modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

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JONATHAN MARTINS FERREIRA À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: DISSIMULAÇÃO E BOATOS NO MOTIM DE VILA RICA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS MONTES CLAROS Julho/2013

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Page 1: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

JONATHAN MARTINS FERREIRA

À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: DISSIMULAÇÃO E

BOATOS NO MOTIM DE VILA RICA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

MONTES CLAROS

Julho/2013

Page 2: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

JONATHAN MARTINS FERREIRA

À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: DISSIMULAÇÃO E

BOATOS NO MOTIM DE VILA RICA

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em História da

Universidade Estadual de Montes Claros,

como parte dos requisitos para obtenção do

título de Mestre em História.

Área de concentração: História Social

Linha de Pesquisa: Poder, Trabalho e

Identidades

Orientador: Prof. Dr. Renato da Silva Dias

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

MONTES CLAROS

Julho/2013

Page 3: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

Catalogação Biblioteca Central Professor Antônio Jorge

F383m

Ferreira, Jonathan Martins.

À margem da “palavra oficial” [manuscrito] : dissimulação e boatos no

motim de Vila Rica / Jonathan Martins Ferreira. – 2013.

151 f.

Bibliografia: f. 145-151.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Montes Claros -

Unimontes, Programa de Pós-Graduação em História/PPGH, 2013.

Orientador: Prof. Dr. Renato da Silva Dias.

1. Minas setecentistas. 2. Motim – Vila Rica. 3. Dissimulação. 4. Boatos. I.

Dias, Renato da Silva. II. Universidade Estadual de Montes Claros. III. Título.

IV. Título: Dissimulação e boatos no motim de Vila Rica.

Page 4: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

JONATHAN MARTINS FERREIRA

À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: DISSIMULAÇÃO E

BOATOS NO MOTIM DE VILA RICA

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________________

Professor Dr. Renato da Silva Dias – Orientador (UNIMONTES)

________________________________________________________________

Professora Dra. Isnara Pereira Ivo (UESB)

________________________________________________________________

Professora Dra. Carla Maria Junho Anastasia (UNIMONTES)

Data:_____/_____/_____

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS

MONTES CLAROS

Julho/2013

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Ao meu irmão e grande amigo, que

sempre esteve presente, apoiando-me na

elaboração deste trabalho.

Page 6: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Renato da Silva Dias, pela criteriosa orientação e contribuições

indispensáveis ao desenvolvimento desta dissertação, além do empréstimo de livros e na

cessão de documentos sobre o Motim de Vila Rica, sem os quais seria impossível a

realização desta pesquisa. Agradeço, ainda, pelos cursos de Paleografia que ministrou,

no qual nos detivemos no estudo e transcrição de documentos do século XVIII,

conhecimento este valiosíssimo para minha formação e para transcrição paleográfica.

Ao professor Renato, meus sinceros agradecimentos.

Às professoras Dra. Carla Maria Junho Anastasia e Dra. Jeaneth Xavier de

Araújo Dias, que em minha banca de qualificação deram contribuições e apontamentos

relevantes para a redação final desta pesquisa. Agradeço, também, a todo o corpo

docente do Programa de Pós-Graduação em História (strictu sensu), da Universidade

Estadual de Montes Claros, que muito contribuiu para a minha formação intelectual.

Mais uma vez, agradeço à professora Dra. Carla Maria Junho Anastasia e

também à professora Dra. Isnara Pereira Ivo por terem aceitado o convite para

participarem da banca de defesa desta pesquisa.

A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior),

pela bolsa de estudos concedida durante dois anos. Apoio financeiro valiosíssimo.

A Roseli Aparecida Damaso Messias Garcia, Diretora da Biblioteca

Universitária da Universidade Estadual de Montes Claros, pelo profissionalismo e

coleguismo na indicação e empréstimo de materiais.

Aos familiares, em especial, aos meus pais, Sebastião e Maria, aos meus irmãos,

Jones e Priscilla, e a minha prima, Miley Guimarães, pelo grandioso apoio.

Aos meus colegas de curso e amigos, Anna Isabel, Cynara Soares, Karine Dias,

Leila Cordeiro, Luís Santiago, Marcos Wagner, Maria Marta, Nília Oliveira, Susi Karla

e Thiago Ferreira, que sempre que possível me ajudaram e pelos quais tenho profunda

gratidão. Agradeço, ainda, aos discentes Gustavo Ramos e Jorge Luiz, pelo auxílio na

transcrição de alguns documentos.

A Deus, sempre.

Page 7: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

As sublevações populares (...) estão destinadas

a não ter qualquer influência na estabilidade

do Estado. Só se tornam perigosas se os

Grandes se servem delas como meio para

atingirem os seus fins.

(Rosario Villari – O rebelde, em “O Homem

Barroco”).

Page 8: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

RESUMO

A presente pesquisa analisa o Motim de 1720 em Vila Rica, enfatizando a reação da

elite local à política centralizadora empreendida pelo conde de Assumar. Observa-se a

presença de um comportamento político fundamentado em valores cuja origem histórica

se remonta à Restauração Portuguesa, de 1640. Nesse sentido, apontamos as ações dos

líderes da revolta de 1720 que, apoiados em tais valores e, no plano local, nas

insatisfações populares resultantes da implantação de novas alterações fiscais,

notadamente o sistema de capitação e implantação das Casas de Fundição, passaram a

defender seus interesses políticos na região buscando, ocultamente, tramar a expulsão

do governador das Minas, acusando-o de ser um governante injusto e tirânico. Diante

disso, esta pesquisa busca evidenciar a importância do recurso à dissimulação, e a um de

seus elementos mais candentes, os boatos, como estratégias de ação política utilizada

pelos líderes rebeldes – elemento ainda pouco explorado pela historiografia.

PALAVRAS-CHAVE: Minas Setecentistas, Motim, Dissimulação, Boatos.

Page 9: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

ABSTRACT

This research analyzes the Villa Rica Riot in 1720, emphasizing the local elite's reaction

to the centralizing policy undertaken by the Earl of Assumar. The presence of a political

behavior based on values whose historical origin goes back to the Portuguese

Restoration of 1640 may be observed. Accordingly, we point out the riot leaders’

actions in 1720 that supported in such values and at local level, in popular

dissatisfaction resulting from the implementation of new tax changes, notably the

capitation and implementation system of Foundry Houses began to defend their political

interests in the region secretly seeking to plot the expulsion of Minas governor accusing

him of being a tyrannical and unjust ruler. Thus, this research aims to highlight the

importance of the use of concealment and one of its most important elements, the

rumors, as political action strategies used by rebel leaders - element still not explored by

historiography.

KEYWORDS: Minas eighteenth century, Riot, Concealment, Rumors.

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LISTA DE SIGLAS

APM – Arquivo Público Mineiro

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

CMM – Câmara Municipal de Mariana

RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro

SC – Seção Colonial do Arquivo Público Mineiro [Secretaria de Governo]

Page 11: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................

11

CAPÍTULO 1 – MOTINS DO SÉCULO XVIII NA AMÉRICA

PORTUGUESA: NEGOCIAÇÃO, ACOMODAÇÃO E RESISTÊNCIA

POLÍTICA..................................................................................................................

16

1.1 A Restauração de 1640 e os Motins na América Portuguesa................................ 16

1.2 A Administração Colonial: um debate.................................................................. 24

1.3 A Autonomização do Poder nos Trópicos............................................................. 34

1.4 Os Motins do Sertão Mineiro................................................................................ 53

CAPÍTULO 2 – O LEVANTE DE VILA RICA: POLÍTICA INDESEJADA E

FIDELIDADE COLOCADA À PROVA.................................................................

64

2.1 O Barulho do Minerar, Vila Rica de Ouro Preto: uma cidade sem descanso........ 64

2.2 As Razões de Assumar para a Punição aos Revoltosos de 1720........................... 78

CAPÍTULO 3 – À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: A

DISSIMULAÇÃO E O BOATO COMO ESTRATÉGIAS DOS

AMOTINADOS..........................................................................................................

103

3.1 Dissimulação e Boato: o que são?......................................................................... 103

3.2 A Dissimulação e os Boatos no Motim de Vila Rica............................................. 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................

141

REFERÊNCIAS.........................................................................................................

