mitos eslavos e lituanos

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MITOS ESLAVOS E LITUANOS Os eslavos ofereciam a esses ídolos de madeira tosca que, segundo as suas crenças, encarnavam as suas míticas deidades, sacrifícios cruentos de animais; mas também mantinham ativo um ritual selvagem que consista em justiçar, para maior glória dos seus rústicos deuses, todos aqueles que capturavam como prisioneiros nos campos de batalha. Tudo o qual os diferencia de outros povos europeus cuja civilização não dava margem a semelhantes barbaridades. Esta etnia dispersa pela Europa estava composta por diversos grupos que tinham em comum a sua própria barbaridade, materializada nas contínuas lutas que mantinham entre eles. Durante o período medieval, as contínuas incursões de povos germanos pelo ocidente, de guerreiros tártaros pelo oriente e de otomanos pelo sul, fizeram os eslavos aferrarem-se ainda mais a um gênero de vida patriarcal e tribal, rejeitando qualquer classe de relação, pelo qual os germanos chamaram-nos "slav", conceito que derivou no termo "escravo". Realmente eram escravos dos seus próprios costumes carregados de ignorância, quase sem ordem nem coesão social. Praticavam, além disso, o enterro ou a cremação dos seus cadáveres e instavam-se as mulheres dos mortos a perecerem queimadas na mesma fogueira que os seus defuntos esposos, com o que aquelas quase não tinham tempo de estrear a sua viuvez. Se organizavam jogos e banquetes durante o tempo que duravam os funerais e não importava que a comida fosse abundante, dado que existia a crença de que os próprios cadáveres comeriam as sobras. UNIDOS POR UMA MESMA LÍNGUA Os eslavos encontram-se tão diversificados, do ponto de vista étnico, que é necessário achar um único critério para a sua classificação; e, pelo mesmo motivo, todos os pesquisadores coincidem em afirmar que unicamente a língua cumpre o requisito de universalidade. Todos os povos eslavos (os eslavos bálticos, os do norte, os orientais ou balcânicos, isto é, russos, ucranianos e russos brancos, os eslavos ocidentais, isto é, checos, eslovacos, polacos, etc., os eslavos meridionais, ou seja, sérvios, croatas, búlgaros...) pertencem a uma mesma família lingüística que, por sua vez, compõe uma das mais numerosas comunidades dentro do grupo de línguas indo-européias. A origem dos eslavos não está muito clara, embora se aceite habitualmente que provêem da zona ocidental russa e que foram estendendo-se imediatamente e delimitando uns territórios que ficavam sob a sua influência. Por exemplo, os eslavos foram assentando-se na Ucrânia, Polônia e Rússia branca. Historiadores como Plínio e Tácito nos dão testemunho da existência de eslavos nas zonas que citamos. Devido ao seu primitivismo e ao seu paganismo, alguns evangelizadores cristãos falavam

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MITOS ESLAVOS E LITUANOS

Os eslavos ofereciam a esses ídolos de madeira tosca que, segundoas suas crenças, encarnavam as suas míticas deidades, sacrifícioscruentos de animais; mas também mantinham ativo um ritualselvagem que consista em justiçar, para maior glória dos seusrústicos deuses, todos aqueles que capturavam como prisioneirosnos campos de batalha. Tudo o qual os diferencia de outros povoseuropeus cuja civilização não dava margem a semelhantesbarbaridades. Esta etnia dispersa pela Europa estava composta pordiversos grupos que só tinham em comum a sua própriabarbaridade, materializada nas contínuas lutas que mantinhamentre eles.

Durante o período medieval, as contínuas incursões de povos germanospelo ocidente, de guerreiros tártaros pelo oriente e de otomanos pelo sul,fizeram os eslavos aferrarem-se ainda mais a um gênero de vida patriarcale tribal, rejeitando qualquer classe de relação, pelo qual os germanoschamaram-nos "slav", conceito que derivou no termo "escravo". Realmenteeram escravos dos seus próprios costumes carregados de ignorância, quasesem ordem nem coesão social.

Praticavam, além disso, o enterro ou a cremação dos seus cadáveres einstavam-se as mulheres dos mortos a perecerem queimadas na mesmafogueira que os seus defuntos esposos, com o que aquelas quase nãotinham tempo de estrear a sua viuvez. Se organizavam jogos e banquetesdurante o tempo que duravam os funerais e não importava que a comidafosse abundante, dado que existia a crença de que os próprios cadáverescomeriam as sobras.

