moda, teatro e nacionalismo nas crÔnicas da...
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MARCELLA DOS SANTOS ABREU
MODA, TEATRO E NACIONALISMO NAS CRÔNICAS DA REVISTA POPULAR (1859-1862)
Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do título de Mestre em Teoria e História Literária (Área de concentração: Literatura Brasileira).
Orientador: Dr. Luiz Carlos da Silva DantasCo-orientador: Dr. Jefferson Cano
CAMPINAS
2008
i
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do IEL - Unicamp
Ab86m
Abreu, Marcella dos Santos.Moda, teatro e nacionalismo nas crônicas da Revista Popular
(1859-1862) / Marcella dos Santos Abreu. -- Campinas, SP : [s.n.], 2008.
Orientador : Luiz Carlos da Silva Dantas.Co-orientador : Jefferson Cano.Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Estudos da Linguagem.
1. Rosário, Carlos José do. 2. Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882. 3. Revista Popular (Revista). 4. Romantismo. 5. Crônicas brasileiras - História e crítica. I. Dantas, Luiz Carlos da Silva. II. Cano, Jefferson. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. IV. Título.
oe/iel
Título em inglês: Fashion, theater and nacionalism in Revista Popular’s chronicles (1859-1862).
Palavras-chaves em inglês (Keywords): Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romanticism; Brazilian chronicles.
Área de concentração: Literatura Brasileira.
Titulação: Mestre em Teoria e História Literária.
Banca examinadora: Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas (orientador), Prof. Dr. Jefferson Cano (co-orientador), Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu e Profa. Dra. Maria Lídia Lichtscheidl Maretti.
Data da defesa: 29/02/2008.
Programa de Pós-Graduação: Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária.
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iii
Dedico este trabalho ao meu
companheiro, José Augusto, pela
paciência, cumplicidade e alegria
compartilhadas durante a nossa caça
aos colibris da imprensa brasileira
oitocentista.
Aos meus pais, Eunice e Moacir, pela
confiança e apoio, e a minha irmã,
Alessandra, pela sugestão de textos e
consultoria de moda gentilmente
prestada a esta pesquisadora que, não
por acaso, parece ter se identificado
com o cronista démodé da Revista
Popular.
iv
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela Bolsa concedida para a concretização do trabalho
realizado durante mais uma etapa de minha formação acadêmica;
Aos professores
Luiz Carlos da Silva Dantas, pela acolhida e pelos preciosos encontros
de orientação;
Vera Chalmers e Jefferson Cano, pela participação durante o exame de
qualificação, bem como pela partilha da tarefa de co-orientadores nos últimos
meses do Mestrado;
Maria Lídia Lichtscheidl Maretti, pelas valiosas contribuições durante a
qualificação e argüição desta Dissertação, bem como pela confiança e
conhecimentos partilhados desde 2004;
Márcia Abreu, por aceitar com alegria o convite para emitir durante a
defesa seus pareceres tão aguardados nos últimos dois anos de nossa pesquisa;
Luiz Roberto Velloso Cairo, por sempre estar atento às descobertas e
às frustrações decorrentes da caça aos colibris oitocentistas, tarefa que
encetamos juntos no período de Iniciação Científica realizado na Unesp, Câmpus
de Assis;
Aos funcionários
da Biblioteca “Acácio José Santa Rosa” e do Cedap, ambos localizados
na Faculdade de Ciências e Letras de Assis, pela atenção e apoio à pesquisa
iniciada naquela instituição, em 2003;
do AEL, pelo atendimento e pela dedicação à conservação do material
disponível aos pesquisadores de fontes primárias;
Aos meus amigos, colegas e familiares, todos companheiros do
“circuito” Campinas, Louveira, São Paulo e Assis, que me acolheram e me
acompanharam durante tantas viagens, sobretudo nesta, a mais longa, realizada
pelas quinzenas fluminenses de 1859 a 1862.
v
Le feuilletoniste: il vit sur les feuilles comme
un ver à soie, tout en s’inquiétant, comme
cet insect, de tout ce qui file. Les
feuilletonistes, quoi qu’ils disent, mènent
une vie joyeuse, ils règnent sur les
théâtres ; ils sont choyés, carressés !
..................................................................
Le Mondain: celui-là marche avec son
siècle, tout en s’étonnant de l’allure des
choses. (...) Ce savant de l’ Empire avoue
ingénument être d’un autre âge (...). Enfin,
ce vieux critique (...) a de vieux amis et des
vieilles amies. Il représente admirablement
ce qu’on nommait autrefois un littérateur.
Balzac, Les Journalistes.
vi
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar a produção de Carlos,
possivelmente Carlos José do Rosário (1824-1855), e d’O Velho, pseudônimo de
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), publicada na seção “Crônica da
Quinzena” da Revista Popular (1859-1862), a precursora do Jornal das Famílias
(1863-1878) e, ambos, periódicos do empresário francês Baptiste Louis Garnier
(1823-1844). Devido à multiplicidade de assuntos apreendidos durante a leitura e
a síntese das noventa e três crônicas da série que constitui o objeto deste estudo,
foram eleitos, para efeitos de análise, dois temas suscitadores de comentários a
respeito do desejo de afirmação da nacionalidade das manifestações artísticas e
sociais fluminenses de meados do século XIX. Por isso, as discussões
apresentadas acerca do corpus limitam-se à retórica do primeiro colaborador
referente à moda estrangeira no Brasil e ao discurso do segundo cronista sobre o
desenvolvimento do teatro nacional no oitocentos. Tais eixos temáticos parecem
pertinentes para sustentar a hipótese de que emanam da colaboração daqueles
escritores idéias nacionalistas, ora veladas pela exaltação irônica à moda
francesa, ora manifestas pela defesa aos textos e aos atores da cena lírica e
dramática brasileira. As sínteses do material resgatado e as gravuras
microfilmadas durante a pesquisa foram anexadas a esta Dissertação, pois, além
de auxiliarem a delimitação das análises realizadas, podem ser disponibilizadas
aos demais pesquisadores como sistematização de importante fonte para o estudo
dos aspectos culturais do Brasil Monárquico e, ainda, para a investigação sobre a
consolidação entre nós do gênero ao qual pertencem os textos coletados – a
Crônica.
Palavras-chave: Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romantismo; Crônicas brasileiras.
vii
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the productions by Carlos, possibly
Carlos José do Rosário (1824-1855), and by O Velho, pseudonym of Joaquim
Manuel de Macedo (1820-1882), published under the section “Crônica da
Quinzena” of Revista Popular (1859-1862), which has been the precursor to Jornal
das Famílias (1863-1878). Both periodicals belonged to the French impresario
Baptiste Louis Garnier (1823-1844). Due to the multiplicity of subjects noticed
during the reading and the summarization of the ninety-three chronicles of the
series which constitutes the theme of the present study, for analytical purposes,
two main themes have been selected. The choice of these was grounded in the
fact that both of them engender critical commentaries on the urge for affirmation of
the nationalism in artistic and social manifestations from mid-nineteenth century
Rio de Janeiro. Thus, the discussions presented about the corpus are confined to
the first contributor’s rhetoric concerning the foreign fashion in Brazil and the
second columnist’s discourse on the development of the national dramatic art in
the 1800s. Such themes appear to be pertinent enough to support the hypothesis
that nationalistic ideas are likely to have emanated from these writers, sometimes
veiled by the ironical exaltation of the French fashion, sometimes manifested
through the defense of the texts and participants in Brazilian literary life. The
summaries of the retrieved material and the graphic depictions microfilmed during
the research have been attached to this Dissertation as, besides having aided to
delimit the analyses which were carried out, they can also be made available for
other researchers as the systematization of a source of paramount importance to
the study of the cultural aspects of Brazil when under monarchical rule. Moreover,
they contribute to the investigation on the consolidation in Brazilian writing context
of the genre to which all the collected texts belong – the Chronicles.
Key words: Rosário, Carlos José do; Macedo, Joaquim Manuel de, 1820-1882; Revista Popular (Revista); Romanticism; Brazilian chronicles.
viii
Lista de Figuras
Figura 1 Gravura de modas de Jules David 13Figura 2 Capa da Revista Popular 14Figura 3 Chateaubriand 15Figura 4 Casas recomendáveis 16Figura 5 Eugénie 38Figura 6 Gravura de modas de janeiro de 1860 43Figura 7 Gravura de modas de maio de 1860 47Figura 8 Gravura de modas de julho de 1860 52Figura 9 Gravura de modas de maio de 1859 56Figura 10 Triângulo 1: desejo mimético girardiano................................................59Figura 11 Triângulo 2: desejo segundo o Outro em Emma Bovary 60Figura 12 Gravura de modas de outubro de 1859 62Figura 13 Triângulo 3: desejo mimético nas crônicas da R. P. 63Figura 14 Tabela de contratos e recibos de Garnier a Macedo 79
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A. L. – Arquivo literário
C. Q. – “Crônica da Quinzena”
J. C. – Jornal do Comércio
R. P. – Revista Popular
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO IA REVISTA POPULAR (1859-1862) E A SEÇÃO “CRÔNICA DA QUINZENA”
1. 1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores 111. 2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris) 26
CAPÍTULO IIPAQUETES, MODAS E SALÕES
2.1 A produção de Carlos, o “mancebo elegante” 372.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena” 412.1.2 O desejo mimético e as crônicas de Carlos 58
CAPÍTULO IIIPAQUETES, PEÇAS E SALAS
3.1 O Velho cronista fluminense pelos novos artistas nacionais 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS 101
BIBLIOGRAFIA 103
ANEXOS 109
xi
INTRODUÇÃO
O resgate de textos publicados em periódicos brasileiros dos séculos
XIX e XX tem ocupado inúmeros pesquisadores de Literatura, de História e de
Comunicação Social em nossas Universidades. Há grupos de pesquisa dedicados
a esse tipo de investigação, bem como congressos que promovem a divulgação
de trabalhos com fontes primárias em todas as regiões do país.
Este estudo é resultado de leituras e de reflexões realizadas junto a um
daqueles grupos de pesquisa, intitulado “Memória e Representação Literária”, da
Faculdade de Ciências e Letras de Assis – Unesp. Tal participação ocorreu
durante o período de Iniciação Científica, com a continuidade do projeto “A crítica
romântica literária brasileira: Revista Popular (1859-1862)”, iniciado por Carlos
Augusto de Melo1. De janeiro a julho de 2004, sob a orientação do Prof. Dr. Luiz
Roberto Velloso Cairo e com o auxílio financeiro do CNPq (PIBIC/ Unesp), foi
possível concluir o levantamento dos textos da seção “Crônica da Quinzena”,
publicada entre 1859 e 1862 naquela Revista, bem como identificar o eixo das
discussões propostas quinzenalmente por seus colaboradores: os aspectos da
vida social e cultural da corte brasileira em meados do século XIX.
Com o intuito de investigar tais aspectos, analisar a presença francesa
na coluna e organizar a antologia das crônicas a partir da transcrição, da
atualização ortográfica e da indexação do material coletado, solicitamos à
FAPESP uma bolsa de Iniciação Científica, com a apresentação do Projeto “As
crônicas da quinzena da Revista Popular (1859-1862): o confronto das idéias
nacionalistas e as influências francesas no século XIX”. As atividades propostas a
essa agência de fomento foram desenvolvidas entre agosto de 2004 e dezembro
de 2005.
A continuidade da pesquisa ocorreu durante o Mestrado realizado junto
ao Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp2, e tem como resultado a 1 Mestre em Teoria e História Literária pela Unicamp em 2005.2 A pesquisa contou, nesse momento, com o financiamento da CAPES e a orientação do Prof. Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas.
1
presente Dissertação, cuja proposta é apresentar e analisar aspectos da produção
de Carlos, possivelmente Carlos José do Rosário (1824-1885), e d’O Velho,
pseudônimo de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), na seção “Crônica da
Quinzena” da Revista Popular: noticiosa, científica, industrial, histórica, literária,
artística, biográfica, anedótica, musical, etc. Devido à multiplicidade de assuntos
apreendidos durante a leitura e síntese das noventa e três crônicas dessa série,
elegemos, para efeitos de análise, dois assuntos dentre tantos que nos pareceram
suscitadores de comentários concernentes à expressão do desejo de afirmação da
nacionalidade das manifestações artísticas e sociais brasileiras, anseio próprio
daqueles cronistas enquanto intelectuais românticos. Tendo ainda em vista que
cada escritor defendeu a seu modo tais ideais na coluna, limitamos nossas
discussões aos temas que, ao nosso ver, caracterizaram o discurso, o estilo e a
pauta dos textos produzidos nas duas fases da seção. Assim, do primeiro
colaborador destacamos a sua crítica velada à soberania da moda estrangeira no
Brasil e, do segundo, as suas reflexões sobre o desenvolvimento do teatro
nacional no oitocentos.
Julgamos essa escolha metodológica adequada, pois há publicações
recentes sobre fontes primárias que aproveitam do material coletado os aspectos
pertinentes para suas reflexões, sem que tal procedimento implique em descartar
todo o trabalho de coleta e síntese realizado a priori. Consideramos que, além dos
resultados obtidos com a delimitação dos eixos temáticos aqui discutidos, a
apresentação dos resumos das crônicas da Revista Popular pode viabilizar outras
pesquisas sobre o corpus resgatado. Assim também procedeu Antônio Dimas
(2006), ao organizar a antologia que reúne os textos da atividade jornalística de
Olavo Bilac, publicados entre 1890 e 1910 em periódicos paulistas e cariocas:
Hesitante ainda quanto ao rumo da pesquisa, decidimos que convinha, ao menos, um sumário de cada crônica para que se não perdessem elas na memória. Mais tarde determinadas as escolhas, que se orientaram por um relativo interesse documental ainda contemporâneo, firmamos a decisão de não expurgar esses
2
sumários (...), porque acreditamos que, mais que as crônicas escolhidas para a extensa antologia, parceria destes ensaios, podem elas testemunhar a favor da multiplicidade de interesses do cronista ou provocar novas investigações. (DIMAS, 2006, p. 25)
A confissão do pesquisador acerca da hesitação diante da sua
empreitada é reveladora da dificuldade experimentada por todos os que apostam
na pesquisa sobre o gênero textual híbrido do qual faz parte o objeto de nossas
investigações. Conosco não poderia, portanto, ser diferente. Embora tivéssemos
idealizado inicialmente percorrer todos os assuntos abordados na coluna “Crônica
da Quinzena”, verificamos que o recorte para a análise do corpus se fazia
necessário, pois, além de não dispormos de tempo para a realização de tal tarefa
durante o Mestrado, julgamos que a maior contribuição deste trabalho seria
revelar a existência da série resgatada. Dessa forma, as discussões apresentadas
são escolhas dentre tantas outras possivelmente eficazes para sustentar a
hipótese de que emanam do discurso de nossos cronistas idéias nacionalistas, ora
ocultas sob a exaltação irônica à moda francesa, ora manifestas pela defesa aos
textos e aos atores da cena lírica e dramática do Brasil Monárquico.
Antes, porém, de apresentar como procederemos às análises que
compõem a estrutura desta Dissertação, é preciso ressaltar a importância do
veículo no qual fora publicado o corpus coletado, valor constatado desde o nosso
primeiro contato com o periódico, cujo longo subtítulo nos pareceu sintomático da
diversidade de temas explorados por seus colaboradores. Assim, para justificar a
relevância do resgate do conteúdo da Revista, já seriam suficientes o ecletismo e
o prestígio dessa publicação no século XIX, como apontou Nelson Werneck
Sodré, ao apresentar a colaboração de Salvador de Mendonça para a imprensa
oitocentista:
Em São Paulo, Salvador de Mendonça escreve, em 1860, na revista acadêmica O Caleidoscópio e colabora na Revista Popular, editada pelo Garnier, “uma das publicações mais conceituadas do tempo”, pela qual passaram, de 1860 a 1862, Gonçalves Dias, Joaquim Manuel de Macedo, Saldanha Marinho, Justiniano José
3
da Rocha, Porto Alegre, Bernardo Guimarães, D. J. Gonçalves de Magalhães, Varnhagen, Lafaiete, Zacarias Góis, além de Alexandre Herculano e os irmãos Feliciano de Castilho. (SODRÉ, 1999, p. 192)
Wilson Martins, por sua vez, refere-se à publicação como um órgão do
Romantismo e do nacionalismo literário:
A Revista Popular era um jornal ilustrado da Editora Garnier, circulando a 5 e 20 de cada mês. Publicaram-se 16 volumes e até 1862, quando se transformou no não menos famoso Jornal das Famílias Brasileiras. Foi, ao mesmo tempo, como era próprio da época, um órgão do Romantismo (publicando em folhetins a ficção francesa contemporânea, como, por exemplo, em 1859, o Romance de um Moço Pobre, de Octave Feuillet, autor cuja influência sobre os seus confrades brasileiros ainda está à espera de um estudo), e também do nacionalismo literário, que, apesar das aparências, completava-o e dava-lhe sentido. (MARTINS, 1977, p. 111, v. 3)
Devemos ponderar dois aspectos desses comentários. Como veremos
na apresentação dos objetivos do periódico3, não há plataforma explícita de um
órgão do Romantismo para que fosse considerado como tal. Para os
pesquisadores de crítica literária romântica, entretanto, é reveladora a consulta
aos textos que fizeram parte da projetada História da Literatura Brasileira, de
Joaquim Norberto de Souza e Silva (1820-1891), publicados na Revista Popular,
como afirma ainda o crítico:
Foi na Revista Popular que Joaquim Norberto publicou os capítulos esparsos da sua projetada História da Literatura Brasileira, mas de forma tão desconexa que a própria revista organizou mais tarde (...) um quadro de remissões elucidativas; no tomo II do ano I (1859), saiu a parte inicial do cap. 2º do Livro II, referente às “Tendências dos selvagens brasileiros para a poesia” (continuado no tomo 3º, onde Joaquim Norberto recolhe as lendas indígenas). (MARTINS, 1977, p. 111-12, v. 3)
É também Maria Eunice Moreira quem, em sua pesquisa sobre a
3 1.1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores, p. 11.
4
produção de Norberto, repete a conceituação “órgão do Romantismo” e demonstra
a importância daquele hebdomadário para a afirmação da nacionalidade de
nossas Letras, tão almejada pelos intelectuais do período:
Órgão do Romantismo, a Revista Popular é considerada (...) o centro dinâmico na renovação das idéias literárias. O interesse da revista pelos assuntos nacionais e o endosso ao programa nacionalista pode ser comprovado pelas publicações de um de seus colaboradores mais assíduos: Joaquim Norberto de Souza e Silva. (MOREIRA, 1996, p. 54)
Outro comentário de Martins (1977) sobre a posição ocupada pela
Revista Popular como precursora do Jornal das Famílias (1863-1878) deve
também ser ponderado. Hallewell (1985) descreve o periódico nos mesmos
termos, o que pode ser enganoso:
Em 1859, B. L. Garnier iniciaria uma publicação quinzenal ilustrada, a Revista Popular, impressa por Pinheiro & Cia., mas tal regularidade permitiu que ela fosse produzida em Paris, a partir de 18624 (com a mudança do nome para Jornal das Famílias). (HALLEWELL, 1985, p. 129)
Parece-nos que para Hallewell e para Martins a Revista teria
simplesmente mudado de nome, sem que tal mudança afetasse a sua proposta
editorial. Preferimos, entretanto, endossar a posição de Alexandra Santos Pinheiro
(2007), que aponta as especificidades e as diferenças dos projetos de cada
periódico da editora B. L. Garnier:
O primeiro empreendimento pretende satisfazer a todos os gostos e profissões: do agricultor ao literato; o segundo restringe-se aos cuidados domésticos, com muitos artigos para “ser lidos apenas para as mulheres”. Além do mais, a própria mudança do nome, levando, conseqüentemente, à mudança de caracterização, já que um é jornal e o outro revista, e a tendência adotada por eles, o primeiro foi mais informativo, político e literário e o outro, mais voltado aos interesses domésticos e femininos: moda e ficção,
4 Ler 1863.
5
também podem confirmar que a B. L. Garnier publica dois periódicos no século XIX. (PINHEIRO, 2007, 52-53)
Vale esclarecer aquelas alusões, também ao nosso ver equivocadas,
pois, ao longo do levantamento da fortuna crítica da Revista Popular e do Jornal
das Famílias, notamos que algumas das referências feitas à primeira publicação
são devidas ao interesse despertado entre os estudiosos da produção contística
de Machado de Assis. Detectamos em parte das pesquisas até então realizadas
sobre os empreendimentos do empresário francês Baptiste Louis Garnier que,
além da publicação de sessenta a setenta contos neste Jornal5, é possível
identificar três narrativas do autor de Dom Casmurro naquela Revista. Ressalvas
devem ser feitas a esse respeito, pois os trabalhos acadêmicos nos quais foi
mencionada a possibilidade de ter o literato assinado três textos sob os
pseudônimos X. e M. não chegaram a qualquer resposta definitiva sobre tal
problema de autoria.
Na tese de Doutorado A trajetória de Machado de Assis: do Jornal das
Famílias aos contos e histórias em livros, Sílvia Maria Azevedo observa que,
embora Salvador de Mendonça informe a colaboração de seu companheiro na
Revista Popular, o crítico Jean-Michel Massa refuta tal informação, com o uso do
seguinte argumento:
Não há texto algum assinado por Machado nessa revista (...). Machado de Assis figurava entre os colaboradores desde o primeiro número [do Jornal das Famílias] com uma poesia, enquanto que seu nome não aparece no índice da Revista Popular” (MASSA Apud AZEVEDO, 1990, p. 710, v. 3).
5 Daniela Magalhães da Silveira (2005) apontou as controvérsias sobre o número de contos publicados por Machado de Assis no Jornal das Famílias. Segundo a pesquisadora, elas ocorrem por conta da dificuldade de identificação de certos pseudônimos que poderiam, ou não, ter sido utilizados pelo escritor. José Galante de Sousa (1955), por exemplo, identificou como textos de Machado os assinados sob os pseudônimos J., J.J., Job, Victor de Paula e Lara, que, somados às histórias assinadas com seu próprio nome, resultariam em 62 contos. Jean-Michel Massa (1971) ateve-se à produção cuja autoria fora confirmada nas coletâneas organizadas pelo literato e aos textos mais tarde atribuídos por outros estudiosos. John Gledson (2001), por sua vez, afirma que foram publicados 70 contos naquele Jornal.
6
Por outro lado, Alexandra Santos Pinheiro, em sua dissertação de
Mestrado Revista Popular (1859-1862) e Jornal das Famílias (1863-1878): dois
empreendimentos de Garnier, aponta que, dentre os periódicos nos quais Ronald
de Carvalho (1944, p. 313) acredita ter Machado iniciado sua carreira de escritor,
figura a Revista Popular. A pesquisadora observa, entretanto, que para lhe atribuir
a autoria de “Memórias de um grão de café” (R.P., tomo IV, 1859, p. 284), de
“Confidências de um jornal velho” (R. P., tomo IV, 1859, p. 388) e de “O pavão” (R.
P., tomo VIII, 1860, p. 129), se faz necessária uma “(...) análise mais substancial,
que compare a linguagem e o estilo dessas narrativas com os textos de
Machado” (PINHEIRO, 2002, p. 202).
Outro trabalho já destacado sobre a colaboração do escritor naquele
Jornal é a Dissertação de Mestrado Contos de Machado de Assis: leituras e
leitores no Jornal das Famílias, de Daniela Magalhães da Silveira (2005). Nela,
embora encontremos referências sobre as controvérsias em torno do número de
contos daquele literato na segunda publicação periódica da editora B. L. Garnier,
não verificamos qualquer intenção em esclarecer a autoria dos possíveis contos
machadianos publicados na Revista Popular. O problema de autoria não foi
sequer mencionado nas dissertações de Mestrado de Jaison Luís Crestani (2007)
e de Kátia Rodrigues Mello (2007), o que nos surpreendeu, pois a primeira é
integral e a segunda parcialmente dedicada ao estudo dos contos da chamada
primeira fase da produção de Machado, publicados no Jornal das Famílias. Dessa
forma, continua lançado o desafio aos estudiosos da obra machadiana de verificar
a autenticidade de três textos que possam constar futuramente da bibliografia do
fundador da Academia Brasileira de Letras.
Em todo o caso, a fim de que não haja dúvidas sobre a colaboração de
grandes nomes de nossa literatura naquelas publicações, é preciso reiterar que
ambos foram empreendimentos do empresário parisiense Baptiste Louis Garnier,
cujo empenho para o desenvolvimento do ramo editorial no Brasil auxiliou a
promoção de outros escritores conhecidos do público leitor do século XIX, além
daqueles citados no excerto da História da Imprensa Brasileira que aqui
7
reproduzimos. Ei-los: Augusto Emílio Zaluar, Francisco Bernardino de Souza,
Fernando Wolf, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Joaquim Norberto de
Souza e Silva, José Maria Velho da Silva, Luis Antônio Burgain, Antônio Joaquim
de Macedo Soares e Homem de Mello.
É importante notar que não somente aos consagrados Garnier abriu as
portas de sua editora. Foi também Alexandra Santos Pinheiro (2007) quem
destacou a presença de narrativas de literatos não consagrados pela historiografia
literária no Jornal das Famílias e, a partir dessa constatação, formulou uma das
propostas de sua Tese de Doutorado: analisar aquelas produções e compará-las
às de Machado e de Macedo publicadas na sucessora da Revista Popular. O
interesse da pesquisadora pelo Garnier “patrocinador para as letras brasileiras” a
motivou a dedicar um espaço em seu trabalho aos anônimos acolhidos nas
empreitadas do editor francês:
É justamente por reconhecer o tino empresarial de Baptiste Louis Garnier que nossa pesquisa volta o olhar para os autores pouco lembrados pelas histórias literárias. O fato de seus nomes constarem na página de apresentação do periódico desperta em nós a hipótese de que eles, junto a Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo e Bernardo Guimarães, também configuram como símbolo de qualidade para o empreendimento do editor. (PINHEIRO, 2007, p. 70)
Importa-nos essa reflexão, pois, como os pesquisadores aqui citados,
também nos dedicamos inicialmente à leitura e ao resgate de sessões da Revista
Popular destinadas à produção e à crítica literária, nas quais encontraríamos
textos e nomes significativos para a História da Literatura Brasileira. Intrigante,
entretanto, foi a descoberta de uma coluna quinzenal de crônicas cuja autoria é
oculta por pseudônimos. Após a realização do trabalho de coleta e de descrição
do material, notamos que os textos reunidos sob o título “Crônica da Quinzena”
deveriam sair do anonimato. Justifica nossa escolha por essa seção sua
relevância como fonte para os estudos sobre “a vida íntima da sociedade
fluminense” – importância já aventada em 1859 por seu primeiro cronista (cf C.Q,
8
tomo I, 04/01/1859, p. 56), e, ainda, para as pesquisas recentes dedicadas à
organização de séries inéditas de crônicas, tais quais as que aqui atribuímos a
Carlos José do Rosário e a Joaquim Manuel de Macedo.
Para que esta Dissertação ocupe, portanto, devidamente seu lugar
junto aos demais trabalhos já realizados sobre periódicos literários brasileiros, seu
primeiro capítulo prevê a contextualização das crônicas resgatadas no veículo que
as difundiu, etapa imprescindível para a compreensão das condições de recepção
desse tipo de produção no século XIX. Além da descrição física e da proposta
editorial da Revista Popular, apontamos diferentes definições de crônica propostas
por pesquisadores e escritores de nosso cânone, com o propósito de confrontar as
particularidades do gênero textual em estudo aos objetivos e ao problema de
autoria que caracterizam as duas fases da seção “Crônica da Quinzena”.
Estabelecidos os momentos de produção de cada cronista, passamos à
discussão acerca dos temas que as particularizam e que foram eleitos como
norteadores de nossa análise: a moda e o teatro. Assim, em “Paquetes, modas e
salões”, flagramos a crítica velada do nosso primeiro cronista à difusão da moda
européia entre nós e discutimos essa constatação a partir das considerações
arroladas por Roland Barthes (1979), sobre a retórica da escrita de moda, e por
René Girard (1961), sobre a sua teoria do desejo mimético. Trata-se, então, de um
capítulo analítico, no qual explicitamos as leituras pertencentes ao campo da
Teoria e da Crítica Literárias que nos pareceram pertinentes para a identificação
dos efeitos poéticos emanados das descrições de figurinos e das gravuras de
modas francesas, apresentadas às leitoras da Revista Popular sob o riso irônico e
o crivo nacionalista do primeiro colaborador da seção “Crônica da Quinzena”.
No terceiro capítulo, intitulado “Paquetes, peças e salas”, apontamos,
inicialmente, a contribuição que as crônicas até então inéditas de Joaquim Manuel
de Macedo pode agregar aos trabalhos já realizados acerca da produção do
escritor romântico. Em seguida, explicitamos as reflexões do cronista
concernentes ao desenvolvimento do teatro nacional no oitocentos, com destaque
para sua defesa à produção e à atuação dos artistas brasileiros. Trata-se, assim,
9
de um capítulo que prioriza o ponto de vista da Historiografia Literária, adequado
ao debate das escolhas temáticas e estilísticas do Dr. Macedinho na coluna em
estudo.
Analisados tais aspectos, retomamos, à guisa de conclusão, os
propósitos da coluna e a sua intersecção com aqueles do periódico, discutidos no
primeiro capítulo. Nesse momento, flagramos os ideais nacionalistas de
intelectuais românticos, como o foi o autor de A Moreninha, que nos parecem
aliados à crítica sutil e irônica à presença francesa em nossas manifestações
artísticas e sociais, iniciada por um assíduo, porém anônimo colaborador da
imprensa fluminense. A convergência de idéias e a pretensa imparcialidade do
discurso desses escritores são, ao final, destacadas como emblema do ecletismo
e do desejo dos redatores do periódico de B. L. Garnier de apresentar a sua
proposta de publicação popular -escrever “de tudo e para todos”, à qual
acrescentamos: todos os letrados, leitoras fascinadas pelas novidades de além-
mar descritas por um “mancebo elegante”, ou leitores ávidos pela defesa do teatro
nacional feita por um Velho démodé.
Anexamos a esse estudo as sínteses das crônicas coletadas, material
que, além de nos auxiliar a delimitar a análise aqui realizada, pode ser
apresentado aos demais pesquisadores como sistematização de importante fonte
para o estudo dos aspectos culturais do Brasil Monárquico e, ainda, para a
pesquisa sobre a consolidação entre nós do gênero ao qual pertencem os textos
coletados – a Crônica.
Explicitados os propósitos, a relevância e a estrutura deste trabalho,
resta-nos, então, fazer convite idêntico ao de Carlos em suas crônicas: en avant!
Encetemos nosso passeio pelas quinzenas fluminenses de 1859 a 1862,
acompanhados, inicialmente, de um moço desconhecido e elegante que cede
passagem, no meio do caminho, a um Velho célebre e démodé.
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CAPÍTULO IA REVISTA POPULAR (1859-1862) E A SEÇÃO “CRÔNICA DA QUINZENA”
1.1 A Revista Popular, sua proposta editorial e seus leitores“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”. Assim a
Redação da Revista Popular inicia a interlocução com os seus leitores, em carta
de 05 de janeiro de 1859. O novo periódico ilustrado seria publicado
quinzenalmente e impresso no Rio de Janeiro por Quirino e Irmão e por Pinheiro e
Companhia. Os dezesseis tomos, que reúnem cada qual seis dos noventa e seis
números publicados durante os quatro anos de existência do periódico, medem
25x17cm e apresentam textos com capitais ornamentadas, vinhetas, partituras e
folhas com estampas, algumas pintadas à mão6.
Inseridas como encartes dobrados que ultrapassam a medida dos
volumes, destacamos, dentre as gravuras que revelam o potencial gráfico da
Revista, as pranchas de modas coloridas apresentadas aos leitores em papel
couché de 27 x 20 cm, a maior parte ilustradas por Anaïs Coulin Toudouze, Jules
David e Compte-Calix7, artistas franceses reconhecidos por elevar a produção de
figurinos de modas ao estatuto de formas de arte, mesmo que ainda em nossos
dias sejam consideradas menores ou meras fontes históricas para o estudo da
indumentária oitocentista.
Vejamos a gravura de Jules David que reproduzimos a seguir. O nome
do artista acompanha o figurino impresso na Europa que apresenta, além dos 6 Nos exemplares e nos microfilmes aos quais tivemos acesso durante a realização da pesquisa, não é possível visualizar a paginação original dos números avulsos da Revista comercializados entre 1859 e 1862. O material pesquisado está reunido em tomos nos quais as páginas são numeradas pelo critério da encadernação dos volumes. Assim temos, por exemplo, o tomo I, que reúne os meses de janeiro a março de 1859 com a numeração das páginas organizada a partir do algarismo arábico 1 até 384. Para que seja facilitada a consulta ao periódico por outros pesquisadores, quando fizermos referência a artigos nele publicados, utilizaremos a sigla R.P. (Revista Popular), seguida do tomo, da data da publicação do texto e da página do volume em que se encontra. Para as crônicas, utilizaremos o mesmo critério de referência, substituindo R.P. por C.Q (“Crônica da Quinzena”). As imagens que são inseridas ou encartadas nos tomos sem qualquer critério, ou seja, separadas dos textos que a elas se referem (as pranchas de modas, por exemplo) são acompanhadas de legendas nas quais constam o ano e o período que compreende cada tomo.
11
trajes quentes impraticáveis para o nosso novembro primaveril, a paisagem
onírica de além-mar. Nesta e em outras pranchas de modas aqui reproduzidas, a
única adaptação visível é a impressão do título do periódico, bem como do mês e
do ano em que a prancha foi aportada pelo paquete inglês e publicada no Brasil.
7 Anaïs Colin Toudouze (1822-1899) era uma das três irmãs conhecidas como pintoras de gravura de modas. O pai das três meninas, Alexander Colin, foi pintor e litógrafo, mantendo estreitas amizades com artistas como Delacroix e Gericault. Ele e sua esposa desenharam gravuras de moda e, mais tarde, suas filhas continuariam a tradição da família. Anaïs casou com o arquiteto Gabriele Toudouze e uma de suas filhas, Isabel, continuou a tradição na terceira geração. Após a morte de Gabriele em 1854, Anaïs teve que educar sozinha suas três crianças pequenas e, para tanto, criou inúmeras gravuras de moda que eram publicadas em vinte e sete periódicos dedicados à propagação de estilos. Jules David (1808-1892) era concorrente das irmãs Colin. Foi pintor e litógrafo, tendo a oportunidade de exibir suas produções no Salão de Paris de 1834. Ele desenhou para o periódico Le Moniteur de la Mode, de 1843 até sua morte em 1892, mais de 2.600 gravuras de moda. François-Claudins Compte-Calix (1813-1880) foi o principal ilustrador do periódico Les Modes Parisiennes. Além de seu trabalho com gravuras de moda, ele também foi ilustrador de trajes em livros históricos. Assim como Jules David, participou da exposição no Salão de Paris em 1834. (cf STELLE, 1998, p. 99-111)
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Figura 1: Gravura de modas de Jules David (R. P., ano 2, tomo VIII, 26/09/1860 a
10/12/1860).8
8 Serão inseridas neste trabalho as reproduções microfilmadas das pranchas de modas às quais se refere o cronista Carlos nos excertos que transcrevemos da seção “Crônica da Quinzena”. Essas gravuras foram encartadas aos tomos da Revista e, em muitos casos, não acompanham os textos que a elas se referem. Por isso, destacaremos o ano, o tomo e o trimestre de sua inserção no periódico, bem como a quais fragmentos por nós citados se relacionam as imagens aqui reproduzidas.
13
Quanto à presença de imagens que exemplifiquem o ecletismo do
hebdomadário, apontamos a sua capa, o retrato dos dois pólos do Rio de Janeiro
na segunda metade do século XIX –rural e urbano.
Figura 2: Capa da Revista Popular, (R.P., ano 1, tomo III, 15/07/1859 a 20/09/1859)
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Na contracapa havia, geralmente, pinturas de localidades e de
personalidades brasileiras ou estrangeiras, sobretudo francesas, como a imagem
de Chateaubriand que remete à resenha de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro
sobre a edição crítica de As Memórias de Além Túmulo, publicada pelo conde
Marcellus (cf R.P, tomo I, 20/01/1859, p. 119-122). Poderíamos inferir que esse
recurso era um discreto apelo comercial, principalmente se levarmos em conta
que Garnier aproveitava para divulgar no seu periódico os lançamentos
disponíveis em sua livraria.
Figura 3: Chateaubriand (R. P., ano 1, tomo I, 04/01/1859 a 15/03/1859)
15
Quanto à publicidade do comércio da Corte, somente nos tomos I
(04/01 – 15/03/1859) e II (31/03 – 16/06/1859) notamos páginas reservadas aos
anúncios de consultórios, colégios, relojoeiros, ourives, cabeleireiros, tipografias,
guarda livros, costureiras, pianistas, adegas, sapateiros, oficinas de encadernar,
e, em maior quantidade, de casas de modas e fazendas francesas.
Casas recomendáveis (R.P., ano 1, tomo I, 04/01/1859 a 15/03/1859)
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A relevância da inserção de imagens na Revista Popular foi também
apontada na Dissertação de Mestrado de Jussara Menezes Quadros, já que,
segundo a pesquisadora, seria possível classificar tal publicação, a partir do fator
ilustração, como derradeira de uma série de periódicos, dentre os quais se
encontrariam o Ostensor Brasileiro, jornal literário-pictorial (1845-1846), a
Ilustração Brasileira (1854-1855) e O Brasil Ilustrado (1855-1856). Tal classificação
é proposta pelo fato de terem essas publicações adaptado, através da execução
de ilustrações no Brasil, as convenções do gênero magazine, iniciado na Europa
pelo Penny Magazine inglês. Ao agrupar periódicos importantes da primeira
metade do século XIX segundo o critério da presença de gravuras, a pesquisadora
destaca a pretensão de cunho nacionalista daquela adaptação do modelo
europeu, pois
(...) a conquista da possibilidade técnica de reprodução de imagens junto a textos na página impressa adquiria um peso considerável nas preocupações dos literatos, associando-se à necessidade de afirmação de uma literatura romântica nacional e aos ensaios de transposição de nomes de gêneros de ficção em prosa, romances, novelas e crônicas. (QUADROS, 1993, p. 144).
Identificadas em um rápido correr de olhos, as pranchas de moda
francesas e as ilustrações brasileiras reveladoras de pretensa afirmação nacional
podem ter sua percepção ampliada quando o leitor atento flagra, naquele primeiro
exemplar da Revista, o programa do novo empreendimento de Baptiste Louis
Garnier (1823-1844), que teve como diretriz a recepção e o caráter instrutivo da
nova publicação:
Escrevemos de tudo e para todos. (...) É preciso que [o médico, o advogado ou o astrônomo] saiba um pouco de tudo, e que em nenhum ramo de conhecimentos seja totalmente hóspede. Aprofundá-los todos é impossível, mas desconhecer os princípios gerais de algum, quase é vergonha. Lisonjeamo-nos, pois, que nenhum dos artigos que apresentamos aos nossos leitores, será para alguns deles inteiramente destituído de interesse. Quando tratarmos de um assunto científico ou artístico, e embrenharmo-
17
nos no domínio de uma ciência especial, fa-lo-emos em termos que todos nos entendam. Não teremos mistérios reservados para os iniciados. Quando falarmos ao lavrador, queremos que o financeiro nos compreenda, quando nos dirigirmos ao engenheiro, que o filósofo não fique em jejum. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 2-3)
Lembremos que o subtítulo “noticiosa, científica, industrial, histórica,
literária, artística, biográfica, anedótica, musical, etc” é representativo da variedade
de assuntos abordados pela publicação. As dezessete seções apresentadas ao
público leitor no primeiro tomo abrangem, como pretendiam seus redatores,
diferentes áreas do conhecimento humano. Ei-las: agricultura, crônica, comércio e
indústria, contos e narrativas, crítica e análises, descrições, economia política,
emigração e colonização, esboços biográficos, higiene, instrução e educação,
geografia, música, física, poesia, romances e variedades. Notamos, entretanto,
que o índice do tomo dezesseis apresenta, em 1862, somente doze colunas:
agricultura, biografia, bibliografia, crônicas, descrições e narrativas, história,
indústria agrícola, literatura, máximas e reflexões, poesias, romances e
variedades.
À primeira vista, julgamos curioso o isolamento das seções crônica,
romance, narrativa e poesia que, como já notara Alexandra Santos Pinheiro
(2002), poderiam figurar juntas na coluna intitulada literatura. Esta, por sua vez, é
exclusivamente dedicada à publicação de textos de crítica literária. Preferimos,
entretanto, considerar que talvez não fossem tão claros nesse período os critérios
para a organização de uma coluna destinada a abrigar todos os gêneros literários
publicados na Revista.