145

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11

INTRODUÇÃO

1720 foi o ano em que ocorreu o Motim de Vila Rica, em Minas Gerais. Esta

revolta foi uma reação da população às novas formas de tributação sobre a produção

mineradora, mais diretamente à instalação das Casas de Fundição, que foram criadas a

mando do rei de Portugal, com o objetivo de impedir a circulação e o contrabando do

ouro em pó, pois traziam prejuízos à arrecadação tributária. Com o funcionamento

destas casas, o ouro em pó seria fundido e transformado em barras de tamanho e peso

oficiais, sendo já cobrados 20 por cento em impostos destinados à Coroa. Alguns

homens poderosos da região, também insatisfeitos com estas novas mudanças fiscais,

responsabilizaram o governador D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, o conde de

Assumar, pelas cobranças abusivas, incitando o povo a participar de motins contra ele,

sob a alegação de que estava agindo injustamente, de maneira tirânica, contra os

princípios do bom governo e do bem comum dos povos das Minas. Estes poderosos

locais aproveitaram-se desse clima de desassossego geral para dar vazão aos seus

interesses de assumir o mando na região, considerando que se encontravam

descontentes com a política centralizadora do conde, que estava alinhada aos interesses

da monarquia portuguesa.

A princípio, o governador, sem força militar suficiente para debelar o

movimento, tentou negociar com os revoltosos, prometendo atender a todas as suas

reinvindicações, não só concedendo o perdão aos envolvidos, como também

suspendendo temporariamente a instalação das Casas de Fundição. Com estas

concessões, ele esperava evitar que o povo apoiasse a causa rebelde, ao passo que estava

ciente de que os líderes ambicionavam mesmo era sua saída do governo. Assumar, em

carta enviada ao rei de Portugal, acusava Pascoal da Silva Guimarães, Sebastião da

Veiga Cabral, Manuel Mosqueira da Roza, dentre outros, de serem infiéis e

dissimulados, pois fingiam o tempo todo apoiá-lo quando, na verdade, agiam

ocultamente na liderança dos motins e na divulgação de boatos maledicentes contra sua

honra, a fim de exaltar os ânimos das camadas mais baixas da população contra sua

autoridade. Diante da continuação dos tumultos e da dificuldade de negociar uma

solução pacífica, o governador mandou prender os líderes do Motim, cabendo ao

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amotinado Filipe dos Santos, um subordinado de Pascoal da Silva Guimarães, o castigo

mais severo: a execução sumária por enforcamento.

Esse cenário sedicioso remontava a um movimento social ocorrido em Portugal

no ano de 1640, a Restauração Portuguesa, que lançou as bases de um comportamento

político de contestação a governos considerados tirânicos. Esta revolta se deveu ao

desrespeito do rei da Espanha, Filipe IV, ao cumprimento de acordos estabelecidos com

os portugueses durante a União Ibérica em 1580. Em Portugal, o monarca espanhol foi

considerado um mau governante, por impor tributos pesados aos portugueses, envolvê-

los em guerras que não lhes diziam respeito, nomear espanhóis para os principais cargos

do governo local, enfim, por agir injustamente contra os direitos e privilégios dos

súditos lusitanos. Descontentes, estes aclamaram D. João IV rei de Portugal, livrando-se

do domínio espanhol e dando início à dinastia de Bragança.

No Motim de 1720, o que se viu foi uma retomada desses valores que, guardadas

as proporções, vieram se manifestar nas relações estabelecidas entre os moradores das

Minas e os agentes da Coroa portuguesa, os quais poderiam ser depostos de seus cargos,

caso fossem considerados déspotas ao atentar contra a justiça e o bem comum dos

povos. Pode-se notar, portanto, que esta revolta, ocorrida no território de Minas Gerais,

reproduziu a noção de direito natural que os povos acreditavam possuir, que lhes

garantia o direito de resistir contra a opressão dos governantes locais, considerados

tirânicos e injustos, similarmente aos ideais defendidos pelos portugueses revoltosos de

1640 (FIGUEIREDO, 2007).

Nesse sentido, a presente pesquisa tem por objetivo analisar o Motim de 1720,

em Vila Rica, como movimento reativo às políticas centralizadoras implantadas pela

administração portuguesa na região das Minas; sobretudo, enfatizando a insatisfação das

elites, com a redução de sua influência política, em face da intensificação do poder real.

Tal insatisfação, vale ressaltar, era, contudo, direcionada aos agentes da Coroa,

considerados tirânicos e injustos, ao passo que a figura e a autoridade do rei não foram

questionadas. Ninguém desejava entrar em atrito com o soberano. Deste modo, o

aspecto central a ser analisado nesta pesquisa é o recurso à dissimulação e aos boatos, 1)

como estratégias de ação adotadas pelos líderes da revolta, no sentido de encobrir a sua

participação nos motins sediciosos, temerosos de alguma punição; 2) como mecanismos

de ação política, que procuravam atender aos anseios de uma parcela da elite local, que

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se via, paulatinamente, acuada pelo avanço do poder central sentido, sobretudo, nas

novas formas de fiscalização da atividade mineradora, bem como no impulso

centralizador da política de Assumar.

O texto é resultado do diálogo que estabeleci entre o objeto de pesquisa e os

vários matizes teóricos desenvolvidos sobre a administração portuguesa na América.

Durante as décadas de 1970 e 1980, prevaleceram estudos marcados pela defesa da

concepção do monopólio comercial de Portugal sobre a possessão americana, através de

uma administração centralizada na figura do rei, em que os seus interesses político-

econômicos prevaleciam sobre os dos colonos. Já a historiografia mais recente, cujas

análises se inscrevem a partir da segunda metade da década de 1990, “rompe” com esta

visão, evidenciando que as relações entre o rei e os vassalos no ultramar não eram tão

rígidas e opressivas, marcadas também por flexibilidade e negociações, enfatizando a

crescente autonomia das periferias com relação ao poder central. Embora esta última

abordagem possua elementos a serem considerados, neste trabalho partiremos das

análises que enfatizaram o fortalecimento gradual do poder real nos domínios

americanos, sobretudo, para explicar o contexto no qual se deram os motins mineiros

ocorridos na primeira metade do século XVIII, como bem demonstraram Laura de

Mello e Souza, Carla Maria Junho Anastasia, Luciano Figueiredo, dentre outros autores

que, em suas obras, exploraram a existência de conflitos entre a esfera privada e pública

no Brasil colonial.

Nosso corpus documental se constitui de cartas, ordens régias, bandos, avisos e

outros documentos trocados entre o governador D. Pedro Miguel de Almeida Portugal,

o conde de Assumar, e outros agentes administrativos da Coroa. Utilizamos, ainda,

como material de apoio, os trabalhos de natureza bibliográfica, como artigos, capítulos,

livros, dissertações e teses de doutorado, que nos permitirão compreender os entornos

da pesquisa. Consultamos fontes manuscritas da Secretaria de Governo do Arquivo

Público Mineiro e documentos do Arquivo Histórico Ultramarino. Além disso,

trabalhamos com as seguintes fontes impressas: o Discurso Histórico e Político sobre a

Sublevação que nas Minas houve no ano de 1720; o Códice Costa Matoso; a Revista do

Arquivo Público Mineiro e o Código Filipino ou Ordenações e Leis do Reino de

Portugal.

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No primeiro capítulo, intitulado “Motins do século XVIII na América

Portuguesa: negociação, acomodação e resistência política”, o objetivo foi analisar a

historiografia que trata de alguns dos motins ocorridos na primeira metade dos

setecentos. Avaliamos, através do recurso à bibliografia, alguns motins ocorridos não só

na região das Minas, mas que possuíram alguma relevância para o desenvolvimento do

quadro geral que se instalou posteriormente em Vila Rica, que tomava como matriz

ideias e práticas políticas originadas em Portugal, sobretudo a partir do movimento da

Restauração Dinástica de 1640, que defendiam que os povos tinham o direito natural de

resistir ou mesmo matar o governante que fosse considerado injusto e cruel. Outro

elemento abordado nesta pesquisa foi o sistema de mercês, que se caracterizava

basicamente por uma relação de reciprocidade e por pactos entre os vassalos e o

soberano. Este exercia o monopólio da estruturação e hierarquização social e

institucional, através da atribuição de benefícios materiais, cargos políticos, honras e

distinções, regulando o espaço social no reino e nas possessões ultramarinas. Aqueles,

por sua vez, através da prestação de serviços em favor do soberano, conseguiam em

troca privilégios de vários tipos, que lhes davam, além do prestígio social, vantagens

financeiras. Deste modo, a mobilidade social estava condicionada à prestação de

serviços ao rei, o que reforçava o poder monárquico. Todavia, embora o sistema de

mercês tivesse reforçado os laços de lealdade dos vassalos no ultramar para com o reino

lusitano, também deu condições para a geração e reprodução de uma elite local com

interesses próprios, para quem os cargos públicos cedidos pela Coroa eram usados antes

obedecendo aos interesses privados do que para servir ao rei de Portugal propriamente

(BICALHO, 2005; GOUVÊA, 2005; FRAGOSO, 2010).