UNIDOS POR UMA MESMA LÍNGUA

Os eslavos encontram-se tão diversificados, do ponto de vista étnico, que énecessário achar um único critério para a sua classificação; e, pelo mesmomotivo, todos os pesquisadores coincidem em afirmar que unicamente alíngua cumpre o requisito de universalidade. Todos os povos eslavos (oseslavos bálticos, os do norte, os orientais ou balcânicos, isto é, russos,ucranianos e russos brancos, os eslavos ocidentais, isto é, checos,eslovacos, polacos, etc., os eslavos meridionais, ou seja, sérvios, croatas,búlgaros...) pertencem a uma mesma família lingüística que, por sua vez,compõe uma das mais numerosas comunidades dentro do grupo de línguasindo-européias.

A origem dos eslavos não está muito clara, embora se aceite habitualmenteque provêem da zona ocidental russa e que foram estendendo-seimediatamente e delimitando uns territórios que ficavam sob a suainfluência. Por exemplo, os eslavos foram assentando-se na Ucrânia,Polônia e Rússia branca. Historiadores como Plínio e Tácito nos dãotestemunho da existência de eslavos nas zonas que citamos. Devido ao seuprimitivismo e ao seu paganismo, alguns evangelizadores cristãos falavam

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deles num tom de desprezo e colocavam-nos como uma "das raçashumanas mais vis e repugnantes". Tal julgamento, vertido por umqualificado apóstolo que viveu no século VII (dC), parece que, pelo menos,não está de acordo com os princípios que o cristianismo defende,especialmente com o conceito de pessoa humana. Também algunsnarradores gregos da época clássica nos falam dos povos eslavos; etambém geógrafos árabes e astrônomos de fama, como é o caso dePtolomeu, aludem a este povo numeroso e excessivamente tribal.

ANCESTRAL GUERREIRO

Embora seja freqüente achar opiniões acerca da organização dos eslavos,que negam a estes qualquer tipo de ligação social e, pelo mesmo motivo,não lhes seja reconhece abertura alguma para com outros povos vizinhos,com o qual se ressentiriam as suas crenças míticas e as suas pautas rituais,a verdade é que os eslavos mantiveram vínculos com outros povos da suamesma área de influência. Isto é demonstrado ao conhecer a marca míticae legendária que impregnava quase toda a obra deste legendária povo,Além disso, muitas das suas personificações, superstições e práticasmágicas, são muito similares às dos povos vizinhos.

Portanto, podemos afirmar que os eslavos mantinham certa vinculação comos povos germanos e também se relacionavam com os hunos e os turcos.Daí que muitas das lendas de todos estes povos, de forte origem guerreira,tenham em comum precisamente esse aspecto bruto, ou despiedado, queemana das suas deidades e heróis. Embora, por outro lado, também osdeuses da mitologia clássica, isto é, de Grécia e Roma, sejam cruéis eduros, pois com freqüência infringiam terríveis castigos à população, depois,isto de apresentar as diversas deidades, e os diferentes heróis, plenos decrueldade em muitos casos, é uma constante na história das diferentesraças e etnias. Talvez se deva ao costume dos seres humanos -tão antigocomo eles mesmos- de atribuir aos seres superiores as qualidades que osmortais desejam, e os defeitos que desprezam; o que se conhece, emdefinitiva, com o nome de antropomorfismo.

NÃO TÃO DESORDENADOS

Em certas ocasiões, os historiadores, como os estudiosos do rito e do mito,se limitam a seguir e aceitar as teses e opiniões dos seus antecessores, semter comprovado antes por si próprios os dados e provas que se aportamnuma determinada pesquisa, com o qual nunca conseguiriam certosassertos que, a médio prazo, se revelaram espúrios e, pelo mesmo motivo,carentes de qualquer objetividade. Tal aconteceu com os povos eslavos, dosquais sempre se disse que careciam da menor sensibilidade pela ordemsocial, quando a verdade é que talvez sucedesse o contrário.

