misiones sociales & poder popular na venezuela bolivariana
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA DEPARTAMENTO DE HISTORIAMISIONES SOCIALES & PODER POPULAR NA VENEZUELA BOLIVARIANAMARIANA BRUCE GANEM BAPTISTAMonografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em História na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, RJ.Orientador: Prof. Dr. DANIEL AARÃO REIS FILHONITERÓI, 2008TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA
DEPARTAMENTO DE HISTORIA
MISIONES SOCIALES & PODER POPULAR NA VENEZUELA BOLIVARIANA
Mariana Bruce Ganem Baptista
NITERÓI, 2008
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MARIANA BRUCE GANEM BAPTISTA
MISIONES SOCIALES & PODER POPULAR NA VENEZUELA BOLIVARIANA
Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em História na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, RJ.
Orientador: Prof. Dr. DANIEL AARÃO REIS FILHO
NITERÓI, 2008
iii
B887 BRUCE, Mariana.
Misiones Sociales & poder popular na Venezuela bolivariana / Mariana Bruce. – 2008.
46 f. Orientador: Daniel Aarão Reis Filho.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 2008. Bibliografia: f. 41-46.
1. América Latina – Política e governo – Século XX. 2. Nacionalismo – América Latina. 3. Revolução – América Latina. I. Reis Filho, Daniel Aarão. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. III. Título.
CDD 320.98
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MARIANA BRUCE GANEM BAPTISTA
MISIONES SOCIALES & PODER POPULAR NA VENEZUELA BOLIVARIANA
Grau: 3°
Aprovada em 20 de dezembro de 2008
_ Prof. Dr. Daniel Aarão Reis Filho Universidade Federal Fluminense
Orientador
Leitor crítico: Prof. Dr. Norberto O. Ferreras
Universidade Federal Fluminense
Niterói 2008
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Dedico este trabalho ao meu companheiro, Hugo, presença fundamental em minha vida e a quem devo muito do que sou e do que fui capaz de fazer. Amo você.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, ao meu orientador e mestre, Daniel Aarão Reis, por sua tolerância, paciência, generosidade e, sobretudo por ter ajudado a manter meus pés no chão ao longo de toda a pesquisa. Obrigada por todas as oportunidades oferecidas e por toda a fé e confiança que sempre depositou em mim.
Ao Norberto Ferreras por quem tenho muito carinho e respeito. Obrigada pelo incontestável apoio e por ter me apresentado de maneira tão rica a esta bela Nuestra America, nosso caleidoscópio multicolor.
Ao Carlos Walter e ao Luis “Marola” cujas conversas ampliaram meus horizontes. Seus olhares de geógrafos me mostraram uma outra forma de enxergar o mundo e a modernidade, sempre atento a importante relação entre tempo e espaço.
À minha companheira de trabalho, de estudos, de viagem, minha amiga, Emilly Feitosa e também à sua família, em especial “Tia” Margarete, que me ampararam de braços abertos quando precisei. Obrigada por tudo, pela presença e por ter sido minha parceira, ou melhor, minha “sócia”, no decorrer de toda a Universidade. Sem você, minha experiência não teria sido tão rica e tão proveitosa.
Às minhas amigas e amigos de tantos anos, Paula, Diana, Fernanda, Felipe, Alexandre, Gustavo, Murilo, Isabela e Amanda que agüentaram meus discursos e me ensinaram muitas coisas.
Ao meu noivo Hugo e a toda sua família, Leila, Luis, Ingrid, Ursula e Pascoal, em especial, que também sempre me apoiaram, me ouviram e, acima de tudo, discutiram comigo, me fazendo crescer a cada encontro.
Por fim, mas não menos importante, à minha família. Obrigada pela estrutura, pelo apoio e pelo carinho ao longo de toda a minha vida. Sem vocês eu não estaria aqui.
vii
“No serviço de auto-falante No morro do pau da bandeira Quem avisa é o Zé do Caroço Amanhã vai fazer alvoroço Alertando a favela inteira Ai! Como eu queria que fosse Mangueira Que existisse outro Zé do Caroço Pra dizer de uma vez pra esse moço Carnaval não é esse colosso Nossa escola é raiz é madeira Mas é morro do pau da bandeira De uma Vila Isabel verdadeira E o Zé do Caroço trabalha E o Zé do Caroço batalha E que malha o preço da feira E na hora que a televisão brasileira Destrói toda a gente com a sua novela É que o Zé bota a boca no mundo E faz um discurso profundo Ele quer ver o bem da favela Está nascendo um novo lider No morro do pau da bandeira”
Leci Brandão, Zé do Caroço
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RESUMO
Depois do Caracazo em 1989 e de uma tentativa de golpe de Estado em 1992,
Hugo Chávez Frias foi eleito presidente da Venezuela, em 1998, iniciando-se então a
chamada Revolução Bolivariana. Tomando por base o ano de 1998, quando se inicia,
trata-se já de 10 anos de um processo que não podem ser explicados apenas pelo
carisma de um líder. Sendo assim, a proposta é fazer um estudo que combine "políticas
desde arriba" e "desde abajo", para usar os termos de Steve Ellner, com o intuito de
compreender as bases sociais nas quais esse processo se sustenta, pois existe um corpo
político e crítico na sociedade que, em última instância, dita seus rumos.
Nesse sentido, as chamadas Misiones Sociales cumprem um duplo papel na
formação destas bases. Por um lado, representam as iniciativas do governo no tocante às
reformas de cunho social. Deste modo, analisar-se-á seu raio de ação e o impacto na
vida das classes mais pobres. Por outro lado, trata-se também de iniciativas que
dependem em grande medida da atuação de movimentos sociais organizados, pois o
funcionamento e a própria instalação das Misiones são fruto de uma dialética entre os
interesses do governo e a pressão que advém dessas mesmas classes mais pobres. Em
outras palavras, as Misiones Sociales são, ao fim e ao cabo, um dos elos mais
significativos entre o governo e povo. É por essa razão que, centrar-me-ei, em grande
medida, neste aspecto específico da Revolução, isto é, nas Misiones e sua relação com a
participação das classes populares e a formação e o desenvolvimento de órgãos de poder
popular, analisando os avanços e limites, contribuições e contradições.
Acreditamos que, assim, poderemos avaliar se as transformações proclamadas no
âmbito do discurso, como as de inauguração de uma nova era de democracia
participativa e protagônica, se materializam na prática nos termos de um processo
reformista-revolucionário ou se não passam apenas de um enunciado retórico.
Palavras-chave: América Latina; nacionalismo; revolução.
ix
SUMÁRIO
O Nacionalismo Popular em Nuestra América ............................................ p. 01
Capítulo 1 – Venezuela: Política, Petróleo e Poder...................................... p. 07
1.1. – Breve Panorama Histórico .................................................. p. 07
1.2. – A Era Chávez....................................................................... p.12
Capítulo 2 – As Misiones Sociales.................................................................. p. 19
2.1– Aspectos Gerais........................................................................... p 19
2.2.– Os três marcos: Misión Barrio Adentro, Misiones Educativas e
Misión MERCAL ........................................................................... p. 23
2.2.1. Misión Barrio Adentro.................................................... p. 25
2.2.2. Misiones Educativas.........................................................p. 28
2.2.3. Misión MERCAL............................................................. p. 33
2.3.– Limites e Desafios ..................................................................... p. 35
Conclusão: Reforma ou Revolução?............................................................. p. 39
Bibliografia ..................................................................................................... p. 41
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O Nacionalismo Popular em Nuestra América
Ao sul do Rio Grande encontramos o que José Martí costumava chamar de
Nuestra América. Norberto Ferreras, em artigo que será proximamente publicado numa
coletânea sobre Modernidades Alternativas nas Américas, chama esta América, em
especial, de um “caleidoscópio multicolor conformado por diferentes etnias, povos,
nações, culturas e tradições”. Contudo, apesar de toda a pluralidade e das
especificidades dos seus 21 países, trata-se de uma região que possui também
características comuns.
Se, por um lado, as diferenças nos permitem compreender a América Latina
enquanto uma região rica de experiências, movimentos e histórias e também onde a
construção da modernidade assumiu vieses dos mais variados; por outro, as
continuidades e semelhanças, igualmente nos permitem traçar algumas características
gerais que marcaram grande parte desses países.
Aníbal Quijano chama atenção para o fato de Nuestra América ter se constituído
no bojo de uma nova articulação do poder mundial fundamentado no capitalismo
moderno/colonial. Este novo poder se constituiu a partir de dois eixos fundamentais:
“[...] Por um lado, a codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados na idéia de raça, ou seja, uma supostamente distinta estrutura biológica que situava a uns em situação natural de inferioridade em relação a outros. Essa idéia foi assumida pelos conquistadores como o principal elemento constitutivo, fundacional, das relações de dominação que a conquista exigia. Nessas bases, conseqüentemente foi classificada a população da América, e mais tarde, do mundo, nesse novo padrão de poder. Por outro lado, a articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial” (QUIJANO in LANDER, 2005: 228)
O legado desta nova concepção e prática do poder extravasou o período colonial e
repercute até os dias atuais. Na América Latina, depois das lutas da independência, a
construção dos modernos Estados-Nação, concebidos a partir de um modelo
eurocentrado, não representou, portanto, uma ruptura radical com o passado colonial.
Muitas coisas mudaram, ou seja, alargou-se o Estado, abriu-se a possibilidade para
alguma participação política de homens e, muito depois, das mulheres que se tornaram,
e ainda se tornam, cidadãos. No entanto, apesar dos avanços, a participação era – e é até
os dias de hoje - ainda limitada. Índios, negros e mestiços foram relegados aos estratos
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mais marginalizados e empobrecidos. Não viram seus interesses representados no
âmbito do Estado. Suas culturas, línguas e valores, não foram levados em consideração.
As classes dominantes assumiram um projeto subalterno e racista, fundamentado
na especialização em exportação de commodities. Nesse sentido, em consonância com
os interesses europeus – e, depois, estadunidenses – foi estruturada uma relação de
dependência histórico-estrutural:
“A dependência dos senhores capitalistas não provinha da subordinação nacional. Esta foi, pelo contrário, conseqüência da comunidade de interesses raciais [a elite branca daqui, com a de lá]. Estamos lidando aqui com o conceito de dependência histórico-estrutural, que é muito diferente das propostas nacionalistas de dependência externa ou estrutural [...]” (QUIJANO in LANDER, 2005: 266-267).
Deste modo, dos regimes “caudilhescos” do século XIX às repúblicas do século
XX, um regime político-econômico oligárquico e articulado com os interesses do
capitalismo mundial se perpetuou em Nuestra América. Com isso, perpetuaram-se
também as desigualdades sociais e a exclusão de grande parte da população do jogo
democrático.
Daniel Aarão Reis, buscando compreender o porquê do apoio a Getúlio Vargas
pela classe trabalhadora no pós-45, chama atenção para um aspecto interessante que
serve também como referência para as experiências das classes trabalhadoras e mais
pobres dos demais países latino-americanos, em suas relações com Estado e com a
institucionalidade liberal:
“[...] Recusando um certo tipo de interpretação mais comprometida com premissas não demonstráveis do que com evidências disponíveis, o autor [no caso, Aarão Reis] lembra que, nesse momento, para os trabalhadores, as alternativas eram muito restritas: ‘de um lado, a democracia liberal excludente das elites. De outro, o estatismo nacionalista e social (a democracia social e autoritária prezada por Vargas)’. Portanto, no Brasil e na América Latina, pelo menos nessa época, o regime democrático nem sempre esteve afinado com as demandas da classe trabalhadora: ‘a democracia é ‘liberal’ e não ‘social’, exclui os trabalhadores e o programa social não passa pelas instituições da democracia representativa, os trabalhadores votam nos ditadores” (FERREIRA, 2003: 33-34)
Estatista, nacionalista e social. Nesse caso, Aarão Reis está se referindo a três
características fundamentais que marcaram os movimentos sociais de cunho popular da
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América Latina, ao longo do século XX. A falência da institucionalidade liberal, o
descrédito com a democracia representativa e uma política econômica nacional alinhada
com os interesses do capitalismo mundial, resultaram em diferentes movimentos que
tiveram na centralização do estado – personificado em lideranças carismáticas -, no
apelo nacionalista e na reivindicação por reformas sociais e trabalhistas, importantes
pontos de encontro.