No segundo capítulo, intitulado “O Levante de Vila Rica: política indesejada e

fidelidade colocada à prova”, objetivamos analisar a estratégia política empreendida por

Assumar na tentativa de controlar a revolta, e as razões que o levaram a rechaçar tão

violentamente os amotinados de 1720. Para tanto, partiremos do Discurso Histórico e

Político Sobre a Sublevação que nas Minas Houve no Ano de 1720, importante

documento escrito ao rei de Portugal cinco dias após o enforcamento de Filipe dos

Santos, cuja autoria é atribuída ao governador das Minas, no qual constavam as razões

que levaram à execução sumária do amotinado. No escrito, Assumar reconhecia que não

lhe competia condenar tão severamente o acusado devido a sua condição de homem

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15

branco e português, ressalvando que o fez por considerar a situação por demais grave,

exigindo uma ação militar rápida, com o intento de inibir novas sublevações e garantir a

ordem e o sossego públicos na região.

O terceiro capítulo, “À Margem da Palavra Oficial: a dissimulação e o boato

como estratégias dos amotinados”, tem como objetivo considerar a atuação daqueles

que contestavam as ações dos agentes administrativos, evidenciando as motivações, as

intenções e os interesses políticos e econômicos em jogo. Enfatizamos a tese de que

havia uma estratégia, adotada pelos líderes da revolta na tentativa de assumir o poder,

que operava a partir do uso da dissimulação, como forma de ocultar suas verdadeiras

intenções, fingindo-se de aliados do governo na busca por informações que

favorecessem a causa rebelde, bem como da divulgação de boatos sediciosos, a fim de

inflamar a população a participar dos tumultos, o que daria uma aparência de

legitimidade as suas ações. Assim, avaliamos a implicação desses mecanismos no

contexto político local, sendo estes um aspecto do Motim de 1720 que ainda se

apresenta pouco estudado, o que justifica a realização da presente Dissertação de

Mestrado.

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1º CAPÍTULO

MOTINS DO SÉCULO XVIII NA AMÉRICA PORTUGUESA: NEGOCIAÇÃO,

ACOMODAÇÃO E RESISTÊNCIA POLÍTICA

1.1 – A Restauração de 1640 e os Motins na América Portuguesa

O governo da América portuguesa não foi uma tarefa fácil. Foi marcado, não

raras vezes, por ameaças externas e internas, como as invasões marítimas estrangeiras e

a eclosão de vários motins por todo o território. A Coroa portuguesa, ciente dessas

ameaças e a fim de resguardar sua soberania nesta região, estabeleceu uma nova política

de ação em que a cautela e a prudência passaram a ser atributos necessários ao exercício

do governo local. Os motins ocorridos na conquista americana, sobretudo na primeira

metade do século XVIII, tinham como característica fundamental o levantamento de

grupos locais contra as autoridades públicas instituídas, no intuito de defenderem

prerrogativas comuns aos que habitavam a região, como também os interesses políticos

de alguns setores da sociedade, que agiam no sentido de preservarem a autonomia e o

mando local. Nesse cenário inseriram-se, por exemplo, os motins resultantes das

invasões francesas do Rio de Janeiro (Duclerc, 1710; Duguay-Trouin, 1711), a Guerra

dos Mascates em Pernambuco (1709-1711), bem como a Guerra dos Emboabas (1707-

1709), a Revolta de Vila Rica (1720) e os motins do Sertão do São Francisco (1736),

ocorridos em Minas Gerais. Esse ambiente sedicioso, contudo, remontava a valores

políticos presentes no movimento de Restauração Portuguesa, ocorrido em 1640, que

culminou com a separação do reino de Portugal dos domínios espanhóis e estabeleceu

novos paradigmas de ação política que mais tarde, como veremos, ressoariam até os

domínios ultramarinos portugueses. Segundo Luciano Figueiredo:

As formulações políticas que pavimentaram o caminho para que o reino de

Portugal rompesse com a soberania espanhola e desse fim à União Ibérica

(1580-1640), mantendo o respeito aos direitos sem implodir o edifício da

monarquia, vazariam para a América. Ali contaminariam as bases das

relações entre a Coroa e os seus moradores ultramarinos (FIGUEIREDO,

2007, p. 254).

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17

Ainda segundo o autor, as reformas adotadas pela Espanha, que elevaram os

impostos em Portugal, foram intensamente criticadas pelos nobres e pela Igreja

alegando que tais reformas eram injustas e autoritárias e que elas não levavam em

consideração os direitos, privilégios e autonomias políticas que estes grupos tradicionais

asseguravam possuir, quando da união das duas Coroas, em 1580. Nesse sentido, os

portugueses foram, gradativamente, convertendo e canalizando tais insatisfações em

uma luta pela restauração dinástica. Para Figueiredo, “o princípio do bem comum que

os reis deveriam respeitar, a fim de equilibrar uma comunidade harmônica, virtuosa e

cristã, é aqui sumamente valorizado” (FIGUEIREDO, 2007, p. 254). Nos motins, o que

se vê é um tipo de retomada desse pensamento que, guardadas as proporções, veio se

manifestar nas relações estabelecidas entre os súditos americanos e os agentes régios, os

quais eram, na maioria dos casos, acusados de proceder de maneira injusta contra o bem

comum dos povos que, deve-se ressaltar, não se pautava apenas pela legislação oficial,

mas também na defesa de direitos baseados nos costumes.

Nas colônias ressoaria o eco dessa ideologia, validada para outros níveis de

governo. Nunca mais governantes puderam dispor de poderes sem respeitar

as autonomias locais ou os direitos dos súditos. Especialmente no império

colonial português a lição foi bem apreendida. Desde 1640 até os anos finais

da década de 80, pelo menos uma dezena de insurreições estala nas costas da

América, da África e da Ásia contra os representantes régios

(FIGUEIREDO, 2007, p. 254).

Como se pode notar, alguns motins ocorridos na América portuguesa, abordados

nesta pesquisa, aparentemente inspiraram-se no próprio movimento que restaurou a

independência portuguesa. Este se deveu ao desrespeito do rei de Castela ao

cumprimento de acordos estabelecidos com os portugueses durante a União Ibérica.

Nesta época, o trono lusitano fora assumido por Filipe II que, objetivando controlar as

revoltas em Portugal, garantiu aos naturais da terra a permanência da sua moeda, língua,

leis e o direito aos principais cargos públicos, de acordo com o Estatuto de Tomar, feito

em 1581. Passados alguns anos, a estabilidade no reino ibérico foi comprometida pelo

envolvimento da Espanha na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648),1 o que acentuou um

1 Nome do grande conflito desencadeado no século XVII (1618), assim denominado porque o seu

principal episódio – a guerra da Alemanha – durou 30 anos consecutivos. Na realidade, porém, a guerra

durou mais tempo, pois outros países se envolveram nas hostilidades, só encerradas em 1660, após 42

anos de luta, que teve como causa predominante o antagonismo entre católicos e protestantes

(AZEVEDO, 1999, p. 224).

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18

processo centralizador nos domínios lusitanos, com a elevação dos impostos e o

desrespeito a algumas daquelas garantias, principalmente, de ordem econômica e

administrativa. Tais medidas da monarquia espanhola provocaram vários motins

populares nas cidades de Arcozelo, Viana do Castelo, Vila Real, Porto, Lisboa e Évora,

cujas rebeliões se espalharam por todo o Algarve e pelo Alentejo, lideradas pela nobreza

com o apoio popular e dos padres jesuítas, obtendo êxito somente em 1668, quando a

Espanha reconheceu definitivamente a independência portuguesa. A deposição de Filipe

IV e a aclamação de D. João IV ao trono português, dando início à dinastia de

Bragança, foram justificadas pelos participantes da restauração recorrendo a um

tradicional argumento de origem escolástica: os povos tinham o direito natural de

deporem reis considerados tirânicos, que atentavam contra a justiça e o bem comum.

Em Portugal, o rei espanhol foi considerado déspota por impor tributos pesados aos

portugueses, por envolvê-los em guerras que não lhes diziam respeito, por não dar apoio

às conquistas ultramarinas portuguesas atacadas por inimigos espanhóis, por nomear

pessoas indesejadas para governo local, enfim, por agir injustamente contra os direitos e

privilégios dos súditos lusitanos (MONTEIRO, 2002).

Além disso, a Restauração de 1640 não foi uma revolta nacional pela

independência de Portugal, mesmo porque nem todos os setores da sociedade lusa

aderiram à causa. Houve nobres, clérigos, letrados e burgueses que se mantiveram fiéis

ao príncipe espanhol, fosse em defesa de interesses pessoais adquiridos com esta aliança

ou por duvidarem do sucesso da rebelião. Ou seja, este movimento não foi uma luta de

portugueses contra os espanhóis. Pelo contrário, as redes de alianças clientelísticas que

lutaram a favor ou contra o movimento restaurador em Portugal dependeram, na

verdade, das fidelidades grupais e dos interesses particulares em jogo, não se

configurando em uma ação patriótica dos envolvidos. Assim, a Restauração Portuguesa

não se deu a favor da independência, mas sim do estabelecimento do bom governo, da

justiça e do cumprimento de acordos que garantissem privilégios e poderes de setores

tradicionais da sociedade lusitana (MONTEIRO, 2002).