Notamos na carta de apresentação dos objetivos do periódico que os
textos literários e as demais manifestações artísticas se propunham para servir à
diversão, ao descanso e à “instrução amena” dos leitores. Estes, depois de terem
satisfeito “as exigências da matéria”, poderiam voltar seus olhares à poesia, à
pintura e à música:
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Mas o espírito também precisa repousar, sem suspender inteiramente as suas funções. Nem sempre seremos, pois, sérios, procuraremos também contribuir para o recreio dos nossos leitores. Mas recreando pode-se instruir disfarçadamente, não nos esqueceremos disso. O recreio, que se busca nos livros, deve ser uma instrução amena. (...) A poesia (prosa ou verso) e a música acharão lugar nas nossas páginas, mas, sobretudo, será o buril do gravador, que, auxiliando poderosamente a pena do escritor, virá amenizar as nossas páginas. A pintura não exige de nós senão um volver de olhos para dizer-nos o que a escritura nos não pode ensinar, e às vezes mais imperfeitamente, senão à custa de um tempo, que nem sempre sobra. Outras vezes desafia a gravura, à qual ninguém recusa um olhar, a curiosidade de ler o que sem ela se não leria. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p.3)
Para compreendermos o exato valor desse espaço reservado à
diversão e à instrução em nossa Revista, são relevantes as análises recentemente
realizadas de textos do Jornal das Famílias, segundo as quais podemos
apreender até que ponto certas leituras dos dois empreendimentos de Garnier
seriam consideradas amenas:
Divertir, moralizar, instruir por meio da leitura são os objetivos da maioria dos periódicos oitocentistas e essa tríade acompanha os dezesseis anos do Jornal das Famílias. Por isso, surpreendemo-nos com o conteúdo das narrativas destacadas nessa tese. Os redatores e os colaboradores do periódico de Garnier demonstram constante preocupação em cumprir os objetivos citados acima, mas também divulgam nesse jornal as tendências literárias, suas reflexões sobre o fazer literário e o inserem na tentativa de consolidar a literatura brasileira a partir do resgate do folclore nacional. (PINHEIRO, 2007, 242)
Tal como ocorre no Jornal, embora não seja apresentada a plataforma
de um órgão do Romantismo na carta aos leitores da Revista Popular (tomo I), os
redatores assumem as idéias nacionalistas difundidas pelo movimento, o que nos
parece significativo para a leitura de certas colunas, pretensamente amenas e
frívolas, como as crônicas e os romances folhetins. Nelas é nítida a continuidade
da posição de colaboradores das seções de crítica literária, aspecto endossado
naquela primeira carta aos leitores, quando os redatores já afirmaram que, sem
19
banir a literatura estrangeira, priorizariam a nacional, pois escrevem no Brasil e em
língua portuguesa: “Não correremos os de casa para afagar os de fora”. (R. P.,
tomo I, 05/01/1859, p.3).De fato, na seção de crítica literária são comuns textos que remetem ao
anseio de afirmação da nacionalidade da Literatura Brasileira. A valorização dessa
temática é recorrente, sobretudo em textos críticos como o de Joaquim Norberto
de Souza e Silva em 1º de Abril de 1860:
A nacionalidade da literatura de qualquer povo demonstra-se por si mesma como a expressão de sua inteligência; é ela quem patenteia o espírito e a tendência de suas diversas fases, marchando em progresso ou decadência, segundo as modificações de seus costumes, de seus usos, de suas leis e de seu caráter. (R. P., tomo VI, 01/04/1860, p. 298).
Lembremos que esse crítico empregou seus esforços para a
organização de sua projetada História da Literatura Brasileira, cujos capítulos
iniciais foram publicados na Revista Popular9. Citamos o início do artigo
“Introdução Histórica sobre a Literatura Brasileira”, no qual faz referência às
belezas naturais do Brasil, bem como aos intelectuais que nelas se inspiraram
para engrandecer as nossas Letras:
Além do solo, que lhe coube por herança, o céu benigno, sob cuja influência nascera, o ar suave que o vivifica, a imensidade de seus rios, a magnificência de seus portos e baias, a majestade de suas florestas seculares e as riquezas de suas minas auríferas e diamantinas, coube ao Brasileiro em grande parte, na partilha dos bens celestes, o talento, que distingue os homens entre os outros homens. (R. P., tomo IV, 05/10/1859, p. 357-364)
A valorização das belezas naturais de nossa terra na produção dos
nossos poetas já teria sido apontada como indispensável, em 1826, por Ferdinand
9 A contribuição de Joaquim Norberto à historiografia da literatura brasileira foi publicada na Revista Popular (1859-1862), na Minerva Brasiliense (1843) e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico (tomo XVI). Em seus textos, discute os problemas da nacionalidade e originalidade, a literatura do século XVII e a cultura indígena.
20
Denis no seu Résumé de l’histoire littéraire du Portugal suivi du Résumé de
l’histoire littéraire du Brésil, obra considerada o programa para a instituição de
uma literatura genuinamente brasileira. Para compreender as orientações
propostas por esse viajante francês aos nossos vates, tomamos as palavras de
Maria Helena Rouanet:
Episódios “poéticos” e “grandiosos” da História do país, suas produções naturais, sua fauna e sua flora, todos estes elementos precisam ser aproveitados, já que são intrinsecamente dotados de caráter nacional. E, estabelecida esta verdade imperativa – quem não a admitisse não era “conhecedor da História do Brasil” –restava apenas aos poetas do tempo corrigir os erros cometidos pelos seus predecessores cujo “estilo” geralmente não correspondia –em virtude de sua europeização –à pintura a ser feita desta realidade americana. Desta forma só uma pintura americana desses temas nacionais seria capaz de dar um cunho de autenticidade e de originalidade a uma literatura efetivamente brasileira. (ROUANET,1991, p. 252)
Em A literatura no Brasil, Afrânio Coutinho afirma que a temática
denominada “O sentimento da natureza” era uma das respostas dadas à busca do
caráter brasileiro na literatura. Também em 1826, Garrett, em seu Parnaso
lusitano, apontara a falta do lugar merecido à paisagem brasileira nas produções
dos nossos escritores até o momento. Tal constatação é representativa da
confusão do conceito de nacionalidade com o de originalidade. Esta seria,
portanto, decorrente da adaptação da literatura à natureza local:
Certo é que as majestosas e novas cenas da natureza naquela vasta região deviam ter dado a seus poetas mais originalidade, mais diferentes imagens, expressões e estilo, do que neles aparece: a educação européia apagou-lhes o espírito nacional: parece que receiam de se mostrar americanos, e daí lhes vem uma afetação e impropriedade que dá quebra em suas melhores qualidades. (GARRETT Apud COUTINHO, 1997, v.3, p. 323)
Além do apreço à natureza local, Norberto destaca a propensão dos
brasileiros para as Letras, esclarecendo que desde a colonização já se
21
encontravam aqui historiadores, poetas e oradores capazes de resistir ao jugo
colonial e produzir seus trabalhos. Com isso, desejava provar que, antes de ser
uma nação politicamente independente, o Brasil já o era pela sua literatura. Tal
constatação era evidente no século XIX já que “as efetivas realizações científicas
são percebidas como fenômeno tardio em relação com as realizações
artísticas” (DANTAS, 2000, p. 134-135).
Representativa da observação feita pela “Redação” acerca da presença
da literatura alienígena na Revista Popular é a continuidade do artigo de Joaquim
Norberto, no tomo V. Nesse momento, ele critica a abundância de traduções de
obras estrangeiras no Brasil, pois acredita ser este um obstáculo ao progresso de
nossa literatura (R. P., tomo V, 05/01/1860, p. 21-33).
No tomo VI, amplia tal discussão sobre a influência da nação
colonizadora entre nós. A dúvida que o persegue é posta: seria a falta de uma
língua brasileira a responsável pela influência da literatura portuguesa em nossas
Letras? Ao supor inicialmente a inexistência de uma literatura brasileira, faz
referência às literaturas dos países hispano-americanos que, sob o jugo da língua
e das alegorias da nação colonizadora, também não poderiam existir:
Não há, portanto, literatura brasileira, assim como não há literatura argentina, literatura boliviana, ou literatura mexicana; (...) em muitas e muitas obras escritas por brasileiros consiste um dos principais ornamentos da literatura portuguesa. Tais são os escritos do padre Caldas; tal é o Caramuru de frei José de Santa Rita Durão. (R. P., tomo VI, 01/04/1860, p. 305)
Ao seguir com a defesa da diferenciação do sentimento nacional entre
nós, Joaquim Norberto conclui que, em muitos aspectos, as produções brasileiras
anteciparam-se às portuguesas, sobretudo na reforma arcádica: “(...) quando
Garção, Diniz e outros empreenderam a reforma da poesia portuguesa (...) não
acharam em Cláudio Manuel da Costa um digno predecessor?” (R. P., tomo VI,
01/07/1860, p. 205)
No tomo VIII, encontramos Macedo Soares, intelectual que, como
22
Joaquim Norberto, critica a publicação de traduções de textos literários recorrente
em periódicos daquele momento. Sua crítica incide, sobretudo, na presença da
língua e da literatura francesas no Brasil:
Em nossa ignorância não conhecemos senão a literatura francesa; todas as outras vemo-las através do prisma das traduções francesas. (...) Daí a influência onipotente dos livros franceses, influência muito aproveitável, utilíssima e que a crítica estaria bem longe de temer, se tivéssemos o contrapeso de um gosto reto e esclarecido (...). (R. P., tomo VIII, 01/10/1860, p. 273)
A crítica de Macedo Soares deve fazer referência a uma prática que era
corriqueira na própria Revista Popular. Na seção “Romances”, as duas primeiras
narrativas apresentadas aos leitores eram traduzidas do francês: Dívida de jogo,
sem identificação de autor (tomo I), e O romance de um moço pobre, de Octave
Feuillet (tomos II e III). De um modo geral, a contribuição de estrangeiros era mais
significativa na seção destinada a esse tipo de produção. Além do romance de
Feuillet, de abril a julho de 1861, foi publicada a narrativa Os Guaribaldinos , de
Alexandre Dumas; de abril de 1861 a julho de 1862, Os estudantes de Heidelberg,
de Charles Desley; de julho a dezembro de 1862, A Luneta, de Emile de Girardin.
No que diz respeito às características da poesia publicada no periódico,
constatamos novamente a soberania do modelo francês nos versos aí publicados,
pois eles “(...) parecem obedecer à tendência da época; na sua diversidade
temática, ora amorosos, ora socializantes, ora nacionalistas e, outras vezes, com
tradução de poesia estrangeira, principalmente francesa”. (PINHEIRO, 2002, p.
70)
Notamos que, mesmo empregados todos os esforços dos críticos aqui
mencionados em defender a literatura nacional, e ressaltada a promessa da
redação do periódico em priorizar as produções brasileiras no novo
empreendimento de Garnier, a presença da literatura francesa se sobressai. Esse
parece ser o mesmo caminho trilhado por publicações anteriores, tais como a
Niterói (1836) e a Minerva Brasiliense (1843-1845) que, embora também movidas
23
pelo sentimento nacionalista próprio do Romantismo, não deixaram de
compartilhar as idéias de além-mar. Acrescente-se a esse fato, a constatação feita
por Décio de Almeida Prado sobre o teatro, verdade que poderíamos transferir a
todas as manifestações artísticas do Brasil, na segunda metade do século XIX:
após a abdicação de D. Pedro I, em 1840, a tutela das artes brasileiras passa das
mãos de Lisboa, para as de Paris. (cf PRADO,1999, p. 141)
Sob o nosso ponto de vista anacrônico, é possível que tenham sido
frustradas parte das expectativas incitadas no público leitor da Revista Popular,
concernentes à presença da literatura nacional em suas páginas. Imaginamos,
entretanto, que, sem pensar se seriam de fato atingidos todos os objetivos
propostos, imediatamente após a leitura do seguinte trecho da missiva, uma
parcela significativa daquele público deva ter contribuído para o cumprimento da
meta de assinaturas traçada por Garnier:
Agora duas palavras convosco, amáveis leitoras. (...) Houve tempo em que a mulher só cultivava o coração, hoje cultiva também o espírito. Não haverá, pois, na Revista parte alguma, que por qualquer princípio vos esteja vedada, formosas filhas de Eva; mas haverá uma privativamente vossa, pelo que ficareis melhores aquinhoadas. (Assinai, pois, ou fazei assinar vossos pais, ou maridos, que é o mesmo.) Os trabalhos de agulha para as solteiras, a economia doméstica para as casadas, e as modas para todas – tudo isto é do vosso exclusivo domínio e nós lhe reservamos um cantinho. (R. P., tomo I ,05/01/1859, p.3-4)
Aliado ao apelo para a adesão de assinaturas, flagramos, nesse
excerto, o retrato da figura feminina do período, através da referência ao espaço
que a Revista dedicaria às mulheres. Ao mencionar que, além do cultivo do
coração, as mulheres preocupavam-se com o cultivo do espírito, os redatores
procuraram abrandar um discurso comum no século XIX: a realização profissional
e intelectual plena era alcançada somente pelos homens. Na verdade,
reconheciam as preocupações do espírito como reservadas ao grupo masculino,
dono das artes e da literatura. À mulher cabiam os interesses domésticos e a
preocupação com a sua aparência. Isso fica evidente no discurso da “Redação”,
24
quando define o exclusivo domínio do grupo feminino: a costura, a economia
doméstica e a moda.
Dirigidos os elogios àquelas a quem os redatores consideram “a melhor
metade do gênero humano”, passa-se à conclusão da proposta editorial da
Revista. Nesse momento, é reafirmado o seu ecletismo, bem como a extensão de
leitores que deseja conquistar: “A Revista Popular ocupar-se-á, pois, de tudo, e se
dirigirá a todos” (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 4). Pensar no termo “popular”
relacionado com a literatura talvez nos ajude a reconhecer à qual acepção do
adjetivo o periódico de Garnier se referia.
“Popular” designa precisamente essa flexão da literatura ou da escritura (talvez seja esse o seu destino...) uma vez que, exposta ao ver e ao saber de todos, à discrição, ela, que em princípio não pertence a ninguém, senão àquele que a escreve, pode ser doravante lida por todos. (BOLLÈME, 1988, p. 5)
Não podemos confundir, portanto, o uso limitado que hoje fazemos
desse vocábulo com o que os nossos intelectuais românticos idealizavam. Em
nossos dias,
“Popular”, com efeito, veio praticamente substituir “povo”, quer nos enunciados da ciência, quer na linguagem corrente. Hoje o adjetivo é infinitamente mais empregado do que o substantivo. (...) “Popular” parece ser um modo indireto de falar do povo, sem nomeá-lo, de referir-se a ele neutralizando uma relação que a história conferiu o caráter de oposição e enfrentamento, porque povo aqui é sinônimo de sublevações, violência, terror e medo. (BOLLÈME, 1988, p. 12)
Acrescente-se a essas considerações o que Ecléa Bosi apontou sobre
o sentimento de pertença ao povo em seu trabalho sobre as leituras de operárias
no século XX: ser do povo hoje é fazer parte de uma realidade que está “na
cabeça de seus próprios viventes” (BOSI, 1986, p. 13).
Ressaltadas, portanto, tais particularidades, não podemos julgar
anacronicamente as intenções do periódico em estudo. Sabemos que no Brasil
25
Monárquico a população leitora era insignificante comparada à massa de
analfabetos verificada no primeiro censo aqui realizado em 1870: de uma
população de dez milhões de habitantes, 66,4% não eram alfabetizados. Marisa
Lajolo e Regina Zilberman apontaram os percalços para que os escritores
vivessem de sua produção literária no Oitocentos, segundo dados retirados da
obra de Delso Renault (1978) sobre o cotidiano do Rio de Janeiro entre 1850 e
1870. Dessa forma, além das dificuldades técnicas, os literatos poderiam ainda
lamentar o fato de se dirigirem a um público leitor incipiente:
No Brasil do século XIX não foi possível à maioria dos escritores viver de sua literatura. O aparecimento tardio da imprensa foi empecilho notável, determinando, desde o século XVII, a tradição de o escritor depender, para a preservação de seus textos, da aceitação deles por um editor português ou, como foi o caso de Gregório de Matos, da memória popular. (...) As dificuldades técnicas, contudo, não eram o problema maior. Pior era o fato de a população, até o final do século XIX, contar com mais de 70% de analfabetos, problema para o qual intelectuais como Machado de Assis e José Veríssimo alertam. A permanência da escravidão negra, fator de violenta clivagem social entre os poucos brancos educados e o grande número de pretos analfabetos, era a marca mais ostensiva do atraso cultural, emblema de uma economia que a modernização escandalizava. (LAJOLO & ZILBERMAN, 2003, p. 64)
Arroladas a descrição física, a proposta editorial e as ponderações com
relação à identificação do público leitor do primeiro periódico de Garnier, é
chegada a hora de apresentar o objeto de nossa pesquisa nele publicado: a seção
“Crônica da Quinzena”.
1.2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris)
Em janeiro de 1859, ao folhear as páginas do novo e eclético periódico
que se publica na Corte, o leitor descobre uma página com a margem superior
decorada, seguida do título em letras maiúsculas “CHRONICA DA QUINZENA”. A
capital do parágrafo introdutório é colocada dentro de um desenho que se
26
assemelha a um espelho. Figura pertinente para ilustrar o convite ao trabalho feito
pelo cronista a sua velha cúmplice: “Vem, minha querida amiga, minha doce
companheira de outros tempos, minha pena de cronista; encetemos de novo a
carreira e conversemos com os leitores sobre a vida íntima da sociedade
fluminense” (C. Q, tomo I, 04/01/1859, p. 56).
A definição que se segue a esse convite, além de explicitar os objetivos
da seção, caracteriza a natureza do gênero textual escolhido para o recreio do
homem de negócios e da dama dos salões:
A crônica é hoje uma necessidade a que não pode furtar-se nenhuma publicação literária e, ainda menos, aquela que se dirige a todas as classes, a todos os gostos, a todas as inteligências, a todos os interesses, que será procurada pela dama elegante, pelo grave estadista, pelo negociante, pelo poeta, por todos que, depois de satisfeitas as exigências da matéria, sentem ainda uma nova necessidade, tão forte, tão justa, tão natural como aquelas – a da ilustração ou de recreio para o espírito. (C.Q., tomo I, 04/01/1859, p. 56)
Exemplo do que seria a melhor definição de crônica até então proferida
em nosso país (cf MARTINS, 1977, p. 111-112), o excerto mostra-se pertinente
para caracterizar uma categoria dentre as diversas assumidas pelo folhetim
brasileiro no século XIX: seção de assuntos variados, aliança do útil e do fútil,
como definiu Machado de Assis, em crônica também de 1859, publicada na revista
O Espelho (cf ASSIS, 2005, p. 40).
Não faltam definições feitas por cronistas, bem como por críticos sobre
o gênero. Em 1877, Machado retoma a discussão sobre a origem da crônica em
uma de suas Histórias de 15 dias, publicada no periódico Ilustração Brasileira
(1876-1878):
Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram-se à porta para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que
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não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopada do que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica. (ASSIS, 1992, p. 370)
Ironicamente, o escritor ilustra agora com personagens de seu tempo a
fusão do sério e do frívolo, para definir o que Margarida de Souza Neves (1992)
preferiu chamar objeto ou matéria-prima da crônica: o cotidiano. As duas mulheres
que conversam à solta sobre diversos fatos comezinhos, principalmente se esses
envolvem a vida alheia, torna evidente a tentativa do autor em ampliar a discussão
que começara em 1859 sobre os folhetins. Nesse momento, criara a imagem do
colibri para designar o folhetinista, entidade narrativa que como aquele animal “(...)
salta, esvoaça, brinca, tremula, paira e espaneja-se sobre todos os caules
suculentos, sobre todas as seivas vigorosas. Todo o mundo lhe pertence; até
mesmo a política” (ASSIS, 2005, p. 40).
Não poderia haver melhor metáfora para nossos cronistas. José de
Alencar, por exemplo, na seção “Ao correr da pena” do Jornal do Comércio,
explora sem pudor sua destreza de colibri ao saltar de uma tirada política ao
convite feito à famigerada companheira dos narradores-repórteres: “Vem de novo,
minha boa pena de folhetinista, vamos conversar sobre bailes e teatros, sobre
essas coisas agradáveis que não custam a escrever; e que brincam e sorriem
sobre o papel” (ALENCAR Apud NEVES, 1992, p. 75-76)
Afortunadamente, as figuras de linguagem que emanam desses
excertos metalingüísticos foram resgatadas, eternizadas pelos críticos e puderam
ser retomadas em nosso trabalho. Sabemos, entretanto, que uma das
características da crônica é a sua efemeridade: um dia perambulam pelos cafés e
casas de assinantes, no seguinte, é transformada em embrulho de mercadorias
nas lojas de secos e molhados. Em seção da revista Ilustração Brasileira
(1876-1878), Machado endossou genialmente a condição de sobrevivência do
discurso dos cronistas publicado em jornais. Para tanto, utiliza coincidentemente
uma crônica da Revista Popular que teria caído em suas mãos em 1876:
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Caiu-me há dias nas mãos, embrulhando uma touca de criança, uma folha solta da Revista Popular. A Revista Popular foi a mãe do Jornal das Famílias, do qual o Sr. Garnier é por conseguinte avô e pai. A folha era justamente um pedaço da crônica. A data é de 26 de outubro de 1860. Já lá vão dezesseis anos, a vida de uma donzela, — metade do título de um melodrama, que por esse tempo ainda se representava: —Artur ou Dezesseis Anos Depois. Vamos ao que importa. A referida crônica no dia 26 de outubro de 1860 terminava com esta notícia: “O Catete projetou aniquilar o teatro caricato, que arrasta pesada existência para as bandas de Botafogo, e ideou a construção de um belo templo, onde a arte dramática não fosse rodada e escarnecida por um punhado de verdugos”. (...) Que resta de tamanho projeto? Nem talvez a planta (...). Mas aquilo é uma curiosidade velha, uma notícia morta. Venhamos à coisa novíssima, posto que velhíssima; ou, antes velhíssima, posto que novíssima. (ASSIS, 1992, p. 354)
A ironia com que o escritor se refere à produção de um cronista
transformada, dezesseis anos depois, em mero embrulho de touca de criança
antecipa todas as elucubrações feitas por estudiosos do gênero textual aqui
analisado, como a realizada por Jorge de Sá sobre a transitoriedade da crônica:
A crônica surge primeiro no jornal, herdando a sua precariedade, esse seu trabalho efêmero de quem nasce no começo de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor transforma as páginas em papel de embrulho, ou guarda os recortes que mais lhe interessam num arquivo pessoal. O jornal, portanto, nasce, envelhece e morre a cada 24 horas. Nesse contexto, a crônica também assume essa transitoriedade. (SÁ, 2005, p. 10)
Por conta dessa efemeridade, muitos críticos consideram “menor” o
trabalho realizado pelos observadores da vida cotidiana. Assim, não seria
reconhecido como os pertencentes a gêneros consagrados, pois já afirmara
Antonio Candido que “(...) não se imagina uma literatura feita de grandes
cronistas, que lhe dessem o brilho universal de grandes romancistas, dramaturgos
e poetas. Nem se pensaria em atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor
que ele fosse.” (CANDIDO, 1992, p. 13)
Embora Candido (1992) e Arrigucci Jr.(2001) concordem no que diz
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respeito à naturalidade com que se aclimatou a crônica no Brasil, a definição
proposta pelo último destaca do “gênero de literatura ligado ao jornal” a
complexidade emanada da sua aparente simplicidade:
Despretensiosa, próxima da conversa e da vida de todo dia, a crônica tem sido, salvo alguma infidelidade mútua, companheira quase que diária do leitor brasileiro. No entanto, apesar de aparentemente fácil quanto aos temas e à linguagem coloquial, é difícil de definir como tantas coisas simples. São vários os significados da palavra crônica. Todos, porém, implicam a noção de tempo, presente no próprio termo, que procede do grego chronos. (...) A crônica sempre tece a continuidade do gesto humano na tela do tempo. (ARRIGUCCI JR., 2001, p.56)
Essa relação com o tempo fez do cronista, já na Idade Média, um
narrador da História e, em seguida, dos casos populares. Quando surge entre nós
na segunda metade do século XIX, a crônica já é matéria do folhetim e, por isso,
esse foi o espaço onde muitos folhetinistas experimentaram os seus vôos de
colibris antes da consagração como escritores pertencentes ao nosso cânone:
O cronista é primeiro folhetinista, como o Alencar de Ao correr da pena. (...) Ali, o escritor iniciante já se sentia sob o signo de Proteu: a matéria mutável e meio monstruosa obrigava o folhetinista a percorrer todo tipo de acontecimentos, com uma volubilidade de “colibri a esvoaçar em ziguezague”. Alencar decerto faz graça romântica, mas é que, desde o princípio, a crônica parece escolher uma linguagem lúdica e esvoaçante para cobrir o espaço enorme entre os grandes e pequenos eventos com que se defronta. (...) Outros autores românticos aproveitaram a mesma deixa, como Joaquim Manuel de Macedo e França Jr. (...).(ARRIGUCCI JR., 2001, p.56-57)
Através da flexibilidade que lhes era exigida para lidar com temas
múltiplos, se preparavam, no terreno da crônica, “para um gênero maior e na
aparência mais seguro por seu inacabamento – o romance”. (ARRIGUCCI JR.,
2001, p. 58). Tal ponto de vista parece coincidir com o apontado na introdução de
História em cousas miúdas (2005). A partir desse trabalho, temos ciência da
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tentativa bem sucedida de definição do perfil da crônica entre nós desde quando
se admitiu que, além de dialogar de forma mais direta com as temáticas e as
questões de seu tempo, o gênero textual poderia ser reconhecido, já no século
XIX, como terreno da elaboração narrativa e, portanto, da experimentação literária.
(cf CHALHOUB, NEVES & PEREIRA, 2005, p. 11)
Ao tratar com graça assuntos sérios e frívolos da realidade, os cronistas
não deixaram de explorar uma das facetas da ficção: a composição de
personagens. Criavam identidades a partir dos temas priorizados em suas seções
que os popularizam desde o primeiro ato de interlocução estabelecido com o
público leitor. É o que Gledson constatou como construção da persona do cronista,
em seu estudo sobre a seção de crônicas de Machado de Assis, publicada na
Gazeta de Notícias. Na primeira crônica da série Bons dias, aquela que
tem a função, entre outras, de despistar o leitor e impedir que este adivinhe a identidade do verdadeiro autor, há dicas para a construção de uma espécie de persona para o cronista. Entra nisso muita brincadeira: os leitores não as levariam a sério (...) Primeiro, diz que só escreve por dinheiro (...), e, em seguida, afirma que é um relojoeiro que desistiu do ofício, “cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora”. (...) O relojoeiro só aparece em cinco das 49 crônicas, e só nesta primeira é que o seu ofício tem maior relevância. Através da idéia do tempo, e dos relógios que não marcam a mesma hora, Machado se refere ao curso da história, e, em particular, novamente, ao Império como instituição. (GLEDSON, 2006, p. 147-148)
Na Revista Popular, o primeiro cronista da seção “Crônica da Quinzena”
também faz uso desse artifício e se apresenta aos seus interlocutores a partir da
missão assumida junto ao programa idealizado para a coluna:
(...) percorremos incansáveis este infinito domínio, que se estende do salão à rua, da natureza à sociedade, do céu à terra, do coração aos lábios, da verdade ao absoluto, do costume à moda, do sublime ao ridículo, da luz às razões, dos sentimentos, das idéias, dos usos, da vida do Rio de Janeiro; como o perfumeiro de todas essas flores colhidas nos campos da sociedade fluminense
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procuraremos extrair – o espírito da quinzena! (C.Q, tomo I, 04/01/1859, p. 57)
A função do perfumeiro que aí se destaca é semelhante à do colibri
machadiano: tratar de frivolidades e “(...) dizer as coisas mais sérias e mais
empenhadas por meio de uma aparente conversa fiada.” (CANDIDO, 1992, p. 20).
Nessa apresentação, a tarefa do cronista e os objetivos da seção para a qual
contribui estão claros, mas a sua identidade não é tão evidente.
No fim da crônica-programa, flagramos o nome em itálico Carlos,
suposta assinatura do perfumeiro - ou beija-flor, para aproveitarmos o campo
lexical explorado por Machado. Identificamos no índice de colaboradores da
Revista Popular o nome Carlos José do Rosário, cuja atuação profissional se
relaciona com os temas abordados nas crônicas em questão. No dicionário Blake,
há informações de que teria sido um dos mais requisitados professores de língua
e de literatura francesas de seu tempo, colaborador de vários órgãos da imprensa
fluminense e, ainda, censor do Conservatório Dramático. Daí a constante
referência à moda, aos costumes importados da França e às peças representadas
nos teatros brasileiros, naquele momento de afirmação da identidade de nossas
manifestações artísticas, dentre elas a literatura e o teatro.
A questão da autoria parecia estar resolvida, mas quando pensávamos
ter engaiolado definitivamente o pássaro, fomos surpreendidos pela declaração de
Wilson Martins que, em sua História da Inteligência Brasileira, atribui a outro
escritor a autoria de 67 (sessenta e sete) textos da primeira fase da seção
“Crônica da Quinzena”: “Carlos, pseudônimo de Antônio Arnaldo Nogueira
Molarinho, que assinava a “Crônica da Quinzena”, havia exposto seu programa a
4 de janeiro [ de 1859].” (MARTINS, 1977, p. 111)
Embora o nome apontado pelo crítico não tenha sido identificado nem
no índice de colaboradores da Revista, tampouco nos dicionários biobibliográficos
consultados até então, o catálogo digital de periódicos raros da Biblioteca Nacional
indica Antônio Arnaldo Nogueira Molarinho como um dos proprietários e redatores
do Arquivo literário: jornal familiar, crítico e recreativo, publicado de agosto a
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dezembro de 1863, perfazendo um total de dezessete números. Ao consultarmos
os exemplares microfilmados do periódico, encontramos, do primeiro ao décimo
terceiro número, a assinatura Arnaldo Molarinho em textos das colunas “Literatura”
e “Poesia”. A seção “Variedades” apresentou, por sua vez, no primeiro número do
Arquivo, a crônica sobre os costumes e os teatros fluminenses “Palestra dos
primos”, assinada por Carlos, a mesma assinatura em itálico que verificamos na
Revista Popular. Do segundo ao décimo terceiro número do periódico aquela
seção é intitulada “Palestra” e não é assinada, até que, no décimo quarto número,
Antônio José Carneiro Guimarães, um dos proprietários do periódico naquele
momento, confirma a identidade do possível pseudônimo, ao anunciar em carta
aos leitores a saída do redator e o fim daquela coluna de crônicas: “O Sr. A.
Molarinho abandonou a redação do jornal levando consigo a “Palestra” com que
incomodou assaz os assinantes e deixando-nos com difíceis trabalhos a que
temos de fazer frente.” (A. L., nº 14, 1863, p. 1).
Carlos seria um nome literário, “(...) uma redução do nome próprio por
conveniências de eufonia ou simplicidade” (CANDIDO, 2005, p.88) ou um
pseudônimo? O fato é que o beija-flor continua a esvoaçar, a saltar e a brincar,
embora tudo nos leve a crer que, dada a relação entre as informações sobre a
atuação profissional de Carlos José do Rosário e os temas recorrentes na primeira
fase da coluna em questão (presença francesa e indícios de crítica teatral), seja o
professor o autor das crônicas resgatadas.
Nossa excessiva preocupação com a identidade do primeiro colibri da
série foi relativizada quando identificamos o autor das crônicas publicadas entre
novembro de 1861 e dezembro de 186210, mas constatamos a falta de coerência
entre Joaquim Manuel de Macedo e a persona construída por ele em seu primeiro
contato com o público leitor da seção “Crônica da Quinzena”:Hoje (...), ao receber a Revista Popular, vossos olhos correram
10 Alexandra Santos Pinheiro (2002) atribuiu a Joaquim Manuel de Macedo as crônicas assinadas por O Velho na seção “Crônica da Quinzena”, da Revista Popular. Naquele momento, entretanto, a pesquisadora não revelou a fonte dessa informação, que só conseguimos localizar dentre os pseudônimos de Macedo indicados na Enciclopédia da Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa (1989, p. 834)
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pressurosos, como setenta vezes antes, a procurar o querido cronista, e estou lendo o desânimo e a tristeza em vossos semblantes; porque em lugar de Carlos, o mancebo elegante, discreto, instruído e suave encontrais – O velho – um velho rude, impertinente, maçante e antipático, um velho de óculos e de cabeleira, um velho que traz a mesma casaca que usava em 1823, casaca que nunca virou e por conseqüência inteiramente fora da moda. Em que mãos foi cair a crônica da quinzena da Revista Popular! (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249)
Como Machado criou o seu “relojoeiro” na série “Bons dias”, Joaquim
Manuel de Macedo criou um narrador personagem que despistasse a verdadeira
identidade do autor da segunda fase da seção “Crônica da Quinzena”. Tal criação
pode enganar os leitores, a começar pela relação que não poderia ser
estabelecida entre o pseudônimo adotado, O Velho, e a idade do literato à época.
Macedo era, por exemplo, quatro anos mais novo que Carlos José do Rosário.
Logo, em 1861, tinha 41 anos, o que não representa idade tão avançada para
tamanha antipatia e impertinência do idoso descrito naquela crônica.
Outro dado que coincide com o processo de construção do personagem
da série da Gazeta de Notícias é uma posição política velada sob uma capa, ou
melhor, sob uma casaca de 1823, “casaca que nunca virou e por conseqüência
inteiramente fora de moda” (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249). Ao leitor
desatento e saudoso das 67 crônicas anteriores escritas pelo mancebo elegante a
metáfora se refere somente ao estilo démodé do então responsável pela coluna.
Para quem conhece as opções ideológicas de Macedo e as querelas políticas do
tempo, há mais ironia do que se imagina nesse traje do início do século XIX.
Lembremos que 1823 é o ano da Assembléia Constituinte convocada
em junho de 1822 por D. Pedro I. Dentre os constituintes havia bacharéis, padres,
magistrados, grandes proprietários de terras e funcionários públicos, a maioria
adeptos dos ideais liberais. Como as reivindicações desse grupo majoritário
colocavam em questão a autoridade do Imperador com relação às decisões da
Assembléia e à discussão sobre a cidadania dos portugueses residentes no Brasil,
D. Pedro dissolveu a Constituinte em 12 de novembro de 1823. Houve prisões e
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deportações de deputados. Em seu decreto, o Imperador acusa os deputados de
não defenderem a integridade e a independência do Império e esclarece que ele é
um adepto das idéias liberais.
Ora, qual seria a posição d’O Velho? Seria a mesma do Dr. Macedinho,
formado nas fileiras liberais? A partir da leitura da série “Crônica da Quinzena”
flagramos idéias nacionalistas concernentes as nossas manifestações culturais e
sociais que nos pareceram reveladoras de um partidário dos liberais da
Constituinte dissolvida de 1823. Em 1861 nosso Velho, como o seu criador, pode
manter a casaca liberal enquanto adepto das idéias do então imperador D. Pedro
II, também empenhado em apoiar os artistas brasileiros para o desenvolvimento
de nossas letras.
Assim como relativizamos as informações concernentes à verdadeira
identidade de Carlos, nos sentimos à vontade para não concluir elucubrações
acerca da coincidência entre a posição política do Velho e de seu criador, pois,
como observou Gledson, não é relevante a coerência e a verossimilhança na
criação da persona do cronista: “(...) tudo é brincadeira, e as contradições fazem
parte do jogo”. (GLEDSON, 2006, p. 150)
O Velho insiste em estabelecer a divisão de águas entre a sua
produção e a de Carlos e, para isso, naquela mesma crônica de outubro de 1861,
procura conquistar de alguma forma a simpatia de seus leitores com a informação
de que o mancebo elegante continuaria a atuar como colaborador da Revista
Popular:
(...) para modificar a má impressão que devo produzir, começo por declarar que o nosso amigo Carlos não abandonou a Revista Popular. Se o querem descobrir, procurem-no com cuidado: um pseudônimo o esconde com o véu da modéstia; mas a violeta que se oculta entre folhas protetoras é atraiçoada pelo perfume que exala. O estilo, o espírito, as idéias e o merecimento do trabalho respectivo atraiçoam o nosso Carlos. Carlos continua a ser um dos colaboradores da Revista; mas... cuidado! não vão agora dizer que eu não soube guardar este segredo. Um velho com o defeito que mais comum se observa entre as moças deve ser coisa muito ridícula! (C.Q., tomo XII, novembro de 1861, p. 249)
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Eis que iniciamos outra caça ao colibri. A partir desse número, pareceu-
nos intrigante a publicação de uma seção intitulada “Modas”, logo após da
“Crônica da Quinzena”. A princípio pensávamos que pudesse ser Carlos o
organizador da coluna, mas como não havia nenhum pseudônimo no fim das
descrições de figurinos, começamos a perseguir nosso pássaro nos números
finais da Revista.
Para nossa surpresa, semelhantes à “Palestra” do Archivo literário, nos
tomos XIV, XV e XVI havia também seções denominadas “Palestra fluminense”,
“Palestra do dia”, assinadas por Achimbert, e “Palestra brasileira”, por Fluviano.
Identificamos, entretanto, que as assinaturas ali apresentadas já tinham sido
apontadas em estudos sobre a Revista Popular como pseudônimos de Joaquim
Norberto de Sousa e Silva, sendo o primeiro utilizado para os assuntos históricos
e variedades e, o segundo, para as páginas amenas e humorísticas (cf MOREIRA,
1996).
Nosso olhar voltou-se então para uma seção que se apresentou nos
tomos XII e XIII como “Prazeres da corte”, assinada pelo pseudônimo
“Guaracinga”, e, nos tomos XV e XVI, como “Prazeres do campo”. Embora essa
ainda seja uma hipótese não confirmada, o estilo e a temática dessas colunas nos
levam a crer que estejamos próximos da “violeta” mencionada por Macedo.
Salvo todas as hipóteses que não pudemos averigüar até a conclusão
deste trabalho, o nosso intuito é apresentar as temáticas que foram
significativamente contempladas por cada cronista, no decorrer dos quatro anos
de publicação das crônicas quinzenais do periódico de Garnier. Verificaremos em
que medida ambos apresentaram em seu discurso idéias nacionalistas, o primeiro,
através da crítica à soberania da moda e do teatro franceses entre nós e, o
segundo, pela defesa à produção e à interpretação das peças de artistas
nacionais. É, portanto, a essa tarefa que nos ocuparemos nos próximos capítulos
dedicados à análise da produção do “mancebo elegante” e d’O Velho démodé na
seção “Crônica da Quinzena”.
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CAPÍTULO IIPAQUETES, MODAS E SALÕES
2.1 A produção de Carlos, o “mancebo elegante”A contribuição das crônicas da Revista Popular para o exame dos
aspectos sociais da corte brasileira foi constatada a partir das referências feitas
por Gilda de Mello e Souza (2001) a esses textos, em seu trabalho sobre a moda
no século XIX. Deles e das descrições de figurinos publicadas no periódico O
Novo Correio de Modas (1852-1854) a pesquisadora teria recolhido exemplos que
auxiliaram a sua análise sociológica do vestuário feminino, influenciado, naquele
momento, pelas modas francesa e inglesa. Tais periódicos se destacaram por
apresentarem às leitoras tupiniquins as novas tendências dos trajes de além-mar:
(...) Revistas como Le Follet, Nouveau Paris de Mercier, The Young Englishwoman, trazem sempre a sua prancha de modas. O mesmo acontecia com nossas publicações como a Revista Popular e O Novo Correio de Modas, que reproduziam as admiráveis aquarelas de Anais Toudouze, fazendo uma pormenorizada descrição dos trajes. Por isso, no Brasil, a entrada do paquete inglês era esperada com sobressalto, pois junto com as notícias internacionais chegavam as regras da elegância. A crônica social de 16 de março de 1860, da Revista Popular, abre-se alvissareira com a notícia da última revolução havida nas altas e aristocráticas regiões da moda – a imperatriz Eugênia havia abandonado a crinolina. (SOUZA, 2001, p. 224)
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Figura 5: Eugénie - retrato de Franz Winterhalter
(R.P., ano 2, 1860, tomo VIII, 26/09/1860 a 10/12/1860)
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Notamos que o interesse das damas brasileiras pela moda era
observado e, por isso, alimentado quinzenalmente com a apresentação de
gravuras de modas e de comentários sobre os costumes de personalidades
européias do século XIX, como foi o caso apontado por nosso cronista sobre a
novidade estabelecida pela esposa de Napoleão III, a imperatriz Eugénie
(1826-1920), considerada, graças à dedicação do modista inglês Charles
Frederick Worth (1825-1895), a referência na difusão do uso da saia crinolina11.
Além de incitar as leitoras através de alusões aos costumes das
celebridades do tempo, vale reiterar que a introdução de pranchas coloridas de
página inteira era também uma escolha feita por editores de periódicos, ainda em
fins do século XIX, no lugar do habitual recurso da isca do romance-folhetim.
Marlyse Meyer nota esse fenômeno em seu estudo sobre a revista Estação,
quando apresenta a carta dirigida às leitoras do final de 1879 com as promessas
para o ano seguinte:
Demos agora uma nova forma à parte literária, adornando-a com gravuras e convidando para a redigir alguns de nossos escritores prediletos. (...) [O] sistema de associação do assinante à empresa (...) permitiu, pela módica quantia de 12$ anuais, que este jornal desse aos seus assinantes a soma de matéria e gravuras superior à de qualquer publicação ilustrada (...) [e] moldes cortados, principalmente em corpinhos. A nossa parte literária vai ser ampliada e sofrer diversos melhoramentos que o tornará um verdadeiro jornal literário e ilustrado. (MEYER, 1992, p. 444-445)
É preciso destacar que a inserção de imagens referentes às novas
11 James Laver (1989) aponta a relação simbólica da invenção da crinolina com a época em que floresceu, ou seja: “em um de seus aspectos, simbolizava a fertilidade feminina, como um aumento do tamanho aparente dos quadris sempre parece sugerir. (...) Em outro sentido, a crinolina era um símbolo do suposto distanciamento das mulheres. A saia rodada parecia dizer ‘Você não pode se aproximar nem para beijar a minha mão’. Mas é claro que a enorme saia rodada era um grande fingimento; ela era um claro instrumento de sedução (...). A crinolina estava de um lado para o outro. Era como um balão cativo muito agitado (...). A crinolina, com toda certeza, não era um traje virtuoso, e a época em que atingiu o seu maior desenvolvimento, o Segundo Império francês, não foi uma época de muita moralidade (...). Parece ter havido, certamente, uma relação simbólica entre a crinolina e o Segundo Império, com sua prosperidade material, sua extravagância, suas tendências expansionistas... e sua hipocrisia”. E a rainha da crinolina foi a própria imperatriz Eugênia”. (LAVER, 1989, p. 184; 185)
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tendências européias foi explorada nos 67 (sessenta e sete) textos publicados sob
o pseudônimo Carlos (de 4 de janeiro de 1859 a 1º de novembro de 1861),
período que classificamos como primeira fase da coluna de crônicas da Revista
Popular. Aqui julgamos importante retomar a maneira como Gilda qualifica o texto
da seção “Crônica da Quinzena” por ela citado: crônica social. Esse aspecto,
aliado ao fato de ter sido o primeiro cronista da coluna um observador dos salões
fluminenses e das vitrines das modistas francesas instaladas na Rua do Ouvidor,
parece ser suficiente para nos apontar a importância do corpus estudado como
retrato de parte da vida cotidiana do Rio de Janeiro em meados do século XIX.
