEFIN possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem informações relativas aos cadastros de assinantes e usuários.

Informa a Autoridade Policial que a Unidade de Análise e Inteligência daquela Delegacia recebeu noticia anônima dando conta de que KURT PICKEL estaria, sem respaldo legal, praticando atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo e, dessa forma, incidindo na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e eventualmente "lavagem" de valores.

Invocando a dificuldade na obtenção de provas nos delitos em questão a Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 1 8 de 102

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Autoridade Policial requer a quebra do sigilo telefônico.Inicialmente o representante do "parquet" federal, entendendo o pedido

excessivamente genérico, solicitou o retorno dos autos ao Departamento de Federal para que as diligências fossem melhor especificadas.

Com a justificativa apresentada à fl. 13 dos autos, o Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente ao pedido (fl. 14).

É o relatório.Decido.Os sigilos constitucionais não são absolutos, como, aliás, todos os

demais direitos e garantias fundamentais, devendo ceder passo, por meio de competente determinação judicial, em hipótese devidamente fundamentada, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, advindos do caráter material do princípio do devido processo legal, previsto constitucionalmente no inciso LIV do art. 5º.

Não se olvida que no momento em que os direitos fundamentais sejam empregados como escudo para possibilitar o cometimento de práticas ilícitas, é correto que se dê prevalência a outros princípios constitucionais, implícitos ou explícitos, sobre tais direitos, sem que haja qualquer ofensa a ordem jurídica.

O balizamento que se deve fazer busca atender uma das finalidades do direito, que é o da pacificação social. Entretanto, esta não se tornará possível se se permitir o cometimento de delitos protegidos por direitos fiindamentais que visam exatamente combater tais práticas.

Averiguando a informação recebida, a Autoridade Policial, após pesquisa em seu banco de dados, identificou a pessoa de KURT PAUL PICKEL, nascido na Suíça e detentor do CPF n.º 090.271.208-03, como sendo o possível envolvido na atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo.

Desse modo, como meio de prosseguimento das investigações, a quebra do sigilo telefônico revela-se indispensável à investigação, pois cuidam-se de fatos graves que envolveriam delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e eventual “lavagem” de valores.

Portanto, diante da existência de indícios apurados em trabalhos de inteligência de que KURT PAUL PICKEL possa ser um “doleiro” e consequentemente estar atuando na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e na “lavagem” de valores, e não havendo outros meios para apurar os fatos, impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identificar o suposto modus operandi e a origem dos recursos.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, defiro o pedido de QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO, e DETERMINO a expedição de ofícios às empresas de telefonia (Telefônica, Embratel, Vésper, Vivo, Tim, Claro, Oi e Nextel) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias, aos policiais federais KARINA MURAKAMI SOUZA, OTAVIO MARGONARI RUSSO, PAULO CORREA ALMEIDA, RENATO SADAIKE e ALEXANDRE LINO DE SOUZA, todos em exercício na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários.

OFICIE-SE a Autoridade Policial encaminhando cópia da presente decisão e dos ofícios a serem remetidos às operadoras de telefonia.

Os ofícios a serem encaminhados às operadoras de telefonia poderão ser enviados via fac-símile, devendo os originais ser encaminhados posteriormente, no prazo de 07 (sete) dias úteis.

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Considerando-se que as informações constantes dos autos estão protegidas pelo sigilo de dados, e a fim de resguardar os interesses das pessoas eventualmente envolvidas, determino, desde já, o sigilo dos autos, apondo-se a tarja SIGILOSO, devendo a eles ter acesso somente as partes e autoridades que nele oficiarem, anotando-se.”

Feito o levantamento inicial, foram descobertos os terminais telefônicos do sujeito objeto da apuração, em face dos quais foi solicitada nova quebra de sigilo telefônico com a respectiva interceptação das linhas relacionadas, sendo a representação atendida por decisão proferida em 13/2/2008.

Novamente, com a finalidade de facilitar o contexto da análise ora vindicada, vejam-se as seguintes passagens da decisão (fls. 277/279 do HC 137.349):

“Trata-se de representação formulada pela I. Autoridade Policial visando a quebra de sigilo de dados das comunicações telefônicas e respectiva interceptação das linhas indicadas às fls. 30/33.

Em síntese, aduz a Autoridade Policial acerca da imprescindibilidade da adoção da presente medida porquanto por meio de notitia criminis foi possível verificar que supostamente um indivíduo suíço, naturalizado brasileiro, identificado como KURT PICKEL, estaria atuando possivelmente no mercado ilegal de cambio, tudo com indícios, em tese, do cometimento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como de "lavagem" de valores.

Consta na Representação Policial, ainda, o fato de que referido sujeito também estaria atuando junto a construtoras de grande porte, tais como a CONSTRUTORA CAMARGO CORREIA, através da suposta prestação de serviços ilegais.

Relata ser indispensável a interceptação telefônica do alvo apontado, em razão de que os delitos de tal natureza são de difícil comprovação.

O Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente ao pedido (fl. 34).

(...)Em síntese, aduz a Autoridade Policial acerca da imprescindibilidade da

adoção da presente medida porquanto por meio de notitia criminis foi possível verificar que supostamente um indivíduo suíço, naturalizado brasileiro, identificado como KURT PICKEL, estaria atuando possivelmente no mercado ilegal de câmbio, tudo com indícios, em tese, do cometimento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, bem como de "lavagem" de valores.

Consta na Representação Policial, ainda, o fato de que referido sujeito também estaria atuando junto a construtoras de grande porte, tais como a CAMARGO CORREIA, através da suposta prestação de serviços ilegais.

Relata ser indispensável a interceptação telefônica do alvo apontado, em razão de que os delitos de tal natureza são de difícil comprovação.

(...)In casu , por meio de notitia criminis , restou verificado que KURT

PAUL PICKEL, nascido na Suíça e naturalizado brasileiro, possivelmente estaria atuando no mercado de câmbio, sendo também, em tese, o responsável pela prestação de serviços ilegais junto a grandes construtoras, fatos que revelam indícios acerca do cometimento de crimes contra o

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Sistema Financeiro Nacional e eventual "lavagem" de valores.Assim, diante de tais indícios, a quebra do sigilo de dados e a

interceptação das comunicações telefônicas, revela-se como meio indispensável a esta investigação, pois cuida-se de fatos graves que envolveriam delitos transnacionais de "lavagem" de dinheiro, bem como de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, demandando, pois, uma investigação acurada acerca da eventual pratica de atividades delituosas.

Assim, não havendo outros meios para apurar os fatos, impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identificar o modus operandi dos responsáveis pela eventual conduta delituosa, a origem dos recursos e o modo de atuação.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 1° da Lei n.° 9.296, de 24.07.1996, DEFIRO o pedido de QUEBRA DE SIGILO DE DADOS E INTERCEPTACAO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS nos seguintes termos...”.

Com isso, vieram as interceptações, sendo que o primeiro relatório da autoridade policial, às fls. 310/347 – HC 137.349, dá conta de que foi feito o monitoramente entre os dias 19/2/2008 a 4/3/2008, havendo constatado inicialmente a existência de negócios do investigado com pessoas da Construtora Camargo Correia e outros, o que possibilitaria a prorrogação da medida.

O pedido foi deferido em 4/3/2008 (fls.350/357), escudando-se o MM. Juiz no teor de algumas conversas, máxime com o suposto contato com pessoa da construtora Camargo Correia e em razão de outros negócios eventualmente ilícitos.

Na sequência, uma vez identificado o contato da Camargo Correia como sendo o seu diretor administrativo-financeiro, representou-se pela interceptação dos números de telefone utilizados por ele, o que foi deferido por decisão proferida em 10/3/2010, consoante os termos de fls. 370/373.

Posteriormente, veio novo pedido de prorrogação e ampliação da interceptação em face do uso de vários aparelhos conectados ao sistema PABX de empresa coligada à Camargo Correia, comunicação via skype , o que foi deferido em 18/3/2008.

À medida em que as interceptações e outros procedimentos eram realizados pelos agentes, novos contatos surgiam e novos fatos eram conhecidos, incluindo a verificação de negócios com outra construtora, o que gerava novos pedidos da autoridade policial ao Juiz do caso. Isso gerou a indicação de monitoramento por mais de um ano, ao cabo do qual foram identificadas, segundo a própria denúncia (fls. 100/149) mais de trezentas ações ilícitas.

Enfim, este é o contexto dos fatos, sobre os quais pesam as seguintes alegações dos Impetrantes:

a) Nulidade da persecução penal em face da ilicitude da prova, decorrente, na sua origem, de denúncia anônima;

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b) Nulidade da prova obtida por meio de interceptação telefônica autorizada sem a devida motivação, além de perdurar por mais de um ano;

c) Nulidade, por derivação, das demais diligências realizadas a partir da origem ilícita, a exemplo, de busca e apreensão, interceptação telemática, escuta ambiental, bloqueio de contas e de bens etc.

d) Direito à degravação integral dos áudios captados.

A controvérsia, por certo, deve ser iniciada pela alegação da inviabilidade da investigação em face de denúncia anônima, cabendo transcrever, dentro do que interessa, a discussão como definida no acórdão vergastado, verbis (fls. 2803/2808):

"Inicialmente, cumpre perquirir, sobre a admissibilidade da denúncia anônima, isoladamente considerada, como suficiente a ensejar a adoção de investigação e medidas constritivas tais como prisões, busca domiciliar e interceptação telefônica, dentre outras.

A validade da investigação iniciada por denúncia anônima é questão controvertida até os dias de hoje, oscilando a jurisprudência sobre a sua admissibilidade.

Entretanto, ainda que com ressalvas, a jurisprudência tem admitido a instauração de procedimento investigatório com base unicamente em denúncia anônima desde que encerre em seu bojo informações que se revistam de credibilidade e contenham informações suficientes para que a autoridade diligencie a procedência das afirmações feitas.

Não se trata de uma faculdade. Quando a notitia criminis trouxer ao conhecimento fatos revestidos de aparente ilicitude penal, o Estado tem a obrigação de apurar a procedência das afirmações feitas por meio de investigações.

Diante disso, embora a denúncia anônima não possua, por si só, força probatória, é admitida como elemento válido a desencadear as investigações necessárias ao esclarecimento de supostos crimes.

(...)Na esteira do entendimento jurisprudencial perfilhado, tenho que não há

ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, devendo, contudo, proceder com cautela.

Não diverge desse entendimento o Órgão Ministerial, como se vê do parecer ofertado, cujo excerto transcrevo:

"Desse modo, ao contrário do que alega o Impetrante, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, ainda que com reservas, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o Processo Administrativo Disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado."

Todavia, embora a denúncia anônima seja apta a ensejar a investigação dos fatos narrados, penso que ela não tem o condão de, por si só, autorizar a adoção de medidas constritivas como a busca domiciliar, a interceptação telefônica e a quebra do sigilo de dados, para as quais se exige um mínimo razoável de indícios de atividade criminosa.

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É esse o teor da Lei nº 9.296/96, que dispõe sobre as interceptações telefônicas,, cujo artigo 2º expressamente veda a sua realização quando não houver indícios razoáveis de infração penal punida com reclusão e quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis, vale dizer, meios que não se contraponham à inviolabilidade constitucionalmente assegurada, ou o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Entretanto, se mostra irrelevante a discussão a respeito da validade das medidas constritivas pois, ao contrário do sustentado pelos impetrantes, as informações prestadas pela autoridade apontada como coatora são categóricas no sentido de que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão adstritos à denúncia anônima, tendo se pautado, também, em elementos concretos, colhidos através de investigações preliminares realizadas pela Unidade de Análise e Inteligência da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELFIN que apontaram para existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e eventuais crimes de "lavagem" de valores, bem como no compartilhamento de informações constantes na Operação "DOWNTOWN", em trâmite na 2ª Vara Federal Criminal/SP.

(...)De igual sorte, cópia da representação policial pela interceptação

telefônica também nos leva a crer que o procedimento não foi instaurado apenas em função da denúncia anônima em questão, mas sim por outros elementos de convicção. Naquela representação, o Delegado de Polícia Federal foi claro ao afirmar a existência de investigações preliminares.

Forçoso concluir que os elementos que embasaram o início das interceptações telefônicas não estão restritos à denúncia anônima, e devem estar lastreados em indícios obtidos a partir de investigações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal e, por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown ", em trâmite perante o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de São Paulo-SP, conforme informado pela I. autoridade impetrada, bem como pelo Ministério Público Federal e, ainda, pelo relatório da Polícia Federal."

A questão é por demais tormentosa no âmbito desta Corte, para não dizer, no âmbito da própria jurisprudência.

Penso que os demais componentes da Turma conhecem o meu firme posicionamento acerca do procedimento da denúncia anônima.

Devo lembrar aos eminentes pares o que externei no voto-vencido em julgamento ocorrido no final do primeiro semestre de 2010, do HC 128776/SP (Acórdão publicado em 12/11/2010), de que relator o Ilustre Desembargador convocado Celso Limongi e originário do mesmo TRF da 3ª Região, sobre a ilicitude de procedimentos como os que tais, em que há pedido genérico de quebra de dados telefônicos, sem a indicação de terminais e abrangendo todos os usuários do sistema, tudo por decorrência do anonimato.

Volto ao norte inicialmente posto acerca do binômio proteção do interesse social versus garantia do interesse individual.

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O tema é, por essência, árido, máxime pelo fato de envolver certas posições ideológicas, supostamente encampadas pela opinião pública, como a que projeta o comprometimento das autoridades públicas com planos de segurança absolutamente invasivos, alicerçados no manto da proporcionalidade e da razoabilidade.

Com essa idealização, é preciso verificar as bases da atuação proporcional, sob pena de se banalizar muitas garantias constitucionais, como a que está assentada no art. 5º, IV, da CR: vedação do anonimato.

Por mencionar o princípio da proporcionalidade, nada melhor do que navegar pelos ensinamentos do professor Antonio Scarance Fernandes, que descreve, em artigo pertinente, os seus requisitos basilares, dentre os quais:

“O segundo requisito é o da necessidade, também denominado 'de intervenção mínima', 'de alternativa menos gravosa' ou de 'subsidiariedade'. Não basta a adequação do meio ao fim. Além de ser o mais idôneo, o meio usado deve ocasionar a menor restrição possível. É preciso, para não ser desproporcional, que o meio seja necessário ao objetivo almejado, verificando-se essa necessidade pela análise das alternativas postas para o alcance do fim. Assim, para resolver sobre a imprescindibilidade de medida excepcional destinada a apurar crime organizado, normalmente muito gravosa ao indivíduo, deve o juiz concluir que não há outra medida apta a alcançar o mesmo fim.” (O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 70, Ano 16 - Janeiro/Fevereiro de 2008 -, págs. 238/239)

Tudo a ver, de antemão, perpassar as recomendações de Maurício Zanoide de Moraes, para quem o princípio da proporcionalidade só tem sentido com o cumprimento da motivação do ato judicial, sendo esta pressuposto inarredável do juízo proporcional. Preconiza o Ilustre jurista:

“O outro requisito extrínseco é a “motivação”, imprescindível a qualquer decisão judicial. A Constituição, em seu art. 93, IX, determina de maneira peremptória a fundamentação de toda decisão, sancionando-a de nula se estiver dela carente. A motivação é garantia política e processual de legitimidade das manifestações jurisdicionais e única forma pela qual o juiz, exteriorizando e materializando sua convicção, permite ao cidadão impugnar o ato determinado se o entender inconstitucional.

A motivação deve ser a mais completa possível, abarcando todos os aspectos jurídicos envolvidos na questão e com eles relacionando os dados fáticos específicos da realidade levada ao conhecimento do julgador e referentes à medida pleiteada. Esses atributos, ínsitos a qualquer decisão jurisdicional, ganham mais peso e relevo quando dirigidos a justificar a compressão de direitos fundamentais por via da proporcionalidade. A ponderação de valores deve emergir clara e exaustiva tanto em seu aspecto jurídico como em seu aspecto fático.” (Sigilo no Processo Penal – Eficiência e garantismo. Coord. Antonio Scarance Fernandes, José Raul Gavião de Almeida e Maurício Zanoide de Moraes. São Paulo: Revista dos Tribunais,

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2008. págs. 36/37)

De início, diante das particularidades do caso concreto, tenho que o ferimento da garantia fundamental engloba não só o aspecto da vedação do anonimato, mas, sobretudo, a escolha de medida incisiva, típica da investigação formal, que não poderia ser deferida com base tão-só em denúncia anônima.

Não se está, com isso, a negar, por si só, a formulação da denúncia anônima, mas, no caso presente, a fulminar os seus contornos de averiguação porquanto despropositada ao objetivo de vasculhar a intimidade da pessoa.

Esta Turma, por sinal, tem valiosos momentos de apreciação do tema, devendo-se mencionar que muitas vezes consignou a importância desse meio de informação como expediente para elucidar vários crimes, ao tempo em que também cuida de preservar vítimas e/ou testemunhas.

É exemplo disso:

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. INQUÉRITO POLICIAL. INSTAURAÇÃO. "DENÚNCIA ANÔNIMA". SUPERVENIENTE COLHEITA DE PROVAS ANTES DA INSTAURAÇÃO DA FORMAL INVESTIGAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. NOTÍCIA DE FALECIMENTO DE UM DOS PACIENTES. ORDEM PREJUDICADA EM PARTE.

1. A Constituição Federal veda o anonimato, o que tinge de ilegitimidade a instauração de inquérito policial calcada apenas em comunicação apócrifa. Todavia, na hipótese, a notícia prestou-se apenas a movimentar o Ministério Público que, após diligenciar, cuidou de, higidamente, requisitar o formal início da investigação policial.

2. Com a notícia do falecimento de um dos pacientes, resta prejudicada em parte a ordem.

3. Ordem em parte prejudicada e, na parte conhecida, denegada.” (HC 53.703/RJ, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 17/08/2009)

Mas, é de bom alvitre impor limites e esclarecer o âmbito de legitimidade

da providência. Destina-se ela a conduzir a autoridade policial a hipóteses em que se

deparará com a flagrância ou, ao menos, com a materialidade delitiva. Por isso, diante de comunicação apócrifa, não é possível instaurar-se inquérito policial para se averiguar sua veracidade. O que tal providência possibilita é a condução da autoridade para um cenário em que, se o caso, per se, diante do encontrado, possa se iniciar formalmente o procedimento investigatório.

Neste sentido, confira-se o entendimento do Pretório Excelso:

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ANONIMATO - NOTÍCIA DE PRÁTICA CRIMINOSA - PERSECUÇÃO CRIMINAL - IMPROPRIEDADE. Não serve à persecução criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente. (HC 84827/TO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe-147 DIVULG 22-11-2007 PUBLIC 23-11-2007).

Consigne-se, então, o entendimento acolhido por esta Sexta Turma:

"Procedimento criminal (acusação anônima). Anonimato (vedação).Incompatibilidade de normas (antinomia). Foro privilegiado

(prerrogativa de função). Denúncia apócrifa (investigação inconveniente).1. Requer o ordenamento jurídico brasileiro – e é bom que assim

requeira – que também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula.

2. Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência eletrônica anônima (e-mail), tiveram início, então, repletas de nódoas, tratando-se, pois, de natimorta notícia.

3. Em nosso conjunto de regras jurídicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informação; enfim, normas sobre segurança e normas sobre liberdade.

4. Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida.

5. Deve-se, todavia, distinguir cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipóteses, esteja a autoridade policial, diante de notícia, autorizada a apurar eventual ocorrência de crime.

6. Tratando-se, como se trata, porém, de paciente que detém foro por prerrogativa de função, ao admitir-se investigação calcada em denúncia apócrifa, fragiliza-se não a pessoa, e sim a própria instituição à qual pertence e, em última razão, o Estado democrático de direito.

7. A Turma ratificou a liminar – de caráter unipessoal – e concedeu a ordem a fim de determinar o arquivamento do procedimento criminal."

(HC 95838/RJ, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 26.02.2008, DJe 17.03.2008)

A aceitação da denúncia anônima, como dito, tem sido defendida pela jurisprudência majoritária, aí incluindo recentes posições do Supremo Tribunal Federal, como bem lembrado pelo Ilustre Ministro Og Fernandes, em seu voto proferido no julgamento do HC 128.776, acima indicado e no qual me tornei vencida, que na mesma linha supramencionada assentou que esse meio pode embasar investigações preliminares para o fim de colher elementos de possível prática de infração penal.

Novamente insisto no ponto de que a denúncia anônima, em grau de proporção, não pode alicerçar medidas coercitivas sem haver um mínimo de outros elementos indiciários, porque a recomendação majoritariamente aceita dá conta de que,

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primeiro, deve-se colher elementos de confirmação da notícia anônima, para, a partir daí, se embrenhar nos meandros de comprovação do fato alegado.

Uma coisa é dar-se início à investigação preliminar para se comprovar a lisura da denúncia anônima, outra, totalmente diversa, é cercar-se desta para arregimentar mecanismos cautelares excepcionais de colheita de provas e de comprovação de fatos supostamente delituosos, que somente seriam possíveis diante da abertura do inquérito policial.

É por essa vertente que verifico, na espécie, a desconexão entre a medida cautelar de quebra do sigilo de dados de um sem-número de usuários do sistema de telefonia e a necessidade de comprovação inicial do teor da denúncia anônima.

Como visto, a Polícia Federal tinha acesso aos dados da pessoa investigada, sabendo a sua identidade e, certamente, podia averiguar a sua movimentação diária, já que era acompanhada pelos procedimentos da “inteligência” policial, conforme afirmado nos expedientes endereçados ao Juiz do caso.

Portanto, cabia-lhe desvendar a situação do investigado, o que fazia, de que forma procedia, etc., e não, a partir do fundamento da denúncia anônima, desde logo invadir a intimidade de número indeterminado de pessoas, num procedimento de prospecção e de busca aleatória.

Neste passo, verifique-se que o Ministério Público Federal, no primeiro momento, compreendeu ser genérica a medida postulada; porém, não obstante inexistir justificativa hábil, assentiu, ao depois, ao seu deferimento.

Na verdade, dessume-se do contexto que o objetivo da investigação preliminar não era a busca de informações sobre o cidadão naturalizado KURT PAUL PICKEL; sobre o que ele fazia; mas identificar, por meio aleatório de acesso aos dados de usuário da telefonia, todas as pessoas que com ele tiveram ou realizaram algum negócio ou mesmo confirmar que determinadas pessoas, desconhecidas para os autos, de fato, mantinham relacionamento com o referido cidadão.

É, no meu entender, uma busca invasiva absolutamente desproporcional, o que faz prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública, já que não explicitado os verdadeiros motivos da constrição.

Veja-se que a denúncia anônima, segundo a autoridade policial, dava conta de que o referido cidadão era doleiro e atuava no mercado paralelo, fato que poderia ser comprovado por verificação de outros meios que não a quebra do sigilo de dados de todos os usuários da telefonia.

Por esse motivo, na hipótese do sistema albergado por nós acerca da ilicitude da prova produzida por meio ilícito, não há benevolência:

“Toda vez que houver infringência a princípio ou norma Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 2 7 de 102

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constitucional-processual que desempenhe função de garantia, a ineficácia do ato praticado em violação à Lei Maior será a consequência que surgirá da própria Constituição ou dos princípios gerais do ordenamento” (Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Filho. As Nulidades no Processo Penal. São Paulo: Malheiros, 1995, pág. 20).

Aqui se encontra, talvez, o grande diferencial entre o sistema norte-americano da exclusão da prova (exclusionary rule), que gerou, no âmbito da Suprema Corte a denominada teoria dos frutos da árvore envenenada (Fruits of the Pousonous Tree) e suas peculiaridades, com o nosso sistema de garantias constitucionais contra a admissão da prova ilícita.

Sobre as diferenças conceituais e específicas do sistema norte-americano, é de se mencionar o artigo do professor Marcos Zilli, na Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 79, págs. 185/208, com o título "We the people...", em que se faz abordagem de caso concreto julgado pela Suprema Corte americana.

Conclui o eminente professor:

"Mas, se uma discussão em tal nível empreendida pelo direito norte-americano apresenta-se ali adequada, a importação dessas soluções por estas bandas é altamente questionável. Afinal, por aqui o legislador constituinte expressamente inseriu a inadmissibilidade das provas ilícitas no campo dos direitos e das garantias fundamentais o que torna a proibição valor supremo, porquanto constitucionalmente afirmado. A mensagem é clara: a inadmissibilidade é garantia individual contra todo e qualquer arbítrio estatal que comprometa o exercício, o gozo e o respeito dos direitos fundamentais. Esta dimensão, note-se, não é encontrada no direito norte-americano, até mesmo porque a exclusão - efeito da proibição implícita - não foi expressamente declarada no texto constitucional. Como se sabe, tratou-se de uma criação jurisprudencial. Não cuida, portanto, de um direito individual, mas, sim, de uma decorrência deste, instituída com o objetivo de conferir-lhe maior eficácia. Por esse prisma, soa justificável a preocupação da Suprema Corte (americana ) em fixar limites à regra por ela criada.

(...)...No caso brasileiro, por mais que o princípio da proporcionalidade

tenha sido invocado por alguns com meio para minimizar eventuais distorções, não será possível reduzir a garantia da proibição das provas ilícitas ao terreno da excepcionalidade. Afinal, como garantia constitucional que é as interpretações não podem ser restritivas." (Artigo citado, págs. 205/206).

Essa mesma preocupação, vale lembrar, não atrai somente os olhares da

doutrina especializada, já que também pulula das apreciações judiciais. No âmbito desta Corte, por sinal, a questão é bastante debatida e faz parte

do entendimento dos componentes das duas Turmas de Direito Penal.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 2 8 de 102

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Por exemplo, no seio da Quinta Turma, há ponderadas divergências conceituais sobre a controvérsia em torno da aplicação dos princípios constitucionais.

Ao ensejo, peço licença para colacionar parte diminuta do voto do eminente Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, da Quinta Turma, que, após robusta argumentação sobre discussão similar, acerca da ponderação de princípios, concluiu:

“28. A criminalidade de qualquer nível ou natureza deve ser combatida com eficiência e pertinácia constantes e crescentes, mas esse objetivo à segurança da Sociedade não serve de escudo e nem justifica que as autoridades responsáveis pela sua consecução procedam de forma incontrolada ou segundo os ditames de suas percepções particulares do sistema de garantias jurídicas, ainda que explicáveis, de outro ponto de vista.

29. Só seria possível relevar essas exigências se se aceitasse a tese de que os fins justificam os meios, impropriamente atribuída a Nicolau Maquiavel; porém, no atual estágio em que se encontra o Direito Processual Penal Brasileiro, cujo norte é a fiel obediência ao princípio do Devido Processo Legal, não se pode admitir a infringência dos princípios e garantias constitucionais sob a justificativa de combate à criminalidade.” (Voto proferido no HC 124253/SP).

No mesmo julgamento, o Ministro Jorge Mussi lembrou:

“Por tratar-se de medida excepcional, o afastamento do sigilo de dados deve ser precedido de concretas e fundadas razões, não se podendo admitir que o abrandamento desta garantia constitucional seja realizado sem a demonstração efetiva da sua necessidade, comprovando-se a impossibilidade de obtenção da prova pretendida por outros meios disponíveis.”

A questão como posta, portanto, encaminha a solução do caso para considerar a ilicitude tanto da quebra do sigilo de dados inicialmente deferida, quanto das demais provas diretamente dali decorrentes, uma vez violados, por qualquer prisma considerado, os postulados das garantias constitucionais do processo penal, devendo-se observar, neste passo, que a decisão abrangeu situação indevidamente genérica com poder de atingir indiscriminado número de assinantes da telefonia.

Cumpre ainda apurar a informação do Juízo de primeiro grau de que, na verdade, os indícios para o deferimento da medida inicial não decorreram especificamente de "denúncia anônima", mas de procedimento de delação premiada ou mesmo como decorrência de outra operação policial, o que é absolutamente previsto em lei.

Por respeito ao Juízo Singular, cumpre pinçar algumas passagens das informações prestadas, constantes dos autos do HC 159.159/SP - fls. 1350/1355:

"A partir dos relatos do delator, apurações preliminares foram levadas a efeito pelo Departamento de Policia Federal, tendo sido possível vislumbrar,

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ainda, a informacão de que KURT PAUL PICKEL, em tese, "prestaria seus servicos ilegais a construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora CAMARGO CORREA " (fls. 30/33).

(...)A investigação denominada CASTELO DE AREIA além de estar

alicerçada em denúncia anônima e apurações preliminares levadas a efeito pelo Departamento de Polícia Federal, também teria sido confirmada por 'réu colaborador' junto à Polícia Federal.

Existe um procedimento para apuração da figura de "reu colaborador" que, a pedido deste e do Ministerio Publico Federal, deve ser mantido sob sigilo. Importa salientar que a figura do "delator" deve permanecer no anonimato a seu pedido, como invariavelmente tem ocorrido.

Esclareço que foi autorizado por este juízo o inicio do procedimento de delação premiada, aos 08.06.2007, ocasião em que se iniciaram as oitivas dos delatores, em especial pela autoridade policial, aos 09.06.2007, ou seja, sete meses antes da instauração dos autos n.º 2008.61.81.000237-7 (Obtenção de Senhas e Interceptação Telefônica), em meados de 2008, dos autos n.º 2009.61.81.004839-9 (IPL 12-0071/09), com Portaria de instauração datada aos 25.03.2009, e consequentemente da Ação Criminal n.º 2009.61.81.006881-7, cuja denúncia foi oferecida aos 29.05.2009, recebimento datado aos 18.06.2009 e o aditamento em 19.06.2009.

Ademais, os elementos indiciários igualmente restaram obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na Operação "DOWNTOWN", em trâmite na 2ª Vara Federal/SP também especializada em crimes financeiros e em "lavagem" de dinheiro, tudo por meio de decisão judicial exarada por aquele juízo.

Consigne-se que a interceptação telefônica atinente à Operacão CASTELO DE AREIA já estava em andamento quando da autorização por aquele juízo para o compartilhamento das informações.

(...)No caso da Delação Premiada mencionada, o delator, como praxe, tem

solicitado invariavelmente que permaneça no anonimato, apesar de, em todos os termos, haver sua identificação e firma.

Não se trata de prova secreta como aduziram os impetrantes. Toda a prova produzida a partir de relatos de réus colaboradores sempre, como obviamente tem que ocorrer, deve integrar os autos para propiciar a ampla defesa. In casu , o colaborador em feito diverso teceu considerações sobre a atividade de câmbio clandestino por parte da Camargo Correa com sua própria participação, o que forneceu elementos suficientes para permitir a sequência do procedimento de Delação Premiada, lastreada nas suas palavras e nos documentos que a respaldariam.

Conforme as cópias que seguem em anexo, os delatores nos autos n.º 2007.61.81.005185-7 (conhecido por Kaspar I e que buscaram primordialmente apurar a atividade de câmbio clandestino), teceram importantes afirmações sobre fatos diversos que envolveriam, em tese, sua atividade de "doleiro", havendo citação de políticos, advogado, empresas e instituições financeiras.

Dentre as pessoas citadas, estaria indicado KURT PAUL PICKEL, o mesmo que foi inicialmente objeto de apuração nos autos da chamada Operação "CASTELO DE AREIA".

Ora, o próprio teor do interrogatório judicial, bem ainda, dos termos colhidos na Polícia Federal com relação a várias pessoas, físicas e jurídicas, aí incluindo a Camargo Correa, não poderia deixar de ser protegido pelo

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sigilo, não somente para proteção do réu colaborador, mas e principalmente para proteção de terceiros citados e de futuras investigações.

Não se trata, pois, de prova secreta, mas de informação sigilosa que mereceria um cauteloso tratamento para evitar a exposição desnecessária. Veja que ambos os réus colaboradores mencionam o suposto envolvimento de KURT PICKEL em atividade de câmbio clandestino realizado em tese para a Camargo Correa e na ordem de um milhão de dólares por mês.”

A tomar pelo noticiado nas informações do Ilustre magistrado, de que havia procedimento de delação premiada, ou mesmo investigações preliminares, como defendido no acórdão ora atacado, os quais teriam embasado também a investigação inicial no caso da “Operação Castelo de Areia”, resta igualmente duvidosa a legalidade dos fundamentos da medida excepcional deferida, tendo em vista a previsão do art. 93, IX, da CR.

Com efeito, a exigência de motivação das decisões judiciais traz em si a obrigatoriedade ética da comprovação dos dados que eventualmente sustentam determinado provimento, porquanto, no processo dialético-democrático não é crível imaginar que ao juiz seja conferido o poder de decidir por meio de situações ocultas, não verificadas nos autos ou somente apuráveis nas entrelinhas da investigação.

Ao que tudo indica, há um desacerto entre os motivos inicialmente postos e a verdade da persecução, trazendo, como consequência, infeliz confusão de institutos.

De fato, as contradições do caso mostram que, primeiro, houve a indicação de denúncia anônima. Depois, houve a indicação de autos de delação premiada advinda de outra situação persecutória. E, por fim, que os indícios preliminares decorriam de testemunho protegido, portanto, oculto, ou mesmo de informante em outra operação policial.

No meu entender, com a devida vênia, tal situação soa absolutamente nova ao ordenamento jurídico, máxime porque, a despeito de se cogitar da proteção do agente delator, não se pode aceitar a proteção da verdade por meio de sua ocultação. Dizer que existe delator ou testemunha protegida, ou informante que seja (figura, a meu ver, ainda desconhecida do nosso sistema), não tem o mesmo sentido do que dizer que os indícios e provas tenham de ser sub-reptícios em razão da necessidade de ocultar a verdade até quando necessária aos órgãos de persecução.

Parece que não é isso que consta da previsão legal e não pode ser isso sugerido pela ponderação de princípios albergada no manto da proporcionalidade.

E não se diga que o compartilhamento de provas com outra apuração justificava o início do procedimento de investigação, já que, segundo mesmo reconheceu o Juízo Singular, isso se deu seis meses após a quebra de dados.

Afinal de contas, a evolução da ideia de relação processual, na qual também se inclui o juízo de garantias do acusado, trouxe para o Direito correlato uma das mais importantes conquistas, a de que o órgão julgador, sobretudo ele, está vinculado à verdade Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 3 1 de 102

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real, ao contraditório, à ampla defesa e a outros tantos primados, sem os quais o raciocínio jurisdicional perde conteúdo, ao mesmo tempo em que esvaziam os seus fundamentos de integridade e correção.

A propósito, a vitoriosa independência do Direito Processual acarretou a necessidade do processo como instrumento inafastável da jurisdição, sendo a forma de contenção do ímpeto da autoridade em julgar conforme o seu alvedrio ou mesmo conforme a sua discricionariedade.

Por isso, exigível a verificação da veracidade dos argumentos decisórios, sob pena de ferimento da garantia fundamental.

Ao ensejo, o magistério lapidar de Antonio Magalhães Gomes Filho:

"Pela ordem de importância, e diante da exigência constitucional, o primeiro requisito da motivação é o da integridade: ao sublinhar que todas as decisões serão fundamentadas, a Constituição não somente estabelece a regra de extensão desse dever a qualquer tipo de provimento jurisdicional, mas igualmente prescreve que 'todo' o provimento deve ser justificado.

(...)Assim, levando em conta o antes ressaltado vínculo entre motivação e

decisão, o parâmetro para aferir-se o requisito de integridade é dado pelas exigências de justificação que surgem a cada deliberação parcial, pois somente pode ser considerada completa a motivação que cobre toda a área decisória. Em outros termos, devem ser necessariamente objeto de justificação todos os elementos estruturais de cada particular decisão, como a escolha e interpretação da norma, os diversos estágios do procedimento de verificação dos fatos, a qualificação jurídica destes etc., bem como os critérios (jurídicos, hermenêuticos, cognitivos, valorativos) que presidiram as escolhas do juiz em face de cada um desses componentes estruturais do procedimento decisório.

(...)Um terceiro requisito substancial da motivação das decisões é a sua

correção, ou seja, a correspondência entre os elementos considerados como base da decisão e aqueles efetivamente existentes no processo." (In A Motivação das Decisões Penais, São Paulo: RT, 2001, págs. 174/175 e 178)."

Não se olvide que o procedimento de delação promovido com a “Operação Downtown” só foi efetivamente conhecido da persecução criminal na “Operação Castelo de Areia” após a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que no julgamento dos habeas corpus originários concedeu a ordem para tornar possível o conhecimento do seu conteúdo e veracidade, ao passo que as tais apurações preliminares jamais foram aclaradas pela autoridade policial.

Ademais, curiosamente, a denúncia ministerial não faz qualquer referência aos autos da delação premiada, tampouco afirma que as investigações preliminares decorreram de outra investigação da Polícia Federal, tendo citado o compartilhamento de

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provas da “Operação Downtown” de forma diminuta; ao contrário, sempre se reporta às interceptações realizadas no curso da investigação denominada “Castelo de Areia”. Isso se comprova, igualmente, com a representação primeva da autoridade policial, que nada esclarece sobre a existência de outra operação e de que os indícios preliminares dela decorriam.

Por sua vez, as decisões de deferimento das medidas cautelares não trazem qualquer menção sobre tais elementos indiciários ou quanto ao curso de investigação anteriormente deflagrada.

Aliás, do pouco que ficou demonstrado nos autos, jamais se poderia designar a investigação denominada "Operação Downtown" como sendo "investigações preliminares", porquanto se tratava, aquela altura, de verdadeira investigação formal (inquérito policial) de onde resultaria o procedimento de “delação premiada”.

Assim, tenho que não há a menor possibilidade de se justificar as medidas efetivadas na fase introdutória de investigação com o teor de eventual delação premiada ou mesmo com a existência de indícios sobrevindos de outra operação da Polícia Federal, sob pena de considerar a indicação de fundamento decisório oculto, somente conhecido da autoridade policial e/ou do Juízo.

Consigne-se, por oportuno, que a exigência de fundamentação das decisões judiciais não se compadece com justificação transversa, utilizada apenas como forma de tangenciar a verdade real e confundir a defesa dos investigados, mesmo que, ao depois, supunha-se estar imbuída dos melhores sentimentos de proteção social.

Vejam-se, novamente, os ensinamentos do professor Maurício Zanoide de Moraes:

“...Deve haver, na consciência judicial, uma clara diferença entre a 'responsabilidade social do juiz' de informar com clareza e precisão todos os caminhos fáticos e jurídicos escolhidos em sua decisão, sem com isso se deixar guiar por razões outras que se distanciem dos fatos demonstrados nos autos ou das razões constitucionais impostas pela lei. É a manutenção da legitimidade e do prestígio jurisdicional pela coerência contida na decisão diante das condições fático-jurídicas, não pela obrigatória identificação de sua decisão com razões estabelecidas por outros critérios manipuláveis e momentâneos.” (In Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, pág. 322).

Outra não foi a preocupação da Suprema Corte ao extirpar do cenário processual, em face do vício da inconstitucionalidade, o art. 3º da Lei 9.034/95, que dava ao Juiz a possibilidade de coletar a prova, em verdadeira atuação de acusador, e, o que é pior, de modo sigiloso para as partes. (ADIN 1570-2/DF).

Aduza-se, por outro lado, que a escolha desde logo da quebra do sigilo de

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dados, ao invés da interceptação telefônica, não muda o contexto do vício de origem, porque o meio de justificação da medida era absolutamente ilegal em virtude de não ter vindo alicerçado por parâmetros de correlação necessária.

Por tudo o que restou delineado, não vejo outra saída que não considerar nulo o procedimento de invasão de dados telefônicos autorizado pela decisão de fls. 258/259 dos autos deste writ, devendo ser igualmente anulados os demais procedimentos dali derivados diretamente, nos termos do art. 157 e parágrafos do CPP, cabendo ao Juiz do caso a análise de tal extensão, já que nesta sede de via estreita não se afigura possível averiguá-la.

Cumpre ainda esclarecer, em resposta a passagem específica da impetração, que outros expedientes realizados fora do contexto da presente ação penal, a exemplo de diligências da “Operação Downtonwn”, posteriormente compartilhadas, procedimentos realizados por instituições financeiras, fiscalização ou apuração do Banco Central, do TCU, investigações de superfaturamento de obra pública e de certame licitatório e ações outras em trâmite em diversas localidades, não estão abarcadas, em tese, por esta decisão, podendo os processos, caso existentes, continuar o seu curso normal, cabendo aos Juízos competentes analisar eventual alegação de nulidade.

Isso se dá porque afigura-se indevida tal perquirição no seio dos procedimentos heroicos ora apresentados, os quais não trazem elementos seguros de convicção para se apurar possíveis comprometimentos de tais proposições.