Por muito tempo esses movimentos foram conhecidos e classificados como
experiências populistas, num sentido claramente pejorativo. Eram entendidos enquanto
processos marcados pela alienação das classes mais pobres que, manipuladas por uma
liderança carismática, sustentaram regimes autoritários e descomprometidos com os
supostos verdadeiros interesses dessas mesmas classes. As contribuições de Ângela de
Castro Gomes (1988) para o caso do Brasil foram de grande valia, pois desmontaram
esta estrutura maniqueísta de um Estado opressor, manipulador e uma classe
trabalhadora, ingênua, vitimizada, defendida por anos a fio. Com a “Invenção do
Trabalhismo”, Castro devolve o protagonismo social às classes trabalhadoras e as
entende a partir de sua própria experiência (E. P. Thompson) e não de uma alusão pré-
concebida do que deveriam pensar e querer. Muitos outros autores contribuíram
igualmente para a reflexão sobre a conturbada relação entre as classes mais pobres e o
Estado. Dentre eles, remonto novamente a Aarão Reis, com seu conceito nacional-
estatismo (AARÃO REIS, 2002:13) que expressa os pressupostos já lançados anteriormente do
estatismo, do nacionalismo e do apelo ao social.
“[...] Para além de suas diversidades, [as experiências nacional-estatistas] esboçaram um projeto ambicioso de construir um desenvolvimento nacional autônomo no contexto do capitalismo internacional, baseado nos seguintes elementos principais: um Estado fortalecido e intervencionista; um planejamento mais ou menos centralizado; um movimento, ou um partido nacional, congregando as diferentes classes em torno de uma ideologia nacional e de lideranças carismáticas, baseadas em uma íntima associação, não apenas imposta, mas também concertada, entre Estado, patrões e trabalhadores. Era aí disseminada a crítica aos princípios do capitalismo liberal e à liberdade irrestrita dos capitais. Em oposição, defendia-se a lógica dos interesses nacionais e da justiça social, que um Estado intervencionista e regulador trataria de garantir” (AARÃO REIS, 2002: 13-14).
Podemos dizer que o nacionalismo em Nuestra America moveu milhares de
homens e mulheres em busca por mudanças – sejam elas conservadoras, reformistas ou
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revolucionárias. Como já sugeriu Benedict Anderson, o nacionalismo é uma força
política que está para além de qualquer ideologia (liberal, socialista, fascista etc.). Com
seus símbolos, mártires, hinos, canções e memórias construíram e reconstruíram a
história de acordo com seus avanços e retrocessos. Junto ao nacionalismo, a presença de
lideranças carismáticas que, em meio a sociedades extremamente estratificadas,
personificaram todo o processo, ou mesmo, toda a Nação, conduziu, muitas vezes, o
processo no sentido de regimes políticos autoritários e centralizados. Ainda assim, a
incorporação de um programa de reformas de cunho social e trabalhista garantiu a
legitimidade das lideranças e o apoio por parte das classes mais pobres que acreditaram
ter então encontrado a melhor maneira de superar os limites da institucionalidade liberal
e da democracia representativa que poucas vezes estiveram a favor de seus interesses.
As experiências nacional-estatistas não necessariamente tinham o intuito de
romper com a ordem estabelecida, muito pelo contrário, como foram os casos de Vargas
e Perón. Estes procuraram fazer governos que aparentassem estar acima das classes
sociais e, por mais que tenham atendido a algumas das demandas históricas das classes
trabalhadoras de seus respectivos países, o fizeram de forma que as relações capitalistas
de maneira geral não fossem comprometidas.
A década de 90, na América Latina, foi marcada pela implantação das reformas
neoliberais previstas no Consenso Washington. Segundo Tariq Ali, tal fenômeno
representou a vitória do indivíduo sobre a coletividade, o esvaziamento das instituições
democráticas, a decadência do sistema de partidos, o aumento das misérias e das
desigualdades sociais, entre outras coisas. A resposta a todo este quadro foi o
ressurgimento do nacional-estatismo, agora com uma face mais radical e popular que já
tinha tido expressão anteriormente (casos da Revolução boliviana, em 1952, Revolução
Guatemalteca, em 1954, da Revolução Cubana, de 1952 a 1959, do processo da
Unidade Popular no Chile, entre 1971 e 1973, entre outros), e que agora passa a contar
com o surgimento de novas figuras como as de Hugo Chávez, na Venezuela, Evo
Morales, na Bolívia e Rafael Correa, no Equador, para ficarmos nas mais expressivas.
Se, por um lado, estas experiências não abandonaram as características principais
do nacional-estatismo (apelo nacionalista, personificação do processo em uma liderança
carismática, centralização do estado e o comprometimento com reformas de cunho
social e trabalhista), por outro, um novo componente mais radical e popular se fez
também presente. Por essa razão, acreditamos que merecem uma nova conceituação,
5
também proposta por Aarão Reis, que as define como experiências nacionalistas
populares (AARÃO REIS, 2007). Segundo o autor,
“desde Seatle, em 1999, passando pelos Fóruns, reuniões e congressos, políticos e acadêmicos, por um outro mundialismo, até a emergência dos movimentos nacionalistas populares que perpassam atualmente, entre outras, várias regiões de Nuestra América, a luta por alternativas ao capitalismo liberal, e pelo socialismo, se reatualizou, readquirindo força e prestígio. Um Socialismo a ser reinventado.
Para ter êxito, contudo, a reinvenção deveria passar pela compreensão das aventuras socialistas empreendidas ao longo do século XX, suas circunstâncias, as opções tomadas em momentos decisivos, a obra construtiva, as contradições, os desperdícios e as perdas, os impasses [...]” (AARÃO REIS, 2007: 1-2).
Estamos falando, portanto, de movimentos sociais que se posicionam claramente
na luta de classes, sobretudo no âmbito do discurso, já que na prática, num contexto
pós-Guerra Fria, tem sido difícil romper definitivamente com os interesses e a própria
estrutura do sistema capitalista como um todo. Ainda assim, adotam reformas que
tendem a desembocar num processo ainda mais radical ou quiçá revolucionário, que não
se limita ao discurso. Aliás, os limites e potencialidades dessas reformas são justamente
o que procuraremos analisar na presente monografia, com relação ao caso específico da
Revolução Bolivariana.
O resgate bolivariano do processo, na Venezuela, por exemplo, indica também a
busca por um novo caminho, diferente daquele seguido por tantos movimentos sociais
em Nuestra América, sobretudo no pós-Revolução Cubana. Trata-se de um caminho
anti-esquemático que remonta ao legado histórico deixado pelo Libertador das
Américas, no século XIX, em sua luta pela libertação do regime colonial. Expressão
deste resgate é a combinação de um movimento nacionalista e, ao mesmo tempo, de
caráter internacionalista que tem por objetivo a unidade latino-americana tão reclamada
por Simón Bolívar.
A ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas) é um projeto de integração
do continente latino-americano alternativo à ALCA (Acordo de Livre Comércio para as
Américas). Sua criação data de 1994, com a convocação do Congresso Anfictônico por
Hugo Chávez. Neste congresso e nos seguintes participaram movimentos e
organizações de cerca de 15 países e se discutiram as estratégias de construção de um
projeto que tem por objetivo “uma integração que [sirva] como uma forma de
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resistência e, ao mesmo tempo, de construção de uma alternativa que [garanta] o fim da
miséria e da exploração dos povos do nosso continente” 1
Finalmente, para ficarmos em algumas características mais gerais, todos os três
processos (Venezuela, Bolívia e Equador) voltaram-se também para a necessidade de
rever a institucionalidade liberal e a democracia representativa de maneira mais drástica,
através da convocação de Assembléias Constituintes com intuito de se redigirem novos
Pactos Sociais. Nesse sentido, diferentemente de Vargas e Perón mais uma vez, trata-se
de algo mais profundo, que requer a mudança do aparato jurídico que
sustenta/conforma, organiza aquelas sociedades. Com as novas Constituintes, entre
outros avanços, foram reconhecidos os direitos indígenas, foi estimulada a democracia
participativa, fortaleceu-se a soberania nacional.
Portanto, estamos falando de experiências novas, de uma nova fase do
nacionalismo em Nuestra América. Se, por um lado, bebe das tradições nacional-
estatistas e nacionalista-populares anteriores, por outro, é produto direto de seu tempo e
não se pode esquecer um terceiro aspecto, decisivo, que procurarei evidenciar nesta
monografia: o protagonismo crescente das classes populares.
Entretanto, Ali lembra-nos que é preciso ter cautela, pois
“[...] si las victorias en Venezuela y Bolivia han reavivado la esperanza mas allá de las costas de América del Sur, com cada gobierno intentando implementar reformas sociales serias en salud, reducción de la probreza, educación, tierra, vivienda y demás, cualquier generalización a nível continental sería prematura. Colombia repuso a Uribe en el poder, una de las pocas victorias de Washington em la región. Chile y Brasil, com Bachelet y Lula al mando, son la alternativa que Occidente prefiere a Castro, Chávez y Morales” (ALI, 2007: 49)
1 In: http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=1663
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Capítulo 1 – Venezuela: Política, Petróleo e Poder
1.1. - Breve Panorama Histórico
Durante toda a história recente da Venezuela, o petróleo movimentou o país
econômica, política e socialmente. Segundo Gilberto Maringoni, “para entender o
governo Chávez e o que de fato está em disputa nele, é preciso compreender a estreita
inter-relação entre petróleo, poder, dinheiro e sociedade” (MARINGONI, 2004: 85).
Em linhas gerais, a Venezuela é um país que se tornou escravo de um sistema
econômico baseado fundamentalmente na economía de extracción (LOMBARDI in
ELLNER; HELLINGER, 2003: 12) que advém da colonização espanhola e se estende
até hoje 2. Deste modo, os recursos para movimentar o país ficam à mercê das
flutuações do mercado internacional, gerando graves crises econômicas e políticas
quando os preços dos produtos de exportação estão em baixa. Ao mesmo tempo,
reconfigurar este modelo a partir de um investimento na diversificação da produção
depende de um processo de médio e longo prazo e os ciclos econômicos de crise,
segundo John V. Lombardi, são de curto prazo. Portanto, o país fica carente de recursos
para enveredar num caminho alternativo. Se pedir empréstimos, por exemplo, acaba por
se tornar ainda mais dependente da economia extrativista, pois precisa desta para poder
ter condições de pagá-los posteriormente.
Mesmo se considerarmos as expressivas rendas advindas do petróleo e apesar de
enunciado por diferentes governos o interesse em diversificar a produção do país, a base
econômica de cunho extrativista não foi substancialmente modificada.
“[...] Durante todo el siglo XX y especialmente después de 1958, Venezuela modernizó su sociedad y sus instituciones políticas y sociales dramáticamente. Aumentó sobremanera su capacidad técnica para administrar sus sistemas de producción y mercadeo, pero nunca logró modificar sustancialmente su régimen econômico históricamente derivado de las explotaciones” (LOMBARDI in ELLNER; HELLINGER, 2003: 15).
Portanto, em meio a ditaduras e democracias excludentes, a história da Venezuela
foi marcada por uma economia rentista, importadora de bens industriais e de conluio
2 Primeiramente foi cacau, depois expandiu para o café e, atualmente, baseado principalmente no petróleo.
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com empresas estrangeiras. Contudo, não podemos dizer também que não houvesse
pressão por outros rumos, tanto de governos mais progressistas quanto dos movimentos
trabalhistas.
O governo de Medina Angarita é um exemplo disso, pois foi de encontro aos
interesses das empresas estrangeiras que atuavam no país, dos latifundiários e da
burguesia financeira. Seu governo se apoiou na pequena burguesia e na classe operária.
Uma das medidas implementadas foi a Lei dos Hidrocarbonetos, em 1943:
“Aproveitando-se da conjuntura internacional da Segunda Guerra Mundial, a administração pública deu curso a um tenso processo de negociações com as empresas estrangeiras. Obteve novos contratos de concessão, com maiores imposições do Estado às companhias, estabelecendo seu prazo de vigência em 40 anos. Uniformizou-se o regime de concessões e os royalties estatais passariam de 15% para 16,6%, o que equivalia dizer que de cada seis barris produzidos, um pertenceria ao Estado. Ao mesmo tempo, conseguiu-se das empresas que uma parcela maior do produto fosse refinado em território venezuelano” (MARINGONI, 2004: 93)
Entretanto, ainda assim, o governo de Angarita manteve práticas antidemocráticas
do regime anterior. Em função das reformas promovidas em seu mandato que além da
Lei dos Hidrocarbonetos, contou também com a Lei Agrária, em 1945, o país foi levado
a um estado de tensão permanente que culminou num golpe de Estado promovido por
uma junta “revolucionária”. Romulo Betancourt, então presidente do partido Ação
Democrática (AD) assumiu o poder.
