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31 Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 31-38, jan./abr. 2012 Mitos e verdades sobre a conservação do solo no Rio Grande do Sul * STRECK, Edemar Valdir 1 INTRODUÇÃO Desde que se iniciou a derrubada das matas e viradas dos campos nativos para os cultivos, preocupações começaram a surgir quanto às perdas por erosão e da fertilidade dos solos. Nos últimos 60 anos, a Emater/RS-Ascar, desde a sua fundação, sempre desenvolveu projetos e ações e participou dos programas de uso e manejo e conservação dos solos, de forma integrada com as entidades de pesqui- sa, empresas públicas e privadas, tendo como objetivo transferir e difundir a tecnologia aos agricultores para manter nossos solos produ- tivos. No primeiro planejamento do Programa Cooperativo da Extensão Rural (Ascar, 1956), consta que não seria concebível a existência de um plano de soerguimento da agricultura nacional, orientado na elevação do índice da produtividade agrícola, em que não constas- se uma ação especial que colocasse em des- taque a recuperação da fertilidade do solo, * Doutor em Ciência do Solo pela UFRGS, Assistente Técnico Estadual em Solos da Emater/RS-Ascar, E-mail: [email protected]. bastante empobrecida, já naquela época, por uma exploração predatória, completamente divorciada do interesse e do bem-estar cole- tivo, permitindo que a erosão completasse a obra destruidora do homem e transformas- se áreas férteis em desertos irrecuperáveis. Naquele período, o potencial produtivo dos campos (Latossolos), recobertos pela barba de bode, era totalmente desconhecido. Por isso, ocorria a exploração das áreas férteis cober- tas por matas e havia a preocupação quanto à exploração irracional das riquezas naturais, permitindo que o machado campeasse livre- mente, destruindo o pouco que ainda restava das matas e que não satisfazia às exigências mínimas da civilização, quando deveriam, ao contrário, ser conservadas. Naquela época já existia uma preocupação sobre as práticas de uso, manejo e conservação do solo mal con- duzidas como, por exemplo, as arações, as aberturas de sulcos, os plantios e as capinas eram realizados acompanhando o declive. E a monocultura era executada com a queima dos restos culturais que favoreciam a erosão do terreno. Diante da realidade do ano de 1956, pergunta-se por que o produtor realizava o

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31Agroecologia e Desenv. Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 5, n. 1, p. 31-38, jan./abr. 2012

Mitos e verdades sobre a conservação do solo no Rio Grande do Sul

* STRECK, Edemar Valdir

1 INTRODUÇÃODesde que se iniciou a derrubada das matas

e viradas dos campos nativos para os cultivos, preocupações começaram a surgir quanto às perdas por erosão e da fertilidade dos solos. Nos últimos 60 anos, a Emater/RS-Ascar, desde a sua fundação, sempre desenvolveu projetos e ações e participou dos programas de uso e manejo e conservação dos solos, de forma integrada com as entidades de pesqui-sa, empresas públicas e privadas, tendo como objetivo transferir e difundir a tecnologia aos agricultores para manter nossos solos produ-tivos. No primeiro planejamento do Programa Cooperativo da Extensão Rural (Ascar, 1956), consta que não seria concebível a existência de um plano de soerguimento da agricultura nacional, orientado na elevação do índice da produtividade agrícola, em que não constas-se uma ação especial que colocasse em des-taque a recuperação da fertilidade do solo, * Doutor em Ciência do Solo pela UFRGS, Assistente

Técnico Estadual em Solos da Emater/RS-Ascar, E-mail: [email protected].

bastante empobrecida, já naquela época, por uma exploração predatória, completamente divorciada do interesse e do bem-estar cole-tivo, permitindo que a erosão completasse a obra destruidora do homem e transformas-se áreas férteis em desertos irrecuperáveis. Naquele período, o potencial produtivo dos campos (Latossolos), recobertos pela barba de bode, era totalmente desconhecido. Por isso, ocorria a exploração das áreas férteis cober-tas por matas e havia a preocupação quanto à exploração irracional das riquezas naturais, permitindo que o machado campeasse livre-mente, destruindo o pouco que ainda restava das matas e que não satisfazia às exigências mínimas da civilização, quando deveriam, ao contrário, ser conservadas. Naquela época já existia uma preocupação sobre as práticas de uso, manejo e conservação do solo mal con-duzidas como, por exemplo, as arações, as aberturas de sulcos, os plantios e as capinas eram realizados acompanhando o declive. E a monocultura era executada com a queima dos restos culturais que favoreciam a erosão do terreno. Diante da realidade do ano de 1956, pergunta-se por que o produtor realizava o