Além do que, os demais pontos da impetração, que fazem menção à nulidade das interceptações e demais procedimentos de prova (busca e apreensão, monitoramento de pessoas, escutas ambientais, bloqueio de contras e de bens etc), em face do tempo excessivo de monitoramento e da ausência de motivação, assim como a discussão sobre a necessidade de degravação integral de todas as conversas telefônicas colhidas com as interceptações, não foram enfrentadas pelos acórdãos do TRF da 3ª Região, na medida em que restou consignado na parte final do voto-condutor de ambos os habeas corpus originários:

"Ante o exposto, concedo habeas corpus de ofício para garantir ao paciente, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos.

Para tanto, determino a publicidade imediata dos documentos que, lacrados, se encontram juntados aos autos. Prejudicado, por ora, o exame das questões suscitadas na presente impetração, considerando-se que a legalidade das mesmas somente poderá ser aferida frente ao novo quadro processual que se delineará com a juntada aos autos das mencionadas investigações e amplo conhecimento dos réus/investigados e seus respectivos advogados."

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Então, é de se ponderar que os temas suscitados não foram devidamente examinados pela Corte Regional, o que impede o seu conhecimento desde logo por este Superior Tribunal, mas podem ser enfrentados no juízo de primeiro grau a partir do que é decidido nesta oportunidade.

Por igual razão, fica superada a sugestão desta relatora, encampada no voto do eminente Ministro Og Fernandes, de se conceder, de ofício, ordem de habeas corpus , para o fim de determinar novo pronunciamento da Corte de origem no tocante aos temas não examinados.

Concluindo, voto no sentido de conceder parcialmente a ordem, em ambos os habeas corpus (HC 137.349 e HC 159.159) para anular o recebimento da denúncia nos autos da Ação Penal n.º 2009.61.81.006881-7, permitindo-se o oferecimento de outra peça sem a indicação da prova considerada nula por esta decisão, estando prejudicadas as demais alegações.

Anote-se, por último, a substituição da medida liminar deferida nos autos do HC 159.159 por esta decisão, devendo-se devolver ao Juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo os documentos lacrados por determinação desta Relatora.

É como voto.

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5)

ESCLARECIMENTO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Em primeiro lugar, penso que

esta Casa vive, hoje, um dia exponencial pelo detido estudo doutrinário que V. Exa.

fez.

Trata-se de uma matéria, realmente, que eleva esta Casa ao nível

efetivamente da excelência. Porém, a matéria, como disse V. Exa., é complexa,

envolve exame, inclusive de posições jurisprudenciais distintas, aqui e alhures,

pelo que peço vista.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2009/0101038-5 HC 137.349 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200903000099741 200903000144461 200961810032100

EM MESA JULGADO: 14/09/2010

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃOPACIENTE : KURT PAUL PICKEL

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). ALBERTO ZACARIAS TORON, pela parte PACIENTE: KURT PAUL PICKEL Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto da Sra. Ministra Relatora concedendo parcialmente a ordem, pediu vista o Sr. Ministro Og Fernandes. Aguardam os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE)."

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

Brasília, 14 de setembro de 2010

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANASecretário

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5) (f)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: No dia 10.1.08, a autoridade

policial (Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros) encaminhou ofício,

distribuído ao Juízo da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, no qual aludia ao

recebimento de denúncia anônima, "dando conta de que uma pessoa de nome K.

P. estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado

paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto" (fls. 382).

Ainda segundo a referida comunicação oficial, teriam sido efetuadas

pesquisas nos bancos de dados da polícia, sendo possível "identificar a pessoa

mencionada como K. P. P., nascido na Suíça, detentor do CPF nº..." (fls. 382).

Após mencionar "enorme dificuldade na obtenção de provas" (fls. 382),

relacionadas aos crimes a serem apurados, pleiteava-se fosse determinado às

empresas operadoras de telefonia o fornecimento de senhas para os policiais

lotados naquela unidade, a fim de que esses agentes do Estado pudessem

"acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados

relativos ao cadastro de assinantes e usuários" (fls. 383).

Em virtude de inicial resistência por parte do órgão ministerial, foram

prestados esclarecimentos pelo Delegado condutor das investigações, após o que

o Parquet opinou favoravelmente ao pedido, deferido pelo Magistrado Federal

substituto daquela Vara, em decisão 22.1.08. Da referida decisão, colho estas

passagens (fls. 395/6):

Averiguando a informação recebida, a Autoridade Policial, após pesquisa em seu banco de dados, identificou a pessoa de K. P. P., nascido na Suíça e detentor do CPF nº (...), como sendo o possível envolvido na atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo.Desse modo, como meio de prosseguimento das investigações, a quebra do sigilo telefônico revela-se indispensável à investigação, pois cuidam-se de fatos graves, que envolveriam delitos contra o Sistema

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Financeiro Nacional e eventual 'lavagem' de valores.Portanto, diante da existência de indícios apurados em trabalhos de inteligência de que K. P. P. possa ser um 'doleiro' e consequentemente estar atuando na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e na 'lavagem' de valores, e não havendo outros meios para apurar os fatos, impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identificar o suposto modus operandi e a origem dos recursos.Ante o exposto, com fundamento no artigo 1º da Lei nº 9.296, de 24.7.1996, defiro o pedido de QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO, e DETERMINO a expedição de ofícios às empresas de telefonia (...) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias , aos policiais (....), todos em exercício na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários . (sem destaques no original)

Já no dia 8.2.08, a autoridade policial representou pela interceptação

telefônica de linhas constantes em nome do acusado K. P. P., esclarecendo o

seguinte (fls. 410):

Foram realizados levantamentos prévios pela Unidade de Inteligência desta Especializada que constatou que K. P. P. é suíço naturalizado brasileiro, RNE (...), CPF nº (...), residente na (...).Constam nos bancos de dados disponíveis que já participou do quadro societário das seguintes empresas: Cornwall Representações e Participações e Empreendimentos Comerciais LTDA., Swiss bank Corporation e Venture Partness Negócios e Finanças S/C LTDA.Através de investigações preliminares foi obtida a informação de que K. prestaria seus serviços ilegais a construtoras de grande porte, como, por exemplo, a construtora Camargo Correa.Todavia, não foi possível prosseguir nas investigações. Como é de conhecimento de Vossa Excelência, por trabalhar em uma das varas especializadas em crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de lavagem de dinheiro, os delitos desta natureza são de difícil comprovação, seja pelo próprio modus operandi , que normalmente envolvem operações de 'cabo', nas quais não existem transferências físicas de valores, seja pela dificuldade de identificação de agentes, ou mesmo pela praxe de destruição de provas, na maioria das vezes, faxes e anotações pessoais.Desta forma, para prosseguirmos com as investigações, há

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necessidade de nos valermos da interceptação telefônica, de acordo com a interpretação a contrario sensu do artigo 2º, da Lei nº 9.296/96.

O Juiz Federal substituto novamente deferiu o pedido (fls. 414/8 –

13.2.08), após manifestação favorável do representante do Ministério Público.

No curso das investigações, sucederam-se pedidos de prorrogação da

interceptação telefônica, sempre acolhidos pela autoridade judicial.

Em 20.3.09, o Juiz Federal titular apreciou novos pedidos formulados

pelas autoridades policiais, destacando-se estas pretensões:

a) decretação de prisões (preventiva ou temporária) de pessoas supostamente envolvidas no esquema criminoso desvendado a partir das investigações;b) expedição de mandados de busca e apreensão;c) quebra do sigilo fiscal e bancário dos envolvidos; ed) bloqueio de contas.

Parte desses pleitos foi acolhida e, no dia 29.5.09, sobreveio o

oferecimento da peça acusatória, recebida em 18.6.09.

Menciono a relação de denunciados com a correspondente imputação:

DENUNCIADO IMPUTAÇÃO

P. F. G. B.Artigos 6º e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

D. B.Artigos 6º e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

F. D. G.Artigos 6º e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

R. B. N. Artigo 22, da Lei nº 7.492/86 e artigo 288, do Código Penal.

K. P. P.Artigos 6º, 16 e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

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J. D. M.Artigos 6º, 16 e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

J. F. de A.Artigos 6º, 16 e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

M. S. D. (ou M. B.)Artigos 16 e 22, da Lei nº 7.492/86; artigo 1º, incisos VI e VII, § 1º, inciso I e II, da Lei nº 9.613/98; e artigo 288, do Código Penal.

M. B. I. Artigo 22, da Lei nº 7.492/86 e artigo 288, do Código Penal.

D. F. A. Artigo 22, da Lei nº 7.492/86 e artigo 288, do Código Penal.

G. S. Artigos 6º e 22, da Lei nº 7.492/86; e artigo 288, do Código Penal.

Houve aditamento, recebido em 19.6.09, quando se incluiu Raimundo

Antônio de Oliveira, acusado da suposta prática dos delitos previstos nos arts. 6º,

16 e 22 da Lei nº 7.492/86; art. 1º, incisos VI e VII, § 1º, incisos I e II, da Lei nº

9.613/98; e art. 288 do Código Penal.

Irresignados, os defensores dos acusados impetraram dois habeas

corpus junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região –

HC-2009.03.00.014446-1 (paciente K. P. P.) e HC-2009.03.00.027045-4 (pacientes

P. F. G. B. e F. D. G.).

No dia 1º.12.09, foi apreciado o mérito do HC- 2009.03.00.027045-4.

Na ocasião, foi concedida a ordem em parte, "para garantir aos pacientes, por

intermédio de seus advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a

todas as investigações preliminares, concomitantes, ou mesmo posteriores ao

procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito,

determinando a sua pronta vinda aos autos" (fls. 265).

Na mesma data, foi também julgado o HC-2009.03.00.014446-1,

sendo concedida a ordem, de ofício, nos termos supramencionados.

Daí a impetração dos habeas corpus ora trazidos a julgamento

(Habeas Corpus nos 137.349/SP e 159.159/SP).

O primeiro dos writs aqui impetrados (HC nº 137.349/SP) tem como

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beneficiário K. P. P. e aponta como autoridade coatora a Desembargadora

Relatora do HC-2009.03.00.014446-1.

Os impetrantes salientam que, embora tenha sido revogada a

segregação cautelar do ora paciente, ele continuaria a responder ação penal

originada das investigações da Polícia Federal levadas a efeito na chamada

Operação Castelo de Areia.

Dizem que, no curso dessas investigações, foram determinadas várias

medidas invasivas, tais como quebras de sigilos de dados, interceptações

telefônicas, escutas ambientais, além do monitoramento de pessoas e

determinação de busca e apreensão em diferentes locais, inclusive a residência do

citado paciente.

Alegam os doutos defensores que as investigações são nulas desde

seu nascedouro, em virtude de terem sido iniciadas a partir de denúncia anônima.

Sustentam que todas as provas que sucederam aquela primeira

seriam também imprestáveis, dada a incidência da teoria dos frutos da árvore

envenenada (fruits of poisonous tree).

Asseveram faltar efetiva fundamentação à decisão que determinou o

fornecimento de senhas aos agentes policiais, a fim de que estes pudessem

acessar o banco de dados das companhias telefônicas, pontuando que a

generalidade da determinação, que envolveria pessoas não identificadas, configura

constrangimento ilegal.

Apontam que a alegação de que as investigações seriam embasadas

também no compartilhamento de provas com a Operação Downtown é inverídica,

pois o referido compartilhamento só teria sido autorizado alguns meses após o

início dos trabalhos na Operação Castelo de Areia.

Entendem ser exacerbada a duração da interceptação telefônica, que

perdurou por mais de um ano. Aduzem, nesse ponto, ter sido desrespeitado o

prazo previsto na Lei nº 9.296/96.

Pedem, ao final, seja reconhecida como imprestável toda a prova

colhida a partir da denúncia anônima, incluídos os elementos obtidos através das

quebras de sigilo, interceptações telefônicas e mandados de busca e apreensão.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 4 2 de 102

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Subsidiariamente, pugnam pela transcrição integral dos diálogos

interceptados.

A liminar foi indeferida e, após prestadas as informações pela

autoridade coatora, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento

da ordem.

Os impetrantes do segundo habeas corpus (HC nº 159.159/SP) tem

como beneficiários P. F. G. B., D. B. e F. D. G., e se volta contra acórdão proferido

pelo TRF 3ª Região no HC-2009.03.00.027045-4.

Trazendo em seu bojo alegações semelhantes ao remédio

constitucional acima mencionado, o writ teve a liminar deferida pelo então

Presidente desta Corte, para sobrestar o curso da ação penal de que aqui se trata.

Houve agravo regimental contra a decisão deferitória da liminar, não

conhecido por esta Sexta Turma.

Após prestadas as informações de estilo, o Ministério Público Federal

opinou pela denegação da ordem, em parecer assim ementado:

Habeas Corpus . Crimes contra o sistema financeiro nacional, de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, detectados através de investigações realizadas pela Polícia Federal, no curso da Operação "Castelo de Areia". Writ que visa o reconhecimento da ilicitude da quebra do sigilo telefônico determinada no bojo da referida operação, com a consequente anulação de todos os procedimentos realizados com base nas provas produzidas. Alegativa de que as interceptações telefônicas foram deflagradas com apoio em simples denúncia anônima. Descabimento. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, se apresentar elementos informativos idôneos suficientes e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes do STJ. Medida invasiva precedida por diversas investigações preliminares, cujos resultados se mostraram harmônicos com o teor da delação apócrifa. Alegativa de ausência de motivos para a autorização da quebra do sigilo das comunicações telefônicas, bem como para sua prorrogação por 14 meses. Descabimento. Interceptação telefônica autorizada de forma devidamente fundamentada, pelo Magistrado competente, no curso do procedimento criminal preparatório. Obediência aos requisitos

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dispostos na Lei 9.296/96. Inexistência de restrição legal ao número de prorrogações do monitoramento telefônico, se a complexidade das infrações penais exigir o prosseguimento de tal providência investigativa e se essa circunstância ficar demonstrada por decisão suficientemente motivada. Parecer pelo conhecimento e pela denegação do writ.

Na sessão do último dia 14.9.2010, a douta Relatora, Ministra Maria

Thereza, trouxe voto pela concessão parcial das ordens, "para anular a denúncia

recebida nos autos da Ação Penal nº 2009.61.81.004839-9, permitindo-se o

oferecimento de outra peça sem a indicação da prova considerada nula por esta

decisão, estando prejudicadas as demais alegações".

Sua Excelência apontou, ainda, desfecho subsidiário, se a tese

encampada no voto não fosse vencedora. Resumidamente, concluía-se pela

concessão de habeas corpus de ofício, a fim de se determinar que a Corte

Regional seguisse no enfrentamento das teses lá sustentadas e julgadas

prejudicadas quando da apreciação do mérito dos writs originários.

Sem embargo da clareza do substancioso voto da culta Relatora, pedi

vista dos autos para análise.

Feito esse necessário relato, passo a proferir meu voto, dividindo-o

nos temas que considero centrais para elucidação da questão.

1) Sobre a possibilidade de utilização da denúncia anônima como ponto de

partida de investigações:

A vedação ao anonimato busca evitar a impunidade daqueles que, de

maneira irresponsável e valendo-se de variados subterfúgios, culminem por

imputar a prática de delitos a outras pessoas, escudando-se nessa ocultação da

identidade para se furtar à acusação de denunciação caluniosa.

É esse o motivo para que a aceitação da denúncia anônima pelas

autoridades públicas – marcadamente na seara penal – seja cercada de todas as

cautelas, de modo a não fomentar um "denuncismo" irresponsável.

Por outro lado, o Poder Judiciário não pode fechar os olhos à realidade Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 4 4 de 102

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global do nosso tempo, onde grupos criminosos atuam ora de forma insidiosa, ora

de maneira violenta, achacando aqueles que ousam denunciar os delitos por eles

praticados. Impõem, assim, uma invisível "Lei do Silêncio" aos que, tementes das

funestas consequências de eventuais delações, optam por permanecer inertes,

sem colaborar na elucidação de delitos, na identificação dos culpados. A história

da criminalidade do século passado e do início deste século apontam exemplos

como nos Estados Unidos, na Itália e, mais recentemente, no México.

Demonstrando idêntica preocupação, manifestou-se Eugênio Pacelli:

A questão é deveras complexa, tendo em vista que, não raras vezes, o autor da notitia criminis permanece no anonimato precisamente como meio de proteção pessoal e de seus familiares. Então, exatamente por isso, é de se receber com ressalvas a aludida decisão [de admissão da denúncia anônima como apta a deflagrar procedimentos de averiguação], até mesmo porque ela deixa consignada a necessidade de cautela no exame de cada caso.(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 12ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2009, pág. 52)

Foi nesse contexto que surgiram ferramentas como os conhecidos

Disque-Denúncia, os quais são importantes meios para auxiliar o Estado a

desvendar um sem número de delitos.

Em artigo publicado no Boletim IBCCRIM, Gustavo Henrique Moreira

do Valle fez interessante apanhado dos resultados advindos da utilização desse

mecanismo, circunscrito ao Estado de Minas Gerais. Disse o doutrinador:

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a experiência do foro criminal tem revelado ser extremamente comum o início de persecuções penais em virtude de noticia criminis anônima, na maioria das vezes realizada por meio do 'Disque Denúncia', também conhecido como 'Disque 181', serviço implantado pela Secretaria de Estado de Defesa Social do Estado de Minas Gerais em parceria com o Instituto Minas pela Paz...................................................................................................Para se ter uma ideia de sua utilização, destaca-se, com base em dados fornecidos pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Disponível em:

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http://www.sesp.mg.gov.br/internas/noticias/materiais/NOT-00728MAR2008.php. Acesso em: 27 fev 2009), que, nos primeiros três meses de funcionamento , o serviço recebeu cerca de trezentas e noventa mil ligações , sendo que, desse total, doze mil, quinhentas e trinta e seis 'denúncias' foram encaminhadas para investigação , resultando em cento e noventa e cinco pessoas presas , trinta e seis adolescentes apreendidos e trinta e nove foragidos da Justiça recapturados .(A denúncia anônima no processo penal brasileiro. In Boletim IBCCRIM – Ano 17 – nº 208 – março/2010, sem destaques no original)

Esses dados superlativos, referentes a curto período de tempo –

lembro: apenas três meses, somente em uma unidade da federação – dão mostras

da importância das denúncias anônimas (ou delações apócrifas ou notitia criminis

inqualificada).

A doutrina pátria, de hoje e de ontem, perfilha a orientação de que não

deve a autoridade policial pura e simplesmente desprezar as notícias chegadas

através de denúncia anônima. Ao revés, a ela cabe diligenciar em busca de novos

elementos, principalmente quando essa delação sem identificação aponte de

maneira satisfatória possível prática delitiva.

Veja-se, a esse respeito, os ensinamentos de Frederico Marques:

No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a exclusão do anonimato na notitia criminis , uma vez que é corolário dos preceitos legais citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente. Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investigação da autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos, uma vez que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou seu autor. Se, no dizer de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias . Cumpre-lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações, como se o escrito

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anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido notitia criminis inqualificada.(MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, 2ª edição. Volume I. Campinas: Millennium. 2000, pág. 147, sem destaques no original)

Em igual sentido, tem-se o posicionamento de Capez:

A delação anônima (notitia criminis inqualificada) não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida; contudo, requer cautela redobrada, por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações.(CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 7ª edição. São Paulo: Saraiva. 2001, pág. 77)

Ainda sobre a possibilidade de deflagração de investigações a partir

de denúncia anônima, escrevi, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 94.546/RJ, que:

Esta Corte tem proclamado ser possível o desencadeamento da persecução penal a partir de denúncia anônima, desde que sejam realizadas antes da instauração de inquérito policial ou procedimento investigativo equivalente diligências ou averiguações preliminares que atestem, por meio de elementos indiciários, a verossimilhança da notícia-crime apócrifa. Afinal, não se pode descurar que a autoridade policial, por mister constitucional, tem o poder-dever de apurar as infrações penais e a sua autoria (art. 4º do CPP), valendo-se dos meios legítimos que lhe são disponibilizados (art. 6º do CPP), não podendo quedar-se inerte diante do conhecimento da prática de fato criminoso.

Nesse diapasão, confiram-se os seguintes julgados:

Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, quando presentes indícios da participação do agente na prática delitiva, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado.

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(HC-76.749/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 11.5.09)

Inexiste ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações iniciadas por notícia anônima, eis que a autoridade policial tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados. (Inteligência do artigo 4º, § 3º CPP).(HC-106.040/SP, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 8.9.08)

Não há ilegalidade na instauração de inquérito com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela, o que se revela no presente caso, pois tanto a investigação quanto o inquérito vêm sendo conduzidos sob sigilo.(HC-38.093/AM, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 17.4.04)

De acordo com a jurisprudência da Quinta Turma desta Corte, não há ilegalidade na instauração de inquérito policial com base em investigações deflagradas por denúncia anônima, eis que a autoridade policial tem o dever de apurar a veracidade dos fatos alegados, desde que se proceda com a devida cautela (HC 38.093/AM, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 17/12/2004). Além disso, as notícias-crimes levadas ao conhecimento do Estado sob o manto do anonimato têm auxiliado de forma significativa na repressão ao crime (HC 64.096/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 04/08/2008). A propósito, na mesma linha, recentemente decidiu a c. Sexta Turma desta Corte no HC 97.122/PE, Relª. Minª. Jane Silva - Desembargadora Convocada do TJ/MG -, DJ de 30/06/2008. Enfim, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a determinar a instauração de inquérito policial, desde que contenham elementos informativos idôneos suficientes para tal medida, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado (HC 44.649/SP, 5ª Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJ de 08/10/2007).(HC-93.421/RO, Relator Ministro Felix Fischer, DJe de 9.3.09)

A culta Relatora lembrou-nos do que se decidiu nesta Sexta Turma,

quando do julgamento do Habeas Corpus nº 95.838/RJ, de relatoria do ínclito

Ministro Nilson Naves. Sua Excelência, naquela ocasião, redigiu a seguinte

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ementa:

Procedimento criminal (acusação anônima). Anonimato (vedação). Incompatibilidade de normas (antinomia). Foro privilegiado (prerrogativa de função). Denúncia apócrifa (investigação inconveniente).1. Requer o ordenamento jurídico brasileiro – e é bom que assim requeira – que também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula.2. Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência eletrônica anônima (e-mail), tiveram início, então, repletas de nódoas, tratando-se, pois, de natimorta notícia.3. Em nosso conjunto de regras jurídicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informação; enfim, normas sobre segurança e normas sobre liberdade.4. Havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida. 5. Deve-se, todavia, distinguir cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipóteses, esteja a autoridade policial, diante de notícia, autorizada a apurar eventual ocorrência de crime . 6. Tratando-se, como se trata, porém, de paciente que detém foro por prerrogativa de função, ao admitir-se investigação calcada em denúncia apócrifa, fragiliza-se não a pessoa, e sim a própria instituição à qual pertence e, em última razão, o Estado democrático de direito.7. A Turma ratificou a liminar – de caráter unipessoal – e concedeu a ordem a fim de determinar o arquivamento do procedimento criminal.(HC-95.838/RJ, Relator Ministro Nilson Naves, DJe de 17.3.08)

Deve ser destacado que, no bojo do voto, o Relator originário ressaltou

questão peculiar, qual seja, a existência de prerrogativa de foro.

Essa circunstância foi por ele utilizada como sustentáculo para

justificar e garantir, em última análise, o resguardo das instituições democráticas, e

não do agente singularmente considerado. Houve, também, a ressalva da

possibilidade de utilização do serviço do disque-denúncia.

Recupero, a propósito, o que consta no mencionado voto:

Talvez seja lícito distinguirmos casos, de sorte que, em determinados Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 4 9 de 102

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momentos, possa a autoridade policial, de posse de notícia, ainda que anônima, apurar eventual ocorrência de crimes . É o que vemos, por exemplo, no chamado "disque-denúncia". Penso, entretanto, estarmos nós diante de outra peculiaridade: o paciente, como vimos de ver, detém foro por prerrogativa de função . Conceituando tal instituto, Faustin Hélie dizia-o "une garantie assurée à l'independence et à l'impartialité de la justice, et qui, par conséquent, est destinée à proteger um intérêt general" (apud Frederico Marques. "Apontamentos sobre o processo penal brasileiro". São Paulo: Revista dos Tribunais, 1959).Ao se admitir a submissão de pessoa com tal prerrogativa a investigação calcada em denúncia apócrifa – mesmo eletrônica –, fragiliza-se não a pessoa, e sim, a própria instituição à qual ela pertence e, em última razão, o próprio Estado democrático de direito . (sem destaques no original)

Vou além para também consignar que os precedentes mencionados

no multicitado voto (QO na Sindicância nº 81/SP, DJ de 28.8.06 e QO na

Notícia-Crime nº 280/TO, DJ de 5.9.05) igualmente diziam respeito a acusados

com foro privilegiado, aplicando-se as ressalvas já deduzidas.

Uma vez assentada a possibilidade de as investigações partirem de

denúncia anônima, deve-se perquirir se essa notitia criminis inqualificada,

isoladamente considerada, seria instrumento hábil a embasar o deferimento de

acesso aos dados cadastrais, junto às empresas de telefonia.

Consultando a jurisprudência deste Pretório, encontrei um julgado da

Quinta Turma desta Corte, no qual se rechaçou a possibilidade de a denúncia

anônima servir, por si só, de supedâneo à autorização de interceptação telefônica.

Sem olvidar esse precedente, ao que quero crer, a hipótese presente

guarda maior relação com o decidido no Habeas Corpus nº 150.820/SC, assim

ementado:

HABEAS CORPUS. NARCOTRAFICÂNCIA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA JÁ PROFERIDA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA AÇÃO PENAL, POR ILICITUDE DA PROVA COLHIDA POR MEIO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, QUE TERIA SIDO DEFERIDA A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA TESE

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SUSTENTADA. INVIABILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA EM HC. INVESTIGAÇÃO DEVIDAMENTE INSTAURADA PELA AUTORIDADE POLICIAL, QUE, JUSTIFICADAMENTE, REQUEREU A QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO PARA IDENTIFICAÇÃO DE OUTROS MEMBROS DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PELO JUÍZO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.1. A assertiva de que denúncias anônimas automaticamente conduziram à quebra de sigilo telefônico de um dos envolvidos, o que possibilitou a identificação dos demais, bem como deflagrou as buscas e apreensões, e, por isso, todas as provas derivadas daquela interceptação seriam nulas, em verdade, não restou comprovada; ao contrário, ao que se tem dos autos, algumas pessoas, inclusive o primeiro paciente, estavam sendo investigadas por tráfico de entorpecentes na região de Itajaí/SC. A representação da Autoridade Policial pela quebra de sigilo telefônico restou bem fundamentada e objetivou, principalmente, a identificação de outros membros da organização criminosa, tendo sido deferida a medida em decisão judicial devidamente motivada.2. Não comprovado, de plano, pelos documentos constantes nos autos, que o inquérito foi iniciado com base apenas em denúncia anônima e sendo inviável ampla dilação probatória em HC, não há como dar azo à irresignação . Precedentes.(HC 150.820/SC, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 3.5.2010), sem destaques no original.

De fato, a controvérsia em torno da existência – ou não – de outros

elementos servindo de amparo às medidas restritivas de liberdades individuais

ultrapassa, a meu ver, os estreitos limites da garantia constitucional do habeas

corpus e encontra terreno fértil em sua sede natural, a saber, na própria ação

penal ora suspensa, por força de liminar.

De todo modo, consta que na hipótese presente existiriam

investigações preliminares, efetivadas pela autoridade policial. A propósito,

recupero o que consta no primeiro ofício encaminhado ao Juízo do processo,

quando se requereu o acesso aos dados cadastrais de K. P. P. (fls. 382):

Recebemos nesta Unidade de Análise e Inteligência (UADIP/DELEFIN/DRCOR/SR/DPF/SP) notitia criminis anônima, dando conta de que uma pessoa de nome K. P. estaria se dedicando à atividade compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem

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qualquer respaldo legal para tanto.Tratar-se-ia de verdadeiro 'doleiro', atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro.Através de pesquisas em nossos bancos de dados foi possível identificar a pessoa mencionada como K. P. P., nascido na Suíça, detentor do CPF nº ... (sem destaques no original)

Ainda quando a culta Relatora fazia a leitura de seu alentado voto,

veio-me à lembrança outro habeas corpus que, a meu sentir, guarda estrita

relação com os agora julgados. Trata-se do Habeas Corpus nº 128.776/SP, cuja

relatoria coube ao ilustre Desembargador convocado Celso Limongi.

A fim de constatar a íntima semelhança entre o precedente citado e a

hipótese presente, recupero alguns trechos do voto então proferido pelo Relator:

A similitude entre o aresto citado e a hipótese presente está delineada

em toda a extensão do julgado.

Primeiramente, o eminente Relator, ao fazer a narrativa das alegações

vazadas na impetração, salientou que teria havido "um requerimento de

autorização judicial para interceptação telefônica dos pacientes, baseado

apenas em uma denúncia anônima."

Diziam lá os impetrantes, também, que não estaria "demonstrada

nos autos a imprescindibilidade do monitoramento telefônico, uma vez que se

observa que a autoridade policial não tentou nenhum outro meio de dar

prosseguimento às investigações."

O Relator, entretanto, não acolheu os argumentos defensivos,

salientando que "as medidas adotadas pelo MM. Juiz, entre elas a

interceptação telefônica, foram necessárias para o prosseguimento das

investigações sobre a ocorrência dos crimes pelos quais os pacientes foram,

posteriormente, denunciados."

Em outra passagem, ele asseverou, com propriedade:

Como se vê, as investigações estavam em curso e, diante da Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 5 2 de 102

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impossibilidade de obtenção de provas por meios diversos, foi requerido o monitoramento telefônico . O movimento reduzido das operadoras de turismo, comprovado após a denúncia anônima, reforçou a convicção de anormalidade da agência e mostra a necessidade de prosseguimento das investigações, de modo que não se pode afirmar que a denúncia anônima fora o único elemento a lastrear a autorização do monitoramento . (sem destaques no original)

Após o voto do Desembargador Haroldo Rodrigues seguindo o Relator

e o da Ministra Maria Thereza, pela concessão da ordem, pedi vista dos autos,

trazendo-os a julgamento na sessão de 22.6.2010, quando me manifestei nestes

termos:

Cinge-se o writ, em suma, na alegação de que a ação penal a que respondem os pacientes teria se iniciado a partir de interceptação telefônica deferida pelo magistrado de primeiro grau, com base exclusiva em denúncia anônima. Requer, diante disso, a extinção do feito, sustentando que a Constituição Federal veda o anonimato e que não foi demonstrada, no caso, a imprescindibilidade do monitoramento telefônico.Observo, como muito bem salientado pelo ilustre Relator, que cuidou a autoridade policial de proceder a investigações preliminares, a fim de verificar a verossimilhança dos fatos narrados na denúncia anônima . É o que se deduz do seguinte trecho da representação formulada pela autoridade policial:

Em investigações realizadas percebeu-se que os escritórios dessas agências não apresentam movimento normal de operadoras de turismo, o que mais uma vez aponta a possível veracidade das denúncias proferidas anonimamente.

Em casos tais, o Supremo Tribunal Federal tem entendido ser a denúncia anônima perfeitamente aceitável . A propósito, cito como exemplo o recente julgado:................................................................................................................. Por fim, verifico que a interceptação telefônica só foi deferida diante da impossibilidade de obtenção de provas por outros meios . Nesse particular, ponderou a autoridade policial:

De tal sorte que a investigação se mostra necessária de acordo com as orientações legais no contexto de polícia judiciária.

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A complexidade na produção de provas de crimes financeiros aconselha a medida de exceção admitida constitucionalmente de interceptações telefônicas e de dados desses investigados, uma vez que a operacionalização de transações financeiras ocorre não somente através de papel-moeda, como também por diversos meios eletrônicos conhecidos.

Aliás, tal circunstância restou salientada pelo magistrado quando do deferimento da medida excepcional (fl. 48):

O sigilo telefônico que tem por objetivo a preservação da intimidade do indivíduo não pode dar abrigo à prática de crimes e pode ser quebrado mediante autorização judicial, desde que a medida se demonstre concretamente necessária à investigação dos fatos, tal como se apresenta no caso.Ademais, havendo indícios razoáveis da autoria ou participação das pessoas mencionadas na representação da autoridade policial em infrações penais punidas com pena de reclusão (...) e "diante da inexistência de outros meios disponíveis que não ponham em risco a investigação" (...) "considerando-se ser, no presente momento, a única medida capaz e eficaz para permitir a apuração das infrações penais em curso, com a identificação dos detalhes das práticas fraudulentas, bem como a autoria das pessoas físicas e jurídicas envolvidas "...

Como se vê, cai por terra a alegação de que não foi demonstrada a imprescindibilidade do monitoramento telefônico .Com tais considerações, acompanho o Desembargador convocado Celso Limongi e denego a ordem . (sem destaques no original)

Nos casos agora em debate, há ainda uma outra peculiaridade. Além

dessas diligências preliminares, existiriam também declarações prestadas por

parte de pessoas acusadas em outro processo. Esses delatores teriam, meses

antes da própria delação apócrifa, firmado acordo com as autoridades do Estado

em troca dos benefícios constantes na Lei nº 9.807/99.

Nessa diretriz, haveria de vir à baila o entendimento sufragado por

este Tribunal em casos assemelhados. Trago julgados de ambas as Turmas

Criminais:

Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 5 4 de 102

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ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, quando presentes indícios da participação do agente na prática delitiva, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado.2. O deferimento do pedido de interceptação telefônica, ao contrário do que afirma o Impetrante, não foi fundado em denúncia anônima, mas em outros elementos probatórios colhidos na averiguação inicial realizada de forma regular, com a devida observância dos preceitos legais .(HC 76749/SP, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 11.5.09, sem destaques no original)

Para a determinação da quebra do sigilo telefônico dos investigados, mister se faz a demonstração, dentre outros requisitos, da presença de razoáveis indícios de autoria em face deles. Inteligência do artigo 2º, I da Lei 9.296/1996.A presença de denúncia anônima e de matérias jornalísticas indicando a possível participação dos investigados na empreitada criminosa é suficiente para o preenchimento desse requisito .É certo que elementos desse jaez devem ser vistos com relativo valor, porém, não se pode negar que, juntos, podem constituir indícios razoáveis de autoria de delitos.(HC 116.375/PB, Sexta Turma, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 16.12.08, sem destaques no original)

Em outro julgado, a Desembargadora convocada Jane Silva repisou a

orientação colacionada, consoante se depreende da seguinte ementa:

HABEAS CORPUS – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – CORRUPÇÃO PASSIVA – INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO E QUEBRA DO SIGILO TELEFÔNICO COM BASE EM DENÚNCIAS ANÔNIMAS – POSSIBILIDADE – WRIT DENEGADO.1- Para determinação da quebra de sigilo telefônico, há exigências de que existam indícios de autoria, não havendo, por outro lado, impedimento de que o inquérito policial tenha se iniciado após denúncias anônimas .2- Writ denegado.(HC 97.212/PE, Relatora Desembargadora convocada Jane Silva, DJe de 30.6.08, sem destaques no original)

Inconformados com a denegação da ordem supra-aludida, os

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defensores foram ao Supremo Tribunal, que, em decisão majoritária, assim

decidiu:

Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Possibilidade de denúncia anônima, desde que acompanhada de demais elementos colhidos a partir dela. Instauração de inquérito. Quebra de sigilo telefônico . Trancamento do inquérito. Denúncia recebida. Inexistência de constrangimento ilegal. 1. O precedente referido pelo impetrante na inicial (HC nº 84.827/TO, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 23/11/07), de fato, assentou o entendimento de que é vedada a persecução penal iniciada com base, exclusivamente, em denúncia anônima. Firmou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa "denúncia" são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações. 2. No caso concreto, ainda sem instaurar inquérito policial, policiais federais diligenciaram no sentido de apurar as identidades dos investigados e a veracidade das respectivas ocupações funcionais , tendo eles confirmado tratar-se de oficiais de justiça lotados naquela comarca, cujos nomes eram os mesmos fornecidos pelos "denunciantes". Portanto, os procedimentos tomados pelos policiais federais estão em perfeita consonância com o entendimento firmado no precedente supracitado, no que tange à realização de diligências preliminares para apurar a veracidade das informações obtidas anonimamente e, então, instaurar o procedimento investigatório propriamente dito . 3. Habeas corpus denegado.(HC 95.244/PE, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 23.3.2010, DJe de 30.4.2010, sem destaques no original)

No mesmo sentido, a Suprema Corte decidiu o Habeas Corpus nº

98.345/RJ (Primeira Turma, julgado em 16.6.2010 – DJ de 17.9.2010), vencido o

eminente Ministro Marco Aurélio .

De se ressaltar, ainda, que esses dois julgados do Tribunal Maior

confirmaram aquilo que fora decidido por esta Sexta Turma. Isso porque o

Habeas Corpus nº 98.345/RJ – segundo precedente citado – se voltava contra

acórdão proferido no Habeas Corpus nº 103.566/RJ, igualmente de relatoria da

laboriosa Desembargadora Jane Silva.Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 5 6 de 102

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Destaco, outrossim, que a orientação levada a efeito pela Primeira

Turma do STF foi também perfilhada pelo outro órgão fracionário daquele Tribunal.

Veja-se, a propósito, trecho este precedente:

HABEAS CORPUS. "DENÚNCIA ANÔNIMA" SEGUIDA DE INVESTIGAÇÕES EM INQUÉRITO POLICIAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E AÇÕES PENAIS NÃO DECORRENTES DE "DENÚNCIA ANÔNIMA". LICITUDE DA PROVA COLHIDA E DAS AÇÕES PENAIS INICIADAS. ORDEM DENEGADA. Segundo precedentes do Supremo Tribunal Federal, nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada 'denúncia anônima', desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados (86.082, rel. min. Ellen Gracie, DJe de 22.08.2008; 90.178, rel. min. Cezar Peluso, DJe de 26.03.2010; e HC 95.244, rel. min. Dias Toffoli, DJe de 30.04.2010). No caso, tanto as interceptações telefônicas, quanto as ações penais que se pretende trancar decorreram não da alegada 'notícia anônima', mas de investigações levadas a efeito pela autoridade policial. A alegação de que o deferimento da interceptação telefônica teria violado o disposto no art. 2º, I e II, da Lei 9.296/1996 não se sustenta, uma vez que a decisão da magistrada de primeiro grau refere-se à existência de indícios razoáveis de autoria e à imprescindibilidade do monitoramento telefônico . Ordem denegada.(HC 99.490/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 23.11.2010, DJe de 1º.2.2011)

É de ver que todos os julgados referidos ocorreram no ano de

2010 e sinalizam a orientação da Suprema Corte sobre o tema.

Feito esse enquadramento, dúvidas não tenho acerca da higidez das

investigações iniciais levadas a efeito no bojo da ação penal ora em análise.

A uma, porque a autoridade policial, após o recebimento da denúncia

anônima, efetivamente efetuou diligências preliminares, tal qual preceituam a

doutrina e a jurisprudência desta Casa e do Supremo Tribunal, identificando, as

sociedades comerciais constituídas pelo paciente K. P., além de outros dados

vinculados à Receita Federal.

A duas, porque havia delação premiada, levada a efeito meses antes

da própria delação apócrifa, o que corrobora com a necessidade das Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 5 7 de 102

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investigações. Sobre a sua juntada nos autos em momento posterior,

manifestar-me-ei adiante.

Dito isso, afasto a nulidade inicial, aventada nas impetrações aqui

dirigidas.

2) Da necessidade/licitude das medidas determinadas primeiramente pelo

Juízo condutor do feito:

Entendo necessário, primeiramente, esclarecer acerca da aplicação da

Lei nº 9.296/96 às hipóteses de quebra de sigilo de dados telefônicos.

Ressalto que essa Lei surgiu da prescrição contida no inciso XII do art.

5º de nossa Constituição, de seguinte redação:

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

A questão aqui versada é controvertida na doutrina. Há vigorosos

argumentos tecidos por doutrinadores no sentido de que a Lei nº 9.296/96 regularia

não só as hipóteses de interceptação telefônica.

A primeira corrente defende que a norma editada pelo legislador

ordinário abrangeria igualmente o sigilo de dados telefônicos.

Para outros, no entanto, estaria afastada da incidência da Lei nº

9.296/96 a disciplina referente aos dados telefônicos. Veja-se, a propósito, o que

escreveu Luiz Flávio Gomes: "não é o caso (...) de se aplicar a Lei nº 9.296/96

aos registros ('dados') telefônicos, pois ela só disciplina a interceptação (ou

escuta) telefônica" (GOMES, Luiz Flávio. A CPI e a quebra do sigilo telefônico. In

Direito & Justiça. Correio Braziliense. 28.4.1997).