E, assim, os povos eslavos organizavam-se em clãs e grupos e constituíam-se em federações para, seguidamente, formar as diferentes tribos queocupariam grandes extensões de terreno, necessário para o cultivo deforma Conjunta. Isto constituirá o suporte de míticas lendas sobre odenominado espírito do grão. E, assim, quando os eslavos iam à ceifa,existia o costume de pôr uma alcunha a quem atasse o último feixe. Este,

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por fim, recebia o nome de "a baba" (termo que significa "a velha"), porquese supunha que nele se encontrava sentada uma velha bruxa -à qual seatribuía certo poder maléfico- que trará inúmeras desgraças a quem seatrevesse a retirar essa última molhada que servia de fofo assento a tãosingular personagem. Se correspondesse a uma mulher apanhar a últimamolhada, poderia sobrevir-lhe, dentro desse mesmo ano, um imprevistosério como, por exemplo, ficar grávida.

NÃO SÓ POVOS GUERREIROS

É certo que os eslavos terminaram por converter-se numa grande potênciaguerreira, em parte porque tinham que defender-se das contínuas espreitasdos seus inimigos e, em parte, porque o seu sistema social, de fortetradição patriarcal e, de resto muito peculiar, não permitia a formação degrupos numerosos. O que talvez atomizasse excessivamente a populaçãotribal mas, por outro lado, assegurava uma autonomia aos diferentes clãs etribos que conduzia, sem dúvida, à constituição de uma espécie dediversidade dentro da unidade que, pelo mesmo motivo, resultava muitoprática em qualquer momento.

Os eslavos não só viviam da agricultura mas também praticavam a caça e apesca, além de serem experientes apicultores e ganadeiros. E aqui estará abase de uma lenda eslava referida à proteção das reses pelas árvores e pelavegetação. Como entre os romanos, se tornava necessário expulsar o VelhoMarte, no princípio do ano, o que simbolizava a expulsão da destruição e damorte, os eslavos faziam algo similar com os espíritos do bosque; julgavamnecessário que só as árvores (entre as quais consideravam mais sagradas aazinheira e a nogueira) protegeriam com a sua espessa copa todo o seugado. Pelo mesmo motivo, deviam expulsar a morte daqueles bosques, aqual se materializava no deus da vegetação; embora também existisseoutra interpretação que explicava que todo o ritual consistia, afinal, emcomemorar a chegada de um ano novo, para o qual era necessário afastar oano velho para terras longínquas e, se possível, povoadas por etniasinimigas.

A ALBA DO MITO ESLAVO

Posto que os germanos terminaram por colonizar toda a ribeira do Danúbioe se estenderam para o este do maciço alpino, embora pressionados pordiversas hordas e tribos que provinham do oriente e que necessitaram deemigrar para outras zonas mais baixas, aconteceu que os povos eslavosficaram divididos em duas partes: a ocidental e a meridional. Por isto não sepode generalizar ao falar dos mitos e lendas eslavas, nem uniformizar aidiossincrasia própria destes povos.

A verdade é que, ao princípio, os eslavos se assentaram na zona este do rioElba e, pelo mesmo motivo, os seus incipientes mitos guardam relação como espaço imenso, e cheio de luz, com os extensos bosques e a apertadavegetação, com as fontes, rios e torrentes, com as montanhas e as nuvens...

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Quase todos os mitos eslavos se resolvem em forma de pares de contráriose, assim, o primeiro que representaram e deificaram foi a luz e a sombra,donde sairão o deus branco e o deus preto. O primeiro deles será benéfico eprotegerá os campos e as colheitas; também guiará todos aqueles que seentrem no bosque -sempre que não tenham cortado nenhuma árvore, dadoque o espírito do arbóreo perseguirá para sempre o lenhador e lhe infringirádesgraça sem fim; e é que os eslavos, como os germanos e outros povos daantiga Europa, tinham um conceito animista da natureza e, por isso,pensavam que as árvores, por exemplo, sofriam se eram cortadas. Alémdisso, estavam consideradas como sagradas e intocáveis.

DEIDADE BRANCA. DEIDADE DA LUZ

O deus preto, em compensação, é uma deidade que mora nas trevas -algosimilar ao deus grego Hades, considerado como o soberano dos escurosabismos subterrâneos- e, portanto, é considerado maligno e perigoso. Noentanto, é necessário saber que está aí dado que, segundo os bruxos ouadivinhos -a missão destes, entre os eslavos, era similar à dos sacerdotesgregos e romanos, e à dos druidas celtas e galos-, há um deus em cima eoutro em baixo. O mais essencial dos assertos herméticos -que entre osalquimistas adquire especial importância no momento de descobrir aproporção exata das suas misturas com distintos metais- vem dizer algomuito parecido, a saber: que o que está em cima é como o que está embaixo, ou fora é a mesma coisa que dentro.