A este governo seguiram-se algumas eleições, outros golpes de Estado e ditaduras
até que foi assinado o Pacto Punto Fijo, em 1958, onde se estabeleceu a partilha do
Estado entre as frações de classe dominante, consagrando uma alternância entre dois
partidos que se pretendiam pluriclassistas - o Ação Democrática/AD, já mencionado, e o
Partido da Democracia Cristã, o COPEI. Com o pacto, a economia rentista foi, mais
uma vez, legitimada e qualquer esforço no sentido de uma diversificação da produção,
anulado. Além disso, os partidos supracitados, em especial o AD, tinham também
profunda influência sobre os sindicatos organizados em torno da CTV (Conferedación
de Trabajadores de Venezuela). Esta última agrega dezenas de sindicatos e federações
de trabalhadores e representa, principalmente, os setores das indústrias, de serviços, do
setor público, camponeses, entre outros. Ao longo das décadas foi um dos principais
pilares de sustentação do Pacto Punto Fijo na sociedade civil. Até os dias atuais, alguns
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dos principais cargos públicos continuam nas mãos dos adecos, ou seja, partidários da
AD.
Segundo Steve Ellner, para muitos observadores internacionais, no período que se
seguiu, a Venezuela foi considerada “la vitrina de la democracia latinoamericana”
(ELLNER in ELLNER; HELLINGER, 2003: 19). A aparente estabilidade foi posta
abaixo com os acontecimentos de 1989 que trataremos mais adiante.
A entrada do país na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) na
década de 60 e as boas condições no mercado fizeram com que, na década de 70, fosse
alcançado o auge do fluxo de petrodólares. A corrupção tornou-se endêmica.
Em 1976, foi nacionalizada a exploração do óleo, a cargo, desde então, da
Petróleos da Venezuela, PDVSA. Formalmente pública, na prática, a empresa se tornou
cada vez mais autônoma, um “Estado dentro do Estado”, atendendo apenas aos
interesses corporativos à revelia dos interesses nacionais.
A partir da década de 1980, depois dos áureos tempos petroleiros representados
pelo mandato de Carlos Andrés Pérez (1974-1979), o país entrou em recessão
econômica. Um dos principais marcos deste período é o chamado Viernes Negro, em 21
de fevereiro de 1983, quando a moeda nacional despencou em relação ao dólar, depois
de anos de estabilidade. Maria Lucia Frizon Rizzotto (2007) em alusão a Daniel
Hellinger, fala que este dia representa, em grande medida, a desarticulação do pacto
democrático levando o país a uma crise não apenas material, mas também ideológica 3.
Com a perspectiva de superar a crise, Pérez acabou sendo reeleito em 1988. No
entanto, ele assinou acordo com o FMI e adotou reformas neoliberais que acabaram por
gerar graves repercussões no custo de vida da sociedade. Desde fins da década de 70, já
era possível notar os primeiros sintomas de esgotamento do modelo hegemônico. A
onda de insatisfações culminou na rebelião que ficou conhecida como Caracazo ou
Sacudón.
“[Trata-se de] uma revuelta popular de vastas proporciones ocurrida em 1989, a partir de la cual se abrió un franco proceso de pérdida de legitimidad de las instituciones políticas de la sociedad [...], y uma ruptura del discurso oficial de unión y armonía que servía de cemento a la nación” (MAYA, 2002a: 15).
33 As crescentes insatisfações aos poucos foram se convertendo em bandeiras cada vez mais radicais que alcançariam o ápice com o Caracazo e, posteriormente, com a eleição de Chávez.
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Apesar de ter ficado mais conhecida como Caracazo, a revolta não ficou restrita
à cidade de Caracas. Segundo Daniel Helinger, os saques se estenderam para, pelo
menos, outras 19 cidades (HELLINGER in ELLNER; HELLINGER, 2003: 48).
O Caracazo foi, assim, resultado de um conjunto de fatores: o empobrecimento
da população em função de uma crítica recessão econômica e do esfacelamento das
políticas públicas; da ausência de canais de mediação entre estas camadas alijadas de
seus direitos e as instância de poder – os partidos e sindicatos foram se colocando cada
vez mais a serviço das elites econômicas (ou mesmo se transformando em elites) e se
viram envolvidos em escândalos de corrupção, por parte de seus dirigentes, perdendo
sua legitimidade -; com a aplicação de políticas de cunho neoliberal, o que acabou por
aprofundar ainda mais a crise econômica, sobretudo entre as camadas populares 4; entre
outros.
O governo reagiu através da decretação do estado de sítio e da repressão
violenta. Segundo Margarita Lopez Maya, centenas de pessoas foram mortas e houve
muitas perdas materiais (MAYA, 2002a: 18). Hellinger, com base em relatos médicos,
sobe a cifra de mortes para a ordem de 1000 a 1500 pessoas (HELLINGER in
ELLNER; HELLINGER, 2003: 48). Ainda assim, ao invés do movimento arrefecer,
foram abertas as portas para a explosão de outros protestos de caráter callejero que
marcaram os anos seguintes.
No resto do mundo, o ano de 1989 também fora de grandes acontecimentos.
Como Gott ressalta, “a queda do muro de Berlim no outono e o conseqüente colapso dos
governos pró-soviéticos da Europa do Leste foram rapidamente percebidos como presságios do
fim de toda uma era comunista” (GOTT, 2004: 73). Contudo, se, por um lado, foi um ano
consagrado pelos neoliberais como o da vitória hegemônica de seu projeto, ao mesmo tempo, o
Caracazo representa para Nuestra América o ressurgimento e a expansão de movimentos de
protesto e contestação desta mesma ordem neoliberal 5.
Na década de 90, houve, assim, uma intensa atividade de movimentos sociais na
Venezuela, marcada pelo surgimento de novos atores sociais que queriam se fazer
presentes no jogo democrático. Nesse sentido, questionavam a legitimidade do Estado,
4 O estopim que fez estourar a revolta foi o aumento do preço do combustível em 100% que, por sua vez, provocou o aumento ilegal das tarifas dos transportes coletivos, tendo sido retirado o benefício da meia-passagem para estudantes (GOTT, 2004: 74). 5 Diga-se de passagem, que isso não significou também a vitória dos projetos populares sobre o neoliberal. Em muitos países latino-americanos, apesar de terem contado com grandes manifestações, a ponto, inclusive, de alguns presidentes terem sido derrubados, governos ainda mais neoliberais vieram a seguir, desencadeando um processo de repressão violenta e, muitas vezes, seus respectivos presidentes acabaram sendo reeleitos, como foram os casos da Argentina e do Brasil, por exemplo.
11
da institucionalidade liberal, do sistema de partidos e sindicatos e exigiam o
atendimento de suas demandas 6. Segundo Maya, a ONG Provea registrou uma média
de dois protestos de rua por dia na Venezuela entre 1989 e 1999. Somente nos primeiros
11 meses do governo de Hugo Chávez Frías foram contabilizados quase 1000 protestos
em todo país (MAYA, 2002a: 9-13).
Portanto, a tentativa de golpe de Estado, liderada por Chávez, ainda em 1992, é
produto deste contexto maior de contestação do status quo. Embora fracassada, serviu
para projetar nacionalmente a imagem do tenente-coronel - que, diga-se de passagem,
foi mandado para o cárcere - no sentido de personificar o que já se passava nas ruas.
A crescente insatisfação não se converteu imediatamente num modelo contra-
hegemônico para superar a crise. Os pleitos políticos (executivos e legislativos) foram
marcados, ao longo deste período, por um crescente índice de abstenção. O panorama só
começou a mudar com as eleições de 1998 e a candidatura de Chávez à presidência. Ao
mesmo tempo, ainda nesse contexto do começo da década de 90, o punto fijismo foi
definitivamente enterrado. Outros partidos de esquerda tiveram a oportunidade de
disputar eleições com reais possibilidades de vitória, como foi o caso do partido La
Causa Roja que, segundo Ellner, aumentou notoriamente sua presença no cenário
nacional depois de 1989 7. Já os partidos envolvidos na política tradicional e o
movimento trabalhista controlado por esses perderam a credibilidade e o prestígio, pois
não souberam responder às novas demandas crescentes na sociedade.
No interior das Forças Armadas, desde a década de 70, Chávez tinha tentado
articular um movimento organizado, o Exército de Libertação do Povo da Venezuela
(ELPV) que, segundo Maringoni, tinha por objetivo promover algum tipo de
sublevação, mas a iniciativa não teve êxito (MARINGONI, 2004: 130). O Movimiento
Bolivariano Revolucionario 200 (MBR-200) surgiu, em seguida, com a mesma
perspectiva. O ideário desse movimento tinha como referência três heróis venezuelanos:
Simón Bolívar, o Libertador; Simón Rodriguez, que fora tutor de Bolívar; e Ezequiel
Zamora, “líder dos camponeses contra a oligarquia latifundiária durante a Guerra
Federal das décadas de 1840 e 1850” (GOTT, 2004: 42). Foi o MBR-200 que esteve por 6 Destaque para as manifestações callejeras dos buhoneros (aqueles que trabalham no setor informal – hegemônico na Venezuela); dos pensionistas e aposentados; das associações de vizinhos e do movimento estudantil. 7 A participação de novos atores nos pleitos políticos com chances reais de vitória foi possível graças também a reforma implementada logo após o Caracazo por Carlos Andrés Perez que permitiu eleições diretas para governadores e prefeitos (alcaldes). Deste modo, abria-se a possibilidade para que candidatos que giravam fora da órbita das lideranças nacionais dos partidos, de competirem respaldando-se em suas próprias carreiras e trajetórias e não numa nomeação vinda de cima.
12
trás do golpe frustrado de 1992. Depois do fracasso, o movimento desistiu da via
armada. Nas eleições de 1993 apostaram numa campanha pela “não-participação” que
cederia lugar, em 1998, à formação de uma coalizão de esquerda em torno da
candidatura de Chávez. O MBR-200, que vinha angariando grande popularidade,
transformou-se no Movimiento Vª República (MVR) para disputar as eleições 8.
Em linhas gerais,
“Este decenio [década de 90] doloroso, de cambios políticos, inestabilidad e injerencia militar en Venezuela, constrastó con su propria historia y con la situación en el resto de Latinoamérica. Los desórdenes ocurridos en el país después de 1989 eran poco predecibles, considerando sus 30 años de estabilidad a partir de 1958 y la supuesta fortaleza de sus instituciones políticas. En contraste con Argentina, Perú,y Chile [e também o próprio Brasil] donde los electores reeligieron a los presidentes en el ejercício del poder y las coaliciones del gobierno, la implementación de políticas neoliberales en Venezuela fue clave en la desestabilización política. En otro contraste, el rol activo protagonizado por los militares en la política venezolana de los años 90 difería mucho de la situación em el resto de Latinoamérica” (ELLNER in ELLNER; HELLINGER, 2003: 24).
O Pólo Patriótico, formado então para disputar as eleições de 1998, articulava
uma frente única de vários partidos de esquerda, tais como o Movimento Vª República
(MVR), além do Pátria para Todos (PPT), La Causa Roja (LCR), grande parte do
Movimiento al Socialismo (MAS) e do Partido Comunista. Seu programa, denominado
Agenda Alternativa Bolivariana, não era bem definido. Na verdade, a ideologia
bolivariana que se constituía girava, e gira até hoje, em torno, principalmente, da
apropriação da figura de Simón Bolívar 9, numa perspectiva nacionalista,
antiimperialista e antineoliberal.
1.2. - A Era Chávez
8 Com relação às Forças Armadas na Venezuela, acreditamos ser importante fazermos uma diferenciação com suas correlatas latino-americanas. Ao contrário destas últimas, as venezuelanas, a partir de 1971, contam com uma formação diferenciada que advém do programa Andrés Bello. Trata-se de um plano que garante a formação superior dos oficialatos como forma de aprimorar a carreira militar. As gerações formadas por este plano, das quais Chávez faz parte, são mais profissionais, mais críticas e afastaram-se da influência da Escola das Américas - centro de formação de militares latino-americanos financiado pela CIA. A partir deste plano, Chávez se formou em Ciência Política pela Universidade Simón Bolívar. 9 Simón Bolívar foi apropriado, na Venezuela, por todas as classes sociais como um fator de unidade nacional. Desta forma, em sua vertente mais conservadora, esvaziou-se a sua figura de seu "conteúdo transformador e anticolonialista" (MARINGONI, 2004: 202), enquanto que na resgatada por Chávez, por exemplo, ressalta-se a luta antiimperialista e pela unidade da América ao sul do Rio Grande.