Corroborando esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes assevera:

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Para o STF, ademais, o sigilo garantido pelo art. 5º, XII, da CF refere-se apenas à comunicação de dados, e não aos dados em si mesmos . A apreensão de um computador, para dele se extraírem informações gravadas no hard disk, por exemplo, não constitui hipótese abrangida pelo âmbito normativo daquela garantia constitucional – RE 418.416, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 10-5-2006 .(MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008, pág. 386, sem destaques no original)

Seja qual for a corrente a ser seguida, um outro ponto que me parece

relevante é dar escorreito enquadramento jurídico ao que fora determinado,

inicialmente, pelo Juízo do processo.

Em ofício de nº 2.504/08, datado de 10.1.2008, a autoridade policial,

após breve relato dos fatos, formulou este pedido (fls. 1.429):

Desta forma, para iniciarmos a investigação, requeiro seja determinado às empresas operadoras de telefonia (Telefônica, Embratel, Vésper, Vivo, Tim, Claro, Oi, Nextel) o fornecimento de senhas para os Policiais Federais Karina Murakami Souza, Otavio Margonari Russo, Paulo Correa Almeida, Renato Sadaike, Alexandre Lino de Souza, todos em exercício na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários . (sem destaques no original)

Quinze dias depois, após manifestação favorável do representante do Parquet , o magistrado substituto da 6ª Vara Federal de São Paulo deferiu o pleito, nestes termos (fls. 1.439):

Ante o exposto, com fundamento no artigo 1º da Lei nº 9.296, de 24.07.1996, defiro a quebra de sigilo telefônico e determino a expedição de ofícios às empresas de telefonia (Telefônica, Embratel, Vésper, Vivo, Tim, Claro, Oi, Nextel) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias , aos Policiais Federais Karina Murakami Souza, Otavio Margonari Russo, Paulo Correa Almeida, Renato Sadaike, Alexandre Lino de Souza, todos em exercício na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefônicas e obterem

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dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários . (sem destaques no original)

Vimos, pois, que a permissão dada, na verdade, foi para que os

agentes do Estado tivessem acesso aos bancos de dados das concessionárias de

telefonia, com o fim de obterem dados cadastrais dos assinantes.

Verifique-se:

Especificamente no que concerne à alegação da senha fornecida aos agentes policiais federais, tem-se que referidas senhas foram deferidas ao Delegado de Polícia Federal e aos agentes de Polícia Federal , participantes da operação, para consulta ao cadastro de assinantes e usuários , tais como dados qualificativos do assinante do usuário, endereços de cobrança, telefones de contato e extrato, tendo, então, sido expedido ofício às Operadoras de Telefonia, informando tal determinação judicial. (fls. 1.129)

... mister se faz diferenciar o que é acesso a dados de contrato de prestação de serviços telefônicos e o que é acesso à interceptação das comunicações telefônicas. Inicialmente, a autoridade policial pediu o acesso ao cadastro contratual em 10.01.2008 e a autoridade impetrada deferiu o pedido no dia 22.01.2008, com prazo de 30 dias – e não por prazo indeterminado , como alegam os impetrantes. (fls. 1.279)

Esses dados cadastrais, de um modo geral, ficavam, até bem pouco

tempo, disponíveis para serem consultados no serviço telefônico "102" ou, ainda,

nos catálogos telefônicos, entregues periodicamente em todos os domicílios.

Por certo, caso houvesse legítima resistência por parte do usuário da

linha telefônica, esses registros poderiam ser restringidos do grande público.

A partir dessa situação, tenho que a hipótese versada não atrairia a

norma vazada no inciso XII da Lei Maior (inviolabilidade de sigilos), mas, sim,

aquela que protege a intimidade da vida privada, esculpida no inciso X do mesmo

diploma.

Em artigo publicado na Revista da AJUFERGS, José Paulo Baltazar

Júnior, escorado em precedentes deste Tribunal e também da Suprema Corte, Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 6 0 de 102

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escreveu:

3.4. DADOS CADASTRAIS TELEFÔNICOS:Os dados cadastrais, como nome dos assinantes do serviço telefônico e as relações de chamadas feitas e recebidas não estão sujeitos ao regime da Lei nº 9.296/96, constituindo-se em registros públicos quanto a dados cuja autorização é divulgada pelo tomador do serviço, nos termos do artigo 213 da Lei nº 9.472/97 . Quanto aos demais dados, devem-se atender ao princípio da proporcionalidade.................................................................................................Afasta-se aqui, a tentativa de fundamentar o sigilo de dados telefônicos no inciso XII do art. 5º da Constituição, que trata das comunicações de dados, e não dos dados, que não estão, por si, cobertos por sigilo, mas encontram-se protegidos enquanto objeto de correspondência ou de comunicação . Tanto é assim, que se admite a interceptação apenas no caso de comunicação telefônica, em virtude de sua instantaneidade.................................................................................................Caso se entenda que os dados referidos no inciso XII do art. 5º da Constituição são quaisquer dados, entendidos estes como informações, independentemente de estarem sendo ou não comunicados, todo e qualquer registro de informações, em qualquer suporte, como papel, fitas gravadas, disquetes, computadores, estaria coberto por sigilo . Essa solução inviabilizaria, na prática, a prova de qualquer ilícito, administrativo ou penal, bem como as provas no processo civil, de modo que não pode ser esta a interpretação do dispositivo constitucional.Nesse ponto, merece ser transcrito o seguinte trecho de autoria do Min. Francisco Rezek , em voto proferido no MS nº 21.729-4/DF:

Do inciso XII, por seu turno, é de ciência corrente que ele se refere ao terreno das comunicações : a correspondência comum, as mensagens telegráficas, a comunicação de dados, e a comunicação telefônica. Sobre o disparate que resultaria de entendimento de que, fora do domínio das comunicações, os dados em geral – e a seu reboque o cadastro bancário – são invioláveis, não há o que dizer . O funcionamento mesmo do Estado e do setor privado enfrentaria um bloqueio. A imprensa, destacadamente, perderia sua razão de existir.

No mesmo sentido a manifestação do Min. Sepúlveda Pertence no julgamento do MS nº 23.452/RJ, como segue:

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Com relação especificamente à requisição de dados telefônicos – que aqui só se enfrentou de raspão – a minha convicção é a de que o problema há de ser encarado à luz do princípio da proteção constitucional da intimidade, e não propriamente do inc. XII do art. 5º, que diz respeito ao sigilo das comunicações, em suas diversas modalidades: são desdobramentos que a tecnologia impôs ao multissecular princípio da inviolabilidade da correspondência. O que ali se protege, pois, é a comunicação telemática de dados : a não ser assim, então, todos os dados, todos os apontamentos, todos os fichários antigos e modernos existentes no mundo estariam protegidos por uma reserva que até se pode sustentar absoluta, porque a alusão final do inc. XII do art. 5º, é restrita às comunicações telefônicas. A meu ver, o absurdo a que levaria conferir quanto a tudo o mais uma reserva absoluta mostra que, naquele inciso, só se cogitou das diversas técnicas de comunicação. E, por isso mesmo, teve-se de resguardar mesmo de intromissão judicial o próprio ato de comunicação, salvo se cuidar da comunicação telefônica, única em que a interceptação é necessária, porque não deixa prova de seu conteúdo.

Consequência da fundamentação da proteção de dados, incluídos os dados telefônicos, no inciso XII do art. 5º da Constituição seria a impossibilidade de sua quebra para fins extrapenais, uma vez que o dispositivo somente prevê sua relativização para fins de investigação criminal ou instauração processual penal. Mais que isso, albergada a proteção de dados no inciso XII do art. 5º da Constituição, somente poderiam ser fornecidos com autorização judicial, como está expressamente previsto no dispositivo.Ainda assim, se entende fundada a proteção de dados telefônicos no direito fundamental à vida privada, objeto do incio X do art. 5º. Sendo a proteção da vida privada um direito disponível, os dados fornecidos pelo usuário da linha telefônica – como número, nome completo e endereço – poderão ser divulgados livremente pela companhia – em lista impressa, na rede mundial de computadores ou por telefone – se houver autorização expressa ou tácita do contratante do serviço . A questão sobre a preservação da vida privada surgirá quando inexistir autorização do usuário para a divulgação dos dados cadastrais, por não ter autorizado a sua publicação em lista ou quando se referir a contatos feitos, à relação de chamadas, horários, duração, ligações recebidas e estações de origem, em caso de telefônica celular. Em tais casos, não é permitido à empresa de telefonia a divulgação das informações (STJ, ROHC, 8.493/SP, Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., un., DJ 2.8.99).É inaplicável a tais dados a disciplina das interceptações

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telefônicas, objeto da Lei nº 9.296/96, que recai sobre as comunicações telefônicas (STF , MS 23.452/RJ, Celso de Mello , Pl., un., DJ 12.5.00), ressalvada a possibilidade de sua aplicação analógica (TRF 4ª R., ACR 2000.70.02.001445-6/PR, José Luiz B. Germano. T. Especial, un., DJ 20.2.02). Não há, de outro lado, lei disciplinadora de tal questão, faltante em nosso ordenamento uma lei geral de proteção de dados. (BALTAZAR Jr., José Paulo. Dez anos da Lei da Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996). Interpretação jurisprudencial e anteprojeto de mudança, in Revista da AJUFERGS/03, pág. 124-7, sem destaques no original)

De todo modo, qualquer que seja o princípio constitucional a ser

equacionado (X ou XII ambos do art. 5º da CR), não vislumbro, na decisão

judicial que originou o acesso aos dados cadastrais, a mácula apontada

pelos ilustres defensores.

Com efeito, não se pode negar que a quebra do sigilo de dados

cadastrais/registros telefônicos como o das comunicações telefônicas

constituem medidas invasivas, que devem ser levadas a efeito em situações

excepcionais, somente após uma cautelosa ponderação de valores/interesses

envolvidos.

Nos dizeres de Gilmar Mendes,

O sigilo haverá de ser quebrado em havendo necessidade de preservar um outro valor com status constitucional, que se sobreponha ao interesse na manutenção do sigilo. Além disso, deve estar caracterizada a adequação da medida ao fim pretendido, bem assim a sua efetiva necessidade – i.e., não se antever outro meio menos constritivo par alcançar o mesmo fim. O pedido de quebra do sigilo bancário ou fiscal deve estar acompanhado de prova da sua utilidade. Cumpre, portanto, que se demonstre que "a providência requerida é indispensável, que ela conduz a alguma coisa"; vale dizer, que a incursão na privacidade do investigado vence os testes da proporcionalidade por ser adequada e necessária .(MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição. São Paulo: Saraiva. 2008, pág. 386), sem destaques no original.

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Volta-se, assim, à necessidade de se observar detidamente o princípio

constitucional da proporcionalidade, bem assim seus subprincípios.

A esse respeito, trago à consideração as lições de Paulo Bonavides:

A adoção do princípio da proporcionalidade representa talvez a nota mais distintiva do segundo Estado de Direito , o qual, com a aplicação desse princípio, saiu admiravelmente fortalecido. Converteu-se em princípio constitucional, por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e Suíça. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional 20ª edição. São Paulo: Malheiros. 2007. págs. 399, sem destaques no original)

Em outra passagem, o mestre cearense arremata:

Constatou a doutrina a existência de três elementos, conteúdos parciais ou subprincípios que governam a composição do princípio da proporcionalidade.Desses elementos, o primeiro é a pertinência ou aptidão (geeingnetheit), que, segundo Zimmerli, nos deve dizer se determinada medida representa 'o meio certo para levar a cabo um fim baseado no interesse público' , conforme a linguagem constitucional dos tribunais. Examina-se aí a adequação , a conformidade ou a validade do fim. .................................................................................................................O segundo elemento ou subprincípio da proporcionalidade é a necessidade (erforderlichkeit), ao qual também alguns autores costumam dar tratamento autônomo e não raro identificá-lo com a proporcionalidade propriamente dita. Pelo princípio ou subprincípio da necessidade, a medida não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja , ou uma medida para ser admissível deve ser necessária..................................................................................................................Finalmente, depara-se-nos o terceiro critério ou elemento de concretização do princípio da proporcionalidade, que consiste na proporcionalidade mesma, tomada stricto sensu . Aqui, assinala Pierre Muller, a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo .Quem utiliza o princípio, segundo esse constitucionalista, se defronta ao mesmo passo com uma obrigação e uma interdição; obrigação de fazer uso de meios adequados e interdição quanto ao uso de meios desproporcionados . (sem destaques no original)

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Voltando-me aos elementos do princípio da proporcionalidade acima

referidos, entendo que a decisão judicial era adequada aos fins pretendidos,

necessária no caso presente e também proporcional ao vulto dos delitos

supostamente perpetrados. Vejamos:

Digo ser adequada, pois, como bem nos lembra Reinaldo Rossano:

...é possível até mesmo a decretação do grampo como início de investigação , respeitados os requisitos legais, ou seja, devem existir indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão, ordem judicial competente e a prova não pode ser feita por outros meios disponíveis. Não se exige, pois, que haja um procedimento penal em andamento ou que a investigação criminal já se tenha iniciado.(ALVES, Reinaldo Rossano. Direito Processual Penal. 7ª edição. Rio de Janeiro: Ímpetus. 2010, pág. 345)

Reputo necessária, por entender que não havia outros meios

menos gravosos/invasivos de as provas serem eficazmente coletadas. Nessa

quadra, basta uma leitura aligeirada da peça acusatória para nos depararmos com

toda a sorte de artifícios utilizados sempre e sempre com o objetivo de se furtar ao

aparelho estatal.

Trago, a título de exemplo, algumas das práticas utilizadas nesse

desiderato:

a) uso de criptografia, "instalada em alguns telefones utilizados,

inclusive a partir da aquisição de equipamento israelense" (fls.

103);

b) utilização de códigos com nomes de animais (fls. 106) e de linguagem em idioma alemão (fls. 105); c) realização de transferências de altos numerários de forma fracionada, com vistas a passar incólume à fiscalização do COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras (fls. 105/106);d) comunicação através dos sistemas Voip e Skype (fls. 103), além de

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as conversas acontecerem, preferencialmente, de forma presencial (fls. 104), de modo a evitar que os diálogos fossem possivelmente interceptados;e) utilização de empresas 'fantasma' e de 'fachada' para viabilizar movimentações financeiras clandestinas (fls. 119/120);f) intenção, demonstrada por um dos acusados, de trocar o HD – hard disk – de seu computador pessoal, temeroso de que o referido aparelho fosse apreendido pela autoridade policial (fls. 107);g) preocupação na "destruição dos comprovantes das transações realizadas" (fls. 112).

A descoberta desses elementos indiciários foi viabilizada através da

quebra do sigilo de dados e, principalmente, de interceptações telefônicas.

A propósito, confira-se (fls. 1.280):

Cumpre salientar, ainda, que, ao contrário do alegado pelos impetrantes, a autoridade policial, em sua Representação pela Interceptação Telefônica, frisou que, através de investigações preliminares, foi obtida a informação de que Kurt Paul Pickel, trabalharia como 'doleiro' em favor da CCCC, mantendo, para tanto, intenso e diário relacionamento com os pacientes Pietro Francesco Giavina-Bianchi, Darcio Brunato e Fernando Dias Gomes (diretores estatutários da empresa e chefes da operação) e, em razão das dificuldades de se comprovar delitos desta natureza, as interceptações telefônicas eram imprescindíveis para a continuidade das investigações .Desta forma, verifica-se que o acesso aos cadastros e a realização das escutas eram medidas imprescindíveis , tendo sido realizadas por autoridade pública, sob supervisão do Juízo Federal e do Ministério Público Federal. Todos os documentos atinentes à colheita da prova indicam a cautela no seu registro e o controle sobre os atos realizados. Não houve qualquer abuso.Por outro lado, o conteúdo das conversas gravadas e registradas nos autos não pode ser objeto de análise aprofundada nos autos do HC, como propõem os impetrantes. Questões de fato controvertidas são insuscetíveis de análise em sede de habeas corpus , que não comporta no seu rito sumário dilação probatória.

Dada a complexidade e dificuldade de apuração dos fatos, os

responsáveis pelas investigações tiveram de lançar mão, até mesmo, das Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 6 6 de 102

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denominadas TEI – Técnicas Especiais de Investigação – incorporadas ao

ordenamento jurídico nacional (Lei nº 9.034/95) e usualmente explicitadas em

tratados internacionais dedicados à repressão da criminalidade (sofisticadamente)

organizada.

Uma dessas técnicas especiais foi a instalação de escutas ambientais,

instrumento que se mostrava mais apropriado à apuração dos diálogos feitos

pessoalmente. A prova daí advinda foi reputada lícita pelo Plenário da Suprema

Corte (decisão majoritária) .

A propósito, transcrevo trecho do Informativo nº 529/STF:

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 4

Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental , por ausência de procedimento previsto em lei. Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental , razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações. Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95 , definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo . Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 ("Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: ... IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;"), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial , o que se dera no caso. Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial.Inq 2.424/RJ, rel.

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Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5

Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão . Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade . Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância . Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no

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mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu , que pressupõe a presença de pessoas que o habitem. De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional , já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.Inq 2.424/RJ, rel. (sem destaques no original)

Como visto, entendeu aquela Corte ser proporcional a instalação de

escutas ambientais em escritório de advocacia – abarcado pelo conceito de

domicílio – durante o período noturno.

Na ocasião, lembrou o eminente Relator, Ministro Cezar Peluso,

inexistir direito absoluto. Naquele caso foi reafirmado que um direito

constitucional (na hipótese, a intimidade da vida privada e a inviolabilidade de

domicílio) não poderia ser usado como escudo para a prática de toda sorte de

delitos.

Daí que vislumbro a similitude de situações, a atrair também aqui a

adequação, necessidade e, principalmente, proporcionalidade das medidas

procedidas no bojo das referidas investigações.

Certo é que temos, na presente hipótese, uma situação de tensão,

de há muito anunciada, entre preceitos constitucionais de igual envergadura.

Diante desse inevitável conflito surgido entre princípios/regras de

mesma estatura jurídica, cabe ao intérprete recorrer ao método da ponderação de

interesses, perquirindo, caso a caso, qual – ou quais – dessas normas haverá –

ou haverão – de prevalecer.

Nesse contexto de tensão dialética, assevera Sérgio Cavalieri Filho

caber ao "intérprete encontrar o ponto de equilíbrio entre princípios constitucionais

em aparente conflito, porquanto, em face do 'princípio da unidade Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 6 9 de 102

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constitucional', a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma, não

obstante a diversidade de normas e princípios que contém" (Programa de

Responsabilidade Civil. 6ª edição. São Paulo: Malheiros. 2005. págs. 129/131, item

nº 19.11).

Esse juízo interpretativo não tem o condão de inquinar como

inconstitucional nenhum dos direitos/garantias envolvidos, até mesmo porque não

se adota, no ordenamento pátrio, a teoria das normas constitucionais

inconstitucionais (ou inconstitucionalidade de normas originárias), defendida pelos

professores Otto Bachof e Jorge Miranda.

Ressalto que a necessidade dessa ponderação de interesses é

propalada por toda a doutrina, nacional e estrangeira. Ela se liga diretamente com

o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, conforme declara Gilmar

Mendes, citando Robert Alexy. Verifique-se:

O juízo de ponderação a ser exercido liga-se ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução. Devem-se comprimir no menor grau possível os direitos em causa, preservando-se a sua essência, o seu núcleo essencial (modos primários típicos de exercício do direito). Põe-se em ação o princípio da concordância prática, que se liga ao postulado da unidade da Constituição, incompatível com situações de colisão irredutível de dois direitos por ela consagrados.O juízo de ponderação diz respeito ao último teste do princípio da proporcionalidade (proporcionalidade em sentido estrito)..................................................................................................................É importante perceber que a prevalência de um direito sobre outro se determina em função das peculiaridades do caso concreto. Não existe um critério de solução de conflitos válido em termos abstratos. Pode-se, todavia, colher de um precedente um viés para solução de conflitos vindouros. Assim, diante de um precedente específico, será admissível afirmar que, repetidas as mesmas condições de fato, num caso futuro, um dos direitos tenderá a prevalecer sobre o outro .

Volto os olhos ao caso presente.De um lado, busca-se a preservação da intimidade da vida privada e

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de seus consectários (inviolabilidade de sigilos de dados e das comunicações

telefônicas). De outro lado, temos a segurança da coletividade, o poder-dever do

Estado de reprimir a prática delitiva e também a probidade da Administração.

Reporto-me a esse princípio regedor da Administração Pública, pois a

partir da leitura dos autos, deparo-me com a acusação de possível atuação delitiva

– indicadamente reiterada – em licitações públicas, abrangendo cifras

exponenciais.

Diante das supostas condutas, dúvidas não me acorrem quanto à

necessidade de se investigar a possível prática de crimes, que teriam causado

prejuízo aos cofres públicos.

Consta da incoativa que aos pacientes dos writs em análise são

atribuídos delitos com suposto enraizamento na máquina estatal.

Demais disso, a decisão do Magistrado de piso está devidamente

fundamentada e, ao contrário do que asseverou a defesa, teve prazo determinado

– 30 (trinta) dias.

Houve prorrogações autorizadas das interceptações, tema não

analisado pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual evito tecer considerações, ante

a supressão de instância.

O Juiz teve a cautela de determinar o sigilo dos autos e de limitar o acesso deles "somente às partes e autoridades que nele oficiarem" (fls. 1.439), agindo, notadamente, com vistas a resguardar a intimidade das pessoas a serem investigadas.

Após me debruçar sobre todos os elementos até então evidenciados, convenço-me da semelhança entre a hipótese presente e o que se decidiu na Suprema Corte, no Mandado de Segurança nº 24.369-MC/DF.

Vejamos:

É inquestionável que a delação anônima pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais, igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das

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prerrogativas básicas, em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição .O caso ora exposto pela parte impetrante - que é entidade autárquica federal - pode traduzir, eventualmente, a ocorrência, na espécie, de situação de conflituosidade entre direitos básicos titularizados por sujeitos diversos.Com efeito, há, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5º, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expressão do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delações anônimas abusivas. E existem, de outro, certos postulados básicos, igualmente consagrados pelo texto da Constituição, vocacionados a conferir real efetividade à exigência de que os comportamentos funcionais dos agentes estatais se ajustem à lei (CF, art. 5º, II) e se mostrem compatíveis com os padrões ético-jurídicos que decorrem do princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput). Presente esse contexto, resta verificar se o direito público subjetivo do cidadão à rigorosa observância do postulado da legalidade e da moralidade administrativa, por parte do Estado e de suas instrumentalidades (como as autarquias), constitui, ou não, limitação externa aos direitos da personalidade (considerados, aqui, em uma de suas dimensões, precisamente aquela em que se projetam os direitos à integridade moral), em ordem a viabilizar o conhecimento, pelas instâncias governamentais, de delações anônimas, para, em função de seu conteúdo - e uma vez verificada a idoneidade e a realidade dos dados informativos delas constantes -, proceder-se, licitamente, à apuração da verdade, mediante regular procedimento investigatório..................................................................................................................Parece registrar-se, na espécie em exame, uma situação de colidência entre a pretensão mandamental de rejeição absoluta da delação anônima, ainda que esta possa veicular fatos alegadamente lesivos ao patrimônio estatal, e o interesse primário da coletividade em ver apuradas alegações de graves irregularidades que teriam sido cometidas na intimidade do aparelho administrativo do Estado .Isso significa, em um contexto de liberdades em conflito, que a colisão dele resultante há de ser equacionada, utilizando-se, esta Corte, do método - que é apropriado e racional - da ponderação de bens e valores, de tal forma que a existência de interesse público na revelação e no esclarecimento da verdade, em torno de supostas ilicitudes penais e/ou administrativas que teriam sido praticadas por entidade autárquica federal, bastaria, por si só, para atribuir, à

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denúncia em causa (embora anônima), condição viabilizadora da ação administrativa adotada pelo E. Tribunal de Contas da União, na defesa do postulado ético-jurídico da moralidade administrativa, em tudo incompatível com qualquer conduta desviante do improbus administrator.Na realidade, o tema pertinente à vedação constitucional do anonimato (CF, art. 5º, IV, in fine) posiciona-se, de modo bastante claro, em face da necessidade ético-jurídica de investigação de condutas funcionais desviantes, considerada a obrigação estatal, que, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna imperioso apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse público . (MS nº 24.369-MC/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 16.10.2002, sem destaques no original)

Essas considerações foram feitas pelo Ministro Celso de Mello em

mandado de segurança impetrado contra decisão do Tribunal de Contas da União.

Sem embargo disso, entendo-as perfeitamente ajustadas ao caso

presente, pois, como já explicitei, as condutas supostamente praticadas

transbordariam a seara privada, entrelaçando-se nocivamente no aparelho

estatal e contaminando a esperada licitude de procedimentos licitatórios.

Assim, inegável também a afronta a outros postulados de cariz constitucional, tais

como a legalidade e a moralidade administrativas.

Faço tais considerações sem olvidar toda a problemática relativa

também à suposta prática dos delitos de 'lavagem' de capitais, formação de

quadrilha etc.

Quanto a essas infrações, ressalto a acusação de possível

transferência de valores a diferentes países (muitos deles considerados 'paraísos

fiscais'), evidenciando, em tese, a transnacionalidade dos delitos.

Sob essa ótica, entendo necessário registrar a preocupação – que

compartilho – do referenciado Ministro Celso de Mello em relação à repressão às

infrações que excedam as fronteiras nacionais. Veja-se:

A ausência de efetiva reação estatal ao desrespeito sistemático das

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leis, por parte daqueles que atuam no âmbito de organizações criminosas transnacionais, traduz omissão que frustra a autoridade do Direito, que desprestigia o interesse público, que gera o descrédito das instituições e que compromete o princípio da solidariedade internacional na repressão incondicional aos delitos que ofendem a consciência universal e o sentimento de decência e dignidade dos povos. Por isso mesmo, a impunidade representa preocupante fator de estímulo à delinqüência, gerando, no espírito do cidadão honesto, o sentimento de justa indignação contra a indiferença ética do Estado, que se revela incapaz ou destituído de vontade política para punir aqueles que transgridem as leis penais . (www.stf.jus.br)

Foi exatamente para coibir a prática de delitos dessa magnitude que a

comunidade internacional firmou a Convenção de Palermo, Tratado Internacional

contra o "Crime Organizado Transnacional".

O referido tratado traz em seu bojo, entre outras, a regra segundo a

qual "as autoridades responsáveis pela administração, regulamentação, detecção

e repressão e outras autoridades responsáveis pelo combate à lavagem de

dinheiro (incluindo, quando tal esteja previsto no seu direito interno, as autoridades

judiciais), tenham a capacidade de cooperar e trocar informações em âmbito

nacional e internacional, em conformidade com as condições prescritas no direito

interno".

E mais, no intuito de viabilizar a apuração das infrações, também se

consignou que "os Estados Partes diligenciarão no sentido de desenvolver e

promover a cooperação à escala mundial, regional, sub-regional e bilateral entre as

autoridades judiciais, os organismos de detecção e repressão e as autoridades de

regulamentação financeira, a fim de combater a lavagem de dinheiro".

Já no plano interno, o Estado brasileiro vem editando leis, no sentido

de corroborar a necessidade de cooperação entre os órgãos de combate à

criminalidade organizada.

Nesse sentido, cito a Lei Complementar nº 104/01, que, em seu art.

199, parágrafo único, dispõe:

A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados,

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acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos .

A norma acima colacionada diz respeito à matéria tributária. Esse

compartilhamento, com muito mais vigor, pode ocorrer também na repressão a

crimes.

A propósito, confira-se o que consta na Lei Complementar nº 105/01:

Art. 2o (...).................................................................................................................§ 4o O Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários, em suas áreas de competência, poderão firmar convênios :I - com outros órgãos públicos fiscalizadores de instituições financeiras, objetivando a realização de fiscalizações conjuntas, observadas as respectivas competências;II - com bancos centrais ou entidades fiscalizadoras de outros países , objetivando:a) a fiscalização de filiais e subsidiárias de instituições financeiras estrangeiras, em funcionamento no Brasil e de filiais e subsidiárias, no exterior, de instituições financeiras brasileiras;b) a cooperação mútua e o intercâmbio de informações para a investigação de atividades ou operações que impliquem aplicação, negociação, ocultação ou transferência de ativos financeiros e de valores mobiliários relacionados com a prática de condutas ilícitas .

Não se pode deixar de lado uma pronta resposta estatal à atuação de

requintadas organizações criminosas, que se valem de robustos artifícios,

buscando escapar dos mecanismos de controle.

Em data recente – 10.12.2010 –, foi realizado o seminário "Provas e

Gestão da Informação: Novos Paradigmas". Na oportunidade, o insigne Ministro

Cezar Peluso, salientando a necessidade da busca de novas técnicas de

investigação, anotou:

Não só o processo penal pode, senão deve, ser eficiente, sem que isso represente violação aos limites do processo penal constitucional.

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O caminho para essa solução de compromisso entre legalidade e eficiência está, necessariamente, na utilização de novas tecnologias para colheita e gerenciamento das informações probatórias .(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=16782)

É de ver que há um crescente esforço, nacional e internacional, em

fechar o cerco à criminalidade organizada, a qual, no mais das vezes, não respeita

as fronteiras de nenhuma Nação, rumando a uma "atuação globalizada" na prática

delitiva.

Todos os cuidados têm sido tomados pelos legisladores – e também

pelos operadores do Direito – no intuito de não esvaziar um núcleo essencial,

conteúdo mínimo a ser preservado invariavelmente.

Na hipótese de que aqui se trata, entendo, com a vênia devida dos

que pensam em sentido diverso, que esse núcleo intangível não foi ferido de

morte.

Ao que quero crer, as investigações encetadas na ação penal em

epígrafe vão ao encontro da necessidade de resguardo da coletividade, à

repressão da criminalidade organizada, desestimulando a busca da prática do

"crime perfeito".

3) Das provas produzidas antes da denúncia e mantidas fora do alcance da

defesa:

Insurgem-se também os zelosos defensores sobre as provas que

teriam sido coletadas em arrepio ao princípio do contraditório, pois que só

mencionadas pelo Juiz do processo quando prestou informações à ilustre

Desembargadora Relatora dos writs originários.

Sob este ponto, não é de hoje a controvérsia sobre a aplicabilidade

dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante a fase pré-processual

(inquérito policial).

Alexandre de Moraes, citando jurisprudência, pontua:Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 7 6 de 102

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O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais , pois a fase investigatória é preparatória à acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois, mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.(MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª edição. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 108)

Tal entendimento, no entanto, vem sofrendo uma releitura nos mais

recentes julgados. Prova disso é a edição da Súmula Vinculante nº 14, de seguinte

teor:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Mas, no desate da controvérsia ora posta, essa questão fica em um

segundo plano.

Vale dizer, após o recebimento da denúncia e instauração da ação

penal, havia provas coletadas pelo órgão acusador que, sendo de

conhecimento do Juiz do processo, permaneceram fora do alcance dos

acusados.

A existência desses elementos probatórios só foi tornada pública com

o julgamento do writ originário, após a Desembargadora Cecília Mello determinar a

juntada de ofício encaminhado, em caráter sigiloso, pelo Magistrado condutor do

feito.

Lembro, outrossim, que devem ser mantidos em sigilo os termos do

acordo de delação e não as informações que digam respeito aos delatados. Essas

devem ser trazidas ao feito, a fim de que possam ser contraditadas.

A propósito, recupero as palavras do Ministro Gilson Dipp em voto

proferido no Habeas Corpus nº 59.115/PR, quando discorria acerca do instituto da

delação premiada:

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O que importa nos acordos é que haja o controle jurisdicional. No caso, o que os juízes, principalmente os juízes das varas federais criminais especializadas, têm feito, é proporcionar a celebração do acordo entre defesa, ou seja, co-réu colaborador e seu advogado, e o Ministério Público, seguida da homologação pelo Magistrado. Esse acordo tem, certamente, ocorrido em autos em sigilo de justiça, naqueles chamados procedimentos criminais diversos na Justiça Federal. O teor do acordo está na proteção, não só das pessoas que possam ser envolvidas pelo teor das informações, mas da própria garantia de que o co-réu colaborador vá ter aplicado a seu favor as benesses que a lei lhe proporciona, dependendo da efetividade do seu grau de cooperação.A palavra do co-réu colaborador, por si só, não serve para embasar uma condenação, não serve sequer para embasar uma denúncia. Ela precisa vir nos autos, no bojo da ação penal, acompanhada de outros indícios de prova que corroborem suas assertivas. Está dito no acordo, na garantia do co-réu colaborador, que este será beneficiado relativamente ao grau de sua informação, ou seja, no acordo é dito que se for efetiva a colaboração, ele terá a pena atenuada ou substituída por restritiva de direitos ou até mesmo beneficiado pelo perdão judicial, que a lei permite. Tudo isso talvez fira a nossa suscetibilidade em termos de cultura histórica do Direito Penal.Agora , o réu não tem direito a ter acesso a esse acordo, que é homologado pelo juiz e na garantia do próprio co-réu colaborador. O teor das informações, no momento do procedimento da ação penal, seja pelo depoimento do co-réu colaborador como testemunha, ou pelos fatos narrados que foram decorrentes do acordo de delação premiada, estes sim são objeto do crivo do contraditório e da ampla defesa , como foi feito, no presente caso, pelo que deduzi da leitura do voto da Ministra Relatora. Então, aquilo que foi informado no acordo e que interessa à sociedade . Acordo de delação premiada é para crimes graves, não só do co-réu colaborador como daquele co-réu delatado, porque acordo de delação premiada não foi feito para furto de galinha, não pode ser banalizado nem pode ser objeto de intermediários, de "corretores" de delação premiada. Por isso, cabe o controle jurisdicional.Neste caso, se as provas, se as informações prestadas, seja pela forma de depoimento testemunhal, seja por fatos narrados por interceptações telefônicas, se esses dados obtidos em decorrência de acordo de delação premiada foram objeto na ação penal do crivo do contraditório e da ampla defesa, não há nada a ser sanado.(HC-59.115/PR, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 12.2.2007, sem destaques no original)

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Relembro aqui que os princípios do contraditório e da ampla defesa

abrangem a participação efetiva e a possibilidade de influência na decisão.

Sem elas, estão inarredavelmente feridas de morte a paridade de armas e a ideia

do processo devido, justo.

Não há como se conceber que prova ocultada da defesa permita a ela,

defesa, exercer uma verdadeira influência na decisão do Magistrado.

Consignem-se estas lições de Alexandre de Moraes:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)..................................................................................................................Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor . (sem destaques no original)

Por mais relevantes que fossem os motivos pelos quais se postergou a

apresentação dos elementos já produzidos, não havia respaldo para essa prática.

Feito esse registro, observo que essas minhas preocupações também

mereceram o cuidado da Eminente Ministra Maria Thereza.

Mais que isso: esse tema ocupou, em quase toda a sua extensão, o

voto dos primeiros habeas corpus, julgados pelo Tribunal Federal da 3ª Região.

Vejamos as seguintes passagens do voto da eminente

Desembargadora Cecília Melo:

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Cabe advertir que, assentada essa premissa, deparei-me com questão relevante que, no meu sentir, sobrepõe-se à questão da validade da investigação iniciada ou não unicamente por denúncia anônima, consistente na EXISTÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES das quais, nem os impetrantes, advogados constituídos, nem os pacientes, e até mesmo esta relatora, até hoje, tiveram acesso .Aliás, tampouco esta relatora teve acesso a tais investigações preliminares , as quais, não obstante terem sido referidas nas informações prestadas pelo Magistrado impetrado, aos autos não foram enviadas.Um exame detido das razões da impetração, instruída com cópia integral do procedimento de interceptação telefônica , revela que a autorização para o compartilhamento de informações data de 30/07/2008 , ao passo que as primeiras interceptações telefônicas no caso concreto foram determinadas em 22/01/2008 (quebra de sigilo de dados) e 13/02/2008 (interceptação de conversas), ou seja, quase seis meses depois.Afigura-se incontroverso, pois, que a interceptação telefônica atinente à Operação Castelo de Areia já estava em andamento quando da autorização do Juízo da 2ª Vara Criminal para o compartilhamento das informações , conforme restou amplamente comprovado.Portanto, a afirmação de que os elementos indiciários foram obtidos por meio do compartilhamento de informações constantes na "Operação Downtown" , em que se logrou apurar que a Camargo Correa já vinha adotando a prática de utilizar-se de serviços de doleiros para remeter divisas para fora do país, não encontra amparo nos autos .Em segundo lugar, depreende-se dos autos que entre a apresentação da denúncia anônima e a quebra do sigilo telefônico, não há nenhuma diligência empreendida, apenas a discussão sobre a injustificada abrangência da medida.De igual sorte, verifico que entre a primeira e a segunda decisão que autorizam a interceptação telefônica e a nova quebra de sigilo de dados há apenas um pedido da autoridade policial para estas quebras.Estes fatos demonstram, em tese, que as investigações preliminares consistentes em diligências empreendidas para apurar a denúncia anônima não foram juntadas aos autos , a evidenciar que tanto os réus, como os seus advogados não tiveram acesso a elas .Assiste , portanto, razão aos impetrantes quando indagam acerca das investigações preliminares que teriam embasado o procedimento de interceptação telefônica, cuja juntada aos autos

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não ocorreu .

Mais adiante, Sua Excelência defende o direito de acesso aos autos,

tanto pelos acusados, quanto por seus defensores. E assenta essa diretriz no

princípio da comunhão (ou aquisição), salientando que "não se pode admitir é

que findas as investigações e, portanto, sem possibilidade de comprometimento

da sua eficácia, e uma vez deflagrada a ação penal, os réus não tenham

conhecimento da prova produzida".

Dentro dessa mesma perspectiva, acrescenta que "até mesmo em

hipótese de delação premiada, o caráter sigiloso cinge-se ao acordo celebrado

com o réu colaborador e não às declarações incriminadoras, sob pena de se tornar

possível a condenação de alguém com base em 'prova secreta'".

Já na parte final do seu alentado voto, a Eminente Relatora acentua:

A existência de investigações, dados e informações que não constam dos autos, foi noticiada pela própria autoridade impetrada que, ao prestar as necessárias informações o fez de duas formas: uma delas por meio dos ofícios que se encontram juntados aos autos; e outra, por meio de ofício sigiloso, onde requereu que o mesmo não fosse juntado aos autos.O primeiro ofício sigiloso enviado pelo magistrado foi ao mesmo devolvido, sem que cópia permanecesse arquivada junto a este Tribunal. O segundo deles encontra-se juntado aos autos, em envelope lacrado e por mim rubricado, sendo que seu conteúdo traz tudo quanto do primeiro já constava, porém de forma mais detalhada.Esclareço que cópia do referido ofício foi encaminhada ao MPF, conforme comprovação já constante dos autos.Repito, as informações prestadas dão conta da existência e extensão das investigações preliminares aqui questionadas , sem, contudo, apresentarem qualquer dado concreto sobre as mesmas.Portanto, é imperioso que as investigações preliminares levadas a cabo pela Polícia Federal sejam juntadas aos autos, dada a sua imprescindibilidade para a aferição do valor jurídico da denúncia anônima e das provas que dela derivaram e para assegurar a amplitude do direito de defesa .Ante o exposto, concedo em parte a ordem, para garantir aos pacientes, por intermédio de seus Advogados regularmente constituídos, o direito de acesso a todas as investigações preliminares ,

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concomitantes, ou mesmo posteriores ao procedimento de interceptação telefônica, e que aos mesmos digam respeito, determinando a sua pronta vinda aos autos.

De fato, afora os argumentos já lançados pela douta Relatora

originária, relembro as sábias palavras de Canotilho, para quem "o segredo não é

compatível com as liberdades e direitos do homem".

Dentro desse compasso, a partir da determinação de que fossem

publicizados todos os elementos por ventura existentes fora dos autos, entendo

que deve ser perquirido o estágio alcançado pela ação penal, a fim de apurar, em

última análise, qual a extensão do prejuízo, acaso existente.

Isso porque me parece que a correção tempestiva, na expressão de

Canotilho, promoveria a sanação das irregularidades existentes, autorizando o

prosseguimento da persecutio criminis.

Foi por entender necessário fazer essas averiguações que no dia

4.10.2010, proferi o seguinte despacho (fls. 1.741):

Solicitem-se, com urgência, informações ao Juiz do processo que deverá noticiar, de forma pormenorizada, em qual estágio estava a ação penal quando do deferimento da liminar que determinou a suspensão do andamento da marcha processual. Deverá ser esclarecido, ademais, quais atos processuais foram realizados até o julgamento do habeas corpus impetrado junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Ao prestar as informações requeridas, o Magistrado noticiou que "até

aquelas datas (15.05.2009 e 13.08.2009), considerando-se o indeferimento das

liminares, os atos processuais, já relacionados acima, cingiram-se ao recebimento

da Denúncia, ao recebimento do Aditamento à Denúncia, à Citação e ao

oferecimento das Respostas à Acusação de alguns dos acusados, já que algumas

peças foram apresentadas posteriormente".