Esse mérito, como apontou Gilda de Mello e Souza (2001), não foi
exclusivo da publicação de Garnier. Já em 1852 os assuntos relacionados às
novas tendências da Moda inglesa e, sobretudo, francesa, levaram a “Casa E. H.
Laemmert” a publicar uma revista dedicada exclusivamente à difusão de estilos na
corte brasileira: o Novo Correio de Modas (1852-1854). Com seção de crônicas
análoga à que seria publicada mais tarde pela Revista Popular - “Folhetim da
Quinzena”, apresentou a descrição de figurinos copiados de revistas inglesas e
francesas como The English Woman’s Magazin, Le courrier des dames, Le
Moniteur de la mode, Les modes parisiennes, Le journal des demoiselles e Le
journal des dames. Trazendo quinzenalmente pranchas de modas que
reproduziam as aquarelas de Anaïs Toudouze (1822-1899), aqueles periódicos
brasileiros dedicavam crônicas ou colunas especializadas às descrições
pormenorizadas dos trajes que deveriam ser usados pelas leitoras do Brasil.
Ora, a escolha pelo sexo feminino pode ser explicada graças a uma das
características da crônica que já discutimos: a suscetibilidade dos redatores aos
anseios dos seus interlocutores, cuja maioria, nesse caso, poderia ser identificada
como mulheres. Dessa forma, os cronistas passaram a dedicar parte de seus
textos a assuntos que, na Revista Popular (1859-1862), por exemplo, a Redação
do periódico considerava reservados ao público feminino: a costura, a economia
doméstica e a moda. Tais temas são explicitados como incentivo à leitura e,
40
sobretudo, como propaganda da assinatura daquela Revista, na já citada
Introdução ao seu primeiro tomo. (R. P., tomo I, 05/01/1859, p. 4)
Tendo em vista essas descrições de figurinos que fazem parte de textos
pertencentes a um gênero textual considerado o terreno da experimentação
literária de escritores brasileiros do século XIX, pareceu-nos interessante, em um
primeiro momento, lançar mão das considerações até aqui feitas sobre a
relevância da descrição de roupas em nossas crônicas e, compará-las à terceira
parte da obra Sistema da Moda – “O Sistema Retórico”, de Roland Barthes, na
qual será identificado o papel da conotação e da denotação como níveis de
análise dos pressupostos ideológicos latentes na escrita de moda. Em seguida,
destacamos outra visada possível para a análise da presença da moda francesa
na interlocução estabelecida entre o primeiro cronista e o público leitor feminino
das nossas crônicas: as considerações feitas por René Girard (1961) a respeito do
desejo mimético que, além de explicitar os mecanismos geradores da disputa
incitada entre as freqüentadoras dos bailes e dos teatros fluminenses do
oitocentos, é reveladora das idéias nacionalistas suscitadas pela crítica de Carlos
à aceitação da indumentária européia entre nós.
2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena”
Na terceira parte do Sistema da Moda, intitulado “O Sistema Retórico”,
o crítico francês Roland Barthes (1915-1980) apresenta cinco princípios de
análise: O significante retórico - a escrita de Moda; O significado retórico - a
ideologia de Moda; Retórica do significante - a Poética do vestuário; Retórica do
significado - o mundo da Moda e Retórica do signo – a razão de Moda. À medida
que apresentarmos cada um desses princípios, destacaremos a sua contribuição
para a análise que pretendemos traçar dos enunciados de Moda presentes nas
crônicas da Revista Popular (1859-1862).
Inicialmente, no que diz respeito à escrita de Moda como significante
retórico, o autor recorreu à terminologia proposta em O grau zero da escrita, ao
41
destacar que os enunciados desse domínio não revelam um estilo (fala individual
absolutamente singular, de um escritor, por exemplo), mas de uma escrita (fala
coletiva de um grupo limitado). Acrescenta a essa constatação a pretensa
imparcialidade do redator na descrição de roupas:
En décrivant un vêtement ou son usage, le rédacteur n’investit dans sa parole rien de lui-même, de sa psychologie profonde ; il se conforme simplement à un certain ton conventionnel et réglé (on pourrait dire un ethos), à quoi on reconnaît d’ailleurs tout de suite le journal de Mode ; on verra au reste que le signifié rhétorique des descriptions vestimentaires compose une vision collective articulée sur des modèles sociaux, et non sur une thématique individuelle12. (BARTHES, 1967, p. 256)
Atribui ao fato de ser o enunciado de Moda inteiramente absorvido em
uma simples escrita a impossibilidade de sua relação com a Literatura. Alerta que,
mesmo ao ostentar Literatura, com o uso de linguagem rebuscada, ele não pode
realizá-la. Somente uma “estilística da escrita” poderia dar conta de explicar o
significante retórico.
As observações que Barthes nos apresenta acerca da escrita de Moda
em revistas francesas da segunda metade do século XX diferem de nossas
constatações acerca do discurso sobre a difusão de estilos presente na seção
“Crônica da Quinzena” da Revista Popular (1859-1862). Nestas, além de notarmos
o evidente envolvimento do cronista, tanto pela linguagem empregada quanto pelo
que podemos inferir de seus julgamentos com relação às eventuais inadequações
dos trajes das senhoras fluminenses, concluímos que os comentários arrolados
são permeados pelo discurso de um grupo, do qual fazem parte os críticos dos
costumes da corte brasileira em oitocentos:
12 Ao descrever um vestuário ou seu uso, o redator não investe nada de si próprio ou de sua psicologia em sua palavra profunda; conforma-se simplesmente com um certo tom convencional e regulamentado (poder-se-ia dizer um ethos), em que se reconhece, aliás, imediatamente um jornal de Moda. Ver-se-á, além disso, que o significado retórico das descrições vestimentárias compõe uma visão coletiva, articulada sobre modelos sociais, e não sobre uma temática individual. (BARTHES, 1979, p. 216)
42
Por toda a parte só se fala no suntuoso baile da primeira sociedade carnavalesca. Elogia-se o brilhantismo da festa, a escolha dos concorrentes, a delicadeza e a profusão do serviço. Entretanto, que as mil trombetas da fama apregoam mais uma batalha ganha pelos infatigáveis sócios do Congresso, a crítica não perde o seu precioso tempo; pela boca pequena, e muito à surdina, deplora que a nossa sociedade ainda ignore o que é um baile de fantasia, e não perdoa sequer às leitoras da Revista, que foram ao Clube e não se aproveitaram do figurino distribuído no mês de janeiro. Com efeito, a crítica tem razão; foi tão limitado o número das senhoras que pediram à fantasia um traje diverso daqueles com os quais se adornam nos dias festivos, que o baile do Congresso perdeu alguma coisa do seu interesse. (C. Q., tomo V, 01/03/1860, p. 316-317)
Figura 6: Gravura de modas de janeiro de 1860 (R.P., ano 2, tomo V,
01/01/1860 a 16/03/1860). A este figurino se refere o cronista no excerto acima transcrito
como sugestão da Revista para a confecção de trajes adequados aos bailes
carnavalescos daquele ano.
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Ao endossar o discurso daquele grupo observador da vida social
fluminense, Carlos poderia aproximar tais sugestões e críticas de figurinos ao
mecanismo definido no Sistema da Moda como fala coletiva. Como não faz uso de
uma linguagem rebuscada, própria de um grupo responsável por ditar as regras da
moda no corpus analisado por Barthes (1967), em nosso caso, a proximidade que
prevalece é com as leitoras. Tal intimidade, facilitada pelo uso de um linguajar
corriqueiro e de palavras que correm “pela boca pequena”, garante ao nosso
cronista o poder de persuasão ao tratar de moda, terreno marcado por uma
concepção que tende à universalização de usos e de comportamentos efêmeros,
como os apontados para os participantes de diferentes classes sociais durante as
festividades carnavalescas do Rio de Janeiro em 1860:
Não se diga que os vestuários apropriados a tais bailes são por demais dispendiosos, e que por isso muitas pessoas não se querem sujeitar ao seu uso; há alguns tão simples, cômodos e econômicos, que não só se prestam para a ocasião, como mais tarde são suscetíveis de qualquer transformação, e servem para outro baile, para um passeio, para uma visita, ainda mesmo cerimoniosa. A economia depende do gosto. Quem estiver nas circunstâncias de despender maior soma sem sacrificar a sua fortuna, sacie a fantasia no ouro, nas sedas e nos veludos; quem recear comprometer a módica renda de que dispõe, e não quiser excedê-la com despesas desnecessárias, recorra ao algodão, à lã e ao linho e encontrará mais de um artefato que lhe convenha. Nos bailes caracterizados, tanta importância se dá aos brilhantes de uma rainha, como às fitas de uma camponesa; logo que a reunião é escolhida, o espírito transpõe a distância da fortuna. (C.Q., tomo V, 01/03/1860, p. 317)
Ao apresentar esses ditames, mesmo que delicadamente impostos pela
conveniência de não repetir trajes quando é possível despender dinheiro com
novas fazendas, poderíamos classificar os fragmentos dedicados ao uso de
roupas na seção “Crônica da Quinzena” como escrita de Moda e,
conseqüentemente, afirmar a impossibilidade de sua relação com a Literatura.
Preferimos admitir, porém, que esses momentos se configurariam como a
manifestação plena do relato da vida cotidiana nas crônicas, para nós, relato de
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um tempo vivido em textos caracterizados como terreno de experimentação
literária de nossos escritores do século XIX.
Segundo Barthes, o que denominaríamos de fato escrita de Moda
corresponde um significado geral, que não é nem explícito, nem implícito, mas
latente: a ideologia de Moda. É o paradoxo da significação conotada: trata-se de
uma significação que é recebida, mas que não é lida. Longe de ser decifrada
claramente pela leitora de Moda, ela se impõe através de sua “nebulosidade”, sua
“imprecisão massiva”.
Embora tenhamos notado que o discurso do cronista da Revista
Popular não se limita à pretensa e à rebuscada escrita de moda definida por
Barthes, identificamos fragmentos de crônicas nos quais a soberania da moda
francesa parece conotada. Há, então, duas possibilidades para a recepção desse
fenômeno: na primeira, a leitora seria guiada pelo pressuposto de que os figurinos
franceses são os mais adequados sem que perceba a opinião tendenciosa do
cronista, quando este assume o discurso da instância denominada por Barthes
(1967, p. 243) fashion-group:
Como não ignorais, tudo hoje se vai reformando, menos o antigo hábito de acompanharmos de longe a França nas suas loucuras acobertadas sob a palavra mágica -moda. Debalde tem aparecido quem queira regenerar os costumes americanos; debalde uma ou outra pessoa desinteressada tem pretendido nacionalizar os trajes, adaptá-los às estações, se é que entre nós elas se tornam distintas: a França e, sobretudo, Paris, não cede um palmo de terreno habilmente conquistado e todos os dias os armazéns da rua do Ouvidor e da Quitanda, expõem novos produtos de uma indústria sempre crescente e do mais desenvolvido gosto. (C.Q., tomo I, 01/03/1859, p. 56-57bis)
O segundo olhar que as leitoras poderiam lançar a esse tipo de excerto
é o que lançamos hoje: trata-se de uma crítica à suposta soberania da moda
francesa no século XIX e, nesse sentido, o ponto de vista de Carlos, ao contrário
do que imaginávamos, coincide com o que apresentaria mais tarde O Velho: a
defesa da nacionalidade de nossas manifestações artísticas e sociais.
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Tal hipótese interpretativa pode ser ampliada quando identificamos as
proprietárias dos estabelecimentos, onde eram vendidos os acessórios e as
fazendas para a confecção dos figurinos copiados das revistas de além-mar, como
a instância que ditava no Brasil os estilos europeus em detrimento das possíveis
adequações dos nossos trajes ao clima nacional. Eram senhoras francesas, que
concediam como matéria ao cronista a descrição do último figurino aportado do
paquete inglês em troca de uma breve propaganda de seus negócios na “Crônica
da Quinzena”:
Agora que nos vamos ocupar da explicação dos tesouros que mais agradaram ao artista emissário, permiti que eu ceda a palavra a Mme Catharina Dazon para vos fazer a Descrição da gravura de modas. (...) É ocioso lembrar-vos que Mme Catharina Dazon & filho recebem por todos os paquetes a melhor escolha de artigos modernos, e se incumbem de dar vida aos figurinos sujeitos ao seu hábil sistema de interpretar as criações artísticas. (C. Q., tomo VI, 10/05/1860, p. 255-256)
Esse canal publicitário parece ser eficiente, provavelmente o preferido
pelas modistas francesas e pela livraria do francês da rua do Ouvidor. Lembremos
que só identificamos páginas dedicadas a anúncios nos tomos I e II da Revista13.
Como o número de estabelecimentos de artigos de moda era significativo dentre
todas as intituladas “Casas Recomendáveis”, o anúncio feito nas crônicas pode ter
rendido a Garnier o lucro necessário da publicidade e, ao cronista, a matéria da
qual aproveitava para encetar comentários irônicos acerca de nossos costumes
que animassem o registro de algumas quinzenas monótonas da Corte fluminense.
13 Ver 1.1 A Revista Popular e a sua proposta editorial e seus leitores, p. 11.
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Figura 7: Gravura de modas de maio de 1860 (R.P., ano 2, tomo VI, 23/03/1860 a
10/06/1860). No excerto acima transcrito, de 10/05/1860, o cronista faz referência a este
figurino de modas descrito por Mme Dazon.
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Tendo identificado aqueles representantes da difusão da Moda francesa
no Brasil Imperial e o seu lugar dileto em nosso periódico, passemos a outro
princípio do “Sistema Retórico” barthesiano que nos interessa de perto: a poética
do vestuário. Barthes a define pelo reencontro de uma matéria (o vestuário) e de
uma linguagem não funcional: a descrição intransitiva (improdutiva) de moda
esboça uma “poética”, constituindo-se em espetáculo e implicando um imaginário.
Trata-se de uma retórica “rara e pobre”, que está bem longe de utilizar todas as
virtualidades que o vestuário comporta:
Le vêtement est décrit selon une nomenclature pure et simple, privée de toute connotation, entièrement absorbée par le plan de la dénotation, c’est-à-dire par le code terminologique lui-même (...) C’est en somme au niveau du vêtement lui-même que la Mode fait le moins de littérature, comme si, rencontrant sa propre réalité, elle tendait à devenir objective et réservait le luxe de la connotation au monde, c’est-à-dire à l’ ailleurs du vêtement14. (BARTHES, 1967, p. 265-266)
Para Barthes, haveria aí o primeiro índice do poder da denotação sobre
o sistema da Moda: a Moda tenderia a denotar o vestuário porque, por mais
utópica que ela seja, não abandona o projeto de um certo fazer, isto é, de uma
certa transitividade de sua linguagem (ela deve levar a usar esse vestuário).
Acrescenta-se a esse fato a retórica pobre do enunciado de Moda, o que
equivaleria ao uso de metáforas, jogos de rima e torneios de frases determinados
não por referência às qualidades brilhantes da matéria, mas por estereótipos
tomados de uma tradição literária vulgarizada. Classifica, enfim, essa retórica
como banal. Por isso,
on peut dire que chaque fois que la Mode accepte de connoter le vêtement, entre la métaphore « poétique » (issue d’une qualité « inventée » de la matière) et la métaphore stéréotypée (issue
14 O vestuário é descrito segundo uma nomenclatura pura e simples, privada de qualquer conotação, inteiramente absorvida no plano da denotação, isto é, pelo próprio código terminológico. (...) É, em suma, no nível do próprio vestuário que a moda faz menos literatura, como se, encontrando sua própria realidade, tendesse a tornar-se objetiva e reservasse o luxo da conotação para o mundo, isto é, para fora do vestuário. (BARTHES, 1979, p. 224).
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d’automatismes littéraires), c’est la seconde qu’elle choisit15. (BARTHES, 1967, p. 266)
Com relação a essa funcionalidade da descrição de Moda e a sua
linguagem automatizada, poderíamos dizer que escritores brasileiros do século
XIX, como Carlos e tantos outros literatos de nosso cânone, se revelaram
verdadeiros peritos em matéria de roupa feminina, o que se constata por seu
prazer em descrever com detalhes mangas, decotes e roupões frouxos.
Conhecem o nome dos tecidos, a bela nomenclatura das cores, ajustando aos
corpos, com habilidade de modistas, fofos, apanhados e rendas. Tal trabalho se
assemelha ao que encontramos nas coletâneas de pranchas de Modas,
documentos históricos nos quais foram ilustradas e descritas de forma objetiva
como deveriam ser fabricadas as peças que hoje compõem a História da
Indumentária.
É justamente essa objetividade e precisão do saber “levar a fazer” que
motivou Barthes a denominar a descrição de modas em revistas como “Retórica
rara e pobre”. Embora reconheça que o vestuário constitui certa disposição
poética, esta atestada pela excelência das descrições vestimentárias na Literatura,
todas as qualidades da matéria mobilizadas nos textos literários como substância,
forma, cor, tactilidade, movimento, apresentação e luminosidade, não são
honradas nos enunciados dos jornais de Moda da década de 1950, corpus do seu
trabalho.
Ora, tratamos de períodos diferentes, obviamente. O que nos intrigou,
entretanto, durante a leitura daquele estudo barthesiano e no curso das nossas
observações acerca das diferenças entre a descrição de roupas na Literatura e a
descrição de figurinos nos jornais, é como deveríamos encarar esta última quando
inserida em crônicas. Não seria possível limitar as descrições da seção “Crônicas
da Quinzena” ao terreno do como fazer, ou seja, da denotação pura. O próprio
15 Pode-se dizer que cada vez que a Moda se põe a conotar o vestuário, entre a metáfora poética, tirada de uma qualidade “inventada” da matéria, e a metáfora estereotipada, tirada de automatismos literários, é a segunda que ela escolhe.” (BARTHES, 1979, p. 225).
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cronista declara que não as encara com o fim de levar a usar, mas de despertar o
interesse pela composição artística e pela possível censura da gravura
apresentada no corpo da Revista:
A moda: o que seria dela se sempre a sujeitássemos à monótona descrição dos figurinos? Iria fazer parte de um fato diverso, de uma gazetilha, e perderia assim todo o valor que ainda lhe dão. Que importa que o artista se esmere em desenhar um tipo original, elegante e novo em parte ou no todo, se antes de ser adotado não houver a cautela de o submeterem às (...) discussões indispensáveis? (...) Chega-nos às mãos uma gravura tal como esta que hoje vos é distribuída. Ninguém ousará negar que é lindíssima e que a alta novidade presidiu à sua confecção: o desenhista caprichou em dar-lhe a maior beleza e o gravador empenhou todo o seu talento em não lhe alterar um traço. Agora, pergunto-vos, esta mesma gravura, apesar de ser uma das melhores da vossa escolhida coleção, é ou não suscetível de ser modificada, está ou não no caso de passar, como qualquer outra, pelo cadinho da censura? (C. Q., tomo VII , 15/07/1860, p. 122)
Nesse excerto, além de valorizar o espaço utilizado para a descrição de
modas – ou para a salvação do cronista quando lhe falta matéria que preencha as
páginas reservadas à crônica, parece clara aquela possibilidade de crítica à
aceitação tácita dos figurinos importados em nosso país. Embora reconheça o
trabalho do ilustrador da prancha apresentada pela Revista, Carlos propõe uma
reflexão sobre a ditadura do vestuário aportado de além-mar e aponta que a
discussão sobre a difusão de estilos não deve ser feita de forma automatizada,
sem questionamentos e sem contextualização (nem que esta se limite a
esclarecer no título da descrição da gravura de Modas parisiense a estação à qual
ela se refere e que, obviamente, não coincide com a do nosso Hemisfério no mês
de julho):
Descrição de um trajo de primavera: Duas senhoras conversam; uma acompanhada por sua filhinha visita a outra, que passeia por entre as flores do seu jardim. A que faz a visita traja um lindo vestido de seda rajado de branco e roxo (...). O chapéu, que completa o seu vestuário, é de palha de arroz; quatro tiras delgadas de tafetá roxo guarnecem a aba; sobre a capa vê-se um
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laço de fita, e ao lado direito um raminho de flores; tanto a fita do laço, como as flores são da mesma cor do tafetá, que adorna a aba. A menina traz um vestidinho de musselina branca com cinco babados bordados (...). Na cabeça loura tem ela um chapéu de palha de arroz ornado de pluma azul da mesma gradação que a fita do cinto. A feliz habitante da chácara, que recebe tão amáveis visitas, traja um vestido de cassa branca com salpicos pretos (...). Cobre-lhe a cabeça, desleixadamente colocado, um chapéu redondo de abas levantadas e debruadas de veludo preto; uma pena de galo de reflexo verde escuro enfeita o lado esquerdo do chapéu, e confunde-se com os espessos anéis de cabelo de penteado. (C. Q., tomo VII 15/07/1860, p. 122)
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Figura 8: Gravura de modas de julho de 1860 (R.P., ano 2, tomo VII, 26/06/1860 a
10/09/1860). A este figurino faz referência o cronista no excerto acima transcrito.
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Se por um lado somos capazes de interpretar hoje como irônica a
diferença de estação destacada no início da apresentação do figurino, de outro, é
provável que, ao realizar uma leitura desatenta, ignoremos a linguagem e a
técnica adotadas nesse tipo de descrição. Tais recursos estilísticos correspondem
justamente ao que Barthes denominou no quarto princípio do “Sistema
Retórico” (Retórica do significado) como euforia de Moda.
A lei de euforia da Moda se relaciona ao “bom tom” da Moda que, no
intuito de impedir a referência a qualquer coisa de desgracioso estética ou
moralmente, se aproxima da linguagem maternal. É, nas palavras de Barthes,
(...) le langage d’une mère qui « préserve » sa fille de tout contact avec le mal ; mais cette euphorie systématique semble aujourd’hui particulière à la Mode (elle appartenait autrefois à toute littérature pour jeunes filles)16. (BARTHES, 1967, p. 292)
Ora, notar que a linguagem de moda se assemelha àquela empregada
na literatura para moças, em especial à dos folhetins românticos do século XIX,
nos permite mais uma vez aproximar nossas crônicas do estatuto da
experimentação literária. A maneira como o cronista contextualiza as personagens
da gravura de modas na Descrição de um trajo de primavera com o uso de
substantivos no grau diminutivo também garante o “bom tom” da Moda que, no
intuito de impedir a referência a qualquer coisa de desgracioso estética ou
moralmente, se aproxima da linguagem maternal apontada por Barthes.
A relação entre as descrições de Moda e a Literatura Folhetinesca é
ainda mais relevante quando reiteramos que, no início da década de 1850, o
periódico Novo Correio de Modas (1852-1854) intitulava a sua coluna reservada a
descrever figurinos como “Folhetim da Quinzena”, ao passo que, em 1859, a
Revista Popular ainda reservava um cantinho para apresentar os detalhes das
pranchas francesas em uma seção de crônicas também quinzenal. Tal
16 “(...) a linguagem de uma mãe que ‘preserva’ a filha de todo contato com o mal. Mas essa euforia sistemática parece hoje particular à Moda (pertencia outrora a qualquer literatura para moças)” (BARTHES, 1979, p. 248).
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constatação demonstra que, mesmo em face da evolução desse gênero textual,
apresentando na década de 60 a análise de fatos cotidianos, os cronistas desse
período ainda tinham como modelo as publicações periódicas romanceadas
anteriores às suas produções.
Com relação ao quinto e último princípio do “Sistema Retórico”, a
Retórica do signo – a razão de Moda, Barthes alerta sobre a racionalização do
arbitrário da Moda nos seguintes termos:
Dans le même temps où la Mode édifie un système très strict de signes, elle s’emploie à donner à ces signes l’apparence de pures raisons ; et c’est évidemment parce que la Mode est tyrannique et son signe arbitraire, qu’elle doit le convertir en fait naturel ou en loi rationnelle : la connotation n’est pas gratuite ; elle a, dans l’économie générale du système, la charge de restaurer une certaine ratio17. (BARTHES, 1967, p. 293)
Quanto mais a Moda é irreal, mais ela visa se abrigar sob a ratio
arbitrária de seus editos. Algumas vezes o tom de seus enunciados se parece com
aquele da constatação, como a que notamos em uma das primeiras crônicas da
Revista Popular acerca do uso de chapéus: “Os chapéus continuam a ter forma de
um cogumelo inclinado sobre a haste” (C. Q., tomo I, 01/03/1859, p. 59). Em
outros, o objeto parece se conformar “naturalmente” a uma função que deve ser
honrada (participação em festa de personalidade importante, por exemplo). A lei,
portanto, se encontra transformada em fato e adquire a necessidade do fenômeno
natural. Habitualmente mascarada sob esta lei-fato, a ratio da Moda revela à
análise sua arbitrariedade essencial.
De fato, quando se estabelece que um vestuário vale-para alguma
grande circunstância de ordem, por assim dizer, antropológica, estação ou festa, a
função da roupa como proteção ou paramento é plausível. São várias as
17 Ao mesmo tempo em que a Moda edifica um sistema bastante estrito de signos, ela trata de dar a esses signos a aparência de meras razões. E é evidentemente porque a Moda é tirânica e seu signo arbitrário que ela deve convertê-lo em fato natural ou em lei racional: a conotação não é gratuita, mas tem, na economia geral do sistema, o encargo de restaurar uma certa ratio. (BARTHES, 1979, p. 249)
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descrições de figurinos da seção “Crônica da Quinzena” que apresentam alguma
funcionalidade, sendo esta explicitada em discursos que precedem a descrição
das gravuras propriamente ditas:
Seja como for, minhas leitoras, nenhuma dentre vós quererá apresentar-se na Phil’Euterpe ou no Club com um vestido que fez a sua estréia na estação passada; a moda repele semelhante economia e nada há menos gracioso do que fazer oposição à moda. (...) As casas de Lacarrière, Seurat, Dazon, Vallerstein, Décap e tantos outros se muniram convenientemente dos mais primorosos tecidos apropriados à quadra que atravessamos, e convém dar-lhes a devida extração (...). Pensando assim, dei-me ao trabalho intrincado de estudar a primorosa gravura, que com esse número vos será entregue, e, bem ou mal, cheguei a um resultado, que submeto a vossa justa apreciação. (C. Q., tomo II, 01/05/1859, p. 183-184)
Nesse exemplo, a razão de Moda é notável pela imposição sutil da
confecção de novos trajes para a presença aos bailes dos salões da corte, sendo
tal arbitrariedade reforçada pela recriminação à economia na compra dos tecidos e
dos acessórios que ornarão o figurino descrito na crônica em questão.
Para Barthes essas imposições configuram o que ele chama paradoxo
da arte romanesca: toda Moda restrita a uma funcionalidade arbitrária é irreal, mas
também, quanto mais a função é contingente, tanto mais ela parece natural.
Assim, a literatura de Moda alcançaria o postulado do estilo verista, segundo o
qual uma acumulação de detalhes pequenos e particulares dá crédito à verdade
da coisa representada melhor que um simples esboço, pretendendo-se que o
quadro esmiuçado seja mais verdadeiro que o quadro esboçado. Esse é também
um aspecto que pode ser constatado em nossas crônicas, já que Carlos relata o
seu esforço em descrever os detalhes das gravuras que apresenta às suas
leitoras, apesar de todos os tropeços de sua expressão:
Parece-me ouvir-vos dizer que sou incapaz de detalhar o conjunto de elegância e beleza encerrado na estampa que tendes diante dos olhos; confesso-vos ingenuamente que fiz o que pude; dei tratos à imaginação, e se mais não consegui, não devo por isso
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ser criminado. Fora do meu elemento e consciente de que a vossa inteligência suprirá as faltas por mim cometidas, escrevi centenas de linhas para resumi-las com toda a cautela e oferecer-vos uma incompleta e obscura DESCRIÇÃO DO FIGURINO DE MODAS. (C. Q., tomo II, 01/05/1859, p. 184)
Figura 9: Gravura de modas de maio de 1859 (R.P., ano 1, tomo II, 31/03/1859 a
16/06/1859). A este figurino o cronista faz referência no excerto acima transcrito.
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O autor de Sistema da Moda relaciona a descrição minuciosa das
funções vestimentárias à tendência da imprensa em personalizar toda informação,
em fazer de todo enunciado uma interpelação direta, de nenhum modo à massa
dos leitores, mas a cada leitor em particular. E sobre aquele estilo verista
postulado na escrita de Moda, Barthes conclui:
On voit que le réel impliqué par les fonctions de Mode est essentiellement défini par une contingence ; ce n’est pas un réel transitif, c’est, une fois de plus, un réel vécu d’une façon fantasmatique, c’est le réel irréel du roman, emphatique à proportion de son irréalité18. (BARTHES, 1967, p. 296-297)
Com relação a essa dialética do real e do irreal, devemos destacar a
ação da língua no plano da denotação, lugar em que ela acentua a natureza
semântica da Moda, pois, pelo descontínuo de suas nomenclaturas, multiplica os
signos mesmo onde o real, só propondo uma matéria contínua, teria dificuldade
em significar apuradamente.
Assim, no plano da denotação, a língua assume um papel regulador,
inteiramente submisso a fins semânticos: poderíamos dizer que a Moda fala na
própria medida em que ela quer ser sistema de signos. No plano da conotação,
entretanto, a retórica abre a Moda ao mundo: o mundo está presente na Moda,
não mais como potência humana produtora de um sentido abstrato, mas como
conjunto de razões, isto é, como ideologia. É então pela linguagem retórica que a
Moda se comunica com o mundo, participa de uma certa alienação e de uma certa
razão dos homens.
Em linhas gerais, apresentamos os princípios do “Sistema Retórico” que
norteiam o estudo sobre a ideologia da escrita de Moda explorada por Roland
Barthes. Relacionamos o que foi possível para entender em que medida suas
considerações são pertinentes à análise de enunciados de Moda pertencentes a
18 Vê-se que o real implicado pelas funções de Moda é definido essencialmente por uma contingência. Não é um real transitivo. É, uma vez mais, um real vivido de um modo fantasmático, é o real irreal do romance, enfático na proporção de sua irrealidade” (BARTHES, 1979, p. 254).
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um corpus publicado na Revista Popular, periódico do oitocentos que reservava
um cantinho a ser transformado no século XX em publicação integralmente
dedicada ao público feminino. Graças às constatações de Barthes acerca da Moda
escrita em revistas de meados do século passado, flagramos em nossas crônicas
do XIX a crítica velada de Carlos à soberania da moda francesa, feita através do
uso de um discurso pretensamente moderado e de uma linguagem denominada
maternal. Ambas nos sugerem a possível existência de um fio condutor dos textos
da seção “Crônica da Quinzena”: o desejo de afirmar a originalidade de nossas
artes e de nossos costumes no processo civilizatório do Brasil oitocentista.
Nossa proposta é continuar a desenrolar esse fio e, para tanto,
seguimos a sua extensão, guiados por René Girard (1923-), outro francês que não
hesitou em explorar as implicações do discurso sobre moda em produções
literárias. Aproveitamos suas reflexões para analisar, sob ponto de vista diverso
daquele apresentado por Barthes (1967), ainda a descrição de gravuras de modas
na produção de Carlos, o mancebo elegante.
2.1.2 O desejo mimético e as crônicas de Carlos
Durante o período em que nos dedicamos à leitura e à organização das
resenhas das crônicas assinadas por Carlos, outra possibilidade de análise da
presença da descrição de figurinos de moda franceses na seção nos foi revelada:
a teoria do desejo mimético proposta por René Girard, em sua obra consagrada
ao grande romance do século XIX, Mensonge romantique et vérité romanesque.
René Girard, nascido na França em 1923, e de formação francesa
(École des Chartes), atuou como intelectual de modo quase exclusivo nas
universidades americanas, particularmente em Stanford. O seu projeto inicial foi
uma história do desejo através das grandes obras literárias, e que redundou num
sistema teórico baseado num conceito único, o do "desejo mimético". Ele observa
na literatura do século XIX burguês, ao lado da proclamação enfática de um
desejo espontâneo, soberano e legitimador dos impulsos e gestos das
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personagens, a existência dissimulada, ou revelada, daquele que a sua teoria
designará como sendo um mediador. Isto é, todo desejo seria não dual, mas de
natureza triangular, suscitado por uma presença terceira. Um objeto só consegue
seduzir ou excitar se for o objeto do desejo de um outro.
MEDIADOR
SUJEITO OBJETO
Figura 10: Triângulo 1: desejo mimético girardiano
O homem, nessa perspectiva, seria incapaz de agir, aprender ou
desejar por si só. Essa estrutura triangular fundamental modifica-se, acentua-se
ou se atenua segundo os contextos, as épocas ou os escritores. Entretanto,
permanece idêntica em sua essência. O mediador, revestido do papel de modelo
reverenciado da imitação, representa também aquilo que se interpõe entre o
sujeito e o objeto, transformando-se por conseguinte em obstáculo. Por essa
razão, ambos serão prisioneiros de uma rede de sentimentos ambíguos ou
ambivalentes, que o sistema de René Girard chama de double bind.
Multiplicam-se, assim, os desdobramentos dessa relação fundamental,
permitindo ao autor deduzir os mecanismos da rivalidade, do ciúme, do
esnobismo, da dissimulação, do narcisismo, do ódio, e de sua propagação no
âmbito coletivo, e desenvolver, em particular e de modo muito original, uma
reflexão sobre a essência da vio lência. Pode-se avaliar, portanto, a ambição
e o leque de indagações que o pensamento e a teoria do desejo mimético de
René Girard despertam. Uma visão dos comportamentos humanos se desprende
progressivamente dos limites mais restritos de sua crítica literária, conferindo uma
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verdadeira dimensão antropológica ao conjunto da obra.
Tendo apresentado os conceitos-chave do pensamento girardiano,
propomos a análise das crônicas de Carlos a partir da apreciação feita pelo crítico
sobre os personagens dos romances de Flaubert, em especial, Emma Bovary. Na
produção deste literato francês, encontramos o que Girard denomina o desejo
segundo o “Outro”:
On retrouve le désir selon l’Autre et la fonction « séminale » de la littérature dans les romans de Flaubert. Emma Bovary désire à travers les héroïnes romantiques dont elle a l’imagination remplie. Les oeuvres médiocres qu’elle a dévorées pendant son adolescence ont détruit en elle toute spontanéité19. (GIRARD, 1961, p. 18)
FOLHETINS
EMMA BOVARY VIDA ELEGANTE
DE PARIS
Figura 11: Triângulo 2: desejo segundo o Outro em Emma Bovary
Girard aponta que Jules de Gaultier teria definido tal bovarismo latente
em quase todos os personagens de Flaubert:
Une même ignorance, une même inconsistance, une même absence de réaction individuelle semblent les destiner à obéir à la suggestion du milieu extérieur à défaut d’une autosuggestion
19 Encontramos o desejo segundo o Outro e a função “seminal” da literatura nos romances de Flaubert. Emma Bovary deseja através das heroínas românticas de que a sua imaginação está repleta. As obras medíocres devoradas durante a sua adolescência destruíram nela qualquer espontaneidade. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).
60
venue dedans20. (GAULTIER Apud GIRARD, 1961, p. 18)
A essa definição explicitada, em seu célebre ensaio Le Bovarysme,
Gaultier acrescenta que
Pour parvenir à leur fin qui est de « se concevoir autres qu’ils ne sont », les héros flaubertiens se proposent un « modéle » et « imitent du personnage qu’ils ont résolu d’être tout ce qu’il est possible d’imiter, tout l’extérieur, toute l’apparence, le geste, l’intonation, l’habit »21. (GIRARD, 1961, p. 18)
No contexto no qual se inserem os textos da seção “Crônica da
Quinzena”, é possível considerar as gravuras de modas o mediador do esquema
de desejo e, por isso, a chegada dos paquetes que traziam essas pranchas,
modelos de elegância para as damas do Brasil, era aguardada pelas leitoras da
Revista Popular com grande expectativa:
Às leitoras (...) oferece hoje a Revista a mais delicada gravura que ao Rio de Janeiro importou o paquete inglês: a simplicidade, a elegância e a beleza aí se dão as mãos e, auxiliadas pela arte, formam um todo brilhante e digno das pessoas a quem é oferecido. O cronista deseja ver realizados os modelos que passa a descrever. (C. Q., 16/11/1859, p. 262, tomo IV)
20 Uma mesma ignorância, uma mesma inconsistência, uma mesma ausência de reação individual parecem destiná-los a obedecer à sugestão do meio exterior na ausência de uma auto-sugestão proveniente de seu interior. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).21 Para alcançar seu fim, isto é, o de “se conceberem diferentemente do que são”, os heróis flaubertianos propõem a si mesmos um “modelo”, e imitam o personagem que resolveram ser em tudo o que é possível imitar, o exterior todo, a aparência toda, o gesto, a entonação, a roupa. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas).
61
Figura 12: Gravura de modas de outubro de 1859 (R.P., ano 1, tomo IV,
01/10/1859 a 16/12/1859). A este figurino se refere o cronista no excerto acima transcrito.
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Vimos que a relação tripla do desejo mimético é representada pela
metáfora espacial do triângulo: na base, ocupando cada qual um vértice,
encontramos o sujeito, as leitoras da Revista Popular, e o objeto, as roupas
confeccionadas segundo a voga da moda européia; no ápice, flagramos o
mediador que irradia ao mesmo tempo em direção ao sujeito e ao objeto, em
nosso caso, as pranchas de modas.
GRAVURAS DE MODAS
LEITORAS DA R.P. ROUPAS
FRANCESAS
Figura 12 Triângulo 3: desejo mimético nas crônicas da R. P.
Não era segredo que o mediador de nosso esquema de desejo, as
gravuras de modas aportadas do paquete inglês, eram cópias dos hebdomadários
franceses e ingleses. Ao deixar clara a procedência desses modelos, o cronista
também articula naquele fragmento o seu discurso, de modo a despertar o desejo
das leitoras em confeccionar vestidos tal como indicava o figurino importado.
Quando equipara a beleza da gravura à dignidade das mulheres que a recebem,
Carlos apela para a imaginação do seu público leitor, nesse momento voltada
àquelas que iriam seguir o modelo prescrito e que seriam notadas pelo cronista
quando ele fosse conferir o uso da roupa entre as freqüentadoras dos bailes e dos
teatros fluminenses.
De fato, o encanto por essas pranchas de modas é atestado pela
diversidade de cores e de situações nelas representadas. Como vimos, a
apresentação de figurinos à maneira da configuração do espaço folhetinesco e o
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uso de uma linguagem cujo tom é julgado apropriado à interlocução entre as
moças românticas da corte brasileira e o cronista elegante da Revista Popular,
favorecem a visualização do triângulo mimético que se revela nas crônicas
estudadas. Da mesma forma que a personagem Emma Bovary vislumbrava a vida
elegante e onírica de Paris através das protagonistas dos folhetins (FLAUBERT,
2001), as leitoras da seção “Crônica da Quinzena” desejavam os vestidos
parisienses através das personagens criadas pelo cronista naquelas descrições
contextualizadas das gravuras de modas.
Poderíamos ampliar a nossa reflexão ao verificar o papel da imprensa
na mediação desse desejo. Segundo Gilda de Mello e Souza (2001), a divulgação
atualizada em jornais das tendências européias e a concomitante anulação dos
privilégios de sangue revelam um fenômeno bastante comum a partir do
oitocentos: a fugacidade da moda. Ao ser difundida em todos os estratos sociais,
gera a competição na rua, no passeio público, nos salões, nos clubes, enfim, em
todos os ambientes freqüentados pelos habitantes da corte. O encanto pela
indumentária acelerava a variação de estilos, que se dava em espaços de tempo
cada vez mais breves.
O papel da imprensa brasileira na difusão de novas tendências é
relevante, já que, através de discursos como o que notamos em nossas crônicas,
as mulheres se sentiam impelidas a reproduzirem aqui as novidades de além-mar
e a disputarem entre si as atenções dos observadores da vida social citadina,
representados pelos cronistas dos hebdomadários do Rio de Janeiro Imperial.
Além dos olhares da crítica jornalística, um fator que também contribuiu
para o acirramento da disputa de estilos foi o advento da burguesia e da
industrialização com os quais a exclusividade da elite no universo da moda se
desfez gradativamente. Tal democratização possibilitou a participação de todas as
classes nesse processo e a ascensão dos homens às carreiras liberais desviou o
interesse do grupo masculino com relação à moda, que se torna reconhecida
como domínio exclusivo do grupo feminino.
Para compreendermos melhor no contexto descrito o objeto de desejo
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da mediação aqui explicitada -a roupa, é necessário pensar nos bailes da corte. O
salão mundano era o espaço onde as damas assumiam uma nova identidade,
graças ao glamour de suas vestimentas. Era também o terreno propício para
apresentarem sua beleza e sua fama aos homens que as cobiçavam. Aurélia,
personagem da obra Senhora, publicada por José de Alencar já em 1875, pode
ilustrar esses casos:
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela. Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões. Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade. Era rica e formosa. (ALENCAR, 1994, p. 17)
Algo que atestamos em nossas crônicas sobre a repercussão de bailes
ou da representação teatral da última quinzena é o sucesso de algumas damas
registrado por Carlos, através da descrição de seus trajes. Como aquelas
mulheres das pranchas de modas, essas senhoras, cujos nomes o cronista oculta
nas suas iniciais, também são personagens que, nesse momento, compõem o
cenário da vida social fluminense representada na seção “Crônica da Quinzena”:
O primeiro, o que causou maior expectação, era feito de moiré antique cor de flor de alecrim, encoberto por um largo babado e uma túnica de renda de Bruxelas; tanto aquele como esta formavam um regaço preso por delicado laço de fita orlada da mesma renda. (...) A Sr.ª G* P*, cujos olhos lindos e expressivos não se deixavam vencer pelos mil focos de luz desprendidos dos brilhantes que lhe enfeitavam o colo, os pulsos e o peito, subjugava com os seus dotes naturais a beleza dos artefatos, que em parte os ocultavam. A Sra. D. d’A* trajava o segundo vestido costurado pelas hábeis mãos das artistas recém-chegadas à oficina de Dazon. (...) Esta senhora, ficai sabendo, não se mostrou timorata em seguir de perto a moda francesa, e o seu bom gosto induziu-a a escolher um sedutor vestido de filó bordado de prata e seda carmesim. (...) O corpinho, todo em pregas, ornado de flores de castanheiro delicadamente rosadas dava a este vestido um tipo de novidade e originalidade puramente parisiense. (C. Q., tomo VII, 1860, p. 187-188)
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Tais comentários renderam a Carlos muitos desafetos, uma vez que o
julgavam ousado em suas críticas ferrenhas às mulheres que não seguiam os
figurinos sugeridos na quinzena anterior – sobretudo se essas senhoras fossem
assinantes da Revista. A repercussão de suas críticas era suficiente para incitar,
entre as damas desprezadas, a inveja e o desejo de serem observadas e
consideradas. O objeto de desejo, portanto, ainda é a roupa confeccionada
segundo as últimas tendências da moda européia e agora ainda mais desejada
porque elogiada pelo cronista. O sujeito continua a ser a fiel leitora do periódico
que espera ter as iniciais de seu nome registradas por Carlos na próxima
quinzena. As mediadoras são também personagens, não mais de papel, mas cuja
função na crônica é semelhante à das mulheres das pranchas de modas:
representar o modelo a ser seguido em um cenário de elegância.