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cultivo no sentido do declive? Para facilitar as operações e o seu trabalho? Facilitar o escoa-mento das águas? Mas, enfim, o que mudou atualmente de lá para cá? Pelo que vemos, mudou o sistema de semeadura, que saiu do plantio convencional para o plantio direto, graças ao desenvolvimento de máquinas que permitem realizar a semeadura na palha. Porém, no restante, continuamos semeando, plantando e abrindo sulcos, só que de menor tamanho, da mesma forma como em 1956. Pergunta-se, ainda, será que obtivemos um retrocesso na adoção das práticas conserva-cionistas, principalmente em relação à seme-adura no sentido transversal ao declive?

De modo geral, todos os programas de con-servação de solos desenvolvidos até o presen-te momento trouxeram resultados positivos principalmente em relação ao aumento da produtividade e à redução das perdas de solo por erosão. A elevação da produtividade de-ve-se a uma série de fatores como o uso de corretivos e fertilizantes e o melhoramento genético das culturas, mas também ocorreu em razão da melhoria do sistema de manejo do solo, através da semeadura direta, a qual permite manter o solo coberto pelos resídu-os culturais, fator principal na dissipação da energia da chuva para reduzir as perdas por erosão. Porém, desenvolve-se uma agricultu-ra contraditória aos princípios conservacio-nistas em que predomina a monocultura, a ausência de rotação de culturas e as práticas mecânicas de controle de erosão e semeadura no sentido do declive, resultando em uma es-trutura de solo de baixa qualidade e perdas de muita água e nutrientes.

Verifica-se que, nos últimos anos, obteve-se uma evolução na conservação do solo graças aos programas e às ações desenvolvidas pelas entidades públicas e privadas e pelos agricul-tores. Cada programa era desenvolvido em ra-zão dos problemas existentes e tinha objetivos e metas a serem alcançados. E a adoção das práticas conservacionistas pelos agricultores ocorria de acordo com o tipo de equipamentos existentes nas propriedades e no mercado. Por isso, é importante trazer ao conhecimento, de

forma resumida, os programas de uso, mane-jo e conservação realizados do Rio Grande do Sul, bem como dos seus objetivos, benefícios e análise crítica da situação atual na qual se en-contram atualmente nossos solos, sob o ponto de vista de manejo e conservação.

2 A CONTRIBUIÇÃO DOS PROGRAMAS DE USO, MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLONa década de 1950 até o início dos anos

1970, grande parte dos solos da região do Pla-nalto era improdutiva, com solos ácidos e de baixa fertilidade. Para dar um crescimento vertical na agricultura e na pecuária do Rio Grande do Sul, foi desenvolvido, nesse perío-do, um Plano Estadual de Melhoramento do Solo. O projeto teve a integração do Ministé-rio da Agricultura, Secretaria da Agricultu-ra, Faculdade de Agronomia e Veterinária da UFRGS, Ascar, Banco do Brasil e prefeituras municipais, que tinham como objetivo prin-cipal realizar investimentos na correção e no melhoramento da fertilidade (Mielniczuck et al., 2003). Nesse período, houve expansão da monocultura trigo/soja, com preparo no sis-tema convencional, com grande mobilização do solo, queima dos resíduos, resultando na degradação da estrutura, compactação abai-xo da camada arável e grandes perdas de solo por erosão. Segundo Olinger (2007), as primeiras atividades em conservação do solo baseavam-se nos métodos clássicos dissemi-nados pelas escolas de ciências agrárias em que a ênfase recaía sobre a construção de ter-raços, cordões em contorno, canais escoadou-ros e métodos vegetativos. Talvez tenha sido por isso que a semeadura e os tratos culturais passaram obrigatoriamente a ser realizados no sentido transversal ao declive. Nesse pe-ríodo, também não existiam semeadoras que permitissem realizar a semeadura com palha, resultando na queima dos resíduos culturais, em um solo descoberto no momento do plantio e com um processo de erosão intenso quando ocorriam chuvas erosivas, resultando na for-mação de sulcos e ravinas durante o preparo e/ou após a semeadura, necessitando, muitas

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vezes, o replantio, vindo a causar preju-ízo aos agricultores.