Anotou, ainda, que após o julgamento do habeas corpus originário,

"determinou-se, outrossim, a publicidade imediata do documento que, lacrado,

se encontrava juntado aos autos (fls. 1950/2005 da Ação Penal nº Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 8 2 de 102

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2009.61.81.006881-7)".

Continuou, explicitando que "por meio de despacho exarado naquela

mesma data foi determinado à Secretaria que franqueasse amplo acesso a todos

os procedimentos mencionados na referida certidão dos advogados constituídos

dos pacientes, permitindo-lhes a extração de fotocópias que entendessem

pertinentes".

Ainda das informações prestadas, colho esta passagem:

Em 07.12.2009, foi determinada a intimação das Defesas, com deferimento de prazo para que complementassem, em desejando, as Defesas Preliminares apresentadas (fls. 2.022).

Como vimos, quando se determinou a disponibilização/publicização

das provas mantidas sem o conhecimento dos acusados, o processo-crime estava

em sua fase inicial. Haviam sido efetivados somente o recebimento da

denúncia/aditamento e também a abertura de prazo para o oferecimento de

defesas preliminares.

Diante da decisão emanada da Corte Regional, o Juiz condutor do

feito determinou "a intimação das Defesas, com deferimento de prazo para

que complementassem, em desejando, as Defesas Preliminares

apresentadas" (fls. 1.757).

É desnecessário dizer que, com a superveniência da decisão que

deferiu a liminar para sobrestar o andamento da ação penal, não foram produzidos

outros atos processuais.

Nesse cenário, cabem duas indagações:

– primeira: o fato de se ter dado amplo acesso aos acusados para

ciência daqueles elementos até então ocultados sanou satisfatoriamente a mácula

mencionada?

– segunda: aqueles réus que já haviam apresentado defesa preliminar

e que tiveram a oportunidade de complementar a referida peça processual tiveram

efetivo prejuízo?

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Após intensa reflexão, tenho que a resposta à primeira indagação

haveria de ser positiva.

Destaco que as provas até então conhecidas eram, ao meu sentir,

suficientes para o oferecimento/recebimento da denúncia, por demonstrarem lastro

probatório mínimo, apto a configurar justa causa para a ação penal. Ou seja,

mesmo que excluídas as informações constantes na delação premiada, havia

elementos bastantes para se deflagrar a persecutio criminis.Ao revés, o segundo questionamento há de ser respondido

negativamente. Isso porque a intervenção levada a efeito pela Corte Regional

foi eficaz e culminou na correção das irregularidades em tempo oportuno.

Dito isso, em outras palavras, a providência adotada pela

Desembargadora Relatora dos primeiros remédios constitucionais foi hábil a sanar

a falha apontada e o fato de se ter facultado às defesas técnicas a

complementação das peças processuais protocoladas (defesa preliminar) afasta a

alegação de prejuízo.

E assim penso porque a diretriz basilar sobre o assunto é a de que

não se reconhece nulidade sem a comprovação do efetivo prejuízo (pas de nullité

sans grief).

Sra. Presidente, Srs. Ministros, em resumo, digo que:

I. paralelamente à denúncia anônima houve diligências, já descritas,

produzidas pela autoridade policial, antecedentes à quebra de sigilo telefônico;

II. que a quebra de dados de linhas telefônicas não se confunde com a

interceptação de conversas telefônicas;

III. que a quebra de sigilo telefônico, ao instante em que foi produzida,

se mostrou indispensável para o deslinde dos fatos, pelo grau de engenhosidade

neles verificados; e

IV. que a vista aos ilustres defensores da delação premiada, por

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determinação do Tribunal de origem, de forma tempestiva, assegurando o

contraditório e a plena defesa, impediu produzir qualquer prejuízo aos pacientes

pela juntada daquela peça nos autos.

Assim, concluo o meu voto pelo conhecimento em parte dos pedidos

e, nessa extensão, denegando-os. Adiro à parte final do voto da Eminente

Relatora, concedendo habeas corpus de ofício a fim de que Tribunal Regional

Federal de origem aprecie o mérito das outras questões suscitadas nos writs

originários.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2009/0101038-5 HC 137.349 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200903000099741 200903000144461 200961810032100

EM MESA JULGADO: 15/03/2011

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. EITEL SANTIAGO DE BRITO PEREIRA

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃOPACIENTE : KURT PAUL PICKEL

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes conhecendo parcialmente dos pedidos e, nesta extensão, os denegando, expedindo, contudo, ordem de ofício, pediu vista o Sr. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP). Aguarda o Sr. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE)."

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURAIMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO PACIENTE : KURT PAUL PICKEL

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJ/SP): A discussão circunvolve-se a saber se interceptações

telefônicas foram autorizadas judicialmente, com base exclusiva em delação

anônima.

A eminente Relatora, em brilhante voto, anula a prova coletada por meio

das interceptações telefônicas, pois considerou que foram elas autorizadas com

base exclusiva em delação anônima.

O Ministro Og Fernandes, por sua vez e com o mesmo brilho, lembrou

que, antes da delação anônima referida nestes autos, uma delação premiada já era

fruto de investigações.

Prefiro antes deixar assentadas algumas premissas:

a) a Constituição Federal, em seu artigo 5º, XII, considera "inviolável o

sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das

comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e

na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução

processual penal";

b) a Lei Federal nº 9.296, de 24 de julho de 1996, regulamenta esse

artigo da Constituição Federal;

c) para que o juiz autorize a interceptação telefônica, três são os

requisitos legais, previstos no artigo 2º da Lei 9.296/1996: haver indícios razoáveis

da autoria ou participação em infração penal; que esta seja punida com reclusão; e,

ainda, não poder a prova ser feita por outros meios disponíveis;

d) as interceptações não podem exceder o prazo de quinze dias,

renovável por igual tempo, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova,

como preconiza o artigo 5º dessa lei, mas, a jurisprudência e a doutrina sepultaram

essa limitação, na expressão de Nucci ("Leis Penais e Processuais Penais

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Comentadas", p. 765);

e) o artigo 4º exige que o pedido de interceptação de comunicação

telefônica demonstre que sua realização seja necessária à apuração de infração

penal, com indicação dos meios a serem empregados, ao mesmo tempo que o

artigo 5º exige fundamentação minuciosa e decline os objetivos da medida e os

números telefônicos interceptados, com o que se obstarão abusos estatais;

f) "quod non est in actis non est in mundo", princípio de processo civil e

processo penal, segundo o qual o juiz não poderá valer-se, para sua decisão, de

nenhum elemento de convicção estranho aos autos, nem mesmo de seu

conhecimento pessoal íntimo, registrando-se que os atos processuais realizados

devem ser certificados nos autos, a começar pela autuação da petição inicial, no

processo civil ou autuação da denúncia ou da queixa-crime, no processo penal;

g) a delação anônima serve para o início de investigações, de tal modo

que leve a autoridade policial a encontrar provas materiais de crime, ou até

possibilite a prisão em flagrante, não servindo, porém, por si só, para a violação a

qualquer direito fundamental do ser humano, como a invasão da esfera de

intimidade do sigilo telefônico;

h) os direitos fundamentais do ser humano, especificados no artigo 5º da

Constituição Federal e em outros, ao longo dela, devem ser respeitados, mas, no

conflito entre uns e outros, caberá ao intérprete/aplicador da norma

compatibilizá-los, mediante a ponderação de seus valores, de modo que aqui estão

a liberdade do cidadão, o direito ao sigilo e a proteção da dignidade humana, de um

lado, mas, de outro, a segurança social, necessária para a própria existência do

Estado e da sociedade.

Estes os pontos sobre os quais não há praticamente discussão e sobre

os quais se basearão os fundamentos de meu voto.

Do exame dos autos, verifico, antes de mais nada, que a representação

para a interceptação telefônica, já transcrita no voto da Relatora, veio vazada em

termos genéricos, destituída de fundamentação e de argumentos destinados ao

convencimento de sua necessidade. Tanto foi assim, que o Ministério Público

Federal solicitou esclarecimentos e apontou a vagueza da proposta, nos seguintes

termos:

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O MPF entende que efetivamente é o caso de investigação do nominado.

No entanto, ao final, o pedido da ilustre autoridade policial é por demais

genérico ao solicitar senha para "que possam acessar os bancos de dados das

empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e

usuários"

Assim, de modo a não sugerir nada que possa afetar as investigações

imaginadas pela autoridade policial, opino pelo retorno dos autos ao DPF, em

caráter sigiloso, para que as diligências sejam melhor especificadas,

considerando-se o alvo escolhido.

Em resposta, o Delegado da Polícia Federal informou que os termos do

pedido foram propositais, justamente para impedir vazamento de informações

(fls.255). Ainda assim, o MPF se satisfez com a resposta e o nobre Juiz Substituto

também, porquanto deferiu a medida, em decisão já transcrita pela Relatora.

Chega a ser surpreendente que a Polícia Federal apresentasse pedido de

interceptação telefônica e reconhecesse que não o fundamentara propositalmente,

desobedecendo os termos explícitos do artigo 4º da Lei nº 9.296/1996. Pior é o

acolhimento do pedido completamente desfundamentado. Se a Polícia Federal

desrespeita a norma e se o Ministério Público Federal passa por cima da

irregularidade, não pode nem deve o Poder Judiciário conceder seu beneplácito a

violações à lei, do que resultarão certamente abusos e coações que o constituinte e

o legislador ordinário pretenderam obstar. O Judiciário não é mero assistente do

desenrolar do processo. O juiz exerce relevante e grave função e é o Poder que

deve, no sistema de divisão de Poderes abrigado pelo artigo 2° da Constituição

Federal, dar o equilíbrio necessário, para a atuação harmônica dos três Poderes.

Na decisão, disse o Juiz:

Averiguando a informação recebida, a Autoridade Policial, após pesquisa

em seu banco de dados, identificou a pessoa de KURT PAUL PICKEL, nascido na

Suíça e detentor do CPF nº 090.271.208-03, como sendo o possível envolvido na

atividade de compra e venda de dólares ao mercado paralelo.

Desse modo, como meio de prosseguimento das investigações, a quebra

do sigilo telefônico revela-se indispensável à investigação, pois cuidam-se (sic) de

fatos graves que envolveriam delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e

eventual "lavagem" de valores.

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Isto é, a decisão deixou de respeitar o artigo 5º da Lei de Interceptações

telefônicas, porquanto não veio fundamentada, deixando de demonstrar a

necessidade de sua realização, mas apenas afirmando a necessidade. E

fundamentar, como se sabe, é tornar explícito o que está implícito...

Por outro lado, o Estado-Administração limitou-se a identificar a pessoa

de Kurt, o que não se pode qualificar como atividade investigativa. Afinal, investigar,

segundo o Dicionário Houaiss, é fazer diligências para descobrir (algo), inquirir,

indagar, procurar metódica e conscientemente descobrir (algo), através de exame e

observação minuciosos; pesquisar.

Ora, o artigo 1º da Lei nº 9.2926/1996, ao referir-se a ação principal,

atribui às quebras de sigilo das comunicações telefônicas caráter de natureza

cautelar.

Em todas as cautelares exigem-se o fumus boni iuris e o periculum in

mora. O primeiro deles significa a plausibilidade do direito, e o segundo, a imediata

interceptação da voz, para não perder a prova.

Mas, o primeiro requisito referido não foi comprovado nos autos,

porquanto, certamente porque o pedido de interceptação se mostrara pobre de

dados, a própria decisão judicial que o deferira igualmente ficou destituída de

fundamentação, menos ainda de fundamentação convincente. Não se perca de

vista que a plausibilidade do direito invocado é imprescindível para a autorização da

quebra do sigilo, pois o legislador, incisivamente, estabeleceu, no artigo 2º, inciso I,

da lei, ser inadmissível a interceptação, se "não houver indícios razoáveis de autoria

ou participação em infração penal".

Antes da autorização da quebra de sigilo, houve, na espécie, uma

delação anônima e nada mais. Não cogitou a Administração de buscar outros dados

que respaldassem o pedido, o que significa descumprimento do primeiro requisito, a

plausibilidade do direito. Sem um mínimo de prova do crime que se quer investigar,

não cabe a interceptação.

No ordenamento jurídico da Espanha, não é diferente:

la motivación fáctica del auto requiere aludir necessariamente a la

existência de unos hechos determinados, los cuales han de poder entenderse

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tipificados en el Código Penal. No cabe salir a la búsqueda de un delito, de

cualquier delito. Cf. Juan Montero Aroca, "La intervención da las comunicaciones

en el proceso penal; un estudio jurisprudencial", Valencia, Tirant lo Blanch, 1999, p.

148.

A delação anônima, pode-se concluir, não basta por si só para o

deferimento do pedido. Simples suspeita não se confunde com indício, cujo conceito

é o seguinte: "é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido,

devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato

desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo-dedutivo", não

confundindo-se com suspeita que "é a desconfiança, suposição, perplexidade, uma

simples hipótese. Consiste em olhar buscando algo ou pensando algo, porém,

intimamente, sem qualquer base objetiva", sempre nas palavras da nossa

Presidente, Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, em sua obra "A prova

por indícios no processo penal", São Paulo, Saraiva, 1994, p. 38 e 52.

A decisão de deferimento da quebra do sigilo deixou, ainda, de dizer por

que não haveria outros meios disponíveis para a investigação. A abrangência do

deferimento, concedendo indiscriminadamente senhas, foi uma autorização geral,

em branco, servindo para a quebra de qualquer número de telefone, dando ensejo a

invasões na esfera da intimidade das pessoas, muito além da pessoa do suspeito.

Verdadeira devassa na vida do suspeito e de outras pessoas. Uma autorização

genérica, que serve para investigar qualquer pessoa...

Meu entendimento já foi declarado anteriormente. No HC 135.024/MT,

que se encontra com pedido de vista pelo Des. convocado Haroldo Rodrigues, a

ementa proposta foi a seguinte:

"HABEAS CORPUS" TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MONITORAMENTO TELEFÔNICO. ALEGAÇÃO DE FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DA MEDIDA E IRREGULARIDADE DAS PRORROGAÇÕES. PRISÃO PREVENTIVA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA.1) A necessidade da interceptação telefônica não está demonstrada nos autos. A medida foi autorizada a partir de uma denúncia anônima efetuada por um usuário de drogas, em relação a um corréu. Não foi efetuada nenhuma investigação prévia, partindo-se, de plano, e comodamente, para a interceptação telefônica.2) E um dos requisitos previstos na Lei nº 9.296/96 é justamente a demonstração de que a prova não poderia ser obtida por outros meios, ou seja, de que a interceptação é imprescindível para a apuração dos fatos.

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3) Não tomadas tais providências prévias, a autorização do monitoramento telefônico caracteriza a coação ilegal descrita da inicial, pelo que a ordem deve ser concedida, para declarar a nulidade da prova coletada por meio das ilícitas interceptações telefônicas.4) Em tais circunstâncias, a prisão preventiva do paciente deve ser revogada.5) Ordem concedida, para declarar a nulidade da prova coletada por meio do monitoramento telefônico, revogando-se a prisão preventiva do paciente, com expedição de contramandado de prisão.

Não posso deixar de mencionar a teoria das provas ilícitas por derivação,

com a conhecida comparação com os frutos da árvore envenenada, teoria

importada do direito americano, reconhecida pela Suprema Corte americana, nos

idos de 1920, no caso Silverthorne Lumer Co. v. U.S. Essa teoria, "fruit of the

poisonous tree", consiste em que, da mesma forma que não se pode utilizar fruto de

planta venenosa, também não se admite prova derivada da prova ilegalmente

coletada. Se permitido fosse aproveitar prova derivada da prova ilícita, estar-se-ia a

estimular a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas

privadas, como, com propriedade assentou o Ministro Sepúlveda Pertence no HC

69.912-0, Lex, Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, 183/290.

Em caso semelhante ao de que aqui se cuida, esta E. Corte decidiu:

HABEAS CORPUS . SONEGAÇÃO FISCAL, LAVAGEM DE DINHEIRO E CORRUPÇÃO. DENÚNCIA ANÔNIMA. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. NULIDADE DE PROVAS VICIADAS, SEM PREJUÍZO DA TRAMITAÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.1. Hipótese em que a instauração do inquérito policial e a quebra do sigilo telefônico foram motivadas exclusivamente por denúncia anônima.2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedente do STJ" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07).3. Dispõe o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, que "não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando (...) não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal". A delação anônima não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária, mas mera notícia dirigida por pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza,

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inclusive, a sua responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal).4. A prova ilícita obtida por meio de interceptação telefônica ilegal igualmente corrompe as demais provas dela decorrentes, sendo inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação (art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal). Aplicação da "teoria dos frutos da árvore envenenada".5. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória, inviável, como cediço, em sede de habeas corpus.6. Ordem parcialmente concedida para anular a decisão que deferiu a quebra do sigilo telefônico no Processo 2004.70.00.015190-3, da 2ª Vara Federal de Curitiba, porquanto autorizada em desconformidade com o art. 2°, inciso I, da Lei 9.296/96, e, por conseguinte, declarar ilícitas as provas em razão dela produzidas, sem prejuízo, no entanto, da tramitação do inquérito policial, cuja conclusão dependerá da produção de novas provas independentes, desvinculadas das gravações decorrentes da interceptação telefônica ora anulada.(HC 64096/PR, Quinta Turma, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Dje de 04/08/2008).

Outra questão a ser apreciada se prende à existência de uma delação

premiada, e de elementos indiciários obtidos por meio do compartilhamento de

informações constantes na "Operação "DOWNTOWN", em vara especializada em

crimes financeiros.

Diz o Juiz que não se trata de prova secreta. No entanto, na decisão que

autorizara a quebra de sigilo das comunicações telefônicas, nenhuma referência a

essa delação premiada foi feita, como igualmente nada se mencionou sobre dados

compartilhados constantes da Operação "Downtown" .

A Ministra Relatora destacou, sob esse aspecto, que "a exigência de

motivação das decisões judiciais traz em si a obrigatoriedade ética da comprovação

dos dados que eventualmente sustentam determinado provimento, porquanto, no

processo dialético-democrático não é crível imaginar que ao juiz seja conferido o

poder de decidir por meio de situações ocultas, não verificadas nos autos ou

somente apuráveis nas entrelinhas da investigação".

Dissemos há pouco que um tema sobre o qual não se controverte está no

princípio segundo o qual "quod non est in actis non est in mundo. Ora, é provável

que a indigitada delação premiada se encontrasse com o Juiz e que houvesse uma

outra operação em andamento, com dados compartilhados, apurando, entre outras,

conduta delitiva dos pacientes. Não é dado, porém, ao juiz tirar do bolso do colete

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uma carta do baralho e alterar o resultado do jogo.

Como disse a eminente Relatora, o Judiciário, por obrigação ética, deve

fundamentar suas decisões. A fundamentação auxilia não só a entender a

deliberação, como aceitá-la. Essa obrigação tem suas raízes penetradas na

Constituição Federal, artigo 93, inciso IX, e obriga o Estado a agir com lealdade em

relação aos administrados. Daí por que, mesmo havendo, antes da delação

anônima, uma delação premiada e procedimentos investigatórios, a sonegação,

pelo Estado-Juiz e pelo Estado-Administração, de tais dados, maculou a relação de

caráter processual penal com o investigado. Em outras palavras, dificultou

propositalmente o exercício do direito de defesa.

A fundamentação das decisões é corolário do Estado Democrático de

Direito, a impedir exatamente o abuso e a violação a direitos fundamentais do ser

humano, seja por parte da autoridade administrativa, seja da judiciária, pelo que se

reveste de vital importância.

Se o Estado-Administração quiser processar alguém, que o faça segundo

o devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal), com

ética e lealdade.

Em suma, concedo parcialmente a ordem, nestas duas ações

constitucionais, nos termos do voto da Relatora, com a devida vênia do Ministro Og

Fernandes, cujos argumentos ponderosos foram difíceis de ultrapassar.

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HABEAS CORPUS Nº 137.349 - SP (2009/0101038-5) (f)

ADITAMENTO AO VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA:

Peço licença aos meus pares para realizar o presente aditamento de voto, tendo em vista o conhecimento de manifestação do Ministério Público Federal.

Nesta oportunidade quero fazer registrar, primeiro, a surpresa que me causou a entrega de memoriais da parte do Ministério Público, a esta Relatora, somente no instante de o Ilustre Ministro Og Fernandes proferir seu voto-vista. Segundo, observo com certo acanhamento algumas afirmações no mínimo deselegantes do pronunciamento ministerial, que mais parece embargos de declaração opostos contra o meu voto, as quais tomaram as páginas de grandes periódicos na semana que antecedeu a continuação deste julgamento, tornando públicos detalhes que deveriam permanecer no sigilo do processo e, o pior, propagados por meio de conclusões inexatas e inverídicas.

Daí, de modo inusual, a necessidade de fazer o presente adendo como forma de demolir os enganos plantados em torno do voto desta Relatora, principalmente os que se referem a:

1) o voto baseou-se “em premissa equivocada, em desarmonia com a verdade”;

2) foram tomados como inexistentes fatos existentes, ou seja, trabalhos de investigação realizados depois da denúncia anônima;

3) as interceptações telefônicas foram tidas, equivocadamente, como apoiadas somente em denúncia anônima;

4) as investigações preliminares desconsideradas pela Relatora foram confrontadas com a delação premiada ainda na fase de investigação;

5) o procedimento de delação premiada foi desentranhado dos autos deste HC 159.159/SP.

Diante desses pontos do memorial trazido a conhecimento somente no dia da sessão, quero reafirmar o que foi dito no meu pronunciamento.

Em voto proferido na sessão de 14/09/2010, esta Relatora transcreveu o início das autorizações judiciais sobre o caso, destacando todas as vírgulas das decisões do magistrado de primeiro grau, sem olvidar um único dado, senão vejamos:

“Consta dos autos, a partir das fls. 241 do primeiro h.c., que a Polícia Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 9 5 de 102

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Federal, após receber denúncia anônima de que o suíço, naturalizado brasileiro, KURT PAUL PICKEL estaria se dedicando à atividade ilegal de compra e venda de dólares, representou ao Juízo da Vara Especializada em Crimes Financeiros da Seção Judiciária de São Paulo, em 10/1/2008, pela quebra das comunicações telefônicas dos usuários de telefonia, para que se pudesse dar início às investigações formais, já que “...nestes tipos de delitos, há enorme dificuldade na obtenção de provas” (Ofício n.º 2504/2008). Foi a parte inicial do pedido (fl. 245 dos autos do HC 137.349):

'Recebemos nesta Unidade de Análise e Inteligência (UADIP/DELEFIN/DRCOR/SR/DPF/SP) notitia criminis anônima dando conta de que uma pessoa de nome KURT PICKEL estaria se dedicando à atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo, sem qualquer respaldo legal para tanto.

Trata-se de verdadeiro “doleiro”, atuando no mercado negro de moedas estrangeiras e, como tal, envolvido na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e, provavelmente, de lavagem de dinheiro.'

Encaminhado o pedido à análise do Ministério Público Federal, o seu representante manifestou-se no sentido de que fosse esclarecida a diligência pela autoridade policial, já que o pedido se apresentava genérico no tocante a disponibilizar senhas a determinados policiais para que pudessem “acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários” (fl.250). E mais: esperava o M.P.F. fosse aclarada a diligência quanto ao alvo escolhido.

Também é de rigor a transcrição da promoção ministerial, verbis (fl. 250):

'O MPF entende que efetivamente é o caso de investigação do nominado.

No entanto, ao final, o pedido da ilustre autoridade policial é por demais genérico ao solicitar senha para 'que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários'.

Assim, de modo a não sugerir nada que possa afetar as investigações imaginadas pela autoridade policial, opino pelo retorno dos autos ao DPF, em caráter sigiloso, para que as diligências sejam melhor especificadas considerando-se o alvo escolhido.'

Em resposta, a autoridade policial informou que o pedido era proposital justamente para se impedir o vazamento de informações (fl. 255), conforme já teria ocorrido em outra investigação (“Trata-se de proposital pedido genérico com o fito de assegurar o sigilo das investigações” – fl. 255).

Com isso, sobreveio a chancela do representante do Ministério Público e, ao depois, o deferimento da medida. Vejam-se os fundamentos da decisão assinada em 22/1/2008, pelo Juiz Substituto da 6ª Vara Federal (fls. 258/259):

'Trata-se de representação formulada pela I. Autoridade Policial visando o fornecimento de senhas para que os policiais federais integrantes da Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros - DELEFIN possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas

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e obterem informações relativas aos cadastros de assinantes e usuários. Informa a Autoridade Policial que a Unidade de Análise e

Inteligência daquela Delegacia recebeu noticia anônima dando conta de que KURT PICKEL estaria, sem respaldo legal, praticando atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo e, dessa forma, incidindo na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e eventualmente "lavagem" de valores.

Invocando a dificuldade na obtenção de provas nos delitos em questão a Autoridade Policial requer a quebra do sigilo telefônico.

Inicialmente o representante do "parquet" federal, entendendo o pedido excessivamente genérico, solicitou o retorno dos autos ao Departamento de Federal para que as diligências fossem melhor especificadas.

Com a justificativa apresentada à fl. 13 dos autos, o Ministério Público Federal manifestou-se favoravelmente ao pedido (fl. 14).

É o relatório.Decido.Os sigilos constitucionais não são absolutos, como, aliás, todos os

demais direitos e garantias fundamentais, devendo ceder passo, por meio de competente determinação judicial, em hipótese devidamente fundamentada, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, advindos do caráter material do princípio do devido processo legal, previsto constitucionalmente no inciso LIV do art. 5º.

Não se olvida que no momento em que os direitos fundamentais sejam empregados como escudo para possibilitar o cometimento de práticas ilícitas, é correto que se dê prevalência a outros princípios constitucionais, implícitos ou explícitos, sobre tais direitos, sem que haja qualquer ofensa a ordem jurídica.

O balizamento que se deve fazer busca atender uma das finalidades do direito, que é o da pacificação social. Entretanto, esta não se tornará possível se se permitir o cometimento de delitos protegidos por direitos fiindamentais que visam exatamente combater tais práticas.

Averiguando a informação recebida, a Autoridade Policial, após pesquisa em seu banco de dados, identificou a pessoa de KURT PAUL PICKEL, nascido na Suíça e detentor do CPF n.º 090.271.208-03, como sendo o possível envolvido na atividade de compra e venda de dólares no mercado paralelo.

Desse modo, como meio de prosseguimento das investigações, a quebra do sigilo telefônico revela-se indispensável à investigação, pois cuidam-se de fatos graves que envolveriam delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e eventual “lavagem” de valores.

Portanto, diante da existência de indícios apurados em trabalhos de inteligência de que KURT PAUL PICKEL possa ser um “doleiro” e consequentemente estar atuando na prática de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional e na “lavagem” de valores, e não havendo outros meios para apurar os fatos, impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identificar o suposto modus operandi e a origem dos recursos.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 1º da Lei n.º 9.296, de 24.07.1996, defiro o pedido de QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO, e DETERMINO a expedição de ofícios às empresas de telefonia (Telefônica, Embratel, Vésper, Vivo, Tim, Claro, Oi e Nextel) a fim de que sejam fornecidas senhas, com o prazo de 30 (trinta) dias, aos

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policiais federais KARINA MURAKAMI SOUZA, OTAVIO MARGONARI RUSSO, PAULO CORREA ALMEIDA, RENATO SADAIKE e ALEXANDRE LINO DE SOUZA, todos em exercício na UADIP/DELEFIN/SR/DPF/SP, para que possam acessar os bancos de dados das referidas empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários.

OFICIE-SE a Autoridade Policial encaminhando cópia da presente decisão e dos ofícios a serem remetidos às operadoras de telefonia.

Os ofícios a serem encaminhados às operadoras de telefonia poderão ser enviados via fac-símile, devendo os originais ser encaminhados posteriormente, no prazo de 07 (sete) dias úteis.

Considerando-se que as informações constantes dos autos estão protegidas pelo sigilo de dados, e a fim de resguardar os interesses das pessoas eventualmente envolvidas, determino, desde já, o sigilo dos autos, apondo-se a tarja SIGILOSO, devendo a eles ter acesso somente as partes e autoridades que nele oficiarem, anotando-se.'

Feito o levantamento inicial, foram descobertos os terminais telefônicos do sujeito objeto da apuração, em face dos quais foi solicitada nova quebra de sigilo telefônico com a respectiva interceptação das linhas relacionadas, sendo a representação atendida por decisão proferida em 13/2/2008.”

Diante dessa circunstância inicial da autorização para invasão de dados de todos os assinantes da telefonia, sobretudo das empresas “Telefônica, Embratel, Vésper, Vivo, Tim, Claro, Oi e Nextel”, o entendimento desta Relatora consignou, de pronto, a posição suscitada no julgamento do HC 128.776/SP, cujo julgamento se concluiu em 22/6/2010 e era originário do mesmo TRF da 3ª Região, sobre a ilicitude de procedimento genérico de quebra de dados telefônicos, sem a indicação de terminais e abrangendo todos os usuários do sistema, tudo por decorrência do anonimato.

Sem olvidar os parâmetros da causa, também esta relatora deixou claro que a denúncia anônima não pode ser tida, por si só, como “notitia” ilícita, porque, uma vez realizada a investigação preliminar pela autoridade policial, na qual vem ela a ser esquadrinhada por outros meios, a sua menção mostra-se ratificada pelos dados colhidos, sendo, portanto, elemento absoluto e coerente da legalidade, consoante preconizado no HC 53.703/RJ, de minha relatoria, julgado em 02/04/2009 e com acórdão publicado no DJe 17/08/2009.

Portanto, não é correto dizer que esta Relatora propagou inverdades, porque o digno representante ministerial na origem também chamou a atenção para a mesma sede de ilegalidade: “o pedido da ilustre autoridade policial é por demais genérico ao solicitar senha para 'que possam acessar os bancos de dados das empresas telefônicas e obterem dados relativos ao cadastro de assinantes e usuários”.

Diante dessa indagação do “Promotor Natural”, quais são as inverdades e quais eram as investigações preliminares? Aliás, qual foi o meio utilizado para a "denúncia anônima": por telefone, por carta, por e-mail, etc? Qual foi a atuação da polícia após a Documento: 1002984 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 30/05/2011 Página 9 8 de 102

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denúncia anônima, se esta já trazia a informação de que o investigado atuava no mercado paralelo de moeda?

Por certo que o Ministério Público Federal, neste caso bastante operoso, não trouxe a indicação precisa das peças do inquérito que comprovariam as tais “investigações preliminares”. Esse fato é bastante elucidativo, porque marca bem a diferença de entendimento desta Relatora com relação ao primado do due process of law, em contraposição ao que normalmente os órgãos da persecução advogam.

Processo penal, no meu entender de Estado Democrático de Direito, envolve o bem mais supremo da vida humana, que é a liberdade; por isso, é coisa séria, que não pode ser resultado de disse-me-disse; fruto de arbítrio; indispensável, assim, que os autores atuem com a “verdade”.

As autoridades devem “por a termo” o resultado de suas investigações, de modo a impedir que digam que no dia dos fatos fazia sol e, posteriormente, buscando salvar “equívocos da atuação”, afirmem que chovia.

Por isso que as garantias constitucionais do acusado são vetores da persecução penal e não os atos dos seus atores é que devem amoldar as exigências fundamentais do direito do cidadão.

Entender que a ilicitude da prova é um detalhe que pode ser sempre ordenado, redesenhado por uma circunstância posterior, é fazer prevalecer mais do que o princípio maquiavélico com a releitura: os fins sempre justificarão os meios.

É de mencionar, ainda, trecho dos memoriais que afirma que esta Relatora considerou as interceptações telefônicas como fruto da denúncia anônima. Em nenhum momento disse-se que o anonimato fundamentou interceptação telefônica.

Essa compreensão só pode ser resultado de má compreensão do voto.Ao ensejo, transcrevam-se as seguintes passagens do voto, para o fim de

esclarecer os demais pontos aludidos no memorial:

“Como visto, a Polícia Federal tinha acesso aos dados da pessoa investigada, sabendo a sua identidade e, certamente, podia averiguar a sua movimentação diária, já que era acompanhada pelos procedimentos da “inteligência” policial, conforme afirmado nos expedientes endereçados ao Juiz do caso.

Portanto, cabia-lhe desvendar a situação do investigado, o que fazia, de que forma procedia, etc., e não, a partir do fundamento da denúncia anônima, desde logo invadir a intimidade de número indeterminado de pessoas, num procedimento de prospecção e de busca aleatória.

Neste passo, verifique-se que o Ministério Público Federal, no primeiro momento, compreendeu ser genérica a medida postulada; porém, não obstante inexistir justificativa hábil, assentiu, ao depois, ao seu deferimento.

Na verdade, dessume-se do contexto que o objetivo da investigação preliminar não era a busca de informações sobre o cidadão naturalizado KURT PAUL PICKEL; sobre o que ele fazia; mas identificar, por meio

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aleatório de acesso aos dados de usuário da telefonia, todas as pessoas que com ele tiveram ou realizaram algum negócio ou mesmo confirmar que determinadas pessoas, desconhecidas para os autos, de fato, mantinham relacionamento com o referido cidadão.

É, no meu entender, uma busca invasiva absolutamente desproporcional, o que faz prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública, já que não explicitado os verdadeiros motivos da constrição.

Veja-se que a denúncia anônima, segundo a autoridade policial, dava conta de que o referido cidadão era doleiro e atuava no mercado paralelo, fato que poderia ser comprovado por verificação de outros meios que não a quebra do sigilo de dados de todos os usuários da telefonia.

(...)A questão como posta, portanto, encaminha a solução do caso para

considerar a ilicitude tanto da quebra do sigilo de dados inicialmente deferida, quanto das demais provas diretamente dali decorrentes, uma vez violados, por qualquer prisma considerado, os postulados das garantias constitucionais do processo penal, devendo-se observar, neste passo, que a decisão abrangeu situação indevidamente genérica com poder de atingir indiscriminado número de assinantes da telefonia.”

Noutro argumento, a Ilustre subscritora do memorial chega a afirmar algo realmente desconhecido dos autos, de que o início da investigação “era harmônico com informações já obtidas no bojo de procedimento de delação premiada”.

Negritei o advérbio para demonstrar que o Ministério Público sustenta que o procedimento de delação foi considerado para o pedido de quebra de dados, o que não corresponde com os fundamentos da decisão inicial, conforme dito no voto, nos seguintes termos:

“Não se olvide que o procedimento de delação promovido com a “Operação Downtown” só foi efetivamente conhecido da persecução criminal na “Operação Castelo de Areia” após a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que no julgamento dos hh. cc. originários concedeu a ordem para tornar possível o conhecimento do seu conteúdo e veracidade, ao passo que as tais apurações preliminares jamais foram aclaradas pela autoridade policial.

Ademais, curiosamente, a denúncia ministerial não faz qualquer referência aos autos da delação premiada, tampouco afirma que as investigações preliminares decorreram de outra investigação da Polícia Federal, tendo citado o compartilhamento de provas da “Operação Downtown” de forma diminuta; ao contrário, sempre se reporta às interceptações realizadas no curso da investigação denominada “Castelo de Areia”. Isso se comprova, igualmente, com a representação primeva da autoridade policial, que nada esclarece sobre a existência de outra operação e de que os indícios preliminares dela decorriam.

Por sua vez, as decisões de deferimento das medidas cautelares não trazem qualquer menção sobre tais elementos indiciários ou quanto ao curso de investigação anteriormente deflagrada.

Aliás, do pouco que ficou demonstrado nos autos, jamais se poderia

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designar a investigação denominada "Operação Downtown" como sendo "investigações preliminares", porquanto se tratava, aquela altura, de verdadeira investigação formal (inquérito policial) de onde resultaria o procedimento de “delação premiada”.

Assim, tenho que não há a menor possibilidade de se justificar as medidas efetivadas na fase introdutória de investigação com o teor de eventual delação premiada ou mesmo com a existência de indícios sobrevindos de outra operação da Polícia Federal, sob pena de considerar a indicação de fundamento decisório oculto, somente conhecido da autoridade policial e/ou do Juízo.”

Com a transcrição, chega-se à seguinte indagação: se houve o compartilhamento de informações com outra operação, porque houve a necessidade de fazer a quebra de dados de todos os assinantes da telefonia? Sim, porque, como se sabe, num procedimento de delação premiada é muito fácil conseguir do delator números de telefones, de ramais, enfim, informações corriqueiras. Não faz sentido o procedimento invasivo somente para conseguir dados telefônicos, quando se poderia obtê-los do próprio delator!

E por falar em delação premiada, quero registrar por último que também é fantasiosa a divulgação na imprensa, e que foi disponibilizado no memorial, de que esta Ministra fez desentranhar dos autos o procedimento de delação premiada.

O que esta Relatora fez foi tirar dos autos do procedimento de habeas corpus uma peça absolutamente desconhecida dos autos da ação penal, que não correspondia ao que o próprio Juízo Singular encaminhou ao Tribunal de origem como sendo o documento constante da delação premiada, quando foi obrigado a fazê-lo pela Corte Regional.

Quero lembrar em momento final o que nos legou grande estadista: "A verdade é inconvertível, a malícia pode atacá-la, a ignorância pode zombar dela, mas no fim; lá está ela" (Winston Churchill).

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2009/0101038-5 HC 137.349 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 200903000099741 200903000144461 200961810032100

EM MESA JULGADO: 05/04/2011

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. MOACIR MENDES SOUZA

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE : ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROSIMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃOPACIENTE : KURT PAUL PICKEL

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Celso Limongi, acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, concedendo parcialmente a ordem de habeas corpus e o voto do Sr. Ministro Haroldo Rodrigues no mesmo sentido, a Turma, por maioria, concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, vencido o Sr. Ministro Og Fernandes, que conhecia parcialmente do pedido de habeas corpus e, nessa extensão, denegava a ordem, expedindo habeas corpus de ofício."

Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP) e Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURARECORRENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES ADVOGADO : MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTERIO PUBLICO ASSIST. AC : LEONILDA PAZAN FLORENTINO ADVOGADO : SERGEI COBRA ARBEX E OUTRO(S)

EMENTA

- RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 619. - TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE DO JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.- CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS INDISPENSÁVEIS. MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO.- INFLUÊNCIA DA MÍDIA E INVOCAÇÃO DE PARCIALIDADE DOS JURADOS. MATÉRIA PROBATÓRIA INVIÁVEL NA VIA EXCEPCIONAL.- CONTRARIEDADE À PROVA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO MATERIAL COGNITIVO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS.- FORMULAÇÃO DE QUESITOS. COMPLEXIDADE. APONTAMENTO NA ATA DE JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA. INVIABILIDADE DE CONSTATAÇÃO. RESPOSTAS ADEQUADAS. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA ORALIDADE.- CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONSIDERAÇÃO PELO JÚRI. MATÉRIA DE PROVA QUANDO NÃO VISÍVEL A CONFISSÃO DO RÉU PERANTE O CONSELHO DE SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS.- QUESITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE QUESITO OBRIGATÓRIO ACERCA DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO RÉU. OMISSÃO NÃO COMPROVADA. FALTA DE ANOTAÇÃO NA ATA.- DOSIMETRIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. BIS IN IDEM . INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. EXASPERAÇÃO INDEVIDA NO TOCANTE ÀS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS. COMPENSAÇÃO ENTRE ATENUANTE DA CONFISSÃO E A AGRAVANTE DO MOTIVO TORPE.