Esse aspecto da mediação revela outra particularidade apontada por
Girard em esquemas de desejo como o que aqui propomos: a distância entre o
sujeito e seu mediador. Quando se encontram próximos, ocorre a mediação
interna; quando estão distantes, há mediação externa:
Les oeuvres romanesques se groupent donc en deux catégories fondamentales – à l’ intérieur desquelles on peut multiplier à l’infini les distinctions secondaires. Nous parlerons de médiation externe lorsque la distance est suffisante pour que les deus sphères de possibles dont le médiateur et le sujet occupent chacun le centre ne soient pas en contact. Nous parlerons de médiation interne lorsque cette même distance est assez réduite pour que les deux sphères pénètrent plus au moins profondément l’une dans l’autre22. (GIRARD, 1961, p. 22-23)
Para compreendermos como seria classificado o nosso triângulo,
verifiquemos os casos dos personagens Dom Quixote e Emma Bovary:
22 As obras romanescas, portanto, agrupam-se em duas categorias fundamentais – no interior das quais podem multiplicar-se ao infinito as distinções secundárias. Falaremos de mediação externa quando a distância for suficiente para que as duas esferas de possíveis, de que o mediador e o sujeito ocupam respectivamente o centro, não estejam em contato. Falaremos de mediação interna quando essa mesma distância for reduzida o bastante para que as duas esferas penetrem mais ou menos profundamente uma na outra. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)
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C’est chez Cervantes, évidemment, que cette distance est la plus grande. Aucun contact n’est possible entre Don Quichote et son Amadis légendaire. Emma Bovary est déjà moins éloignée de son médiateur parisien, Les récits des voyageurs, les livres et la presse propagent jusqu’à Yonville les dernières modes de la capitale. Emma se rapproche encore du médiateur lors du bal chez les Vaubyessard ; elle pénètre dans le saint des saints et contemple l’idole face à face. Mais ce rapprochement restera fugitif. Jamais Emma ne pourra désirer ce que désirent les incarnations de son « idéal » ; jamais elle ne partira pour Paris23.(GIRARD, 1961, p. 22)
A mediação que detectamos nas crônicas de Carlos nos pareceu
externa, com momentos semelhantes aos vividos por Madame Bovary. Nossas
leitoras, quando recebiam pela imprensa os figurinos da moda européia e
identificavam nos bailes os vestidos baseados nas pranchas descritas por nosso
cronista, se aproximavam, de alguma forma, do seu mediador. Geograficamente, a
distância entre o Rio de Janeiro e Paris é maior que aquele mensurada entre
Yonville e a capital francesa. Vale, entretanto, acrescentar que o espaço físico não
é suficiente para determinar o tipo de mediação:
Ce n’est évidemmet pas de l’espace physique que se mesure l’écart entre le médiateur et le sujet désirant. Bien que l’éloignement géographique puisse en constituer un facteur, la distance entre le médiateur et le sujet est d’abord spirituelle24. (GIRARD, 1961, p. 23)
Assim, tanto as leitoras da Revista Popular, quanto Emma Bovary
podem, em alguns momentos, quase tocar o “santo dos santos”, mas nunca
alcançarão o que idealizam das personagens dos figurinos e dos folhetins
parisienses. No caso do público leitor da “Crônica da Quinzena”, essa distância 23 Em Cervantes, evidentemente, é que essa distância se torna maior. Nenhum contato é possível entre Dom Quixote e seu Amadis de Gaula lendário. Já Emma Bovary está menos afastada de seu mediador parisiense. As narrativas dos viajantes, os livros e a imprensa propagam até Yonville as últimas modas da capital. Emma aproxima-se ainda do mediador por ocasião do baile em casa dos Vaubyessard; penetra no santo dos santos e contempla o ídolo em face. Porém, essa aproximação permanecerá fugidia. Jamais Emma poderá desejar o que desejam as encarnações de seu “ideal”; jamais poderá rivalizar com elas; jamais partirá para Paris. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)24 Não é pelo espaço físico, evidentemente, que se mede a distância entre o mediador e o sujeito desejante. Ainda que o afastamento geográfico possa constituir um fato, a distância entre o mediador e o sujeito é antes de tudo espiritual. (Tradução de Luiz Carlos da Silva Dantas)
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pode ser ainda maior, já que as cenas idílicas dos figurinos representam locais
cujas condições climáticas e paisagens são diferentes das nossas.
Como apontamos no subcapítulo anterior, há fragmentos das crônicas
de Carlos nos quais a França é apontada ironicamente como pólo irradiador de
novas tendências para o mundo, não importasse a adequação que se fizesse
necessária às condições climáticas dos diferentes países25.
Característico desse fascínio sem limites pela moda francesa em
detrimento das características locais é o anúncio de figurinos de 10 de agosto de
1861, publicado no tomo XI. A partir de sua leitura, notamos o paradoxo
denunciado sutilmente pelo cronista: embora o fim do inverno estivesse próximo,
Carlos registra a permanência de capas e de mantilhas nos estabelecimentos das
ruas do Ouvidor e da Quitanda. Descreve, em seguida, a gravura de modas
apresentada pelo periódico, sugerindo, com bom humor, a necessidade de tais
trajes num país de clima tão variado como o nosso:
O inverno já trata de preparar as suas malas para despedir-se de nós; tão mal recebido foi ele este ano, que outra coisa não lhe resta a fazer. Entretanto os vestuários apropriados ao verão ainda não se desenrolaram nesses vastos estabelecimentos das ruas do Ouvidor e da Quitanda, que são o paraíso para uns e o inferno para outros; por enquanto só as capas e mantilhetas conservam o seu préstimo anual, pois que a variedade no nosso clima não lhe permite um abandono completo: os vestidos continuam a denunciar a presença do resfriado hóspede e, até ao fim do mês, não se sujeitaram a mais insignificante reforma. Neste caso deliberou a moda que não devia entender senão com a parte do trajo aceita em todas as estações; foi, pois, ao seu laboratório e preparou uma bela coleção de capas e mantilhetas capazes de satisfazer aos mais exigentes gostos. A que enroupa a primeira figurilha da nossa gravura é de nobreza preta e dobrada, com grandes pregas, que se ocultam engenhosamente no seu começo por baixo de um cabeção de guipure, e facultam, à proporção que se desenvolvem, a fácil saída dos braços, de sorte que não há necessidade de ajuntar-se mangas especiais ao novo adorno. Na frente, esta mantilheta forma duas pontas enfeitadas por uma borla pequena de seda ou de vidrilho; ao redor e acompanhando a renda que a orla está pregada uma fita verde (ou de qualquer outra cor) encoberta por entremeio largo do mesmo ponto de que é feito
25 Ver 2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena”, p. 41.
68
o cabeção; no geral, este acessório para um vestuário de passeio é bastante amplo e comprido nas costas. Como vedes, nenhuma modificação se fez ao corte do vestido; sendo de seda cinzenta e rajada de preto, apenas lhe foram adicionadas duas ordens de fita verde crespa, que formam a barra e dizem muito bem com o enfeite da mantilheta, se esta cor for a preferida. Os chapéus de palha de arroz continuam a estar em voga, sendo enfeitados por um laço de fita cuja cor é igual à da guarnição do vestido; e quer em Paris, quer no Rio de Janeiro ainda não decaíram os penteados encrespados. A capa de pano ou de casimira é admitida sem causar reparo. A da figurilha colocada à esquerda da gravura é preta, e tem duas costuras nas costas, sendo uma e outra guarnecidas de botões de alto a baixo; na frente observa-se o mesmo talho, e vê-se que ela fecha até à altura dos ombros. As últimas capas importadas e as que se fabricam no país são na maior parte forradas de seda branca, e muitas vezes o próprio debrum é dessa cor: a inovação merece ser bem recebida, não só porque satisfaz um delicado capricho da moda, disfarçado com o nome de alta novidade, mas também porque é de um lindo efeito e do melhor gosto. (C. Q., tomo XI, 10/08/1861, p. 249)
Como deveria colaborar para a publicidade das modistas do Rio de
Janeiro, encerra a descrição da prancha de modas com a indicação da famosa
casa de Mme Dazon para a compra dos artigos necessários à confecção do
modelo sugerido, bem como do estabelecimento dos Srs. Nepomuceno & Carneiro
para a compra de acessórios que o complementam:
Torna-se digna de especial menção a capa de que se reveste a figura desenhada à direita da que acaba de ser descrita: é inteiramente moderna, original e elegante, e só a casa de Mme. Dazon, onde encontrareis todos os artigos indispensáveis a qualquer qualidade de vestuário, recebeu pelo paquete inglês mais esta criação bem combinada do talento parisiense para o trajar de uma senhora, que não vê com indiferença os trabalhos presididos pela arte. É ela feita de fazenda de fantasia de lã branca salpicada de azul; comprida em extremo, principalmente atrás forma burnous, mas não tem capuz, e é toda orlada por uma fita larga e recortada de nobreza azul, que finge colarinho e desce até ao meio da saia. A originalidade esta capa, que a torna inacessível à habilidade de qualquer costureira pouco adestrada, consiste no corte de um avental semelhante, cujo segredo nem a todos é permitido. Encerrando este artiguinho sobre modas, tenho a satisfação de anunciar-vos que a casa dos Srs. Nepomuceno & Carneiro, à rua da Quitanda n. 72, acha-se habilitada para
69
desempenhar qualquer incumbência, de que a encarregueis, na parte relativa a toda a sorte de enfeites; examinei por mim mesmo o escolhido sortimento trazido pelo paquete Magdalena, e creio que em fitas, flores, rendas e froco ninguém o possui melhor e mais completo. (C.Q., tomo XI, 11/08/1861 p. 249-250)
Tal inadequação dos trajes indicados pela imprensa ao nosso clima foi
repensada com o passar do tempo, como destacou Marlyse Meyer, em estudo
sobre a revista Estação (1879-1904). A pesquisadora notou que o sucesso desse
periódico também poderia ser atribuído à atração pela moda de Paris aí divulgada.
Interessa-nos transcrever parte da carta de abertura dirigida aos seus leitores,
porque parece ilustrar o desejo dessa publicação – versão brasileira da revista
francesa La Saison (1872-1878), de adaptar os figurinos aí descritos à nossa
realidade:
(...) antigamente a moda apenas mudava duas vezes ao ano. Em Paris, em Outubro apareciam as pelúcias, os vestidos escuros [e na ilustração da primeira página nesse Rio que era de Janeiro há a imagem de mãe e filha patinando, super agasalhadas, com a legenda: “vestuários para o mau tempo”] (...) e [na] Semana Santa, novos toucados (...). O que daí resultava para nós o ridículo, visto como quem queria trajar no rigor da moda tinha forçosamente de morrer de calor em Janeiro e constipar-se em Junho. (MEYER, 1992, 439-440)
O excerto ilustra o que ocorria em meados do século XIX, quando nas
crônicas de Carlos era evidente a crítica velada aos representantes da soberania
da moda francesa em detrimento das possíveis adequações dos nossos trajes ao
clima nacional. Era comum introduzir a apresentação de novas tendências com o
destaque dado às proprietárias dos estabelecimentos, onde as senhoras da corte
poderiam adquirir os acessórios e as fazendas recomendadas para a confecção
dos figurinos copiados das revistas de além-mar.
Em uma de suas obras, o próprio Macedo (1988) dedicou um capítulo
ao reinado das modistas francesas naquela que era a rua mais famosa do Rio de
Janeiro no século XIX: a Rua do Ouvidor. Ressalta a entronização da moda de
70
Paris nesse endereço, o que provocou, desde 1817, o encanto da sociedade
fluminense diante das vidraças decoradas pelas modistas parisienses. Segundo o
literato, o poder das proprietárias desses estabelecimentos foi tão grande que
assustou os negociantes ingleses instalados até então na Rua do Ouvidor. Elas
atraíram, entretanto, os negociantes franceses que abriram aí lojas de fazendas e
de objetos de moda, de perfumaria e de cabeleireiros. Nesse endereço os
franceses finalmente teriam fixado sua passagem pelo Brasil após tentativas
anteriormente frustradas:
No décimo sexto século, Villegagnon, e após ele Boisle–Comte, com centenas de soldados, e com apoio maldissimulado do governo francês não puderam manter a conquista da baía do Rio de Janeiro, de suas ilhas e pontos do continente, e ver realizar as aspirações da França Antártica. No século décimo nono, em um dos dois anos, em 1822, enfim, uma dúzia (nem tanto) de francesas sem peças de artilharia, nem espingardas, nem espadas, e apenas protestos, a França Antártica na cidade do Rio de Janeiro. A França Antártica é a Rua do Ouvidor desde a Primeiro de Março até a Praça de S. Francisco de Paula. Honra e glória, pois, às modista francesas que na sua hégira de 1821 a 1822 se acolheram àquele oásis, àquela predestinada Rua do Ouvidor, da qual fizeram pequena, mas feiticeira filha de Paris, e donde, sob o cetro da Moda, puderam logo em 1822 alçar o grito – Vive la France! (MACEDO, 1988, p. 76-77)
Na Revista Popular, além das chamadas de reclame para divulgar seus
estabelecimentos, vimos que as modistas do reinado estabelecido na Rua do
Ouvidor poderiam contar com a indicação feita por Carlos, antes ou depois da
descrição de um figurino26. Há crônicas em que o cronista é ajudado por uma
dessas senhoras a apresentar às leitoras, com precisão, cada detalhe da gravura
oferecida pelo periódico. Dessa forma, as modistas eram fiéis colaboradoras na
divulgação de um dos maiores atrativos da crônica, em troca de uma discreta
apreciação e indicação de seu negócio.
O papel das modistas francesas na mediação do desejo do público
leitor da seção “Crônica da Quinzena” é notável nesses exemplos que
26 2.1.1 Retórica da escrita de moda e a seção “Crônica da Quinzena”, p. 41.
71
apresentamos para ilustrar a crítica discreta e bem humorada de Carlos à imitação
da indumentária de além-mar. Tomadas pelo poder de persuasão do cronista, não
bastava às leitoras (sujeito) confeccionar as roupas (objeto) usadas pelas
personagens do figurino importado ou do cenário social fluminense (mediador):
era preciso também adquirir os tecidos e os acessórios da gravura em
estabelecimentos cujas proprietárias fossem representantes dos ditames da moda
daquele período.
O ápice da cópia aos modelos europeus ocorre quando, em dezembro
de 1862, O Velho, que jamais descrevera nessa série um figurino, anuncia a
transformação da Revista Popular em Jornal das Famílias (1863-1878) e brinca
com o reconhecimento da moda de Paris como a mais elegante e distinta naquele
momento (cf C. Q., tomo XVI, 12/1859, p.368). Tal comentário aparece de forma
sutil na despedida feita aos leitores e na comparação da moda parisiense com o
novo empreendimento de Garnier, a partir de então impresso na França. Ambas
(moda e Revista Popular) não morreriam, mas metamorfosear-se-iam segundo o
rigor das últimas tendências parisienses. Ao comparar a mudança do nome do
periódico com a troca de vestido feita por uma moça bonita, reafirma a questão da
fugacidade da moda tão alentada por Carlos em suas crônicas e, para os leitores
mais perspicazes, a constatação de que, quando já não era mais possível imitar,
nos rendíamos sem questionamentos à superioridade do país de nosso mediador,
a França.
A atitude de Carlos frente à soberania dos figurinos de modas
franceses, aqui discutidos sob o ponto de vista retórico e mimético, é reveladora
da sua crítica sutil e de sua ironia fina com relação aos modelos de elegância de
além-mar. O mancebo elegante deve ter compreendido que, para manter seu
posto na seção, era necessário descrever as gravuras importadas e anunciar os
estabelecimentos das francesas da Rua do Ouvidor, sem que para isso deixasse
de manifestar discretamente suas sugestões, por exemplo, com relação à
inadequação dos trajes europeus as nossas condições climáticas. Nesses
momentos, observamos as idéias nacionalistas veladas (ou vestidas) sob
72
descrições de modas aparentemente isentas de ironia , mas que serviram ao
primeiro cronista da seção como espaço para manifestar sua postura enquanto
intelectual romântico a seu modo, ou a sua moda. Como veremos a seguir, os
propósitos serão mantidos sob outra roupagem a partir de novembro de 1861,
quando assume a defesa das artes nacionais o Velho démodé.
73
CAPÍTULO IIIPAQUETES, PEÇAS E SALAS
3.1 O Velho cronista fluminense pelos novos artistas nacionaisEm sua História da literatura brasileira, Sílvio Romero (1980) apontou
dois períodos da produção dramática de Joaquim Manuel de Macedo: “A maior
atividade do autor em produções para a cena foi nos anos de 1850 a 65. Na
década de 1830 a 40, as produções cênicas tinham sido demasiado reduzidas”.
(ROMERO, 1980, p. 1457). Ao discutir as peculiaridades dos dois gêneros
explorados pelo escritor – o drama e a comédia, o crítico destaca a tônica do
teatro macediano:
O teatro de Macedo tem cunho realístico; é um resultado da observação, por mais que ele o ataviasse de ficelles e de situações às vezes fantasiosas, ou incongruentes. A visão da realidade sobrepujava os amaneirados do romantismo em voga. Contém dramas e comédias; estas, como documentos da vida brasileira, levam vantagem àqueles. Entre os dramas contam-se: O Cego, Cobé, Lusbela, Amor e Pátria, O Sacrifício de Isaac. (...) As comédias de Macedo são superiores aos seus dramas, como crítica de costumes, como documentos da vida nacional. Por elas é que o autor fluminense se prende a Martins Pena e toma um lugar distinto entre os escritores nacionalistas. (...) Conhecem-se seis comédias do autor de Cobé (...): Fantasma Branco, O Primo da Califórnia, Luxo e Vaidade, A Torre em Concurso, O Novo Otelo e Cincinato Quebra-Louça. É esta a sua ordem cronológica. (ROMERO, 1980, p. 1403; 1436)
Na esteira desse crítico, Tânia Serra (2004) também notou a
possibilidade de dividir a obra romanesca do escritor em duas fases: a prosa de
evasão romântica (de 1844, com a publicação do romance A Moreninha, a 1855,
com O forasteiro); e a prosa de transição para o Realismo (de 1867, com
Voragem, a 1876, com A baronesa de amor). No primeiro período, ao qual a
pesquisadora denominou “O Macedo das Mocinhas”, a tônica é o retrato da nova
ordem da classe média que se quer aristocrática. Em momento posterior, “O
74
Macedo dos adultos” se dirige, sem sucesso, à mulher e ao homem maduros, bem
como à elite cultural. Entre esses períodos foi destacado o auge da carreira do
Macedo cronista, nos seguintes termos:
Sua atividade como cronista (...) vai de vento e popa, a tal ponto que publica, em 1861, alguns romancetes ou crônicas romanceadas lançados na coluna “A semana” e a “Crônica da Semana” do Jornal do Comércio. Deu-lhes o nome de Os romances da semana. (...) Macedo continua sua carreira de cronista escrevendo uma nova coluna para o Jornal do Comércio, intitulada “Um passeio”. No ano seguinte ele publica essas crônicas no livro Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. (...) A partir de 1862, redige uma nova coluna, “O que sair”, que vai de 2 de março a 28 de abril de 1862, num total de cinco artigos não assinados. Inocêncio Francisco da Silva, no seu Dicionário biobliográfico português (...), crê ser dele, também, a “Crônica da semana”, que foi escrita para a Revista Popular, sob o pseudônimo “O velho”. Como cronista, portanto, Macedo está em fase de grande produção. (SERRA, 2004, p. 103; 108; 109-110)
Embora Wilson Martins (Apud SERRA, p. 15) tenha decretado que
todos os trabalhos futuros a respeito do romancista seriam redundantes após o
estudo daquela pesquisadora, havia ainda séries de crônicas a serem resgatadas
dos periódicos oitocentistas, como as publicadas sob o título “Labirinto”, no Jornal
do Comércio, reunidas em antologia organizada, apresentada e anotada por
Jefferson Cano, em 2004. Apresentemos, então, a sua revisão da produção até
então conhecida do Macedo cronista, o literato que “poderia contar em primeira
pessoa” a ainda jovem história da crônica na imprensa fluminense:
A crônica de variedades estreou no folhetim do Jornal do Commercio em dezembro de 1852 e, já em abril de 1854, Macedo passava a ocupar-se da redação d’ A Semana. Foram quatro anos e meio de colaboração, interrompida em agosto de 1859, retornando após oito meses de ausência, para aí instalar seu Labirinto: vinte e seis artigos, em que Macedo mesclou a crônica de variedades com um romance e três poemas satíricos. Em 17 de dezembro de 1860, saiu a última crônica da série, cujo epitáfio só faria na inauguração da próxima série, a Crônica da Semana, iniciada no mesmo Jornal do Commercio em 13 de janeiro do ano seguinte (...). Diferente de sua estréia de seis anos antes, n’A
75
Semana, quando Macedo apenas assumia a redação de uma série que já se celebrizava pelas mãos de Francisco Otaviano, n’o Labirinto o título da série só existiu durante a sua colaboração, assim como nas próximas séries que Macedo iniciaria no Jornal do Commercio – a Crônica da Semana, de 1861, e O Que Sair, de 1862. (CANO, 2004, p. 9)
Ao comparar as informações oferecidas pelos pesquisadores aqui
citados às que temos acerca do corpus de nossas investigações, verificamos que
a sugestão de Inocêncio Francisco da Silva foi acertada, embora o título e o ano
inicial da publicação da coluna da Revista Popular tenham sido reiterados
equivocadamente por Serra (2004, p. 109). De fato, entre o término da Crônica da
Semana e o início da série O Que Sair, ambas do Jornal do Comércio, Joaquim
Manuel de Macedo teria ainda publicado sob o pseudônimo O Velho, em
novembro de 1861, a primeira das suas vinte e seis crônicas, na seção “Crônica
da Quinzena” daquela Revista, colaboração que se encerra e encerra a publicação
do periódico em dezembro de 1862:
É preciso não confundir morte com metamorfose. A Revista Popular não morre: metamorfoseia-se. Vai mudar de nome, como uma moça bonita de vestido. E, para melhor mostrar-se no último rigor da moda e do tom, virá de Paris, garbosa e espirituosa, comme il faut. Será sempre brasileira no corpo, mas vai tornar-se parisiense pelas roupas e enfeites. Tafulona, ufana, vaidosa, bonita assim, faria um biquinho desagradável se o Velho quisesse acompanhá-la. Não me sujeitarei aos seus desdéns. Mas quem sabe se não passarei também por alguma metamorfose... bem entendido, no nome? Não sei. É um problema a resolver. Entretanto, faço as minhas despedidas às minhas leitoras e aos meus leitores. Não chorem, por quem são... Poupem a minha sensibilidade... Adeus! adeus!... (C. Q., tomo XVI, 12/1859, p.368)
Como já apontamos, o uso do pseudônimo O Velho pode ser
confirmado na Enciclopédia da Literatura Brasileira, organizada por Afrânio
Coutinho e José Galante de Souza (1980). O nome de Joaquim Manuel de
Macedo figura no índice de colaboradores da Revista Popular e o fragmento acima
citado também revela as evidências da confirmada continuidade da colaboração
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do escritor no Jornal das Famílias, com a publicação da seção de contos intitulada
Nina.
O flerte com a primeira publicação de Garnier parece ter começado já
em 1861, segundo o que constatamos em um de seus textos publicados na coluna
“Crônica da Semana” do Jornal do Comércio:
A Revista Popular, periódico quinzenal de que é editor proprietário o Sr. B. L. Garnier, acaba, com o número de 15 do corrente, de chegar ao tomo IX. Esta simpática publicação, encetada com modéstia, mas com resolução, tem ido aumentando seu grau de interesse e importância, e desde bastante tempo se recomenda pela amenidade de uns e excelência de outros de muitos dos seus artigos. A agricultura, a história e geografia, as ciências, a poesia, o romance e a literatura, as artes, o teatro (sic) recebem embates apreciáveis na Revista Popular, cujos colaboradores ou já têm um nome na república das letras, ou hão de em breve conquistá-lo com a força de seu merecimento. A Revista Popular é mais um exemplo ao que pode entre nós a constância e a paciência que é a grande ciência que ensina a saber esperar: este periódico, recebido ao nascer pelo público quase sem animação, desmentiu as previsões de muitos, sustentou-se, floresceu e hoje conta com uma base segura para sua manutenção, base que se tornará cada vez mais sólida com os melhoramentos que a Revista irá apresentando. (J. C., 17/03/1861)
Já em novembro daquele ano, engrossaria a fileira da qual faziam parte
os que já tinham “um nome na república das letras”. Sua dedicação aos “folhetins”
da Revista fora notada nas memórias de Vieira Fazenda, um aluno do Colégio
Dom Pedro II que revela a atividade do professor de História enquanto os
estudantes se esforçavam para copiar mapas no quadro negro:
Nunca pude compreender como, sendo Macedo homem ilustrado, não permitisse a seus alunos apreciar a nossa história com um pouco de filosofia. Era repetir o que estava no compêndio e nada mais. [...] E quando lhe dava na mente mandar o aluno transcrever na pedra, palavra por palavra, os fastidiosos mapas anexos ao compêndio? Aquilo era grande cacetada, diminuída pelo socorro de algum companheiro, verdadeiro ponto soprador, como se usa em teatro. Nesses dias Macedo levava a escrever folhetins para a Revista Popular ou a rever provas de escritos seus. De quando em
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vez, levantava a cabeça, ou não via a cola, ou de mostrava despercebido, enquanto o pobre paciente suava em bicas e almejava a hora de terminar a aula. (Apud CANO, 2004, p. 8-9)
Esse depoimento endossa a freqüência da produção do literato nos
jornais, principalmente se levarmos em conta que só em 1862 colabora
concomitantemente para a Revista Popular e para o Jornal do Comércio. Tânia
Serra (2004) nota que talvez não representasse necessidade de sobrevivência o
acúmulo de funções de Macedo na imprensa e no colégio. Tal excesso de trabalho
foi, sem dúvida, a exigência de uma fase ativa de sua vida profissional:
Parece claro, portanto, que o Dr. Macedinho estava trabalhando excessivamente. Não há indicação, no entanto, de que precisasse, nesse momento de sua vida, trabalhar até a exaustão por problemas de dinheiro (...). Nesse momento de sua vida, ao que tudo indica, está recebendo bem, já que ganha, pelo Colégio Pedro II, um conto de réis (mais de seiscentos mil réis anuais de gratificação), fora o que vem do Jornal do Comércio. (SERRA, 2004, p. 109)
Acrescente-se a esses ganhos os provenientes da colaboração do
escritor na seção “Crônica da Quinzena”. Em sua Tese de Doutorado Para além
da Amenidade – o Jornal das Famílias e a sua rede de produção, Alexandra
Santos Pinheiro (2007) reuniu contratos e recibos de pagamentos feitos por
Garnier a escritores que lhe prestaram serviços27. Dentre eles não se encontram
os referentes à colaboração de Macedo na “Crônica da Quinzena”, mas a
oportuna organização dos documentos agrega aos comentários de Serra (2004)
dados sobre parte dos lucros do literato junto a B. L. Garnier entre 1862 e 1873:
27 Os documentos foram cedidos a pesquisadora por Pedro Paulo Moreira, editor-proprietário da Vila Rica editoras reunidas, antiga editora Itatiaia. (cf PINHEIRO, 2007, p. 274)
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Joaquim Manuel de Macedo data obra nº de exemplares valor
contrato 13/05/1862 Teatro - composto por 10 peças Lusbela
2 mil 3mil
2:000$000, desse valor, 800$000
seriam para pagar a dívida do autor
com a livrariacontrato 12/11/1868 Nina - 900$000
recibo 13/11/1868Pela inserção de Nina no
Jornal das Famílias e por sua 1ª ed. em livro
- 900$000
contrato 03/04/1869 A Mulheres de Mantilha 2 mil 1:000$000
contrato 03/04/18692ª ed. de Vicentina (há a nota de que a 1ª edição saiu pela
Paula Britomil 400$000 mil reis
licença 27/09/1871
Compendio da História do Brasil (Autoriza Domingos Gomes Brandão a vender
seu livro ao governo no valor de 2 mil reis e permite que Garnier imprima a 2ª ed. da
obra)
6 mil
recibo 31/03/1870 Victimas Algozes] Vendeu a Garnier 120 exemplares 1:260$000
contrato 22/12/1873 Lição de Chorographia brazileira 3 mil 500 reis por cada
exemplar vendido
Figura 14: Tabela de contratos e recibos de Garnier a Macedo. (cf PINHEIRO,
2007, p. 274)
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Na Revista Popular, independentemente dos honorários recebidos, a
produção de Macedo revela que a variedade de assuntos característica da crônica
permanece, embora a criação da sua persona de cronista28 tenha limitado os vôos
do novo – ou Velho, colibri. Quando se apresenta sob a máscara – ou a casaca -
de um ancião, estabelece as diferenças entre a sua produção e a do mancebo
elegante. A partir desse momento, as descrições de figurinos já não ocupam mais
as páginas reservadas às crônicas, fenômeno que pode ser interpretado como
escolha para manifestar a seu modo, ou a sua moda, as idéias nacionalistas do
intelectual romântico Joaquim Manuel de Macedo, criador do narrador-
personagem démodé. Se Carlos revelava sua posição através da crítica irônica e
velada à soberania da moda francesa como um dos impedimentos para a
nacionalização dos nossos costumes, o segundo cronista elimina de sua pauta
qualquer referência àquele domínio, opção endossada pela escolha de seu
pseudônimo na Revista.
Ora, Gilda de Mello e Souza (2005), em artigo sobre a reação de
Macedo, de Alencar e de Machado diante do vestuário dos personagens criados
por esses autores, apontou a habilidade do primeiro ao “transcrever o real com
fidelidade, mas sem imaginação”, bem como ao descrever vestidos e acessórios
com minúcia, porém sem “desentranhar do visível a face oculta das coisas”, como
fizeram os autores de Lucíola (1862) e de Quincas Borba (1890):
Calcula meticulosamente o montante dos gastos, sublinha a complexidade da tarefa, enumera os acessórios indispensáveis que ela exige e, se necessário, fornece informações suplementares sobre a voga reinante nos penteados: se os cabelos “vinham atados à napolitana ou em bandós”; se “estavam dispostos em crespos, deixando cair vacilante uma chusma de belos cachos de madeixas”; se “ostentavam uma orgulhosa rosa Constantino” ou “eram coroados por uma grinalda de margaridas”. A mesma minúcia documentária se reflete na descrição dos vestidos – “de seda cor de rosa, aberto dos dois lados, com enfeites de escumilha e fitas da mesma cor” -; e mais particularmente na descrição dos corpinhos, que ora terminam em “bico, com pregas no peito”, ora vêm guarnecidos de “cabeção de
28 Ver 1.2 A seção “Crônica da Quinzena” e seus colaboradores (ou colibris), p. 26.
80
renda e mangas singelas”. O feitio, o tecido, os enfeites, as flores, e fitas, os brincos e adereços são mencionados, não por pendor estético do narrador, mas porque constituem sinais eficientes de classe ociosa e desempenham função decisiva na festa. (SOUZA, 2005, p. 74)
Ilustram essas observações os apontamentos da pesquisadora acerca
da meticulosa enumeração de gastos, de acessórios, de cabeleireiros e de
modistas no romance Rosa, de Joaquim Manuel de Macedo:
Já no segundo capítulo de Rosa, Macedo se apressa a nos informar que, para comparecer com sucesso a um baile de gala, no final de 1849 – época em que a narrativa se desenrola -, uma moça elegante e casadoura despendia perto de 184$000. Pelo comentário que então se estabelece entre os personagens do romance, inferimos que o preço era muito alto, embora incluísse a escumilha branca para o vestido; o cetim para o forro do dito, o feitio de Mme. Gudin, com os enfeites, fitas, etc.; as luvas de pelica branca de Monsieur Wallenstein; os sapatos de cetim branco do mesmo senhor; o cabeleireiro da casa Monsieur Silvains; as violetas e cravos Glória de Londres para o bouquet; e um porta-bouquet novo, porque o antigo se havia quebrado no último baile. (SOUZA, 2005, p. 73)
Qualquer semelhança entre a crítica de Gilda de Mello e Souza às
descrições minuciosas dos trajes dos personagens macedianos e a de Antonio
Candido (1959) ao pequeno realismo das obras do Dr. Macedinho não nos
pareceu mera coincidência. As modas foram também por ele destacadas dentre os
aspectos reveladores do valor documentário das produções do autor de A
Moreninha:
Mas não sobrecarreguemos a memória do nosso Macedinho. Lembremos que lhe cabe a glória de haver lançado a ficção brasileira na senda dos estudos de costumes urbanos, e o mérito de haver procurado refletir fielmente os da sua cidade. O valor documentário permanece grande, por isso mesmo, na obra que deixou. Os saraus, as visitas, as partidas, as conversas; os domingos na chácara, os passeios de barca, as modas, as alusões à política; a técnica do namoro, de que procura elaborar verdadeira fenomenologia; a vida comercial e o seu reflexo nas relações
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domésticas e amorosas – eis uma série de temas essenciais para compreender a época, e encontramos bem lançados em sua obra, de que constituem talvez o principal atrativo para o leitor de hoje. O que lhe faltou foi o gosto ou força para integrar esses elementos num sistema expressivo capaz de nos transportar, apresentando personagens carregados daquela densidade que veremos nalguns de Alencar, antes que surgisse a galeria de Machado de Assis. (CANDIDO, 1959, p. 145)
Com base nesses pareceres e em nosso estudo sobre a retórica do
primeiro cronista da seção “Crônica da Quinzena”, podemos inferir que, por já ter
revelado nos romances a precisão de seus comentários referentes às modas, se
Macedo se aventurasse a descrever figurinos na Revista, talvez não superasse o
domínio do levar a fazer ou a usar, apontado por Roland Barthes29. Tal prática
poderia causar o seu distanciamento do público leitor e a conseqüente
inviabilidade da crítica aos modelos franceses feita “ao pé do ouvido”, através da
qual poderia defender propósitos nacionalistas, como o fez Carlos ao emitir
sugestões que ultrapassavam o domínio da mera descrição pormenorizada dos
trajes.
Se tivesse apostado na descrição de figurinos para a defesa da
nacionalidade de nossos costumes, poderia, entretanto, ter evitado o seu criticado
“pequeno realismo” e repetido a atitude de seu narrador no capítulo “O sarau” da
obra A Moreninha:
Hábil menina é ela! Nunca seu amor-próprio produziu com tanto estudo seu tocador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e vestira. Enquanto as outras moças haviam esgotado a paciência de seus cabeleireiros, posto em tributo toda a habilidade das modistas da rua do Ouvidor e coberto seus colos com as mais ricas e preciosas jóias, d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou cair pela costa; não quis adornar o pescoço com seu adereço de brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas simples vestido de garça, que até pecava contra a moda reinante, por não ser sobejamente comprido. Vindo assim aparecer na sala, arrebatou todas as vistas e atenções. Porém, se um atento observador a estudasse, descobriria que ela adrede se mostrava
29 Ver 2.1.1 Retórica da escrita de Moda e a seção “Crônica da Quinzena” p. 41.
82
assim, para ostentar as longas e ondeadas madeixas negras, em belo contraste com a alvura de seu vestido branco, e para mostrar, todo nu, o elevado colo de alabastro, que tanto a aformoseava,e que seu pecado contra a moda reinante não era senão um meio sutil de que se aproveitara para deixar ver o pezinho mais bem feito e mais pequeno que se possa imaginar. (MACEDO, 2006, p. 85)
O emblema da simplicidade da indumentária da protagonista Carolina
seria, ao nosso ver, um indício da recusa aos modelos franceses em favor da
beleza da mulher brasileira, que não merecia ser escondida sob o volume de
trajes e acessórios exigidos pelo clima e pelo glamour europeus. Com o uso de
estratégia e de argumentos semelhantes O Velho poderia ter feito na seção
“Crônica da Quinzena” a revista dos bailes fluminenses e apontado como
exemplos de elegância legitimamente nacional as moçoilas infiéis às novidades da
rua do Ouvidor, o endereço da Moda de Paris, “rainha despótica” que, no século
décimo nono,
Governa e floresce decretando, modificando, reformando e mudando suas leis em cada estação do ano, e sublimando seu governo pelo encanto da novidade, pela graça do capricho, pelas surpresas da inconstância, pelo delírio da extravagância, e até pelo absurdo, quando traz para o rígido verão do nosso Brasil as modas do inverno de Paris. (MACEDO, 1988, p. 75)
Foi, contudo, por outra rota que migrou o segundo colibri da coluna
rumo à defesa de manifestações originalmente nacionais na vida cultural brasileira
do oitocentos. Talvez por esse motivo as crônicas assinadas sob o pseudônimo O
Velho revelam, desde a sua estréia na seção, maior preocupação com as
manifestações artísticas, sobretudo no que diz respeito à atuação de atores e de
compositores brasileiros, como João Caetano e Carlos Gomes. Os jovens artistas
seriam a esperança para o gradual rompimento da rotina de nossos palcos que,
frente à incipiente organização do teatro nacional no oitocentos, eram tomados por
artistas estrangeiros:
83
Se o teatro nacional jamais soube ou teve forças para se organizar, de modo a caminhar para frente, já o mesmo não se dirá de elencos estrangeiros no Brasil. (...) No verão europeu, que coincidia com o inverno ao sul do Equador, os atores dramáticos ou cantores líricos franceses e italianos em férias, uniam-se em grandes companhias, encabeçadas por duas ou três celebridades, partindo para a conquista dos pontos extremos do mundo ocidental – Rússia, Estados Unidos, América do Sul. (PRADO, 1999, p. 43)
A constatação de Décio de Almeida Prado revela o embate entre o
desejo de afirmação da nacionalidade difundido pelos intelectuais românticos e a
nossa dependência cultural transmitida das mãos de Portugal para a tutela de
outras nações européias, sobretudo a da França, após a abdicação de D. Pedro I.
Assim, antes de prestigiar obras nacionais escritas e encenadas por autores e
atores locais, por muito tempo ainda o público fluminense assistiria a peças
francesas representadas em português, porém com sotaque afrancesado.
Carlos também dedicava parte de suas crônicas aos teatros
fluminenses. Basta lembrarmos que, se considerado como nome literário de
Carlos José do Rosário, além de ter publicado textos na Revista Popular
relevantes aos estudos sociológico, retórico e mimético da moda no século XIX, o
escritor também emitiu pareceres ao Conservatório Dramático Brasileiro, para o
qual foi eleito como censor a 19 de novembro de 1854 e, como membro do
conselho, em 1856 e em 1863 (cf SOUSA, 1960, p. 466-467). Por isso, podemos
considerar sua produção na seção “Crônica da Quinzena” também importante
para a pesquisa sobre a crítica teatral diletante exercida por tantos folhetinistas de
seu tempo, como apontou João Roberto Faria:
Os jornais e revistas do período – Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Comércio, Correio Mercantil, A Marmota, Revista Popular, A Semana Ilustrada, Entreato, O Espelho ... – estão repletos de textos que permitem, confrontados entre si, delinear a evolução do teatro brasileiro no terreno das idéias e da reflexão estética. Sem contar os colaboradores anônimos, ocultos pela ausência de assinatura ou por pseudônimos e iniciais indecifráveis, escreveram sobre teatro nos principais órgãos da imprensa fluminense os seguintes intelectuais: Sousa Ferreira, Quintino Bocaiúva, José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo,
84
Francisco Otaviano, Henrique César Muzzio, Leonel de Alencar, Paula Brito, Moreira de Azevedo e Augusto de Castro. (FARIA, 1993, p. 141)
O crivo de sua crítica passava pela cena lírica, como observamos na
crônica inaugural da seção, produzida em 04/01/1859. Nessa ocasião comenta o
espetáculo em benefício do cantor Felipe Tati, no Teatro São Pedro de Alcântara,
que contou com o empenho dos artistas João Caetano, Butti, Anglais, Anne De La
Grange e Carlota Milliet. Destaca o desempenho do primeiro no papel de “André”
no drama de Jacques Arago intitulado A Gargalhada, do terceiro como
instrumentista e da última no dueto da Norma e na ária do Elixir. De La Grange é
exaltada à parte pela valsa Saudades da Rússia e pela polca La Grange. Da
preferência por essa cantora, depreende-se outra disputa dos palcos alimentada
pelos folhetinistas e notada por Giron (2004): a batalha entre sopranos. Stolz,
Barbieri, Fasciotti, Candiani. Nenhuma dessas conquistou o coração de nosso
cronista, como a francesa a quem a platéia em breve também se curvaria:
O nosso século não acredita em milagre; mas o incrédulo mais tenaz será forçado a curvar-se diante dessa entidade excepcional, desse abismo de talento, de arte, de graça, desse mimo do céu, que conhecemos sob o nome de Ana de La Grange! (C.Q., tomo I, 04/01/1859, p. 61)
A rivalidade entre cantoras a quem o público concorria com vaias e
aplausos foi colocada mais uma vez em evidência três meses depois, a 15 de
março, quando da discussão sobre a existência de um verdadeiro teatro lírico no
Brasil. As primas-donas Mme de La Grange e Mme Stolz seriam reconhecidas
representantes do que nos restaria daquela precária casa de espetáculos:
Realmente parece uma zombaria chamar teatro lírico o que, quanto ao edifício, já foi na Europa taxado de quartel e, quanto ao pessoal cantante, o que se compõem de duas primas-donas. Porém que fazer? É o que temos; o mais foi pela água abaixo. (C.Q., tomo I, 15/03/1859, p. 379)
85
Em 31 de março ainda destacaria a necessidade de um terreno maior
para o Lírico, bem como a atuação de sua predileta na Traviata, cuja
representação fora tumultuada por um espectador ao deixar cair fósforos que se
espalharam pelo chão. Um senhor teria pisado acidentalmente em um deles e a
explosão fora imediata. Para dar ênfase às ovações da platéia a La Grange,
aponta que, por sorte, os aplausos dirigidos à cantora lírica abafaram o incidente.