Na América, a preservação da autoridade régia implicaria também o

reconhecimento de certos poderes tradicionais locais, como forma de evitar rebeliões

que poderiam colocar em xeque a soberania lusitana na região. As justificativas da

eclosão dos motins americanos eram similares aos ideais defendidos pelos revoltosos de

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1640. Igualmente, os povos da América consideravam ter o direito natural de depor os

maus governantes na defesa do bem comum, do bom governo, dos costumes e dos

privilégios políticos locais, e “isso denota a existência de um universo mental e político

comum no reino e no ultramar americano” (MONTEIRO, 2002, p. 331).

A Revolta na Catalunha, em 1640, foi outro movimento insurgente contra a

política centralizadora da Espanha. Este levante se deu em virtude da insatisfação da

nobreza local com a perda do espaço na vida pública, além do mais acusavam o rei de

ser tirânico e negligente em relação aos problemas que assolavam a população, como a

fome, a epidemia, as guerras e a elevação dos impostos. O movimento, que contou com

o apoio da França, culminou na declaração de independência do território catalão no ano

de 1641. Esta revolta como a de Portugal transformaram em valor positivo a resistência

contra a tirania. Nesse sentido:

O risco à fidelidade não parece circunstância distante da América

portuguesa. Homens de seu tempo, os atilados governadores e conselheiros

sentiram sua ameaça, expressa nas referências que aproximavam as

contestações no Brasil ao caso recente na Catalunha. A revolta do Rio de

Janeiro de 1660, a primeira depois da Restauração de 1640 em que se assiste

ao controle de um governo local por súditos sublevados que depuseram a

autoridade acusada de tirania, foi associada ao que se passou na Catalunha

contra o domínio espanhol. Afirmou uma das autoridades atacadas que pelos

mais exemplos de Catalunha se pode temer semelhantes desordens em

gentes de poucas obrigações, movidos de desesperação ou do temor. Outra

ocasião em que isto ocorreu foi em Minas Gerais nos idos de 1720. O Conde

de Assumar admitiu ter sido aquela uma conspiração mui semelhante à da

Catalunha (FIGUEIREDO, 2009, p. 248).

Os motins ocorridos no território de Minas Gerais, na primeira metade do século

XVIII, embora não tivessem caráter separatista, reproduziram o exemplo de resistência

à opressão dos governantes locais, considerados tirânicos, e da insatisfação das

populações com as mudanças na política reguladora do governo de Portugal. Tais

mudanças deram-se em função da descoberta do ouro na região das Minas e da nova

configuração social e política que este fato desencadeou.

A disseminação das descobertas auríferas em Minas Gerais determinou a rapidez

e a larga ocupação do território. O metal precioso, sem dúvida, foi fator determinante

para o intenso fluxo migratório para aquela região, tornando-a, em pouco tempo, a mais

populosa capitania da América portuguesa. A riqueza decorrente dos veeiros de ouro

Page 21: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

20

levaria a Coroa a implantar a máquina administrativa e fiscal na região. André João

Antonil faz a seguinte descrição sobre o enorme afluxo de pessoas para as minas:

Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para

passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão

brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se servem. A

mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e

velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de

diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa

(ANTONIL, 1982, p. 167).

A corrida ao ouro, com o intenso deslocamento de pessoas de todos os cantos e

de outras regiões do Brasil para os sertões das Minas provocou, com o decorrer do

tempo, atritos entre paulistas – que, por terem sido os pioneiros na descoberta do ouro,

acreditavam-se donos das minas – e os recém-chegados, apelidados, pejorativamente, de

emboabas,2 referindo-se aos portugueses, que disputavam também a posse das minas

auríferas. A aversão se estendia igualmente aos povos de outras regiões. Esta rivalidade

entre paulistas e “forasteiros” resultou na Guerra dos Emboabas (1708-1709). Houve

entre estes dois grupos uma intensa disputa, que só teria fim com a intervenção do

governador do Rio de Janeiro, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, que veio

de Portugal com instruções especiais para apaziguar a área mineradora. O rei, visando

pôr fim às desordens e estabelecer uma verdadeira autoridade na região, criou por

decreto, em 9 de novembro de 1709, a “Capitania de São Paulo e Minas do Ouro”,

separando-a da jurisdição do Rio de Janeiro, e nomeando Antônio de Albuquerque o

primeiro governador (MATTOS, 1981).

Nos primeiros anos de ocupação da área mineradora, o poder político do Estado

português não teve uma presença marcante na região. Com a descoberta do ouro, a

primeira medida tomada foi estabelecer normas para a arrecadação tributária sobre a

produção aurífera. Foi só a partir da intervenção na Guerra dos Emboabas que a Coroa

2 Emboabas, segundo Capistrano de Abreu, era uma das designações dos reinóis na língua geral. Termo

muito utilizado pelos paulistas no sertão da Bahia e de Minas Gerais para designar todos os que vinham

de fora, acabou por designar a guerra civil travada entre paulistas e os grupos recém-chegados à região

das Minas, entre 1707 e 1709. Com a descoberta de ouro pelos paulistas, no final do século XVII, um

número muito grande de aventureiros passou a circular em Minas em busca de enriquecimento rápido,

oriundos de Portugal e de diversas outras capitanias, sobretudo da Bahia. Fala-se em uma população de

cerca de 30 mil pessoas na região, no início do século XVIII. Ao contrário do que se afirma outrora, a

Guerra dos Emboabas não configurou uma “revolta nativista” expressa no conflito entre os paulistas,

desbravadores das Minas, e os “estrangeiros” ou portugueses. Tratou-se, na verdade, de uma luta muito

específica pelo poder, terras e ouro na nascente Minas Gerais (VAINFAS, 2001, p. 270-272).

Page 22: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

21

resolveu instaurar um controle político e administrativo efetivo naquela região. Isso

significou, entre outras medidas, a elevação, entre os anos de 1711 e 1715, de vários

povoados à categoria de vila, de forma a permitir a disseminação da máquina

administrativa. Em 1711, tornaram-se vilas: a Vila Rica de Ouro Preto, a Vila Real do

Ribeirão do Carmo (Mariana) e a Vila Real de Nossa Senhora da Conceição (Sabará).

No ano de 1713, recebeu esta designação a Vila de São João del Rei; em 1714, foi a vez

da Vila Nova da Rainha (Caeté) e a Vila do Príncipe (Serro) e, em 1715, Vila de Nossa

Senhora da Piedade de Pitangui. Além disso, no ano de 1714, no governo de D. Braz

Balthazar da Silveira, foram criadas, pela provisão de seis de abril de 1714, as três

primeiras comarcas da capitania: a de Ouro Preto, com sede em Vila Rica; a do Rio das

Velhas com sede em Sabará, e a do Rio das Mortes, com sede em São João del Rei.

Anos mais tarde, foi criada a comarca do Serro Frio, com sede em Vila do Príncipe, pela

provisão de 17 de fevereiro de 1720. Também no ano de 1720 promoveu-se a separação

da capitania das Minas do Ouro da de São Paulo, a fim de garantir a ordem nas áreas de

mineração e a eficácia na arrecadação tributária do ouro (ANASTASIA, 2005).

O governo português viu com bons olhos esse rush para os sertões das Gerais,

porque quanto mais gente houvesse nas minas lavrando ouro, maior seria a arrecadação

dos quintos. Nesse sentido, o governo luso procurou facilitar o acesso às jazidas

auríferas, abrindo novos caminhos que conduzissem ao planalto mineiro, facilitando a

passagem pelos rios com a disponibilização de barcas para os passageiros, ordenando o

plantio de roças nos caminhos que conduzissem às minas, determinando o

estabelecimento de estalagens, enfim, medidas estas que visavam a favorecer o

povoamento daquela região. Entretanto, em pouco tempo, esse movimento se

transformou em calamidade pública, tendo em vista o surgimento do perigo de

despovoamento do reino e de outras regiões da América. Desde que esta situação

alarmante se evidenciou, a Coroa passou a proibir e restringir o deslocamento de

emigrantes para aquelas paragens. Além dessa medida, que dificultava o acesso, outras

foram tomadas, como a proibição da abertura de novos caminhos e picadas e a ordem de

expulsão dos estrangeiros, dos padres que não tivessem convento nas minas, dos

ourives, mascates, mendigos e vadios que se concentravam em torno das lavras, no

intuito de diminuir a população. Estas restrições, no entanto, não conseguiram impedir o

fluxo de pessoas que corriam para as lavras auríferas, única e exclusivamente por causa

Page 23: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

22

do ouro. O vertiginoso deslocamento de pessoas para a região das Minas, no final do

século XVII, é explicado em parte pelas dificuldades pelas quais passava a economia

açucareira nordestina, após a expulsão dos holandeses, pelo empobrecimento do reino

português e, principalmente, pela oportunidade que representava a mineração do ouro,

facilmente extraído de depósitos de aluvião, o que permitia a qualquer indivíduo sem

recursos extrai-lo (ZEMELLA, 1990; ANASTASIA, 2005).