13
“O céu encoberto anuncia tempestade
E o Sol detrás das nuvens perde sua claridade
Oligarcas, tremei, viva a Liberdade”
Domingos Castro
Segundo Maringoni, a vitória de Chávez no contexto das eleições de 1998 foi
um marco na política venezuelana, pois representou a definitiva ruptura com a política
de conciliação das classes dominantes (expressa no Pacto Punto Fijo) e das
organizações policlassistas, em prol de organizações mais ancoradas em classes
definidas. Nas palavras de Hellinger:
“[...] Chávez capitalizó la profunda desconfianza y enojo dirigidos hacia quienes estaban asociados con el antiguo sistema y la sensación de la mayoría de los pobres de Venezuela de que él es uno de ellos. Esta apelación especial a las inquietudes de un sector de la población representaba un rompimiento con el multiclasismo de la política venezolana anterior a 1989, cuando el país se caracterizaba por su fluidez de clases. La solidificación de las actitudes y posiciones de las clases después de 1989, aunque ciertamente estaba lejos de ser absoluta, suministró el marco social para el surgimento del chavismo [grifo meu]” (HELLINGER in ELLNER, HELLINGER, 2003: 73)
Entretanto, mais do que a referência à uma classe social no sentido marxista do
termo, o bolivarianismo se constitui fundamentalmente a partir da referência aos pobres
– legado das tradições nacionalistas de Nuestra América. Trata-se de uma base muito
instável e desorganizada. Condição que iria se transformando ao longo e com o apoio do
governo.
O primeiro governo de Chávez orientou-se mais para mudanças políticas do que
econômicas. Foi marcado por eleições, referendos e plebiscito. Se por um lado,
convocou a Assembléia Nacional Constituinte que, segundo Edgardo Lander,
reconheceu os direitos indígenas, ambientais, ampliou o conjunto de direitos sociais,
reorganizou os poderes públicos com a incorporação do Poder Cidadão, integrado pela
Procuradoria e pela nova figura da Defensoria do Povo, inaugurou formas participativas
de exercício da democracia, reconhecendo mecanismos de participação direta, como as
assembléias de cidadãos, entre outras coisas (LANDER apud MARINGONI, 2004: 59);
por outro lado, manteve um plano econômico moderado, realista e pragmático, ou seja,
manteve-se o pagamento da dívida externa e a dependência com relação à exportação do
petróleo com parcos investimentos na diversificação da produção e, além disso, a
14
propriedade privada não foi contestada. A política social, por sua vez, também foi
tímida até 2002. Sua carga de radicalização, portanto, ficou restrita realmente ao plano
político.
Desta forma, o clima de tensão social gerado neste governo se deu muito mais
em função da incorporação das demandas populares e dos próprios populares na política
do que propriamente a uma mudança radical nas estruturas do país. A esta altura, ainda
não se sabiam os rumos que o processo de mudanças sociais ia tomar, daí o fato de não
ser descartado um possível caminho revolucionário que, por sua vez, seria enunciado
em 2001, no anfiteatro da Sorbonne, em Paris:
"O que é esse processo? Uma sequência de transições [...] Trata-se de uma mudança de situação, para não ficarmos nas mudanças de Lampeduza, em que tudo muda para que continue igual. [...] Não, não se trata de uma transformação. É mais estrutural, um fenômeno mais integral e pleno que isso; é uma revolução, não há outro caminho a não ser uma revolução. A América Latina não tem outro caminho senão a revolução" (CHÁVEZ apud MARINGONI, 2004: 204).
A partir de então, o governo voltou-se para uma série de reformas que tinha por
interesse fazer avançar o processo. Neste mesmo ano, o presidente Chávez aprovou um
pacote de 49 Leis Habilitantes 10 com intuito de reverter as reformas neoliberais postas
em prática ao longo da década de 90. Entre as mais importantes podemos citar:
“Lei de Terras, a Lei de Pesca e a Lei dos Hidrocarburantes, Lei
de Cooperativas, Lei Geral dos Portos, Lei do Sistema Microfinanceiro, Lei do Setor Bancário, Lei de Aviação Civil, Lei do Sistema Ferroviário, Lei de Segurança Cidadã, Lei de Zonas Costeiras, Lei de Gás e Eletricidade, Lei da Marinha, Lei de Caixas de Poupança, Lei do Turismo, Lei do Fomento e Desenvolvimento da Pequena e Média Indústria, Lei do Estatuto da Função Pública e Lei de Licitações, entre outras” (MARINGONI, 2004: 73).
Três leis, em especial, merecem destaque: a Lei de Terras, a Lei de Pesca e a Lei
dos Hidrocarbonetos. A Lei de Terras criou o Instituto Nacional de Terras (INT) e deu
início a uma Reforma Agrária que desencadeou um conflito envolvendo as grandes
organizações de produtores (FEDENAGAS, FEDEAGRO, FEGALAGO, etc.),
10 As Leis Habilitantes são um dispositivo, de caráter provisório, no qual as leis são aprovadas mediante a outorga do presidente. Para Maya, o uso das leis habilitantes foi um erro, pois comprometeu um debate mais afundo sobre o mérito das mesmas, além de ter repercutido na adesão de alguns setores ao Paro Nacional que trataremos a seguir (MAYA, 2002b: 100).
15
camponeses e o Estado. Os primeiros reivindicavam que as terras que o Estado utilizou
para a Reforma eram, na verdade, privadas e produtivas. No entanto, muitas destas
terras foram apropriadas por essas iniciativas privadas ao longo de décadas à revelia do
Estado e, portanto, os proprietários não detinham a documentação necessária para evitar
a desapropriação. Essas federações receberam amplo apoio da maior organização
empresarial do país, a FEDECAMARAS.
Já a Lei de Pesca gerou também um grande impacto, pois atendeu às
reivindicações históricas dos pescadores que viam seu espaço de trabalho cada vez mais
dominado pela pesca industrial e predatória. Esta lei garantiu e ampliou espaços
exclusivos para a pesca artesanal. A FENAPESCA (federação que representa as
empresas envolvidas no ramo da pesca industrial) entrou com recursos na Justiça
alegando a inconstitucionalidade da lei.
Finalmente, a Lei dos Hidrocarbonetos representou um fortalecimento do controle
estatal sobre a produção petroleira. Teve por objetivo reverter o grau de autonomização
adquirido pela PDVSA ao longo da década de 90. Estabeleceu-se o “aumento dos
repasses a título de royalties e impostos que o Estado, como seu único proprietário deve
receber” (MARINGONI, 2004: 76).
A virada do governo pode ser vista também em outras medidas.: a) no fomento à
formação de cooperativas de trabalhadores e vizinhos. Segundo Ellner, em maio de
2005, 300 mil trabalhadores desempregados se graduaram na Misión Vuelvan Caras e, a
partir dali, formaram várias cooperativas urbanas e rurais, recebendo investimentos do
governo (ELLNER, 2006: 85); b) nos incentivos à cogestão em empresas nacionais e
privadas. O projeto Empresas de Produção Social (EPS), encabeçado pelos Ministérios
da Economia Popular (MINEP) e o de Industria Básica e Minería (MIBAM), é
expressão dessa iniciativa do Estado de estabelecer a gestão conjunta com os
trabalhadores. A estatal CVG ALCASA (Aluminios Catalán S. A.) é uma experiência-
modelo do programa. Além desta, há exemplos de empresas recuperadas, isto é,
empresas falidas que foram nacionalizadas e/ou reabertas a partir de uma aliança entre
trabalhadores e o Estado. Segundo Paulo Marques, com base em um boletim publicado
pela CVG ALCASA em 2005, “já foram desapropriadas mais de uma centena de
empresas que estavam fechadas para reabri-las como Empresas de Produção Social”
(MARQUES, 2006: 38); c) na relegação/atribuição de papéis deliberativos e executivos
a comissões de moradores - como à comissão de terra (encarregada de realizar
reconhecimento de terrenos, distribuição de títulos de terra a residentes de longa data e
16
delimitar áreas públicas com fins recreativos) e de água (cuja função é a formulação e
execução de projetos de obras públicas em comunidades) (ELLNER, 2006: 86); d)
finalmente, com o desenvolvimento do projeto das Misiones Sociales – ao qual
conferiremos, a seguir, maior atenção.
Como repercussão dessas medidas, explodiu em 2002, uma série de protestos,
entre os quais, locautes de comércio, dois Paros Nacionais, a tentativa de golpe de
Estado em abril e o Paro Petrolero. Como Vicente Ribeiro nos chama atenção,
“[...] o primeiro período do governo Chávez pode ser caracterizado como de mudanças institucionais, cujas disputas definiram-se, sobretudo no terreno eleitoral. A partir de 2001, suas medidas passam a afetar os principais setores da classe dominante, abrindo um período de aguda disputa hegemônica” (RIBEIRO, 2008: 3)
A FEDECAMARAS e a CTV foram os principais sujeitos por trás da convocação
dos Paros Nacionais- boicotes econômicos - em 10 de dezembro, quando da aprovação
por decreto das 49 Leis Habilitantes e no dia 09 de abril, este último durando até o dia
11, quando estourou o golpe de Estado. Liderado por Pedro Carmona, presidente da
FEDECAMARAS, o golpe contou também com amplo apoio da mídia (nacional e
internacional) e das classes médias.
Maringoni chega a dizer que se tratou de um golpe midiático: "a maneira como
as marchas oposicionistas são mostradas - de modo a sempre inflar o número de
participantes - e a quase total ausência da cobertura de manifestações pró-governo
formam apenas um dos muitos aspectos envolvidos no papel da mídia" (MARINGONI,
2004: 32/33).
Durante o mês de abril de 2002, as emissoras, em conluio com os golpistas,
prepararam a antesala do golpe. Trocaram sua programação regular por discursos
antichavistas e convocações aos espectadores para ocupar as ruas: "Que se vá!" e
"Nenhum passo atrás. Saia!".
Mais um exemplo do relevante papel da mídia no golpe está no fato de que, na
noite em que os conspiradores deram o golpe, eles se reuniram nos estúdios da
Venevisión, de onde comemoraram abertamente a "renúncia" de Chavéz e assinaram o
decreto que empossou Carmona e dissolveu a Assembléia Nacional. Diante de um
quadro não muito claro do que aconteceu, já que não houve uma renúncia oficial e sim o
desaparecimento do presidente, a população começou a reagir. A mídia, contudo,
17
promoveu um apagão noticioso. Segundo Andres Izarra, na época gerente de produção
da RCTV, ele teria recebido ordens para não veicular qualquer informação "sobre
Chavéz, seus ministros ou qualquer pessoa que possa ser relacionada a ele”. Quando o
"palácio [Miraflores] foi retomado pelos chavistas e o presidente retornava, as notícias
foram trocadas por Pretty Woman e desenhos de Tom e Jerry" (COSTA, 2007: 30).
Vale notar a complacência da mídia internacional e, inclusive, de Estados
Nacionais, com relação ao golpe. Estados Unidos, Espanha e Peru saudaram
explicitamente a posse de Pedro Carmona. Segundo o The New York Times, a derrocada
de Chávez representou uma queda do preço dos barris de petróleo que no dia 13 de abril
tinha caído 6%, e viria a normalizar as exportações de petróleo venezuelano. El País e
O Estado de São Paulo também engrossaram as fileiras desta propaganda antichavista e
a favor do golpe. Como Maringoni menciona em seu livro, este último jornal atribuiu ao
golpe o caráter de um movimento cívico-militar para depor um governo contrário à
institucionalidade democrática (MARINGONI, 2004: 43).
O retorno de Chávez ao poder não significou o fim das mobilizações. No dia 02
de dezembro, a oposição deu início a um novo Paro Nacional. Este último, conhecido
como o Paro Petrolero - pois contou com, entre outras empresas, a paralisação da
PDVSA -, durou dois meses, acarretando sérios danos para a economia. Estima-se que
cerca de US$7 bilhões saíram do país nesse período.
“El plan [do Paro Petrolero] no era un gran secreto. Parando la producción de petróleo y otras mercancías (incluyendo la cerveza) y luego cerrando las escuelas y hospitales del país, aquellos que apoyaban la huelga esperaban que el caos resultante separara a la mayoría del país de Chávez y lo obligara a renunciar o, como mínimo, a convocar elecciones immediatas. Como de costumbre, estaban confiados en que las ganarían y volverían al poder. Por supuesto que tuvieron êxito en crear caos, pero una vez más les salió el tiro por la culatra” (ALI, 2007: 84).
Foi com a reação a este Paro que o governo, numa ofensiva, retomou o poder
sobre a PDVSA. Mais de 5 mil funcionários foram demitidos até o final de janeiro de
2003 sob a acusação de “sabotadores”, incluindo a diretoria da empresa. No total,
segundo Maringoni, foram 18 mil funcionários, entre grevistas e funcionários
considerados supérfluos, demitidos (MARINGONI, 2004: 189).