As preces mais simples dos eslavos se dirigem ao deus branco, que habitano céu e nos oferece a luz. Daqui que, na cosmologia destes povos, se dêtanta importância ao Sol, considerado como a luminária por excelência,graças à qual nunca triunfam as trevas nem o frio. Além disso, o Sol será apersonificação de um deus justiceiro, que castigará os maus e, pelocontrário, premiará os que tenham seguido uma conduta exemplar. A açãovirtuosa, portanto, tem preferência dentro da sociedade eslava sobre aconduta pícara e interessada, o que parece indicar a existência de aresmíticos que caracterizarão os herdeiros daquela etnia eslava tribal.

DEUS SOL

Esse deus Sol receberá o nome de "Dazbag" ou "Dajbog" e será relacionadocom a outra luminária, isto é, com a Lua. Terão, segundo a mitologiaeslava, até descendentes, que serão as estrelas.

O deus branco, ou bondoso, enviava as fadas que moravam nas nuvens,nos montes e nos bosques. Eram as "Wilas" que tinham poderes paraordenar aos rios que abandonassem o seu leito e se transbordassem;também tinham a capacidade de produzir tempestades e, se lho ordenasseo espírito dos bosques, dos rios ou das montanhas, não permitiam quenenhum viajante transitasse por esses lugares.

Também adoravam "Vorusú" ou "Volosse", que consideravam protetor dosseus rebanhos e gados. Celebravam a chegada da primavera com oferendasao deus "Yarovit" ou "Yarilo", que tinham por uma deidade que fazia chegar

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aos campos a força para que fertilizasse frutos e cereais; era o deus daprimavera.

Quando os eslavos se reuniam para comemorar certas efemérides,brindavam e bebiam de um mesmo copo, enquanto evocavam o nome dasduas deidades essenciais, pois assim o prescreviam os seus bruxos e osseus ritos; isto é, chamavam o deus branco e o deus preto, ou o deusbenéfico e o deus maléfico, pois, caso contrário, não se cumprirá nenhumdos desejos exprimidos em semelhantes rituais. O medo aos fenômenosnaturais, como furacões, tempestades, dilúvios, terremotos, etc., fez comque os eslavos criassem os seus próprios deuses e heróis.

LENDAS ESLAVAS

Numerosas histórias, superstições, lendas, ritos e magia, marcam aatividade mitológica dos povos eslavos. À parte de adorar as fontes, asárvores, as diferentes ninfas que povoavam a natureza e que cativavamcom o seu baile e a sua beleza os viandantes que atravessavam os bosquesou que paravam para beber a água fresca de um manancial, os eslavostinham outras divindades, que cumpriam a mesma função que asdenominadas "divindades maiores" no mundo clássico. Já citamos o seudeus supremo Perunú, considerado como dono e senhor das tempestades eda chuva e que tinha por atributo o raio. Numerosos ídolos de madeirarepresentavam tão poderosa deidade. Em ocasiões eram efígiestetramorfas, com quatro rostos, quatro pescoços ou quatro cabeças; nassuas mãos levavam armas poderosas e outros utensílios, tais como cornos,que lhes serviam para saciar a sua sede e para provar o vinho que osbruxos, ou sacerdotes, tinham que oferecer-lhes uma vez por ano, para oqual organizavam uma espécie de rito iniciático, denominado rito do vinho.

Entre os germanos assentados nas margens do mar Báltico, essa divindadetetramorfa de quatro cabeças era invocada com o nome de "svitovit" e,cada uma das cabeças que aparecia representada em ídolos ou figuraslavradas, apontava na direção de outros tantos pontos cardeais.

Em ocasiões, os ídolos tinham, além das quatro caras aludidas, uma quintano peito e, junto deles, aparecia uma sela de montar e uma brida quepertenciam ao corcel branco da deidade.