O impacto econômico e demográfico das novas descobertas do ouro representou,

contudo, sérias ameaças às regiões costeiras do Nordeste, o que exigiu medidas

intensas. Durante toda a metade do século XVIII, as câmaras das cidades e vilas

daquelas regiões atribuíram todos os seus infortúnios à mineração. Uma das queixas

principais era que as zonas auríferas seduziam os homens brancos e pretos livres,

afastando-os do cultivo da cana, do tabaco ou da mandioca, em busca do

enriquecimento na mineração. Outro problema em relação às descobertas do ouro foi o

aumento dos preços dos gêneros alimentícios e sua maior oferta para as regiões mineiras

em detrimento do litoral nordestino, que diante da incapacidade de enfrentar esse

aumento de custo, via os produtos de primeira necessidade serem remetidos para as

Minas. A Coroa portuguesa, por seu turno, com vistas a proteger a região açucareira

editou uma série de medidas: em 1701, a Coroa proibiu a comercialização e o transporte

de gados ou gêneros alimentícios da Bahia para as Minas. A insuficiência de

funcionários associada à impossibilidade de patrulhar extensas áreas restringiu a

eficácia de tais ordens; em 1704, a Coroa proibiu que os comerciantes reexportassem,

da Bahia para o interior dos sertões, produtos importados de Portugal. Essas restrições

foram igualmente ineficazes. A sedução de lucros maiores com as vendas na zona

mineradora era estímulo suficiente para burlar tais ordens (RUSSELL-WOOD, 2004).

O abastecimento da capitania de Minas Gerais com gêneros alimentícios e

artigos em geral era uma das maiores preocupações do governo, uma vez que os

mercadores que vendiam seus produtos naquela região recebiam o pagamento em ouro

em pó, não repassando a quinta parte a Sua Majestade. Esta prática era vista pelas

autoridades régias como uma forma de fraudar os direitos da Coroa. Todavia, os

mesmos não poderiam revogar terminalmente esses negócios, pois eram indispensáveis

à manutenção dos que trabalhavam nas zonas auríferas. Contudo, apesar de não poder

evitar a introdução do comércio nestas regiões, já que prejudicava os interesses

Page 24: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

23

econômicos de Portugal, implantou-se uma maior vigilância, cabendo ao

superintendente das minas e ao guarda-mor a responsabilidade de fiscalizar e punir os

mercadores que descaminhassem os quintos. Assim:

Já no artigo XIV do regimento de 19 de abril de 1702 procurara acautelar-se

Sua Majestade contra os riscos que podiam seguir-se do negócio dos gados

vendidos nas Minas. Porque, diz o legislador, “como o que se vende é o

troco de ouro em pó, toda aquela quantia se há de desencaminhar, e porque

esta matéria é de tão danosa consequência, é preciso que neste particular haja

toda cautela”. Previne-se assim às autoridades responsáveis que, tendo

notícia da chegada às Minas de algum gado, façam os condutores dar entrada

de todas as reses, sujeitando-se os que as ocultarem a pagar o seu valor

“anoveado” (isto é, multiplicado por nove) e ainda a ser presos e castigados

com as penas impostas aos que descaminham a Fazenda de Sua Majestade.

O superintendente há de informar-se, além disso, do preço por que for

vendido o dito gado, para que se paguem nessa base os quintos de ouro

dispendido, salvo se o ouro já estiver quintado (HOLANDA, 1982, p. 278-

279).

As lojas, vendas e as negras de tabuleiro também exerciam papel fundamental no

abastecimento das zonas mineiras. As negras ambulantes que iam até os morros onde se

minerava vender comestíveis e bebidas, também foram alvo da legislação repressiva

durante todo o século XVIII, acusadas de serem a causa principal dos desvios de ouro e

diamantes, de provocar conflitos e desordens e de embebedar os escravos. No entanto,

as autoridades portuguesas não as impediam de ter suas vendas e quitandas nos centros

urbanos ou de vender mercadorias em locais permitidos pelas câmaras. Havia também

as lojas, estabelecimentos de maior porte que se situavam principalmente no centro das

vilas, e as vendas, estabelecimentos menores, localizadas geralmente na periferia. A

preocupação das autoridades era maior com as vendas que podiam facilmente servir de

esconderijos para escravos fugidos. Além disso, eram considerados espaços que

propiciavam brigas, mortes e contrabando. Esses tipos de situação foram, sem dúvida,

as principais fontes das preocupações das autoridades quanto a este comércio, o que não

significava que esses estabelecimentos não pudessem funcionar nos locais permitidos e

que não fosse do interesse das próprias autoridades mantê-los em funcionamento

(SILVA, 2007).

O governo de Portugal, através de sua política imperial, objetivava canalizar as

rendas geradas com a exploração do ouro das Minas para Portugal. Em razão disso, a

administração desenvolvida na época da descoberta do ouro foi marcada pelo arrocho

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fiscal, exemplificado principalmente pela cobrança do quinto sobre a produção

mineradora. Assim, a legislação nas minas auríferas, na primeira metade do século

XVIII, tornou-se, gradativamente, mais rigorosa, ocasionando insatisfação por parte dos

moradores. Isto se deveu ao fato de estas cobranças serem malquistas por eles, por

considerarem-nas danosas aos seus ganhos. Logo, a crescente centralização política e o

aumento dos impostos sobre a produção mineradora geraram insatisfações em todas as

camadas sociais, que resultaram em revoltas por todo o território mineiro. Como

exemplos disso, irromperam os motins de 1720, em Vila Rica, e de 1736, no noroeste de

Minas Gerais.

1.2 – A Administração Colonial: um debate

No Brasil, a partir de meados da década de 1990, intensificou-se o interesse pelo

estudo da história da administração portuguesa na América. Esses novos estudos

reveem com desconfiança certas premissas teóricas até então prevalecentes, que

analisaram a ocupação e povoamento da América portuguesa a partir da lógica externa,

focada no mundo europeu, não levando em consideração a dinâmica interna própria das

sociedades coloniais. Além disso, elas baseavam-se em conceitos dicotômicos, que

colocam em lados opostos metrópole (centro de decisão) e colônia (território

subordinado), em que os interesses econômicos e políticos da primeira prevaleciam e

ditavam as relações construídas entre os dois pólos.

Maria de Fátima Gouvêa destaca que em meados dos anos de 1980 a produção

historiográfica no campo da história política e do poder do Império Hispano-americano

se apresentava marcada pela preocupação com o desenvolvimento de estudos sobre a

organização de determinados grupos, destacando seus interesses regionais e levando em

consideração a dinâmica interna da sociedade colonial. Desse modo, passou-se a

relativizar o peso, quase que exclusivo, do papel econômico e político desempenhado

pela Espanha, bem como do sistema colonial, no processo de formação das sociedades

hispano-americanas. Os historiadores passaram a destacar as relações de negociação

entre os diversos grupos locais nas Américas e a administração régia, como forma de

Page 26: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

25

assegurar o exercício da autoridade real, bem como a soberania espanhola na América.

Segundo a autora:

A negociação política havia desempenhado papel preponderante nas

acomodações suscitadas entre os diversos grupos que compunham a

sociedade colonial, por intermédio da ação da administração régia através do

exercício de sua autoridade em amplo senso (GOUVÊA, 2005, p. 69).

Desta forma, a garantia da soberania imperial espanhola na América dependeu,

não raras vezes, da capacidade do rei de negociar com as forças centrífugas locais, caso

contrário, poderia colocar em risco seu poder político nestas terras tão distantes do

reino.