Devido à gravidade da ocorrência de erosão na região do Planalto, no final da década de 1970 e início da década de 1980, houve uma mobilização das instituições a nível estadual e nacional, no sentido de desenvolver ações para reduzir as perdas de solo por erosão, criando-se o Programa Integrado de Conservação do Solo (PIUCS), evolven-do instituições públicas, universidades, assistência técnica e extensão rural, co-operativas e agentes financeiros no sentido de que as ações de manejo e conservação do solo não ficassem somente restritas ao terracea-mento (Mielniczuck et al., 2003). Subsolado-res foram fabricados para a descompactação e redução do preparo do solo. Semeadoras fo-ram melhoradas para permitir o plantio com resíduos culturais semi ou totalmente incor-porados ao solo. Adaptações em semeadoras também foram realizadas para permitir a re-alização do plantio direto. Grupos de produto-res (clubes amigos da terra) importaram algu-mas semeadoras para a realização do plantio direto, sendo que não prosperaram por serem muito caras, não foram fabricadas para as nossas condições de solo e clima e exigiam tra-tores de grande potência para a tração. A im-plantação do sistema de plantio direto (SPD) também não evoluiu naquele período porque era de custo muito elevado e as empresas fa-bricantes de semeadoras não tinham a tecno-logia capaz de produzir equipamento eficiente e de pequeno porte para a realização do plan-tio direto. Mesmo assim, o programa trouxe benefícios como a eliminação da queima da palha, redução no preparo e redução parcial da erosão. Por outro lado, os solos estavam desestruturados por cultivos anteriores e o processo de erosão continuava, porém, com menor intensidade do que em anos anteriores. Além disso, havia o problema da conservação das estradas, que eram utilizadas como canais para escoamento da água das lavouras, geran-do problema na sua conservação para as pre-feituras municipais.

Em razão disso, a extensão rural no Rio Grande do Sul e em outros Estados, junta-mente com o setor público estadual, desen-volveu o Programa Integrado de Manejo e Conservação do Solo e da Água, em defesa do meio ambiente, com ênfase na conservação do solo e da água, utilizando a microbacia hidro-gráfica como unidade de planejamento (Ema-ter/RS, 1982; Emater/RS, 1987).

O Programa Integrado de Manejo e Conser-vação do Solo e da Água tinha claras definições de objetivos, estratégias de ação, metodologia, tecnologias e metas. O objetivo principal era desenvolver um conjunto de práticas conser-vacionistas, abrangendo a correção do solo, o terraceamento em nível, o uso de plantas recuperadoras, o plantio direto, a contenção das enxurradas das lavouras e estradas, o re-florestamento e o manejo dos dejetos, visando à redução da erosão hídrica e à melhoria da qualidade da água dos mananciais hídricos. Devido à importância do trabalho, na década de 1980, criou-se o Programa Nacional de Ba-cias Hidrográficas. O Programa previa a ins-talação de uma microbacia-piloto em cada Es-tado da Federação (Wildner & Freitas, 1999). O programa proporcionava pequenos incenti-vos financeiros para a implantação de algu-mas práticas de conservação do solo e compra de equipamentos comunitários, mas fracas-sou por falta de recursos. Devido às dificul-dades na obtenção de recursos, foram criados Programas Estaduais de Bacias Hidrográ-ficas em vários Estados, e, especificamente no Rio Grande do Sul, pode ser citado o Pró-

Ocorrência de erosão do solo no sistema de preparo convencional.