SIMBOLISMO DO CAVALO

O anterior nos leva a considerar que, como os celtas e os galos, que tinhamo cavalo como um animal sagrado e existia a prescrição de não comer a suacarne, os eslavos também apreciavam o cavalo até ao ponto de deificá-lo.E, assim, um dos seus deuses superiores era o deus-cavalo "Svantovit", queprotegia os guerreiros nas batalhas. Também se lhe atribuía aparticularidade de conhecer o porvir e, nesse sentido, existiam uma espéciede rituais pré-bélicos, nos quais se sacrifica um animal para que, nos seussopros e bufidos, seja interpretado pelos bruxos tudo o que sucederia nabatalha que se ia livrar. Em certo modo, esta espécie de magia não resolviaclaramente as questões colocadas, senão que qualquer resposta dada nas

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condições apontadas resultava, pelo menos, ambígua; era similar ao queacontecia com os oráculos gregos.

A verdade é que, entre os eslavos, o cavalo encerrava uma grandesignificação mítica e este animal aparecia com freqüência relacionado comas respostas dos oráculos, e com todas as classes de agoiros, dos quais eramuito amante o povo eslavo.

Sempre estavam considerados os cavalos como animais sagrados, querespondiam aos seus peticionários com frases carregadas de significaçãoemblemática e simbólica, as quais deviam ser exclusivamente decifradas,depois de emitidas, pelos bruxos ou sacerdotes das diferentes tribos ougrupos.

LENDA DO FOGO

Como outros muitos povos de ascendência tribal, os eslavos tambémadoravam o fogo e tinham um deus do fogo que denominavam "Svarogich".Em torno dele circulavam numerosas lendas, transmitidas de viva voz ezelosamente guardadas e memorizadas pelos mais anciãos das diversastribos. Existia a proibição de falar alto quando o fogo crepitava; todos osjovens eram instruídos a esse respeito para que guardassem silêncioenquanto o fogo estava vivo. Também não devia realizar-se nenhum tipo depromessas ou juramentos enquanto o fogo estivesse vivo e crepitante. Tudoisto formava parte de um ritual do fogo que, ainda na atualidade, - talvezcom algumas variantes - permanece em muitos lugares da Europa.

Alguns estudiosos dos ritos e costumes dos povos eslavos, por exemplo oprestigioso investigador Frazer, nos descrevem a importância simbólica,mítica e emblemática que, para determinadas tribos eslavas, têm o fogo eos seus resíduos. Assim, em "A Rama Dourada" podemos ler o seguinte:"Os Huzules, povo eslavo dos Cárpatos, acendem o fogo por fricção demadeira na véspera de Natal (cômputo antigo, cinco de Janeiro) e mantêm-no ardendo até à noite duodécima.

É verdadeiramente notável quão corrente parece ter sido a crença de que,se se guardam os restos das cavacas da Páscoa durante todo o ano, terãopoder para proteger a casa contra incêndios e especialmente contra osdeslumbramentos e cintilações. (. .. .) Que as virtudes curativas efertilizantes atribuídas às cinzas das cavacas de Páscoa, que se pensa quesaram tanto o gado como as pessoas, que habilita as vacas para terembezerros e que promove a fertilidade da terra, possam derivar-se ou não damesma fonte antiga, é uma questão que merece ser considerada".

LENDA DA VIDA

No entanto, entre os eslavos eram muito freqüentes as histórias quenarravam fatos nos quais a vida aparecia como algo externo ao seuusufruidor, como algo que se podia esconder entre os elementos danatureza.

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Existe, a esse respeito, uma história russa que narra os amores de umajovem e bela princesa com um belo efebo que se apaixonou por ela assimque a viu. Conta o relato que a rapariga se encontrava prisioneira nocastelo dourado de um bruxo que se chamava Koshchei (nome que significa"ossudo", "delgado") o Imortal, quando passou por aquelas distantesparagens um príncipe muito jovem e muito valente. Este descobriu, de umadas taipas que delimitavam aquela estranha e refulgente mansão, castelode ouro, uma donzela solitária que passeava, com semblante pesaroso,pelos longos corredores de um artístico jardim. Era tal a sua beleza que ojovem príncipe se apaixonou por ela imediatamente e, cheio de energia,saltou para o interior do recinto e, assim que a princesa lhe relatou a suainfelicidade, o jovem propôs à donzela fugir com ele. Para isso, antes tinhaque desfazer-se do poderoso Koshchei, pelo que a infeliz princesa inventouum plano tendente a conhecer o lugar onde o bruxo escondia a sua vida. Demaneira cândida e meiga, a jovem princesa perguntou ao seu imortalanfitrião qual era o lugar onde escondia o seu coração ou a sua vida. E éque o bruxo tinha-lhe dito que ele nunca morreria porque não tinhacoração, senão que o tinha escondido num longínquo lugar que ninguémconhecia.