Gouvêa evidenciou, ainda, o impacto dessa abordagem na historiografia

brasileira em importantes dissertações e teses de pós-graduação nas décadas de 1980 e

de 1990. Para a autora, a constituição de hierarquias sociais e de redes imperiais tem

sido enfatizada como elemento importante na formação das sociedades coloniais que

integraram parte do Império Português. O rei era o ponto de referência jurídico-

institucional na organização hierárquica desta sociedade. Isso se fundamentou na sua

centralidade e no seu poder de reconhecer e atestar a autoridade dos diversos grupos

sociais nos trópicos, através da concessão de cargos administrativos, bens materiais,

honras e mercês. Os vínculos estabelecidos entre o soberano e os vassalos na América

se materializaram segundo práticas culturais e políticas características das sociedades

europeias de Antigo Regime. Deste modo, o processo de organização política e social

da América foi marcado por uma forte identificação com os valores culturais e políticos

europeus trazidos pelos portugueses que então passaram a viver nestas terras. Nesse

processo de renovação historiográfica, portanto, passou-se a questionar certas noções

clássicas sobre a história das Américas, como a de “exclusivo metropolitano” e a de

“pacto colonial”. O processo de constituição das sociedades ibero-americanas seria

analisado a partir de uma lógica interna, que desconsidera a polarização simplista entre

colônia e metrópole. (GOUVÊA, 2005).

A formação política do Império Português baseou-se na transposição do modelo

jurídico e administrativo do reino para as diversas possessões ultramarinas. Padroado,

instituições camarárias, governadores, ouvidores e capitanias hereditárias foram alguns

dos principais componentes acionados pela Coroa no processo de estruturação e

Page 27: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

26

organização de seu governo sobre estas terras em expansão. As câmaras, por exemplo,

espaços de poder e formação das elites locais, criadas em diferentes partes da América,

eram locais de negociação dos interesses privados com os interesses régios, bem como

um importante canal de comunicação direta com o rei. A ocupação destes cargos

camarários era conseguida através da prestação de serviços à Coroa, responsável por

conceder tal privilégio. Reforçava-se, dessa maneira, a centralidade régia na

organização dos espaços públicos de exercício de poder e de governança por todo o

império ultramarino português. Deste modo:

A expansão ultramarina portuguesa resultou na progressiva conquista de

territórios, concorrendo para que a Coroa passasse a atribuir ofícios e cargos

civis, militares e eclesiásticos aos indivíduos encarregados do governo

nessas novas áreas. Passava também a Coroa a conceder privilégios

comerciais a indivíduos e grupos associados ao processo de expansão em

curso. Tais concessões acabaram por se constituir no desdobramento de uma

cadeia de poder e de redes de hierarquia que se estendiam desde o reino,

dinamizando ainda mais a progressiva ampliação dos interesses

metropolitanos, ao mesmo tempo que estabelecia vínculos estratégicos com

os vassalos no ultramar. Materializava-se, assim, uma dada noção de pacto e

soberania, caracterizada por valores e práticas tipicamente de Antigo

Regime, ou, dito de outra forma, por uma economia política de privilégios

(GOUVÊA, 2010, p. 288).3

Logo, a organização/hierarquização social e política na América portuguesa foi

gerida aos moldes das velhas práticas culturais e políticas de Antigo Regime, segundo

as quais o rei concedia cargos públicos, privilégios e mercês àqueles que, com seu

cabedal, prestavam serviços à Coroa, bem como assumiam o compromisso de fidelidade

para com ele.

Maria Fernanda Bicalho também rejeita esta perspectiva dualista. Para ela, o

pacto político consistia na exigência, por parte dos colonizadores e primeiros

povoadores das diferentes regiões da América, de honras, mercês, isenções, franquias e

a ocupação de cargos públicos ao rei de Portugal, privilégios estes que proporcionariam,

além do status social, o reconhecimento e a premiação por diversos serviços prestados à

Coroa à custa de suas fortunas pessoais. Ao retribuir os feitos dos seus súditos, o

monarca transformava o simples colono em vassalo, vinculando-o à monarquia,

3 Gouvêa define “economia política de privilégios” como sendo uma concessão de privilégios e mercês

em contrapartida à lealdade e aos serviços prestados à Coroa (GOUVÊA, 2010. p. 314).

Page 28: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

27

estreitando os laços e reafirmando o pacto político sobre o qual se criou as bases para o

exercício do poder, do governo e da soberania portuguesa na América. Deste modo:

Se a expansão, desde o século XV, e a conquista do Novo Mundo, a partir do

XVI, abriram um variado leque de possibilidades de prestação de serviços à

monarquia, também agiram no sentido de ampliar o campo de ação da

Coroa, permitindo-lhe dispor de novas terras, ofícios e cargos; atribuir

direitos e privilégios a indivíduos e grupos; auferir rendimentos com base

nos quais concedia tenças e mercês; além de criar uma nova simbologia do

poder, remetendo ao domínio ultramarino da monarquia portuguesa. (...)

Essas novas formas de remunerar e organizar estavam em plena consonância

com as ideias e práticas de Antigo Regime (BICALHO, 2005, p. 22).

Sendo assim, Bicalho chama a atenção para a inconsistência do uso de conceitos

dicotômicos, que põem em lados opostos os interesses da monarquia portuguesa e dos

domínios ultramarinos e que privilegiam a lógica externa em detrimento da análise da

dinâmica interna das relações sociais e políticas, próprias das sociedades coloniais. A

relação entre centro e periferia também envolvia negociações e convergência de

interesses entre o rei e seus vassalos na América, levando ao estabelecimento de um

pacto baseado na relação de reciprocidade “entre dois mundos moldados e unidos por

uma mesma cultura política” (BICALHO, 2005, p. 102).

Estas discussões historiográficas requerem um repensar sobre as obras clássicas

de renomados historiadores, como Raimundo Faoro, Caio Prado Júnior, Fernando

Novais e Laura de Mello e Souza, que também, ao seu tempo, forneceram análises

significativas para o entendimento do processo de formação política, social e econômica

do Brasil. Assim, torna-se necessário considerar estas interpretações, tentando captar as

nuanças e as contribuições que aprofundaram a compreensão sobre a história da

administração portuguesa na América nos tempos coloniais.

Raymundo Faoro, em sua obra Os donos do poder, evidenciou o papel central da

monarquia portuguesa no processo de organização social e política da colônia

americana e sua capacidade de moldar uma estrutura burocrática que sempre

reproduzisse a ordem dominante. Faoro, fortemente influenciado por Max Weber,

ressaltou a influência patrimonialista – indistinção entre o patrimônio público e privado

– e estamental de Portugal na formação da sociedade brasileira desde o período colonial.

O rei estava acima de todas as camadas sociais e o poder público estava concentrado em

suas mãos e de seus aliados. Senhor das terras e dos homens, era o responsável pela

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distribuição de cargos, patentes e privilégios, comandando, inclusive, o curso da

economia, conduzindo-a segundo sua vontade pessoal. Assim:

A propriedade do rei – suas terras e seus tesouros – se confundem nos seus

aspectos público e particular. Rendas e despesas se aplicam, sem

discriminação normativa prévia, nos gastos de família ou em obras e

serviços de utilidade geral. O rei, na verdade, era o senhor de tudo (...)

(FAORO, 1987, p. 8).

Para Faoro, este modelo de administração absolutista característico do reino

lusitano foi transposto com sucesso para as novas terras descobertas, tendo em vista um

Estado que se centralizou cedo e soube submeter com maestria as elites locais. O rei que

por vezes tolerou a rebeldia dos potentados nos sertões “enquanto eram úteis à Coroa”

passou a não mais fazê-lo, atuando no fortalecimento gradual do poder central,

principalmente depois das grandes descobertas de metais preciosos no interior das

Minas. Para isso, contou com a atuação de um corpo de funcionários que, segundo o

autor, era a expressão máxima da vontade do monarca, prolongando inflexivelmente sua

“sombra” nos domínios ultramarinos. “Falar alto e firme ao rei não seria tolerado, em

nenhum momento, expressão criminosa de anarquia” (FAORO, 1987, p. 150). Nesse

sentido:

A política seria, daqui por diante, outra: o governo metropolitano calaria a

insubmissão (...). Acabam as transações, a tolerância e o pedido de favores

em troca de honrarias. O ponto extremo da virada de rumo seria o governo

de uma vocação de déspota, da linhagem dos Albuquerques, o legendário D.

Pedro de Almeida, o futuro Conde de Assumar e Marquês de Alorna, que

inicia seu mandato em Vila Rica, em 1717. (...) [Nas minas] o contexto é um

só, ao norte e ao sul. O agente régio, reinol de nascimento, substitui o

turbulento conquistador, caudilho e potentado. Primeiro, ele o assiste,

ajudado com os seus meios. Depois, o controla, para, finalmente, dominá-lo

e, se necessário, garroteá-lo (FAORO, 1987, p. 162-163).