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-Guaíba (1994-2005), com recursos do banco mundial (Emater, 1994). As principais linhas de ação eram para aumentar a cobertura do solo, controlar o escoamento superficial, usar o solo de acordo com sua aptidão agrícola, re-cuperar fontes de água, incentivar a agricul-tura ecológica, proteger o meio ambiente e au-mentar a produtividade agrícola. O programa teve incentivos com financiamentos para fe-chamento de voçorocas, construção de cordões de pedra e cordões vegetados, melhorias das estradas, construção de terraços e murundus em nível para captação de água das estradas, aquisição de máquinas e equipamentos. As ações para o controle das enxurradas resul-tavam em uma intensa mobilização do solo e custo elevado. E o espaçamento entre os ter-raços sempre foi dimensionado para o siste-ma de preparo convencional, pois, na época, era o sistema predominante. No caso da mi-gração para o SPD, haveria a necessidade de aumentar o espaçamento, retirando-se um a cada dois ou três terraços.

A difusão do sistema de plantio direto teve início com os Clubes Amigos da Terra, for-mados por agricultores e empresas comer-ciais que tinham como objetivo expandir o plantio direto, como sendo uma alternativa para o controle da erosão. Os Clubes Amigos da Terra foram fundados a partir de 1982, tendo crescimento a partir de 1992, espa-lhando-se por todo o Estado com o apoio da Fundacep e ICI, patrocinando todas as ações iniciais, com objetivo de realizar trocas de experiência entre produtores e “conscien-tizar sobre a importância ambiental” (Clu-bes Amigos da Terra, 1994). A participação das empresas privadas, já naquela época, resumia-se em vendas de insumos agrícolas e, até o presente momento, não desenvolve-ram métodos alternativos para substituição dos herbicidas para o controle de invasoras. Além das questões do controle das invaso-ras, as semeadoras eram ineficientes para a realização da semeadura direta. Adaptações eram realizadas e a técnica de semeadura era muito desconhecida. Para tanto, encontros foram realizados no Estado do Rio Grande

do Sul, iniciando-se pelo Estado do Paraná e posteriormente espalhando-se pelo território nacional, envolvendo técnicos da pesquisa, cooperativas e extensão. Segundo os idea-lizadores dos Clubes Amigos da Terra, en-tendia-se que os resultados das adaptações e “de pesquisa” poderiam ser demonstrados diretamente nas propriedades e difundidos nos encontros (Trecenti, 2003). E foi em um desses encontros que Martin (1985), por ob-servações empíricas, disseminou a percepção de que o SPD constituía prática conserva-cionista suficiente para controlar integral-mente as enxurradas e a erosão hídrica. Em decorrência disso, o terraceamento passou a ser considerado desnecessário e indiscrimi-nadamente desfeito, levando ao abandono da semeadura em contorno e à adoção da semeadura paralela ao maior comprimento da gleba, independentemente do sentido do declive (Denardin, et. Al., 2008). Esse princí-pio conflitou com os objetivos propostos pelo Programa de Microbacias da década de 1990, principalmente com relação ao controle das enxurradas. O plantio direto inicialmente não expandiu por haver desconhecimento por parte dos produtores e técnicos de cam-po sobre a tecnologia do sistema. Para tan-to, nesse período foi criado o projeto Metas, pela Embrapa-CNPT, envolvendo técnicos da extensão e cooperativas, o qual teve como objetivo difundir o SPD no Planalto do Rio Grande do Sul e remover todos os entraves relacionados à mecanização e ao controle de ervas daninhas (Denardin, 1997). A par-tir daí, teve-se uma evolução do SPD no Rio Grande do Sul, porém, disseminando-se um sistema de monocultura e contra os princí-pios conservacionistas propostos pelos Pro-gramas de Bacias Hidrográficas, com um crescimento acelerado da retirada parcial ou integral dos terraços das lavouras, supondo empiricamente que o problema da erosão estaria solucionado pelo plantio direto (Ca-viglione et.al., 2010). Além disso, veio a re-sultar em um crescimento desregrado no uso de dessecantes, aplicados superficialmente ao solo e sem contenção das enxurradas, per-

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mitindo que eles sejam facilmente transpor-tados pela água da chuva até os mananciais hídricos e poluindo o meio ambiente.