Todo esse clima de tensão culminou então na convocação de um referendo
revogatório, que acabou sendo realizado em 2004, onde Chávez, debilitado, se viu
18
ameaçado de perder o cargo de presidente. Foi então, a partir dali, contando agora com
os recursos advindos da PDVSA e com intuito de fortalecer suas bases de apoio, que o
governo, finalmente, voltou-se para os programas sociais que tiveram uma importante
expressão nas chamadas Misiones Sociales.
19
CAPÍTULO 2 – As Misiones Sociales
2.1.- Aspectos Gerais
O panorama social da Venezuela, em 1998, era crítico. Kenneth Roberts,
baseando-se em estimativas levantadas pelo governo, pela CEPAL e outras
organizações internacionais, faz um balanço da década de 80 até 1997, vésperas da
eleição do Chávez. Segundo o autor, de 1984 a 1995 a população pobre aumentou de
36% a 66% e o setor em pobreza extrema triplicou, de 11% foi a 36%.
“[...] Antes da década de los 80, la pobreza había alcanzado sólo a una minoría del pueblo, el cual aún podía participar de la riqueza generada por el petróleo. Pero a partir de dicha década afectó a uma mayoría absoluta, sistemáticamente excluida de una verdadera participación del modelo de desarrollo” (ROBERTS in ELLNER; HELLINGER, 2003: 81).
Ainda segundo Roberts, entre 1981 e 1997, a participação dos pobres nos
ingressos do país caiu de 19,1% para 14,7% e a porcentagem mais rica aumentou de
21,8% para 32,8% (ROBERTS, 2003: 81). Nesse sentido, podemos perceber que os
investimentos se concentraram numa pequena parcela da população e a sociedade foi
ficando cada vez mais polarizada entre ricos e pobres. Baseando-se em informes do
Congresso Nacional, Julia Buxton chega a dizer que em fins de 1994, 79% das famílias
venezuelanas eram consideradas pobres e “una de cada tres vivía en condiciones de
pobreza crítica” (BUXTON in ELLNER; HELLINGER, 2003: 154).
As reformas neoliberais da década de 80 provocaram um enorme impacto na
agricultura: 600 mil pessoas deixaram o campo. Como as cidades não tinham condições
de absorver tamanha mão-de-obra, o trabalho informal tornou-se, cada vez mais
hegemônico. Em 1999, já chegava a 53%. O desemprego estava na ordem dos 15%
(ROBERTS, 2003: 81).
D’Elia e Cabezas estimam que, em 1998, 70% da população não tinham acesso
aos serviços de controle de saúde ou estavam cobertas por qualquer sistema de proteção
financeira. A maioria dos adolescentes e jovens não se encontrava mais no sistema
educacional (D’ELIA & CABEZAS, 2008: 1).
As Misiones Sociales surgiram num contexto muito específico com intuito de
reverter este quadro devastador. Em 2003, foi lançada a “Agenda Bolivariana para
20
Conjuntura” (ABC), logo depois do Paro Petrolero. Nesse contexto, apesar da crise
proveniente do Paro, o governo dispunha de mais recursos: além de ter assumido o
controle sobre a PDVSA, os preços do petróleo estavam se recuperando no mercado
internacional. Ao mesmo tempo, havia a ameaça de convocação de um referendo
revogatório, o que tornava necessário o fortalecimento das bases nas quais o governo
vinha se sustentando.
O projeto das Misiones se estruturou a partir da preocupação em aliar reformas
sociais ao fomento à atuação protagônica e organizada das classes populares. Deste
modo, para além de um programa assistencialista, foi pensado como um dos principais
instrumentos responsáveis pela construção de um novo modelo social e econômico
compreendido nos marcos do chamado “socialismo do século XXI”.
“[...] las Misiones son el brazo ejecutor de la
corresponsabilidade entre el Estado y la sociedad, estructurando nuevas formas de cogestión en la gerencia de los asuntos públicos. De esta manera, el enfrentamiento de la exclusión social va más Allá de la provisión de bienes y servicios. Se trata de un proceso de transformación integral donde los excluídos pueden revertir su condición de tales mediante la participación protagónica y la corresponsabilidad de ellos y de sectores aliados a las acciones del Estado. [...]” (D’ELIA, 2002: 217)
Entretanto, Neritza Alvarado Chacín defende que apesar das Misiones terem sido
projetadas a partir desta perspectiva, a práxis desta política social pelo governo não vem
correspondendo às expectativas:
“[...] los programas de atención de esta problemática en su mayoría siguen siendo de tipo asistencial-focalizado, al tiempo que han sido usados discursivamente desde el punto de vista político-ideológico con fines estratégicos para garantizar uma paz social mínima, entre los sectores populares que son el grueso de la población y la base de sustentación del gobierno nacional” (CHACÍN, 2004: 26).
Ainda assim, não se pode menosprezar o alcance e impacto das Misiones no
âmbito das classes mais pobres. Se os resultados registrados não corresponderam às
expectativas, como propõe a autora, por outro lado, acreditamos que o apoio e a
sustentação dados ao governo Chávez não se explicam apenas pelo sucesso de um
discurso político-ideológico e reformas sociais pontuais. Como a mesma autora
21
reconhece 11, houve êxitos parciais e, em alguns casos, as metas chegaram a superar as
metas governamentais,
“[...] en términos, por ejemplo, de número de alfabetizados y de uno contigente de población flotante incluida en el sistema educativo no formal; o de personas atendidas y muertes evitadas; y más allá de esto: en términos de una probablemente mayor organización y participación social-ciudadana (que algunos sectores también imputan a los programas actuales) [...]” (CHACÍN, 2004: 46)
Carlos Aponte demonstra que entre 2004 e 2006 foi registrado o maior índice de
Gasto Social do governo em toda a história venezuelana superando, inclusive, o período
dos áureos tempos petroleiros de 1974 a 1982. Patruyo chama atenção para o fato de
que alguns pesquisadores (Tito La Cruz, por exemplo) indicam também que o impacto
social não corresponde ao nível de inversão (PATRUYO, 2008: 9), mas, com todos os
limites, já representa uma ruptura com os governos anteriores.
O investimento em uma nova institucionalidade, paralela à oficial, está
relacionado às dificuldades encontradas pelo governo de desenvolver projetos no
interior da estrutura do Estado existente. A burocracia, o funcionalismo público
venezuelano, é ainda a mesma de tempos anteriores ao governo. Foi, assim, a séria
paralisia existente nesse ramo que repercutiu na necessidade de se buscar alternativas
para conseguir promover as reformas sociais.
Apesar de terem se tornado o principal meio de ação do governo bolivariano, as
Misiones só receberam uma consideração mais explícita com o projeto de reforma
constitucional de 2007 12. O artigo 141 propunha o reconhecimento de uma dupla
institucionalidade para o país, a partir da distinção entre as “administrações públicas ou
tradicionais” e as “Misiones Sociales”:
“Las administraciones públicas son las estructuras organizativas destinadas a servir de instrumento a los poderes públicos para el ejercicio de sus funciones para la prestación de los servicios. Las categorías de administraciones Públicas son: las adiministraciones Públicas burocráticas o tradicionales, que son las que atienden a las estructuras prevista y reguladas en esta constitución; y las ‘misiones’, constituídas por organizaciones de variada naturaleza creadas para atender a la satisfación de las más sentidas y urgentes necesidades de
11 Chacín reconhece, mas atribui as conquistas ao contexto de pré-campanha eleitoral em função da convocação do referendo revogatório. Para autora, em matéria de gestão social, o governo ainda carece de uma “estrategia de largo plazo, universal, sistemática y coherente” (CHACÍN, 2004: 47). 12 E ainda assim, em termos de regulamentação, a proposta da reforma ainda é demasiadamente limitada.
22
la población, cuya prestación exige de la aplicación de sistemas excepcionales e incluso experimentales. Los cuales serán establecidos por el Poder Ejecutivo mediante reglamentos organizativos y funcionales” (Art. 141, Reforma Constitucional apud PATRUYO, 2008: 6).
A nova institucionalidade das Misiones é constituída a partir de três elementos
principais: a) comissões presidenciais cuja função é a elaboração e coordenação das
políticas; b) fundações, encarregadas de garantir os recursos necessários para o
funcionamento – no artigo 321 da mesma reforma, estabelecem-se na Constituição que
o governo tem o dever de, no final de cada ano, dispor de recursos para o financiamento
das missões; c) uma série de pequenas organizações executivas (PATRUYO, 2008: 3).
As comissões presidenciais geralmente são compostas pelo Ministério ou Instituto
Público relacionado ao caráter da missão; organismos públicos vinculados; as Forças
Armadas; representantes da PDVSA; e membros de organizações sociais. As fundações
também estão associadas a uma missão em específico e são responsáveis pelo
pagamento de pessoal, a execução de obras e a compra de insumos (D’ELIA &
CABEZAS, 2008: 5). Os recursos são enviados, principalmente, pela PDVSA e, a partir
de 2004, em função das expansões do projeto, provenientes também do IDB (Impuesto
al Débito Bancario), do BANDES (Banco Nacional de Desarrolo Economico y Social),
do FONDESPA (Fondo para el Desarrolo Económico y Social del País), do
FONENDÓGENO (Fondo de Desarrolo Endógeno) e do FONDEN (Fondo de
Desarrolo Nacional) (D’ELIA & CABEZAS, 2008: 7). Além disso, as Misiones contam
com convênios firmados com Cuba pelos quais o governo cubano fornece serviços e
materiais necessários.
Podemos observar a estrutura organizativa das Misiones no diagrama 1, a seguir:
Diagrama 1
23
Fonte: D’ELIA & CABEZAS, 2008: 5
Essa estrutura gera alguns problemas, tais como: a questão do caráter centralista
de sua estrutura, focado diretamente na figura do presidente; a informalidade dos
trabalhadores que atuam no interior das missões - que pode ser entendido também como
uma regressão em matéria de direitos trabalhistas-; além também do fato de dificilmente
o governo dispor de recursos suficientes para sustentar duas administrações públicas.
Com relação aos trabalhadores que atuam no interior das Misiones, além da
informalidade, outro problema é que o projeto depende em grande medida da
participação de voluntários das comunidades e de variadas organizações sociais. Se, por
um lado, imprime uma maior responsabilidade e dever de ação aos homens e mulheres
das classes mais pobres que têm o interesse em ser beneficiados pelas Misiones; por
outro, a ausência de uma contrapartida financeira mínima torna difícil a manutenção do
projeto, uma vez que as pessoas não podem viver daquilo e, assim, precisam se voltar
para outras atividades para sobreviver.
Outra característica das Misiones que, na verdade, perpassa todo o projeto
bolivariano é a relação estabelecida com as Forças Armadas. Estas últimas têm sido
peças-chave para o funcionamento e manutenção do projeto, garantindo suporte físico,
logístico e humano.
2.2. - Os três marcos: Barrio Adentro, Misiones Educativas e Misión MERCAL
24
As Misiones Sociales, de maneira geral, têm um caráter variado. Abrangem
diferentes áreas que vão desde as dimensões mais básicas, tais como saúde, educação,
alimentação e moradia até missões dirigidas à promoção da cultura, da ciência, ao
fomento de novas formas de produção (no caso, a formação de cooperativas, com a
missão Vuelvan Caras, atual Misión Che Guevara), entre muitas outras.
A razão de termos escolhido estes três marcos – Barrio Adentro, Educativas e a
MERCAL - se deu por duas razões. A primeira foi a disponibilidade de fontes. Dispor
de fontes primárias sobre as Misiones é um problema para pesquisadores no Brasil 13 e,
por essa razão, baseei-me fundamentalmente em três obras de referência que tratam das
Misiones, particularmente destes casos, de onde pude extrair estatísticas e o próprio
histórico de cada uma, já que os sítios oficiais do governo venezuelano não são bem
organizados e oferecem poucas informações online. Aliás, a maioria dos artigos e
demais obras que serviram de referência para a presente monografia, ao se propuserem a
fazer referências ou estudos de caso, também se voltam, de maneira geral, para uma das
três obras referidas.
A segunda razão é justamente a relevância destas. Não foi à toa que muitos
pesquisadores debruçaram-se sobre as missões de saúde, educação e alimentação. Além
de terem sido as pioneiras do projeto, estamos falando de áreas que atingem três
dimensões fundamentais de sobrevivência do ser humano na sociedade moderna. Sem
dúvida, existem outras, como a questão da moradia, por exemplo, mas preferimos nos
ater a estas três, em especial, por conta também do relativo sucesso que alcançaram.