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1. Os embargos declaratórios não se prestam a responder a totalidade das dúvidas suscitadas pelas partes, mas a sanar os vícios constantes do acórdão, que no caso se mostraram inexistentes.2. Segundo reiterado entendimento desta Corte, a inexistência do trânsito em julgado da sentença de pronúncia não é motivo suficiente para impedir o julgamento pelo Júri se a discussão encontra-se em sede excepcional.3. A não produção de prova testemunhal requerida e inicialmente deferida, caso não produzida, não torna nulo o processo se a parte deixa de alegar o cerceamento em momento oportuno. No caso, a pretendia oitiva da ex-esposa do réu na fase do juízo de acusação restou inviável com a sobrevinda da sentença de pronúncia, anterior à qual a parte não insistiu na diligência e na comprovação de sua imprescindibilidade.4. Discussões extra-processo, como a que diz respeito à influência da mídia no julgamento pelo Júri, dependem do exame de prova, situação incabível em sede de especial, que também se afigura inócua ao intuito de consagrar eventual passionalidade dos jurados. 5. Uma vez compreendendo a qualificadora do motivo torpe a tudo o que foi projetado pela acusação e aceito pela sentença de pronúncia e pelo Conselho de Sentença, resta impossível afastá-la ou mesmo consignar a contrariedade à prova dos autos sem um mínimo de incursão no material cognitivo, o que, como dito, é defeso esta Corte realizar, ex vi do enunciado 7.6. A complexidade da quesitação deve ser vista ante o postulado da oralidade que rege o julgamento do Tribunal do Júri, de modo que somente se concebe nulidade se houve a devida anotação na ata de julgamento.Se pelas respostas dos jurados não se concebe a dita complexidade, não se há por conceber a alegação pura e simples de nulidade.7. Não se mostrando, de pronto, pela simples leitura, a ausência de quesito obrigatório acerca da tese defensiva, não se pode atestar a existência de nulidade absoluta sem a constatação de apontamento na ata da sessão. 8. Representando a individualização da pena o ponto culminante da resposta penal, resta imprópria aceitar fundamentos externos ao fato delituoso, como o que se referiu o juiz do caso às conseqüências do crime.9. A atenuante da confissão, uma vez reconhecida, deve ser concebida de forma preponderante, tendo a mesma equivalência, na espécie, da agravante do motivo torpe.10. Recurso especial parcialmente provido pelo voto médio da Relatora, apenas para redimensionar a reprimenda penal ao quantum de 15 anos de reclusão.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes, dando provimento em parte ao recurso especial, mas divergindo do voto da Sra. Ministra Relatora quanto à dosimetria da pena, e os votos dos Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Jane Silva, também dando parcial provimento ao recurso especial, mas divergindo do voto da Sra. Ministra Relatora quanto à dosimetria de pena, a Turma, por unanimidade, deu provimento em parte ao recurso especial, porém, ficaram parcialmente vencidos na proporção de seus votos o Sr. Ministro Og Fernandes, a Sra. Ministra Jane Silva, o Sr. Ministro Nilson Naves e o Sr. Ministro Paulo Gallotti, prevalecendo o voto-médio da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Jane Silva e Og Fernandes farão declaração de voto." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves e Paulo Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 02 de setembro de 2008 (Data do Julgamento)

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURARECORRENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES ADVOGADO : MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTERIO PUBLICO ASSIST. AC : LEONILDA PAZAN FLORENTINO ADVOGADO : SERGEI COBRA ARBEX E OUTRO(S)

RELATÓRIO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Cuida-se de recurso especial interposto por ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, art. 26, I, II e III, da Lei 8.038/90 e arts. 255 e 257 do RISTJ, contra v. acórdão proferido pela Décima Câmara do 5º Grupo da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos da Apelação n.º 985.279.3/7.

Sobre os fatos e o andamento processual, narra a peça do recurso (fls. 3250/3253):

“Antônio Marcos Pimenta Neves foi denunciado, porque no dia 20 de agosto de 2000, por volta das 14: 50 hs, no Haras Setti, na cidade de Ibiúna, efetuou disparos de arma de fogo contra Sandra Florentino Gomide, provocando a sua morte.

Consta da acusação que o Recorrente teria cometido o delito por suposto motivo torpe e com recurso que teria dificultado a defesa da vítima (art. 121, parágrafo 2, incisos I e IV, do Código Penal).

Realizada a instrução criminal, o Ministério Público Estadual, em alegações finais, pugnou pelo integral acolhimento da acusação, tendo a defesa, também em alegações finais, pleiteado pelo afastamento de ambas as qualificadoras (motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vitima), por entender ser inadmissível a presunção da existência das qualificadoras.

Conclusos os autos, S. Exa., Juíza de primeiro grau, acatando integralmente os argumentos da acusação pronunciou o Recorrente, com ambas as qualificadoras (motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vitima).

Não se conformando com a r. decisão, interpôs-se Recurso em Sentido Estrito pelos seguintes fundamentos: (i) nulidade da decisão, vez que deixou de motivar o acatamento das qualificadoras; (ii) nulidade da decisão por excesso de motivação para a pronúncia; e (iii) no mérito, pela inexistência de caracterização das qualificadoras.

Remetidos os autos para julgamento a Colenda Terceira Câmara do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime negou provimento ao recurso interposto (acórdão de fls. 1667/1675).

Frente às contradições existentes no v. acórdão, o recorrente interpôs embargos de declaração (fls. 1678/1681), a fim que fossem sanadas as irregularidades existentes. A Colenda Terceira Câmara, do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 11 de março de 2004, por unanimidade,

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rejeitou os embargos (fls. 1685/1687). A D. Procuradoria Geral de Justiça tomou ciência em 04 de junho de 2004 e o acórdão foi publicado em 05 de julho de 2004 (fls. 1667).

Não se conformando com o acórdão, o ora RECORRENTE interpôs recurso extraordinário com fundamento no art. 102, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal (fls. 1732/1748), e especial com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "c", da Constituição Federal (fls. 1698/1715).

Ouviu-se a Douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 1768/1777) e o assistente da acusação (fls. 1811/1823), que se manifestaram pelo improvimento dos recursos. Remeteram-se os recursos extraordinário e especial ao Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Segundo Vice-Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para juízo de admissibilidade.

Em 15 de junho do 2005, foi publicada a r. decisão, do ilustre Desembargador, Segundo Vice-Presidente, pelo indeferimento do processamento dos recursos excepcionais. Não se conformando com a decisão, o recorrente agravou de instrumento pretendendo a admissibilidade de ambos os recursos.

Remetidos os autos aos Tribunais Superiores, ocorreu o trânsito em julgado do recurso de agravo de instrumento, que restou improvido, não tendo até a presente data ocorrido trânsito em julgado do Recurso de Agravo de Instrumento interposto perante o Supremo Tribunal Federal.

Em virtude da proximidade do julgamento em Plenário do Júri, e de não ter sido julgados os recursos interpostos nos Tribunais Superiores, moveu-se Medida Cautelar Inominada, com pedido de liminar de sobrestamento do julgamento do recorrente em Plenário do Júri, até que ocorresse o trânsito em julgado da sentença de pronúncia.

Ao analisar os requerimentos da defesa, o Ministro Relator Helio Quaglia Barbosa, em 16 de março do corrente ano, ao mesmo tempo em que julgava o agravo de instrumento, concedeu em parte a liminar na medida cautelar para sobrestar o julgamento do recorrente pelo Júri, até nova decisão na medida cautelar.”

Uma vez revogada, pelo saudoso Ministro Hélio Quaglia Barbosa, em 20/4/07, a medida liminar concedida na medida cautelar, deu-se curso, na origem, ao julgamento popular, iniciado em 3 e concluído no dia 5 de maio de 2007, sendo o Recorrente, ao final, considerado culpado, aplicando-se-lhe pena de 19 (dezenove) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão, em regime integralmente fechado, por incurso no art. 121, § 2º, incisos I e IV, do Código Penal.

Com espeque no art. 593, inciso III, alíneas a, b, c e d, do Código de Processo Penal, a defesa acorreu ao Tribunal de Justiça, por meio de recurso de apelação, pretendendo o reconhecimento de diversas nulidades, sobretudo no que se referia a alegado cerceamento de defesa, de modo a se permitir novo júri, além de se insurgir contra a individualização da reprimenda e o quantum dali decorrente. O Ministério Público do Estado de São Paulo também recorreu, pretendendo fosse negado o direito de o réu aguardar o processo em liberdade.

Processado o apelo, depois de acostadas as contra-razões e o parecer do Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 5 de 74

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parquet estadual, o Colegiado de origem decidiu manter a condenação, porém, reduzindo a pena para 18 (dezoito) anos de reclusão, no regime integralmente fechado, oportunidade em que foi determinado o recolhimento do Recorrente para o fim de cumprimento da pena, determinação afastada por força de decisões desta Corte quando da apreciação do HC 72.726/SP.

Contra o acórdão da apelação, vieram embargos de declaração (fls. 3193/3213), com os quais a defesa postulou efeitos infringentes e buscou debater os seguintes pontos:

"a) para que fique claro o posicionamento do órgão julgador, requer o embargante que se explicite que a Câmara entende que a ausência do ato (nova rogatória) - não imputável à defesa - deixou de acarretar-lhe prejuízo, sob todos os prognósticos, desnecessária a verificação "ex post";

b) Pede-se que o órgão julgador declare se o resultado da negada produção de prova digital é o mesmo da produção de "outras provas do mesmo conteúdo daquelas fitas";

c) Também se pede que o órgão julgador esclareça se, ao afastar a alegação de necessidade do trânsito em julgado da decisão de pronúncia para o oferecimento do libelo e prosseguimento do feito, na forma do art. 416 do CPP, entendeu não ter aplicação a norma ali contida, inclusive no tocante à ainda pendente argüição de descabimento das qualificadoras que a pronúncia admitiu;

d) Pede-se esclarecimento quanto a atuação de setores da mídia, inclusive em Plenário e quanto a influência sofrida pelos jurados;

e) Pede-se que se declare o entendimento sobre cada uma das nulidades aventadas, inclusive sobre o sono dos jurados durante a realização do plenário e se entendem que estas não geraram prejuízos ao Embargante;

f) Pede-se esclarecimento quanto à necessidade de intimação pessoal do pronunciado - com a imposição legal de não prosseguimento do processo enquanto tal não acontecer (art. 412 do CPP) - diante de eventual inaplicabilidade da norma do art. 416 do Código de Processo Penal.

g) Quanto à falta de parte do 3° quesito, pede-se que declare a E. Câmara seu entendimento de que a nulidade, embora absoluta a teor da Súmula n.º 156 do STF (“é absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, por falta de quesito obrigatório”), é convalidada pelo silêncio da defesa em plenário de julgamento.

h) E se pronuncie, também, quanto ao fato incontroverso de que a formulação de quesitos pertinentes à semi-imputabilidade foi deferida, mas operada pela metade, uma vez que o 3° quesito parcialmente posto à apreciação do júri só deveria ter sido votado, depois que formuladas duas proposições distintas e eventualmente negada a primeira, que foi OMITIDA (a - parcial capacidade de entendimento; b - parcial capacidade de determinação).

i) ou, então e finalmente, reconheça que a nulidade é absoluta e, como tal, deve ser declarada, sempre, independentemente de protesto quando do julgamento. E, por via de conseqüência, CONFERINDO EFEITOS INFRINGENTES AOS EMBARGOS, ANULE O JULGAMENTO E SUBMETA o RÉU A UM NOVO JÚRI, formulados corretamente os quesitos.

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j) Requer-se que a E. Câmara declare, haja vista que a matéria foi devolvida a este E. Tribunal, que entende que o quinto e o sexto quesitos:

i) ou estavam corretamente formulados e não eram complexos; ii) ou estavam mal formulados, em proposições complexas, vedadas por

lei, mas a nulidade não foi reconhecida, porque operada a preclusão diante do não registro de protesto na ata de julgamento;

iii) ou estavam eivados de nulidade absoluta, decorrente da sua má formulação, sem a menor possibilidade de análise das respostas.

Nesta hipótese, atribuindo efeitos infringentes aos embargos, ANULE O JULGAMENTO E SUBMETA O ORA APELANTE A NOVO JÚRI, com quesitos adequadamente corrigidos.

k) Pede a defesa que a E. Câmara declare que, não podendo, por vedação constitucional, interpretar o silêncio do acusado em seu desfavor, não pode emitir qualquer juízo de valor a respeito do seu silêncio. Ou seja, não pode dizer se o silêncio o prejudicou ou deixou de favorecê-lo.

l) Pede a defesa que essa E. Câmara Criminal declare se “vingança, por não aceitar a recusa da vítima em restabelecer relação amorosa" é, jurídica e legalmente, motivo suficiente para caracterizar a qualificadora da torpeza.

m) Pede-se que se reconheça a omissão e se declare a manifesta contrariedade à prova dos autos na decisão do Júri, ao negar a atenuante da confissão e, em conseqüência, conferindo-se efeito modificativo aos embargos, seja anulada a decisão dos Jurados de Ibiúna, com submissão do embargante a novo julgamento pelo Tribunal Popular.

n) Pede-se que esta Colenda Câmara declare se ocorreu ou não bis in idem no momento de fixação da pena.

o) para que a preponderância da atenuante da confissão seja reconhecida de fato e no caso concreto, a diminuição pela atenuante deve superar o percentual de um quinto, já declarado suficiente e adequado, afigurando-se justo e salutar que se aplique no mínimo o redutor de um quarto, MOTIVO POR QUE A DEFESA REQUER E ESPERA QUE a Egrégia Câmara, suprindo a omissão e afastando a contradição, dê aos embargos efeito modificativo e reduza a pena-base em pelo menos um quarto, tornando-a definitiva em no máximo doze anos de reclusão.

Finalmente, requer e espera que esse Órgão Julgador haja por bem reformular seu entendimento em dois pontos, "data vênia", insustentáveis: o de que a pena imposta deva ser cumprida em caráter provisório, antes do trânsito em julgado da condenação e, também, o de que se mostra incabível a progressão de regime.

O estabelecimento do regime inicial fechado, caso a declaração de nulidade e determinação de novo júri não sejam a solução dessa Câmara, significará respeito à decisão do Supremo Tribunal Federal, que, por seu Pleno, no julgamento do HC n.º 82989/SP, em 23.02.2006, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do art. 2º da Lei n.º 8072/90.

O cumprimento da pena só depois do trânsito em julgado é conseqüência de imperativos constitucionais e orientação predominante também no Excelso Pretório, como se pôde ver no julgamento do H. C. n.º 88174/SP, 2T., rel. Min. EROS GRAU, julgado em 12.12.2006” (fls.)."

Desacolhida a pretensão integrativa, com efeitos modificativos, sobreveio o presente recurso especial (fls. 3248/3330), em que se alegam, a partir do debate requerido nos aclaratórios, inúmeras violações à lei federal e aponta a existência de dissídio, a saber:

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1) violação do art. 619 do CPP, porquanto os temas veiculados

nos embargos de declaração não foram adequadamente tratados pelo

acórdão objurgado, na medida em que o Tribunal a quo resolveu

desacolher o pleito da defesa por decisão genérica, relativo,

basicamente, ao argumento de que aos embargos não cabem efeitos

infringentes, deixando de responder muitos pontos alegados, como o

que se referia ao bis in idem na fixação da pena; sobre a nulidade

absoluta ocorrida com a incorreta formulação de quesitos e a ausência

de quesito obrigatório; omissão quanto à influência da mídia no

julgamento do caso e, por conseguinte, na imparcialidade dos jurados;

porque a Turma julgadora não dissipou contradição no tocante ao

direito de o Réu permanecer calado e, ao mesmo tempo, insinuou que

o fato lhe foi desfavorável; porque não tratou sobre o cochilo dos

jurados durante o julgamento; deixou de considerar a confissão como

fator preponderante na diminuição da pena; aguardando-se por esse

ordem de violação a anulação do acórdão dos aclaratórios.

2) uma vez superada a violação anterior, aponta o Recorrente ofensa aos arts. 395, 421, parágrafo único, 455 e 475, todos do Código de Processo Penal, em face da negativa de produção de prova relevante à verdade real.

Assevera, neste ponto, que a defesa se viu tolhida da oitiva de importante testemunha, ex-esposa do Réu e residente no exterior, que demonstraria não compreender, a hipótese, de motivo torpe, havendo de considerar a justificativa do Tribunal, de que o testemunho era desnecessário, verdadeira afronta à soberania dos jurados. Ressalta, ainda, que mesmo considerando o cerceamento de defesa ora apontado como nulidade relativa, estando sujeito à preclusão e à demonstração do prejuízo, este decorreria da inclusão das qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima, bem assim, da fixação de pena acima do mínimo legal tomando por base justamente a personalidade e o comportamento do Recorrente, situações que seriam aclaradas com a oitiva da testemunha.

Noutra sede e sob o mesmo enfoque do cerceamento probatório,

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sustenta a nulidade do julgamento popular, em virtude da negativa de produção de prova digital em plenário, juntada aos autos no prazo do art. 475 do CPP, ao fundamento da surpresa, já que exíguo o prazo para que a acusação tomasse pé do conteúdo dos vídeos que se queria reproduzir no julgamento. Afirma que a prova em DVDs continha depoimento de pessoas não ouvidas no processo e que trariam o perfil do Recorrente na sua vida pessoal e profissional, além do seu comportamento no período anterior ao fato que vitimara Sandra Gomide.

Em seguida, o Recorrente pontua a existência de nulidade também no fato de o Juiz não ter substituído a testemunha de defesa Arnaldo José Gionco Galvão pela testemunha Maria Luisa Pastor Gonzáles, sendo esta inquirida somente como testemunha do Juízo, situação que restringiu as inquirições da defesa. De igual, alega-se a nulidade do julgamento porque a testemunha Washington Novaes não foi intimada, arrolada como imprescindível pela defesa, o que imporia o adiamento do júri, nos termos do art. 455 do CPP.

3) Malferimento dos arts. 251, 416 e 425, parágrafo único, do Código Penal, “em decorrência do julgamento em Plenário do Júri ter ocorrido sem que o processo estivesse pronto para julgamento, posto que foi realizado antes do trânsito em julgado da sentença de pronúncia; pendentes diversos requerimentos da defesa (apreciados à undécima hora, um dia antes do julgamento em Plenário) e sem que a defesa tivesse acesso a tudo o quanto existente nos autos do processo, ou seja, ciência dos termos dos atos do processo”, devendo-se considerar no caso o desrespeito ao devido processo, ao direito ao contraditório, à defesa plena e efetiva e à isonomia processual (princípio da paridade de armas).

Neste particular, adverte o Recorrente que a realização do julgamento pelo Júri não pode sedimentar as nulidades no processo, já que o direito de defesa não resultou pleno pelas várias limitações criadas à produção da prova e ao inteiro conhecimento do que os autos continham, como o teor de fitas de áudio ou imagem, advindas dos veículos de comunicação e outros, que influenciaram o Juiz a ponto de este somente decidir os requerimentos da defesa no dia anterior à realização do julgamento, não lhe permitindo recorrer da decisão.

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4) Violação dos arts. 458, 462, § 1º, 464, c/c arts. 112, 252, inciso I e III, todos do Código de Processo Penal, “pela ausência de imparcialidade dos Jurados, em virtude da nefasta influência da mídia, que comprovadamente influiu no convencimento da causa antes e durante o julgamento; pelo impedimento da Jurada Neuci de funcionar no Conselho de Sentença, em virtude do parentesco que possui com a escrevente do Tribunal do Júri, que participou dos trabalhos e pelo fato, público e notório, divulgado pela mídia, de que os Jurados teriam cochilado durante a realização dos trabalhos” (fl. 3288).

No tocante à veiculação do caso na mídia, diz que o Recorrente, antes e durante o julgamento, foi submetido a verdadeiro linchamento público, como se estivesse num programa de auditório sensacionalista, sem direito de defesa, fato que contribuiu para a imparcialidade dos juízes leigos e togados. Já com relação ao parentesco da jurada Neuci Aparecida Albertin dos Santos com escrevente do Júri, Ana Cristina, aduz não ter sido a nulidade suscitada a tempo porque somente veio a ser conhecida depois de realizada a sessão do julgamento.

Assevera que os referidos vícios denotam, de per si, o prejuízo, porquanto injusta se mostrou a condenação do Recorrente.

5) Ofensa aos arts. 564, III, “k”, parágrafo único, art. 593, III, “d”, do Código de Processo Penal, c.c. arts. 65, III, “d”, e 121, § 2º, I, do Código Penal, tendo em vista a condenação manifestamente contrária à prova dos autos, uma vez não reconhecida a confissão do réu e por se ter consagrado o motivo torpe quando inexistente qualquer “elemento probatório da existência da alegada vingança”; e também pela complexidade gerada na formulação dos quesitos acerca das qualificadoras, ou seja, entre os quesitos 5º e 6º. Neste ponto, contesta a “má-técnica” dos textos, sendo que em relação ao quinto quesito aponta a existência de oração “redundante insinuante e prejudicial”; enquanto que no sexto, houve a suscitação de diversos e diferentes fatos em um só quesito.

6) Malferimento ao art. 484, II, III, IV e VI, do Código de Processo Penal, em face da inexistência de quesito obrigatório da defesa, atinente à semi-imputabilidade do Recorrente, o que seria fator indispensável à fixação da pena. Diz que, por tratar-se de nulidade

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absoluta, não se sujeita à preclusão do direito processual.

7) Violação dos arts. 29 e 59 do Código Penal, ante a ausência de motivação da sentença condenatória no que se refere à individualização da pena. Assevera que os julgadores usaram de preconceito para estabelecer um quantum exacerbado da reprimenda, sem justificar concretamente qual a razão para tanto, além do que, utilizaram-se do mesmo parâmetro da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima para aumentar a pena base. Em outra ponta, deixou de considerar na dosimetria os excelentes predicados do Recorrente.

8) Violação do art. 65, inciso I, do Código Penal, na medida em que o Tribunal não reconheceu a redução da pena por ter o Recorrente completado 70 anos no dia 13/2/07, antes da publicação do acórdão da apelação, ocorrida no dia 16/2/2007.

9) Também no que toca à individualização da pena, o Recorrente aponta dissídio jurisprudencial, com julgados do STF e desta Corte, em relação, respectivamente, à progressão de regime; ao cumprimento provisório da pena e ao bis in idem entre a qualificadora e à agravante.

De todo o exposto, requer o recorrente, primeiro, seja reconhecida a violação do art. 619 do CPP, para que os autos possam retornar a novo julgamento da Corte a quo; segundo, superada a violação, sejam reconhecidas as nulidades apontadas pelo Recorrente, de modo a determinar novo julgamento do Júri.

Postula-se, ainda, o reconhecimento da divergência jurisprudencial a fim de afastar a proibição de progressão de regime; a execução provisória da pena, bem assim a sua redução, aplicando-se ao caso a atenuante do art. 65, inciso I, do Código Penal.

Recebido e acostado o recurso, vieram as contra-razões do Ministério Público e do Assistente de Acusação (fls. 3436/3462 e 3470/3502).

Em síntese, o Ministério Público Estadual pontua a falta de prequestionamento explícito de vários itens da irresignação, o que atrairia a aplicação dos Enunciados 282 e 356 do STF. Adverte para a imprecisão do recurso, na medida em que o Recorrente não buscou contextualizar os dispositivos da lei que entende ofendidos, mas

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apenas indicá-los de forma objetiva. Assevera haver, também, confusão na apresentação das teses em face de o Recorrente ter mesclado argumentos da lei federal e preceitos da Constituição.

De outro lado, sustenta que a pretensão busca o mero revolvimento fático, vedado pelo enunciado 7 desta Corte e que o dissídio jurisprudencial apontado não restou devidamente comprovado por cotejo analítico, já que o recorrente apenas realizou a mera transcrição de ementas.

Sobre o mérito da discussão, indicou o que já tinha sido produzido pelo parquet local no transcurso da apelação e embargos de declaração.

Por fim, entende ser possível, ante o pensamento desta Corte, o reconhecimento da atenuante do art. 65, I, do CP.

Com relação à Assistência de Acusação, a resposta adentrou não só nos pressupostos de admissibilidade do apelo, mas também, nas matérias do recurso especial.

Inicia a resposta com a defesa da atuação do Judiciário e da mídia que, ao contrário do asseverado pelo recorrente, teria sido exemplar no caso. Alude, em seqüência, ao fato de que as acusações do recorrente quanto à intromissão da imprensa e à parcialidade dos Juízes não passam de afirmações genéricas sem a menor comprovação.

Defendendo a realização do Júri mesmo na pendência de recurso extraordinário, quanto ao cerceamento de defesa, pondera que foi a defesa a responsável por não ter tido acesso a todas as cópias do processo, já que não as providenciou como lhe era facultado.

Sobre a realização do júri sem a oportunidade de ter vista, em tempo hábil, dos autos, afirma que os patronos do Recorrente atuavam na causa há mais de ano e, portanto, tiveram todo acesso aos documentos do autos por período suficiente, além do que, o Júri já estava programado para se realizar, apenas se confirmando por decisão do Relator do habeas corpus em curso neste Tribunal.

Sustenta não ter havido, por parte do Juiz Presidente do Júri, a imposição de surpresa, já que a defesa postulara de modo reiterado até na antivéspera e, portanto, qualquer decisão teria que, naturalmente, se dar em momentos próximos à realização do julgamento.

Defende a correção dos quesitos, elaborados a partir do contexto da própria defesa que, por sua vez, no momento oportuno não os impugnou.

Também contesta a imprescindibilidade da oitiva da ex-mulher do Recorrente, que não foi ouvida, não porque fora impedida a prova, mas por desídia da própria defesa que simplesmente não insistiu na realização do testemunho no momento próprio. Já com relação à exibição de prova audiovisual no decorrer do Júri, apresentada à acusação um dia antes do julgamento, diz que o Juiz, corretamente, indeferiu o pedido, pois se tratava de depoimentos de pessoas “travestidos” de testemunhas da defesa, o que Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 1 2 de 74

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violaria o contraditório.Novamente, sobre a oitiva de testemunha em plenário e a sua substituição,

afirma que houve omissão da defesa, que não trouxe a pessoa indicada com endereço incorreto e que residia fora da Comarca de Ibiúna, sendo tal fato irrelevante ao seguimento do julgamento popular.

Em outra passagem, defende o direito de a mídia informar sobre o julgamento em toda a extensão, porquanto detém papel importante no tocante à formação da opinião pública.

Alude, ainda, ao fato de que a celeridade dada ao julgamento da apelação cumpriu o que reza a Emenda 45 da Constituição Federal e não porque houve pressão dos meios de comunicação.

No que se refere à imparcialidade de determinada jurada, porque detém suposto grau de parentesco com serventuário do Tribunal do Júri, não haveria de ser considerada, porquanto a regra do impedimento é imperiosa somente em relação ao Juiz, Promotor, ao Advogado, ao Réu e à Vítima, não sendo peremptória em relação ao auxiliar da Serventia Judicial, dependendo a prevalência, na hipótese, da efetiva contestação em momento oportuno e da demonstração de concreto prejuízo, o que não foi cumprido pela defesa.

Sobre a discussão de nulidade, porque não constante quesito obrigatório acerca da semi-liberdade do Recorrente, a Assistência aponta que a tese sequer foi sustentada em plenário pela defesa, que, aliás, teria concordado com a quesitação, além do que – segue afirmando - tal condição tinha sido efusivamente afastada por testemunha da própria defesa, o psiquiatra que atendeu o Recorrente, que considerou a personalidade do réu normal e que teria explicado a conduta como resultante de um stress pós-traumático, e não como sendo fruto de eventual semi-liberdade.

Por fim, defende a imposição do motivo torpe por parte dos jurados, que apenas escolheram entre as duas versões apresentadas: homicídio qualificado pela torpeza ou privilegiado pela violenta emoção logo após injusta provocação da vítima.

A Assistência conclui postulando a inadmissão ou improvimento do recurso com o imediato recolhimento do réu.

É de se registrar, também, que houve a interposição de recurso extraordinário às fls. 3378/3397.

Por força da decisão de fls. 3556, os apelos foram parcialmente admitidos, ascendendo, primeiramente, a esta Corte o especial, aguardando o da Suprema Corte o regular e oportuno encaminhamento.

Com vista do processo, o Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento parcial do recurso e, na parte conhecida, pela anulação do julgamento do Júri, para que outro seja realizado, consoante parecer de fls. 3593/3611.Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 1 3 de 74

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O recurso foi inicialmente pautado para a sessão de 24 de junho passado no que, retirado de pauta, sobreveio a indicação de julgamento para esta sessão.

Anote-se, por fim, que o Recorrente apresentou, na data de ontem (4), memoriais, com os quais repisa as razões do recurso e reforça os argumentos do parecer ministerial no tocante ao reconhecimento da nulidade do julgamento perante o Conselho de Sentença.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0)

EMENTA

- RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE CONTRARIEDADE À LEI FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 619. - TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE DO JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA.- CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS INDISPENSÁVEIS. MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO.- INFLUÊNCIA DA MÍDIA E INVOCAÇÃO DE PARCIALIDADE DOS JURADOS. MATÉRIA PROBATÓRIA INVIÁVEL NA VIA EXCEPCIONAL.- CONTRARIEDADE À PROVA. QUALIFICADORA DO MOTIVO TORPE. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO MATERIAL COGNITIVO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS.- FORMULAÇÃO DE QUESITOS. COMPLEXIDADE. APONTAMENTO NA ATA DE JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA. INVIABILIDADE DE CONSTATAÇÃO. RESPOSTAS ADEQUADAS. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA ORALIDADE.- CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CONSIDERAÇÃO PELO JÚRI. MATÉRIA DE PROVA QUANDO NÃO VISÍVEL A CONFISSÃO DO RÉU PERANTE O CONSELHO DE SENTENÇA. INOCORRÊNCIA DE CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS.- QUESITAÇÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE QUESITO OBRIGATÓRIO ACERCA DA SEMI-IMPUTABILIDADE DO RÉU. OMISSÃO NÃO COMPROVADA. FALTA DE ANOTAÇÃO NA ATA.- DOSIMETRIA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. BIS IN IDEM . INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. EXASPERAÇÃO INDEVIDA NO TOCANTE ÀS CONSEQÜÊNCIAS DO CRIME. CIRCUNSTÂNCIAS LEGAIS. CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS. COMPENSAÇÃO ENTRE ATENUANTE DA CONFISSÃO E A AGRAVANTE DO MOTIVO TORPE.

1. Os embargos declaratórios não se prestam a responder a totalidade das dúvidas suscitadas pelas partes, mas a sanar os vícios constantes do acórdão, que no caso se mostraram inexistentes.2. Segundo reiterado entendimento desta Corte, a inexistência do trânsito em julgado da sentença de pronúncia não é motivo

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suficiente para impedir o julgamento pelo Júri se a discussão encontra-se em sede excepcional.3. A não produção de prova testemunhal requerida e inicialmente deferida, caso não produzida, não torna nulo o processo se a parte deixa de alegar o cerceamento em momento oportuno. No caso, a pretendia oitiva da ex-esposa do réu na fase do juízo de acusação restou inviável com a sobrevinda da sentença de pronúncia, anterior à qual a parte não insistiu na diligência e na comprovação de sua imprescindibilidade.4. Discussões extra-processo, como a que diz respeito à influência da mídia no julgamento pelo Júri, dependem do exame de prova, situação incabível em sede de especial, que também se afigura inócua ao intuito de consagrar eventual passionalidade dos jurados. 5. Uma vez compreendendo a qualificadora do motivo torpe a tudo o que foi projetado pela acusação e aceito pela sentença de pronúncia e pelo Conselho de Sentença, resta impossível afastá-la ou mesmo consignar a contrariedade à prova dos autos sem um mínimo de incursão no material cognitivo, o que, como dito, é defeso esta Corte realizar, ex vi do enunciado 7.6. A complexidade da quesitação deve ser vista ante o postulado da oralidade que rege o julgamento do Tribunal do Júri, de modo que somente se concebe nulidade se houve a devida anotação na ata de julgamento.Se pelas respostas dos jurados não se concebe a dita complexidade, não se há por conceber a alegação pura e simples de nulidade.7. Não se mostrando, de pronto, pela simples leitura, a ausência de quesito obrigatório acerca da tese defensiva, não se pode atestar a existência de nulidade absoluta sem a constatação de apontamento na ata da sessão. 8. Representando a individualização da pena o ponto culminante da resposta penal, resta imprópria aceitar fundamentos externos ao fato delituoso, como o que se referiu o juiz do caso às conseqüências do crime.9. A atenuante da confissão, uma vez reconhecida, deve ser concebida de forma preponderante, tendo a mesma equivalência, na espécie, da agravante do motivo torpe.10. Recurso especial parcialmente provido pelo voto médio da Relatora, apenas para redimensionar a reprimenda penal ao quantum de 15 anos de reclusão.

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VOTO

MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora):

Como visto da intrincada narrativa, a discussão do recurso especial envolve uma gama considerável de temas, sobretudo acerca de eventuais nulidades ocorridas no julgamento do júri. Para que se possa dar curso à pretensão das partes processuais, de modo a analisar todos os pontos suscitados, urge de início firmar a prejudicialidade de algumas matérias objeto do pedido recursal, que dizem respeito, basicamente, a duas questões, ambas reclamando a verificação de alegado dissídio com julgados desta Corte e do Supremo. Trata-se, na hipótese, dos temas relativos à fixação do regime integralmente fechado e da determinação do cumprimento provisório da pena. Em ambos os debates, o recurso especial não mais subsiste possível.

É que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 699.693/SP (DJ de 28/5/08), reconheceu inviável o cumprimento da pena no regime integralmente fechado, em face da declarada inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n.º 8.072/90, conferindo ao Recorrente o direito de iniciá-la em regime fechado. De igual modo, esta Corte, por força de decisão proferida pela Sexta Turma, no bojo do HC 72.726/SP, concedeu ao Paciente, ora Recorrente, o direito de aguardar em liberdade o trânsito da condenação, decisão esta publicada no dia 10/12/2007 e transitada no dia 18/2/2008.

Vencida esta fase, urge averiguar os requisitos genéricos do recurso, cumprindo desde logo asseverar que os pressupostos neste quadrante, a saber, tempestividade, previsão legal e regularidade formal encontram-se atendidos, restando o enfrentamento dos requisitos específicos que, na espécie, vincula a apreciação das violações da lei federal apontadas.

Diante da complexa concatenação do debate proposto, cabe a recomendação de análise por tópicos, conforme mesmo anunciado na peça recursal, embora sem seguir a ordem de temas apresentados no recurso.

I - DA VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. A questão levantada pelo Recorrente, acerca da negativa de vigência do

artigo 619 do Código de Processo Penal, prioritária em face dos demais temas, tem por esteio o acórdão dos embargos de declaração, em cujos fundamentos ficou registrado, verbis:

“A jurisprudência é uniforme no sentido da inadmissibilidade de pretender a parte por meio dos embargos declaratórios a desconstituição do acórdão, rediscutindo ou renovando seu regular

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julgamento, sendo vedada a sua utilização para modificar o julgado em sua essência ou substância, pois desprovido de efeito infringente.

Sabe-se que em determinadas situações o reconhecimento de uma das hipóteses previstas no art. 619 do Código de Processo Penal - presença de ambigüidade, obscuridade, contradição ou omissão - forçosamente acarretaria a alteração do julgado, muitas vezes impossível se chegar a outra conclusão. Mas isso quando evidente a presença de qualquer das hipóteses previstas para esses embargos. O que não se admite é a alteração do fundamento principal da decisão colegiada, representada por sua súmula, em razão de inconformismo em relação à essência do acórdão.

(...)A leitura dos embargos declaratórios autoriza a conclusão de

que seus ilustres subscritores pretendem modificar a essência da decisão colegiada, conforme, aliás, expressamente deles constantes, salientando-se expressamente que se está pretendendo prequestionamento para a interposição de recursos especial e extraordinário.

O acórdão contém fundamentos específicos, direcionados na não-ocorrência de nenhuma das nulidades apontadas, manifestando-se sobre o mérito, as penas e o regime prisional, concluindo que pela presença da atenuante da confissão espontânea a pena privativa de liberdade deveria merecer, como efetivamente mereceu, redução em seu quantum .

Não contém nenhuma ambigüidade, nenhuma obscuridade, nenhuma contradição e nenhuma omissão, ficando ratificado em seus termos e fundamentos.

(...)A turma julgadora quer deixar claro que não há necessidade de

se examinar item por item o conteúdo dos embargos em exame. Somente na hipótese da presença de uma ou mais das causas de acolhimento é que isso seria necessário. Faz-se o registro, relevante, para se evitar repetições ou reapreciação descabida de teses ou de fundamentos que já constam do acórdão.” (fls. 1726-1727)

Tomando-se o teor do pronunciamento da Corte a quo, verifica-se não ter havido o alegado vício na apreciação do recurso de embargos. A bem da verdade, o abecedário de pontos sugeridos pelo Embargante, em tese, buscava fazer com que a Câmara Julgadora rediscutisse o thema enfrentado, sendo fácil notar tal propósito pela forma inclinada à pretensão da defesa de o novo pronunciamento enquadrar as possíveis teses já analisadas.

Por essa razão, depreende-se que houve, sim, como bem assinalou a decisão hostilizada, o desejo de rediscutir, na via integrativa, tema de fundo da apelação, só que pelas vertentes do interesse da defesa.Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 1 8 de 74

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Ora, consoante afirmado pelo acórdão, não está o magistrado obrigado a responder a totalidade das dúvidas suscitadas pelo embargante, quando for possível inferir das conclusões da decisão embargada a inviabilidade do seu acolhimento.

A conclusão do Tribunal local está, nesse ponto, em consonância com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça. Confiram-se, a propósito, os seguintes julgados:

“PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO COM NÍTIDO CARÁTER INFRINGENTE. IMPOSSIBILIDADE DE ACOLHIMENTO.

1 - Não ocorrentes as hipóteses insertas no art. 619 do CPP, tampouco equívoco manifesto no julgado recorrido, não merecem acolhida os embargos que se apresentam com nítido caráter infringente, onde se objetiva rediscutir a causa.

2 - Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg na APn .441/CE, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 04.10.2006, DJ 23.10.2006 p. 234)

"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 619 DO CPP. OMISSÃO.NÃO-OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE DO DELITO. CONDUTA INCOMPATÍVEL. REEXAME. ÓBICE DA SÚMULA 7 DO STJ.

1. "Não há falar em violação do artigo 619 do Código de Processo Penal quando, da simples leitura das razões dos embargos de declaração opostos, verifica-se que o embargante, sob o pretexto de que o acórdão embargado teria incorrido em omissão, contradição e obscuridades, tem o nítido propósito de obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável." (REsp 568.563/PI, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, DJ 17.05.2004)

(...)3. Agravo regimental improvido." (AgRg nos EDcl no Ag 723.030/MG,

minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 12.06.2007, DJ 25.06.2007 p. 312)

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A VIDA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO PARA JULGAMENTO DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. NULIDADE ARGÜIDA A DESTEMPO. PRECLUSÃO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA.

(...)4. 'Não cabe ao Tribunal, que não é órgão de consulta, responder a

'questionários' postos pela parte sucumbente, que não aponta de concreto nenhuma obscuridade, omissão ou contradição no acórdão, mas deseja, isto sim, esclarecimentos sobre sua situação futura e profliga o que considera injustiças decorrentes do decisum (...)' (EDclREsp nº 739/RJ, Relator Ministro Athos Carneiro, in DJ 12/11/90).5. Embargos de declaração rejeitados." (EDcl no HC 25.615/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 18.10.2005, DJ 21.11.2005 p. 302)

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A despeito das recomendações da jurisprudência desta Corte, cumpre anotar que os embargos de declaração com propósito de prequestionamento devem se circunscrever aos temas omitidos no acórdão hostilizado e que serão objeto da abrangência legal das razões do recurso especial. Como se sabe, o cabimento de tal apelo restringe-se aos termos fixados em lei, prévia e taxativamente, não se lhe permitindo a discussão geral e livre de tudo quanto o Recorrente espera ser um direito.

No caso, ante a amplitude do aresto recorrido frente aos temas projetados nas próprias razões de apelação, somadas as nuanças do procedimento desenvolvimento no Tribunal do Júri, era de se esperar do Recorrente a apresentação desde logo das controvérsias jurídicas, e não a indicação de um rosário de questionamentos de modo a se poder responder a tudo quanto foi alegado.

Sendo assim, afasta-se eventual ofensa ao art. 619 do CPP.

II - JULGAMENTO DO JÚRI ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. (VIOLAÇÃO DOS ARTS. 251, 416 e 425, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP).

Em relação ao tópico, aduz o Recorrente negativa de vigência aos artigos citados da lei processual, porque o julgamento popular ocorreu sem que houvesse a definição dos recursos extraordinários (especial e extraordinário propriamente dito) manejados pela defesa. Sustenta, também, a não apreciação em tempo hábil, pelo Juiz-Presidente, de inúmeros requerimentos da defesa, inclusive com o objetivo de ter acesso a todos os atos do processo para que fosse realizada a defesa plena do réu.

Primeiramente, tenho que o caso não evoca, nem de longe, o descumprimento do art. 251 do CPP. Realmente, conquanto a decisão final tenha sido drástica para as intenções da defesa, isso não importar assumir a irregularidade do processo em decorrência de suposta tendência do Juiz.

O fato, como se pode compreender dos autos, enquadra-se na órbita da complexidade e requereu do Juízo um esforço incomum até mesmo pela qualidade e desenvoltura da defesa e da acusação, o que, às vezes, pode gerar certas rusgas entre o julgador e as partes, típicas das discussões jurídica.