De fato, esse comportamento desrespeitoso, tal como as pateadas de indignação
para os cantores do partido adversário, eram comuns entre nós e remontariam à
primeira metade do século XIX, quando “o público se engaja inteiramente na
diversão e, não raras vezes, comporta-se de forma ruidosa, sobretudo na platéia”.
(GIRON, 2004, p. 83)
No que diz respeito à cena dramática, os comentários de Carlos acerca
das querelas dos teatros fluminenses não explicitam uma posição clara ao lado de
tantos emitidos pelos demais cronistas da Imprensa Brasileira. Tais escritores
revelam em seu discurso elementos importantes para compreendermos o estado
do teatro nacional entre 1855 e 1865. De um lado tínhamos o Teatro São Pedro de
Alcântara, dirigido por João Caetano dos Santos (1808-1863), cujo repertório e
cujo estilo de representação eram de orientação romântica (dramas, melodramas
e tragédias de inspiração neoclássicas); de outro, o Ginásio Dramático dirigido por
Joaquim Heleodoro Gomes dos Santos (1848-1898), empresário que procurou
manter em sua sala a última novidade dos palcos parisienses: a comédia realista.
Frente aos debates dos jornais acerca das perdas e ganhos de público,
de fama e de investimento daquelas salas, o primeiro colaborador da seção, ao
contrário do que fazia ao descrever as gravuras de modas francesas, preferiu
manter sua pretensa imparcialidade. Em 20 de setembro de 1859, por exemplo,
explicitou o tema da rivalidade dos dois teatros em notícia sobre um dos eventos
comemorativos da Festa da Independência daquele ano: a encenação, no S.
Pedro, dos dramas Coubé e Amor e Pátria, ambas de Joaquim Manuel de
Macedo. Ao observar que finalmente o teatro teria cumprido o compromisso
assumido em representar peças nacionais, aproveita para declarar a sua
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neutralidade com relação às querelas existentes entre a empresa do João
Caetano dos Santos e o Ginásio Dramático: “O teatro de S. Pedro tem inimigos
confessos e, como eu não me considero nesse número, pretendo com toda a
brevidade entoar um hino em louvor da sua décima regeneração” (C.Q., tomo III,
20/09/1859, p. 401). Promete, finalmente, assistir às próximas representações dos
dramas para parabenizar pessoalmente aquele que iria substituí-lo na seção
“Crônica da Quinzena”, o “ilustre autor do Cego”.
Ainda representativa dessa neutralidade é a referência feita à crítica
severa do Correio Mercantil acerca da encenação, agora no Ginásio, da peça O
asno morto (L’Âne Mort et La Femme Guillotinée), de Théodore Barrière em
parceria com Adolphe Jaime: “(...) na frase do Correio Mercantil, [a peça] expurgou
a cena do Ginásio de alguns anos de dois pés, que do tablado dirigem-se aos
espectadores.” (C.Q., tomo III, 20/09/1859, p. 401). De fato, Carlos foi o único a
abster-se de críticas severas dirigidas a esse que o pesquisador João Roberto
Faria classificou dramalhão em cinco atos, cujo enredo Machado de Assis teria
resumido no jornal O Espelho: “O Asno Morto pertence à escola romântica e foi
ousado pisando a cena em que tem reinado a escola realista” (ASSIS apud
FARIA, 1993, p. 97). Assim, mesmo diante da pretensa imparcialidade da Revista
Popular, era consenso entre muitos folhetinistas o inevitável fracasso desse drama
repleto de cenas de envenenamentos, punhais e emboscadas que já não eram
bem quistas por parte da imprensa fluminense, já afeita à naturalidade das
produções realistas.
É preciso ponderar a respeito da quase unanimidade entre os críticos
acerca da aceitação do teatro realista entre nós. Para alguns folhetinistas, ela foi
tardia e motivo de muitas polêmicas com relação a sua primeira orientação
literária. Esse foi justamente o caso de Macedo, escritor romântico e amigo de
João Caetano:
Macedo viria engrossar as fileiras dos adeptos do Ginásio alguns anos depois. Outros, porém, que pensavam como ele na ocasião em que as comédias realistas passaram a ser o assunto predileto
87
dos folhetinistas, mantiveram-se defendendo as mesmas nos anos subseqüentes. E até mesmo alguns defensores “históricos” do Ginásio vez por outra transitaram de um lado para outro, o que reforça a idéia de que a recepção à nova dramaturgia francesa não se estava dando de maneira tão tranqüila e consensual entre os literatos, provocando, muitas vezes, debates e discussões, como de resto já vinha ocorrendo na “matriz” da dramaturgia realista. (SOUZA, 2002, p. 74)
Embora a compreensão do autor de Rosa sobre as inovações trazidas
pelas comédias realistas tenha sido tardia, sua preocupação com o
desenvolvimento das artes cênicas brasileiras é, sem dúvida, o mote para a
defesa das idéias nacionalistas em suas 26 crônicas publicadas na Revista
Popular. Seus comentários abrangem, por exemplo, a infra-estrutura adequada
para o florescimento das cenas lírica e dramática nacionais. Assim o faz quando
compara a sua condição de ancião à do Teatro Lírico da corte que, de provisório,
começou a envelhecer sem que o dia de sua desativação chegasse:
(...) E não zombem de mim porque sou velho. Há velhos que ainda têm muito préstimo. (...) Não posso fortalecer a minha proposição com o exemplo do vinho (...). Resta-me, porém, o exemplo brilhante do nosso teatro lírico. Que há aí de mais velho do que o famoso Provisório?... O teatro Provisório tocou o superlativo do adjetivo permanente. Obra gloriosa do senhor mestre Vicente, o teatro Provisório foi construído para durar três anos, e lá vai com um decênio de existência, repetindo de noite os ecos de suaves e não suaves melodias, e protegendo de dia com a sua sombra os leilões de quadrúpedes. Já lhe gemeu o teto; mas puseram-lhe em socorro mais tesouras, do que se encontram na loja do primeiro dos nossos alfaiates. Está velho, muito velho; mas brilha ufano e garboso, como um ancião da pátria que ainda não desmancha prazeres, quando se trata de uma contradança francesa. (C.Q., tomo XII, 11/1861, p. 250)
Observamos que a revista dos teatros fluminenses nas crônicas
assinadas pelo Velho superava a pretensa imparcialidade de Carlos sobre o
assunto. Além das críticas bem humoradas às condições precárias de nossos
palcos, era visível o destaque a alguns nomes importantes da dramaturgia e da
música lírica brasileira. Carlos Gomes foi o primeiro a ser lembrado por Macedo
88
quando este comenta a representação de A Noite do Castelo, pela companhia da
Ópera Lírica Nacional. Relata as homenagens feitas ao autor da ópera, no fim do
segundo ato. Teria ele recebido uma batuta de ouro, enriquecida de pedras
preciosas e de ornatos alusivos. Após descrever o entusiasmo patriótico do
público, o Velho confessa um sonho que teve ao fechar os olhos, quando Carlos
Gomes desceu do palco. Nesse sonho, a batuta regalada falava. Eis a explicação
dada a tal fenômeno:
Eu vi a batuta, que fora poucos momentos antes oferecida a Carlos Gomes, estremecer nas mãos do artista e agitar-se em movimentos regulares, como se já estivesse marcando o compasso. Daí a pouco a batuta falou. Não vos admireis: há muita gente que fala pelas pontas dos dedos e, portanto, bem podia a batuta falar pelas cordas das suas duas liras. É uma batuta encantada; um gênio em forma de batuta, e tem por conseqüência o direito de pensar, falar, criticar e vaticinar. (C.Q., tomo XII, 11/1861, p. 251)
Com efeito, ela prevê o brilhante futuro de Carlos Gomes e pede ao
Velho que aconselhe o jovem artista a estudar para vencer a distância que o
separa de Donizetti, Rossini e Meyerbeer. A batuta teme, por outro lado, ver o fim
da Ópera Nacional, cujos cantores, todos estrangeiros, impregnavam nas peças
escritas em português o sotaque de suas línguas maternas (espanhol, francês,
alemão). Apresenta ainda o desafio que tem o país de recrutar e engajar artistas
brasileiros na companhia chamada nacional.
A alegoria da batuta falante, nesse caso, revela a vertente nacionalista
dos comentários do cronista sobre o desenvolvimento das manifestações artísticas
na corte. Desde então Macedo reclama a originalidade de nossas produções, bem
como a atuação de artistas brasileiros nos palcos fluminenses.
Além dessa referência a Carlos Gomes como uma das promessas das
artes nacionais, há outra marcante feita com maior freqüência ao ator e
empresário do teatro São Pedro de Alcântara, João Caetano dos Santos. A esse
baluarte das artes cênicas no Brasil do oitocentos foram dispensados vários
89
elogios por sua persistência em atualizar o nosso repertório teatral da primeira
metade do século XIX com as últimas novidades do teatro romântico europeu.
Para tanto, como já apontara Décio de Almeida Prado, foi necessário abandonar a
tutela de Portugal e importar peças diretamente da França. Explicita, então, a
conseqüência de tal transformação no desenvolvimento do teatro brasileiro: “(...)
Encurtara-se ao mínimo o atraso do nosso repertório: basta dizer que, das três
peças românticas francesas encenadas em 1836, a mais antiga é a de
1832.” (PRADO, 1972, p. 36)
De fato, o nascimento do teatro brasileiro era um resultado do sopro de
renovação originado pelo romantismo francês. Ainda segundo Décio de Almeida
Prado “(...) Victor Hugo (...), e de todos os lados ‘les jeunes barbares
shakespeariens’ haviam acorrido em defesa da liberdade na arte, contra a velha e
desgastada fortaleza clássica” (PRADO, 1972, p. 37).
João Caetano foi quem sorveu esses novos ares do teatro francês,
procurando instaurar no Rio de Janeiro, já em 1838, com a encenação de Antônio
José ou O Poeta e a Inquisição, o que poderia ser chamado “programa literário
nacionalista de inspiração romântica”. A respeito da repercussão de tal peça,
Gonçalves de Magalhães observara que o motivo de seu sucesso,
(...) ou fosse pela escolha de um assunto nacional, ou pela novidade de declamação e da reforma da arte dramática (substituindo a monótona cantilena com que os atores recitavam os seus papéis, pelo método natural e expressivo, até então desconhecido entre nós). (GONÇALVES DE MAGALHÃES, 1865, p. 5; 7)
O empenho do ator e empresário em atualizar o repertório do São
Pedro se limitou, entretanto, à primeira metade do século. Como observamos nas
crônicas de Carlos, entre 1859 e 1861, a crítica demonstrava sua preferência
pelas produções realistas, sobretudo as francesas, traduzidas dos dramaturgos
Octave Feuillet, Théodore Barrière, Émile Augier e Alexandre Dumas Filho.
Resulta da insistência de João Caetano em encenar peças românticas e tragédias
90
neoclássicas a rivalidade já apontada entre os teatros que as representavam: o
Ginásio Dramático e o São Pedro, respectivamente. Representativa das
discussões da imprensa é o texto do nosso primeiro cronista acerca das
mudanças que o empreendimento subsidiado pelo governo Imperial ofereceria à
corte, caso ocorressem as mudanças necessárias em sua administração e em seu
repertório:
Vivendo na indiferença, nutrindo-se de indiferença, falando à indiferença e olhando para tudo com indiferença, o teatro de S. Pedro tem mostrado ultimamente que a sua força de inércia é superior ao bom senso e ao juízo reto de quem deseja ver trilhar outro caminho mais sólido e menos escabroso. Não há quem não pense que é tempo perdido todo aquele que se despende em chamar à razão o tresloucado regressista; admoestá-lo significa o mesmo que bradar no deserto; censurá-lo não é outra coisa mais do que lhe exacerbar a bílis e concitá-lo a retrogradar; instigá-lo, com o cautério da crítica, é afrontar as iras de um colosso impotente no raciocínio, porém por demais valente nos destemperos e agressões acintosas. A imprensa em geral tem compreendido a sua missão e cumprido o seu dever; se os poderes do Estado quisessem opor um paradeiro ao abuso... oh! o teatro de S. Pedro tinha todas as proporções para ser o primeiro teatro do império! (C.Q., tomo VI, 10/06/1860, 389-390)
Essa cobrança da imprensa por renovação no São Pedro teria levado o
seu empresário a partir, dias depois, para a Europa, onde estudaria, segundo
Carlos, os melhoramentos aí aplicados ao teatro para organizar aqui uma
companhia que satisfizesse as exigências de nossa sociedade.
Ao contrário da tônica geral, Macedo, antes de criar O Velho, já
procurava destacar os esforços daquele a quem foi concedido o título de primeiro
artista dramático nacional. Na sua “Crônica da Semana” publicada no Jornal do
Comércio em 19 de fevereiro de 1861, anuncia o retorno de João Caetano após a
estada na Europa e apresenta as esperanças que os estudos do empresário e ator
podem trazer ao teatro São Pedro e, conseqüentemente, à consolidação das artes
cênicas brasileiras:
91
A boa novidade que devemos ao paquete foi a chegada do comendador João Caetano dos Santos, o nosso primeiro artista dramático. Voltou ele do seu curto passeio à Europa com a fronte coroada de belos louros ganhados no teatro de Lisboa, honrado com uma graça elevada com que el rei de Portugal premiou o seu merecimento, e com idéias tendentes à reforma de seu teatro. (...) A viagem que o Sr. João Caetano dos Santos acaba de fazer deve exercer uma benigna influência sobre o teatro S. Pedro de Alcântara e, desde que assim aconteça, é positivo que todas as outras companhias dramáticas hão de ressentir-se beneficamente da nova situação em que terá de apresentar-se a companhia do S. Pedro. Conseqüentemente cumpre esperar pelos resultados felizes que nos promete o passeio artístico do nosso primeiro ator. Devemos esperar e não exigir improvisos e impossíveis. Em pouco tempo, em um ou em três meses não se realizará por certo a regeneração relativa do teatro de S. Pedro; se tal conseguisse o Sr. João Caetano, teria operado um milagre. Mas, devo dizê-lo com franqueza, o Sr. João Caetano dos Santos por si só não pode efetuar a regeneração completa do teatro; faltam-lhe recursos materiais e elementos que ele debalde procurará na companhia de que é chefe. Em geral, temos atores improvisados, e não temos artistas; salvo algumas exceções, mas subsiste a regra. A regeneração do nosso teatro depende de um complexo de medidas que só o governo, se tiver boa vontade, pode executar. Só o governo é que dispõe de dos meios necessários para criar um conservatório dramático com as aulas convenientes, para que dele saiam bons atores e verdadeiros artistas, depois de muito trabalho. Só o governo é que pode dar ao teatro um regulamento bem desenvolvido profícuo, e não efêmero, ou letra morta, um regulamento que dê garantias de futuro aos artistas, meios de seguro e constante desenvolvimento a arte e incentivo às letras. O que está nas faculdades do governo não está nas de um só homem, por mais talento e mais vontade que ele tenha. A ocasião é oportuna para que o governo faça alguma coisa pelo teatro, que também é um elemento poderoso de civilização. (J. C., 19/02/1861)
Notemos nesse excerto como o cronista transfere ao governo parte da
responsabilidade pelo desenvolvimento de nossas artes dramáticas. Enquanto a
imprensa criticava justamente o fato de João Caetano receber subsídios e não
atualizar técnica e repertório das peças encenadas no São Pedro, Macedo
defende o ator e explicita a importância da proteção e do auxílio financeiro do
Imperador para a manutenção da infra-estrutura física e humana de uma
instituição que representava elemento civilizatório entre nós.
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O tom de defesa a João Caetano segue na seção “Crônica da
Quinzena”. Em referências a sua criticada atuação teatral e empresarial, nosso
escritor, já em 1862 sob a casaca d’ O Velho, ressalta os esforços empregados por
aquela personalidade de nosso teatro com o fim de atrair o público e salvar o
Teatro São Pedro. Não faz uso da crítica pessoal, como o fizeram seus colegas
folhetinistas; por isso, na segunda quinzena de julho de 1862, alerta e pondera:
O teatro de S. Pedro de Alcântara vegeta perseguido desde muito tempo por adversa fortuna. Durante um longo período a empresa desse teatro andou descuidosa e seguindo caminho ruim e contrário ao desenvolvimento da arte dramática. (...) Hoje, porém, é uma verdade que alguns esforços tem feito o teatro de S. Pedro para agradar ao público. Mas entrou em moda maldizer do Sr. João Caetano dos Santos, a quem quase que já se tem negado a sua imensa superioridade sobre quantos artistas dramáticos têm aparecido no Brasil. (C.Q., tomo XV, julho de 1862, p. 194)
A pesquisadora Silvia Cristina Martins de Souza (2002) aponta a
amizade travada entre Macedo e João Caetano, após o terceiro incêndio do Teatro
São Pedro30. A casa passava por crise da qual o acidente seria somente mais um
fator desencadeador de questionamentos acerca da sua situação naquele
momento:
Para Macedo, o incêndio do São Pedro fizera emergir uma questão que vinha sendo mantida em “banho-maria” havia algum tempo – a da necessidade de um “próprio nacional” que abrigasse uma companhia regular, sob a direção de João Caetano e subvencionada pelos poderes públicos, única forma que via de não se sacrificarem os interesses artísticos ao “mau gosto de uma platéia nem sempre ilustrada”. (SOUZA,.2002, p. 74)
A companhia foi organizada e a subvenção foi oferecida pelo governo
30 Sobre a história do então chamado Teatro São Pedro de Alcântara, bem como a mudança de nomes da sala a cada recuperação da série de incêndios provocados no atual Teatro João Caetano, transcrevemos as informações organizadas por Silvia Cristina Martins de Souza: Tendo recebido inicialmente o nome de Real Teatro São João, em homenagem a dom João VI, a sala passou a chamar-se Teatro de São Pedro de Alcântara em 1824; em 1831, Teatro Constitucional Fluminense e, mais tarde, com a maioridade de Pedro II, novamente Teatro São Pedro de Alcântara. (SOUZA, 2002, p. 121)
93
imperial ao ator e empresário31 que manteve a representação de peças
pertencentes ao repertório romântico e neoclássico. Talvez esse seja o motivo
pelo qual Macedo ainda o defendeu durante muito tempo, até que este
engrossasse as fileiras dos adeptos do Ginásio Dramático. A escola que orientou a
maioria das peças encenadas nessa sala agradou parte significativa da imprensa,
ocupada em discutir a encenação de comédias realistas em nossos palcos, na
segunda metade do século XIX:
Na verdade Macedo, talvez por amizade a João Caetano, ou por ser mais apegado à escola romântica, ou quem sabe pelas duas coisas, não se alinhou de imediato ao Ginásio, como seus pares. Tanto sua decisão foi tardia que, na ocasião em que as primeiras comédias realistas foram encenadas pelo Ginásio, seus folhetins dramáticos deram conta das estréias sem maiores considerações sobre as peças e encenações, quando estas foram emitidas, demonstraram uma certa indisposição do escritor para com a nova escola dramática. (SOUZA, 2002, p. 74)
Como Macedo, foram poucos os que acorreram em favor de João
Caetano. É o que podemos confirmar na crítica feita por alguns intelectuais acerca
das peças então representadas no Teatro São Pedro. Um deles é Machado de
Assis que, em uma de suas crônicas dramáticas, ataca a retomada do velho
repertório naquele teatro:
Em São Pedro houve uma das antigas tragédias, Nova Castro. Não entro na apreciação dessa produção, porque é demais conhecida. Eu só admito a Nova Castro como uma página de belos versos. Entretanto, uma observação não vem fora do tempo. Aprecio o Senhor João Caetano, conheço sua posição brilhante na galeria dramática de nossa terra. Artista dotado de um raro talento, escreveu muitas das mais belas páginas da arte. Havia nele vigorosa iniciativa a esperar. Desejo, como desejavam os que
31 Sobre os benefícios e as exigências dessas subvenções, Silvia Cristina Martins de Souza declara: “Em 1839, finalmente, como resultado de uma verdadeira campanha encabeçada por ele próprio, João Caetano assinaria seu primeiro contrato com o governo imperial. Por meio dele e em troca da subvenção que receberia dos cofres públicos, comprometia-se a manter uma companhia dramática composta por atores nacionais, cláusula que, de antemão, sabia ser de difícil cumprimento, já que não havia número suficiente de atores brasileiros para manter qualquer companhia na ocasião”. (SOUZA, 2002, 44)
94
protestaram contra a velha religião da arte, que debaixo de sua mão poderosa a platéia de seu teatro se eduque e tome uma outra face, uma nova direção; ela se converteria decerto às suas idéias e não oscilaria entre composições-múmias que desfilam simultaneamente em procissão pelo seu tablado.” (MACHADO Apud PRADO, 1972, p. 132)
Esse comentário de Machado de Assis em 1859 já revela as posições
de João Caetano que não são explicitadas mais tarde por Macedo em suas
crônicas. O ator é exaltado na segunda fase da seção “Crônica da Quinzena”,
quando o restante da crítica já se cansara de repudiar a sua estagnação no que
diz respeito às antigas composições e ao protecionismo dispensado a escritores
de seu círculo de amizade, seus admiradores incondicionais, como observara
Salvador Mendonça:
Além de Pena, Magalhães e Macedo, autor algum mereceu a proteção de João Caetano dos Santos, senão o Sr. Cordeiro e outros que tais. Estes não sei por que a obtiveram: bem aventurados os pobres de espírito”. (MENDONÇA Apud PRADO, 1972, p. 134)
Como o nome de nosso cronista se encontra dentre os escritores
nacionais bem aventurados e preferidos por João Caetano, podemos imaginar por
que motivo a crítica de Macedo à atuação do ator e empresário destoava das
demais em meados do século XIX.
De fato, O Velho não faz críticas severas a João Caetano, no que se
refere à representação de peças da escola clássica. É o que observamos em sua
crônica de 15 de abril de 1862, na qual Macedo relata naturalmente a encenação
da tragédia Cinna, na segunda quinzena de março, quando o Teatro São Pedro
recebera o Imperador D. Pedro II:
Enquanto na noite de 30 de Março a chuva que caíra em torrentes impedia a iluminação que se preparara na praça da Constituição, o teatro de S. Pedro, trajando galas festivas, abria-se ao público, que outra vez saudava o Imperador, ao vê-lo aparecer na tribuna. Representou-se a tragédia Cinna. Essa composição dramática da
95
antiga escola clássica é bem conhecida, e a tradução dela, devida ao nosso ilustrado compatriota e literato o Sr. Dr. Antônio José de Araújo, já está devidamente julgada. (C.Q., tomo XIV, 03/1862, p. 126-127)
Ao comentar a atuação dos atores da peça, destaca o papel do
protagonista Augusto, interpretado evidentemente por João Caetano:
O Augusto da tragédia Cinna é um dos papéis em que o nosso primeiro ator o Sr. João Caetano dos Santos tem dado provas de mais maestria, e um mais consciencioso zelo dos preceitos da arte (...). No segundo ato Augusto quase que não fala, apenas escuta; mas nesse ato o Sr. João Caetano dos Santos compreendeu a majestade da personagem que representa, é às vezes no seu silêncio uma estátua de mestre, escuta admiravelmente (...). (C.Q., tomo XIV, 03/1862, p. 127)
A trajetória de João Caetano como um dos artistas que mais se
engajaram no desenvolvimento das artes cênicas brasileiras no século XIX chega,
quando da publicação das crônicas da Revista Popular, ao seu ponto crítico.
Todos os esforços feitos pelo ator até então são julgados pela posição que lhe
coube como empresário de um teatro que lutava, após uma série de incêndios e
de reformas, para reconquistar seu público. A busca de meios que facilitassem tal
reconquista – volta ao repertório clássico, reapresentação de peças românticas
traduzidas e estréia de peças nacionais como cumprimento de seus deveres como
sala subvencionada pelo governo – foi criticada pelos intelectuais de seu tempo.
O progresso do teatro legitimamente nacional deve seu nascimento e
seus primeiros passos àquele ator que, desde a primeira metade do século XIX,
vinha lutando pela libertação das nossas artes cênicas da tutela portuguesa. Ele
fez com que as regras do teatro clássico deixassem de ser amarras, para
apresentar o drama ao público brasileiro. Esse aspecto é demonstrado em sua
obra Lições Dramáticas na qual compôs treze lições sobre a arte do intérprete, tais
como o emprego da voz, o uso da respiração, a expressão dos sentimentos, a
criação dos gestos, o aproveitamento da inteligência e o jogo fisionômico. Pôs
brilhantemente em prática tais preceitos em representações de heróis de
96
melodramas que vivem comoções violentas, paixões desenfreadas, delírios,
cóleras e agitações.
O fato é que, quando os nossos intelectuais românticos já prezavam a
comédia realista francesa, na qual eram exaltados valores burgueses, tais como a
moralidade, o casamento e o trabalho, o ator ainda justificava estar mais próximo
do teatro romântico do que do teatro clássico ao qual por algumas vezes fora
impelido a recorrer para salvar seu empreendimento, o Teatro São Pedro de
Alcântara.
Ora, já afirmamos aqui que Macedo não foi para sempre adepto do
drama romântico. Quando colaborou para o Jornal do Comércio, meses antes de
registrar seu pseudônimo nas crônicas da Revista Popular, já elogiara a explosão
de peças nacionais inspiradas no repertório realista que foram apresentadas no
Ginásio entre meados de 1860 e fins de 1861, sendo duas de sua autoria: Luxo e
Vaidade e O novo Otelo. Nesses momentos em que o espaço aos autores
brasileiros era concedido nos palcos daquele Ginásio, não deixou de elogiar as
conquistas de sua companhia, embora ainda considerasse as peças aí
representadas como dramas:
E notavelmente tem ela conseguido provar que é possível no Brasil alimentar-se um teatro com dramas originais compostos por Brasileiros, o que quer dizer – desenvolvimento e progresso da literatura dramática nacional. Ao espaço de um ano seis, pelo menos seis escritores nacionais viram suas composições representadas no teatro do Ginásio, sendo todas mais ou menos bem aceitas e aplaudidas. (MACEDO Apud FARIA, 1993, p. 112)
Essa mistura de termos pertencentes a uma outra escola é sintomática
da heterogeneidade das composições dos autores brasileiros e, como veremos, é
justamente a produção teatral de Macedo a mais significativa dessa mistura de
orientações. O repertório inspirado na dramaturgia realista francesa foi, entre nós
(...) bastante heterogêneo, porque muitos dos autores escreveram peças realistas com traços românticos, quando não dramas românticos, burletas e farsas, demonstrando conviver sem grandes
97
problemas com estéticas antagônicas e gêneros dramáticos diversos e até mesmo conflitantes. Joaquim Manuel de Macedo é, seguramente, o exemplo mais acabado desta heterogeneidade. Em relação à tendência deste autor, Machado de Assis chegou a dizer que ele não professava “escola alguma; é realista ou romântico, sem preferência, conforme se lhe oferece a ocasião”. Não há dúvida de que a observação de Machado é pertinente, pois o repertório de Macedo incluía desde um drama em verso (Cobé), passando por uma imitação do francês (O primo da Califórnia, inspirado em Scribe), uma ópera (O fantasma branco), uma burlesca (Antonica da Silva), uma comédia burlesca (A torre em concurso), até duas comédias realistas (Luxo e vaidade e Lusbela). (SOUZA, 2002, p. 117)
Macedo também não hesitou em criticar João Caetano antes de
colaborar para o empreendimento de Garnier, como observamos em sua crítica
publicada naquele Jornal, a 6 de maio de 1861, à encenação do drama O
Prestidigitador, tradução da peça L´Escamoteur, também representada no Ginásio,
sob o título O Pelotiqueiro. Sem deixar de elogiar em sua apreciação crítica da
peça o passado artístico daquele ator, não hesitou em ser “franco e severo” com
ele:
No papel do Beaujolais, o Sr. João Caetano dos Santos, procurando com louvável empenho criar o tipo do Prestidigitador charlatão da França, por amor da arte, sem dúvida, prendeu, encadeou a sua felicíssima natureza em laços de ferro, e deu, especialmente à sua pronúncia uma inflexão de voz que se tornou monótona, e que me pareceu mal cabida na pronunciação portuguesa; felizmente, porém, Beaujolais, o charlatão, desapareceu diante do Beaujolais o pai; desapareceu até demais, visto que o tipo havia sido adotado tal; mas ao menos o esforço do amor paternal quebrou aquelas cadeias, e no reconhecimento da filha no quarto ato, e ainda no final do quinto, o talento fez explosão, e foi coroado por bravos e aplausos bem merecidos. (MACEDO Apud FARIA, 1993, p. 118)
Começamos a supor que a imparcialidade adotada por Carlos em suas
críticas deveria ser uma regra nas páginas do periódico romântico em estudo.
Como possível órgão do Romantismo, seus colaboradores deveriam ponderar a
respeito de produções pertencentes a essa escola, sobretudo se primassem pelo
98
desenvolvimento das manifestações artísticas nacionais.
A postura de Macedo na Revista pode ser reveladora da suposta
neutralidade da publicação, mas também espontânea dada a sua simpatia por um
ator, legítimo representante da nossa cena romântica que não contou com
escritores capazes de criar um repertório significativo de peças teatrais.
A compreensão do Velho para com João Caetano no que diz respeito
ao seu retorno constante aos dramas, melodramas e tragédias, como vimos, ficou
registrada em suas crônicas da Revista Popular. Na verdade, o reconhecimento do
nosso segundo cronista para com aquele ator é a justiça que deveria ser feita a
um artista que, nas palavras de Décio de Almeida Prado,
(...) representa a chave que abre todo o período de formação do nosso teatro, visto pelo lado de dentro, a partir do palco, através de sua parte mais viva e atuante (...). Somente ele, na sua dupla função de ator e de empresário, sustentou durante três decênios a continuidade de nossa vida teatral, em condições sempre adversas e em nível surpreendentemente alto. (PRADO Apud FARIA, 2001, p. 58)
Foram essas razões que nos motivaram a destacar, da crítica teatral de
Joaquim Manuel de Macedo na seção “Crônica da Quinzena”, a constante
referência a João Caetano. A resistência desse ator animava o nosso Velho a
prosseguir na luta pela afirmação da nacionalidade das letras e das artes cênicas
brasileiras.
Dessa forma, seja a João Caetano, seja a Carlos Gomes, o valor
atribuído aos artistas nacionais na coluna “Crônica da Quinzena” parece mais
adequado para a defesa de idéias nacionalistas do que seriam as previsíveis
descrições minuciosas de figurinos de modas feitas por Macedo.
Nossa escolha pelo recorte de dois temas que caracterizam a produção
de Carlos e d’O Velho justifica-se, portanto, através dessas constatações e pode
ser endossada pela já tão alentada divisão de águas estabelecida por nosso
último cronista: de um lado temos o irônico “mancebo elegante” das descrições de
gravuras de modas francesas; de outro, O Velho démodé dos manifestos em
99
defesa aos homens que prezavam a originalidade das produções líricas e cênicas
representadas nos palcos fluminenses. Cada um, a seu modo – ou a sua moda,
desenrolaram o fio condutor dessa série publicada no periódico popular de
Garnier: o desejo de afirmação da nacionalidade de nossas manifestações
artísticas e sociais em meados do oitocentos.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da seção “Crônica da Quinzena”, realizado a partir da escolha
de temas que particularizaram o estilo e a linguagem da produção dos cronistas
Carlos e O Velho, parece atestar a presença de idéias nacionalistas nesse
“cantinho” da Revista Popular reservado ao recreio e à pretensa instrução amena.
Até novembro de 1861 temos um escritor que cumpre os deveres de
seu ofício e, ao passar dos assuntos sérios aos frívolos, apresenta as novas
tendências da moda européia daquele momento. A França é destacada como o
pólo irradiador de estilos e de comportamentos para o mundo, mas Carlos ironizou
o domínio desse país no tocante à moda, como verificamos em análises sobre o
seu discurso realizadas com o auxílio dos trabalhos de Roland Barthes (1967;
1979) e de René Girard (1961). Como observador do cotidiano e colaborador de
um periódico que, além de não vedar qualquer coluna às mulheres, ainda lhes
reservava um espaço exclusivo, Carlos descreveu gravuras e anunciou casas de
modas sem deixar de apontar as possibilidades de adequação dos figurinos
franceses ao nosso clima e as nossas necessidades.
Além de destacarmos a crítica feita à reverência aos modelos de
elegância importados de Paris, verificamos, nos indícios de crítica teatral de
Carlos, a pretensa imparcialidade de seus pareceres apresentados nessa série.
Com base nos estudos de João Roberto Faria (1993; 2001) e de Silvia Cristina
Martins de Souza (2002), flagramos sua posição conciliatória nos momentos em
que a imprensa dirige elogios às peças do realismo francês encenadas no Ginásio
Dramático, em detrimento do repertório do Teatro São Pedro, por vezes ainda
adepto dos dramas românticos franceses.
Sem combater exatamente essa supremacia dos produtos da indústria
cultural francesa, O Velho, por sua vez, dá continuidade ao programa da coluna
com destaque à revista dos palcos fluminenses. Verificamos, então, que não
podemos ignorar as considerações feitas pela persona criada por Macedo nessas
crônicas acerca do teatro nacional, pois ilustram a preocupação do literato com a
101
urgência do desenvolvimento autônomo de nossas artes cênicas. Através do
reconhecimento de João Caetano dos Santos como figura marcante nas críticas
do cronista, destacamos a atuação do encasacado Dr. Macedinho na coluna
“Crônica da Quinzena”, pelo valor por ele atribuído aos artistas que prezavam a
originalidade de nossas produções, aspecto já manifestado em peças de sua
autoria como O Cego (1849), O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859), O Amor e
a Pátria (1859).
Assim, cada colibri, a seu modo ou a sua moda, colaborou para que as
propostas da publicação de Garnier fossem endossadas na coluna “Crônica da
Quinzena”. Elegantes ou démodés, parciais ou imparciais, podemos considerar o
papel dos cronistas Carlos e O Velho como formadores de opinião entre o publico
leitor fluminense, sobretudo o feminino que, em meio a trabalhos de agulha,
encontravam a extensão do debate apresentado nas seções de crítica literária
sobre a afirmação da nacionalidade de nossas artes e de nossos costumes.
102
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108
ANEXOS
Sínteses das crônicas32
Rio de Janeiro, tomo I, 4 de janeiro de 1859.
1. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 56-69
O cronista expõe ao público leitor a importância da crônica como
publicação literária. Destaca a peculiaridade dos assuntos dessa seção da revista:
descrição de fatos da sociedade fluminense, o que inclui as repercussões dos
teatros, da música, da moda, da literatura, dos salões e dos bailes. Reserva
espaço também aos comentários sobre livros, poesias e biografias de artistas.
Após essas considerações, saúda o novo ano, iniciado com fortes chuvas. Mais
adiante recomenda às leitoras os elegantes chapéus da casa Lacarrière, os cortes
de seda da casa C. Dazon & Filho, as rendas, os bordados e a roupa branca de
Mme Creten, além das jóias de Júlio Boulte. Comenta a representação da
comédia A herança do Sr. Plumet, no Ginásio Dramático, em dia de ano bom.
Destaca a atuação da jovem Ludovina De Vecchy. Recomenda que as leitoras
assistam ao Te-Deum, peça musical composta pelo Sr. Mesquita, estudante do
conservatório de Paris.
Rio de Janeiro, tomo I, 19 de janeiro de 1859.
2. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 123-126.
Carlos, o cronista, se apresenta aos leitores dizendo ter perdido as
32 No caso dos textos assinados por Carlos, consideramos a data apresentada pelo cronista no cabeçalho de cada crônica. Como na produção que resgatamos d’O Velho tal informação não é explicitada, decidimos considerar o tomo, o mês e o ano de publicação de seus textos na Revista Popular.
109
anotações sobre fatos interessantes da quinzena. Entretanto, desconfia ter apenas
imaginado esses registros, que não existindo, podem ser comparados à
monotonia daqueles últimos quinze dias. Declara, então, que será forçado a fazer
apelo a sua memória. Ao relatar o conflito entre o Sr. Bailiss e a diretoria da
estrada de ferro, acerca do abaixamento dos trilhos provocado pelas chuvas, o
cronista conclui que essas discussões servem de exemplo à implantação das
futuras vias férreas. Sugere que antes de se abrirem ao trânsito público elas
deveriam ser submetidas à prova de água. Isso dispensaria consertos e reformas
constantes. Alerta sobre a proximidade da reforma de várias repartições públicas.
Destaca a importância dessas esperadas reformas ao empregado público, que
repleto de privações e preocupações, é incapaz de auxiliar a administração do
país. Às leitoras relata o sarau do Sr. Dr. P... da S... que interrompeu o silêncio dos
salões fluminenses naqueles dias. Passando ao teatro, comenta a representação
da revista do ano de 1858, no Ginásio, que gerou diferentes opiniões. Ressalta a
representação dos Saltimbanques, revista francesa também representada no
Ginásio. Compara, enfim, o grande impacto que os escritores estrangeiros
provocam no público a falta de intimidade do autor nacional com a pena.
Rio de Janeiro, tomo I, 4 de fevereiro de 1859.
3. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 187-200
O cronista admite-se um indivíduo ocioso que, somente atraído pelo
retrato da mais bela de suas leitoras, rejeita tal ociosidade e escreve a crônica.
Esse olhar o impeliu ainda a procurar um amigo e motivos para seus escritos em
Petrópolis. Ao deparar-se com o mau tempo e a falta de novidades, resolve, em
seu aposento, retornar à corte. É impedido por Alexandre, moço que freqüenta as
sociedades, a partir nas vésperas de uma exposição. Este o fez reconciliar-se com
Petrópolis, levando-o a casa do comendador C***. Lá analisou o vestuário dos
presentes e concluiu que os habitantes daquelas cidades trajavam com bom
110
gosto. Com efeito, dois dias depois assistiu às exposições e viu os mais elegantes
trabalhos. Ao falar do teatro, detém-se para não dirigir censuras às leitoras.
Comenta o tumulto provocado por indivíduos de ocupação equívoca, que
afugentam dos camarotes as famílias com a representação da comédia-drama 29.
Conta com maiores providências da polícia, que já havia impedido, naquele
momento, a representação do drama.
Rio de Janeiro, tomo I, fevereiro de 1859.
4. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 250-254
O cronista comenta a falta de freqüentadores dos salões e dos teatros
naqueles dias. As notícias que julga interessantes pertencem às seções de
comércio e da política. Desse modo, prefere comentar sobre a coincidência de
suicídios, ressaltando que o Dr. Boismont, escritor francês, é uma sumidade no
assunto. Conclui que a propagação dos acontecimentos aumenta em maior escala
o número dos atentados. Cessando esses comentários, destaca o casamento do
Sr. V*** nos dias da semana anterior. Comenta, em seguida, a má fortuna dos
bailes da época, que não se deixam vencer. Ao destacar as representações das
comédias em sala, observa como as matronas julgam degradantes os artistas.
Entretanto, crê no retorno destes, pois está certo de que possuem muitos
simpatizantes. Falando em literatura dramática, reproduz uma anedota contada
pelo redator do Manual Ilustrado, o Sr. Júlio Lecomte, que ironiza as produções
excêntricas dos correios ingleses e alemães.
Rio de Janeiro, tomo I, 1º de março de 1859.
5. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-69 (bis)
O cronista diz que, se sua missão fosse escrever um folhetim, poderia
111
cometer um plágio. Então, Sousa Ferreira, que escreveu no Diário do Rio de
Janeiro, na época áurea desse jornal, seria o seu modelo. Como aqueles dias
foram infecundos e, como a sua verdadeira missão era escrever crônicas, relata a
supremacia da França com relação à moda no Brasil. Descreve as novidades que
chegaram naqueles dias aos armazéns da rua do Ouvidor e da Quitanda:
organdis, chapéus, enfeites para cabelos. Discursando ainda sobre moda,
observa que, embora na França muito mal se diga das saias balões, elas têm
obtido grande número de partidários entre os elegantes. Relata que, no último
sarau da Phil’Euterpe, os freqüentadores conheceram Annalia L..., cuja beleza
provocou muitos comentários. Contou que esta moça, no dia do seu casamento
com o Sr. Eduardo L..., fora surpreendida por Eugênia G***, prima do rapaz, com
um papel escrito por ele quando tinha quinze anos. Ali havia a promessa de que
se casaria com a prima. A dívida foi resolvida no mesmo dia.
Rio de Janeiro, tomo I, 15 de março de 1859.
6. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 378-384
Na quinzena anterior, a Imperatriz do Brasil comemorou seus 37 anos,
no teatro lírico. A respeito deste, o cronista anuncia que os seus espetáculos
começaram com a apresentação de Colcha de retalhos, por Mme De la Grange e
Mme Soltz, que representaram a Semiramis, uma das melhores partituras de
Rossini. Relata que, num dos últimos dias chuvosos dessa quinzena, olhou por
uma janela, fronteira à do seu gabinete, uma das mais traquinas leitoras da
Revista. Ela parecia rir e chorar ao mesmo tempo, com a intenção de abrandar a
fúria do temporal, importuno desmancha prazeres. Lamenta a decepção de todos,
sobretudo das mulheres, que desejavam ver o cortejo dos senhores das
Sumidades Carnavalescas e da União Veneziana, mas não puderam por conta
das chuvas durante o Carnaval. Como os devotos não puderam comparecer à
missa de quarta-feira de cinzas, saíram em procissão pelas ruas. O cronista
112
reprova a algazarra que ocorre nessas manifestações. Denuncia a adaptação
feita por um poeta de uma história conhecida dos romances franceses. Na
história, a tentativa da avó de Bertha de fazer sua neta deixar de cuidar de
amores e de vestidos é bem sucedida. A menina ganha jóias por esses sacrifícios,
mas não é capaz de realizar um terceiro que lhe garantiria uma pulseira de
pérolas e esmeraldas: ficar em silêncio durante uma hora. Lamenta a morte de
Joaquim Antônio Ferreira, visconde de Guaratiba. Por outro lado, alegra-se com a
nomeação do Dr. Saturnino Soares de Meireles para reger a cadeira de física da
escola de marinha, na quinzena anterior.