O Instituto Latinoamericano de Investigaciones Sociales (ILDIS) da Venezuela
financiou a pesquisa “Análisis Sociopolítico de las Misiones Sociales del Gobierno
Venezolano” que resultou na principal obra de referência que utilizamos para a presente
monografia: “Las Misiones Sociales en Venezuela: Una Aproximación a su
Compreensión y Analisis”. É importante dizer que a pesquisa foi realizada em 2005 e se
concentrou, sobretudo nos municípios de Libertador e Sucre, do distrito metropolitano
de Caracas e também no município de Vargas do Estado de Vargas. A maior parte das
demais obras consultadas decorre desta primeira investida de pesquisa. Eis, portanto, a
relevância da determinação do tempo e do espaço em que esta foi feita. Dentre as
demais obras, contamos também com balanços atuais feitos pela mesma pesquisadora
13 Como trataremos a seguir, é complicado, inclusive, para pesquisadores na própria Venezuela, pois a ausência de uma regulamentação e de uma institucionalidade mais sólida compromete o acesso às informações.
25
que coordenou a primeira pesquisa - Yolanda D’Elia - e os de Patricia Patruyo e Neritza
Alvarado Chacín.
2.2.1. Misión Barrio Adentro
A gênese da missão Barrio Adentro remonta ao ano de 1999, antes mesmo do
governo voltar-se realmente para este tipo de projeto social. Este ano é o marco de
chegada dos cooperantes cubanos que vieram à Venezuela em ajuda humanitária, em
função de um desastre natural que afetou dez Estados do país, particularmente, o Estado
de Vargas. As brigadas cubanas levaram apoio médico para as famílias que sofreram os
efeitos do desastre. Em seguida, continuaram atuando no Estado de Vargas até 2002,
expandindo as ações para as zonas rurais dos Estados de Lara, Miranda, Trujillo e
Bolívar (D’ELIA, 2006: 16).
Assim, mesmo depois da superação da catástrofe natural, os cubanos
permaneceram no país, prestando atendimento e serviços médicos às populações
carentes, dada a ausência do poder público em regiões mais pobres. Vale dizer que a
atuação não contou com o apoio da Federação Médica Venezuelana (FMV). Ao
contrário, esta tentou, de diferentes formas, denunciar e deslegitimar a presença dos
cubanos nessas regiões (questionamento da validade dos diplomas cubanos, não
reconhecidos formalmente pelas autoridades venezuelanas).
Com o tempo, o governo transformou a atuação episódica dos cooperantes
cubanos no país em ajuda humanitária permanente. Em 2000, firmou-se um acordo
oficial com o governo de Cuba, nos termos de um convênio energético, econômico e
social (D’ELIA, 2006: 17) – ensejando a troca de petróleo pelo envio de médicos
cubanos para o país, ou então por bolsas de estudos em Cuba – e, aos poucos, sobretudo
a partir de 2003, iniciou-se um processo de institucionalização do projeto,
desenvolvendo-se novas missões para as áreas de educação, abastecimento, energia,
meio ambiente, entre outros. Essas medidas serviram também para legalizar a presença
das brigadas cubanas no país.
O programa Barrio Adentro propriamente dito foi o resultado das iniciativas das
autoridades do município de Libertador, em 2002, que propuseram um plano de
desenvolvimento local aos moradores das zonas mais pobres da região. O objetivo do
plano era levar a estas áreas saúde, educação, alimentação, esportes, cultura, entre
26
outras coisas. Nessa perspectiva, propunha-se lançar um Novo Sistema Público de
Saúde tal qual estabelecido na Constituição de 1999.
Com apoio do então Ministério da Saúde e Desenvolvimento Social (MSDS), as
primeiras brigadas cubanas chegaram ao município 14. A presença destas últimas
influenciou também os princípios nos quais a medicina e o atendimento na área de
saúde foram concebidos, nos termos da medicina integral tal como aplicado em Cuba.
Foram feitos estudos sobre os principais problemas das regiões onde o plano seria
aplicado, elaboraram-se projetos de centros de atendimento e convocou-se a população
moradora dessas regiões para participar das instalações e auxiliar as equipes
profissionais numa metodologia de participação. Os primeiros postos de saúde
instalados nos Barrios foram chamados de Casas de Salud y la Vida e, posteriormente,
Consultorios Populares (D’ELIA, 2006: 24).
Fonte: www.misionbarrioadentro.gob.ve
Na prática, o Plan Barrio Adentro encontrou sérias dificuldades. As condições
econômicas e materiais eram péssimas. O governo não tinha recursos suficientes para
arcar com a hospedagem e a subsistência dos médicos cubanos. Estes ficaram
hospedados em casas de famílias nas comunidades.
“Los/as médicos/as fueron ubicados en los barrios populares por várias vías: mediante asambleas concovadas por promoteres del IDEL y Comités de Tierra Urbana explicando a las comunidades los
14 De acordo com o convênio estabelecido com o governo cubano, foram enviados ao país, ainda em 2003, os primeiros 50 médicos que seriam incorporados no programa. Foi convocado também um concurso para médicos venezuelanos, contudo, “a ese concurso se presentaron 50 médicos venezolanos, de los cuales desertaran 30, quienes se negaban a vivir en las comunidades, proponían ir diariamente al trabajo. Se mantuvieran 20 especialistas que, por su condición, serían asignados a um segundo nivel de atención primária” (Defensoría del Pueblo apud D’ELIA, 2006: 20),
27
objetivos y las característias del plan; a través de visitas y recorridos casa por casa; mediante el llamados que lso primeros médicos/as ubicados hicieran a otros; por iniciativa de miembro de organizaciones sociales y políticas que respaldaban ‘el proceso’ iniciado por el gobierno. Al saber de la existencia de los/as médicos/as cubanos/as en estas parroquias aumentó rapidamente la demanda, sin que hubiesen tomado previsiones para reproducir y extender la experiencia” (D’ELIA, 2006: 26).
Portanto, podemos perceber o permanente contato das classes populares
organizadas em torno da viabilização do projeto. Esta característica a que já nos
referimos anteriormente perpassa todas as outras Misiones. A ação protagônica se faz
necessária como condição para que a idéia se torne realidade, já que o governo, além de
não dispor dos recursos necessários, não detém o controle sobre a iniciativa uma vez
que o grau de institucionalidade da mesma é baixo.
No âmbito da instalação dos médicos e médicas nas comunidades, foi levada a
cabo também a construção da Escuela de Formación de Promotores Comunitários que,
segundo D’Elia, capacitou 300 pessoas para servir de apoio ao trabalho dos médicos em
termos de gestão, infra-estrutura e atendimento nos consultórios e nas visitas. Eram
todos voluntários e viriam a conformar os Comités de Salud posteriormente.
Além dos governos federal e estadual, da iniciativa popular e do governo cubano,
o Barrio Adentro contou também com o apoio do Instituto Venezolano de Seguros
Sociales (IVSS) que “coordinaba el acondicionamento de los consultorios com equipos
recuparados de su deposito” (D’ELIA, 2006: 27).
Até o final do ano de 2003, o projeto foi expandido para toda Venezuela. Em
setembro deste mesmo ano, o MSDS (Ministerio da Saúde e do Desenvolvimento
Social) assumiu o interesse em estabelecer vínculos com a missão médica cubana e
transformar os Consultórios Populares no primeiro nível de atenção primária do Sistema
Público de Saúde com meta de alcançar um médico para cada 250 famílias. A esta
altura, estamos falando de mais de 10 mil médicos cubanos espalhados em 23 Estados
do país.
Em 2004 começaram os planos de institucionalização do projeto, agora tornado
Misión Barrio Adentro. O MSDS pôde lançar mão de sua estratégia de converter as
iniciativas de integrar o projeto ao Sistema Público de Saúde, de construir novos
módulos de atendimento e de adequar as redes de serviços existentes.
Entretanto, ao fim do ano, das metas almejadas, só foram cumpridas 6,4%. As
estatísticas de 2005 também são ínfimas – só foram construídos 7% dos módulos
28
previstos. Apesar destes limites, Chávez decidiu avançar com o projeto e lançou a
Misión Barrio Adentro II e a III que almejava resultados ainda mais ambiciosos. A
segunda etapa era voltada para “la construcción y equipamiento de 600 centros de
diagnósticos y de rehabilitación”; e a terceira, para a “recuperación y modernización de
los 299 hospitales públicos existentes en el país, más la creación de nuevos centros
hospitalarios en varios estados del país, entre los que destacan dos centros de
cardiologia infantil” (D’ELIA, 2006: 35).
Vale a pena fazer referência a Mision Milagro surgida no bojo da Misión Barrio
Adentro. Como se sabe, Cuba atualmente é uma das maiores potências em termos de
medicina oftamológica. Durante o Período Especial de Paz, foram desenvolvidas
técnicas no país para dar conta da vasta epidemia de cataratas e problemas na visão de
maneira geral que assolaram país, em razão da carência de vitaminas pela qual passava
o povo cubano. A Mision Milagro, nesse sentido, foi voltada especificamente para tratar
destes problemas de caráter oftamológico. “Durante el año 2005 [...] se contabilizan
unos 50.403 pacientes venezolanos trasladados a Cuba para ser intervenidos en ese país
por problemas oftamológicos a través de la Misión Milagro” (Alô Presidente apud
D’ELIA, 2006: 35).
Além do envio de médicos, o governo cubano também recebeu milhares de
venezuelanos em suas universidades para levarem a cabo o projeto de medicina integral
e comunitária em seu país. Sem contar com a capacitação de profissionais no interior
dos próprios Consultórios Populares.
No ano de 2006, segundo levantamento de D’Elia,
“la Mision Barrio Adentro [estaba] contituida por uma densa estructura de cerca de 12.000 centros de servicios, de los cuales alrededor de 11.000 son nuevos centros de atención. El personal de salud [...] [estaba] compuesto por 26.397 profesionales de la medicina y otras categorías que conforman el personal asistencial en servicio y 25.000 estudiantes en formación” (D’ELIA, 2006: 35).
2.2.2. Misiones Educativas
No Plan de Desarrolo Económico y Social (2001-2007) lançado pelo governo, as
políticas educativas estão inseridas em um projeto de transformação do modelo
econômico venezuelano como um todo cuja premissa básica é a de “construir uma
29
economia productiva, entendida como um concepto integrador, no solamente asociado
al crescimiento, sino a la produccion cultural y ciudadana” (D’ELIA, 2006: 77).
O Ministerio de Educación, Cultura y Deportes (MECD) foi a instituição
responsável por levar a cabo as chamadas Misiones Educativas. Assim como a Misión
Barrio Adentro, sua viabilização está fortemente ancorada numa prerrogativa de
autogestión e participación comunitária.
A Venezuela, em 1998, era um país cujas taxas de escolaridade eram precárias.
Segundo o balanço trazido por D’Elia,
“la tasa de escolaridad promedio de 59% y 7% de analfabetismo lo que equivalia a más de millón y medio de personas. Además, el país tenia más de 2 millones de personas sin culminar el sexto grado, y cerca de otros 2 millones más sin posibilidad de terminar la educación média. A la situación anterior se le agregan más de 500 mil hachilleres sin posibilidad de obtener cupo en la educación superior” (D’ELIA, 2006: 81).
Com intuito de reverter este quadro, entre 2003 e 2005 foi realizado, pelo MECD,
no âmbito do Plan Educación para Todos, o Plan Nacional de Alfabetización e, em
particular, o Plan Extraordinario de Alfabetización Simón Rodriguez. Este último ficou
conhecido como Misión Robinson e tinha por objetivo aumentar em 50% até o ano de
2015, o número de adultos alfabetizados, sobretudo as mulheres, e garantir o acesso
equitativo à educação básica e permanente a toda a população adulta, atendendo, assim,
às deliberações do Fórum Mundial de Dakar (D’ELIA, 2006: 78).
Fonte: www.misionrobinson.gob.ve
30
As missões educativas contaram também com o apoio do governo cubano que
forneceu professores, tecnologias e o próprio método de alfabetização, o “Yo si puedo”,
desenvolvido pela pedagoga cubana Leonela Relys do Instituto Pedagógico Latino-
Americano e do Caribe (IPLAC). Trata-se de um método que atende aos fundamentos e
às necessidades práticas de se efetivar o projeto porque é simples, flexível e de
resultados em curto prazo.
“Uma das marcas do método batizado como ‘Yo, Sí Puedo’, já aplicado em países como Haiti, Nova Zelândia, Moçambique, Angola, Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia, México e Paraguai, é justamente sua curta duração. São apenas 35 dias, com aulas de uma hora e meia de segunda a sexta-feira [na Venezuela foi estruturado em 65 aulas com 2 horas de duração, podendo haver aulas de apoio nos sábados ou domingos]. [...]