Assim, não se pode apontar, na espécie, qualquer desvio do julgador a ponto de qualificar o procedimento como irregular.

Nessa altura é de se notar que a exposição recursal tem por base o ato do Juiz em realizar o julgamento popular a partir do recebimento do libelo acusatório. Segundo também defende, na ótica do art. 416 do CPP, haver-se-ia de aguardar o trânsito em julgado da sentença de pronúncia e o cumprimento dos requerimentos oportunamente

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endereçados a ele.Não é de hoje que a doutrina tem efusivamente questionado a previsão do

referido dispositivo de lei, no fato de condicionar a seqüência do procedimento ao desfecho definitivo dos recursos contra a pronúncia.

Sobre a discussão, adverte MOSSIN:

“O texto legal abordado deve ser objeto de crítica de teor técnico-jurídico. A expressão passada em julgado está mal empregada. Seu uso é compatível com a decisão de mérito. A pronúncia é decisão declaratória de conteúdo processual. Assim, não pode ela ser objeto de res iudicata, mas de preclusão absoluta. A coisa julgada não permite que a sentença seja alterada. A preclusão admite.” (Mossin, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal . Barueri, SP: Manole, 2005, pág. 813).

É bem por isso que a pendência de recursos especial e extraordinário interpostos da decisão que, em recurso em sentido estrito, manteve a pronúncia, não há de ser óbice à realização do julgamento pelo Tribunal do Júri.

A despeito do que expressamente dispõe o artigo 416 do CPP, como decisão interlocutória mista, que encerra a fase de formação de culpa e inaugura a de preparação do julgamento em plenário, a pronúncia é sabidamente desprovida de eficácia condenatória; não impedindo, dessa maneira, que o recorrente, após a confirmação da decisão, cuja solução encontra-se na pendência de recurso desprovido de efeito suspensivo, seja levado a julgamento popular.

Tal conclusão não passou despercebida ao Tribunal paulista, louvando-se esta magistrada nas referências doutrinárias e jurisprudenciais encartadas no acórdão, acolhendo-as como razões de decidir. Confira-se (fls. 4045/4047):

“A terceira nulidade refere-se ao fato de que não houve o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, sendo a sentença de primeira instância confirmada por acórdão desta Corte Criminal, com subseqüente interposição de recursos especial e extraordinário. E assim não poderia ocorrer o julgamento pelo Plenário do Júri.

Supremo Tribunal Federal: 'Júri. Pendência de recurso especial do Ministério Público contra o acórdão que excluiu uma das qualificadoras reconhecidas na pronúncia que, por despido de efeito suspensivo, não impede a realização do Júri' (HC n° 78.086-1, relator min. Sepúlveda Pertence, DJU de 09 de abril de 1.999, pg.4).

Realmente, e de acordo com o art. 27, §2°, Lei n° 8.038/90,

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os Recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo, não previsto, portanto, o suspensivo.

O art. 637 do CPP, que cuida somente do recurso extraordinário (o especial foi criado pela Constituição de 1.988, em vigor), é expresso no sentido de não possuir efeito suspensivo. E já decidiu o Supremo Tribunal Federal ser possível realização de Júri enquanto não decidido tal recurso (RT 534/451).

Os únicos cabíveis contra acórdão confirmatório (ou não) de pronúncia são aqueles dois. Considerando que não possuem por força de lei efeito suspensivo forçoso convir que não tem o art. 416 do CPP o alcance pretendido.

Mesmo o Superior Tribunal de Justiça, relativamente ao homicídio destes autos, já afirmou em decisão do min. Quaglia Barbosa que a realização do Júri de Antônio Marcos Pimenta Neves estava então sobrestado, 'não até o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, mas até nova decisão nos autos desta medida cautelar' (fls. 2014), já proferida. Essa liminar foi revogada pelo mesmo eminente ministro, relator, em conseqüência do que implicitamente autorizada a realização do Júri (fls.2016).

O relator deste acórdão obteve cópia de decisão que negou provimento a agravo de instrumento interposto contra despacho que neste Tribunal de Justiça inadmitiu o recurso especial. Consta expressamente do aresto, relatado pelo min. Quaglia Barbosa: 'cabe ao Tribunal do Júri decidir acerca da existência, ou não, das qualificadoras, pois este tem a competência constitucional para os crimes dolosos contra a vida' (Agravo de Instrumento n° 702.363-SP, 02 de maio de 2006, um dia antes do julgamento pelo Júri). Significa que em relação ao recurso especial já terá ocorrido a esta altura o trânsito em julgado, muito embora, é verdade, não exista a efetiva comprovação nestes autos.

O recurso extraordinário, por sua vez, só cuida de temas constitucionais, como sabido, pertinente o registro de que a exclusão de qualificadoras não assume tal enfoque, ainda que se leve em conta os fundamentos deduzidos quando de sua interposição.

A pronúncia caracteriza prestação jurisdicional meramente declaratória de admissibilidade da acusação. Por isso mesmo é que o Superior Tribunal de Justiça afirmou que 'o juízo da pronúncia tem natureza provisória, incapaz de fazer coisa julgada' (relator min. Vicente Cernicchiaro, DJU de 28 de junho de 1993, pg. 12902).”

Em idêntico sentido já decidiu esta Corte:

“RESP - PROCESSUAL PENAL - JÚRI - PRONÚNCIA - RECURSO - EFEITOS - PENA - A - pronúncia - não gera coisa julgada. Com efeito, após o contraditório, acolhe, total, ou

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parcialmente a imputação constante da denúncia, ou a rejeita, podendo, inclusive, declarar a inexistência de infração penal. Não encerra condenação alguma. Tal como denúncia, nos crimes da competência do Juiz, a pronúncia não condena o réu. Ao contrário, obediente ao procedimento do Tribunal do Júri, é pressuposto do libelo. A decisão de mérito está reservada ao Plenário do Tribunal Popular. Ademais, o recurso - Agravo - não goza de efeito suspensivo. Daí, a realização do julgamento não estar condicionado à preclusão. Apenas corre-se o risco, em caso de provimento do recurso, afetar a decisão do Plenário. A aplicação da pena deve ser fundamentada. Na espécie, com efeito, o MM Juiz não explicitou as razões de fixar a pena-base acima do mínimo legal. A irregularidade não implica nulidade do julgamento; enseja, isso sim, tão-só, o Tribunal promover o ajuste normativo”.

(REsp 197.071/CE, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA, julgado em 30.06.1999, DJ 23.08.1999 p. 164)

E, ainda assim, cumpre registrar algo mais. Segundo se tem, a sede extraordinária apontada pelo Recorrente dizia

respeito a dois agravos de instrumento, um interposto contra a inadmissão do recurso especial, nesta Corte autuado sob o n.º 702.363, e outro, interposto para o Supremo Tribunal Federal, que restou tombado sob o n.º 580.452.

Ao primeiro foi negado provimento, por decisão do então relator publicada em 20/04/06, sendo posteriormente mantida no julgamento de agravo regimental ocorrido em 02/05/06. Já o segundo, embora tenha sido decidido pelo eminente Ministro Celso de Mello no dia 18/8/07 (DJ de 12/9/07), foi considerado intempestivo, o que pressupunha a preclusão do decisum desde a conclusão do prazo legal para interpor o recurso.

Ou seja, antes do julgamento já havia uma definição quase que completa da pretensão de ver modificada a sentença de pronúncia, não havendo motivo para que o julgamento viesse a ser adiado.

Por outro lado, aponta o recorrente não haver o magistrado sentenciante disponibilizado, em tempo razoável, acesso aos autos e demais resultados oriundos dos requerimentos, comprometendo, assim, o exercício da ampla defesa e da paridade de armas.

Quadra salientar, contudo, que a discussão de saber se o tempo concedido a defesa para que se manifestasse sobre os vários requerimentos formulados, assim como a suficiência de tempo para análise dos autos do processo nos dias que antecederam o julgamento popular, demanda a avaliação de alguns fatos que nos autos não comprovam o dito cerceamento.

Conforme se constata pela decisão do Juiz proferida em 25/4/2006, às fls. Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 2 3 de 74

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2018/2022, as constantes investidas da defesa buscando e reiterando o adiamento do julgamento do júri, bem assim, o envio de precatórias e outras comunicações, impediram a análise antecipada dos pedidos, o que foi feito na semana antecedente ao julgamento.

De outro lado, certidão da escrevente do Cartório Judicial acostada à fl. 2062 dá conta de que se tentou encaminhar à ilustre defensora cópia, por fax, das informações do processo, porém, a secretária do escritório, após tentativa de envio interrompida, afirmou que não tinha autorização para receber a comunicação; o que não foi possível realizar o ato.

Portanto, não se mostra comprovada a existência real da alegada omissão do Juízo, a ponto de reconhecer a violação dos referidos dispositivos legais, incluindo aí o atinente ao saneamento do processo (art. 425 do CPP).

Ademais, a data da realização do julgamento se deu em tempo bastante hábil, cabendo a defesa se preparar tecnicamente e voluntariamente para o possível embate perante a Corte Popular, não sendo certo imaginar que, uma vez sustado o julgamento por esta Corte, em decisão liminar logo em seguida reconsiderada, que o Juiz do caso, contrariando, aí sim, a regra do art. 251 do CPP, viesse impedir a realização do júri.

Dessa forma, cumpre reconhecer a procedência das razões constantes do acórdão combatido, o qual, além de apontar o cumprimento dos requerimentos levantados pela defesa, afastou a alegação de não haver o juízo sentenciante franqueado o oportuno acesso às informações constante dos autos.

Veja-se o teor das razões do voto condutor (fls. 4049/4052):

“De acordo com as contra-razões de fls. 3017/3018, num mesmo dia a defesa apresentou três diferentes petições, sendo proferidos dois despachos na mesma data, ficando evidente que 'nenhum requerimento deixou de ser apreciado, não podendo o juízo ser responsabilizado pelo tumulto que o próprio apelante causou no processo, às vésperas da realização do plenário'.

E afastando totalmente qualquer alegação de intempestividade ou falta de intimação sobre decisões e atos processuais, 'tem-se a certidão de fls. 206, noticiando que ao tentar-se informar a defesa do apelante de tudo o que fora decidido nos autos em relação aos últimos pedidos, a resposta obtida foi de que a secretaria não estava autorizada a dar o sinal de fax!'.

A seguir a ilustre advogada que subscreve as razões da inconformidade, e ainda ao que parece no capítulo das nulidades, sustenta: 'do fato do processo não estar pronto para julgamento; do cerceamento de acesso aos autos (negativa de ampla defesa, contraditório e isonomia processual); e da tardia prestação jurisdicional (posto as decisões judiciais foram publicadas um dia antes do júri, não havendo tempo hábil para a defesa tomar conhecimento das mesmas ou delas poder se insurgir)' (fls. 2841).

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Pede-se a máxima vênia à combativa e jovem advogada para o registro, respeitoso, de que parece haver exagero nessa generalidade no capítulo das nulidades, merecendo por parte da promotoria pública observação de que às vésperas da realização do Plenário do Júri a defesa provocou tumulto processual.

(...)Significa que somente haverá nulidade sempre que da violação do

rito processual ou da inobservância da forma dos seus atos resulte um efetivo prejuízo, real e concreto.

Inocêncio Borges da Rosa sustenta que 'a decretação de uma nulidade é uma medida tão grave, de conseqüências tão incalculáveis que só se deve recorrer a ato tão extremo quando o defeito jurídico tiver produzido um prejuízo, real, manifesto, para a acusação ou para a defesa, ou para a Justiça, e quando for impossível absolutamente reparar, repetir ou retificar o dito defeito' ('Processo Penal Brasileiro', ed. 1942, vol.III, pg. 358).

(...)Por isso é que nosso Código de Processo Penal, em vigor desde

1941, dispõe que nenhuma nulidade de ato processual será declarada se 'não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa' (art. 566).

Além de difícil saber o alcance dessa nulidade específica, sustentada no item i.i.i. de fls. 2841, é preciso considerar que o julgamento do réu transcorreu na mais absoluta normalidade, sem dúvida, digno de encômios o trabalho do MM. Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri de Ibiúna.

Pede-se a máxima vênia para não se concordar com o registro feito pela douta advogada às fls. 2855: 'o apelante foi julgado em Plenário do Júri sem ter conhecimento dos termos e atos do processo', sendo que 'o mero julgar não retira a mácula processual, nem apaga a violação a direitos e garantias inerentes ao devido processo legal. Não em um Estado Democrático de Direito. Os prejuízos são evidentes'.

Basta o exame dos autos para firme conclusão de que o dr. Diego Ferreira Mendes, MM. Juiz de Direito Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Ibiúna, conduziu com inegável cuidado e atenção o processo desde o momento em que o recebeu, respeitando o princípio constitucional da ampla defesa, sempre fundamentando as decisões tomadas. E isso num curtíssimo espaço de tempo, tendo em vista as tentativas da defesa em adiar o julgamento, apontando um sem número de nulidades. Antes, durante e após a decisão dos jurados.”

III - OFENSA AOS ARTS. 395, 421, PARÁGRAFO ÚNICO, 455 E 475 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS INDISPENSÁVEIS E REQUERIDAS PELA DEFESA).

Neste quadrante, sob a alegação de negativa de vigência dos dispositivos enumerados, o Recorrente aduz que o julgamento pelo Tribunal do Júri realizou-se: i) sem Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 2 5 de 74

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que tenha sido cumprida carta rogatória destinada a proceder-se à oitiva de sua ex-esposa, Carole Neves; ii) sem que tenha sido autorizado a produção de prova digital; iii) sem que tenha autorizada a substituição da testemunha em Plenário; e iv) sem que se tenha adiado o julgamento, ocasionado pela ausência de testemunha residente em comarca diversa, arrolada em caráter de imprescindibilidade.

A controvérsia, como visto, diz respeito a suposto cerceamento de defesa. Do transcurso do procedimento, tem-se que, expedida a carta rogatória para

oitiva da ex-esposa do Réu, não foi ela cumprida em tempo hábil, tendo retornado com a indicação de não-cumprimento após a decisão de pronúncia e depois mesmo do julgamento do recurso em sentido estrito.

Diante da insistência da defesa - diga-se, a destempo -, a MM. Juíza-condutora do processo assim se pronunciou (fl. 1858):

“A testemunha não presenciou os fatos. Além disso, em razão do grau de parentesco, seria ouvida sem o compromisso legal de dizer a verdade. É importante ressaltar que o réu foi pronunciado e a sentença de pronúncia mantida após o julgamento do recurso em sentido estrito. As declarações da filha do réu poderão ser prestadas em Plenário com muito mais efeito para a Defesa. O que não se pode admitir é que a expedição de carta rogatória seja usada como mais um artifício para retardar o julgamento.”

Veja-se, tal discussão foi promovida no mês de julho de 2004, mais de dois anos depois da sentença de pronúncia, que é de junho de 2002, e, mesmo assim, a defesa aposta na imprescindibilidade da oitiva sem que lançado qualquer registro nesse sentido no momento próprio, isto é, nas alegações finais.

Diante de tal constatação, o acórdão objurgado, após verificar a ocorrência dos efeitos preclusivos provocados pela inação da defesa, rechaçou a existência de prejuízo advindo da não concretização da medida.

Colha-se, a esse respeito, excerto extraído da decisão recorrida (fls. 4039/4401):

“A primeira preliminar sustentada no recurso do acusado refere-se exatamente a isso: houve cerceamento de defesa quando o magistrado de Ibiúna decidiu não ouvir Carole Neves.

Nas alegações finais de fls. 1502/1521 o advogado subscritor desse trabalho previsto no art. 406 do Código de Processo Penal não enfocou a nulidade, não dedicando a ela uma única linha.

Convém salientar o art. 407 do CPP, prevendo que o magistrado condutor do processo poderá ordenar diligências necessárias para sanar qualquer nulidade, 'inclusive inquirição de testemunhas'. O que se entende é que este é o momento oportuno para que o magistrado 'ouça terceiros não arrolados pelas partes, buscando o esclarecimento dos fatos', como decidiu este Tribunal de Justiça podendo fazê-lo ex officio (RT 633/290).

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Essa regra deve ser interpretada em desfavor da defesa nesse ponto, pois significa que existe previsão expressa no sentido da possibilidade de se ouvir testemunha antes da decisão de pronúncia e após as alegações finais. Considerando as circunstâncias fáticas deste processo é pertinente registrar que a referência à testemunha não ouvida deveria ter sido feita.

Vem à tona, nessas condições, o art. 571, I, do Código de Processo Penal, expresso a respeito. Pertinente registrar que nem mesmo nas razões do recurso em sentido estrito interposto contra a pronúncia (fls. 1544/1590), improvido por acórdão unânime desta Corte Criminal, foi sustentada a nulidade, tratando-se em conseqüência de tema precluso.

(...) Até o julgamento do recurso contra a pronúncia essa prova específica caiu no esquecimento, mesmo em termos de ser apontada como prova oral requerida expressamente e não efetivamente produzida.

'A argüição de nulidades durante a instrução criminal deverá ser feita dentro dos prazos previstos no art. 406 do CPP, sob pena de restarem sanadas, a teor dos arts. 571, I, e 572, I, do mesmo diploma legal' (RT 671/380). Nesse sentido: RT 765/580, 611/328, 600/410; RJTJESP 108/497.

As demais testemunhas arroladas na prévia foram regularmente ouvidas, conforme fls. 1126/1152, 1159/1224, 1230/1253 e 1380/1382, esgotada, com aquela ressalva, a prova da defesa, não arrolada Carole Neves na contrariedade ao libelo-crime acusatório, (fls. 1885), indicando-se outras pessoas que deveriam ser ouvidas.

Mas ainda que se entenda não se poder argumentar com preclusão, tendo em vista o enfoque dado no recurso em exame, o afastamento da nulidade tem outro relevante fundamento: não houve nenhum prejuízo decorrente da não-oitiva de Carole Neves.

Após ser arrolada na prévia, quando se mencionou ser residente nos Estados Unidos da América (fls. 598), a defesa formulou quesitos, bastando conferir às fls. 889/890. Foram oito os quesitos. Qualquer resposta que fosse dada a qualquer um deles em nada alteraria a situação fática dos autos, como parece óbvio, tendo em vista que Antônio Marcos confessou com detalhes na fase do inquérito policial o homicídio que praticou, extraindo-se dessa confissão a inegável certeza de que agiu sem dar a mínima chance de defesa a Sandra Gomide, atingindo-a nas costas e na cabeça, por trás. Esse episódio contou com testemunhas presenciais, uma delas responsável pelo haras onde se deu o homicídio e que comentou no Plenário do Júri sobre o medo que Sandra vinha tendo em razão do comportamento agressivo de Antônio Marcos.”

De igual modo, não é possível falar que tenha havido nulidade em função de ser indeferida produção de prova digital em plenário, bem como de ser negado ao recorrente a substituição de testemunha em Plenário.

Como é sabido, na esteira do que dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal, “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Desse modo, não é razoável concluir que a negativa de apresentação de DVDs em Plenário, cujo conteúdo consistia em filmagens de depoimentos acerca da respeitabilidade do réu, resultou em cerceamento de defesa, porquanto, além de os vídeos não guardarem relação direta com o fato punível, fora regularmente oportunizada a oitiva de testemunhas arroladas pela defesa ao longo de todo o processo escalonado do Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 2 7 de 74

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júri; não havendo, portanto, falar em prejuízo que pudesse alterar a soberania dos veredictos do julgamento popular.

É oportuno verificar, quanto à discussão, os motivos declinados pelo acórdão recorrido (fls. 4044/4045):

“A segunda nulidade apontada pela defesa diz respeito à proibição de utilização de prova digital no Plenário do Júri, juntada tempestivamente aos autos.

Vêm à tona as contra-razões da promotoria pública, fls. 3015, oportunidade em que a sua ilustre subscritora - a dra. Joiese F.T. Buffulin Salles - registra que também nesse particular não houve prejuízo à defesa pois já estavam nos autos da ação penal outras provas do mesmo conteúdo daquelas fitas: 'destaque-se, ainda, que testemunhas de defesa foram ouvidas em plenário, de sorte que a força probante desses testemunhos com certeza é maior do que a simples exibição de narrativas filmadas' (fls. 3015).

Como decidido pelo magistrado presidente do Tribunal do Júri, e conforme o que constou da ata de julgamento, fls. 2427v°, 'de acordo com a própria defesa o conteúdo dos DVDs é o que a prática forense denomina de testemunhas de antecedentes' e o momento oportuno para arrolá-las é a contrariedade ao libelo, sendo certo que nesse ponto a defesa havia observado que 'o conteúdo dos DVDs refere-se a depoimentos de pessoas que atestam a idoneidade do acusado bem como o estado em que se encontrava antes dos fatos' (fls. 2427v°). Uma delas foi ouvida em plenário, a pedido da advogada.”

Outrossim, não logrou o recorrente demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo, por ocasião da negativa de substituição de testemunha, que na mesma oportunidade fora ouvida como “testemunha do juízo”. Eis o teor da insurgência apontada pelo Recorrente (fls. 3280):

“(...) deixou o Juiz Presidente de substituir a testemunha Arnaldo José Gionco Galvão (posto que a testemunha, passou a residir em outra comarca) pela testemunha Maria Luisa Pastor Gonzáles (que compareceu espontaneamente em plenário). Não havia motivo justificado para negar sua oitiva, haja vista que comparece em Plenário e contribuiria para a busca da verdade (sic).

É certo que aludida testemunha, foi ouvida em Plenário, por insistência e requerimento da defesa, como testemunha do Juízo. Porém, tal fato não tem o condão de estancar a nulidade processual, posto que estranha e contrária à lei, o magistrado restringiu a oitiva desta testemunha, impedindo-se de falar sobre tudo quanto sabia (art. 213, do CPP – e não se pretendia a opinião pessoal da depoente), não assistindo, portanto razão ao tribunal a quo, ao asseverar que a nulidade estaria suprida.”

Cumpre sublinhar que, embora se afirme existir testemunha de acusação e de defesa, em verdade, conquanto eventualmente arroladas pelas partes processuais, as testemunhas pertencem ao juízo, uma vez que é ao julgador que a atividade probatória é

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dirigida. No mais, não se há de reconhecer nulidade sem a demonstração do respectivo prejuízo (“pás de nullité sans grief”).

A questão debatida pelo Recorrente, de que a substituição da testemunha Arnaldo José Gionco Galvão pela testemunha MARIA LUISA PASTOR GONZÁLES, impediu vários questionamentos imprescindíveis ao direito de defesa, não veio destacada por argumento hábil.

Também não se afigura congruente dizer que a testemunha substituta não pôde dar o seu testemunho de forma plena, porque foi aceita como testemunha do juízo.

A tomar pelo teor do testemunho, acostado às fls. 2575/2585, não se mostra razoável entender pela importância, bem assim, pela existência de cerceamento através da restrição de perguntas. Aliás, à exceção daquelas em que o magistrado não entendeu, os questionamentos foram realizados de forma natural, dentro do universo fático para o qual a testemunha foi apontada, que, aliás, nem dizia respeito ao crime, mas à conduta profissional da vítima.

Aproveitando esta passagem da discussão sobre a produção da prova, em sede inicial da petição do recurso o Recorrente aponta, ainda, cerceamento pelo não adiamento da sessão em virtude do não comparecimento de testemunha, residente em comarca diversa e arrolada em caráter de imprescindibilidade.

A questão envolve a oitiva da testemunha Washington Novaes, que não chegou a ser localizada no endereço declinado, sendo tal circunstância levada ao conhecimento do Recorrente.

Veja-se, a propósito, excerto extraído do acórdão (fls. 4048/4049):

“A preliminar de nulidade seguinte refere-se à ausência de intimação de Washington Novaes, arrolado com o caráter de imprescindibilidade, não se dando a oportunidade para a defesa trazê-lo ao Plenário do Júri.

Consta da ata, fls. 2424v°: 'se no rol de testemunhas, quer do libelo ou de sua contrariedade, houver alguma domiciliada fora da comarca, cabe a quem arrolou o ônus de apresentá-la por ocasião do plenário'.

É do sistema de nosso processo penal que a testemunha deverá ser ouvida no foro de seu domicílio, nenhuma regra excepcional permitindo que se locomova a outra comarca para prestar depoimento.

Conforme a promotoria pública nas contra-razões recursais, fls. 3017, 'todas as providências que estavam a cargo deste Juízo foram tomadas, não sendo possível suscitar nulidade processual porque a testemunha que deveria ser ouvida por precatória não foi localizada (fls. 2031), circunstância plenamente conhecida pelo apelante em data anterior ao plenário, já que chegou inclusive a apresentar petição onde ficava o mesmo endereço anteriormente diligenciado pelo oficial de justiça encarregado de proceder a intimação (fls. 2944/2945)'.

A cláusula de imprescindibilidade só vigora quando a testemunha

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reside na própria comarca, no endereço fornecido pela parte (RT 652/316). Não é a hipótese dos autos, no que diz respeito a Washington Novaes, residente em Goiânia.”

Correto, no meu entender, o posicionamento do Tribunal a quo, porquanto cumpria à defesa incumbir-se de conduzir a testemunha arrolada, já que residente em comarca diversa, até a sessão de julgamento, não tendo a manifestação de imprescindibilidade o condão de isentá-la de tal ônus.

Sem embargo, conforme consignado acima, a cláusula de imprescindibilidade diz respeito às testemunhas residentes na própria comarca do julgamento, consoante entendimento já firmado por este Sodalício:

“HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. TESTEMUNHAS RESIDENTES EM COMARCA DIVERSA. NÃO COMPARECIMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. FIXAÇÃO DA PENA. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE.

1. Residindo as testemunhas em comarca diversa daquela em que tramita a ação penal por homicídio, sua presença na sessão de julgamento do Tribunal do Júri é de responsabilidade das partes, no caso a defesa, inexistindo preceito legal que as obrigue a ali comparecer”.

(...) (HC 26.528/SC, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 20.05.2004, DJ 09.05.2005 p. 477)

Portanto, a ofensa aos arts. 395, 421, parágrafo único, 455 e 475, todos do CPP, não se afigura compreensível na hipótese dos autos, devendo-se prestigiar o aresto hostilizado quando afastou as alegações da defesa.

IV - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458, 462, § 1º, 464, C/C ARTS. 112, 252, INCISO I E III, TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

No tópico ora examinado, reproduzindo a exposição acima, o Recorrente aponta violação ao dispositivos processuais por entender que houve parcialidade dos Jurados, em virtude da nefasta influência da mídia, que teria influído no convencimento da causa antes e durante o julgamento; porque haveria impedimento da Jurada Neuci de funcionar no Conselho de Sentença, em virtude do parentesco que possui com a escrevente do Tribunal do Júri, que participou dos trabalhos e pelo fato, público e notório, divulgado pela mídia, de que os Jurados teriam cochilado durante a realização dos trabalhos.

Nesse contexto, verifica-se de início haver dificuldade de analisar as

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pretendidas nulidades pela completa falta de comprovação fática do alegado. Como cediço, o procedimento dos recursos extraordinários trabalha com a

definição da prova por parte da instância local, dita ordinária, porquanto lhe é defesa o desenvolvimento da cognição probatória ou mesmo do seu reexame. Daí a recomendação do enuncia 7 desta Corte: “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial.”

Na espécie, a interferência da mídia e a dita sonolência dos jurados, embora tenha sido objeto das discussões originárias, neste momento dependeria de nova apreensão, haja vista que as alegações foram desconsideradas e os fatos não restaram devidamente esclarecidos, mesmo que o Recorrente tenha defendido a qualificação como sendo “públicos e notórios”.

Por sinal, até mesmo o grau de parentesco de uma das juradas com a escrevente do Cartório, não foi comprovado nos autos, o que retira eventual debate acerca do comprometimento do julgador.

V - OFENSA AOS ARTS. 564, III, “K”, PARÁGRAFO ÚNICO, ART. 593, III, “D”, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, C.C. ARTS. 65, III, “D”, E 121, § 2º, I, DO CÓDIGO PENAL.

O centro da pretensão recursal, nesta altura, traz ao debate, primeiramente, a condenação no homicídio qualificado pelo motivo torpe, em razão de suposta vingança do Recorrente que, segundo a defesa não teria sido comprovada.

Pela vertente ora apresentada, frente a todo o andamento do feito, observa-se que os fundamentos da irresignação, assim como colocados, esbarram no enunciado 7 desta Corte, em virtude de a discussão encontrar-se na seara fático-probatória, uma vez que o Recorrente pretende, nesta instância, uma definição acerca da apontada eventual divergência entre a decisão do Conselho de Sentença e as provas dos autos, o que não se mostra possível.

Com efeito, é inegável que a verificação vindicada, no sentido de que a condenação estaria inteiramente divorciada da prova, invoca a incursão nos meandros do feito, de modo que se possa extrair, diante das provas, a incongruência do veredicto condenatório.

Para se compreender a dificuldade de adentrar nos meandros da pretensão, basta anotar que o tema já foi objeto do recurso em sentido estrito interposto no Tribunal de Justiça, a qual aportou nesta Corte por meio do Ag. 702.363, julgado nesta Sexta Turma sob a relatoria do Ilustre Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Já naquela oportunidade, este órgão colegiado alertava para o fato de que a controvérsia dependia da análise livre da Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 3 1 de 74

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Corte Popular, a quem caberia avaliar os contornos da prova.É o que consta do acórdão do agravo regimental, verbis :

"Insta destacar, sobretudo, que cabe ao Tribunal do Júri decidir acerca da existência ou não das qualificadoras, pois é esse órgão que tem a competência constitucional para os crimes dolosos contra a vida; nesse sentido já decidiu a Terceira Seção, na Rcl n.º 1471/MA, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, publicado no DJ de 08.02.2004." (Ag. Rg. no Ag. 702.363 - DJ de 5/2/2006).

É de se imaginar, portanto, que o motivo torpe, consoante delineado na denúncia, amplamente contestado pela defesa, recebido na pronúncia, ratificado no libelo e aceito pelo Conselho de Sentença para a condenação não possa ser tido por inviável senão através do exame acurado dos fatos, o que, repita-se, é expressamente proibido nesta sede de recurso especial.

A hipótese em testilha importa considerar a regência do julgamento popular pela convicção íntima, mas também, com fundamento na ordem constitucional, obedecida a plenitude de defesa, reclama atenção o respaldo da soberania do Tribunal do Júri.

Dessa maneira, o raciocínio do Recorrente, de que a condenação se deu por flagrante contrariedade à prova dos autos, recebe do juízo de validade até então fornecido pelo devido processo legal a correspondente reação: provas existem.

A consagração válida disso pressupõe, necessariamente, incursionar no ambiente processual e verificar, sem dúvida, a existência bem debatida de duas versões.

Por essas razões, existindo, como existiram, duas teses sustentadas (da acusação e da defesa) e tendo os jurados optado por uma delas, não se pode falar em decisão sem propósito, sob pena de ofensa ao princípio da soberania dos veredictos.

Confiram-se precedentes desta Corte:

“HABEAS CORPUS . REVISÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIME CONTRA A VIDA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. MOTIVO FÚTIL. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. ARREPENDIMENTO EFICAZ. EXCESSO NA DOSIMETRIA DA PENA.

PROGRESSÃO DE REGIME. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 8.072/90.

REVOGAÇÃO PELAS LEIS 9.455/97 E 9.034/95. INOCORRÊNCIA.1. À instituição do júri, por força do que dispõe o artigo 5º, inciso

XXXVIII, alínea "c", da Constituição da República, é assegurada a soberania de veredictos.

2. O artigo 593, inciso IV, alínea "d", do Código de Processo Penal, autoriza, em sendo a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, ou seja, quando os jurados decidam arbitrariamente, dissociando-se de toda e qualquer evidência probatória, seja o réu submetido a novo julgamento pelo Tribunal Popular.

3. Oferecidas aos jurados duas vertentes alternativas da verdade dos

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fatos, fundadas pelo conjunto da prova, mostra-se inadmissível que o Tribunal de Justiça, quer em sede de apelação, quer em sede de revisão criminal, desconstitua a opção do Tribunal do Júri - porque manifestamente contrária à prova dos autos - sufragando, para tanto, tese contrária.

(...)11. Ordem denegada.” (HC 16.348/SP, Rel. Ministro HAMILTON

CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19.06.2001, DJ 24.09.2001 p. 350)

“PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. ANULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOLO EVENTUAL. EXISTÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

1. Se as provas apreciadas pelas instâncias ordinárias sustentam duas versões diferentes do delito, uma das quais aceita pelo Tribunal do Júri, não há falar em julgamento contrário à prova dos autos.

(...)3. Recurso especial não conhecido.”(REsp 295.717/DF, Rel. Ministro

FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 26.06.2001, DJ 13.08.2001 p. 312, REPDJ 20.08.2001 p. 548)

Antes de avançar no exame da pretensão, cumpre esclarecer que os temas seguintes fazem parte da mesma sede de violações ora discutidas, porém, devendo ser esquadrinhados em tópico próprio.

V.1. DA ALEGADA MÁ-FORMULAÇÃO DOS 5º E 6º QUESITOS .

Em face da importância da matéria, sobretudo porque o Ministério Público Federal reconhece, neste passo, a nulidade do julgamento, transcrevo a discussão pela visão da Ilustre parecerista ministerial, que assim esclareceu a matéria (fls. 3602/3611):

“20. Passando a focalizar o presente recurso sob a ótica da violação do art. 484 do Código de Processo Penal, que envolve a redação dos quesitos apresentados ao Conselho de sentença, entende o Ministério Público Federal que os defeitos que possam atingir os quesitos devem ser alegados de imediato, na própria sessão do Juri, registrados os protestos em ata, que deve retratar o ocorrido em plenário, sob pena de se considerarem sanados, em face dos artigos 571, VIII e 572, I, ambos do Código de Processo Penal.

21. Entretanto, dependendo da natureza do vício existente, ainda que não seja ele alegado oportunamente, pode configurar nulidade absoluta do julgamento.

(...)

22. No caso dos autos, a tese desenvolvida em plenário pela acusação girou em torno do homicídio duplamente qualificado – por motivo torpe (vingança) e com a utilização de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (tiro nas costas e cabeça). A defesa sustentou a tese de que o crime

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teria sido praticado sob violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima, bem como fosse reconhecida a semi-imputabilidade do recorrente, em face de, naquele momento, a sua parcial capacidade de determinar-se de acordo com entendimento que possuía do caráter criminoso do ato.

23. Assim, foram elaborados os seguintes quesitos (fls. 2440/2441):

“1 – No dia 20 de agosto de 2.000, por volta das 14h50min, na rua Perdizes nº 11, Haras Seti, Recreio Residencial Ibiúna, neste Município, ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, efetuou disparos de arma de fogo contra SANDRA FLORENTINO GOMIDE, produzindo as lesões descritas no laudo de exame necroscópico de fls. 78/79 ?

2 – Esses ferimentos foram a causa da morte da vítima ?

3 – ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, ao tempo do crime, em virtude de perturbação mental, só possuía parcial capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento que tinha do caráter criminoso do fato que praticou?

4 – ANTONIO MARCOS PIMENTA NEVES agiu sob o domínio de

violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima? 5 – O crime foi cometido por motivo torpe, consistente em vingança,

uma vez que ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, por não aceitar a recusa da vítima em restabelecer a relação amorosa, dela resolveu se vingar, matando-a?

6 – O crime foi cometido com emprego de recurso que dificultou a

defesa da vítima, consistente em tê-la alvejado nas costas assim que ela conseguiu se desvencilhar do esforço físico do acusado que a forçava a entrar no veículo dele e, também, pelo fato de tê-la alvejado uma segunda vez quando já se achava ferida e prostrada ao solo, como conseqüência do primeiro disparo?

7 – Existem circunstâncias atenuantes em favor do acusado?”

24. Verifica-se, desde logo, que os 1º e 2º quesitos provocaram os Jurados a se manifestarem sobre o fato principal, na forma aliás descrita no art. 484, I do Código de Processo Penal. O resultado dessas indagações, 7 (sete) votos SIM e 0 (zero) votos NÃO, deixa claro que os jurados, de acordo com a prova dos autos (confissão), reconheceram que o recorrente cometeu os atos contra ele apontados, e que esses atos causaram a morte da vítima.

25. Com o 3º quesito, pretendeu o magistrado indagar do corpo de jurados, sobre a tese da defesa – reconhecimento da semi-imputabilidade - tese que, se aceita, propiciaria a redução da pena de 1/3 a 2/3. Para tanto, haveria de ser apurado, junto ao Conselho de Sentença : a) a capacidade de o acusado compreender o caráter criminoso de seu ato; b) e se a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento encontrava-se, no momento do delito, reduzida em virtude de perturbação da saúde mental.

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26. Vê-se, claramente, que esse quesito refere-se a duas circunstâncias (capacidade de entender o caráter criminoso do ato, e a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento , que devem se apuradas pelos Jurados em dois momentos, totalmente diferenciados e autônomos: a capacidade (geral) de o acusado entender que um ato – tal como o por ele praticado – constitui-se em um ato delituoso, em um crime; e a capacidade, no momento do crime, de o acusado determinar-se de acordo com esse entendimento, em virtude de perturbação da saúde mental.

27. Entretanto, ao englobar essas duas circunstâncias e esses dois momentos, totalmente distintos, em um único quesito, o MM. Juiz Presidente não foi feliz, pois utilizou-se de redação complexa, repetitiva, com orações na ordem inversa, e por esse motivo, com exposição que dificulta o entendimento até mesmo para os não leigos.

28. Aliás, da simples leitura do referido quesito ( 3 – ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, ao tempo do crime, em virtude de perturbação mental, só possuía parcial capacidade de determinar-se de acordo com o entendimento que tinha do caráter criminoso do fato que praticou? ) verifica-se que o período se encerra com uma afirmação que, sem dúvida nenhuma induz a uma resposta negativa - ... de acordo com o entendimento que tinha do caráter criminoso do fato que praticou ?

29. Essa indagação, como realizada, reforça a resposta em torno do entendimento que ( o acusado) tinha do caráter criminoso do fato que praticou (ultima proposição que acaba restando na mente do leitor) e não a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento, no momento do crime - principal circunstância a ser apurada junto ao Corpo de Jurados nesse quesito.

30. Melhor sorte não socorre o quesito 5, que envolve as teses sustentadas pela acusação e pela defesa, que pleiteou que fosse reconhecida a exclusão das agravantes. Foi ele assim redigido, verbis :

“5 – O crime foi cometido por motivo torpe, consistente em vingança, uma vez que ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, por não aceitar a recusa da vítima em restabelecer a relação amorosa, dela resolveu se vingar, matando-a?

31. Ressalta aos olhos, de simples leitura do quesito, que o MM. Juiz Presidente, com a primeira oração ( O crime foi cometido por motivo torpe ...), afirmou, com todas as letras, a tese da acusação. Em seguida, como pressuposto fático dessa assertiva, e sempre atrelando a ação do acusado à “vingança”( “... consistente em vingança ...” ) reforçou essa circunstância, ao finalizar a proposição reafirmando “.... uma vez que ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, por não aceitar a recusa da vítima em restabelecer a relação amorosa, dela resolveu se vingar, matando-a ?”

32. Fixou, assim, o Magistrado, sem qualquer interferência do Corpo de Jurados, no âmago do quesito, o motivo do crime, afirmando com todas as letras, que o delito deu-se por vingança, e porque o crime foi praticado por

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vingança ( verbis : ... dela resolveu se vingar, matando-a?” ) - ele seria torpe. Não poderiam os Jurados fugir da resposta afirmativa, no sentido de a conduta do acusado ser considerada torpe. A resposta “NÃO” seria ilógica.

33. A condução do Corpo de Jurados também resta patenteada na redação do 6º quesito. Foi ele assim redigido, verbis :

6 – O crime foi cometido com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, consistente em tê-la alvejado nas costas assim que ela conseguiu se desvencilhar do esforço físico do acusado que a forçava a entrar no veículo dele e, também, pelo fato de tê-la alvejado uma segunda vez quando já se achava ferida e prostrada ao solo, como conseqüência do primeiro disparo?

34. Entendeu o Juiz Presidente, logo após realizar a indagação central: - “O crime foi cometido com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima” - transplantar, com todos os detalhes que entendeu necessários ou importantes, a descrição do próprio delito, na exata versão da tese da acusação, verbis : “ ... consistente em tê-la alvejado nas costas assim que ela conseguiu se desvencilhar do esforço físico do acusado que a forçava a entrar no veículo dele e, também, pelo fato de tê-la alvejado uma segunda vez quando já se achava ferida e prostrada ao solo, como conseqüência do primeiro disparo”. Também aqui seria ilógica a resposta NÃO. O direcionamento à uma resposta positiva é patente.