Dessa maneira, a influência dos potentados na política local foi constantemente

reduzida em função da maior presença do controle burocrático e militar português na

região das Minas. O rei queria súditos, não caudilhos. A revolta de Vila Rica, em 1720,

é representativa desse novo tempo, marcada pela insatisfação de uma parcela da elite

com a perda do espaço na vida pública e militar, resultado da ação centralizadora da

Coroa que, por meio das instituições e dos seus agentes régios, buscava garantir, a todo

custo, a soberania lusa e o fisco na região. O governador em exercício na época, D.

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29

Pedro de Almeida, o conde de Assumar, com o apoio de soldados das tropas de dragões,

recrutados em Portugal, “impôs aos potentados o sentimento de seu declínio. A ordem

se restabelece: a lei é a lei do reino e não a dos sertões” (FAORO, 1987, p. 163). Assim

sendo, em sua obra, Faoro defendeu a ideia do sucesso da imposição da ordem pública e

da eficácia do aparelho burocrático repressivo e fiscalizador na região das Minas, em

que a concentração do poder e da riqueza estava, incontestavelmente, nas mãos do

soberano.

A análise de Caio Prado Júnior sobre a administração colonial, no livro A

formação do Brasil contemporâneo, contudo, diverge da anterior. Este criticou a Coroa

portuguesa pela falta de originalidade na organização administrativa da América,

evidenciando sua incapacidade de criar órgãos diferentes e adaptados às condições

peculiares do novo território. Para o autor, os efeitos mais nefastos da cópia fiel dos

sistemas governativos de Portugal foram os de centralizar o poder e de reunir e

concentrar os funcionários régios nas capitanias e sedes, deixando o resto do domínio

americano praticamente desgovernado e, muitas vezes, distante da autoridade mais

próxima. Órgãos e funções que existiam em um lugar, faltavam em outros, sendo,

portanto, necessária uma divisão do trabalho, pois os agentes régios não poderiam

desenvolver suas funções em toda a conquista simultaneamente. A desorganização

administrativa, a vastidão do território americano e a indefinição dos limites de

jurisdição, não raro, ocasionavam, também, tensões e disputas entre a elite local e

representantes da Coroa pelo exercício das funções públicas. Nesse sentido, sobre a

administração portuguesa na América, Prado Júnior faz a seguinte análise:

A complexidade dos órgãos, a confusão de funções e competência; a

ausência de método e clareza na confecção das leis, a regulamentação

esparsa, desencontrada e contraditória que a caracteriza, acrescida e

complicada por uma verborragia abundante em que não faltam às vezes até

dissertações literárias; o excesso de burocracia dos órgãos centrais em que se

acumula um funcionalismo inútil e numeroso, de caráter mais deliberativo,

enquanto os agentes efetivos, os executores, rareiam; a centralização

administrativa que faz de Lisboa a cabeça pensante única em negócios

passados a centenas de léguas que se percorrem em lentos barcos à vela;

tudo isto (...) não poderia resultar noutra coisa senão naquela monstruosa,

emperrada e ineficiente máquina burocrática que é a administração colonial

(PRADO JÚNIOR, 1999, p. 333).

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30

Assim, para o autor, a máquina burocrática portuguesa transplantada para a

América era marcada pela confusão e pelo lento funcionamento, pela falta de clareza na

confecção das leis e pela complexidade dos órgãos, que favoreciam a indisciplina e a

desobediência de alguns potentados que, distantes dos principais centros e

aproveitando-se da lentidão da aplicação da lei no interior dos sertões, tendiam a exercer

o poder de forma autônoma, escapando a um maior controle político-social dos agentes

da Coroa. Desta forma, à medida que o poder público se afastava dos grandes centros de

decisão, reforçava-se na esfera privada, muito em função dos interesses locais ou da

corrupção, incompetência e inércia de alguns oficiais régios em combater tal prática.

Prado Júnior evidenciou ainda que o “sentido da colonização” na América se

deveu à expansão marítima comercial dos Estados europeus, a partir do século XV. O

pioneirismo de Portugal na expansão ultramarina resultou da sua melhor situação

geográfica no extremo da Península Ibérica, o que o favoreceu no avanço pelo mar,

tendo em vista a busca de novos mercados consumidores e fornecedores de matérias-

primas, além da menor concorrência nesta nova via comercial. Para o autor, a expansão

marítima com a colonização da costa africana e a do Novo Mundo tinha como sentido

norteador o desenvolvimento comercial europeu. A colonização portuguesa na África e

na Índia se deu pelo estabelecimento de simples feitorias, destinadas a comercializar

com os nativos, além de servir de entreposto para as rotas marítimas e os territórios

ocupados. Na América, a ocupação se deu de forma diferente, esta não podia ser feita

apenas com o estabelecimento de simples feitorias, havia de se povoar as terras e

organizar a produção de gêneros que interessassem ao comércio europeu. A própria

estrutura da sociedade colonial, com a instituição da escravidão de nativos e de negros

vindos da África, evidenciava a estratégia de ação de que lançaram mão os países da

Europa, a fim de explorar comercialmente os vastos territórios e riquezas da América.

Assim:

A colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial,

mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que

ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em

proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização

tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos

fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução

históricas dos trópicos americanos (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 31).

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31

Deste modo, para o autor, a ocupação e o povoamento do Brasil se pautou nos

interesses econômicos de Portugal, para os quais o conceito de povoar estava

estreitamente ligado à necessidade de se organizar a produção a ser comercializada para

a metrópole. O domínio americano constituía-se em fator essencial do desenvolvimento

econômico da monarquia portuguesa. “É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado

para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele

comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras” (PRADO JÚNIOR,

1999, p. 32).

Em seu livro Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-

1808), Fernando Antônio Novais, que seguiu a mesma linha de pensamento de Caio

Prado Júnior, estabeleceu que o mercantilismo4 deu sentido à colonização durante o

período em que ocorreram as descobertas marítimas, considerando que as novas

possessões constituíram-se em retaguarda econômica das metrópoles. Os domínios

ultramarinos tinham a função de garantir que suas metrópoles fossem autossuficientes

em matérias-primas a serem comercializadas no mercado europeu, de serem

consumidoras de produtos manufaturados vendidos a altos preços, bem como, uma peça

chave para o processo de acúmulo primitivo de capitais. Para Novais, em termos

políticos, o sistema colonial pode ser descrito através da relação de dois elementos: um

centro de decisão (metrópole) e um pólo subordinado (colônia). Desta maneira:

Reservando-se a exclusividade do comércio com o Ultramar, as metrópoles

europeias na realidade organizavam um quadro institucional de relações

tendentes a promover necessariamente um estímulo à acumulação primitiva

de capital na economia metropolitana a expensas das economias periféricas

coloniais. O chamado monopólio comercial, ou mais corretamente e usando

um termo da própria época, o regime do exclusivo metropolitano constituía-

se pois no mecanismo por excelência do sistema, através do qual se

processava o ajustamento da expansão colonizadora aos processos da

economia e da sociedade europeias em transição para o capitalismo integral

(NOVAIS, 2006, p. 72).

4 Termo adotado para caracterizar um conjunto de práticas econômicas vigentes no decorrer dos séculos

XVI ao XVIII. O mercantilismo, como doutrina ou sistema econômico, nunca existiu. Suas práticas

assumiram posturas diferentes nos diversos países que as aplicaram. Basicamente, essas práticas

decorrem de uma concepção genérica, segundo a qual a riqueza de um Estado reside na maior ou menor

quantidade de metais preciosos que possui. (...) Alguns aspectos gerais do mercantilismo podem ser

apontados: intervenção do Estado na vida econômica; balanço de pagamento favorável como condição

para o progresso de cada país; identificação da riqueza com a posse de metais preciosos (AZEVEDO,

1999, p. 301-302).

Page 33: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

32

Todavia, segundo o autor, este esquema analítico não é suficiente para entender

a colonização da América. Há que se levar em consideração também o processo de

organização administrativa e social do reino de Portugal com a formação de um Estado

centralizado e absolutista, caracterizado pela concentração do poder nas mãos do rei e

por uma sociedade estamental fundada em torno de privilégios jurídicos. Para Novais, é

o “Estado absolutista”, marcado pela “extrema centralização do poder real”, que executa

uma política de incentivos à economia de mercado, baseada na circulação de diversos

produtos no comércio europeu, reforçado, ainda, no plano externo, por uma política

econômica de exploração das novas conquistas ultramarinas. Nestas, preponderou o

regime de trabalho escravo. Na colonização do Novo Mundo, a preferência pelo escravo

africano em relação ao índio pode ser explicada pela importância do tráfico negreiro, já

que este comércio gerava altos lucros para a economia de Portugal, enquanto que os

ganhos com o comércio indígena mantinha-se na colônia. Sendo assim, para Novais,

“Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista,

expansão ultramarina e colonial são, portanto, partes de um todo” que ajuda a

compreender o processo de exploração colonial ocorrido na África, Ásia e América

(NOVAIS, 2006, p. 66).