O material didático, traduzido e adaptado à realidade de cada país, inclui, além das cartilhas do educador e educando, uma série de vídeos. A televisão é, portanto, instrumento essencial no processo – assim, o papel do monitor é contextualizar e atender às necessidades especiais de cada aluno.” (Informação em Rede in www.açãoeducativa.org.br, 2006)
Em 2006, o IPLAC recebeu o Prêmio Rey Sejong que anualmente destaca
programas de alfabetização em todo mundo. Além disso, há também a mobilização de
uma Frente Internacional (www.frenteinternacional.yosipuedo.com.ar) que tem por
objetivo pressionar a UNESCO para adotar o método oficialmente para erradicar o
analfabetismo no mundo (Informação em Rede in www.acaoeducativa.org.br, 2006)
Mais uma vez, devemos chamar a atenção para o fato de que a ação protagônica
das comunidades é fundamental tanto em termos de dispor dos ambientes necessários
para as aulas - que podem ser realizadas até na sala de uma casa particular, sob a única
premissa de dispor de um aparato audiovisual - quanto da própria administração da
missão.
Os principais voluntários que se prontificaram a ajudar foram os militares das
FAN (Forças Armadas Nacional) que ficaram conhecidos como “el ejercito de la luz” e
seus participantes, “los patriotas”.
Na Venezuela, diferentemente de outras regiões, a Misión Robinson veio
acompanhada da Misión Robinson II que tinha por objetivo dar continuidade aos
estudos daqueles que foram alfabetizados, abrangendo até a 6ª série, sob o lema “Yo sí
puedo seguir”. Enquanto a Robinson I tinha por objeto alfabetizar cerca de um milhão e
meio de venezuelanos, a Robinson II almejava formar três milhões de venezuelanos até
31
2005. O método, como o próprio nome já sugere, acompanha a lógica do “Yo si puedo”,
ou seja, conta com ampla utilização de mecanismos audiovisuais por onde as turmas
têm aulas de matemática, geografia, história, gramática, ciências naturais, inglês e
informática. Contabiliza-se um total de 600 aulas com uma duração de 10 meses.
Particularmente, a Mision Robinson II procura combinar o ensino das disciplinas
formais com o incentivo para desenvolver algum tipo de atividade técnico-profissional,
geralmente, relacionada à criação de cooperativas. São também oferecidas facilidades
de créditos para aqueles que, ao concluir o 6º ano, possam viabilizar algum projeto.
A Misión Ribas foi criada ainda no ano de 2003, alguns meses depois das missões
Robinson e foi destinada àqueles que almejavam finalizar os estudos secundaristas e
serviu também como uma porta para a incorporação profissional dos formandos nos
setores energético, petroleiro e de mineração. A missão oferece bolsas de estudos para
os que não têm condições financeiras de dar continuidade ao processo educativo. Seu
objetivo era atender os 5 milhões de venezuelanos excluídos do sistema educacional em
todo o país.
As instituições envolvidas no projeto são: Corporación Venezolana de Guayana
(CVG), MCT (Ministerio de Ciencia y Tecnologia), MINCI, Instituto Nacional de la
Juventud, Federación Bolivariana de Estudiantes, Governos Estaduais e prefeituras
(alcaldias), a organização Clase Media en Positivo e se procura sustentar uma
permanente articulação e integração com as comunidades junto ao desenvolvimento de
um processo de controle social (D’ELIA, 2006: 93).
O método de ensino também é baseado em recursos audiovisuais auxiliados pelas
cartilhas correspondentes a cada disciplina e na ação dos chamados “facilitadores” que
ministram e coordenam o curso.
Um dos maiores desafios das missões que tratamos é a flexibilização na utilização
dos recursos audiovisuais. Se, por um lado, são eficazes no que diz respeito à sua
capacidade de atender à grande demanda por educação de forma simples e viável para
as regiões mais distantes ou com menos recursos; por outro, muitas vezes o ritmo do
material utilizado no vídeo não corresponde à dinâmica da classe e, mesmo com atuação
dos “facilitadores”, muitas vezes é necessário recorrer a professores externos.
Finalmente, foi construída a Misión Sucre com intuito de se completar o ciclo de
estudos voltando-se, portanto, para o acesso ao ensino superior.
32
“Es así como surge el Plan Extraordinario Mariscal Antonio José de Sucre, denominado Misión Sucre, como una iniciativa del gobierno nacional con el objeto de potenciar la sinergia institucional y la participación comunitaria, para garantizar el acceso a la educación universitaria a todos los bachilleres sin cupo y transformar la condición de excluidos del subsistema de educación superior” (D’ELIA, 2006: 108).
Com esta última, foi construída, em 2003, a Universidad Bolivariana de
Venezuela (UBV), ponta-de-lança de todo o projeto. A Universidade possui sedes em
Caracas, Zulia e Bolívar. Os cursos ministrados ou “programas de formación”
oferecidos na mesma, segundo balanço de 2004, são, entre outros: administração e
gestão, artes plásticas, direito, educação, educação física, enfermagem, geologia e
minas, gestão ambiental, gestão social em desenvolvimento local, informática,
licenciatura em química e em matemática, medicina geral integral e turismo. Neste
mesmo ano, foram inscritos mais de 60 mil alunos (D’ELIA, 2006: 106-107).
Segundo Rizzotto, a orientação dos cursos e da própria estrutura da universidade
tinha por intuito a criação de uma “alternativa al sistema educativo tradicional, al
tiempo que da un vuelco a la vinculación de la Universidad con la realidad nacional y
latinoamericana” (UBV apud RIZZOTTO, 2007: 6). Esta alternativa se fundamenta,
mais uma vez, na prerrogativa de se estabelecer vínculos diretos com as comunidades,
ou seja, são, por exemplo, as demandas locais que determinam a oferta de cursos, nos
termos de uma “política de municipalização da educação, em todos os níveis, o que não
tem significado a transferência de responsabilidade de financiamento nem a ausência de
uma articulação nacional” (RIZZOTTO, 2007: 7).
Além disso, não podemos perder de vista que este projeto se insere no bojo da
ideologia bolivariana. Nas palavras de Rizzotto,
“todos os cursos buscam formar profissionais que possam contribuir para a implementação do projeto bolivariano, quer seja respondendo a problemas críticos como o de habitação e saúde; quer para dar conta de necessidades específicas do novo Estado em construção; do projeto de desenvolvimento endógeno ou da nova dinâmica de participação protagônica que se pretende instituir, conforme expresso na Constituição da República Bolivariana da Venezuela” (RIZZOTTO, 2007: 6).
A Misión Sucre, em linhas gerais, funciona em “11 instituciones universitárias
públicas y 28 colegios y institutos de diferentes regiones del país” (D’ELIA, 2002: 109).
33
Além disso, visa-se a construção de “aldeas universitarias” com vistas a ampliar a
cobertura da Mision para boa parte dos municípios do país.
A Misión Sucre articula-se com a Misión Ribas no sentido dos formados por esta
última poderem participar da primeira. Trata-se de um projeto voltado principalmente
para jovens e adultos de baixa renda que, por sua vez, passam também por um programa
de nivelamento – Programa de Iniciación Universitaria (PIU) – a fim de que sejam
garantidas as bases necessárias para dar início à carreira universitária.
As quatro missões - Robinson I, Robinson II, Ribas e Sucre - conjugadas
conformam o que ficou conhecido como o Nuevo Modelo Educativo Bolivariano, “el
cual se fundamenta en una concepción holistica del ser humano y busca la construcción
de un nuevo modelo de sociedad mediante la formación de nuevos ciudadanos, nuevos
republicanos” (D’ELIA, 2006: 99).
2.2.3. Misión MERCAL
Em 2000, foi formada a Comissão Presidencial de Assistência Alimentar que
tinha por objetivo a elaboração de uma política de abastecimento alimentar dirigida às
classes populares do país e, mais especificamente, um projeto de construção de
“megamercados” nas grandes cidades para prover a população de alimentos básicos a
preços acessíveis.
A Comissão foi integrada pelo Ministro da Defesa; o Vice-Ministro da Saúde; o
presidente do Programa de Alimentos Estratégicos (PROAL), criado em 1996; o
presidente da Corporación de Abastecimiento y Servicios Agricolas (LA CASA S.A.),
esta última, criada em 1989; o Chefe do Serviço de Alimentação do Exército; o Diretor
Geral da Defesa Civil; e um diácono da Igreja Católica (D’ELIA, 2006: 45).
No âmbito do MSDS, em especial, do Instituto Nacional de Nutrición, foi
desenvolvido o programa “Cocinas Comunitarias” com vistas a garantir alimentação
para a população a preços populares ou gratuitos. Em 2003, o programa já cobria 11
entidades federais.
Os Paros Nacionales e a repercussão na produção e distribuição de alimentos
serviram para impulsionar a construção da Misión MERCAL, em 2003. A MERCAL é
uma rede que comporta o Programa de Protección Nutricional (PROAL) destinado a
quem está em risco de desnutrição (previamente localizados pela Misión Barrio
34
Adentro); os restaurantes populares (inscritos no programa “Cocinas Comunitarias”); a
venda de alimentos a preços mais baixos que os de mercado, entre outras coisas.
A criação da MERCAL seguiu os seguintes parâmetros:
“[...] tiene como misión efectuar el mercadeo y la comercialización, permanente, al mayor y al detal de productos alimenticios y otros productos de primera necesidad, manteniendo la calidad, bajos precios y fácil acceso, para abastecer a la población venezolana y muy especialmente la de escasos recursos economicos, incorporando al grupo familiar, a las pequeñas empresas y a las cooperativas organizadas, mediante puntos de comercio fijos o móviles, desarrollando uma imagen corporativa en todos sus procesos y con apego a las normas que rigen la materia; para garantizar la seguridad alimentaria. Es una empresa de comercialización y mercandeo en forma directa de productos alimenticios, manteniendo la calidad de los mismos a precios solidarios, con un alto compromiso social participativo, sentido corporativo y presencia en el ámbito nacional. Los productos alimenticios son colocados en centros de venta fijos o móviles, previa captación de comercios individuales colectivos o familiares” (D’DELIA, 2006: 47).
A MERCAL, em linhas gerais, é uma ampla rede voltada para a alimentação que
abarca desde a produção até a venda dos produtos. Ela atua em conjunto a LA CASA
S.A. (cujas funções principais são as compras de alimentos a nível nacional e
internacional, além do armazenamento); a FUNDAPROAL (antiga PROAL, voltada
para programas específicos para população em risco de carência nutricional e de
vulnerabilidade); e as comunidades de maneira geral (encarregadas de exercer o
controle social).
Criado em 2004, o MINAL (Ministerio de la Alimentación) foi a instituição que
acolheu a missão como um todo com a finalidade de fazer mais eficiente este projeto de
soberania e segurança alimentícia.
Os pontos de venda da rede MERCAL podem ser administrados pela mesma ou
de forma indireta, através de cooperativas ou de micro-empresas. Estes pontos podem
variar desde os “mercalitos” ou “bodeguitas” que correspondem à “bodega tradicional
venezolana”, ou seja, pequenos armazéns localizados em regiões de grande densidade
populacional e de venda a varejo; passando pelas “bodegas móviles” (unidades de
veículos que atendem as zonas de difícil acesso); “Módulos Mercal Tipo I” (venda a
varejo com “formato estándar” para todas as regiões – um ampliado de 274m² e um
básico de 154m²); “Módulos Mercal Tipo II” (pontos de venda a varejo cuja estrutura e
capacidade são variáveis já que se aproveitam da infra-estrutura já existente, mas possui
35
uma maior quantidade de produtos disponíveis); “super-mercales” (estabelecimentos
com capacidade superior de venda e armazenamento e oferecem maior variedade de
produtos – aqui, em especial, são cedidos espaços nas instalações para os produtores
agrícolas, artesãos, e empresas familiares da região para venderem diretamente seus
produtos a 30% abaixo do de mercado); até, finalmente, os “mega-mercales a cielo
abierto” onde os alimentos e outros produtos de primeira necessidade podem ser
vendidos a varejo ou no atacado em grandes feiras ao ar livre nas principais cidades do
país.
Fonte: www.misionmercal.gob.ve
A Misión MERCAL, assim como as outras, enfrentam algumas sérias dificuldades
no que diz respeito ao abastecimento dos mercados que se faz de maneira bastante
irregular, a carência de infra-estruturas melhor definidas, atuando muitas vezes em
locais improvisados e, assim, estando sujeita a condições ruins para o armazenamento
dos alimentos. O sistema administrativo é lento e há escassa capacitação de
profissionais. Estes últimos, aliás, na maior parte das vezes são voluntários ou então
recebem um salário irrisório, praticamente simbólico, o que compromete toda a
estrutura do projeto, em especial, no tocante às Casas de Alimentación haja vista que se
trata de um trabalho que demanda uma larga escala de tempo e que exige grande esforço
físico por parte das cocineras.