Rio de Janeiro, tomo II, 31 de março de 1859.
7. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 58-64
Inicialmente, o cronista descreve o figurino de modas distribuído com o
último número da Revista. Destaca, em seguida, a exposição de 182 quadros, na
sala da Pinacoteca do Rio de Janeiro, que contou com a presença e prestígio do
Imperador D. Pedro II. Comenta a possibilidade de aquisição de um terreno maior
para a construção de um teatro lírico, que substitua o provisório. Relata o que
ocorreu a um espectador na última representação da Traviata, por Mme De la
Grange. Aquele deixou cair uma caixa de fósforos que se espalharam pelo chão.
Um senhor pisou acidentalmente em um dos fósforos e a explosão foi imediata.
Felizmente os aplausos para a cantora lírica abafaram esse incidente. Mostra sua
indignação quanto à ausência das leitoras ao evento promovido pela Sociedade
Propagadora das Belas Artes, no dia 24 daquele mês. Sobre a parada do dia 25
de março, observa a ironia de um indivíduo, que parecia ser um escritor
oposicionista e a confusão de transeuntes na rua do Ouvidor, provocada pelas
chamas de um foguete, que atingiram o Café Cantante. Discute as semelhanças
entre Probidade e Oração dos Náufragos, representadas no Ginásio Dramático.
Júlio Lecomte, escritor do Courrier de Paris, conta os elogios feitos pelo Sr.
113
conselheiro Marques de Lisboa, ministro plenipotenciário do Brasil em Paris, ao
projeto para erguer uma estátua em homenagem a D. Pedro I, no Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, tomo II, 16 de abril de 1859.
8. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 119-128
O cronista descreve as rivalidades que surgem nos salões de baile,
onde é inevitável o encontro com inimigos. Chama a atenção para a abertura
desses salões logo que terminem as festas da Semana Santa. Denuncia o
abandono das casas de campo, que nos dias seguintes se daria por conta do
inverno. Admira-se com o fato de alguém escrever a respeito da mulher e destaca
um livro em que estão reunidos ditos espirituosos de mulheres célebres. O
falecimento do Sr. Jorge G..., antigo guarda-livros que deixou no seu testamento
uma contribuição a todos os que lhe ofereceram refeições e hospedagem durante
sua vida. Relata a confusão entre o ministro plenipotenciário do teatro lírico e Mme
Soltz. Esta era acusada de fugir do novo projeto, quando na verdade havia ido à
Europa recrutar artistas célebres para o teatro. Reprova a atitude de padres pelo
Correio Mercantil, que cobram 16$000 para carregar o esquife do Senhor Morto na
procissão do enterro. Relata a morte da escrava Gertrudes, pertencente ao Sr.
Vigário Diniz Hilário de Nogueira, que aos 130 anos conservava ainda suas
faculdades intelectuais e físicas. Finalmente, comenta a representação da peça
Probidade, no Ginásio Dramático.
Rio de Janeiro, tomo II, 1º de maio de 1859.
9. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 182-192
O cronista tenta convencer as leitoras sobre a necessidade de se
apresentarem nos salões com vestidos da moda. Descreve a gravura presente
114
nesse número da Revista, que traz dois trajes para baile. Narra, em seguida, a
história de Jorge que, habituado a viver na cidade, não se adaptava à pequena
casa, recostada sobre uma das subidas da Tijuca, onde foi morar. Tudo era só
tédio até pedir um copo d’água na casa de Eulina L*** e os dois se casarem um
mês depois. Comenta a notícia publicada no Jornal do Comércio, em 27 de abril.
Nela estava explícita a indignação do jornalista ao relatar o sepultamento de oito
escravos, sendo que um deles ainda estava moribundo. Alerta para a decadência
do teatro lírico, que ainda existe graças ao esforço de Mme De la Grange e suas
representações. Anuncia que, no dia seis daquele mês, a artista Adelaide
representaria, no teatro S. Pedro, o drama Recordações da mocidade, o que
promete bons resultados para a sua carreira e para o teatro em questão. Anuncia,
ainda, a representação do drama Justiça, em benefício do Sr. Moutinho, artista
célebre do Ginásio. Por necessidade de economia, comenta a diminuição de
anúncios das representações do Ginásio, publicados pelos jornais. Relata a
monotonia do baile de máscaras realizado no salão de São Pedro, no domingo de
Páscoa. Em contrapartida, no Alcáçar lírico, se houve melancolia, foi somente
quando o baile chegava ao final. Alerta, finalmente, para a chegada de uma
acrobata muito ágil à rua da Alfândega, nº 10.
Rio de Janeiro, tomo II, 16 de maio de 1859.
10. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 247-256
Inicialmente, o cronista observa, entre outras questões, que estando a
nossa literatura e as nossas produções desprezadas, seria necessário brindar o
talento estrangeiro. Relata o diálogo que ouviu na última reunião da Phil’Euterpe
acerca de uma dívida entre a Sra. Milliet (de Paris) e o Sr. Soltz. Anuncia que na
noite de oito de maio representou-se, no teatro de S. Pedro, o drama
Recordações da mocidade e a comédia Uma mulher por duas horas. Distinguem-
se entre os atores o Sr. Arêas e a Sra. Adelaide, aos quais faz inúmeros elogios.
115
Anuncia, ainda, a representação do drama de costumes militares O herói
portuense. Comenta a atuação dos atores da Probidade, representada no Ginásio.
Em seguida, faz alusão a um convênio entre Portugal e França, que proíbe a
tradução sem autorização de qualquer composição francesa. Observa que o
Ginásio não respeita esses convênios. Relata o convite feito a Treféu, dramaturgo
que apareceu em Paris, para vir ao Rio de Janeiro dar sua opinião acerca da
administração do teatro lírico. O convite foi recusado. Observa que o teatro ainda
não perdeu a esperança, graças aos esforços de Mme De la Grange. Finalmente,
recomenda o estabelecimento de modas Bela União para que as leitoras possam
adquirir os trajes sugeridos pelo cronista nesta quinzena.
Rio de Janeiro, tomo II, 1º de junho de 1859.
11. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 316-328
Relata a confusão que ocorreu na câmara dos deputados por conta da
resposta ao discurso da coroa, votada precipitadamente. Chama a atenção das
leitoras para as duas novas galerias da câmara: uma destinada ao corpo
diplomático, e a outra para receber as mulheres. Comenta a comemoração de um
mês de existência do Echo du Brésil, novo jornal escrito em francês, que relaciona
sem maior largueza nosso país com a Europa. Seu redator-chefe é Mr. Altève
Aumont. Mostra sua indignação com a ineficiência do trabalho dos bombeiros, ao
relatar o incêndio ocorrido na rua São José, nº 35. Lamenta o falecimento do
brigadeiro Miguel de Frias e Vasconcellos, militar dedicado ao serviço público a
quem o país deve, entre outros serviços, o abastecimento de água potável. O
cronista chama a atenção dos leitores para uma empresa importante realizada
pelo Banco Imperial: o resgate e a amortização do papel moeda do governo,
restabelecendo o valor intrínseco dos metais preciosos. Outra medida tomada
será o socorro à lavoura nacional. Denuncia o escândalo provocado na noite de 18
de maio, no teatro de S. Pedro, quando se representava o drama Os órfãos da
116
ponte de Nossa Senhora. A Sra. Ludovina foi insultada logo no início pela platéia,
o que fez o resto do espetáculo correr sofrivelmente. Admira a representação no
teatro lírico de Sra. De la Grange, em mais uma quinzena. Revela que em breve
chegariam ao Brasil três ou quatro celebridades, cujos diplomas foram
referendados pelo ministro lírico, então residente em Paris. Comenta a atuação
dos atores em Justiça, de Camilo Castelo Branco, no Ginásio Dramático. Refere-
se ao drama como excelente produção. Sobre a comédia Saia Balão, julga ser
uma farsa de pouco espírito e imprópria dos artistas que nela representam.
Apresenta, finalmente, uma paródia da oração do Padre Nosso, reformada pelos
Lombardo-venezianos.
Rio de Janeiro, tomo II, 16 de junho de 1859.
12. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 379-390
O cronista inicialmente registra a queixa de algumas leitoras ao editor, o
Sr. Garnier, acerca dos figurinos distribuídos pela revista. Apresenta, como
alternativa, uma gravura de modas de bom gosto e pouco dispendiosa. Denuncia
o desleixo dos empregados da estrada de ferro D. Pedro I, que provocou, poucos
dias antes, um desastre: trens se encontraram porque um maquinista não se
recolheu a um desvio indicado na estrada, o que evitaria tal incômodo aos
passageiros e prejuízo à empresa. Elogia os saraus na casa do Sr. Conselheiro
Cast..., onde a música e a literatura são muito bem representadas. Remete-se à
representação de Ramalhete de violetas, no Ginásio Dramático, e narra uma
história cujo início é semelhante ao desfecho daquela comédia. Descreve o
enredo do drama Justiça, de Camilo Castelo Branco, representado por Furtado
Coelho e Moutinho, Montani e Veluti, no Ginásio Dramático. Mostra sua
indignação com a administração do teatro lírico, na noite de estréia do tenor
Mirate, que, apesar de ter elevado os preços de entrada, não proporcionou
conforto aos espectadores. Comenta a representação da comédia Donnez aux
117
pauvres, representada no teatro de S. Januário, pela companhia francesa,
traduzida pelo Sr. Costa Braga. Cita ainda a representação do drama O castelo
das sete torres. Elogia a representação do drama A caridade na sombra, de
Ernesto Biester, no Ginásio Dramático, no domingo anterior. Lamenta a morte do
escritor alemão Humbold, e da soprano russa Angelina Bosio. Narra, finalmente, a
história de Mlle. Martin, que desposou in mente o poeta Lamartine, a quem
admirava. Ao morrer, deixou a ele uma herança, que não foi tocada antes de ser
repartida com dois parentes pobres de Mlle Martin.
Rio de Janeiro, tomo III, 1º de julho de 1859.
13. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 58-64
Nesta quinzena, o cronista destaca: a morte de S. M. D. Fernando, rei
de Nápoles, seguida dos ressentimentos da corte brasileira; a representação do
Rigoletto pelo tenor Mirate, no teatro lírico; a representação de Os seis degraus do
crime, no teatro de S. Pedro; a 41ª dramatização da Probidade; a estréia de
Ninguém julgue pelas aparências, no Ginásio Dramático; a discussão de dois
parlamentares no Clube Phil’Enterpe. Deste último acontecimento, o cronista
ressalta a discussão dos presentes acerca da influência da moda na sociedade.
Estão ainda em destaque a carestia dos gêneros alimentícios e os estragos
provocados por fogos de artifícios. Narra a história de N..., que, chegando ao Rio
de Janeiro com escassos recursos, luta para ter crédito, fortuna e reconhecimento
na capital do Império. Finalmente, comenta o possível desmoronamento do morro
do Castelo, grande montanha do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, tomo III, 16 de julho de 1859.
14. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 120-128
118
O cronista cita três ou quatros reuniões dignas da capital do Império,
dois grandes bailes, a representação dos Puritanos no teatro lírico e o último sarau
do prestidigitador Hermann. Duas vezes saudou a independência nos salões do
Clube, o glorioso aniversário em que a Bahia quebrou os ferros do cativeiro e
outros comemoraram a data da libertação dos Estados Unidos. Relata destes dois
bailes a variedade dos trajes, tão ricos e elegantes, menciona as sedas,
guarnecidas de custosas rendas, os diamantes e as flores. Comenta sobre o
alvoroço do dia 10, provocado por uma procissão. Nas festividades da matriz
Santa Rita por ocasião do Espírito Santo, o povo invadiu o templo, criou-se um
tumulto. Solicita, finalmente, que sejam enviados da Europa figurinos apropriados
para o inverno brasileiro.
Rio de Janeiro, tomo III, 1º de agosto de 1859.
15. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 188-196
Elogia a atuação da cantora Medori, no teatro lírico, que representou
Leonor, na ópera Trovador. Na noite de 29, data do aniversário da princesa
imperial, a Sra. De la Grange, representou o papel de Gilda no Rigolleto. Mais
adiante comenta o repertório dos teatros fluminenses. Destaca no Ginásio
Dramático a representação de Damas das Camélias, de Alexandre Dumas Filho.
Faz críticas severas às repetições constantes do teatro S. Pedro. Anuncia que no
teatro S. Januário há uma companhia de atores chamada Colcha de retalhos.
Rio de Janeiro, tomo III, 16 de agosto de 1859.
16. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 253-260
O cronista comenta a falta de bailes e saraus nesta quinzena. Menciona
os figurinos atraentes da Tasmanian e, em seguida, anuncia a chegada de notícias
119
da grande batalha em que os franceses, comandados por Napoleão III,
demonstram bravura nos solos italianos. Voltando ao Brasil, dá detalhes sobre a
mudança ocorrida na coroa e organização do Novo Ministério. Elogia o folheto
biográfico da ilustre cantora, a Sra. de la Grange, publicado pelo Sr. Autève
Aumont, redator do Echo du Brésil. Comenta, finalmente, as representações no
teatro lírico de Filha de salineiro, Órfãs de Antuérpia e Os Milagres de Santo
Antônio.
Rio de Janeiro, tomo III, 1º de setembro de 1859.
17. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 333-340
Refere-se à proximidade das comemorações da Independência do
Brasil. Cita como exemplo a contribuição da Sociedade Petalógica, que se dirigiu
aos seus amigos associados para ajudarem na iluminação da praça da
Constituição. Apresenta a composição do Sr. Egídio Ribeiro de Andrade, de Minas
Gerais, em homenagem ao aniversário de nossa independência. Lamenta o
falecimento da jovem rainha de Portugal, D. Estefânia Hohenzollern Sigmaringen,
no dia 17 de julho. Comenta ainda as exéquias de S. M. Fernando II, rei de
Nápoles, que ocorreram na última quinzena. Destaca as festividades em louvor da
Senhora da Piedade, no domingo anterior, na igreja da Cruz. A celebração contou
com a colaboração dos primeiros artistas do teatro lírico e com uma orquestra que
deu realce à parte instrumental da missa. Menciona a grave crise financeira que
assola os teatros. Aproveitando esse tema, elogia a representação do Rigolleto
pela Sra. De la Grange e do Sr. Mirate, no teatro lírico. Do teatro de S. Pedro,
destaca três composições nacionais, que ainda estão sob sigilo. No Ginásio a
Probidade ainda era representada, sendo que no próximo dia 3 entraria em cena o
drama O asno morto. Encerra a crônica destacando a também repetida peça
Corda Sensível, no teatro S. Januário.
120
Rio de Janeiro, tomo III, 20 de setembro de 1859.
18. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 392-402
O cronista inicia demonstrando os compromissos da Revista Popular
para satisfazer os leitores com as informações dadas pelos seus correspondentes.
Referindo-se às cartas recebidas de Paris, comenta as gravuras de modas do mês
de agosto e setembro. Sobre o aniversário de independência do Brasil, conta que
os estudantes do colégio Pedro II cantaram o hino da independência,
acompanhados por um coro de mais de quatro mil pessoas. A respeito dos teatros,
relata que no S. Pedro foram representados dois excelentes dramas originais do
Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo. O cronista anuncia ainda a publicação de
Primaveras, livro do poeta brasileiro Casimiro de Abreu. A seguir, são descritas as
novidades dos bailes da Sociedade Alemã de Beneficência realizados nos salões
do Clube. Os teatros também fizeram parte dos festejos, representando a ópera
Lombardos. Observa que os espectadores ficaram indignados com a antigüidade
das decorações, a miséria dos vestuários, a desafinação e a desordem da
apresentação. Critica ainda a representação da peça Os Mártires, pelo custo da
visita ao teatro. A crônica é encerrada com alguns breves comentários sobre a
obra O asno morto, com elogios à riqueza da encenação e ao desfecho imprevisto
e original.
Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de outubro de 1859.
19. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 63-72
Sobre esta quinzena, o cronista relata que os teatros estiveram em
completa ociosidade. Sobre literatura, destaca o nome de Álvares de Azevedo,
autor que considera importante para a história literária de nosso país não tanto
pelas suas obras, mas pela escola romântica da qual sem querer se tornou
121
mestre. Ao comentar a publicação de Harmonias Brasileiras, do Sr. Macedo
Soares, reanima-se por ver a mocidade arrepiar a carreira. Finalmente, o cronista
lamenta e prevê a possível decadência do teatro lírico.
Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de outubro de 1859.
20. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 131-140
O cronista inicia dando a notícia de que Suas Majestades chegaram na
manhã de 6 daquele mês à cidade de Salvador, capital da província da Bahia, e aí
tiveram uma recepção brilhante. Comenta o fiasco dos figurinos de modas do mês
e critica, mais adiante, a falta de reformas na educação religiosa. Em seguida,
condena o exercício de aluguéis de escravos. Dirigindo-se aos teatros, menciona
a nova comédia As mulheres terríveis, uma bela produção da escola francesa,
habilmente traduzida pelo Sr. S***, e interpretada com consciência pela maioria
dos artistas que nela atuam.
Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de novembro de 1859.
21. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 200-208
Discorre sobre o difícil trabalho do cronista que, sem as novidades dos
bailes e saraus, limita-se a comentar as representações repetidas dos teatros.
Propõe-se, então, a analisar todos os dramas neles encenados, ao contrário do
conservatório dramático, que arquiva todos os pareceres sobre as encenações
numa secretaria. Comenta a ressurreição da ópera nacional com as vozes das
Sras. Carlota Milliet e Paulina Gianelli, além dos Srs. Amat e César Gianelli. Narra
o irônico episódio em que, vingando-se dos homens por fecharem o Clube
somente para si numa noite de partida, as mulheres na quarta-feira de partida
familiar não compareceram, deixando-os sem par para a dança. Lamenta a partida
122
da Sra. de La-Grange para a Europa, anunciando que ainda será possível ouvi-la
nos salões do Clube, no dia 5. A esse propósito, sugere o possível
desaparecimento do teatro lírico, que conta somente com o apoio do Sr. Mirate.
Comenta a má administração do teatro para com os artistas, comprovada no dia
da apresentação do rabequista P. Julien, que se vingou com uma belíssima
representação junto da Sra. de la Grange. Comenta a estréia do Sineiro de S.
Paulo, no teatro S. Pedro, além dos dramas Raquel, do Sr. Ernesto Biester, e Abel
e Caim, do Sr. Mendes Leal, no Ginásio Dramático. Finalmente, anuncia a
representação que se daria naquele dia do Luiz de Camões, do Sr. Burgain, no
teatro S. Januário onde também a Sra. Ballestra Galli pretendia organizar uma
companhia lírica.
Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de novembro de 1859.
22. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 262-270
O cronista descreve as gravuras que importou o paquete inglês nesses
dias. Sobre literatura o cronista anuncia a publicação da obra do Sr. Dr. Carlos
Luiz de Saules, intitulada Estudos sobre a física pulmonar. Destaca os dois
concertos então apresentados, um no Ginásio em benefício da Sra. Helena
Conran, e outro no Clube, em favor do Sr. Oscar Pfelffer. O primeiro esteve acima
do sofrível, e o segundo foi excelente. Mais adiante elogia a representação do
Sineiro de São Paulo, no teatro de São Pedro.
Rio de Janeiro, tomo IV, 1º de dezembro de 1859.
23. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 328-336
Destaca a partida de Sra. de la Grange a Montevidéu, fazendo memória
de sua última apresentação no Rio de Janeiro. Faz uma breve discussão sobre a
123
arte dramática. Comenta a execução da peça Norma, pela Sra. Medori, no teatro
lírico. Sobre as novidades dos teatros, destaca Erro e amor, novo drama
representado pela companhia do diretor João Caetano. Do Ginásio menciona a
Valentina, com destaque para a atuação da Sra. Gabriella.
Rio de Janeiro, tomo IV, 16 de dezembro de 1859.
24. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 393-402
Ao discorrer sobre modas, o cronista chama o leitor a dar um passeio à
casa da Sra. Catharina Dazon, à rua do Ouvidor, para examinar variados artigos. A
seguir, cita Mercadante, compositor da ópera Horácios e Curiácios, que, na sua
opinião, serviria de oração fúnebre para o enterro do teatro lírico fluminense.
Voltada a atenção ao teatro São Pedro, comenta a representação do drama As
mães arrependidas, da escola francesa. Anuncia que a comédia de Scribe La
comtesse du tonneau, outrora representada pela companhia francesa, foi levada à
cena do Ginásio com o título As duas primas. Em S. Januário, destaca o drama A
torre de Londres e lamenta que o teatro esteja atirado a um recanto da cidade.
Rio de Janeiro, tomo V, 1º de janeiro de 1860.
25. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 61-68
O cronista faz uma saudação ao ano bissexto que se inicia e convida os
leitores e colaboradores a continuar prestigiando o trabalho da Revista Popular.
Elogia a hospitalidade do povo pernambucano, oferecida ao imperador e à
imperatriz em sua visita a esta província. Destaca a homenagem feita por D.
Alexandrina Marino, que lhes dedicou, entre outros presentes, dois poemas. Mais
adiante convida as leitoras a ler as charadas enviadas por seu amigo, o Sr. L. M.
Percegueiro. Anuncia que, no teatro de S. Pedro, foi representado o drama As
124
mães arrependidas seguido do Escravo Fiel, produzido pelo Sr. Dr. C. A. Cordeiro.
Comenta as repercussões das duas peças. Descreve o enredo do Romance de
um moço pobre, de Octavio Feuillet, publicado no ano anterior pela Revista e
encenado naquele momento no Ginásio Dramático. Faz, finalmente, observações
sobre a atuação dos atores desse drama.
Rio de Janeiro, tomo V, 16 de janeiro de 1860.
26. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 124-132
O cronista apresenta às suas leitoras um figurino parisiense apropriado
para os saraus carnavalescos que se aproximam. Narra o drama vivido pelo
triângulo amoroso Leonor, seu primo e marido Augusto N*** e Emília, amiga da
primeira e amante do segundo. Critica a atuação da câmara municipal no que se
refere à recepção do imperador, que regressaria em poucos dias ao Rio de
Janeiro. Mais adiante comenta a representação, no edifício de S. Pedro de
Alcântara, do drama Os pobres do Rio de Janeiro e da comédia Em cima de
queda couce, ambos trabalhos do Sr. Dr. Sampaio, apresentados no dia 10 de
janeiro. Faz referência a representações de Filhos dos Trabalhos e de Romance
de um moço pobre, no Ginásio Dramático.
Rio de Janeiro, tomo V, 1º de fevereiro de 1860.
27. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 189-196
Menciona a publicação de uma obra nacional que, encenada no Ginásio
Dramático, não agradou à polícia, resultando na proibição de sua representação.
Trata-se da comédia As asas de um anjo, de José de Alencar. Comenta ainda as
obras A filha da Risinha, do Sr. A. J. Fernandes, Fábulas, do Sr. Anastácio Luiz do
Bonsucesso e Manual teórico prático do guarda-livros, organizado pelo Sr. J. F. de
125
Araújo Lessa. Destaca a visita do arquiduque Maximiliano, vice-rei do reino
lombardo-vêneto, que percorreu todos os sítios do Rio de Janeiro, contemplando a
natureza dessa terra. Mais adiante faz referência ao drama Os filhos dos
trabalhos, no Ginásio Dramático, que depois de três representações foi tirado de
cena. Defende-se das acusações que muitos estão fazendo acerca das suas
críticas às representações do Ginásio, dizendo não consentir que se eleve na
literatura qualquer tipo de estupidez. Critica a reforma do já gasto drama
Probidade, e anuncia a estréia da comédia Os meus desejos, do Sr. Faustino
Xavier de Novaes. No teatro de S. Pedro destaca a representação de Episódios
do cerco do Porto e anuncia o drama Os filhos de um rei, que ainda estava sendo
ensaiado.
Rio de Janeiro, tomo V, 16 de fevereiro de 1860.
28. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 250-260
O cronista descreve a recepção que os fluminenses fizeram a Suas
Majestades, depois de uma ausência de mais de quatro meses. Mais adiante
relata o que havia de novo pela Europa no que se refere à moda. Sugere que as
fazendas para a confecção do figurino, apresentado neste número da revista,
sejam adquiridos no estabelecimento de Mme Dazon & Filho, à rua do Ouvidor, nº
97. Quanto aos teatros diz que nada apresentaram de novo. Foi apresentada no
teatro lírico a ópera Pipelet¸ e no teatro S. Pedro repetiram-se os dramas As mães
arrependidas, Sineiros de São Paulo e Episódios do cerco do Porto. Comenta a
breve representação das comédias Mãe e Um pai pródigo, no teatro lírico, sendo
aquela brasileira e esta a última produção do francês Alexandre Dumas Filho. Dá
ênfase às críticas feitas pelos franceses a esse trabalho de Dumas Filho, que o
cronista julga ser uma das suas mais fracas composições. Em seguida, relata o
enredo da peça.
Rio de Janeiro, tomo V, 1º de março de 1860.
126
29. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 316-324
Relata o início dos festejos de carnaval no Clube Fluminense. Menciona
as críticas acerca dos trajes usados nos bailes carnavalescos e observa que
muitas leitoras não aproveitaram a sugestão de figurino oferecida no janeiro
anterior pela Revista. Comenta a atuação das três sociedades carnavalescas,
Congresso das Sumidades, União Veneziana e Euterpe Comercial. Nos teatros S.
Pedro e Lírico, destaca o uso de máscaras que começa a criar raízes no Rio de
Janeiro. Lamenta o falecimento de dois moços infectados pela febre amarela: o Dr.
Luiz Sérgio do Amaral e o Sr. Altève Aumont. O primeiro era excelente médico e o
segundo atuou como correspondente da Revista das raças latinas antes de criar o
jornal Eco do Brasil e da América do Sul.
Rio de Janeiro, tomo V, 16 de março de 1860.
30. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 379-386
Relata brevemente os principais acontecimentos da quinzena, dos
quais destacam-se: o aniversário da Imperatriz do Brasil, no dia 14; as
condecorações e títulos aos servidores do Estado, oferecidos pelo Imperador; a
representação de Ernani de Verdi, no teatro lírico; o falecimento do Sr. José
Martiniano de Alencar, senador do Império pela província do Ceará e do poeta
Macedo Júnior; a gerência do Echo du Brésil assumida pelo Sr. B. L. Garnier; a
homenagem aos artistas que se distinguiram na última exposição da Academia
das Belas Artes. Sobre a revolução que ocorria na moda, destaca que o luxo foi
banido e a simplicidade triunfou. Recomenda a casa de Mme Dazon & Filho, que
presidiu a confecção do figurino apresentado no número. Relata a tramitação no
senado francês de uma reivindicação das mulheres empregadas das fábricas de
Lyon e de Lille, que consiste na aplicação de multa aos homens solteiros com
127
mais de quarenta anos. Teme que essa medida seja adotada no resto do mundo,
já que a França é o espelho da maioria das nações, naquele momento. Dos
teatros, destaca o drama A degolação dos inocentes, no S. Pedro, a Probidade e a
comédia Mãe, no Ginásio Dramático. Sobre esta última, observa ser o melhor
trabalho brasileiro escrito para ser representado e, em seguida, descreve o enredo
da peça.
Rio de Janeiro, tomo VI, 25 de março de 1860.
31. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
Comenta a mudança dos dias de publicação da Revista Popular e a
dificuldade que teve em escrever a crônica em dez dias. Menciona o
reaparecimento na imprensa do Diário do Rio de Janeiro e seu folhetinista S. F. –
Sousa Ferreira. Mais adiante, elogia a estréia da Sra. Santina Tosi no papel de
Açucena do Trovador, no teatro lírico. No Ginásio, observa que, após as repetidas
representações da Probidade, finalmente agradou uma peça menos gasta: o
drama brasileiro Mãe. Destaca, dentre os atores do drama, a Sra. Velluti e os Srs.
Joaquim Augusto, Paiva e Heller. Anuncia, finalmente, a breve estréia do drama
Espinhos e flores, de Camilo Castelo Branco.
Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de abril de 1860.
32. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 122-128
Critica a falta de respeito dos fiéis que se dirigem às igrejas na Semana
Santa, preocupados somente com a que ostenta maior luxo. Critica ainda os
tumultos gerados pelas procissões, manifestações religiosas com as quais o
cronista discorda. Reproduz os comentários de Mme Catharina Dazon acerca do
figurino de inverno apresentado neste número da Revista. Lamenta o falecimento
128
do comendador S*** P***, no dia 31 de março. Sobre os teatros destaca a
representação de Lucrezia Borgia, pela Sra. Tosi e pelo Sr. Mirati. Do teatro S.
Pedro, comenta a representação de A ponte vermelha, produção do teatro francês
traduzida pelo Sr. Lessa Paranhos. Do S. Januário, conhecido agora como teatro
das Variedades, destaca a atuação do Sr. Furtado Coelho em Dalila, de Octávio
Feuillet, e em Romance de um moço pobre. Anuncia ainda a estréia da Sra.
Antônia Marquelou no drama Espinhos e Flores, de Camilo Castelo Branco, no
Ginásio Dramático.
Rio de Janeiro, tomo VI, 25 de abril de 1860.
33. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 185-192
Registra a inauguração da via férrea que liga Porto das Caxias a
Cantagalo-RJ, no dia 22 de abril. Comenta o trabalho do Sr. Furtado Coelho no
teatro das Variedades. Descreve, finalmente, o enredo da peça Espinhos e flores,
de Camilo Castelo Branco, representada no Ginásio Dramático.
Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de maio de 1860.
34. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 252-260
Destaca o fato de estarem fechados há dias os salões fluminenses.
Registra a Descrição da gravura de modas, feita por Mme Dazon neste número da
Revista. Relata que no dia 1º foi publicado o primeiro número de um jornal
chamado Entreato, do qual extraiu a biografia da artista Sra. Gabriella Augusta da
Cunha, para reproduzi-la nesta crônica. Sobre as artes dramáticas, faz um
comentário das peças que se repetem nos palcos do teatro das Variedades, no
teatro Lírico e no Ginásio Dramático.
129
Rio de Janeiro, tomo VI, 10 de junho de 1860.
35. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 382-390
O cronista relata a tentativa de pedir perdão pelo mês de silêncio, no
baile da instalação da sociedade Campestre. Em seguida, reproduz a descrição do
figurino feita pela Sra. Dazon, que traz nesse número trajes de passeio e de visitas
não cerimoniosas. Critica a obra nacional Descoberta de um milhão, do autor L*,
oferecida aos editores e tipógrafos naqueles dias. Lamenta o falecimento do Sr.
Carlos Ribeyrolles, autor do Brasil Pitoresco. O cronista reproduz também
algumas eloqüentes expressões proferidas ao escritor, pelo Sr. Teófilo Ottoni. Nos
teatros destaca os Mascates italianos e Miudinhos, no S. Pedro, e no Ginásio
Dramático O romance de um moço pobre, Atriz Hebréia, Ultraje e Ovos de ouro
para os dias seguintes.
Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de junho de 1860.
36. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
Ressalta que o grande assunto dessa quinzena foi a política. Publica
uma carta que poderia ser enviada à polícia da cidade de São Sebastião,
cobrando providências acerca do abandono e da desordem naquele município.
Relata as críticas da imprensa, em especial do jornal Entreato, a respeito do
auxílio oferecido ao teatro lírico para as sucessivas representações de Marco
Viscondi (130 contos de réis). Carlos critica essa opinião, apresentando
argumentos favoráveis aos investimentos nas representações cênicas e musicais
de todos os teatros da corte, que passam, como o lírico, por dificuldades naquele
momento. Dente eles estão o teatro São Pedro, o São Januário e o Conservatório
Dramático.
Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de julho de 1860.
130
37. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
O cronista defende a discussão proposta em suas crônicas acerca da
moda que, ao seu ver, não deve limitar-se apenas à descrição de figurinos. Em
seguida, apresenta a gravura sugerida por Mme Catarina Dazon, cujo título é
“Descrição de um trajo de primavera”. Descreve a personagem da produção
homônima de Eugène Sue, O Judeu Errante, e o compara graciosamente a um
freqüentador da alta aristocracia fluminense, que se aproveita das regalias e,
sobretudo, dos jantares oferecidos nesse meio. Critica, mais adiante, a execução
de Joana D’Arc, de Verdi, no Teatro Provisório. Comenta de passagem a censura
da imprensa à representação de diversos dramas e aproveita para divulgar a
preparação de um drama escrito em português, pelo teatro das Variedades.
Finalmente, saúda os jovens que criaram naqueles dias a folha recreativa Ônibus
literário.
Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de julho de 1860.
38. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 185-192
Carlos festeja a reabertura e a inauguração dos novos salões do “Club”,
que ocorreu no dia 20 e contou com a presença das Suas Majestades. Faz
menção às leitoras que compareceram ao baile e, às poucas que se ausentaram,
faz um breve relato de como foi aquele evento inaugurador da estação invernosa
na corte. Descreve a amabilidade do Imperador e da Imperatriz, o serviço delicado
e escolhido do “Club”, as valsas e as polcas executadas pela orquestra, os
segredos proferidos e, finalmente, cinco trajes de senhoras, manufaturados na
casa de Mme Dazon & Filho. Cumprimenta o talento do escultor Sr. Chaves
Pinheiro, autor da estátua de José Bonifácio. O cronista relata que teria visto na
Academia de Belas Artes o novo trabalho desse escultor: uma estátua do artista
131
João Caetano representando o Oscar. Comenta a saída do tenor Mirate do Teatro
Lírico e alude à necessidade de contratação de outro cantor que o substitua,
embora a renda de bilheteria não seja suficiente para tal fim. Refere-se à possível
reexecução da ópera Joana D’ Arc, de Verdi, talvez mais mutilada que da última
vez. Anuncia a apresentação de uma nova coleção de peças no Teatro São Pedro,
após o regresso da viagem feita por João Caetano à Europa. Do Ginásio
Dramático destaca a peça Ovos de ouro. Do Teatro das Novidades, o Garoto de
Lisboa.
Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de agosto de 1860.
39. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 249-256
O cronista faz alusão aos comentários suscitados pela descrição de
apenas cinco trajes de damas, presentes no baile de reabertura do “Club”.
Classifica a sua escolha como uma questão de gosto, baseada na opinião da
maioria, pois se julga leigo nessa matéria. Passa, em seguida, às novidades
trazidas pelo último paquete inglês. Aplica ao figurino sugerido nessa quinzena as
observações que sobre ele ouviu na casa de Mme Dazon & Filho. A seguir, Carlos
alerta para o perigo das poesias em mãos de mulheres apaixonadas, não importa
a classe social à qual pertençam. Para ilustrar a recorrência desse fenômeno,
relata uma história ouvida na sala de palestra do “Club” sobre os dois amigos de
infância Hippolito R* e Cristiano S*; este pobre e poeta, aquele rico e néscio. As
produções de Cristiano despertaram inevitavelmente a paixão em D. Constança
R*, irmã de Hippolito, o que resultou no afastamento do poeta da tão estimada
família. Mais adiante, o cronista dá as notícias dos teatros fluminenses: o Lírico
padece com dívidas e pequena bilheteria; o S. Pedro, por sua vez, beneficia-se do
padecimento do Lírico; com a queda do teatro das Variedades, levanta-se o
Ginásio Dramático.
Rio de Janeiro, tomo VII, 26 de agosto de 1860.
132
40. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 313-320
O narrador-repórter comenta os preparativos para a comemoração da
festa da Independência, pela sociedade “Palestra Fluminense”. Lamenta o pouco
caso da população com relação a essa data e indaga se a divisa “Independência
ou Morte” não deveria ser substituída por “Indiferença e Morte”. Ataca, a seguir, os
médicos que se envolvem no trabalho eleitoral à procura de um cargo na política.
Ressente-se do falecimento do comendador Manoel Moreira de Castro, nome de
destaque na imprensa oitocentista, graças ao seu empreendimento o Jornal do
Comércio. Destaca a presença de SS. MM. II nas festividades em louvor à Santa
Virgem da Piedade. Relata que antes de começar a celebração foi cantada a
oratória A última hora no Calvário, de Antônio Carlos Gomes. Reuniram-se a essa
composição nacional, duas outras estrangeiras: uma parte do Stabat Mater, de
Rossini, e a Ave Maria, de Schubert. Informa que houve na semana anterior um
concerto na casa do Sr. Visconde de Maranguape, onde foram executadas
composições de Donizetti, Verdi e Rossini. Elogia a publicação de Flores
Silvestres, do Sr. F. L. Bittencout Sampaio e transcreve um dos poemas dessa
obra, intitulado “A mocidade acadêmica”. No espaço reservado à crítica teatral,
lamenta, mais uma vez, as condições precárias do Teatro Lírico.
Rio de Janeiro, tomo VII, 10 de setembro de 1860.
41. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 374-382
O cronista convoca as leitoras a lançar os olhos sobre o figurino
apresentado nessa quinzena e confirma que o periódico não deixaria de satisfazer
todas as exigências da moda. Com a colaboração da casa Dazon & Filho, acredita
que a Revista poderá concorrer com os primeiros jornais de modas francesas,
sem quaisquer prejuízos. Em seguida, há a descrição daquele figurino por Mme
133
Dazon. Carlos comenta a criação de várias sociedades dançantes e, dentre elas,
destaca a reabertura do “Cassino”, no dia 18 daquele mês. Tal novidade teria
causado alvoroço na corte, o que fez as modistas correrem à livraria Garnier para
receberem os últimos figurinos e modificá-los segundo o gosto das freguesas que
se preparam para aquele baile. Transcreve, a seguir, um poema sobre o tema
“saudade”, mas não identifica a autoria dessa composição. Sobre os teatros,
destaca que no Lírico, depois do suplício de Macbeth, anunciou-se o Trovador, no
qual estreariam cantores europeus. Após a pintura e reforma do S. Pedro, estreou-
se o drama D. Beltão de la Cueva. Ressalta aí a despedida definitiva da Sra. de la
Grange que, acompanhada do pianista Sr. Pfeiffer, cantou emocionada o bolero
Adeuses ao Brasil.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de setembro de 1860.
42. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
Relata o baile que ocorreu no dia 16 daquele mês, na casa do Sr.
Conde de Thomar. Lá foi reunida a “nata” da aristocracia brasileira e estrangeira.
Todos comemoraram o aniversário de S. M. Fidelíssima, o Sr. D. Pedro V. Carlos
descreve o vestido usado pela Sra. de Thomar e observa que só poderiam ter
saído da casa de Mme Catarina Dazon & Filho os lindos vestidos usados pelas
damas naquela ocasião. Descreve minuciosamente quatro desses trajes. Comenta
o baile nos novos salões do “Cassino”, em 20 de setembro, que contou com a
presença de suas Majestades. Descreve outros três vestidos que brilharam nessa
festa. Transcreve, em seguida, um poema que lhe foi enviado pela senhora Jenny
Dazon, traduzido da língua francesa para a portuguesa por E. R. Andrade, amigo
do cronista. As duas versões do poema são publicadas. Relata as homenagens
feitas pela artilharia de guerra, em 24 de setembro, ocasião do aniversário de
falecimento de D. Pedro I. Lamenta a morte do marquês de Mont’Alegre,
conselheiro de Estado e senador pela província de Sergipe. Relata a despedida de
134
João Caetano, na noite de 23, com a representação do drama de Jacques Arago,
A gargalhada. Elogia a sua atuação no papel de André. Explica o motivo da
viagem feita pelo artista e empresário do Teatro S. Pedro à Europa: estudar os
melhoramentos aí aplicados ao teatro e organizar uma companhia que satisfaça
as exigências da sociedade. Comenta que nessa mesma noite houve no Ginásio a
inauguração da “Sociedade Dramática Nacional”, companhia resultante das que
se apresentavam nesse teatro e no das Variedades. Para a estréia foi escolhida a
comédia Luxo e Variedade, do Sr. Joaquim Manuel de Macedo. Anuncia,
finalmente, a apresentação da Sra. Helena Conran, no sábado seguinte, no Teatro
Lírico.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de outubro de 1860.
43. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
Inicialmente, alerta para o perigo resultante do contato abusivo que as
mulheres mantêm com as flores, ilustrando possíveis acidentes através da história
de uma menina que quase morrera asfixiada por fechar-se em seu quarto com
ramos de angélica, de bogaris e com um galho de jasmineiro. Elogia o estudo
sobre o Rio São Francisco, desde a cachoeira até o Oceano Atlântico, confiado,
pelo Sr. marquês de Mont’Alegre, ao engenheiro Sr. Halfeld. Transcreve o apelo
feito à polícia pelo Jornal do Comércio, para que não seja tolerante com os
freqüentadores de casas de jogos noturnas. Finalmente, cumpre a promessa feita
na quinzena anterior: descreve a nova comédia de Joaquim Manuel de Macedo,
Luxo e Vaidade.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de outubro de 1860.
44. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 183-192
135
Lamenta não poder comentar detalhadamente a última partida do “Club
de Botafogo”, pois houve alguém que o precedera. Nem mesmo na defesa de
alguns trajes considerados ultra-românticos pôde empenhar-se. Passa em revista
a mala trazida pelo paquete francês Bearn à procura das últimas novidades da
moda. Descreve a derradeira novidade parisiense, depois de transcrever as
advertências do boletim trazido pelo paquete, acerca da chegada do verão no Rio
de Janeiro e, ainda, da necessidade de adaptação dos trajes europeus para o
clima tropical da corte. Relata a visita que fizera ao gabinete de trabalho do Sr.
Luiz Aleixo Boulanger. Dentre os quadros que lá encontrara destaca o valor
artístico de dois: o primeiro expõe o passeio de Suas Majestades ao norte do
Império e, o segundo, a visita que fizeram às províncias do sul. Escreve ao lado de
Boulanger o nome do poeta-artista Sr. Verre. Deste, destaca um quadro com o
retrato de S. M. a Imperatriz que estava sob a proteção de Boulanger. Relata um
caso de dor de dente sanada pela utilização de um aparelho galvano-cáustico,
aperfeiçoado por M. Georges, de Paris. Informa, mais adiante, a instalação de
uma via de comunicação (estrada do Catete) para ligar os bairros de Botafogo e
Laranjeiras, arrabaldes muito apreciados pelos estrangeiros. Como vingança da
perda de prestígio para aqueles bairros, seria construído um teatro no Catete,
planejado pelo Sr. Lopes Brito. Ali se apresentariam a companhia do Ginásio e a
companhia lírica.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de novembro de 1860.
45. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 250-260
Observa que, graças à incerteza da temperatura, a moda não pôde até
aquele momento operar uma revolução significativa nos trajes. Em seguida,
apresenta a descrição da gravura de um vestido de baile e outro de passeio. Narra
uma história que ilustra a rivalidade provocada pela disputa de figurinos entre as
mulheres da corte. Anuncia a estréia de uma série de apresentações da ópera
136
nacional. A primeira, no Teatro S. Pedro, contou com a opereta D. Chico Cerefólio.
Desse teatro comenta a falta de sucesso de seus espetáculos dramáticos. Critica
os barbarismos proferidos pelos atores do teatro normal, bem como o seu
desorganizado corpo de baile. Informa que, após as vinte e duas bem sucedidas
representações de Luxo e Vaidade, do Dr. Macedo, serem apresentadas no
Ginásio as peças o Demônio Familiar, de José de Alencar, e Caminho mais
comprido, original francês de C. Courey.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 26 de novembro de 1860.
46. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 312-320
Lamenta a chegada da quadra da emigração, na qual são suspensos os
bailes e os saraus nos clubes da corte. Com essa suspensão cessa a investigação
acerca das intrigas e dos flertes que tanto agradam o cronista. Destaca a última
composição do Sr. L. A. Burgain, o drama em versos intitulado O monstro de
Santo Lago. Anuncia outra recente produção: a coleção de artigos escritos nas
horas vagas pelo Sr. Nunes Álvares, cujo título é Flores Soltas. Em seguida,
transcreve um dos escritos desse autor. Relata a história de um pretenso poeta,
que foi enganado pela mediocridade de sua produção e pela leviandade de uma
mulher que lhe jurara amor eterno. Ressente a inesperada morte do moço Dionísio
Veja, artista do Teatro Lírico. No Ginásio, a fuga do ator Furtado Coelho para os
campos do Ipiranga causou grande abalo para o teatro, na véspera da
representação da Penélope normanda, em benefício da Sra. Adelaide. Seu papel
foi então confiado ao Sr. Paiva. Finalmente, critica a representação que assistira
no São Januário, julgando selvagens os seus atores.
Rio de Janeiro, tomo VIII, 10 de dezembro de 1860.
47. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
137
Página: 373-382
Apresenta o figurino da quinzena através de uma fictícia petição de
quitação de dívidas. Lembra que completa naquele dia dois anos de cronista nesta
coluna e aconselha as leitoras a não hesitar no momento de renovar a assinatura
da Revista. Promete, em nome dos demais redatores, uma nova série de artigos,
primorosas gravuras e os mais modernos figurinos de modas. Faz referência à
seca e à fome que assolava o interior da Bahia, já naquele momento. Exalta a
iniciativa do Imperador em associar-se a uma comissão filantrópica, organizada
para amenizar o sofrimento daquela região através de contribuições. Convoca as
leitoras a contribuir também para essa associação. Mais adiante descreve o
enredo do drama Penélope normanda, representado no Ginásio, em benefício da
Sra. Adelaide. Expõe o juízo crítico do censor Paulo Dhormoys a respeito daquela
peça. Noticia que foi restituída à cena do Ginásio a sua primeira atriz, a Sra.
Gabriella, que atuou em seu retorno no drama Homens de mármore. Destaca que
os artistas desse teatro representaram o drama Trabalho e honra, uma das
melhores produções do Sr. C. de Lacerda. Em S. Pedro, o aniversário do
Imperador foi festejado com o drama nacional O enjeitado, e com uma alegoria
intitulada A união do Império. Finalmente, o cronista anuncia a representação do
drama Honra e glória, um trabalho do Sr. José Romano, no teatro São Januário.
Rio de Janeiro, tomo IX, 26 de dezembro de 1861.
48. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
O cronista faz votos de felicidades às leitoras pelo ano que se inicia.
Comenta o presente oferecido pela Revista Popular nesse número: uma gravura
da Constantinopla. Critica o envolvimento de algumas senhoras com o assunto
predominante da quinzena: a política. Relata a visita de Suas Majestades à
academia de belas artes, onde apreciaram as duas estátuas confeccionadas pelo
lente daquela academia, o Sr. Chaves Pinheiro. A primeira obra representava o
138
patriarca da independência José Bonifácio de Andrada e, a segunda, o artista
dramático João Caetano dos Santos. Lamenta a morte dos oficiais e dos
marinheiros, vítimas recentes do naufrágio da corveta D. Izabel. Informa a
publicação da obra Notas estatísticas sobre a produção agrícola dos gêneros
alimentícios no império do Brasil, pelo Sr. Sebastião Ferreira Soares e, ainda, do
primeiro número do periódico Semana Ilustrada. Contrasta metaforicamente as
altas temperaturas desse período com o termômetro teatral da corte, que se
encontra abaixo de zero. Critica, finalmente, os dramas Ultraje e Mocidade e
riqueza representados naquele momento.
Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de janeiro de 1861.
49. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
Carlos comenta a monotonia do Rio de Janeiro naquele período que
causou a deserção dos habitantes aos subúrbios. Passa pelas novidades trazidas
pelo paquete inglês. Aproveita a ocasião para recomendar o estabelecimento do
Sr. P. B. Saupiquet, onde são encontrados todos os tecidos e acessórios para a
confecção do figurino indicado em seguida pelo cronista. Recrimina a promoção
de eleições populares nos altares da Igreja, o que considera profanação.
Apresenta o enredo da comédia A época, do Dr. Varejão, e a classifica como um
ensaio que não poderia pertencer ao gênero da alta comédia. Admira, por outro
lado, a linguagem elegante e a sustentação de diversos papéis, desejando que o
autor da peça conquiste um dos primeiros lugares entre os escritores dramáticos
nacionais.
Rio de Janeiro, tomo IX, 26 de janeiro de 1861.
50. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 185-192
139
O cronista discorre sobre os preparativos para as festas de Carnaval
feitos pelas sociedades carnavalescas. Faz elogios ao jornal Semana Ilustrada,
cujo último número acabara de receber. Propõe três anedotas e convida os
leitores para julgarem tais produções. Na primeira, narra a história de um moço à
procura de um bom casamento nas exposições da academia das belas artes. Na
segunda, conta o infortúnio de uma bailarina da corte causado pelo envolvimento
com um rico barão paulistano que a abandonou levando para sua esposa o objeto
de desejo do artista: uma jóia de brilhantes. Na última anedota relata a
generosidade do comendador V* em suas esmolas aos mendigos.
Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de fevereiro de 1861.
51. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 249-256
Critica o uso de máscaras nos bailes carnavalescos e sugere às leitoras
salões onde se dance à vontade e se trave uma conversação. Falando de moda,
resume em duas palavras a gravuras apresentada nesse número: beleza e
simplicidade. Em seguida, descreve os novos trajes. Transcreve a poesia de uma
moça de quinze anos de idade cujo título é Súplica. Narra uma anedota em que
dois moços, sem dinheiro suficiente para assistirem à representação de um
espetáculo no Teatro S. Pedro, enganam o porteiro e não pagam um dos bilhetes.
Elogia, em seguida, as obras História Pátria, do Sr. Dr. Joaquim Manuel de
Macedo, Estudos cosmológicos, do Bacharel Miguel Vieira Ferreira, e, Manual –
um estudo sobre o tratamento da raça suína, do Sr. Joaquim Antônio de Azevedo.
Comenta a fertilidade de benefícios e a esterilidade de espetáculos nas duas
quinzenas teatrais anteriores. Lamenta a falta de estímulo da companhia do teatro
S. Pedro e faz votos de que o retorno de João Caetano dê impulso a sua empresa.
Pergunta-se sobre o futuro do Ginásio Dramático e aponta a dependência da
companhia de S. Januário dos recursos dos Srs. De-Giovani. Do Provisório
destaca a atuação da Sra. Amat na opereta Brincar com fogo e, do teatro da Santa
140
Tereza, a performance daquela a quem considera a primeira pianista entre nós: a
condessa Rozwadowska.
Rio de Janeiro, tomo IX, 25 de fevereiro de 1861.
52. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 313-320
Descreve inicialmente a gravura fantasiada pelo desenhista de figurinos
da Revista, Júlio David. Comenta a repercussão do finado Carnaval nas ruas e
nos teatros. Após a narração de uma anedota sobre os foliões presentes no último
baile de máscaras do teatro lírico, transcreve os versos do Sr. N... A... que se
caracteriza como resposta aos versos da jovem de quinze anos, Emília G***, cujo
poema fora publicado no último número da Revista. O título da presente
composição é Resposta à súplica. Julga oportuno o regresso de João Caetano
dos Santos da Europa, que, desejoso em melhorar o estado do teatro S. Pedro,
convocou uma reunião com pessoas dedicadas ao estudo da literatura dramática.
O cronista promete relatar as decisões dessa reunião na próxima quinzena. Do
Ginásio destaca a representação do novo drama A pecadora, produção da Sra. de
Prebois, associada a Teodoro Barrière. Critica a tradução do drama, repleto de
galicismos e equívocos quanto à concordância verbal e nominal. Do Provisório
destaca a estréia da companhia Marinangeli com a Traviata.
Rio de Janeiro, tomo IX, 10 de março de 1861.
53. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 375-382
Carlos inicia a crônica tecendo alguns comentários acerca do novo
ministério Imperial. Alude à segurança de ter o Sr. Marquês de Caxias como
presidente do conselho de ministros, fato que impede qualquer perturbação do
sistema em vigor – monárquico-constitucional. Reproduz o esboço de um romance
141
produzido por um escritor anônimo que cedeu à Revista o privilégio de publicar o
seu trabalho. Faz menção equivocada a José de Alencar como autor do romance
Sonâmbula de Itapuca produzido, naquele momento, por Leonel de Alencar.
Insiste no equívoco ao desejar que a nova produção do folhetinista de Ao correr
da pena alcance êxito semelhante ao de Guarani, ao qual considera um dos
melhores romances brasileiros. Anuncia a publicação de um novo periódico no dia
3 daquele mês: Primavera – revista semanal dedicada ao desenvolvimento da
literatura, das artes e da indústria. Deseja perseverança aos seus redatores para
que não desanimem diante da preferência do público leitor por periódicos
destinados às discussões políticas daquele período. Do teatro lírico destaca a
representação da Traviata, pela companhia do Sr. Marinangeli. Do teatro S. Pedro
aponta a estréia do artista Simão na já tão encenada Probidade. O ator teria vindo
de Lisboa em companhia do Sr. João Caetano. Comenta, finalmente, a
representação no Ginásio do Cínico, drama original brasileiro do Sr. Nabuco de
Araújo.
Rio de Janeiro, tomo X, 25 de março de 1861.
54. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
Informa a série de reformas que seriam implementadas na corte em 1º
de abril daquele ano, graças à união de duas repartições: a polícia e a edilidade.
Critica o regulamento da estrada de ferro brasileira que, apesar de exigente para
com os passageiros, não respeita os horários estabelecidos. O cronista narra a
espera da partida de um trem que o levaria à cidade, amenizada pela anedota
contada por um passageiro do vagão onde estava. Destaca a atuação da
companhia Marinangeli, que, depois de repetir a Traviata, levou à cena a Lucrecia
Borgia. Lamenta as intrigas existentes entre os artistas do Ginásio Dramático.
Recomenda-lhes união para superarem a falta de apoio e de um elenco de mérito
em suas representações. Do S. Januário apresenta a poesia em forma de charada
142
distribuída na noite do benefício da Sra. Gabriella.e convida os leitores a
decifrarem o pensamento do poeta. Defende-se dos ataques feitos pelo Sr. Dr. S.
da F. ao fragmento do romance de um amigo do cronista transcrito na última
“Crônica da Quinzena”.
Rio de Janeiro, tomo X, 10 de abril de 1861.
55. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
Carlos narra a sua efêmera experiência como ministro de estado,
responsável pela pasta da oitava secretaria, na última quinzena. Ao retornar as
suas atividades de cronista, conta com a Sra. C. Dazon para descrever a gravura
trazida pelo paquete inglês. Aproveita a oportunidade para fazer propaganda do
estabelecimento daquela senhora especializado em fazendas para vestidos e em
artigos de modas. Conta a experiência frustrada de um sexagenário em sua
primeira visita aos bastidores de um teatro. Em seguida, informa a publicação de
um periódico dedicado à literatura: o Hemerodromo da juventude. Informa a
representação do Sansão, do dramaturgo José Romano, no Teatro S. Pedro.
Rio de Janeiro, tomo X, 26 de abril de 1861.
56. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 185-192
O cronista inicia a crônica com forte apelo aos assinantes a fim de que
recrutem mais colaboradores para suprir o déficit sempre crescente da Revista.
Adverte sobre o grande número de revistas que surgem por toda parte naquele
momento e conclama os leitores a apoiarem o empreendimento de Garnier que
prima pelo melhoramento literário do país. Justifica a sua ponderação com relação
aos assuntos referentes ao paço municipal: o elo existente entre a Revista e a
política. Aponta a possibilidade de um dia expor seu pensamento com menos
143
reserva, caso ocorra o rompimento desse acordo. Transcreve a oração que um
suposto Fígaro tenha dedicado às eleições. Assim o faz para uso de quem deseja
afugentar a tentação dos conflitos eleitorais. Revela a fonte de onde retirou o
Credo: o Jornal do Recife, revista semanal publicada em Pernambuco. Elogia a
atuação da sociedade musical Campesina, em seu 10º aniversário de instalação
no pavilhão do Paraíso, antiga sede da Sociedade Filarmônica. A comemoração
teria ocorrido na noite de 12 daquele mês. Discute a importância da reforma até
então realizada na educação das meninas do Brasil, apontando como progresso o
domínio do idioma que considera indispensável às senhoras dos salões
brasileiros– o francês, bem como do inglês, do italiano e do alemão. Aproveita a
ocasião para divulgar a recente instalação do colégio da Sra. Loé Taulois, cujo
tratamento às meninas é semelhante ao que recebem no seio de suas famílias.
Comenta as críticas acerca da permanente representação do drama sacro-bíblico-
burlesco Sansão, do Sr. José Romano, no teatro S. Pedro. Do Ginásio destaca o
drama Pelotiqueiro, dos Srs. Adolfo d’Ennery e Júlio Brasil, da escola francesa.
Elogia a tradução da peça e aponta que talvez esse texto tenha superado o
original na beleza da frase e no vigor da expressão. Critica, por outro lado,
algumas extravagâncias, a utilização de galicismos e a pobreza de sinônimo para
evitar a repetição de um mesmo vocábulo. Avalia a atuação dos atores e promete,
para o número seguinte, o entrecho dessa produção.
Rio de Janeiro, tomo X, 10 de maio de 1861.
57. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 249-256
O cronista comenta o alívio que representa o fim do verão e as
conseqüências desastrosas que essa estação provocou naquele ano em diversas
províncias. Louva a caridade exercida por inúmeras leitoras da Revista, a fim de
socorrer os que necessitam de auxílio durante o estio, sobretudo os habitantes
das regiões correspondentes hoje ao Norte e ao Nordeste do Brasil. Com a
144
chegada de temperaturas mais amenas, anuncia o retorno da mocidade aos
salões da corte. Conclama aos leitores a se entregarem ao prazer do baile e
despreza a propaganda eleitoral que costuma ocorrer nos salões em tempos de
candidatura ao parlamento. Descreve, a seguir, os figurinos oferecidos pela
Revista que foram remetidos diretamente de Paris. Convida as leitoras a
compararem tais modelos com qualquer outro que acompanharam os jornais
franceses, a fim de que estejam convencidas da superioridade dos descritos
naquele número. Para a confecção dos vestidos, indica a Sra. Dazon e, para o
penteado, o Sr. Castaing. Comenta o assédio de cambistas que venderam a
preços mais baixos os bilhetes para a apresentação do rei dos mágicos, o Sr.
Love, no teatro S. Pedro. Esse estabelecimento ficou lotado, o artista atrapalhado
e os espectadores revoltados. O cronista critica a má administração do teatro e a
resolução tomada por seu juiz nessa circunstância: a absolvição do Sr. Love, que
teria faturado muito dinheiro com a venda ilícita de bilhetes. Cobra também a ação
da polícia nesses momentos. Em seguida, transcreve o poema escrito em francês
pela Sra. Jenny Dazon em homenagem ao flautista Reichert. Elogia a publicação
da Semana dos Meninos, periódico privativo da infância idealizado pelo Sr. José
Manoel Garcia. Sobre as companhias dramáticas brasileiras, faz críticas severas à
distribuição dos papéis secundários das comédias e dos dramas então
representados. Propõe rápidas observações acerca do drama Prestigiador,
encenada no Ginásio. Alega não ter gostado da tradução do texto, sobretudo no
que tange aos afrancesamentos dos diminutivos e à repetição das palavras.
Enfim, compara a atuação dos atores desse drama com a dos artistas do
Pelotiqueiro em cena no S. Pedro.
Rio de Janeiro, tomo X, 26 de maio de 1861.
58. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 313-320
Discorre rapidamente sobre o transtorno causado por um anúncio de
145
baile no Cassino, quando, na verdade, o evento caracterizou-se como um sarau
familiar. Carlos manifesta, em seguida, o seu desejo de ser deputado, senador
mais adiante e cronista por toda a vida. Critica a exploração do trabalho infantil, ao
prever o triste fim de um menino vendedor de balas instalado naquele momento
em frente ao teatro S. Pedro durante as noites de espetáculo. Anuncia a
representação da comédia Trabalho e Honra e recomenda aos leitores a
apreciação de tal trabalho no São Pedro. Comenta a atuação dos seus atores e
elogia o desempenho geral da companhia da casa de espetáculos subvencionada
pelo governo Imperial. Do Ginásio destaca a representação de peças como o
Demônio Familiar, produção que julga gerar geral satisfação, e As pitadas do tio
Cosme, opúsculo do gênero burlesco ao qual o cronista não quis aplaudir e
elogiar.
Rio de Janeiro, tomo X, 10 de junho de 1861.
59. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 375-382
Lamenta a monotonia em que se encontrava o Rio de Janeiro com a
chegada do inverno. Para superar o tédio na vida social e cultural durante essa
estação, convoca os leitores a falar em bailes, a marcar a entrevista para a
primeira representação do Ginásio, a conversar com os artistas e a não se
esquecerem dos caprichos da moda. Por isso, segue com a descrição do figurino
de modas oferecido naquela quinzena. Através da transcrição de um diálogo que
diz ter travado com um amigo francês recém-chegado da Europa, lamenta a
escassez de notícias que tortura os cronistas da corte. Nessa conversa teriam
discutido as dúvidas quanto à força das locomotivas da estrada de ferro D. Pedro
II cujo funcionamento precário estaria acarretando desconforto e atraso aos seus
passageiros. Reproduz uma cena parisiense narrada por aquele seu companheiro.
Tal episódio coloca em questão a concepção de beleza dos franceses com relação
aos húngaros. Anuncia a chegada de Mademoiselle Josefina Houssay, discípula
146
da escola imperial de desenho de Paris que veio ao Brasil para oferecer seus
conhecimentos como mestra de artes. Relata a infelicidade da quinzena teatral: o
Ginásio estava abandonado pelo público, pois este não era capaz de aceitar a
representação de textos que infringissem os elementos da arte e da literatura
dramática; o teatro Lírico, por sua vez, obtivera êxito com a apresentação do
benefício promovido pela Sociedade Propagadora das Belas Artes.
Rio de Janeiro, tomo XI, 26 de junho de 1861.
60. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
O cronista elogia a execução de produções de Auber, Donizetti, Bellini,
Verdi e Rossini na noite de 19 daquele mês, na Associação Recreativa
Campesina. Destaca a atuação das cantoras DD. S* M* e M* S*. Questiona o
papel da polícia diante do abuso no que se refere à carestia dos gêneros
alimentícios. Faz referência à competição do algodão brasileiro com o algodão
americano no mercado europeu. Ao mostrar a superioridade do produto nacional,
incentiva os cultivadores do algodoeiro a fazer sacrifícios para que continuassem
no mercado com esperanças de indenização. Faz referência à guerra civil que
assola os Estados Unidos naquele momento, o que provocaria de um lado a
escassez de produtos importados daquele país pelo Brasil e, de outro lado, a
primazia do comércio do algodão brasileiro na Europa. Transcreve o poema
Aurora Brasileira da poetisa baiana D. Adélia Ribeiro que seria uma resposta à
produção do poeta português João de Lemos, intitulada Lua de Londres. Anuncia
a publicação de dois epigramas sob o título Espetáculo de hoje, em umas das
folhas diárias; um referia-se ao correio, o outro à loteria. Declara que foi triste a
quinzena teatral: S. Pedro continuaria a apresentar Sansão e o Ginásio, uma parte
de seu velho repertório. Do S. Francisco elogia a atuação da Sra. Adelaide na
comédia em dois atos As proezas de Richelieu. Critica a rivalidade entre os
artistas que já atrapalhava o andamento regular do Ginásio. Prevê, finalmente, o
147
embaraço da companhia dramática nacional, casos essas lutas constantes não
fossem extirpadas.
Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de julho de 1861.
61. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
Carlos anuncia a chegada do inverno e o fenecimento das flores que
adornariam os bailes daquela estação. Na falta de camélias, violetas, odaliscas e
malvas, apresenta às leitoras os modelos de vestidos oferecidos pelo editor da
Revista. Mostra sua indignação com as desconfianças de alguns leitores acerca
da narração de uma visão que aparecera a uma vítima do naufrágio da corveta D.
Isabel, na hora extrema. Relata, então, outro fato que possui pontos de contato
com aquela história e, para atestar sua veracidade, recorre às folhas parisienses.
Lamenta a situação do Teatro S. Pedro e comenta a injustiça cometida por esse
teatro ao atribuir à imprensa sua posição anômala, quando são os periódicos os
que ainda o defendiam. Convoca o despertar dessa empresa com a reforma de
seu repertório para a satisfação do público que prestigia seus espetáculos.
Anuncia o adiantamento da Filha dos trapeiros no Ginásio Dramático e a volta do
melhor modelo para os artistas dessa casa: o Sr. Joaquim Augusto. Da Europa,
informa o falecimento do conde de Cavour, o campeão da liberdade italiana.
Rio de Janeiro, tomo XI, 26 de julho de 1861.
62. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 185-192
O cronista anuncia a inauguração da estátua de D. Pedro I, em outubro
daquele ano, na Praça da Constituição. Informa as providências tomadas pelo
Instituto Histórico e Geográfico no que concerne à gratidão ao patriarca da
independência José Bonifácio de Andrada. Em sua homenagem, seria erigido um
148
monumento na Praça S. Francisco. Discute a necessidade de um palácio que
substitua a antiga residência da primeira monarquia. Defende a construção deste
e daqueles monumentos como compromisso e dívida dos brasileiros para com a
História do país. Critica a falta de asseio das ruas e culpa o povo, a
municipalidade e a polícia pelo aspecto nauseabundo dos becos e travessas da
corte. Por isso, defende novamente a instalação das projetadas estátuas que,
segundo seu ponto de vista, trariam dois benefícios: a homenagem a
personalidades importantes e a conquista da salubridade pública. Lamenta o
falecimento do bacharel João Antônio Gonçalves da Silva, professor de geografia
e história antiga e medieval do colégio de S. Pedro II. Destaca o enriquecimento
da literatura dramática com a produção de Mineiros da desgraça, pelo Sr. Quintino
Bocaiúva. Tal drama foi representado no Ginásio pelos atores da companhia
dramática nacional. Comenta a opção do autor pelo que denomina “escola
moderna” no plano que traçou para seu trabalho, embora não tivesse seguido as
concepções daquela escola na pintura descarnada dos atos da vida. Anuncia
também a publicação dos dramas do Sr. L. A. Burgain reunidos sob o título Três
amores. Do teatro S. Pedro de Alcântara critica a representação de Romã
Encantada. Do Tyne e do paquete francês Navarre destaca as notícias do exterior.
Uma delas é o reconhecimento, por parte da França e de Portugal, do então novo
reino da Itália.
Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de agosto de 1861.
63. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 248-256
Embora o fim do inverno estivesse próximo, o cronista aponta para a
permanência de capas e mantilhas nos estabelecimentos das ruas do Ouvidor e
da Quitanda naquele momento. Por isso, o figurino de modas descrito nessa
crônica leva em conta a necessidade de tais trajes num país de clima tão variado
como o nosso. Indica a casa de Mme Dazon para a compra dos artigos do
149
vestuário, uma vez que esta acabara de receber pelo paquete inglês a criação
bem combinada do talento parisiense para a indumentária de uma senhora. Para a
aquisição de enfeites (fitas, flores e rendas) indica a casa dos Srs. Nepomuceno &
Carneiro à rua da Quitanda, 72. Destaca os bailes as Sociedade Campesina, em
31 de julho, e do Club, em 10 de agosto. Do primeiro, comenta a atuação dos
sócios que compunham a orquestra na execução de produções de Auber,
Donizetti, Reichert e Talberg. Comenta ainda a primeira apresentação da ópera A
noite rica, composição do Sr. Gamboa, um dos sócios daquela orquestra. Do Club
relata os boatos de alguns senhores, as quadrilhas e as valsas dançadas pelas
senhoras acompanhadas. Alerta para o vício que atinge a mocidade naquele
momento: os jogos de parada violentos. Cobra uma atitude da polícia que se
mostra passiva frente à propagação desse vício na sociedade fluminense.
Comenta os boatos acerca de um terremoto que teria ocorrido em Santos. Em
seguida, critica a atitude da polícia ao contribuir na fuga do professor Bráulio,
encarcerado numa casa de correção. Mostra-se indignado com a posterior
absolvição do sentenciado por parte da justiça. Do Ginásio destaca a primeira
representação do drama A filha dos trapeiros, dos Srs. Aniceto Bourgeois e
Fernando Dugué, da escola francesa. Narra o enredo da peça e comenta a
atuação dos atores Joaquim Augusto, Adelaide, Graça e Pedro Joaquim.
Rio de Janeiro, tomo XI, 10 de setembro de 1861.
64. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 377-382
Carlos critica o descaso do povo para com a comemoração naquele
ano da data que lembra a Independência do Brasil. Destaca a festa realizada no
Club Fluminense que contou com a presença de Suas Majestades. Descreve o
último figurino vindo de Paris e apresentado nessa crônica. Transcreve as
primeiras produções de duas jovens poetisas fluminenses cedidas por um amigo
apreciador da crônica da Revista Popular. Os poemas são assinados por Ann.
150
Silva e P. Silva. Comenta a estréia da ópera A noite do Castelo, do Sr. Antônio
Carlos Gomes, representada no teatro lírico sob a direção do Sr. Amat. Reconhece
não ter conhecimentos sólidos sobre a arte musical para criticar tal produção,
entretanto arrisca suas impressões pessoais e apresenta o que ouviu de
profissionais a respeito da peça. Relata a exposição de produtos nacionais e
artificiais trazidos da província do Ceará. Tal evento foi organizado pelo Sr. Dr.
Manoel Ferreira dos Lagos, no museu nacional. Do teatro S. Pedro destaca a
produção Angélica e Firmino, do Sr. Manoel de Araújo Porto-Alegre e, do Ginásio,
A torre em concurso, do Sr. Dr. Joaquim Manoel de Macedo. As peças subiram à
cena no dia sete de setembro. O cronista compromete-se em narrar o enredo das
duas comédias na quinzena seguinte.
Rio de Janeiro, tomo XII, 26 de setembro de 1861.
65. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 57-64
O cronista informa a inauguração do primeiro dique do Rio de Janeiro a
21 de setembro: o dique da Ilha das Cobras. Saúda o Sr. Conselheiro Paranhos,
então ministro da marinha, e o Sr. Law, engenheiro da obra, pelo empenho no
melhoramento feito em benefício dos navios da armada. Faz menção também ao
idealizador de tal projeto, o falecido marquês de Paranaguá. Comenta com ironia a
mais extraordinária notícia trazida pelo paquete inglês: a prisão de duas moças e
de um canário que juntos roubaram diversos estabelecimentos parisienses. Critica
a passividade da polícia frente à indústria da profecia exercidas nas ruas da
cidade (adivinhas e mulheres que lêem cartas). Expõe a opinião do Sr. Paulo de
Saint-Vitor, considerado um dos mais espirituosos colaboradores da presse
(imprensa francesa), acerca da estátua de D. Pedro I feita por Mr. Rochet e que
seria inaugurada brevemente. O jornalista considera o trabalho como escultura de
espantalho e retumbância. Carlos demonstra sua indignação frente a tais
comentários. Apresenta uma das respostas dadas às afrontas recebidas por
151
europeus sobre os monumentos e as artes brasileiras: a resenha de um livro do
Sr. C. de S. sobre a nossa história artística. Aí o autor da obra combate, além do
folhetinista francês Saint-Victor, o pintor Biard que, em sua passagem pelo Brasil,
julgara as cores dos trajes das senhoras fluminenses como vistosas e espantadas.
Lembra o fato de ter a estátua eqüestre sido feita na França e por escultor francês,
o que evidentemente não influenciou a escolha do Sr. Rochet por figuras de
selvagens brasileiros presentes no referido trabalho. Convoca os leitores a confiar
nas produções de Carlos Gomes e Victor Meirelles que jamais profanariam a
música e a pintura para lisonjear a frivolidade parisiense. Daquele, destaca a
ópera Noite do Castelo e, deste, o quadro A primeira missa no Brasil, exposta na
academia de belas-artes. Terminadas a contribuição do escritor, Carlos se ocupa
da quinzena teatral. Do S. Pedro destaca a partida do ator Simões à Europa. Do
Teatro Lírico, o benefício de Carlos Gomes, na noite de 23. Faz votos a este artista
para que prossiga na carreira iniciada com tanto brilho e vocação.
Rio de Janeiro, tomo XII, 10 de outubro de 1861.
66. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 121-128
O cronista trata inicialmente das novidades trazidas naqueles dias pelo
paquete Tyne acerca da moda européia. Indica os estabelecimentos mais
adequados para a confecção dos figurinos desenhados por Júlio David e, em
seguida, descreve a gravura oferecida pela Revista. Destaca a reunião mensal do
recreio da sociedade Campesina que ocorreu em 30 de setembro, no Pavilhão do
Paraíso, onde afirma ter ouvido boa música. Entretanto, critica a execução de
óperas bufas fora do teatro, pois exigem movimentos artificiais pela impropriedade
do traje e, além disso, subordinam a melodia do canto aos trejeitos do corpo.
Convoca suas leitoras a contribuírem para a execução do concerto em benefício
dos pobres promovido pela Associação de caridade das senhoras. Transcreve a
resposta do Sr. C. L. à produção da Sra. D. Ann. Silva: trata-se da poesia Ao
152
crepúsculo. Informa a publicação de Cantos épicos, do Sr. Joaquim Norberto de
Souza e Silva, que, em seis episódios, revelam o poeta e historiador do país que
lhe serviu de berço. Comenta rapidamente os aspectos de cada um desses
episódios intitulados Cabeça de Mártir, Coroa de fogo, Ipiranga, A visão do
proscrito, Festa no Cruzeiro e Guararapes. Anuncia e elogia também a publicação
do livro Desencantos, pelo Sr. Machado de Assis. Ao classificar tal produção como
um ensaio, prevê o futuro de Machado na literatura dramática. Carlos dá os
parabéns ao autor por sua estréia e confessa aguardar a ocasião de registrar nas
colunas da Revista uma outra produção sua de maior proporção. Incentiva os
leitores a prestigiarem a obra primogênita do Sr. João Barbosa Rodrigues, Livro
de Orlinda, injustamente condenado pela crítica. Elogia a primeira representação
em quatro atos do drama A história de uma moça rica, escrito pelo Sr. Dr.
Francisco Pinheiro Guimarães. A encenação dessa produção foi feita pela
companhia do Ginásio. Destaca a atuação da atriz Adelaide na peça. Relata,
finalmente, a representação da ópera-cômica Les diamants de la couronne,
composição de Scribe e St. Georges, instrumentada por Auber. Informa que tal
ópera fora executada pela companhia lírica no Teatro Provisório.
Rio de Janeiro, tomo XII, 26 de outubro de 1861.
67. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Carlos José do Rosário
Página: 187-192
Na última contribuição de Carlos na seção “Crônica da Quinzena”, o
cronista relata uma anedota que ouvira no dia anterior. Em seguida, informa o
prosseguimento da exposição de diferentes trabalhos das escolas francesa e
inglesa no salão da Pinacoteca. Narra a agressão de um norte-americano para
com um amador que contemplava com gestos de gozação o painel A primeira
missa celebrada no Brasil, do pintor Victor Meirelles. Transcreve a poesia Delírio,
oferecida pelo Sr. L. M. Pecegueiro. Do Ginásio destaca as doze representações
do drama A história de uma moça rica. Comenta, por fim, a atuação da companhia
153
francesa na execução de Domino noir, Diamantes da coroa, Mosqueteiros da
rainha e Barbeiro de Sevilha, no Provisório.
Rio de Janeiro, tomo XII, novembro de 1861.
68. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 249-254
A crônica é iniciada pelo “Velho” – Joaquim Manuel de Macedo – com
dedicatórias a Carlos, assinatura que as leitoras encontraram nessa seção em
quase setenta textos. Informa que, no lugar do moço elegante, discreto e instruído,
encontra-se agora um velho rude, impertinente, maçante e antipático. Revela que
Carlos não abandonou a Revista Popular e convida os leitores a procurarem-no
com cuidado, pois se esconde atrás de um pseudônimo. Solicita aos interlocutores
que não zombem do atual cronista por ser velho. Compara-se ao Teatro
Provisório, que, com mais de um decênio, brilha ufano e garboso. Desta casa,
destaca outra representação de A Noite do Castelo, pela companhia da Ópera
Lírica Nacional. Relata as homenagens feitas ao autor da ópera, o Sr. Carlos
Gomes, no fim do segundo ato. Teria ele recebido uma batuta de ouro, enriquecida
de pedras preciosas e de ornatos alusivos. Após descrever o entusiasmo patriótico
do público, o Velho confessa um sonho que teve ao fechar os olhos quando Carlos
Gomes desceu do palco. Nesse sonho a batuta regalada falava. Ela previa o
brilhante futuro de Carlos Gomes e pede ao Velho que aconselhe o jovem artista a
estudar para vencer a distância que o separa de Donizetti, Rossini e Meyerbeer. A
batuta teme, por outro lado, ver o fim da Ópera Nacional, cujos cantores, todos
estrangeiros, impregnam nas peças escritas em português o sotaque de suas
línguas maternas (espanhol, francês, alemão). Apresenta ainda o desafio de
procurarem e engajarem artistas brasileiros na companhia chamada nacional. A
outra face da batuta previu, por sua vez, a realização desse desafio. Quando
desperta de seus sonhos, o cronista anuncia que no dia 08 Carlos Gomes
recebera uma insígnia brilhante de cavaleiro da imperial Ordem da Rosa, com
154
uma carta manifestando a homenagem feita pelo Imperador. Honra semelhante foi
concedida ao pintor Victor Meirelles, autor do quadro histórico A primeira missa no
Brasil. A respeito da disputa entre Brasil e França pelo território do Oyapoc, relata
a defesa brasileira que não apelou para a força frente a grande potência européia.
A defesa foi feita, entretanto, com a publicação em Paris de O Oyapoc e o
Amazonas, obra em dois volumes, produzida pelo Sr. Dr. Joaquim Caetano da
Silva. A obra apresenta um estudo que comprova ser justo o reconhecimento da
área disputada ao Império brasileiro. Sugere a tradução da obra para que todos os
brasileiros pudessem apreciá-la. Informa, finalmente, o naufrágio de um dos
melhores navios de guerra a vapor, o D. Pedro II.
Rio de Janeiro, tomo XII, novembro de 1861.
69. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 315-320
Embora velho em anos, o Velho declara-se escritor novo e, por
conseqüência, incapaz de levar a cabo a sua segunda crônica com todos os
adornos da retórica. Dá os parabéns aos recém graduados da escola de Medicina.
Lamenta, entretanto, a carreira ingrata que seguirão esses jovens, ao alegar, com
conhecimento de causa, o árduo trabalho mal remunerado dos médicos. Faz
referência a uma nova companhia teatral que armou na Rua do Ouvidor o que
chama de “ratoeira” para o dinheiro do público: um teatro provisório. Relata a
experiência negativa de um amigo que fora três vezes seguidas àquele “teatro dos
ratos”. Anuncia a proximidade da primeira exposição industrial na capital do
Império. Demonstra sua ansiedade para o evento realizado no pátio da Escola
Militar com esperanças de que este ofereça grandes resultados para o futuro. Faz
elogios e propõe sugestões para a publicação do Parnaso Maranhense – volume
de poesias escritas por cinqüenta e dois autores, contando-se entre eles duas
mulheres, todos da província do Maranhão. Anuncia também a publicação em
folheto de uma memória a respeito da revolução de Pernambuco em 1817 e do
155
procedimento do general Luiz do Rego, então governador daquela província. De
São Paulo destaca o romance então recém publicado do acadêmico Sr. João
Antônio de Barros Júnior intitulado Emílio. Outra obra destacada é a do Sr. Dr.
Manuel Duarte Moreira. Trata-se de primeiro do Pequeno Panorama, um estudo
histórico dos primeiros edifícios da cidade do Rio de Janeiro, dedicado a Joaquim
Manuel de Macedo (o cronista não se revela). Da Editora Garnier sairia em breve
a História do Brasil, de Southey, traduzida para o português pelo Sr. Dr. Luiz de
Castro. Seria também publicada, em dois volumes, a Nova Gramática Portuguesa
– Francesa, pelo Sr. Edouard de Montaigu. Da Bahia, destaca o drama publicado
em quatro atos Os homens de cera, do Sr. Dr. Cincinnato Pinto da Silva. Do Teatro
S. Pedro, anuncia o drama nacional Os mistérios da fortuna, do Sr. Dr. Joaquim
Antônio da Costa Sampaio e, do Ginásio, A resignação, do Sr. Dr. A. Varejão.
Rio de Janeiro, tomo XII, dezembro de 1861.
70. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 377-382
O Velho informa a inauguração da primeira Exposição Nacional em dois
de dezembro, aniversário do Imperador D. Pedro II. Comenta os artigos expostos
até então (produtos de manufatura) e anuncia a chegada de produtos naturais e
agrícolas de outras províncias. Lastima o fato de serem apresentados, no meio de
tantas máquinas, poucas destinadas aos trabalhos da agricultura. Observa que a
exposição nacional trouxe excelente material para representar o Brasil na
exposição de Londres e demonstrar que já possui, em parte, quase tudo o que
importa de outras nações. Destaca a necessidade de que tais exposições fossem
realizadas periodicamente e aponta uma segunda desse gênero no ano de 1864,
tendo em vista a exposição universal de Paris em 1865. Propõe uma exposição de
animais úteis, o que já se efetuava nas mais civilizadas nações da Europa.
Declara ter sido esta uma quinzena de lágrimas e de luto para a literatura pátria:
faleceram Antônio Gonçalves Teixeira e Souza e o prosador Manoel Antônio de
156
Almeida. Em seguida, aponta a alegria do retorno ao Rio de Janeiro do poeta Dr.
Antônio Gonçalves Dias, vindo do Norte do Império. Anuncia a contratação pela
sociedade dramática nacional do Ginásio de três artistas recém chegados à corte:
Gabriella, Moutinho e Amoedo. Louva o governo por nomear uma comissão
encarregada de estudar e de propor as medidas necessárias para se reformar o
teatro dramático nacional. Faz votos de que em 1862 tal empreitada fosse
concluída.
Rio de Janeiro, tomo XIII, dezembro de 1861.
71. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 60-64
O cronista faz um balanço sobre o respeito de direitos garantidos pela
constituição no ano de 1861. O primeiro ponto discutido é a segurança pessoal no
Brasil, sobretudo no que se refere à higiene pública (uma catástrofe na cidade do
Rio de Janeiro) Queixa-se do descaso do governo perante tal situação e das
péssimas condições de moradia dos pobres, casinhas instaladas sobre charcos,
verdadeiras fontes de tísica e de outras moléstias. Sobre o direito de propriedade,
lamenta a péssima atuação da polícia no combate aos assaltantes que violaram
casas e estabelecimentos da corte. Aponta como despedida do ano findo a chuva
contínua que caía desde de 17 de dezembro em pranto desabrido. Sobre a
quinzena propriamente dita destaca: a continuidade da exposição nacional; o
retorno da atriz Gabriella ao Ginásio; a publicação de dois volumes de poesias –
Flores Singelas, do Sr. Pais de Andrade, e, A Porangaba, do Sr. Juvenal Galleno
da C. Silva. Conclui recordando a mais triste notícia dos últimos quinze dias: o
falecimento, em 15 de dezembro, de Francisco de Paula Brito. Rende
homenagens ao homem que tanto encorajou os jovens poetas da nação.
Rio de Janeiro, tomo XIII, janeiro de 1862.
72. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
157
Página: 124-128
O Velho refere-se ao antigo costume de saudar os amigos e os
familiares pelas festas de fim de ano com frases simples e polidas. Lamenta ter
esse hábito saído de moda e, como velho que é, prefere ser démodé a deixar de
cumprir seu dever de homem bem criado. Cumprimenta seus leitores apelando
para o cultivo das virtudes em detrimento dos pecados capitais. Enumera, então,
sete dessas virtudes que oferece aos seus interlocutores no ano de 1862: a
humildade contra a soberba; a liberdade contra a avareza; a castidade –
sobretudo a alguns jovens e padres patuscos de seu tempo; a paciência contra a
ira; a temperança contra a gula; a caridade contra a inveja; a diligência contra a
preguiça. Todos esses conselhos são exemplificados com diversos fatos que
ocorriam tanto na esfera política, como social e artística da capital do Império.
Termina a crônica sem relatar fatos da quinzena, atitude que julga ser
compreendida e perdoada por seus leitores.