35. Nesse contexto, o Ministério Público Federal, na sua condição de fiscal da lei, ressalta que restou claro que ao Conselho de Sentença subtraiu-se a possibilidade de livremente decidir sobre questões de sua exclusiva e soberana competência, pois a ele submetidos quesitos que cuja redação vinculava afirmações de interesse específico da acusação, em prejuízo da defesa.

36. Todos esses quesitos deveriam ter sido elaborados com redação claramente compreensível aos jurados, e com as obrigatórias divisões, de acordo com cada circunstância distinta, na forma exigida pela lei, da qual não pode o Judiciário se afastar. Os vícios detectados precisam ser considerados, sob pena de se perpetuarem as nulidades absolutas apontadas, podendo dar ensejo a posterior anulação do feito pelo Supremo Tribunal Federal, o que somente retardaria o trânsito em julgado no processo, prejudicando a efetividade das decisões judiciais.

37. Quanto ao 7º quesito, verifica-se que o Conselho de Sentença não reconheceu ao paciente a existência de atenuante da confissão (votação por 7 x 0), razão pela qual configurada decisão contrária à prova dos autos, o que justificou o uso do recurso de apelação interposto, com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal.

38. O direito de fundo encontra-se disciplinado no artigo 65 do Código penal, que estabelece que “são circunstâncias que sempre atenuam a pena: (...) III - ter o agente: (...) d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime” .

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39. Se o fato se amolda ao direito, o sétimo quesito não poderia ter sido decidido pelo Conselho de Sentença com negativa de atenuante da confissão, uma vez que a mesma estava comprovada nos autos desde a fase de inquérito policial.

40. Por outro lado, ainda que a nulidade estivesse evidente, e que o recurso cabível fosse a apelação, como foi utilizado, não poderia o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fazer as vezes do Tribunal do Júri e reduzir a pena aplicada ao paciente, sob pena de invasão da competência do Conselho de Sentença e violação ao Princípio do Juiz Natural, insculpido no artigo 5º, inciso LIII, bem como ao Princípio da Soberania dos Veredictos, no inciso XXXVIII, alínea “c”, também do mesmo artigo da Constituição Federal.

41. Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Habeas Corpus nº 92021/SP, sob a Relatoria do Excelentíssimo Senhor Ministro Arnaldo Esteves Lima (Quinta Turma – DJ 10.12.2007 p. 423) ressalvou que “não compete ao juiz presidente e, por conseqüência, às instâncias revisoras, aplicar, no cálculo da pena, atenuante não reconhecida expressamente pelo Tribunal do Júri, sob pena de violação ao princípio da soberania dos veredictos” . Da mesma forma, decidiu no Habeas Corpus nº 61468/SP, sob a Relatoria da Excelentíssima Senhora Ministra Jane Silva (Quinta Turma – DJ 15.10.2007 p. 308), oportunidade na qual ficou registrado que, “negado pelo Conselho de Sentença o reconhecimento de qualquer circunstância atenuante, não cabe ao Juiz-Presidente fazê-lo ao total arrepio da constitucional soberania de seus veredictos”.

42. Impõe-se, dessa forma, reconhecer o vício apontado.”

A controvérsia, como visto, envolve basicamente a complexidade do texto do 5º e do 6º quesitos.

Embora reconheça a Ilustre parecerista que a discussão em torno do art. 484 do CPP, somente veio no acórdão recorrido quanto ao inciso II, tema a ser descortinado logo mais, o que renderia a inadmissão do especial neste ponto, mesmo assim preconiza o conhecimento da matéria no que pertine a outras hipóteses, como a presente, e, em seqüência, opina pelo provimento do pedido.

Analisando a vertente do parquet federal, observa-se que o debate pende para considerar a complexidade da matéria como de ordem pública e, portanto, sujeita à nulidade absoluta.

Introduzindo o debate pelo viés do termo “complexidade”, o léxico, consoante encontrado no Dicionário Aurélio, define o substantivo como “a qualidade do que é complexo”, sendo este também definido como:

“1. Que abrange ou encerra muitos elementos ou partes.Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 3 7 de 74

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2. Observável sob diferentes aspectos. 3. Confuso, complicado, intricado.”

Partindo dessas designações, pode-se afirmar que o caso dos autos em si traz a marca da complexidade, porquanto envolve inúmeras nuanças e circunstâncias que o tornam, por si mesmo, complexo, bastando uma simples leitura do caderno processual.

A qualificação lexical, neste momento, tem o mérito de afastar conotações genéricas, já que a complexidade não subsiste neutra, mas jungida a necessidade de se pontuar os fatos no exato instante em que eles foram produzidos, de modo que exclua da mente do observador a idéia de que a simples indicação de uma situação complexa desde logo resulte em certificar a existência de confusão na análise de determinada realidade.

Quer-se alertar, neste passo, que a discussão ora promovida reclama uma análise do contexto, em que os atores principais, acusação, defesa e juízes, construíram um sentido para o evento penal; ou seja, não se deve emprestar às expressões cambiadas para o texto dos quesitos total e cega obediência.

Não se pode esquecer que a discussão sobre a verdade dos fatos, na órbita do Júri, decorre basicamente de um ambiente edificado em torno da oralidade e da troca de impressões diretas.

A propósito, de tão sagrada é a oralidade no procedimento do Júri, que José Frederico Marques leciona com a doutrina alienígena:

"RIVAROLA, o grande penalista argentino, comungava de idêntico ponto de vista, chegando mesmo a escrever que as 'excelências tão proclamadas' do Júri 'derivam precisamente do método, ou seja, da forma de procedimento e não do pessoal de sua magistratura'. O que há de sensato, diz ele, no julgamento do Júri, reside 'nas formas racionais do juízo em que acusador e réu podem olhar-se frente a frente; em que testemunhas e peritos comprometem solenemente sua própria estima e dignidade, obrigados a informar em voz alta entre o tribunal, o acusador, o réu, e o público; em que acusação e defesa podem pronunciar-se de viva voz, deixando a convicção de que tudo se escutou e ouviu para solucionar-se o caso conforme a justiça; e em que, por último, os mesmo juízes se vejam obrigados a pronunciar a sentença no próprio ato, à vista do povo.” (In A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997, págs. 82/83).

Penso que é em razão da oralidade fundante do Júri, na linha dos ensinamentos do saudoso mestre, que resultam as fórmulas de nulidade instituídas pelo Código de Processo Penal.

Entender o mecanismo de apreensão da realidade no julgamento perante o Conselho de Sentença, por isso, atrai a conjugação de vários fatores, sendo um de especial destaque: a visão de que o calor dos debates e as representações verbais superam o sentido dos textos e dos enunciados escritos.

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Daí porque ser tão importante aos atores requerer o registro, passo por passo, fase por fase, de eventuais desproporções em torno da verdade ali produzida e dos obstáculos que se interpõem, porque a fonte do conhecimento sobre o fato, portanto, sobre o que é a representação da realidade, funda-se nas apreensões do sujeito que o conhece (jurado), em sua convicção íntima.

Se o evento penal, na sua essência, comporta a pecha da complexidade, só se pode entender que a sua apreensão por parte do julgador leigo mostrou-se turva, pela má compreensão dos quesitos, por meio da constatação in loco e do registro no mesmo instante da percepção, sob pena de, na dúvida, não ser possível idealizar, no futuro, pela expressão das palavras, a existência de comprometimento do raciocínio.

Então, visto o presente caso sob as premissas das teses da acusação e da defesa, não tenho por certa a decantada nulidade.

De fato, a construção dos quesitos correspondeu precisamente ao que se identificava nas duas versões, cumprindo anotar que o texto dos quesitos 5º e 6º praticamente reproduzia o mesmo questionamento encontrado na denúncia, na pronúncia e no libelo, ou seja, mantinha correlação direta com aquilo que patenteou a tese de acusação. De igual modo, os quesitos em favor do réu também representaram a tese da defesa.

Como se pode, a partir daí, aferir a existência de complexidade? Penso que não é possível tal intento de modo literal, porque a vontade

expressa no veredicto, assim o quis o nosso legislador, ficará guardado com o jurado em virtude da incomunicabilidade. Mas é possível, num juízo de correspondência, identificar certa correlação a partir das respostas produzidas, senão vejamos.

Ao contrário do que apontou o parquet federal, penso que o resultado da votação dos quesitos mostra uma total compreensão das versões apresentadas, tanto pela acusação quanto pela defesa, o que afasta a alegada complexidade.

Assim, sobre os pontos culminantes do debate, no quarto quesito, o Juiz expôs a tese da defesa acerca “da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima”, enquanto que no quesito seguinte foi planificada a tese do motivo torpe. Pela análise da votação de ambos os quesitos, é de supor que não houve qualquer perplexidade dos julgadores, já que, sobre a tese da defesa, dois votaram em favor e cinco contra. Quanto à tese da acusação, já adentrando no motivo torpe, as situações se invertem, fazendo supor que os cinco jurados que votaram contra o réu seguiram o mesmo entendimento e, outra vez, escolheram a tese da acusação. De contrapartida, os mesmos dois jurados que votaram em favor do réu, mantiveram a compreensão do caso e votaram contra a versão da acusação.

Ora, diante do resultado do quinto quesito, o que viria no sexto, que tratava da segunda qualificadora, deveria abranger análise totalmente independente, pois o homicídio qualificado já tinha sido aceito por maioria e o que se perquiria naquela altura Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 3 9 de 74

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era um dado objetivo: recurso que dificultou a defesa da vítima. Não havia porque manter a mesma compreensão dos julgadores, 5X2, em face de a pergunta referir-se a dado concreto e sólido do processo: daí a votação em 7X0.

É por isso que se deve prestigiar o acórdão vergastado quando consagra, embora com relação a outro tema, que:

“Em consagrada obra, "Comentários ao Código de Processo Penal" (ed. 1945, vol.V), Florêncio de Abreu comenta o artigo 563, expresso no sentido de que "nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". E sustenta o alcance do que se deve considerar como efetivo prejuízo: "tendo em atenção a experiência adquirida em muitos anos de vida forense dizia Mortara desejar ter voz e autoridade que lhe permitissem advertir legisladores e magistrados de que não é justa, nem oportuna, a sanção de nulidade quando não venha a reparar violação de direito efetivamente verificada, e não apenas platonicamente suspeita. Daí, afora, talvez, pouquíssimos casos efetivamente excepcionais (e diz 'talvez' porque não pode afirmar com segurança absoluta que tais casos excepcionais realmente existem), é sumamente sábio o legislador que, abstendo-se de ditar sanções a priori indeclináveis, em vista de omissões ou violações específicas de formas processuais, impõe como precisa obrigação, ao juiz, o decretar a nulidade somente no caso, verificado e demonstrado, em que a omissão ou a violação tenha positivamente lesado o direito da parte que a argúi. Essa é a tendência do pensamento científico mais moderno e sadio" (pgs. 36-37).

Significa que somente haverá nulidade sempre que da violação do rito processual ou da inobservância da forma dos seus atos resulte um efetivo prejuízo, real e concreto.

Inocêncio Borges da Rosa sustenta que "a decretação de uma nulidade é uma medida tão grave, de conseqüências tão incalculáveis que só se deve recorrer a ato tão extremo quando o defeito jurídico tiver produzido um prejuízo, real, manifesto, para a acusação ou para a defesa, ou para a Justiça, e quando for impossível absolutamente reparar, repetir ou retificar o dito defeito" ("Processo Penal Brasileiro", ed. 1942, vol.III, pg. 358).

Ainda Florêncio de Abreu: "É indubitável que o texto em exame deve ser entendido em harmonia com o art. 563, que de modo geral veda a declaração de nulidade de que não resulte prejuízo para a acusação e para a defesa, bem como com o art. 566, que proíbe se declare nulo o ato que não influa na decisão da causa, e com art. 572, n° II, que o considera sanado se, praticado por outra forma, tiver atingido a sua finalidade. Se, portanto, a omissão do elemento formal não desfigura o ato de tal modo que impossibilite a consecução do seu objetivo prático, quer trazendo prejuízo efetivo às partes, quer influindo na decisão da causa, não poderá esse elemento ser tido como essencial, no conceito legal. A sua falta não terá a força de inutilizar o ato e de invalidar o processo" (obra citada, pg. 105).

Por isso é que nosso Código de Processo Penal, em vigor desde 1941, dispõe que nenhuma nulidade de ato processual será declarada se "não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa" (art. 566).”

Em conclusão, a nulidade absoluta defendida pelo Recorrente e atestada Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 4 0 de 74

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pela Ilustre representante do Ministério Público Federal, em face da verificação de possível complexidade na formulação dos quesitos 5º e 6º, não se mostra apurável de pronto, cumprindo reafimar que os questionamentos realizados aos jurados tiveram por parâmetro, pelo menos é o que se depreende das versões, à mingua de qualquer contestação no momento oportuno, a condução acusatória e a contestação da defesa, desde o início do processo penal, de cujo ambiente deve advir a interpretação do veredicto.

Ademais, afirmar que o 5º quesito trazia em si uma complexidade e, ao mesmo tempo, uma recomendação clara de aceitação da tese da acusação, me parece fundamento contraditório, sem falar no fato de que a sua compreensão restou confirmada na medida em que a resposta que lhe seguiu estava absolutamente coerente com a compreensão do quesito de número 4; sem olvidar que o texto restringia a conduta do réu a uma única moldura fática, o que, por certo, lhe beneficiava, já que retirava da convicção íntima qualquer outro debate acerca do motivo torpe, situação derivada que, como se sabe, é por demais genérica no universo dos fatos possíveis.

Note-se que a vingança foi o vetor assumido pela acusação, desde o início do processo, para identificar o motivo torpe, então era se esperar que a oração restringisse o campo de análise da pergunta, de modo a evitar que o juiz leigo ponderasse sobre fatos não discutidos.

Na seqüência, cabe abordar de modo específico acerca da CONFISSÃO ESPONTÂNEA, já que foi tema analisado pelo parecer ministerial dentro do mesmo contexto das matérias anteriormente tratadas.

V.2. DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.

Outro fundamento utilizado pelo parquet , para o fim de comprovar a dita complexidade, relaciona-se à confissão espontânea.

Segundo afirma o Recorrente, neste ponto, o Tribunal do Júri passou ao largo da prova dos autos, porquanto a confissão era de ser claramente reconhecida.

Mais uma vez, com a devida vênia da opinião da Ilustre Subprocuradora-Geral da República, que alberga o entendimento do Recorrente, tenho que, na verdade, o Conselho de Sentença interpretou o silêncio do réu como não sendo a confissão “espontânea”.

Ora, é por demais conhecido do processo penal a discussão em torno do enquadramento da confissão do réu como sendo espontânea se o seu ato não expressou propriamente uma vontade de confessar.

Sobre o tema também oscila o entendimento jurisprudencial.A propósito, nesta Corte, vários são os precedentes em que impedem a

análise da matéria porque não viável o exame da prova, a não ser quando a própria Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 4 1 de 74

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sentença usa da confissão como supedâneo da condenação e, na dosimetria, afasta a atenuante do art. 65, III, “d”, do CP.

Neste caso, o Tribunal tem reconhecido o direito de o réu ver reduzida a pena.

Já na hipótese do procedimento do Tribunal do Júri, outra deve ser a situação.

Primeiro, quem aceita a condenação é o Conselho de Sentença, cabendo ao Juiz Presidente apenas individualizar a pena. Se por acaso a Corte Popular não reconhece a atenuante da confissão, não poderá o magistrado sentenciante ou o Tribunal invadir a Soberania dos veredictos.

É o que vem professando, por sinal, esta Superior Instância, verbis :

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. CONFISSÃO ESPONTÂNEA NÃO RECONHECIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. APLICAÇÃO DA ATENUANTE. IMPOSSIBILIDADE.

REINCIDÊNCIA. AFERIÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO. EVIDENTE NULIDADE NÃO CONFIGURADA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA.

1. Não compete ao juiz presidente e, por conseqüência, às instâncias revisoras, aplicar, no cálculo da pena, atenuante não reconhecida expressamente pelo Tribunal do Júri, sob pena de violação ao princípio da soberania dos veredictos.

2. Saber se o quantum, de mais um terço, arbitrado a título de reincidência pelo julgador a quo é adequado implica análise do conjunto fático-probatório, inviável em habeas corpus.

3. Ordem denegada.” (HC 92.021/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 20.11.2007, DJ 10.12.2007 p. 423)

“HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.

EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. NÃO RECONHECIMENTO PELO CONSELHO DE SENTENÇA.

ORDEM DENEGADA.1. À luz do que dispõe o artigo 59 do Código Penal, deve o juiz, ao

proceder a individualização da pena, analisar as circunstâncias judiciais e estabelecer a pena-base dentre as cominadas no preceito secundário da norma penal incriminadora referente ao tipo penal em questão, de modo a atender as finalidades preventiva e repressiva.

Percebe-se, assim, a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, que justificam a exasperação da pena-base.

2. O Conselho de Sentença não reconheceu a existência da atenuante da confissão espontânea, sendo, desse modo, vedado ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri minorar a pena, sob pena de violação do princípio da soberania dos veredictos.

3. Ordem denegada.” (HC 45.186/SC, Rel. Ministro HÉLIO

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QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 03.04.2006 p. 420)

Todavia, o referido entendimento não pode alicerçar interpretações absurdas, a ponto de consagrar automaticamente a contrariedade à prova dos autos quando aferível a confissão do réu em umas das fases da persecutio criminis; causando, portanto, a nulidade do julgamento.

Ora, no âmbito do júri não haverá a possibilidade de a confissão justificar a sentença condenatória, já que o juiz presidente, prolator da decisão, parte do pressuposto de já existir a condenação com o veredicto dos jurados. Então, o entendimento médio da jurisprudência não pode ser recepcionado no júri de forma automática.

Por outro lado, é possível que a prova apresentada aos jurados não indique, com certeza, a existência da confissão espontânea, sendo tal enquadramento possível somente pela visão do juiz togado, interpretando a jurisprudência.

Na espécie, a discussão da atenuante da confissão espontânea atrai, sem dúvida, o exame da prova, porquanto resta claro nos autos que o Recorrente usou do silêncio como forma de defesa, argüindo, inclusive, a tese do domínio de violenta emoção tornando incompleta a compreensão dos atos.

Por essa razão, a simples confissão no procedimento do júri não impõe a contrariedade à prova dos autos, restando necessário o exame da prova, circunstância defesa nesta sede excepcional.

VI – VIOLAÇÃO DO ART. 484, II, III, IV e VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

Nesta vertente, busca-se mais uma vez apresentar discussão acerca de eventual nulidade do julgamento, em face do descumprimento do art. 484 do CPP e seus mencionados incisos, tendo em vista a inexistência de quesito sobre a semi-imputabilidade do Recorrente, fato que seria importante para a dosagem da pena.

Conquanto os fundamentos do recurso voltem atenção para a dicção do Enunciado 156 da Súmula do STF, penso que a hipótese não comporta o enquadramento sumular.

A propósito, o próprio recorrente assim esclarece por qual viga pretende traduzir a referida pretensão, verbis (fl. 3302):

"Conforme se verifica dos autos, durante todo o plenário, a defesa, procurou demonstrar, por meio de depoimentos e documentos constantes dos autos o estado de semi-imputabilidade do Recorrente. A despeito do que pensa a acusação, a tese foi ventilada durante os debates, tanto que foi submetida ao conselho de sentença, por meio do quesito de número

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3.Ocorre que, quando da formulação dos quesitos, deixou-se de formular

quesito obrigatório, antecedente ao formulado nos autos, relativo a semi-imputabilidade.” (Negritei)

A controvérsia, na verdade, reside no fato de que a defesa contesta a formulação do quesito n.º 3, achando-o insuficiente para o fim desejado de abarcar as teses ofertadas.

Ocorre que o vício apontado não atesta a inexistência de quesito obrigatório, mas invoca possível formulação de quesito fora do interesse da defesa, que, novamente, remete a discussão para os termos do art. 571, III, do Código de Processo Penal, sobre o qual paira o instituto da preclusão.

Foi o que entendeu o Tribunal nestas passagens (fls. 4054/4055):

"Diz respeito à questão de quesito apontado como obrigatório, suprimido, todavia, do questionário de fls. 2440/2441. Alega a defesa, nesse ponto, e de acordo com fls. 2902/2909, que tendo sido sustentada a tese da imputabilidade diminuída torna-se obrigatória a formulação de quesito específico, que não aconteceu.

Está na ata de julgamento, fls. 2429v°: "lidos os quesitos e explicada a significação legal de cada um, o MM. Juiz, em obediência ao art. 479 do CPP, indagou das partes se tinham algum requerimento ou reclamação, a fazer, obtendo delas a resposta que não tinham requerimento ou reclamação a fazer". Seguiu-se a votação dos quesitos.

A orientação é do Supremo Tribunal Federal: "A ata do julgamento em Plenário é o espelho das ocorrências nele verificadas. Se dela não constam as circunstâncias invocadas pela Defesa, ou protesto a respeito dos pontos impugnados, não há como anular o julgamento". Relator Ministro Cordeiro Guerra, HC n° 55.078-0 - São Paulo, citado por Adriano Marrey, "Teoria e Prática do Júri", fls. 427. Em outro julgado assim foi decidido: "os quesitos devem ser impugnados pelas partes depois de sua leitura e explicação pelo Juiz. Esse é o momento procedimental adequado para o Ministério Público e o réu reclamarem, sob pena de preclusão, quanto a eventual irregularidade na formulação dos quesitos (Código de Processo Penal, artigo 479)". As reclamações das partes devem constar da ata de julgamento, cujo conteúdo é a expressão fiel de todas as ocorrências verificadas em Plenário do Júri. "Essa ata vale pelo que nela se contém. Se dela não constam protestos ou reclamações deduzidos pelas partes a respeito de pontos impugnados, torna-se inviável invalidar o julgamento. A mera alegação discordante da parte não se revela suficiente para descaracterizar o teor de veracidade que a ata de julgamento, enquanto registro processual, reflete. A ausência de reclamação ou de protesto da parte reveste-se de aptidão para gerar a preclusão de sua faculdade jurídica de argüir, no procedimento penal do Júri, qualquer nulidade porventura ocorrida. A inexistência de reclamação ou de protesto assume, nesse contexto, irrecusável efeito preclusivo. Protestos das partes, inclusive da Defesa, não se presumem. Hão de ser especificamente lavrados, sob pena de a inércia de qualquer dos sujeitos da relação processual penal traduzir a consumação da preclusão da faculdade jurídica de protestar e de reclamar contra eventuais erros ou defeitos

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cometidos ao longo do julgamento ou da elaboração dos questionários. O silêncio das partes, durante o julgamento, apenas não sanará as irregularidades eventualmente registradas naqueles casos em que estas, por extrema gravidade, venham a induzir os Jurados a equívoco ou a perplexidade sobre os fatos sujeitos à sua deliberação" (Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma, Habeas Corpus n. 68.727-0/DF, Relator Ministro Celso de Mello, "DJU" de 28.8.92, pág. 13.452).

Sob outro enfoque, para que se possa exigir a inclusão de quesito específico, tal como pretendido nas razões da inconformidade, é necessário a instauração do competente incidente de insanidade mental, a ser realizado nas condições previstas no Código de Processo Penal, tal como consta da RT 652/316. Isso não aconteceu, vindo à tona a orientação segundo a qual não é possível o reconhecimento de semiimputabilidade por parte dos jurados sem essa providência específica.

É verdade, e já foi visto, Departamento Médico deste Estado elaborou perícia médica que concluiu pela ausência de qualquer problema por parte do acusado. A se entender que esse laudo, fls. 209/215, pode substituir aquele exame-médico legal referido no art. 149 do Código de Processo Penal, que cuida da insanidade mental de réus em ações penais, então a conclusão definitiva é de que não há falar em inimputabilidade e nem em semi-imputabilidade.

Nessas circunstâncias nem mesmo poderia ter sido formulado o quesito de número 3, fls. 2440, que cuidava da inimputabilidade. Considerando, todavia, que por unanimidade os jurados responderam negativamente, fls. 2442, não há nenhum reparo a ser feito.

Da leitura do trecho transcrito, sobretudo no tocante à descrição do procedimento, contida na ata da sessão, o Juiz ao elaborar os quesitos o fez sob as recomendações da acusação e da defesa, sendo explicitado o texto de cada quesito e explicado o seu significado, não havendo, nesta altura, qualquer questionamento das partes.

Portanto, ao lançar bases do 3º quesito, que no seu bojo refere-se à semi-imputabilidade do réu, e diante de sua explicação ao corpo de jurados, caberia à defesa, caso percebesse suposta imperfeição do texto, requerer a reformulação ou mesmo a confecção de outro quesito, fazendo constar da ata a sua discordância, e não deixar transcorrer o julgamento para depois argüir a nulidade.

A bem da verdade, a hipótese contida no quesito 3 compreendia, segundo as explicações do juiz na hora da sessão, a tese da semi-imputabilidade, já que não houve a devida contestação da defesa e o registro na ata de julgamento.

Dessa maneira, não tendo sido a nulidade argüida no momento oportuno, não se pode apontá-la, nos termos do que bem tratou o acórdão vergastado.

VII – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 29, 59, 65, I, DO CÓDIGO PENAL, EM FACE DA INCORRETA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E DA NÃO CONSIDERAÇÃO DE ATENUANTE, BEM ASSIM, EXISTÊNCIA DE

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DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL QUANTO AO CONCURSO DE QUALIFICADORAS COM A CIRCUNSTÂNCIA QUE AUMENTOU DA PENA, SOB O FUNDAMENTO DE BIS IN IDEM .

Neste contexto, as razões do recurso podem ser sintetizadas nas seguintes passagens, que tratam da dosimetria da pena existente na sentença (fls. 3306/3307):

“...além de deixar de considerar na dosimetria da pena as circunstâncias existentes a favor do Recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes, personalidade do agente e circunstâncias legais atenuantes da pena, além de ter fundamentado a sentença por meio de preconceitos injustificáveis e ilegais que não servem como fundamentação válida e lícita (art. 93, inciso IX, da CF/88).

Note-se que não obstante o acórdão recorrido tenha recebido em parte o apelo para reconhecer a circunstância legal da confissão, atenuante da pena, isto não retirou do julgado a nulidade existente. Afinal, os critérios equivocados utilizados para fixação da pena foram de forma irregular convalidados pelo Tribunal a quo e além de manter a ilicitude existente, apesar de reconhecer que a confissão constitui atenuante de primeira grandeza, reduziu a pena em porcentagem inferior ao aumento pela agravante.

(...)A apenação quanto ao recorrente se mostra exagerada e desmedida,

principalmente em face dos fundamentos constantes do acórdão condenatório, o qual não justifica, com todas as vênias, senão através de expressões padronizadas, a fixação da reprimenda penal em limites muito superiores ao mínimo legal.”

E nessa toada, segue o recurso apontando vício na individualização da pena, inclusive quanto ao não reconhecimento da atenuante do art. 65,I, do CP, já que o réu teria completado 70 anos antes da publicação do acórdão recorrido, ou seja, com aniversário no dia 13/2/2006 o acórdão somente veio a ser publicado no dia 16 do mesmo mês e ano.

VII.1. DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS.

Iniciando pela argüição de ausência de motivação idônea do decreto condenatório, em torno das circunstâncias judiciais, tem-se que o Recorrente discute o aumento operado pelo Juiz na fase do art. 59 do CP, o qual, a despeito de ter desprezado alguns predicados importantes de sua pessoa, teria tratado o caso com certo preconceito.

Para análise da controvérsia, é sempre recomendável a citação do trecho da decisão que se busca questionar. Ei-lo (fls. 2444/2446):

“Como houve o acolhimento das duas qualificadoras trazidas pela Acusação, na primeira fase da fixação da pena, utilizo-me do recurso que dificultou a defesa para tipificar o delito como homicídio qualificado. A

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outra qualificadora será sopesada quando da segunda fase da fixação da pena.

(...)Na primeira fase, tem-se que a qualificadora reconhecida deve ser

particularmente analisada, uma vez que o réu, não contente em disparar arma de fogo provida de munição de alta destruição (fl. 345) contra as costas da vítima, ainda se aproximou, com esta já caída ao solo, e realizou um disparo de arma de fogo a, no máximo, trinta e cinco centímetros de distância, conforme laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística deste Estado (fls. 824 e 884).

Assim, não só de um recurso que dificultou a defesa da vítima se valeu o réu, mas sim de dois – a saber: atirar contra as costas da vítima e disparar a curta distância atingindo a têmpora desta, que já estava prostrada ao solo. Isto deve ser valorado na aplicação da pena, como circunstância do crime.

Na culpabilidade do agente deve ser considerada a formação do réu, que se declarou pós-graduado e foi apontado como possuidor de uma das mentes mais brilhantes do jornalismo brasileiro, inclusive dirigindo algumas das mais importantes empresas do meio, bem como a sua confortável situação financeira deve ser levada em conta neste momento.

Não é justo punir o simples e ignorante, que não tem cultura e recursos, da mesma forma que se pune uma pessoa esclarecida e repleta de oportunidades, como réu, que, ainda que não estivesse em gozo do pleno discernimento emocional, possuía condição intelectual e financeira para procurar ajuda especializada.

Em relação às conseqüências do crime, não se pode ignorar que o ato do réu desestruturou toda uma família, trazendo os traumas decorrentes da perda da filha amada e reflexos na saúde física do pai da vítima, como se viu e ouviu neste Plenário. Mais, sequer levou em consideração que a mãe da vítima já possuía quadro de depressão, fato este que já era de seu conhecimento, como sua própria irmã indicou durante este julgamento.

Assim, nos termos do art. 59 do Código Penal, levando-se em consideração tudo o que foi explanado acima, entendo que a pena-base do réu deve ser fixada em um terço além do mínimo legal, ou seja, em 16 anos de reclusão.”

Por sua vez, o Tribunal a quo entendeu correta, neste ponto, a dosimetria, em decisão que a seguir transcrevo (fls. 3167/3168):

“A pena-base reclusiva de 16 anos foi muito bem fundamentada, conforme fls. 2445. O MM. Juiz de Direito enfocou a qualiflcadora do uso de recurso que dificultou defesa, a esse respeito registrando que foram dois os disparos, um dos quais quando já estava a vítima ferida e caída ao solo. Levou em conta, nesse apenamento, que deve ser considerada a formação do réu, pós-graduado em jornalismo, chegando a dirigir importantes empresas do meio. E S.Excia. também considerou as conseqüências do crime, não se podendo "ignorar que o ato do réu desestruturou toda uma família, trazendo os traumas decorrentes da perda da filha amada e reflexos na saúde física do pai da vítima, como se viu e ouviu neste Plenário".

Ao contrário do enfoque dado na apelação, combatendo-se o aumento pela presença de uma segunda qualificadora, prestigia-se nesta oportunidade o critério do eminente magistrado, pois incidindo duas qualificadoras do crime de homicídio, como na espécie, uma deve funcionar para a fixação da

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pena-base, enquanto a outra servirá como agravante para o cálculo da pena definitiva. Exatamente o que aconteceu, entendendo-se adequado o aumento de 1/5, tal como decidido.”

Explicitando o teor da irresignação em torno das disposições acima transcritas, o apelo do Recorrente incide sobre os parâmetros elencados na primeira etapa da dosimetria, isto é, na fase introdutória do sistema trifásico do art. 68 do CP, que trata das circunstâncias judiciais. Sustenta que o Juiz cindiu, em duas, a situação qualificadora – impossibilidade de defesa da vítima -, para também aumentar a pena-base, em verdadeiro bis in idem , operação que redundou ainda mais despropositada com a consideração do motivo torpe na segunda fase do sistema, quando da configuração das agravantes legais (art. 61, II, do CP).

Dentro do contexto firmado pelo MM. Juiz sentenciante, também entendo, no caso, ser possível considerar, para o aumento da pena-base, circunstância que excedia o campo de abrangência da própria qualificadora.

A circunstância qualificadora, segundo se depreende dos fundamentos da sentença, manteve-se independente ao que veio considerado para a circunstância judicial, não havendo porque impedir o aumento da pena nesta hipótese.

Não se pode perder de vista, nesta fase da discussão, que a primeira etapa da dosimetria compreende os elementos colhidos pelo Juiz a respeito do fato, do agente e da vítima para a real construção do juízo de reprovação, construção esta muitas vezes contidas na parte residual dos componentes da descrição típica, de modo que o que excede à situação qualificadora poderá ser observado na apreensão do grau de culpabilidade.

A propósito, sobre as circunstâncias judiciais, diz e ressalta a doutrina:

“Constituem particularidades que envolvem a figura básica de um delito qualquer, sem que possam ser consideradas integrantes da tipicidade derivada ou circunstâncias legais genéricas de aumento ou diminuição (agravantes/atenuantes), possuindo caráter nitidamente residual.

Dessa forma, ao cuidar da aplicação da pena, o magistrado (...) passa a analisá-las de per si, criando um conjunto de elementos positivos ou negativos, que lhe propiciará a formação de um juízo de censura (culpabilidade) maior ou menor.” (Guilherme de Souza Nucci. Individualização da Pena. São Paulo: RT, 2ª Edição, pág. 152).

Dessa forma, na investigação do juízo de reprovação o magistrado pode retirar o plus da conduta do réu para impor uma reprimenda em maior grau, ainda mais quando se nota que o confronto pode ser aferível no plano da consideração de uma qualificadora de natureza objetiva com o atuar do agente, de natureza subjetiva, em interrelação de censuras que não se anulam, portanto, que não provoca o bis in idem .

Seguindo no aspecto do juízo de censurabilidade, outra discordância do Recorrente diz sobre a existência de preconceito lançado pelo Juiz. Acho que também, Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 4 8 de 74

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aqui, não houve com acerto a postulação. O magistrado, na verdade, usou dos dados concretos acerca do agente,

pessoa provida de incomum dote intelectual e de boa condição social, para concluir que a culpabilidade deveria ser vista em maior extensão, já que o Recorrente, dentro da sua capacidade pessoal, tinha plena condição de buscar a evitação do crime. E isso compõe justamente a valoração de censurabilidade.

No último ponto da fixação da pena-base o Juiz lançou mão das conseqüências do crime. Disse que o réu desestruturou uma família e não considerou, com a sua conduta, o fato da mãe da vítima sofrer de depressão.

Na hipótese, tenho que a justificativa ultrapassa os dados da censurabilidade, porquanto posta fora do campo da análise do agente, do fato e da vítima.

Resta inegável que a perda de um filho, talvez o mais querido ente familiar, é sempre motivo de sofrimento irreparável, de aflição emocional inigualável, muitas vezes deixando nos pais profundas feridas, ao que, tudo indica, ocorreu com a família de Sandra Gomide.

Conquanto seja esta a realidade, não se pode perder de vista que a fixação da pena obedece aos parâmetros constitucionais da individualização, que deve partir do fato principal, isto é, no caso dos autos, do evento que resultou na morte da vítima.

Assim, quanto às conseqüências do crime, penso que o Juiz se valeu de subsídios que, em tese, compõem subjacências do fato criminoso, para agravar a situação do réu, o que não poderia ter sido feito, porquanto tal apuração excede a análise do direito sobre o fato.

Neste caso, a dosimetria merecerá a devida reposição.

VII.2. DA CIRCUNSTÂNCIA LEGAL.

No que se refere à qualificadora do motivo torpe como sendo agravante, não há o que recompor, pois estando na previsão das circunstâncias legais, pode o magistrado utilizá-la para agravar a pena na segunda fase da dosimetria (circunstâncias legais).

Realmente, já se encontra pacificado nesta Corte o entendimento de ser possível utilizar-se o magistrado, no processo de individualização da pena, de uma das qualificadoras, para agravar a pena do sentenciado. A propósito do assunto, tragam-se a colação os seguintes julgados:

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 121, § 2.º, I E IV, DO CP. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ART. 61 DO CP. SENTENÇA QUE CONSIDEROU UMA DAS QUALIFICADORAS COMO AGRAVANTE GENÉRICA.

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POSSIBILIDADE.Reconhecidas duas qualificadoras, não só em decorrência da

sistemática do Código Penal, mas também em respeito à soberania do Tribunal Popular (art. 5°, inciso XXXVIII, alínea e da Lex Fundamentais ), uma enseja o tipo qualificado e a outra deverá ser considerada como circunstância negativa, seja como agravante (se como tal prevista), seja como circunstância judicial (residualmente, conforme o caso, art. 59 do CP) (Precedentes do STJ e do STF).

Recurso provido.”(REsp 831730/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER,

QUINTA TURMA, julgado em 06.03.2007, DJ 09.04.2007 p. 263)

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DIREITO PROCESSUAL PENAL. LIBELO-CRIME ACUSATÓRIO. INCLUSÃO DE QUALIFICADORA. ASFIXIA E OUTRO MEIO CRUEL. ORDEM CONCEDIDA.

1. As qualificadoras estão submetidas a regime de alternatividade, bastando qualquer delas para que se afirme a forma qualificada do homicídio, não sendo necessário que todas estejam presentes, como seria de se exigir se o regime fosse cumulativo.

2. Em havendo concurso de qualificadoras, as que sobejam devem ser consideradas como agravantes legais e circunstâncias judiciais.

3. Ordem parcialmente concedida.”(HC 31570/MS, Rel. Ministro HAMILTON

CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 19.04.2005, DJ 06.02.2006 p. 331)

Também, neste ponto, merece destaque o magistério da doutrina:

“É possível que um crime contenha, na sua descrição típica derivada, mais de uma circunstância qualificadora, dando ensejo ao reconhecimento concomitante, porque compatíveis, de duas ou mais. No caso do homicídio, v.g., pode perfeitamente ocorrer a presença da motivação torpe, associada à execução empreendida à traição e com emprego de fogo. Logo, temos uma tripla qualificação. Assim, o reconhecimento da primeira qualificadora permite a mudança da faixa de fixação da pena, que salte de 6 a 20 anos para 12 a 30. Não é razoável, após esse procedimento, que o juiz despreze as outras duas relevantes circunstâncias igualmente presentes. A solução, portanto, uma vez que todas são circunstâncias do crime e, nesse caso, previstas em lei, indica ao magistrado que leve em consideração as duas outras como circunstâncias legais genéricas para o aumento da pena (agravantes). Eventualmente, quando inexistente a circunstância qualificadora no rol das genéricas agravantes do art. 61 (como ocorre com o furto cometido mediante escalada), deve o julgador acrescentá-la como circunstância judicial (art. 59), o que é sempre possível, até porque essas circunstâncias são residuais.” (Guilherme de Souza Nucci. Obra citada, pág.

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160/161).

VII.3. DA ATENUANTE.

Busca ainda o Recorrente ver reconhecida a atenuante constante do artigo 65, inciso I, parte final, do Código Penal, por haver, na superveniência da publicação do acórdão recorrido, completado 70 (setenta) anos de idade.

Consoante se depreende da leitura do mencionado artigo, a concessão da minorante pressupõe tenha o agente, na data da sentença, mais de 70 (setenta) anos de idade; não sendo a hipótese de competência originária, cumprirá, pois, à data da sentença servir de marco para que desfrute do benefício. De se ver, portanto, não possuir fundamento legal a pretensão do agravante.

Outro não é o entendimento assentado neste Sodalício:

“CRIMINAL. HC. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO VERIFICADA. COMPROVAÇÃO DA MISERABILIDADE DOS REPRESENTANTES DA VÍTIMA. PROCURAÇÃO. FATO DELITUOSO NÃO MENCIONADO. VÍCIO SANÁVEL A QUALQUER TEMPO. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DE APURAÇÃO DOS ACONTECIMENTOS. DOSIMETRIA. PACIENTE MAIOR DE 70 ANOS DE IDADE NA DATA DO ACÓRDÃO DA APELAÇÃO. ATENUANTE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

(...)Somente se aplicará atenuante à reprimenda imposta ao

agente que contar com setenta anos na data da sentença condenatória, e, não, de sua confirmação em sede de recurso.

Caso o legislador pretendesse estender a atenuante àqueles cuja idade de setenta anos fosse completada até a data do acórdão, teria se utilizado da expressão 'na data do trânsito em julgado da condenação” ou mesmo “na data da condenação'.

Precedentes desta Corte e do STF em situação análoga, concernente à redução do prazo prescricional.

Ordem denegada.”(HC 67.830/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA

TURMA, julgado em 10.05.2007, DJ 18.06.2007 p. 283)

“HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DOSIMETRIA DA PENA. IDADE DA VÍTIMA. CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE. RÉU QUE NÃO ERA MAIOR DE 70 ANOS À DATA DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE ATENUANTE. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. ORDEM DENEGADA.