UM COFRE DE FERRO DEBAIXO DE UM CARVALHO VERDE

O relato explica que o bruxo não confiava em ninguém, assim que disse àjovem que o seu coração se encontrava na vassoura que havia numa dassalas. A princesa foi correndo até o lugar indicado, pegou na vassoura e ajogou ao fogo, esperou que terminasse de arder e viu-a reduzida a cinzas.Mas o bruxo não morreu, o qual significava que lhe tinha mentido. De novopediu-lhe, a aduladora e meiga princesa, que lhe revelasse o lugar ondeescondia o seu coração e o bruxo voltou a mentir. Explicou à princesa quetinha guardada a sua morte, ou o seu coração, no interior de um verme quese encontrava nas raízes de um velho carvalho que se erguia no jardim. Aprincesa contou tudo imediatamente ao seu jovem apaixonado e, este,depois de achar o verme, esmagou-o; mas o bruxo Imortal continuava vivo,o que indicava que tinha enganado outra vez da princesa.

Por fim, a infeliz donzela criou coragem e voltou ao lugar onde seencontrava Koshchei; ao mesmo tempo que o enchia de carícias e ternuras,voltou a perguntar-lhe pelo lugar onde escondia o seu coração ou a suamorte, não sem antes o recriminar por ter desconfiado do seu amor e pormentir-lhe. O bruxo sentiu-se, desta vez, culpado pelas suas atuações paracom a jovem princesa que estava ao seu lado e que lhe dava mostras deamor e, sem pensar duas vezes, revelou o verdadeiro lugar onde escondia oseu coração, ou a sua morte.

AMORES QUE MATAM

O pormenor com que o bruxo Koshchei, lisonjeado e animado pelas fingidascarícias da princesa (de resto, apaixonada por um jovem príncipe), descreveo lugar onde se encontra escondida a sua morte é plasmado por Frazer em"A Rama Dourada" com toda a simplicidade e a força que a circunstânciarequer. Diz-nos Frazer que, desta vez, o bruxo, vencido pelos carinhos dadonzela, abriu o seu coração e disse-lhe a verdade. "A minha morte, disse

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ele, está longe daqui e é difícil de encontrar no vasto oceano. Neste mar háuma ilha, e na ilha cresce um carvalho verde, e debaixo do carvalho há umcofre de ferro, e dentro do cofre há uma cestinha, e na cestinha uma lebre,e na lebre há um pato, e o pato tem um ovo; o que encontre o ovo e oparta, matar-me-á a mim no mesmo instante". O príncipe, naturalmente,consegue o ovo fatal e, com ele nas mãos, enfrenta o imortal bruxo. Omonstro quer matá-lo, mas o príncipe começa a apertar o ovo, com o quebruxo, encolhido pela dor, se vira para a falaz princesa, que está rindosatisfeita. "Não era uma prova de amor para ti, recriminou, que te dissesseonde estava a minha morte? É esta a maneira que tens de pagar-me?".Dizendo isto requereu a sua espada, que estava dependurada na parede,mas antes de ter tempo de alcançá-la, o príncipe esmagou com firmeza oovo e o bruxo imortal encontrou a sua morte naquele instante.

O PALÁCIO DO SOL

Não se esgota com o dito a mitologia eslava com respeito à importância quepara eles tem a luz, o fogo, o lume e o próprio astro rei.

Por exemplo, quando se acendia o fogo que ardia nas lareiras, todos deviampermanecer em silêncio, especialmente os mais jovens da casa, para quefossem aprendendo os diferentes rituais da sua tribo. A mitologia em queaparecia envolvido o Sol era muito ampla entre os eslavos, para quem estaluminária tinha a sua morada num longínquo lugar do oriente, queconsideravam o país da abundância. O Sol habitava num palácio refulgente,todo de ouro e, quando se dispunha a percorrer o espaço, fazia-o numacarruagem brilhante, puxada por doze cavalos brancos que tinham as suascrinas douradas. Tudo isto parece muito a descrição que a mitologia clássicafazia do Sol e, como Faetonte era um filho do Sol entre os gregos, sucede amesma coisa com os eslavos. A mitologia destes últimos contempla o Solcomo a personificação de um belo jovem que se senta num trono de ouro e,a seu lado, aparecem duas belas jovens que são as suas filhas: a Aurora damanhã e a Aurora da Tarde.