Rio de Janeiro, tomo XIII, janeiro de 1862.
73. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 185-191
O Velho inicia a crônica discorrendo sobre o mau tempo no primeiro
mês de 1862. Reconhece que as chuvas constantes afetaram o espírito do
cronista, afinal é velho, e os velhos temem o frio e a umidade. Não saiu muito à
rua na última quinzena também pelo receio de alguma catarral, moléstia de
velhos, que tem atacado também os jovens. Exemplifica a propagação de tal
doença com a morte do terceiro príncipe de Portugal, o falecimento do rei e do
príncipe Alberto da Inglaterra. Declara o encerramento da exposição nacional e o
início dos preparativos para o julgamento dos objetos expostos. Denuncia a
grande quantidade de apadrinhamentos para o recebimento do prêmio oferecido
pelo evento e justifica, mais uma vez, o seu encerramento em casa: teme que
alguma modista expositora de vestidos o aborde para que escreva a favor dela
158
cartas de empenho aos componentes do júri que são amigos do cronista. Informa
a ameaça trazida pela chuva a outro velho do Rio de Janeiro: o morro do Castelo.
Tal construção estaria prestes a desmoronar, o que impeliu o cronista a reclamar
atitudes do governo antes que a indenização dos edifícios dos arredores se
tornasse mais cara. Anuncia a possível eclosão de uma guerra entre os Estados
Unidos da América Setentrional e a Inglaterra, provocada pela invasão de um
navio americano a um vapor paquete inglês. Alerta para o aparecimento de cólera
morbos nas províncias da Paraíba e de Pernambuco. Convoca medidas de
higiene urgentes à administração do Rio de Janeiro para que não chegue ali tal
epidemia. Felicita a composição do drama De Ladrão a Barão, do Sr. Francisco
Manoel Álvares de Araújo, representado no teatro do Ginásio Dramático. Lembra a
brilhante atuação daquele escritor na imprensa e aponta agora o seu talento no
cultivo das letras pátrias ao escrever para o teatro. Convida os leitores a
apreciarem tal produção, sobretudo pelo desempenho da companhia dramática do
Ginásio, que muito se empenha em dramas novos, especialmente nos de
composição nacional.
Rio de Janeiro, tomo XIII, fevereiro de 1862.
74. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 250-256
O Velho traz do paquete Southampton, entrado no dia 20 daquele mês,
a notícia de que o Estados Unidos e a Grã Bretanha teriam recuado frente à
eclosão de uma possível guerra entre ambas nações. Informa também a
intervenção de três países europeus no México: França, Inglaterra e Espanha.
Sobre este último, declara que não fará sucesso em sua antiga colônia, onde será
ressuscitado o ódio do passado de exploração. Destaca o progresso dos trabalhos
para que no dia 25 de março seja inaugurada, na Praça da Constituição, a estátua
eqüestre de D. Pedro I. O cronista, embora julgue adequada a data pela
lembrança do juramento da constituição do Império, teme as conseqüências que o
159
sol abrasador desse mês trará aos presentes em tal solenidade, realizada ao ar
livre. Critica a sociedade em suas esferas política, social e artística, ao comparar
seus membros a animais: homens-aves, homens-quadrúpedes e homens-répteis
de todas as espécies. Surpreendeu-se, entretanto, por conhecer mais tarde o
artista circense Mr. Lenton, apelidado como homem-mosca. Tal artista passeava
de cabeça para baixo numa prancha lisa e suspensa em altura pela qual andava
sem apoio algum. Anuncia a publicação do Compêndio da Gramática Portuguesa
acomodado ao uso das escolas, pelos senhores Vergueiro e Pertence. Julga a
obra recomendável pela clareza e acerto do método e, ainda, pela riqueza de
regras e de preceitos aí expostos. Outra publicação destacada é a do romance Os
Mistérios da Roça, do Sr. Vicente Felix de Castro. Recomenda aos leitores a
leitura da obra para que entendam melhor a exposição que será feita sobre ela na
crônica seguinte. Dos teatros fornece o que chama “notícias telegráficas”: o S.
Pedro está em Martírios na Germânia; o Ginásio Lacrimeja abençoadamente; o S.
Januário meteu-se na Probidade e prepara-se para entrar em Trabalho e Honra.
Rio de Janeiro, tomo XIII, fevereiro de 1862.
75. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 315-320
O cronista anuncia a chegada do então último paquete francês ao Rio
de Janeiro que trouxe o Sr. Dr. Joaquim Caetano da Silva, ex-encarregado de
negócios do Brasil na Holanda. Louva e dá boas vindas a esse brasileiro não só
pelos serviços prestados como reitor e professor do imperial colégio D. Pedro II,
mas também pela publicação de sua obra Oyapoc e o Amazonas que contribuiu,
através de estudos e comparações de tratados, para a marcação da nossa divisa
de território com a Guiana Francesa. Aponta, em seguida, o abatimento das forças
do corpo e do espírito dos habitantes da corte causado pelo calor intenso. Critica o
sono dormido pelos políticos que aguardam o mês de maio para o início da nova
campanha. Lamenta a falta de bailes, já que dorme também a alta política das
160
moças.
Rio de Janeiro, tomo XIII, março de 1862.
76. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 337- 382
O cronista comenta o sucesso alcançado pelas festas de Carnaval
promovidas na corte. Ironiza o dito que defende o Carnaval como festa de todos,
pois os ricos mascarados são atores e os pobres sem máscaras são meros
espectadores, quando não saem às ruas com fantasias confeccionadas de folhas
da coleção das leis do Império. Comenta a ocorrência do único incidente que
acometeu as festividades: o alerta de que o tablado do teatro Provisório cederia
devido ao peso da multidão. Faz, ironicamente, uma referência à promessa de
muitos foliões na quarta-feira de cinzas: “nunca mais!... maldito seja o carnaval...
até o ano de 1863”. Anuncia a proximidade do dia 25 de março, data da
inauguração da estátua eqüestre de D. Pedro I. Lembra a quem pertence a glória
artística desse monumento: ao artista brasileiro Sr. Mafra, que desenhou o projeto,
e ao escultor francês Mr. Rouchet, que trabalhou na confecção da obra. Sobre os
preparativos da solenidade, destaca a preocupação das damas com a escolha dos
vestido que usarão nesse dia e a expectativa dos homens no que se refere ao
recebimento de distinções e títulos de ordem política. Além dessa estátua, o Velho
aponta outras atrações que em breve os estrangeiros no Rio de Janeiro iriam
prestigiar: a estátua de José Bonifácio de Andrada e Silva, no largo de S.
Francisco, o Passeio Público e o canal da Cidade Nova regenerados. Em seguida,
cobra o que ainda deveria ser feito para o melhoramento da cidade: a atitude da
câmara frente aos despejos da praia D. Manoel e à falta de segurança no Passeio
Público. Menciona a publicação de duas novas obras do Sr. Dr. Chernoviz:
Medicina Popular e História Natural. Finalmente, apresenta o enredo seguido de
seus comentários críticos acerca do drama publicado em 1861, na cidade de São
Paulo, e lido naqueles dias pelos habitantes da corte: Estava escrito, do Sr.
161
Joaquim Cândido de Azevedo Marques.
Rio de Janeiro, tomo XIV, março de 1862.
77. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 58-64
O Velho comenta a repercussão das premiações aos melhores
trabalhos da primeira exposição nacional do Brasil na qual teriam sido
apresentados produtos agrícolas, industriais e artísticos. Prevê os resultados
dessa exposição de 1861: o esforço da indústria em melhorar seus produtos, o
aproveitamento de máquinas pela agricultura e a conseqüente produção de
algodão. Reclama a urgência de agendamento de outra exposição nacional, a fim
de que o país se preparasse e apresentasse sua imensa riqueza com
antecedência. Destaca os preparativos para a inauguração da estátua eqüestre de
D. Pedro I que ocorreram na segunda quinzena de março. Faz uma breve
avaliação dos teatros da capital da corte: as companhias dos teatros S. Pedro, do
Ginásio e do S. Januário estariam abandonadas. Apela para a esperança
daqueles que amam a cena dramática a fim de que salvem tais instituições dessa
desanimadora situação. Ressalta que devido às chuvas torrenciais de 24 e 25 de
março a solenidade de inauguração da estátua eqüestre fora transferida para o dia
30. Finaliza sua crônica com a transcrição de um cântico feito à estátua eqüestre.
Rio de Janeiro, tomo XIV, abril de 1862.
78. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 122-128
O Velho situa a sua crônica: “estamos na Semana Santa”. Propõe,
então, uma investigação acerca da observação dos preceitos do catolicismo
durante a Quaresma e a Semana Santa. Apresenta com irreverência os resultados
desanimadores de tal pesquisa feita com uma moça de 18 anos, com uma
162
senhora casada e com um padre. Ao confessar-se espantado com o “espírito
católico” da corte passa a outro assunto: a inauguração da estátua eqüestre em
homenagem a nossa independência e ao fundador do Império D. Pedro I. Destaca
a condecoração feita ao estatuário Mr. Rochet: uma comenda de Cristo que,
segundo o cronista, seria a recordação de que D. Pedro II sabia animar as artes e
encorajar os grandes artistas. Exalta o valor das palavras proferidas a Mr. Rochet,
que poderia então dizer à França como o povo brasileiro aprecia o belo e como o
nosso país já teria conquistado um alto grau de civilização. Naquela noite chuvosa
de 30 de março o teatro S. Pedro recebera o Imperador com a representação da
tragédia Cinna, composição dramática da antiga escola clássica, traduzida pelo
literato brasileiro Sr. Dr. Antônio José de Araújo. Destaca a atuação do autor João
Caetano dos Santos sob o papel de Augusto. Do teatro do Ginásio comenta o
benefício em 09 de abril do ator Vasques no drama Consciência, de Alexandre
Dumas. Comenta a atuação daquele ator e destaca o desempenho dos senhores
Amoedo, Pedro, Reis. Conclui a crônica com o registro de uma triste notícia: o
falecimento do escritor Emílio de Sena Pereira, em Petrópolis.
Rio de Janeiro, tomo XIV, abril de 1862.
79. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 182-188
Acerca da Semana Santa última declara, mesmo que correndo o risco
de ser chamado de Velho rabugento e ralhador: “agora há mais ostentação,
dantes havia mais religião”. Lamenta a pobreza dos sermões atuais comparados
às orações profundas e admiráveis proferidas outrora pelos religiosos S. Carlos,
Sampaio, Mont’Alverne e S. Daniel. Lamenta também o abatimento e a
desmoralização do clero do qual se ressentem todos os fiéis. Reclama a
necessidade de bons vigários, mas reconhece a infelicidade de tal observação
quando se recorda que ser padre era o fim daqueles que não tinham outro meio
de arranjar a vida. Estes eram os caminhos a qualquer “desarranjado”: ser
163
homeopata, ser padre e ser cômico. Proclama indispensável a reforma do clero.
Anuncia uma notícia fresca: a abertura do corpo legislativo em 03 de maio com a
aprovação de reformas urgentes para o país. Falando em reformas indaga quando
ocorreria a do correio, instituição cuja morosidade dos serviços prestados
prejudicava toda a população. Dá a notícia de um incêndio que teria ocorrido em
28 daquele mês. Tal incidente não pôde ser contido porque as pipas d’água
ficaram atoladas num lamaçal. Reclama providências à edilidade quanto ao
lamaçal que tomou todo o Rio de Janeiro, sobretudo o Passeio Público.
Rio de Janeiro, tomo XIV, maio de 1862.
80. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 250-256
Informa a abertura do corpo legislativo em 04 de maio. Critica a atuação
dos deputados que se ocupavam até as duas da tarde em simplesmente eleger
comissões. Lembra que no seu tempo os deputados não procediam assim. Aliás,
antes eles usavam casacas, hoje, paletós. Tal moda teria sua justificativa: usando
paletós não ficaria explícito qual deles “viravam casacas”. Lamenta o falecimento
na primeira quinzena de maio de João Pedro da Veiga, ligado à municipalidade do
Rio de Janeiro e irmão do jornalista Evaristo Ferreira da Veiga. Destaca os
recentes serviços prestados pela casa do Sr. B. L. Garnier ao movimento literário
no Brasil: a tradução feita pelo Sr. Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro da
História do Brasil, de Roberto Southey, bem como a publicação do poema
Assunção, de Frei S. Carlos, e das Brasileiras Célebres, do Sr. Norberto de Souza
e Silva. Aponta a qualidade de impressão dos volumes publicados pela editora do
Sr. Garnier. Além dessas obras, registra também a publicação do primeiro número
da Biblioteca Brasileira com o título de “Lírica Nacional – folheto de 124 páginas,
contendo cantos e composições de 38 autores nacionais, bem como um artigo
intitulado “Estudo sobre a nacionalidade da literatura”. Parabeniza o Sr. Q.
Bocaiúva quem empreendeu tal publicação de radiante patriotismo. Após os livros,
164
o teatro. Dois fatos resumem a quinzena teatral: a representação dos dramas
Redenção e Um casamento da época, ambos no Ginásio Dramático. O último
seria constituído de cinco atos produzidos pelo Sr. Constantino do Amaral Tavares,
uma promessa para o progresso do teatro nacional. A esperança da quinzena é a
organização da associação dramática “Ateneu Dramático”, no teatro S. Januário.
Lamenta a escassez de bons atores nacionais que se subdividem em diversos
teatros sem formar um bom teatro dramático. Do S. Pedro destaca João Caetano,
a quem considera inigualável na cena dramática, Ludovina, Martinho e Gusmão;
do Ginásio, Graça, Adelaide, Pedro Joaquim, Vasques, Amoedo. No “Ateneu”
figurariam Gabriella, Montani e Moutinho. Sugere o fim das intrigas e a união
desses bons artistas dissidentes para a formação de um bom teatro, capaz de
agradar ao público.
Rio de Janeiro, tomo XIV, maio de 1862.
81. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 314-320
O Velho faz alguns comentários acerca da repercussão da reunião do
corpo legislativos, ilustrando ironicamente as medidas tomadas pelos deputados
com os versos de Camões: “Depois de procelosa tempestade,/ Noturna sombra e
sibilante vento,/ Traz a manhã serena claridade, / Esperança de porto e
salvamento.” Após o relato das insanidades cometidas pelos deputados naquela
assembléia, convida os leitores a esquecerem as coisas tristes e distraírem-se nos
teatros. Comenta a repercussão da inauguração da companhia “Ateneu
Dramático”, no teatro S. Januário, com a representação da comédia Os Íntimos,
de Vitoriano Sardou. Dá as honras da noite à atriz Gabriela, cujo talento é
considerado promissor ao nosso teatro. Reconhece mais uma vez o sucesso do
drama Um casamento de época, do Sr. Constantino do Amaral.
Rio de Janeiro, tomo XIV, junho de 1862.
165
82. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 379-383
O Velho demonstra sua satisfação com as notícias trazidas pelo último
paquete inglês sobre a presença do Brasil na Exposição Universal em Londres.
Destaca o papel pouco significativo do governo para o alcance desse sucesso e
eleva a contribuição da população que se esforçou desde a nossa primeira
exposição nacional para apresentar as riquezas do país. Cita os setores que
avultaram no evento londrino: a indústria manufatureira, a indústria agrícola, esta
representada pelo café e, sobretudo, pelo algodão que encheram de esperanças
as fábricas da Inglaterra ameaçadas pela guerra civil dos Estados Unidos.
Convoca o governo para que tome providências desde já para a próxima
exposição universal que se daria em Paris dentro de três ou quatro anos. Propõe
que desde já seja agendada a próxima exposição nacional a fim de que os
expositores se preparem com antecedência. Insinua ainda a construção de um
palácio para a realização de tal evento, indagando se seria essa uma despesa de
luxo. O cronista cobra providências a esse respeito aos ministros da agricultura e
das obras públicas: o Conselheiro Cansansão de Sinimbu e o Marquês de
Abrantes. Ao concordar que o governo não teria recursos suficientes para tal
empreitada, propõe o apelo ao patriotismo dos brasileiros, principalmente dos
capitalistas a fim de que colham os fundos necessários para a construção do
edifício de que se trata. Informa o naufrágio da Viamão nas noites de 9 e 10 do
corrente e lamenta os desastres constantes pelos quais tem passado a marinha
brasileira. Passa à matéria teatral, tecendo comentários sobre o drama A filha do
lavrador, representado pela companhia dramática nacional do Ginásio Dramático.
Critica o excesso de inverossimilhança no drama e destaca a atuação dos atores
Adelaide, Reis e Vasques. Confessa que agora o teatro dramático passa a
alimentar suas esperanças, aludindo brevemente ao caminho acertado pelo qual
vem seguindo o Ateneu Dramático. Anuncia a recente publicação de uma gazeta
dramática intitulada Mundo Dramático e finaliza sua crônica compartilhando seu
166
contentamento em notar o enriquecimento da literatura dramática nacional com a
produção de jovens talentosos e aplicados.
Rio de Janeiro, tomo XV, junho de 1862.
83. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 59-64
O Velho declara que desde os primeiros dias de maio toda a política
parlamentar se resumia a poucas palavras: todos os nossos políticos estavam
liberais declarados. Destaca a repercussão que teve a primeira exposição nacional
do Brasil na Exposição Universal aberta em Londres naqueles dias. Lança um
novo desafio para o país: exposições periódicas de animais úteis. Reclama a
Ilustríssima Câmara as inundações noturnas provocadas por derramamento de
águas já usadas, sobretudo da freguesia do Sacramento. Cobra da Câmara maior
rigor na fiscalização dessa área. Ressalta a cautela já recomendada pelas folhas
diárias da capital acerca dos encontros e das colisões freqüentes das barcas da
companhia Ferry e Niterói. Sem ânimo para tratar das novidades teatrais e
literárias, finaliza sua crônica prometendo para a seguinte os comentários sobre as
estréias e as publicações da quinzena.
Rio de Janeiro, tomo XV, julho de 1862.
84. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
O cronista anuncia e censura alguns aspectos da obra Flores e Frutos,
do poeta do Grão-Pará, Bruno Seabra. Dentre as censuras feitas pelo Velho
destaca-se a que se refere à temática do amor: além do “amor da mulher” o “amor
da pátria” deveria também ter sido cantado naqueles versos. Após a censura, o
reconhecimento: declara que o poeta caminha direto para a conquista de um lugar
distinto entre os nossos bons vates. Ao informar que Bruno Seabra é professor de
francês da sociedade Ensaios Literários, relata a homenagem que aquele poeta
167
recebera de seus alunos: a entrega de uma pena de ouro e a composição de um
poema recitado por F. T. Leitão, transcrita nessa crônica. Anuncia também a
composição do drama O cavaleiro D. Fernando, do Sr. Cândido José Rodrigues
Torres Filho. Elogia a produção que teria como assunto um episódio do famoso
romance cervantino, mas pondera: o autor mostraria tendências para a escola
clássica. O Velho afirma não censurar tal escolha, embora não compartilhasse as
mesmas idéias. Registra outras publicações daquela quinzena: a tradução do
drama de Dumas Le Marbrier, por José Victorio da Silva Azevedo; a tradução da
obra de Fénélon, Educação das meninas, por D. Ana Euquéria Lopes Cadaval; o
Novo sistema de estudar a gramática portuguesa, de José Ortiz; o segundo
número da Biblioteca Brasileira, por Homem de Melo. Finaliza a crônica com a
nota de falecimento de Justiniano José da Rocha em 10 de julho. Confessa ter
sido adversário daquele jornalista que, segundo o Velho, teria sustentado idéias
inconvenientes e contrárias ao bem do país. Entretanto, lamenta profundamente a
perda desse grande intelectual brasileiro.
Rio de Janeiro, tomo XV, julho de 1862.
85. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 190-196
O Velho lamenta a morte do poeta Gonçalves Dias, dada pela imprensa
no dia 25 de julho daquele mês. Revela o pesar de toda a nação frente a esse
fato, sobretudo o sentimento aflitivo de Sua Majestade o Imperador pela morte
daquele a quem o cronista considera “o nosso primeiro poeta”. Informa a presença
de S. M. o Imperador nas sessões do Instituto Agrícola. D. Pedro II teria
contribuído com donativos àquela instituição, o que garantiria um investimento em
recursos materiais para o desenvolvimento da produção agrícola da nação.
Passando às diversões da corte, elogia a atuação da companhia circense “Grande
Oceano” na capital do Império, embora reconheça que seu sucesso tenha
diminuído o número de espectadores dos teatros dramáticos. Lamenta o desamor
168
do público fluminense pela cena dramática e, por isso, convoca os artistas para
que estudem mais e o governo para que atenda a essa questão com maior
seriedade. Reconhece os esforços que tem feito o teatro S. Pedro para agradar ao
público, elogia o empenho de João Caetano para esse fim, mas lamenta que o
empresário empregue tempo e dinheiro em dramas que mal pagam as despesas.
Embaraços materiais também eram crescentes na sociedade dramática nacional
do Ginásio, que também se empenhava em vão para agradar o público. Do
“Ateneu Dramático” destaca a aquisição do ator paulista Joaquim Augusto, a quem
o cronista se refere como “nosso melhor artista dramático – exceção feita a João
Caetano”. Convoca a colaboração do público para os teatros do Ginásio, de S.
Januário e de S. Pedro de Alcântara nesse período de crise enfrentado por suas
respectivas administrações. Mais uma vez mostra sua indignação com a
fragmentação de nossas companhias teatrais. Sugere que a reunião de bons
artistas poderia assegurar o desempenho dos dramas e garantir a presença dos
espectadores. Apela, então, para a harmonia e a aliança fraternal dos artistas
dramáticos, uma vez que o governo não quer e não pode ocupar-se com o teatro.
Promete para a crônica seguinte comentários acerca do melodrama À borda do
mar e sobre a comédia As garatujas.
Rio de Janeiro, tomo XV, agosto de 1862.
86. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 255-260
O Velho anuncia a chegada do paquete inglês no início daquela
quinzena que trouxe o desmentido da notícia que correra sobre a morte de
Gonçalves Dias. Em 07 de julho o poeta já se encontrava em Paris recuperando-
se da moléstia que o fizera mudar de ares. Noticia a ordenação de diáconos e de
subdiáconos pelo Exm. Bispo de Goiás, na capela do Sacramento do Mosteiro de
S. Bento. Aproveita a oportunidade para discorrer sobre a vocação sacerdotal:
missão a qual julga cheia de santidade, de sérios e graves deveres. Convicto de
169
que os ordenados citados estão animados e impelidos por decidida vocação
ressalta esses anseios e a necessidade de instrução, bem como de virtude para
que alguém escolha tal caminho. Destaca a ausência do Exm. Bispo do Rio de
Janeiro naquela solenidade e faz votos para que sua saúde seja em breve
restabelecida. Critica a atuação da polícia municipal pela falta de rigor na
fiscalização dos despejos noturnos que tornam a cidade um lamaçal. Condena
ainda a retirada de mil arrobas de carne seca podre de um navio afundado perto
da Ilha das Cobras. O fedor advindo da manipulação desse produto estaria
incomodado os visitantes e a população local. Comenta a atitude da companhia do
Ginásio Dramático que se reunira em 10 de julho para nomear uma comissão
encarregada de redigir os estatutos de um montepio dos artistas dramáticos.
Embora acreditasse que essa atitude pudesse formar as bases da reforma do
teatro dramático no Brasil, critica a exclusão das demais companhias fluminenses
(S. Pedro e Ateneu) nesse processo. Do teatro político também aponta as
vaidades e os ciúmes pueris como os observados no teatro dramático: para um
partido uma idéia é boa ou má conforme a pessoa (partidário ou oposicionista) que
a concebeu. Pede, então, para que os artistas não se amofinem com as suas
impertinências de velho rabugento. Continua com os teatros. Louva a idéia
proveniente também da sociedade dramática do Ginásio em criar aulas relativas a
sua arte, mas pondera: se a intenção é criar um conservatório dramático vão
perder tempo esforços e recursos, porque tal empreendimento caberia ao governo
e este não pode ou não quer fazê-lo. Acrescenta ainda que para tal fim seria
necessário um professorado numeroso, o que despenderia muitos recursos dos
quais não dispõem qualquer companhia dramática. Além disso, estabelecida uma
escola dramática regular, haveria alunos de ambos os sexos das classes mais
pobres, o que implicaria o encargo com bolsas de auxílio àqueles que, mesmo
sem recursos financeiros, mostrassem mais talento. Conclama o governo para a
viabilização de tal empresa, mas desanima: raciocina sobre a avareza do Estado
sempre que se trata de proteger as artes e as letras. Informa que a companhia
circense “Grande Oceano”, de Spalding & Rogers permanece por pouco tempo na
170
corte. Ressalta, finalmente a atuação do jovem paulista Antônio Carlos do Carmo
que figura com destaque entre os demais cavaleiros da companhia americana.
Rio de Janeiro, tomo XV, agosto de 1862.
87. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 317-324
O cronista toma uma figura representada pelo circo “Grande Oceano” –
o rei do Puff para defender a idéia de que no Rio de Janeiro a população viveria
mergulhada em puffs (interjeição de enfado utilizada pelos franceses). Refere-se
então ao caos político, cultural e social da corte, transcrevendo um puff a cada
aspecto mencionado. Em seguida, critica a extravagância de certos homens que
se dão o direito da chamada veia de doido, julgando –se originais e atormentando
o sossego dos demais com artigos parvos nos periódicos e com gestos de
intolerância a opiniões contrárias as suas no tocante à religião, à política, à
literatura e às artes. Passando ao terreno da política, o cronista ataca a agilidade
com que naquele momento resolveram os legislativos encerrar os trabalhos
acerca do orçamento da receita e da despesa do Império, deixando passar sem
cautela a questão da liberdade da navegação da cabotagem. Relata o espetáculo
de 26 de agosto no circo “Grande Oceano” oferecido em benefício à Sociedade da
Instrução. Comenta a dificuldade em resumir as notícias da Europa trazidas pelos
paquetes ingleses e franceses, uma vez que não chegam em tempo hábil para a
publicação detalhada na “Crônica da Quinzena”. Propõe um “faz de conta” que
surpreenderia as folhas diárias, como o Jornal do Comércio, o Mercantil e o Diário
do Rio, fingindo adiantar as notícias que seriam trazidas há dois ou três dias pelos
paquetes. Prevê então as novidades dos conflitos e das crises vividas na
Inglaterra, na França, na Itália, na Prússia, na Áustria, na Rússia, na Turquia, na
Espanha e em Portugal.
Rio de Janeiro, tomo XV, setembro de 1862.
171
88. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 380-386
O Velho mostra-se indignado frente à falta de entusiasmo da população
na comemoração do aniversário do brado heróico do Ipiranga. Declara que o amor
da pátria é o amor que se resume todos os amores e, por isso, não se conforma
em observar tamanho desdém à festa nacional enquanto para qualquer evento
familiar são organizados festas e jantares. Louva a inauguração do Passeio
Público após as reformas realizadas sob a direção do Sr. Fialho. O cronista
aponta, entretanto, um defeito: a manutenção de um velho portão de ferro que
contrasta com as belezas realizadas recentemente. Atribui a culpa desse contraste
ao governo. Informa também a reforma da praça da Constituição e prevê o hábito
parisiense ao qual, aos poucos, as senhoras brasileiras que visitarão o local irão
aderir: sentar-se-ão nos bancos de pedra para serem vistas. Ressalta que o gosto
pela sombra e pelas flores de ambientes como este continuará a ser alimentado,
uma vez que famílias inteiras já desfrutam do Passeio Público regenerado, do
Rocio da Cidade Nova arborizada, e esperam desfrutar dos jardins da praça da
Constituição e do campo da Aclamação. Refere-se à ânsia da população em ver
este último ambiente livre do Teatro Provisório ao qual o cronista qualifica como
“feio colosso”. Louva o espírito de associação que se vai desenvolvendo no país,
agora confirmado com a reunião de alguns engenheiros aos quais o Velho atribui a
tarefa de serem “uma das alavancas da fartura grandeza do Brasil”. Chama a
atenção da Câmara Municipal para o foco de peste na Prainha cujo fedor tem
incomodado os habitantes daquela região e os passageiros da barca de Mauá e
de Sampaio que ali desembarcam. Elogia a atuação de jovens brasileiros que se
dedicam às letras nos meios acadêmicos e fora deles. Anima os estudantes da
escola de medicina do Rio de Janeiro que publicariam o primeiro número de
periódico literário Aplicação. Informa a organização de uma nova empresa lírica
nacional e italiana. Seus organizadores eram um maestro e dois poetas: os Srs.
Francisco Manoel da Silva, Joaquim Norberto de Souza e Silva e Dr. Antônio José
172
de Araújo. Ressalta que a ópera nacional constitui-se uma instituição patriótica e
utilíssima, embora já tenha imprudentemente levado à cena óperas completas em
completo teatro quando deveria começar em modesta academia. Aponta ainda o
fato de ser a nossa companhia menos nacional que estrangeira, abrigando
cantores de todas as nacionalidades dos quais são poucos os que pronunciam
sofrivelmente o português. Prevê uma nova época para a nossa ópera nacional
contando, sobretudo, com o talento e o amor às artes do maestro Francisco
Manoel da Silva.
Rio de Janeiro, tomo XVI, setembro de 1862.
89. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 58-64
O Velho inicia a crônica assumindo um pecado: ter omitido a publicação
da segunda edição da obra Da natureza e limites do poder moderador, do
conselheiro Zacharias de Góes de Vasconcelos. Reconhece a importância do
trabalho e o atraso em que se encontra para corrigir a falta de não registrar na
“Crônica da Quinzena” a sua reedição. Para não cometer semelhante erro,
adianta-se em comentar a nova edição de poesias intitulada Unrania, do Sr. Dr.
Domingos José Gonçalves de Magalhães. O título, segundo o cronista, seria um
disfarce de um nome que a delicadeza esconde e que um santo amor está
despertando. O livro é, então, todo consagrado a Urânia. Recomenda, sobretudo,
a leitura dos cantos intitulados A noite de S. João, O rei e o poeta e O baile.
Anuncia a publicação do quarto número da Biblioteca Brasileira que contaria com
os esboços biográficos de Francisco Machado e Vasconcelos, Bernardo Pereira
de Vasconcelos, Evaristo Ferreira da Veiga e Visconde de S. Leopoldo. Elogia o
trabalho e a dedicação do Sr. Dr. Homem de Melo como autor desses esboços.
Faz alusão à representação do drama Virtude e vício, dos senhores Joaquim
Silvério dos Reis Montenegro e Antônio Francisco Duarte, em 19 de setembro, no
teatro S. Pedro de Alcântara. Tratava-se de um drama altamente moral cujo
173
desenvolvimento apresenta situações que desenhariam bem a sociedade do
período. Elogia a obra dos dois jovens artistas, mas aponta dois defeitos: luxo de
estilo e exagero em certas idéias. Considera tais deslizes perdoáveis a estudantes
de 20 anos que hão de escrever bem e honrar a pátria, desde que estudem para
tanto. Convida os leitores a prestigiarem a peça na qual destaca a atuação da atriz
Ludovina. Informa a publicação do volume contendo a história da nossa primeira
exposição nacional. Tratava-se de um relatório geral da exposição apresentado
pelo Sr. Dr. Frederico Leopoldo César Burlamarque e os relatórios de outros cinco
júris especiais. Reconhecendo a impossibilidade de examinar cada um desses
relatórios numa só crônica, o Velho se compromete em dividir tal trabalho,
iniciando nesta quinzena com os relatórios sobre as Belas Artes, apresentado pelo
Sr. Dr. Henrique César Muzzio, e as Artes liberais e mecânicas, do Sr. Francisco
Joaquim Bithencourt da Silva. Finalmente, louva os trabalhos do Sr. Luiz Aleixo
Boulanger destinados à organização e à fiscalização dos trabalhos na câmara: o
Quadro Horário e o Espelho da Assembléia Geral Legislativa.
Rio de Janeiro, tomo XVI, outubro de 1862.
90. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 123-128
O Velho lamenta a censura constante da imprensa sobre os
periodiqueiros, os folhetinistas e os cronistas, como ele, que sem poderem
extrapolar certos temas, tornam-se monótonos e maçantes por repetirem assuntos
que não despertam grande interesse ao público. Critica a tolerância para com os
pedintes de esmola destinada a todas ou a quase todas as irmandades do Rio de
Janeiro com o objetivo de manter-se a decência do culto e o brilho das devoções.
Duvida que essas contribuições dadas aos homens de opa chegam à igreja e
lamenta o transtorno que tal costume tem gerado à população fluminense.
Aconselha aos que se precipitam em chamar o Velho de herege a inventarem
outros meios para sustentarem suas irmandades. Ressalta que é indispensável
174
acabar com a indústria da opa e da bacia, pois podem existir farsantes que
exploram os pobres contribuintes para a obtenção de dinheiro às custas do nome
de um santo. Censura a administração da capital pela falta de organização do
sistema de despejos feitos por pipas que, ao contrário dos antigos barris
carregados por escravos, rodam vagarosas de porta em porta deixando no ar o
fedor insuportável de águas servidas. Observa que, embora haja polícia bem paga
na corte, são constantes os despejos noturnos nas ruas e nas praças, bem como
os ataques de ladrões às residências. Cobra da Ópera Nacional a execução da
obra A Louca, composição do jovem paulista Elias Álvares Lobo. Finalmente,
anuncia uma nova publicação literária na corte: o Museu Literário, que estrearia
com a tradução do romance Por causa de um alfinete, de J. T. de Saint-Germain.
Rio de Janeiro, tomo XVI, outubro de 1862.
91. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 185-192
O narrador-repórter inicia a crônica com uma resposta dada à polêmica
levantada no Correio Mercantil de 25 de outubro referente à opinião expressa na
crônica da quinzena acerca da decadência em que se encontrava a Ópera Lírica
Nacional. Reafirma o seu ponto de vista ao alegar que seus receios quando da
criação da ópera nacional e italiana eram referentes à nulificação da idéia da
nacionalidade, uma vez que a empresa contrataria cantores estrangeiros. Critica o
investimento a uma companhia de canto italiano, quando o governo nega-se a
investir num teatro dramático para o qual trabalhariam verdadeiros escritores
nacionais. Critica mais uma vez a empresa da Ópera Nacional pelo desprezo dado
à ópera A Louca do Sr. Elias Lobo que retornava a São Paulo levando consigo sua
partitura após oito meses de espera e promessas de execução da mesma. Indaga
a validade de investimentos dos cofres públicos numa instituição que não tem
considerado o trabalho de artistas, compositores e escritores nacionais. Cobra
atitudes da Câmara Municipal com relação à fiscalização da limpeza e do asseio
175
das ruas, das praças e dos quintais para que seja evitada a invasão de moléstias
como a cólera e a febre amarela. Chama a atenção do governo para casos como
o ocorrido no dia 26 de outubro em que músicos espanhóis, ao oferecerem
execução da fragata Resolución aos espectadores do Passeio Público, foram
vaiados e ofendidos moralmente. Indaga sobre o papel da polícia nesses
incidentes e lamenta a quebra da justa reputação de amabilidade e benevolência
de que gozam os brasileiros na recepção e no tratamento dado aos estrangeiros.
Informa a inauguração da Exposição Geral das três nobres artes por S. M. o
Imperador em 17 de outubro. Foram expostos trabalhos de pintura, escultura e
gravura nas sete salas do palácio imperial. Louva o comparecimento de
apreciadores e curiosos a essa exposição, e conclama a imprensa periódica da
capital do Império a examinar, estudar e criticar com verdadeiro interesse os
produtos expostos. Compromete-se a fazê-lo na crônica da quinzena seguinte.
Demonstra entusiasmo com o incentivo dado pelo público, pela imprensa e pelo
Imperador aos artistas, mas lamenta a falta de compradores para os seus
trabalhos, a fim de atender, nas palavras do cronista, “a barriga vazia” de pintores
e paisagistas que abandonam o honroso e o patriótico métier e seguem como
retratistas ou pintores cenográficos. Ataca a falta de mecenas em nosso país,
tanto por parte dos nobres, quanto do governo. Dirige-se a este principalmente
com a acusação de que preferem investir 130 contos ou mais anualmente a
“garganteações italianas” no teatro lírico a um vintém para se animarem as artes e
os artistas nacionais.
Rio de Janeiro, tomo XVI, novembro de 1862.
92. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 309-316
O Velho informa a exumação dos restos mortais de Estácio de Sá, em
16 de novembro, na igreja e S. Sebastião do Castelo. Participaram do ato os
representantes do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e o Imperador
176
D. Pedro II. Aquele instituto decidiu em sessão realizada a 21 de outubro que os
ossos do primeiro fundador do Rio de Janeiro seriam solenemente depositados na
mesma sepultura em que descansavam desde 1567. Tal solenidade ocorreria em
20 de janeiro de 1863, data que remete ao ataque dirigido por Mem de Sá e por
seu sobrinho Estácio de Sá aos franceses estabelecidos e fortificados no Rio de
Janeiro. Acusa o governo pelo desdém até pouco tempo àqueles que se
dedicavam ao estudo da história pátria. Louva a contribuição dada pelo IHGB em
prol do desenvolvimento do gosto e do interesse por tal estudo. Graças a
incentivos como esse e à implantação do curso de história nacional nos colégios
do Império, muitas obras sobre essa temática começaram a ser escritas. Destaca
e recomenda, entretanto, uma obra que antecede ao então interesse pela História
do Brasil: a History of Brazil, de Robert Southey. Como foi escrita em inglês, língua
a qual não encara tão comum como a francesa, informa a possibilidade de
conhecer o livro de Southey em português, graças à recente tradução oferecida
pelo Sr. Garnier. Ressalta o valor de uma tradução bem feita, pois considera
imprescindível que o tradutor entre conscienciosamente na alma e chegue até o
coração do autor. Garante a fidelidade da tradução oferecida pelo Sr. Garnier, que
teria saído das mãos do Sr. Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro. Informa que
acompanham esse trabalho as notas do Sr. Cônego Dr. Fernandes Pinheiro, a fim
de corrigir as possíveis inexatidões sobre a História do Brasil nas quais o autor
incorrera. Comenta que no dia 10 de novembro o Sr. Luiz Jacome de Abreu e
Souza reunira no circo eqüestre da Guarda Velha mais de duzentas pessoas para
lhes dar o prazer de apreciar um ensaio de seu processo de domar cavalos
bravios. Observa ironicamente que tal sistema de dominação já era
instintivamente posto em ação pela mulher para domar o homem desde o início do
mundo. Espera que os políticos não utilizem tal método nas suas lutas para
conquistar o poder, pois repugna a idéia de amansar o povo para levá-lo ao
cabresto. Chama a atenção dos leitores para o fato de que há três semanas não
se ocupava de notícias teatrais. Explica o seu silêncio alegando desânimo.
Declara que o nosso teatro dramático chegou a sua época de mais completa
177
decadência. Mais uma vez dirige-se ao governo que investe em um teatro de
música (a ópera lírica nacional que na sua opinião será tudo o que quiseram,
menos nacional) e se esquece da criação de um teatro dramático nacional, uma
instituição civilizadora e indispensável. Confessa possuir ainda algumas
esperanças a esse respeito. Finaliza sua crônica alegando que ela já teria se
estendido muito para as forças de um velho cujos dedos tremem e cuja vista é
fraca. Adia, então, o registro das novas publicações que se deram naqueles dias
no Império.
Rio de Janeiro, tomo XVI, dezembro de 1862.
93. Título da matéria: Crônica da Quinzena
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Página: 362-368
O Velho inicia a crônica colocando em cheque o ditado que prescreve
ser de mau gosto encetar uma conversação a respeito do bom ou do mau tempo.
Coloca em cheque também a repugnância a palavras e a termos banidos dos
escritos decentes citando a obra de Victor Hugo Os Miseráveis. Nela o autor
francês tratou longamente dos esgotos de Paris e não houve quem não aplaudisse
essas páginas de seu romance social. Desafia o mais hábil folhetinista a não
iniciar nas circunstâncias em que se encontram os teatros falando do calor que
motiva as famílias a tomarem sorvetes na rua Direita e a abandonarem os
abafados teatros fluminenses. Passa de um assunto ameno a outro tristíssimo: os
repetidos casos de ataques cerebrais observados naqueles últimos dias por conta
da instabilidade climática. Volta as costas à lúgubre matéria para dirigir-se aos
círculos e aos salões mais distintos da capital. Desilusão: quem tem recursos
financeiros se retira da cidade nesse tempo para se refrescar em Petrópolis, em
Nova Friburgo e na Serra. Depara-se mais uma vez com o tempo e o calor ao
encontrar com amigos que justificam a morosidade dos eventos e dos trabalhos da
corte ora com o pretexto do sol, ora com o pretexto da chuva. Ao contrário do que
fazem seus compatriotas maldizendo o sol e a chuva, o cronista louva o calor e a
178
umidade, alegando que a esses fenômenos já foi muitas vezes atribuído o
progresso e o desenvolvimento da cafeicultura brasileira. Observa que os meses
de novembro e dezembro são dedicados aos discursos em diferentes instituições
do Rio de Janeiro. Declara, com ironia, que não consta nesse ano a existência de
solenidades de distribuição de prêmios e discursos no Instituto dos Surdos-Mudos,
o que considera uma pena, pois aí não haveria fadigas nem bocejos diante de um
orador prolixo. Informa a simulação de ação belicosa em 05 de dezembro, na
Praia Vermelha. Considera prudentes trabalhos com este, pois mesmo não
apresentando tendências para a guerra, o Brasil possui vizinhos aos quais o
cronista considera incômodos e perturbadores da paz. Afirma ter sido 1862 o ano
de benefícios anunciados pelos teatros dramáticos. Mais uma vez ataca a
indiferença do governo para com o teatro nacional, que desprezou
silenciosamente artistas, autores e público. Confirma o boato de que a Revista
Popular desapareceria de cena. Admite que com ela o Velho recolhe-se aos
bastidores e morre para os seus leitores, sem pedir perdão e nem deixar o
testamento de suas riquezas (juízos e idéias). Pondera: a Revista não morre, mas
metamorfoseia-se, vindo diretamente de Paris, segundo o último rigor da moda.
Finalmente, despede-se de seus leitores com a sugestão de que ele mesmo
também se metamorfosearia, assumindo um novo nome para adequar-se ao
próximo empreendimento de Garnier (o Jornal das Famílias).
179