2.3.- Limites e Desafios
36
Para além destas missões mais importantes, outras de distinto caráter foram
criadas entre 2003 e 2004, dentre as quais podemos citar: Misión Miranda, de
convocação e organização do corpo de reservistas militares para auxiliarem os projetos;
Vuelvan Caras (atual Misión Che Guevara) voltada para a construção de cooperativas e
núcleos de desenvolvimento endógeno; Misión Hábitat que tem por objetivo garantir o
acesso à terra e a moradias; Misión Identidad de emissão de documentos para os
cidadãos venezuelanos; Misión Guaicaipuro de seguridade agroalimentaria e que leva
atendimento médico, educação e água para comunidades indígenas; e Misión Piar de
apoio a trabalhadores da pequena mineração (D’ELIA, 2002: 206-207; D’ELIA &
CABEZAS, 2008: 4-5).
Em 2004 foi lançado pelo governo o Plan Salto Adelante que tinha por objetivo
aprofundar e consolidar as missões. Desde então, muitas das que mencionamos foram
expandidas, como a Mision Barrio Adentro para a fase IV com o intuito de abranger
serviços de diagnóstico, especialidades médicas, emergências, cirurgia e hospitalização;
a Misión Robinson passou para fase III, para garantir acesso a materiais de leitura; a
Misión Ribas se diversificou em Ribas Técnica, Ribas Social e Ribas-Reconversión
Minera; e a Misión MERCAL que criou novas modalidades como a bolsa de alimentos,
para ficarmos nas mais importantes (D’ELIA & CABEZAS, 2008: 6). Novas missões
também surgiram como a Misión Zamora, em janeiro de 2005, para recuperação de
terras e luta contra o latifúndio; Misión Cultura de desenvolvimento cultural; Misión
Negra Hipólita de atenção integral população de rua; a Misión Ciencia de estímulo a
pesquisa científica; entre outras. `
Existem muitas dificuldades para se ter acesso a um levantamento estatístico dos
avanços, retrocessos, lucros e prejuízos, de sorte que fazer um balanço sobre estes seis
anos das missões torna-se um grande desafio para pesquisadores e interessados no
assunto. Yolanda D’Elia e Luiz Francisco Cabezas, em artigo publicado em 2008,
partindo de dados oferecidos pelo governo em meios de comunicação, das agências
informativas do governo e também dos estudos levados a cabo por alguns centros
acadêmicos e de investigação, como o Datanalisis, apresentam-nos algumas
estimativas.
Segundo os autores, as missões Barrio Adentro e MERCAL foram as que
obtiveram o maior alcance territorial e populacional de todas as demais. O governo
afirma que ambas têm uma cobertura de 60 a 70% da população. Contudo, tal
37
perspectiva é contraposta pela Datanalisis que indica que a primeira pode ter chegado a
30% da população e a segunda, a 53% até final de 2006.
No âmbito das missões educativas, é importante dizer que, em 28 de outubro de
2005, a Venezuela foi declarada “Território Livre do Analfabetismo” pela ONU para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Trata-se do segundo país latino-americano
que goza desta condição privilegiada, depois de Cuba. Foram graduados
aproximadamente 1.5 milhões de pessoas nesse ano, destas, 600 mil prosseguiram para
a missão Robinson II e, cerca de 50% se graduaram em 2007.
As Misiones Ribas e Sucre encontraram maiores dificuldades em suas execuções
uma vez que representa, na prática, a elevação de toda uma infra-estrutura paralela a
existente. Em números, segundo D’Elia e Cabezas, significa “triplicar el esfuerzo de
inversión en infraestructura y profesionalización hecha en el país por años” (D’ELIA &
CABEZAS, 2008: 9). Ainda assim, agências informativas do governo, confirmadas pela
Datanalis, indicam que cerca de 2.7 milhões de pessoas foram beneficiadas pelo
programa, cerca de 10% da população, sobretudo de idade adulta.
Apesar dos índices aparentemente positivos, o que percebemos também é que, a
partir de 2005, o rendimento das missões começou a cair. A expansão sucessiva e a
ausência de uma regulamentação mais sólida em termos de funcionamento, fiscalização
e investimento geraram sérios problemas de gestão, infraestrutura 15 e prestação de
serviços 16. Pela mesma razão, a corrupção acabou se tornando um dos maiores
obstáculos para governo seguir adiante com o processo.
Apesar dos limites e dificuldades, é válido destacar que as Misiones Sociales são
um projeto social voltado fundamentalmente para as classes populares e baseado numa
prerrogativa de poder popular. Falamos em poder popular na medida em que a ação
protagônica e organizada da população é pressuposto fundamental para viabilização do
projeto nos barrios 17.
Por outro lado, não podemos deixar de reconhecer o inegável o caráter político-
ideológico subjacente ao projeto. Segundo D’Elia e Cabezas,
“las misiones pasaron de constittuirse en un dispositivo para enfrentar adversidades políticas y económicas a un mecanismo de control
15 Muitas missões são construídas em locais improvisados que comprometem o seu propósito. 16 A maior parte dos serviços prestados no interior das missões não são regulamentados e dependem da ação de voluntários que ou não recebem nada ou recebem uma bolsa irrisória. 17 Barrios, na Venezuela, são o equivalente às comunidades populares ou às favelas, como são conhecidas aqui no Brasil.
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institucional, político y social para avanzar en los propósitos de la revolución. Este cambio marcó un salto cuantitativo y cualitativo de las misiones, pasando de estrategias de atención inmediata por medios no presupuestarios o extrapresupuestarios, a estrategias para la instalación y entrega de servicios dentro de um sistema de atención paralelo. Los propósitos de la revolución le dan a las misiones un carácter fundamentalmente ideológico que por esencia encuentra obstáculos en una actividad de naturaleza pública y un sistema de democracia abierta . Dentro del sistema paralelo, es posible evitar el diálogo y los conflictos con sectores que diferen del mandato ideológico y son posibles transacciones con los usuarios en las cuales la entrega de beneficios depende de la adhesión al mandato y no de un derecho que pertenece por ley a las personas” (D’ELIA & CABEZAS, 2008: 14).
Portanto, como podemos perceber na argumentação dos autores, a roupagem
ideológica que envolve as Misiones Sociales é um obstáculo para o aprofundamento e
para a própria institucionalização do projeto. Para ambos, é fundamental que este
componente político-ideológico seja abandonado para que as Misiones se constituam
efetivamente como uma alternativa de política social.
De nossa parte, acreditamos que tal reivindicação perde de vista a inerente relação
das Misiones com o projeto bolivariano, defendido por Chávez, nos marcos do chamado
“socialismo do século XXI”. Justamente por ter o objetivo de superar o status de
política assistencialista e focalizada, as missões dificilmente perderão o caráter
ideológico. Trata-se, como já mencionamos, de uma política social claramente dirigida
aos estratos mais pobres da sociedade venezuelana e, ao mesmo tempo, inseridas no
bojo de um projeto de transformação social. Talvez, o grande desafio para o governo e
para o futuro das Misiones resida não necessariamente em abrir mão da ideologia, mas
sim, na forma pela qual será possível articulá-la com o restante da sociedade, sem
perder de vista o pressuposto democrático.
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Conclusão – Reforma ou Revolução?
Quando falamos sobre a Revolução Bolivariana e o governo de Hugo Chávez,
estamos falando de um governo que, desde que foi eleito, em 1998, vem sendo
submetido a uma série de provas de legitimidade entre referendos e plebiscitos, que
conseguiu sobreviver ao golpe civil-militar em 2002 e aos Paros Nacionales e que
permanecerá no poder de maneira democrática até, pelo menos, 2013. Ou seja, tomando
por base o ano de 1998, quando se inicia, trata-se já de 10 anos de um processo que não
podem ser explicados apenas pelas vontades de um presidente. A derrota do último
referendo que propunha uma Reforma Constitucional 18 para o país não necessariamente
representa uma derrota da Revolução Bolivariana como um todo. Ao contrário,
demonstra que o processo não está restrito às vontades e desmandos de uma única
liderança política, por importante que seja seu papel. Demonstra que existe um corpo
político e crítico na sociedade que quer fazer avançar o projeto, mas não
necessariamente da maneira como Chávez o propõe.
O que podemos concluir parcialmente desse quadro histórico geral é que, apesar
de haver muitas continuidades com relação às experiências passadas 19, o impacto das
reformas sociais e o caráter referendário do processo permitiram que outras vozes
pudessem se colocar perante todas essas mudanças e, com isso, indicar caminhos
inusitados para o futuro do país.
As reformas que vêm sendo engendradas em Nuestra América, sobretudo no que
concerne à Venezuela ou mesmo à Bolívia, com Evo Morales e ao Equador, com Rafael
Correa, ainda que possam não ser consideradas instrumentos adequados para a
construção do socialismo, ou de qualquer outro sistema não-capitalista, podem, dentro
de certos limites, avançar nesta direção, levando-se em consideração que quem dita seus
rumos, são os movimentos sociais nos quais esses processos se sustentam. Estamos,
18 Em 2007, o presidente Chávez propôs uma reforma constitucional, aprovada na Assembléia Nacional , que tinha por objetivo aprofundar as reformas na Venezuela prevendo, entre outras coisas, a institucionalização de outros tipos de propriedade, para além da propriedade privada – como as propriedades comunales, por exemplo -, o fim da autonomia do Banco Central, a proibição dos latifúndios e monopólios, a criação dos conselhos comunais – instância de poder popular -, a redução da jornada de trabalho para 6h, a extensão da seguridade social aos trabalhadores informais e a autonomia das universidades. Contudo, alguns pontos polêmicos da reforma, como os referentes às reeleições consecutivas, à concentração de super-poderes nas mãos do presidente da república incluindo o direito de decretar estado de exceção sem necessitar da aprovação do Superior Tribunal de Justiça, entre outros, contribuíram para que o projeto fosse derrotado no referendo ao qual foi submetido. 19 Temos em vista, em particular, a personalização do processo e a centralização do Estado, como o promotor das mudanças, para mencionar aspectos mais relevantes.
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assim, de acordo com Atílio Boron, quando sustenta que não necessariamente existe
uma descontinuidade entre reforma e revolução, ao contrário.
“Estas (as revoluções) não nascem como tais, mas vão se
definindo na medida em que a luta de classes desatada pela dinâmica dos processos de transformação radicaliza posições, supera velhos equilíbrios e redefine novos horizontes para as iniciativas das forças contestadoras” (BORON, consultado em 18/07/2006).
A proposta neoliberal e o aparato democrático burguês esgotam-se em muitos
sentidos. Através de uma análise das últimas eleições na América Latina, podemos
perceber um avanço expressivo de forças políticas auto-intituladas de “centro-esquerda”
ou “progressistas”. Ainda que, em muitos casos, uma vez eleitos, como Lula, Vasquez e
Kirchner, tenham se mantido moderados em seus programas, suas candidaturas foram
construídas em torno de uma alternativa ao modelo que imperou na década de 90 no
continente, ou então, nos casos em que, mesmo não sendo eleitos, conseguiram um
amplo apoio popular como no caso do Peru e do México (MARINGONI, consultado em
02/07/2006). Só o fato de 16 governos eleitos terem sido derrubados ou obrigados a
renunciar na América Latina, nos últimos 18 anos, não por golpes militares, mas sim,
por pressões populares, dá conta das dificuldades da agenda neoliberal entre nós 20. Na
medida em que a miséria, a corrupção e a exploração vão assumindo gradativamente
maiores proporções, são abertas margens para o surgimento ou expansão de protestos e
movimentos populares que contestam esta hegemonia, dos quais são exemplos o
movimento indígena no Equador; os piqueteiros na Argentina ou os zapatistas de
Chiapas.
Nesse sentido, Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa hoje, são apenas a
ponta de um iceberg.
20 O primeiro foi Raúl Alfonsin, em 1989, na Argentina. A ele seguiram-se vários outros, como Collor de Mello no Brasil; Jamil Mahuad, Abdala Bucaram e Lúcio Gutiérrez, no Equador; Fujimori, no Peru; Alfredo Stroessner, no Paraguai; Fernando de La Rua, novamente na Argentina; Gonzalo de Lozada e Carlos Mesa, na Bolívia.
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“A Revolução Não Será Televisionada”. Direção: Kim Bartley e Donnacha
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