Os eslavos chamavam "Zorias" às filhas do Sol e consideravam-nasservidoras do seu pai, mas também deidades. Zoria, ou Aurora da manhã,tinha a função de abrir a porta do reluzente palácio para que saísse o seupai, o Sol, enquanto a Zoria, ou Aurora da Tarde, correspondia fechá-lapara que o seu pai se recolhesse.

A MÃE TERRA

Como os gregos, os eslavos também concediam grande importância àTerra, que divinizavam e consideravam mãe universal. O culto à Terra,como mãe universal que encerrava nas suas entranhas toda a energiasuficiente para fazer fertilizar as plantas e as colheitas, estava bastanteestendido entre os povos estepários, embora se saiba muito pouco sobreisso. Por exemplo, alguns camponeses russos mantêm o costume ancestralde furar o chão para conhecer se a sua colheita vai ser boa, má ou regular.Põem um ouvido no buraco que fizeram no chão e ouvem; se o som queouvem é semelhante ao de um trenó que arrasta a sua carga pela neve, éseguro que haverá boa colheita. Se, pelo contrário, o som se assemelha ao

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de um trenó que não leva carga, é seguro que a colheita será muito má. Poroutro lado, nunca se a devia enganar a Terra -pois para isso era a mãeuniversal, que procurava o necessário para as diversas criaturas- e oseslavos invocavam-na com freqüência, embora muito especialmente pararesolver as suas diferenças com respeito à posse, e ao desfrute, da mesma.O ritual exigia que quem dissesse o juramento devia pôr um punhado deterra em cima da sua cabeça e, deste modo, o juramento se convertia emalgo sagrado e durável.

Os eslavos também tinham deuses domésticos, como os lares romanos, edenominavam-nos, sobretudo na Rússia, os avôs da casa. Existia a crençade que durante dia se escondiam atrás da lareira e, à noite, saíam paracomer as viandas que os donos da casa lhes tinham preparado.

POVOS DA ESTEPE

Muitas outras tribos nômades, que provêem do Extremo Oriente, dosconfins do mar Amarelo, vêm configurar-se na zona setentrional da Eurásia.Primeiro vivem do pastoreio e da criação de gado, por isso necessitam deassentar-se em lugares muito extensos e com muita vegetação. Tambémdesenvolvem as suas crenças a partir do temor que lhes impõem osfenômenos naturais, e unificam o seu trabalho de forma dissuasória paraenfrentar a depredação e o roubo. A sua origem étnica é muito diferente,pelo qual é preferível denominá-los genericamente povos da estepe e o seupragmatismo era a sua principal característica. Por isso, todas as tribosaceitavam a chefia e se organizavam de forma férrea e sólida, tanto nopolítico como no social. Os seus assentamentos deviam realizar-se emespaços abertos e extensos; cada horda tinham plena autonomia e os seusguerreiros gozavam de igualdade de direitos e obrigações. A comandartodos eles encontrava-se o príncipe ou chefe ("Kan") que exercia a suaautoridade a partir do seu conhecimento e da relação com as armas deferro. O ofício de ferreiro era um dos mais estimados, pois se pensava que,quem era capaz de dominar o ferro com o fogo, é porque conhecia segredosque os próprios deuses lhe tinham confiado. Por isso os chefes eram,freqüentemente, identificados com a divindade. Por exemplo, um dosdirigentes mais célebres, como era o caso de Gengis, estava consideradocomo o enviado dos deuses, e o seu poder duraria depois da sua morte.Uma das hordas mais sanguinárias foi a dos hunos, que tiveram por chefe oferoz Átila, que conseguiu invadir o ocidente e saqueou numerosaspopulações galas; também devassou cidades como Pádua e Milão.

Estes povos da estepe tinham grande fé na magia que os "Feiticeiros" (osseus sacerdotes) sabiam utilizar em momentos críticos. Os "Feiticeiros"também afirmavam que o cosmos estava povoado por gênios de naturezaambivalente: e, assim, havia bons e espíritos maus. Qualquer pessoa acolhedentro de si própria ambos os espíritos, e sucede a mesma coisa no cosmose na natureza. Os espíritos que habitam no ar são benéficos; os quehabitam na terra, maléficos. Por isso é muito importante contentar estesúltimos. O firmamento era o lugar onde se achavam as divindades e,também, as nuvens que enviavam a chuva necessária para que houvessepasto para os animais.