3 A SITUAÇÃO ATUAL DA CONSERVAÇÃO DO SOLO NO RIO GRANDE DO SULTodos os programas de uso, manejo e con-

servação do solo desenvolvidos no Estado do Rio Grande do Sul, assim como em outros Es-tados, trouxeram benefícios para a conserva-ção dos recursos naturais. Olinger (2006) tem comentado que os resultados que se tem colhi-do não são aqueles esperados pelos programas de desenvolvimento e por toda a sociedade. A forte razão é que os agricultores tendem a adotar práticas que diminuam o esforço físico e o trabalho e que tornem a vida menos dura, embora, às vezes, tais práticas concorram para a produção de grandes danos à natureza, naturalmente indesejáveis pelos cientistas, pelos técnicos e por toda a sociedade. Exemplo disso é o abandono da manutenção e constru-ção de terraços, construção de cordões de pe-dra e vegetados, cultivo em contorno, uso de máquinas inapropriadas, uso desregrado de agrotóxicos e fertilizantes químicos, devasta-ção florestal das nascentes e outras atividades ecologicamente erradas.

O abandono da manutenção e da construção dos terraços talvez tenha sido muito mais pela facilidade do trabalho do que por outros motivos. Os agricultores, em um primeiro mo-mento, antes da retirada dos terra-ços, realizaram a semeadura direta sem manutenção durante dois ou três anos, deixando baixá-los naturalmen-te, e outros os retiravam desde o iní-cio da implantação do SPD. Empiri-camente, observavam que a erosão no plantio direto era muito menor do que no sistema convencional, mesmo sem rotação de culturas e baixa cobertu-ra do solo. Tal observação tem indu-zido, erroneamente, os produtores a eliminarem, das áreas de cultivo, os terraços e as outras práticas conser-

vacionistas de suporte como a semeadura em contorno (Cogo et al., 2007; Denardin et al., 2008; Silva et al. 2011). Além dos terraços, taipas de pedra foram desmanchadas e as pe-dras expostas sobre a superfície do solo foram e continuam sendo enterradas para tornar as áreas mecanizáveis e implantar SPD. Essas áreas normalmente são compostas por solos rasos, com baixa capacidade de armazena-mento de água, chegando a déficits hídricos em períodos curtos de estiagem, tendo baixa aptidão agrícola para culturas anuais.

De um modo geral, o SPD reduz as perdas de solo e água em 84 e 58,7%, quando tiver um bom sistema de rotação de culturas e com boa produção de palha (Bertol et al., 2007). E ainda é mais eficiente se a semeadura for re-alizada em contorno, pois o resultado de pes-quisa mais recente mostra que a semeadura em contorno no SPD reduz em 74% e 26% as perdas de solo e água em relação à semeadu-ra no sentido do declive (Cogo et al., 2007). Assim, Caviglione et al. (2010) explicam que há uma percepção equivocada dos produtores e da assistência técnica de que a remoção de terraços no SPD não compromete a erosão. Os pesquisadores demonstraram, nos seus estu-dos de simulação de perdas de solo, em uma bacia hidrográfica do Estado do Paraná, que a

Lavoura de soja cultivada no sentido do declive e com transporte de solo na linha e de resíduos culturais nas entrelinhas por erosão.

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retirada de um para cada dois terraços ou na sua íntegra no SPD comprometeu o sistema, obtendo perdas de solo acima de 26 ton/ha ano, em eventos de chuvas de alta intensida-de. A partir desse estudo, recomendam que os terraços devem ser mantidos no SPD. É nes-se sentido que Denardin et al. (2008) alertam que o transporte das partículas de solo, dos corretivos, dos fertilizantes, dos agrotóxicos, do material orgânico e da água ocorre para fora da lavoura quando não tiver uma barrei-ra física capaz de conter as enxurradas, po-dendo ocasionar poluição dos mananciais de superfície, redução do volume de água no solo, redução do tempo de concentração de bacias hidrográficas e redução de recargas de aquífe-ros subterrâneos. Além disso, a baixa produ-ção de resíduos culturais, aliada à semeadura no sentido do declive, facilita o transporte do solo mobilizado pelas hastes sulcadoras das semeadoras, dos fertilizantes aplicados na linha de semeadura e dos resíduos culturais depositados entre as linhas, acentuando ain-da mais as perdas. Como dito anteriormente, as perdas podem ser minimizadas quando a semeadura ocorre transversalmente ao decli-ve. Nesse caso, as plantas ou a soqueira atu-am como âncora aos resíduos, evitando que eles sejam transportados pela água da chuva.