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1. Não há que se falar em compensação entre a agravante genérica do crime cometido contra pessoa idosa, com a atenuante do artigo 65, inciso I, parte final, do Código Penal, se à época da sentença o réu não havia atingido a idade de 70 anos.

2. Ordem denegada.”(HC 43.937/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI,

SEXTA TURMA, julgado em 06.09.2005, DJ 03.10.2005 p. 341)

Anote-se, ainda, que o reconhecimento da atenuante em sede de julgamento colegiado dar-se-ia caso fosse o acórdão a decisão condenatória, ou mesmo se houvesse, com ele, a mudança do quadro da condenação. Alíás, este parâmetro, como se sabe, é o usado para a análise de eventual marco interruptivo da prescrição: se a sentença ou se o acórdão.

Na espécie, o acórdão nada acresceu à condenação, o que, impõe considerar a sentença como marco regulatório da atenuante em questão. Demais disso, mesmo considerando o acórdão como marco de atenuação da pena, observa-se que o julgamento da apelação se deu em data pretérita àquela em que o Recorrente completou 70 anos de idade.

VII.4. DO CONCURSO DE CIRCUNSTÂNCIAS.

Insurge-se, por fim, quanto ao reconhecimento, pelo Tribunal local, da confissão em patamar inferior ao aumento da pena fixada pela agravante. De acordo com o juízo sentenciante, o motivo torpe, reconhecido pelo Conselho de Sentença como qualificadora do crime de homicídio, fora levado em consideração para agravar a pena do réu. Na oportunidade, a pena-base, fixada em 16 (dezesseis) anos, foi exasperada em um quinto da pena. Eis o trecho extraído da sentença:

“Na segunda fase da fixação da pena, o motivo torpe, que foi reconhecido pelo Conselho de Sentença quando da votação, faz incidir o aumento de um quinto da pena até aqui fixada, restando, então, a pena final de 19 (dezenove) anos, 2 (meses) e 12 (doze) dias, uma vez que não há outras agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição a serem consideradas.” (fls.989)

O Tribunal paulista, de seu turno, ao dar parcial provimento à apelação da defesa, reconheceu a existência da confissão como atenuante, reduzindo, assim, em 1 (um) ano a pena-base fixada. Colha-se excerto retirado do acórdão:

“O acórdão trazido pela defesa, nesse tema, é sem dúvida pertinente e conta com o respaldo dos integrantes desta turma julgadora: 'a confissão do réu pode ser tida como verdadeiro serviço à Justiça, pois simplifica a

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instrução criminal e confere ao julgador a certeza moral de uma condenação justa. Assim, deve ser avaliada como atenuante de primeira grandeza e no confronto com agravantes prevalecer sobre estas' (JUTACRIM 86/339, referido este acórdão às fls. 2933).

Nem se argumente que a confissão está presente somente na fase do inquérito policial, mesmo porque em juízo não houve propriamente retratação mas simplesmente a invocação do princípio constitucional do direito ao silêncio.

Seria ilógico, injusto mesmo, considerar a confissão extrajudicial para um posicionamento em termos de julgamento, como acontece neste acórdão, para desprezar a mesma confissão como atenuante específica.

Entende-se que nessas circunstâncias especiais a pena base reclusiva imposta ao acusado fica reduzida a 15 anos, por força da atenuante.

Em seguida, e como visto, o magistrado fez o aumento de 1/5 sobre a pena privativa de liberdade, por força da qualificadora do motivo torpe também reconhecida pelos jurados.

Mantido esse correto critério a pena corporal fica definida em 18 anos de reclusão, não havendo agravantes e atenuantes outras a serem consideradas”.

Por oportuno, cabe indicar a norma do art. 67 do Código Penal, que reza:

Art. 67 – “No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”.

No caso em apreço, o motivo torpe, enquanto circunstância preponderante, prevaleceu sobre a confissão do agente, tendo o Tribunal a quo decidido em consonância com orientação firmada por este Tribunal Superior de Justiça, a exemplo dos precedentes:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DOSIMETRIA DA PENA. PREPONDERÂNCIA DA CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA SOBRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO. RECURSO PROVIDO.

Nos termos do art. 67 do Código Penal e da firme jurisprudência da 3ª Seção a respeito, a circunstância agravante da reincidência prevalece sobre a atenuante da confissão. Precedentes.

In casu , o acórdão recorrido deve ser reformado apenas no sentido de que outra dosimetria da reprimenda seja novamente fixada, com o reconhecimento da preponderância da reincidência.

Recurso especial provido.”(REsp 912.053/MS, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS

(JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 16.10.2007, DJ 05.11.2007 p. 392)

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. DOSIMETRIA DA PENA. PREPONDERÂNCIA DA REINCIDÊNCIA SOBRE A ATENUANTE DA CONFISSÃO. CONCURSO DE AGENTES

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E EMPREGO DE ARMAS. AUMENTO MÍNIMO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Nos termos do art. 67 do Código Penal e de firme jurisprudência a respeito, a reincidência, como circunstância preponderante, prevalece sobre a confissão.

O aumento da pena do roubo, praticado com emprego de arma e concurso de agentes, pode ocorrer no patamar legal mínimo, de 1/3 (um terço), dependendo qualquer acréscimo de fundamentação adequada.

Recurso especial parcialmente provido.”(REsp 702.401/RS, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA

TURMA, julgado em 27.10.2005, DJ 06.02.2006 p. 390)

Todavia, em recente decisão desta Sexta Turma, de que foi relatora a Desembargadora convocada Jane Silva, em se tratando da atenuante de confissão do acusado, que na espécie foi reconhecida pelo Tribunal, conforme anunciado no item V.2, e ante a inexistência de recurso do Ministério Público, ela também tem de ser vista como causa de diminuição preponderante, o que, importa considerar a compensação com a agravante do motivo torpe na mesma ordem de equivalência, ou seja, invalidando o aumento da pena operado na segunda fase do cálculo.

VIII - CONCLUSÃO.

Tendo em vista o que foi até então exposto relativamente à dosimetria, tenho que a pena deverá ser revista da seguinte forma.

No que pertine às circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, com a exclusão dos fundamentos em torno das conseqüências do crime, que no caso excederam os contornos do procedimento de individualização, entendo que, dentro de um juízo de censurabilidade do fato, a pena base fixada pela sentença e mantida no acórdão da apelação, em 16 (dezesseis) anos, deva ser reduzida de um ano, passando ao quantum de 15 (quinze) anos de reclusão, o que torno definitivo em face da compensação entre a atenuante da confissão e a agravante do motivo torpe.

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe parcial provimento, para o fim de refazer a dosimetria nos termos acima delineados.

É o voto.

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ERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2007/0262115-0 REsp 1012187 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 009852793900010000 238012000004407 40389333 4038933501 4038933702 9852793700

PAUTA: 05/08/2008 JULGADO: 05/08/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. SAMIR HADDAD

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVESADVOGADO : MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTERIO PUBLICOASSIST. AC : LEONILDA PAZAN FLORENTINOADVOGADO : SERGEI COBRA ARBEX E OUTRO(S)

ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art.121 a 154) - Crimes contra a vida - Homicídio ( art. 121 ) - Qualificado

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA, pela parte RECORRENTE: ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES, Dr(a). SERGEI COBRA ARBEX, pela parte ASSIST.AC: LEONILDA PAZAN FLORENTINO e Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. SAMIR HADDAD

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Após o voto da Sra. Ministra Relatora conhecendo do recurso e lhe dando parcial provimento, pediu vista o Sr. Ministro Og Fernandes. Aguardam a Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e os Srs. Ministros Nilson Naves e Paulo Gallotti."

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 05 de agosto de 2008

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANASecretário

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0)

VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de recurso especial

interposto por ANTÔNIO CARLOS PIMENTA NEVES, contra acórdão proferido

pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em apelação.

O voto da Ministra Relatora, Maria Thereza de Assis Moura, deu

parcial provimento ao recurso para reduzir a pena de dezoito anos de reclusão

para quinze anos, diminuindo a pena-base e equiparando entre si o quantum relativo à atenuante e à agravante.

Pedi vista dos autos.

No voto proferido pelo Desembargador Carlos Bueno, são refutadas,

de maneira bastante judiciosa, cada uma das preliminares argüídas pelo apelante.

O Tribunal a quo manteve a condenação, porém alterou a pena de dezenove anos,

dois meses e doze dias, diminuindo em um ano a condenação, por acolher a

atenuante da confissão espontânea, não reconhecida anteriormente pelo Tribunal

popular.

Já neste recurso especial, a Ministra Relatora, em voto primoroso, e

muitas vezes tomando de empréstimo o que foi dito pelo desembargador na

apelação, também afasta, ponto por ponto, as supostas nulidades apontadas.

A bem da verdade, o que se observa é que, diante do fato de não ter

obtido êxito no julgamento pelo júri, a defesa do réu, procura inutilmente, a todo

custo, suscitar nulidades, no afã de levar o recorrente a um novo julgamento.

No meu sentir, também não há nulidade a ser reconhecida, sobretudo

no ponto mais polêmico da questão, que é o caso do questionário.

Na verdade, os quesitos foram redigidos de acordo com a pronúncia, o

libelo e as teses apresentadas pela defesa. Lidos os quesitos no plenário do júri,

não houve absolutamente nenhuma impugnação por parte da ilustrada defesa.

Quanto à alegada nulidade absoluta decorrente da ausência de um

quesito obrigatório relativo à semi-imputabilidade penal do acusado, é importante

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registrar que, no decorrer de todo o processo, sequer foi requerida pela defesa a

instauração do incidente de insanidade mental do acusado, nos termos do art. 149

do Código de Processo Penal. O que há nos autos é apenas uma perícia médica,

que atesta inexistir qualquer problema mental com o acusado. Quer dizer, ainda

que se entenda que essa perícia médica seria capaz de substituir o exame médico

legal, a que se refere o art. 149 da CPP, o que não é o caso, jamais se poderia

falar em inimputabilidade ou mesmo semi-imputabilidade, como sustenta a defesa.

Por outro lado, de acordo com a ata de julgamento, a qual retrata com

exatidão as ocorrências ali verificadas, consta que a tese defensiva requereu a

semi-imputabilidade e consistiu no: "reconhecimento da semi-imputabilidade do réu

em razão da saúde mental, que só possuía parcial capacidade de determinar-se de

acordo com o entendimento que tinha do caráter criminoso do fato que praticou" (fl.

2429-v).

Não há negar, que o quesito foi elaborado de acordo com a tese

desenvolvida e requerida pela defesa no plenário do Júri.

É importante repetir que os quesitos foram lidos no plenário de

julgamento, tendo o juiz indagado às partes se tinham algum requerimento ou

reclamação a fazer, obtendo delas a resposta de que nada tinham a reclamar ou

requerer. Se nulidade houve, seria esta, relativa, e estaria preclusa, nos termos do

art. 571, inciso VIII, do Código de Processo Penal.

Quanto à alegada má formulação dos quesitos sobre o motivo torpe e

o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, entendo que a explicitação

das duas qualificadoras, em vez de implicar indução aos jurados, consistiu, ao

contrário, em medida pedagógica, tendo em vista ser o Tribunal do Júri composto

por leigos. A explicitação ateve-se, rigorosamente, aos fatos descritos nos autos.

No ponto, creio também que o voto da Ministra Maria Thereza elucida muito bem a

questão, não merecendo retoques.

Entretanto, no que tange à equivalência entre a atenuante e a

agravante, que resultou na diminuição da pena, peço vênia para discordar do

brilhante voto proferido.

Com efeito, considerou Sua Excelência que a atenuante da confissão Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 5 7 de 74

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"tem de ser vista como causa de diminuição preponderante, o que importa

considerar a compensação com a agravante do motivo torpe na mesma ordem de

equivalência, ou seja, invalidando o aumento da pena operado na segunda fase do

cálculo".

Observe-se, contudo, que o acusado confessou apenas no inquérito

policial, permanecendo em silêncio na fase judicial do processo e perante o

Tribunal do Júri.

Questão importante a se observar é que, para a mesma circunstância,

agravante ou atenuante, o percentual de aumento ou diminuição pode ser

diferenciado conforme as características do caso concreto. Deve ser considerada,

para a valoração da atenuante da confissão, sua efetiva contribuição para o

deslinde da causa.

Correto o seu reconhecimento, conforme jurisprudência desta Corte,

que a admite, inclusive quando houver a reiteração em juízo, desde que tenha sido

utilizada de alguma forma para a condenação. Mas não há por que ser igualada

à circunstância agravante do motivo torpe, obrigatoriamente preponderante,

por força do art. 67 do Código Penal. Nesse sentido, o seguinte julgado desta Turma:

"CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA DA REPRIMENDA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. RECONHECIMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE PELO CONSELHO DE SENTENÇA. INEXISTÊNCIA, NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO, DE PERCENTUAIS MÍNIMO E MÁXIMO A SEREM UTILIZADOS COMO REDUTORES. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, IMPROVIDO.(...)3 - O Código Penal não prevê, para as atenuantes, percentuais mínimo e máximo para serem utilizados, obrigatoriamente, como redutores, devendo ser respeitados, apenas, a proporcionalidade, a razoabilidade, a motivação do quantum escolhido a título de redução e os limites de pena abstratamente cominados pelo legislador para o delito imputado ao réu. 4 - Como há uma certa discricionariedade do julgador na redução

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da pena, quando da aplicação da atenuante, não se revela contra legem o emprego de um percentual redutor mínimo, que se mostra mais consentâneo e proporcional com o caso concreto, considerada a elevada exasperação obtida por ocasião da fixação da pena-base. (...)6 - Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido".(Resp nº 907.133, Relatora Ministra Jane Silva - Desembargadora convocada, DJ de 7.2.2008) - destacamos.

Posto isso, acompanho o voto da relatora, divergindo apenas no

tocante à diminuição de pena determinada pelo reconhecimento da atenuante da

confissão espontânea no mesmo patamar da agravante do motivo torpe.

Alterada a pena-base para quinze anos, como determinado pela

Ministra Maria Thereza, mantenho o quantum reduzido pela atenuante da

confissão em um ano, totalizando 14 anos de reclusão. Acrescente-se um quinto

pela agravante do motivo torpe. Fica o réu, então, definitivamente, condenado à

dezesseis anos, nove meses e dezessete dias de reclusão, mantido o regime

inicial fechado.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0) RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURARECORRENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES ADVOGADO : MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTERIO PUBLICO ASSIST. AC : LEONILDA PAZAN FLORENTINO ADVOGADO : SERGEI COBRA ARBEX E OUTRO(S)

VOTO-VENCIDO (em parte)

A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG):

Trata-se de recurso especial interposto ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVES

contra decisão prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Após examinar cuidadosamente o voto da eminente Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, excelente como sempre, e, também, as ponderações do eminente Ministro Og

Fernandes, que tanto tem enriquecido esta Turma com as suas percucientes observações, devo

dizer que tenho um posicionamento que gostaria de ressaltar e ainda não tive oportunidade de

fazê-lo nesta Turma.

No que toca à utilização de circunstância qualificadora do crime como agravante, me

perfilho à corrente jurisprudencial que entende ser ela impossível, ainda que expressamente

prevista no rol taxativo do artigo 61 do Código Penal.

Basta a leitura do caput do referido artigo para que cheguemos a essa conclusão.

Vejamos:

Artigo 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(...). (Grifo nosso).

Logo, se determinada circunstância já qualifica o crime, não pode funcionar como

agravante, pois, nesse caso, o legislador não o permitiu. Se for qualificadora, não pode ser

tomada como agravante.

Vale repetir: pelo texto legal, circunstância que já qualifica o crime (ou o constitui)

não pode ser tomada como agravante.

Desta forma, ainda que o elemento constitutivo da qualificadora também possa

eventualmente constituir uma agravante (ex.: motivo fútil ou torpe; recurso que impossibilite

ou dificulte a defesa da vítima; meio cruel, dentre outros), ela não pode ser tomada como tal,

mas apenas como qualificadora.

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É o que diz a lei.

Ricardo Augusto Schmitt, in Sentença Penal Condenatória, Aspectos Práticos e

Teóricos à Elaboração, 2.ed., p. 138/139, bem esgota o tema, também adotando a mesma

posição ora defendida. Vejamos:

(...).Ademais, como vimos na análise das circunstâncias judiciais, a

presença de uma qualificadora traduz na imediata adequação da conduta a um tipo penal específico com sanção própria em abstrato, razão pela qual podemos concluir que basta apenas a presença de uma qualificadora para alterar a pena em abstrato prevista para determinado crime.

Assim, tecnicamente, inexiste a figura do crime duplamente ou triplamente qualificado, em vista do delito ser qualificado apenas por uma única vez, sendo que as demais, qualificadoras presentes deverão ser levadas em consideração à majoração da pena em concreto a ser aplicada ao delito qualificado.

Diante disso, surge a seguinte indagação: Caso estejam presentes mais circunstâncias que qualificam o delito, estas devem ser valoradas em que fase da aplicação da pena?

Para responder a esse questionamento, surgem duas correntes:a) Caso estejam relacionadas como circunstâncias agravantes,

devem ser aplicadas na segunda fase da dosimetria da pena, diante da existência de previsão legal expressa.

b) Sempre deverão ser aplicadas na primeira fase da dosimetria da pena, no momento da análise das circunstâncias judiciais, em vista da existência de vedação expressa quanto a possibilidade de ao mesmo tempo agravarem a pena (art. 61, do CP).

Conforme já ressaltamos anteriormente, a posição majoritária encontra respaldo na segunda corrente, devendo, com isso, as qualificadoras restantes serem aplicadas na fixação da pena-base, de acordo com a circunstância judicial que melhor guardar correspondência.

A posição jurisprudencial dominante é no sentido de que em havendo duas ou mais qualificadoras previstas em uma situação concreta, apenas uma servirá para tipificar o delito – promovendo a alteração da pena em abstrato – enquanto as demais deverão ser apreciadas e valoradas nas circunstâncias judiciais trazidas pelo artigo 59, do Código Penal, ocorrendo, em tese, a conseqüente exasperação da pena-base.

Para exemplificar a hipótese tratada, imaginemos um delito de furto praticado com abuso de confiança e com o emprego de chave falsa (art. 155, parágrafo 4º, II, 1ª figura e IV, do CP). Ora, basta a presença de apenas uma qualificadora para promover a alteração da pena em abstrato, passando da prevista no furto simples de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão e multa (art. 155, caput , do CP), para a prevista ao furto qualificado de 02 (dois) a 08 (oito) anos de reclusão

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e multa (art. 155, parágrafo 4º, do CP).Diante disso, verificamos a existência de mais uma, duas, três,

ou dez qualificadoras não irá influenciar na alteração da pena em abstrato prevista ao tipo, mas, logicamente, deverá atuar na maior censura penal a ser dada ao delito, com a provável exasperação da pena a ser aplicada em concreto.

Assim, apenas uma das qualificadoras previstas servirá para promover o citado deslocamento, sendo que as demais deverão ser analisadas e valoradas na fixação da pena-base, quando da análise do artigo 59, do Código Penal, na circunstância judicial que melhor se amoldar. Ou seja, no caso trazido à baila, servirá o abuso de confiança para qualificar o delito de furto, enquanto o emprego de chave falsa será apreciado e valorado nas “circunstâncias do crime”, previsto como circunstância a ser analisada no artigo 59, do Código Penal.

Vale ressaltar que o julgador pode escolher qualquer uma das circunstâncias (qualificadoras) previstas para qualificar o delito, uma vez que na prática se torna indiferente a referida escolha. No entanto, deve-se ater apenas a necessidade de se amoldar as restantes às circunstâncias judiciais que melhor guardarem correspondência.

Por outro lado, poderíamos perguntar ainda: E se algumas das qualificadoras restantes estiverem previstas ao mesmo tempo como circunstâncias agravantes, deverão ser analisadas na primeira ou na segunda fase de aplicação da pena? Neste caso, como vimos, a par da corrente dominante, a resposta não muda, ou seja, deverão ainda assim ser apreciadas e valoradas na fixação da pena-base (primeira fase de aplicação da pena), uma vez que o artigo 61, do Código Penal é suficientemente claro ao vedar a valoração na segunda fase, ao dispor que: “Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: ” (grifei), ou seja, a pena somente poderá ser agravada por uma das circunstâncias legais previstas quando estas não qualifiquem o crime, o que torna a presença de uma qualificadora prejudicial à aplicação ao mesmo tempo como circunstância agravante.

(...).

No mesmo sentido encontra-se a lição de Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal

Comentado, 8.ed., p. 404, ao comentar o artigo 61 do referido diploma legal:

(...). O alerta feito nesse artigo é para não se levar em conta, como agravante, a circunstância que tomar parte no tipo penal, vale dizer, aquelas que constituírem o tipo derivado. Ex.: um homicídio tem duas elementares: “matar” e “alguém”. Bastam as duas para configurar o crime. Entretanto, se ele for cometido por motivação fútil, torna-se mais grave, porque possui o “motivo fútil” como circunstância qualificadora. Nesse caso, não se utiliza a agravante da futilidade, tendo em vista que ela já “constitui” o delito. (...). (Grifo nosso).

Por essa razão, a presença de duas ou mais qualificadoras deve ser analisada na 1ª fase

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de fixação da pena (delimitação da pena-base), não significando, necessariamente, que a pena

deverá ser bastante elevada, devendo ser examinadas juntamente com as demais

circunstâncias do artigo 59 do Código Penal.

Assim agindo, o Magistrado estará necessariamente levando em consideração todas as

qualificadoras reconhecidas pelo Conselho de Sentença (uma para qualificar o crime, isto é,

para permitir a incidência das penas cominadas para o tipo qualificado, e as demais para

influírem negativamente no exame das circunstâncias judiciais), de forma que a soberania dos

veredictos do Corpo de Jurados não será, nem mesmo em tese, violada.

O egrégio Supremo Tribunal Federal, em aresto Relatado pelo eminente Ministro

Marco Aurélio, já externou posicionamento semelhante ao ora esposado, consoante se infere

da seguinte ementa:

PENA – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - ANTECEDENTES - AUSÊNCIA. O simples fato de o apenado não possuir antecedentes criminais não conduz, por si só, a fixação da pena no mínimo legal. Devem ser observados os demais aspectos que, previstos no artigo 59 do Código Penal, consubstanciam também circunstâncias judiciais.PENA - CAUSA DE AUMENTO - QUALIFICADORA - AGRAVANTE. Por ser o Direito uma ciência, os institutos, expressões e vocábulos possuem sentido próprio. “Os Tribunais e Juízes arcam com grande responsabilidade didática, o que lhes cria o dever de compor os julgados com mãos de artífice, esmerando-se na linguagem” (Dinamarco). Implica ato de constrangimento, em face da contrariedade ao princípio do non bis in idem , confundir qualificadora com agravante, valendo notar que a primeira ganha contornos de verdadeiro tipo penal, dito qualificado, no que estabelecidos os limites mínimo e máximo da pena.LESÃO CORPORAL GRAVE - PAR. 1. DO ARTIGO 129 DO CÓDIGO PENAL - PENA-BASE. A pena-base é fixada consideradas as balizas em anos decorrentes da hipótese legal reveladora da apenação mais rigorosa, ou seja, o mínimo e um e o máximo de cinco anos, observando-se, a seguir, atenuantes e agravantes e, por fim, as causas de diminuição e aumento da pena.SURSIS - APRECIAÇÃO - SENTENÇA TRANSITA EM JULGADO. Com o trânsito em julgado, esgota-se o ofício jurisdicional. Alcançada redução da pena via habeas-corpus , cumpre remeter ao Juízo da Execução o exame do pedido de sursis . (STF – HC 71.509/PB – Relator: Ministro Marco Aurélio – Segunda Turma – DJ de 27.10.1994, p. 29.163) (Grifo nosso).

Por oportuno, transcrevo trecho do venerando acórdão:

(...). Alega-se que, em passo seguinte, o Tribunal considerou,

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como agravante, qualificadora, incidindo, assim, na prática de ato de constrangimento. É que fixara a pena-base em 02 anos para, após, tomando como agravante o que contido no inciso III do artigo 129 do Código Penal, majorá-la em um ano.

(...).O que se tem na espécie? O Tribunal a quo, em decisão tomada

no âmbito Colegiado, atendendo ao disposto no artigo 68 do Código Penal, no que impõe o critério trifásico – fixação da pena-base, consideração das circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, das causas de diminuição e de aumento – procedeu, de início, à fixação da pena-base em 02 anos de reclusão. Tendo em vista o número de anos e a prática delituosa, forçoso é convir que o fez em atenção ao §1º e incisos I e III, do artigo 129 do Código Penal. A seguir sob a nomenclatura da observação de agravante, voltou aos referidos incisos, aumentando a pena em um ano. O bis in idem salta aos olhos, não procedendo a extravagante justificativa consignada (...).

Cito, ainda nesse sentido, esclarecedor julgado Relatado pelo eminente Ministro

Fernando Gonçalves quando ainda integrante desta 6ª Turma:

PENAL. CONCURSO DE DUAS QUALIFICADORAS. MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VITIMA. APLICAÇÃO DA PENA.1. No caso de incidência de duas qualificadoras, integrantes do tipo homicídio qualificado, não pode uma delas ser tomada como circunstância agravante, ainda que coincidente com uma das hipóteses descritas no art. 61 do CP. A qualificadora deve ser considerada como circunstância judicial (art. 59 do CP) na fixação da pena-base, porque o caput do art. 61 deste diploma é excludente da incidência da agravante genérica, quando diz: “são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime.”2. RHC provido para excluir o acréscimo de pena resultante da aplicação da qualificadora (surpresa) como agravante. (STJ – RHC 7.176/MS – Relator: Ministro Fernando Gonçalves – Sexta Turma – DJ de 06.04.1998, p. 163).

Há, também, dois outros julgados em sentido similar, Relatados, respectivamente,

pelos eminentes Ministros Laurita Vaz e Hamilton Carvalhido:

HABEAS CORPUS . PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. UTILIZAÇÃO DA QUALIFICADORA SOBEJANTE PARA ELEVAR A PENA-BASE. ADMISSIBILIDADE.1. O juízo processante, no que foi referendado pelo Tribunal de origem, em sede de apelação, examinando as circunstâncias judiciais do caso concreto, indicou a presença de circunstância judicial

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desfavorável, razão pela qual, fundamentadamente, fixou a pena-base acima do mínimo legal.2. Qualificadoras e causas de aumento sobejantes podem ser consideradas na primeira fase da aplicação da pena como circunstâncias judiciais aptas a elevar a pena-base acima do mínimo legal, sem que se vislumbre qualquer ofensa ao princípio do ne bis in idem . Precedentes.3. Ordem denegada. (STJ – HC 96.236/MS – Relator: Ministra Laurita Vaz – Quinta Turma – DJe de 16.06.2008).

HABEAS CORPUS . DIREITO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. CONCURSO DE DUAS QUALIFICADORAS. BIS IN IDEM . INOCORRÊNCIA. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. CRIME HEDIONDO. DESCABIMENTO.1. Em se cuidando de homicídio duplamente qualificado, nada obsta que uma delas seja recebida como circunstância judicial, de modo que não há falar em violação ao princípio ne bis in idem (Precedente).2. Não há falar em inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos, eis que, para além de ser a edição do direito penal matéria própria da dimensão infraconstitucional (Constituição Federal, artigo 22, inciso I), a norma inserta no inciso XLVI do artigo 5º da Constituição da República defere, também à lei, a disciplina da individualização da pena, que pode assim estabelecer especialmente o regime fechado como integral das penas dos crimes hediondos.3. Ordem denegada. (STJ – HC 29.541/MG – Relator: Ministro Hamilton Carvalhido – Sexta Turma – DJ de 13.03.2006, p. 375).

Por fim, Celso Delmanto, in Código Penal Comentado, 7.ed., p. 357, cita outro aresto

deste Superior Tribunal de Justiça extraído de RT 754/577, in verbis :

No caso de incidência de duas qualificadoras, não pode uma delas ser tomada como circunstância agravante, ainda que coincidente com uma das hipóteses do art. 61 do CP, mas sim como circunstância judicial do art. 59 do CP, integrando a pena-base.

Assim, entendo que não poderia ter sido aumentada a pena do réu, na 2ª fase de

aplicação da pena, como agravante, por circunstância que já qualifica o crime, ante expressa

proibição do legislador no artigo 61 do Código Penal.

Tecidas essas considerações, tenho que a agravante reconhecida na sentença deve ser

decotada.

Nem se alegue que essa conclusão afetaria a soberania do veredicto dos Juízes Leigos,

eis que a qualificadora restante reconhecida estaria incluída no exame da pena-base (fixada

em dezesseis anos de reclusão e reduzida para quinze pela eminente Ministra Maria Thereza

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de Assis Moura).

Assim, pelo meu voto, a atenuante da confissão espontânea deveria ser aplicada em

cima da pena-base (quinze anos de reclusão), decotada a agravante equivocadamente

aplicada.

Todavia, restando vencida quanto a esse ponto, entendo que a agravante em questão

deve ser compensada com a atenuante da confissão espontânea.

Sobre esse tema, possuo entendimento firmado no sentido de que a compensação entre

ambas as circunstâncias é plenamente viável, posto que em perfeita consonância com o

disposto no artigo 67 do Código Penal, in verbis :

No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

A qualificadora utilizada como agravante se constitui, in casu , como motivo

determinando do crime, devendo a confissão espontânea também ser considerada como

preponderante por se ater diretamente à personalidade do agente.

Assim entendo porque a personalidade é um conjunto de atributos que cada indivíduo

tem e desenvolve ao longo de sua vida até atingir a maturidade e que pode, também,

modificar-se ao longo do tempo, porque não estamos aqui tratando de caráter, que é uma

coisa imutável, mas, sim, da personalidade.

Assim, penso que aquele que confessa o crime tem um atributo especial na sua

personalidade. A confissão diz respeito ao atributo da sua personalidade. Assim, podemos

entender que a confissão espontânea é tão preponderante quanto à motivação. As duas estão

expostas no mencionado artigo 67.

Sempre entendi que a confissão espontânea não só facilita a apuração do fato

criminoso, possibilitando a aplicação da justiça, com mais tranqüilidade para os julgadores e

para a sociedade, como demonstra que aquele que a fez possui uma personalidade tendente a

ressocialização, pois demonstra que é capaz de assumir a prática de seus atos, ainda que tal

confissão, às vezes, resulte em seu prejuízo, bem como se mostra capaz de assumir as

conseqüências que o ato criminoso gerou, facilitando a execução da pena que lhe é imposta.

Tal capacidade constitui, sem dúvida alguma uma elogiável característica do agente e,

como tal, a circunstância atenuante que a privilegia diz respeito à sua personalidade, que

demonstra um atributo incomum na maioria das pessoas que delinqüem, logo, equivale à

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reincidência e àquelas que dizem respeito à motivação determinante do crime.

Com efeito, a prevalecer o entendimento de que a qualificadora sobejante deveria ser

reconhecida como agravante, gostaria de acompanhar o voto da eminente Ministra Maria

Thereza de Assis Moura no que se refere à compensação, porém, ressalvando uma vez mais

que meu entendimento é no sentido de não se aplicar a agravante em questão.

Destarte, vencida no que pertine ao primeiro ponto explicitado no presente voto,

acompanho o voto da eminente Ministra Relatora quanto à fixação da pena-base em quinze

anos de reclusão. Entendo que, mesmo com a pena-base em quinze anos, são três anos além

do mínimo. Creio que grande parte das circunstâncias judiciais milita em favor do paciente.

Ante tais fundamentos, pedindo vênia à eminente Ministra Relatora, dela divirjo

apenas para decotar da reprimenda do paciente a agravante equivocadamente aplicada,

posto que referente à circunstância qualificadora. Vencida quanto a esse ponto,

acompanho a eminente Ministra para compensar a agravante em questão com a

atenuante da confissão espontânea.

É como voto.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Uma das minhas

observações diz respeito ao emprego, que assim se realizou na sentença,

de qualificadora como agravante. É lícito se proceda assim quando a

circunstância, di-lo o próprio Código (art. 61), é agravante se não constitui

ou qualifica o crime? Há, nos anais do Superior Tribunal, representantes

de três orientações (estou citando três julgados, embora haja outros): em

1997, decidiu-se, na 6ª Turma, num caso de duas circunstâncias, que não

era lícito considerar uma como agravante (REsp-98.129, Vicente Leal);

em 1998, aqui também se disse que o que é lícito é considerar uma delas

como circunstância judicial (RHC-7.176, Fernando Gonçalves); já em

2008, falou-nos a Ministra Maria Thereza que é possível a utilização de

uma delas ou na condição de agravante, ou na de circunstância judicial

(HC-67.710). Aqui vão, em seqüência, as pertinentes escritas (Vicente

Leal, Fernando Gonçalves e Maria Thereza):

"As circunstâncias que qualificam o crime de homicídio, mesmo na hipótese de ocorrência de mais de uma, integram o tipo de homicídio qualificado, com cominação própria, e, por isso, não podem ser consideradas como circunstâncias agravantes, embora literalmente coincidam com as hipóteses previstas no art. 61, do Código Penal."

"No caso de incidência de duas qualificadoras, integrantes do tipo homicídio qualificado, não pode uma delas ser tomada como circunstância agravante, ainda que coincidente com uma das hipóteses descritas no art. 61 do Código Penal. A qualificadora deve ser considerada como circunstância judicial (art. 59 do Código Penal) na fixação da pena-base, porque o caput do art. 61 deste diploma é excludente da incidência da agravante genérica, quando diz: 'são circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime'."

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"Por outro lado, sendo duas as qualificadoras, torna-se possível a utilização de uma delas para qualificar o delito e a outra como circunstância judicial desfavorável ou como circunstância agravante, para aumentar a pena. A respeito, a jurisprudência deste Superior Tribunal..."

Acompanhei a Ministra Maria Thereza no HC-67.710, também no

HC-81.483, de 2007; porém, em ambas as oportunidades, a Turma, vejam

bem, acabou concedendo a ordem porque se tratava de hipóteses de bis

in idem, confiram a ementa de 2007: "Inviável se torna a dupla valoração

de qualificadoras para a fixação da pena-base acima do mínimo e para o

agravamento da pena na segunda etapa da dosimetria, sob pena de

incorrer-se em bis in idem ." Em suma, o que lá se decidiu mesmo foi em

torno do bis – bis in idem. Já, quanto ao precedente de Fernando

Gonçalves, embora lá também tenha constado o que acima mencionei

(isto é, que a qualificadora deve ser considerada como circunstância

judicial), tem o precedente, ao final, a mesma filosofia do de Vicente Leal,

tanto que o invoca e tanto que lá se concede a ordem a fim de se excluir o

acréscimo da agravante – da qualificadora tomada como agravante.

Perguntei, linhas atrás, se é lícito se proceda como procedeu o

Juiz da sentença; respondendo a mim mesmo, quero crer que não, donde

o meu entendimento da matéria coincidir com o dos precedentes de 1997

e 1998 oriundos desta 6ª Turma, e tal pensamento estou eu extraindo-o

do aludido art. 61 – "São circunstâncias que sempre agravam a pena,

quando não constituem ou qualificam o crime". A saber, o que qualifica o

crime o qualifica, o que o constitui o constitui, enfim, assim o integra e

assim o constitui, é parte do núcleo principal, da sua definição, então é

inadmissível se utilize, digamos, o remanescente como circunstância

agravante (as remanescentes qualificadoras como agravantes). Tenho até Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 6 9 de 74

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receios de que seja possível o emprego de qualificadora como

circunstância judicial. Se fossem quatro as qualificadoras, reparem o

desatino, uma qualificaria, é claro, a segunda ingressaria entre as

circunstâncias judiciais, a terceira se prestaria ao caso como agravante, e

a quarta, bem a quarta..., a quarta entraria como causa do aumento. Que

desatino!

Vejam, pois, que estou atado à letra do art. 61. Andei, também,

conferindo a doutrina e trago dois clássicos tópicos, um de Basileu Garcia,

outro de Fragoso, que espero tenham aqui aplicação:

– "Fique, a propósito, esclarecido também o significado dessa expressão: qualificam o crime. As circunstâncias agravantes catalogadas neste artigo deixam de ser como tais consideradas não só quando integram o crime, senão também quando o qualificam. Há crimes qualificados: isto é, a sua modalidade comum, ou simples, se converte em forma passível de pena maior, indicada na lei, em virtude de determinadas circunstâncias, que se dizem qualificativas do crime."

– "Para que se aplique as circunstâncias legais, é necessário que elas não sejam constitutivas do crime e que tampouco o qualifiquem ou o tornem privilegiado. Se fossem, em tal caso, consideradas as agravantes ou atenuantes, haveria uma dupla valoração, inadmissível."

Com estas considerações, por mim também expostas no

HC-102.242, estou, aqui e agora, também quanto ao outro ponto,

acompanhando a ilustre Desembargadora convocada. Voto, pois, com a

Jane Silva.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.012.187 - SP (2007/0262115-0)

VOTO-VENCIDO (EM PARTE)

O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: Senhor Presidente, quanto à

possibilidade de ser utilizada uma qualificadora, se diante da presença de duas

estivermos, sendo uma para a identificação do tipo e a outra como circunstância

agravante ou circunstância judicial, quando não prevista como agravante, a

jurisprudência do Tribunal é torrencial. Já encontrei, na internet, vários acórdãos,

inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Vou ficar com a nossa jurisprudência.

No ponto, peço vênia à divergência para acompanhar o voto da

Ministra Maria Thereza de Assis Moura, reconhecendo, portanto, a possibilidade de

se ter uma das qualificadoras para tipificar o delito e a outra como circunstância

agravante, quando prevista, ou como circunstância judicial.

A vedação a que se refere o art. 61, com todo respeito do

entendimento diverso da Desembargadora convocada, Jane Silva, é, exatamente,

para evitar que uma mesma circunstância seja considerada negativamente duas

vezes. Se ela qualifica, ela não pode agravar, e se ela não qualifica, ela poderá

agravar. Leio, assim, o art. 61.

Feita essa primeira ponderação, estou acompanhando a Ministra

Maria Thereza de Assis Moura e o Ministro Og Fernandes na redução da

pena-base, e aí me valho dos fundamentos da Ministra Maria Thereza que

considerou um pouco exacerbada essa estipulação em 16 (dezesseis) anos, e,

portanto, a está reduzindo para 15 (quinze). Estou, portanto, dizendo

expressamente que, pelo meu voto, a pena-base fica estipulada em 15 (quinze)

anos.

No entanto, no último passo, quando a Ministra Maria Thereza de

Assis Moura compensa a agravante, ou seja, a outra circunstância qualificadora

reconhecida pelo júri, dentro do raciocínio que já se fez, quando ela compensa com

a confissão espontânea, peço vênia para acompanhar o voto do Ministro Og

Fernandes.Documento: 800910 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 20/10/2008 Página 7 1 de 74

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Penso que nem sempre devam ser compensadas a agravante e a

atenuante, mostrando o Ministro Og Fernandes que há uma preponderância no

caso da circunstância qualificadora, devendo, portanto, pesar mais do que a

atenuante.

É o voto.

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ERTIDÃO DE JULGAMENTOSEXTA TURMA

Número Registro: 2007/0262115-0 REsp 1012187 / SPMATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 009852793900010000 238012000004407 40389333 4038933501 4038933702 9852793700

PAUTA: 05/08/2008 JULGADO: 02/09/2008

RelatoraExma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. MOACIR MENDES SOUZA

SecretárioBel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ANTÔNIO MARCOS PIMENTA NEVESADVOGADO : MARIA JOSÉ DA COSTA FERREIRA E OUTRO(S)RECORRIDO : MINISTERIO PUBLICOASSIST. AC : LEONILDA PAZAN FLORENTINOADVOGADO : SERGEI COBRA ARBEX E OUTRO(S)

ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art.121 a 154) - Crimes contra a vida - Homicídio ( art. 121 ) - Qualificado

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes, dando provimento em parte ao recurso especial, mas divergindo do voto da Sra. Ministra Relatora quanto à dosimetria da pena, e os votos dos Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti e Jane Silva, também dando parcial provimento ao recurso especial, mas divergindo do voto da Sra. Ministra Relatora quanto à dosimetria de pena, a Turma, por unanimidade, deu provimento em parte ao recurso especial, porém, ficaram parcialmente vencidos na proporção de seus votos o Sr. Ministro Og Fernandes, a Sra. Ministra Jane Silva, o Sr. Ministro Nilson Naves e o Sr. Ministro Paulo Gallotti, prevalecendo o voto-médio da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Paulo Gallotti, Jane Silva e Og Fernandes farão declaração de voto."

Os Srs. Ministros Og Fernandes, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves e Paulo Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

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Superior Tribunal de Justiça

Brasília, 02 de setembro de 2008

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANASecretário

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