Atualmente, grande parte dos solos cultiva-dos sob plantio direto no Estado do Rio Gran-de do Sul está adensada, principalmente pela baixa produção de resíduos culturais, degra-dação da estrutura e tráfego de máquinas, di-minuindo os rendimentos. Amado et al (2007) e Giardello (2010), avaliando a resistência de penetração do solo em relação ao rendimento das culturas, observaram baixos rendimen-tos nas lavouras em que há uma degradação da estrutura do solo, causados pelos efeitos de um maior tráfego de máquinas, principal-mente nas bordaduras das lavouras. Outros resultados de pesquisa mostram que a quali-dade do solo e os rendimentos são sempre me-nores em áreas de baixa produção de resíduos culturais, devido ao aumento da densidade, à redução da matéria orgânica, da fertilidade, e da estabilidade e ao tamanho dos agregados

(Lovato et al. 2004; Vezzani & Mielniczuk, 2011; Conte et al. 2011;).

Em anos com déficit hídrico acentuado, como na safra 2011/2012, a produção dos resí-duos culturais nas lavouras é baixa, podendo agravar ainda mais a qualidade da estrutura do solo nos próximos anos em todas as áreas de SPD, principalmente nas áreas mal mane-jadas, reduzindo mais ainda a infiltração e o armazenamento de água e aumentando mais as perdas de água, solo e nutrientes.

A degradação da estrutura dos nossos solos sob SPD deve-se à predominância da monocultura, com sucessões de cultivos de soja/trigo, soja/aveia, soja/pousio (aveia ou azevém nativo) e pouca rotação de cultura, como, por exemplo, o milho no verão ou outra cultura de inverno, resultando em uma bai-xa produção de resíduos culturais. É nesse sistema que predomina a aplicação superfi-cial de corretivos e fertilizantes preconiza-dos pela agricultura de precisão. Achamos que a agricultura de precisão é extrema-mente importante para otimizar os recursos,

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incrementar rendimentos e racionalizar o uso de insumos. Porém, sob ponto de vista ambiental, a aplicação dos insumos na su-perfície não é tecnicamente recomendável, pois os corretivos sempre ficam expostos so-bre a superfície do solo e estão prontamente disponíveis para o transporte pela água da chuva até os mananciais hídricos de superfí-cie, causando a contaminação e o desenvolvi-mento do processo de eutrofização da água.

É por essa razão que necessitamos reali-zar práticas mecânicas e complementares para a contenção das enxurradas como, por exemplo, a construção de terraços em nível e o cultivo transversal ao declive e, além disso, desenvolver um sistema de cultivo que redu-za o uso de agrotóxicos e aumente a produ-ção de resíduos culturais, em que a rotação de culturas é extremamente importante e que vem sendo recomendada desde a déca-da 1950. Nesse processo de rotação, é impor-tante que se utilizem plantas recuperado-ras de solo e realizem três cultivos no ano, como, por exemplo, cultivar nabo forrageiro ou aveia no inverno e, na primavera e no ve-rão, o milho e a soja, respectivamente. Nesse caso, a cultura do milho é indispensável para a realização do sistema, principalmente para aumentar a produção de resíduos culturais. É assim que se deseja que os nossos solos se-jam cultivados para garantir a conservação dos recursos naturais e a sustentabilidade para as futuras gerações. Porém, para isso, também é necessário que se estabeleça uma política agrícola que incentive os agriculto-res a adotar as tecnologias conservacionistas como, por exemplo, a cobrança de taxas de seguro ou de juros mais baixos no custeio de lavouras para aqueles agricultores que ado-tam as tecnologias de acordo com os princí-pios conservacionistas e de preservação am-biental, além de taxas mais elevadas para aqueles que não seguem esses princípios. Isso resultará em uma economia dos custos e investimentos em irrigação nas áreas bem manejadas e diminuirá a indenização de la-vouras, como no caso do seguro agrícola (Pro-agro), naquelas mal manejadas, pois os re-

Cultivo em nível com terraços, rotação de culturas e três cultivos no ano. (Foto EM de Dr. Maurício Cardoso)

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sultados da colheita no ano agrícola 2011/12 vêm apontando que as perdas de produtivi-dade podem ser reduzidas de 30 a 50% nas lavouras de alta tecnologia, em que o manejo

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