Laura de Mello e Souza, em As redes do poder, capítulo em que analisa a

administração das Minas, buscou fundir as interpretações de Raymundo Faoro e Caio

Prado Júnior. Segundo ela, apesar de suas interpretações serem essencialmente

divergentes quando confrontadas, apresentam grande utilidade. Assim sendo, ao analisar

o período das grandes descobertas de metais preciosos, e levando-se em consideração o

contexto mercantilista da época, a autora evidenciou a maior presença da monarquia na

América portuguesa, devido, principalmente, à cobiça em relação ao ouro mineiro. Tal

cobiça também atingiu a maioria dos homens que para aquela região se deslocavam,

dentre eles, os potentados locais e os próprios funcionários régios que, distantes do

reino, burlavam o poder central em proveito próprio, propiciando toda sorte de infrações

nas Minas. Nesse sentido, para autora, dois aspectos fazem parte dessa região:

autonomismo e extrema dependência (SOUZA, 2004).

Além disso, Souza ressalta que o governo dessa capitania sempre foi uma tarefa

difícil e delicada, exigindo a mistura de agressividade e suavidade nos assuntos

administrativos. Havia, por parte do rei, a preocupação em se fazer sentir presente na

Page 34: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

33

região, usando da força quando necessário. Todavia, ao mesmo tempo, instruiu os

funcionários régios a exercerem o governo com brandura e prudência a fim de não ser

indesejada e odiada. A Coroa portuguesa temia as distâncias e a lentidão do aparelho

administrativo, o que poderia colocá-la em situação delicada. “O mando estava fadado a

ser contemporizador, pois caso vestisse apenas a máscara da dureza, o edifício todo se

esboroava, a perda do controle levando à da própria colônia”. Nesse sentido, no intuito

de resguardar o seu poder, o governo português procurou exercer a autoridade real nas

minas com brandura e prudência, “não se podia apenas bater, havia também que soprar,

e com frequência” (SOUZA, 2004; SOUZA, 2006, p. 31). Logo, de acordo com a

autora, a administração serviu, em primeiro lugar, aos interesses do monarca e, depois,

em consonância com os seus interesses, aos dos poderosos locais; ou seja, os interesses

destes estavam em segundo plano, e “o seu prestígio só foi tolerado até o ponto em que

podia ser absorvido pelo Poder Central: nunca além” (MELLO E SOUZA, 2004, p.

200).

Percebe-se, portanto, que os estudos das décadas de 70 e 80 sobre a

administração portuguesa na América, a despeito das respectivas especificidades, são

marcados pela defesa da concepção do monopólio comercial de Portugal sobre a

possessão americana, através de uma administração centralizada na figura do rei, em

que os seus interesses político-econômicos prevaleciam sobre os dos colonos. Já os

historiadores que partem do conceito de império, todavia, rompem com esta análise,

evidenciando em seus trabalhos que as relações entre o rei e os vassalos no ultramar

eram marcadas por flexibilidade e negociações, com a distribuição de poder e prestígio

a indivíduos e grupos sociais nos trópicos, o que reforçava os laços de lealdade e

sujeição destes para com a monarquia. Estes defenderam a crescente autonomia das

periferias com relação ao poder central. Todavia, parece-nos que esta última abordagem,

ao enfatizar a força do poder local e de sua capacidade de negociação com a Coroa,

negligencia, reduz ou até ignora o papel dos conflitos sociais e políticos na história do

Brasil colonial, o que se pode evidenciar pelos inúmeros motins ocorridos na primeira

metade do século XVIII, em várias regiões do Brasil, sobretudo, em face das ações de

fortalecimento do poder real. Embora concordemos que seja coerente pensar as relações

entre monarquia e seus colonos na América portuguesa através de uma relação de

Page 35: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

34

reciprocidade, ainda assim, como bem assinalou Laura de Mello e Souza, o poder e os

interesses do rei imperavam.

1.3 - A Autonomização do Poder nos Trópicos

Na América portuguesa não se questionava a prevalência dos interesses da

Coroa sobre suas possessões no ultramar, entretanto, isso não impedia que houvesse

espaço para flexibilidade e negociação. Mesmo diante das insatisfações dos povos com

a exploração lusitana, eles consideravam Portugal um modelo de referência em termos

intelectuais, morais e espirituais, e não questionavam a autoridade do rei, mas ansiavam

por desfrutar em seus domínios dos mesmos privilégios usufruídos pelos portugueses de

Lisboa, Évora ou Porto. Assim:

Quaisquer que sejam as vicissitudes que frequentemente caracterizavam o

conturbado relacionamento entre portugueses e brasileiros, entre metrópole e

colônia, entre centro e periferia, os brasileiros eram inabaláveis em sua

lealdade para com a Coroa. Petições de colonos eram frequentemente

expressas em uma linguagem que considerava o rei um parente fictício. O

que os colonos almejavam com tais solicitações era o reconhecimento real de

seu valor, de seus serviços e sacrifícios, e tais pedidos eram feitos e

concedidos em um contexto altamente pessoal da relação vassalo-soberano

(RUSSELL-WOOD, 1998, s/p).

Portanto, na América portuguesa, o que os vassalos queriam realmente era uma

recompensa, de ordem material e/ou imaterial, por serviços prestados em nome e a favor

do rei de Portugal. Estes, à custa de suas “fortunas, sangue e vida”, prestavam serviços à

Coroa e, em troca, requeriam cargos públicos, isenções, honras e mercês – privilégios já

usufruídos pelos reinóis – que lhes proporcionariam, além de vantagens econômicas, o

status social, dissociando-se da maioria da população pobre e escravizada do Brasil. Tal

relação reforçava os laços de lealdade destes vassalos para com o monarca. Isso

demonstra que as relações entre o centro e a periferia não eram tão rígidas, havendo

espaço também para negociações e para o estabelecimento de laços de reciprocidade

entre o soberano – aquele que dá, concede um benefício – e seus súditos no ultramar –

aqueles que recebem o benefício.

Page 36: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

35

A ideia de que o governo lisboeta era marcado pela rigidez de suas ações

políticas, e que os interesses da sociedade americana não eram levados em consideração

tem sido discutida e revista. Se, por um lado, a estrutura de governo era altamente

centralizada em Portugal, na América, em virtude da distância do centro de poder, da

precariedade das formas de comunicação, era necessário flexibilizar a estrutura

administrativa, nomeando colonos para cargos do governo. O fato é que estes, muitas

vezes, atuavam em favor dos interesses locais, frente à ação centralista da Coroa. Enfim,

esses fatores contribuíram de forma decisiva para uma descentralização dos mecanismos

de governo implantados no território americano (RUSSELL-WOOD, 1998).

No tocante à comunicação entre a periferia e o centro, as petições eram um

importante mecanismo de negociação dos interesses dos povos da América. Deste

modo, os habitantes das terras americanas, mesmo os de menor condição social e

econômica, eram suficientemente familiarizados com os mecanismos de apelação

extrajudicial, remetendo seus casos diretamente ao rei. A Coroa também respondia às

petições de natureza não judicial, como no caso daquelas apresentadas pelos regimentos

de milícias de mulatos e negros livres, que se queixavam do fato de não receberem

remuneração e de não serem valorizados no desempenho das suas funções em

circunstâncias idênticas aos praticados pelos homens brancos. Assim:

Tiveram sucesso requerimentos enviados ao rei por oficiais dos regimentos

negros dos Henriques, de Pernambuco e Salvador, solicitando pagamento

mensal básico e auxílio anual para a manutenção de seus uniformes, como

era o caso dos oficiais dos regimentos de milícias brancas. Mais tarde, D.

João (príncipe regente, 1792-1816; rei 1816-1826) estendeu esta

equivalência de pagamento a todos os oficiais negros livres dos Henriques

em todo o Brasil (RUSSELL-WOOD, 1998, s/p).

Percebe-se, portanto, que as petições foram fundamentais na comunicação dos

interesses dos habitantes da América ao rei de Portugal, em que lhe requeriam

procedimentos mais justos no que tangia à convivência social nos trópicos.

O principal órgão negociador que frequentemente representava os interesses da

sociedade colonial era o Senado da Câmara. A elegibilidade dos que atuariam nos

cargos camarários, bem como a daqueles que votavam, estava condicionada a um

rigoroso critério que determinava que apenas os homens bons (indivíduos de

reconhecida posição social) teriam o direito de participar desse processo. Isso significou

Page 37: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

36

que não apenas as principais famílias da vila, cidade e região eram representadas na

câmara municipal, mas que esta instituição servia também como mecanismo de

articulação e proteção dos interesses das elites locais na América. Tais câmaras

municipais gozavam de grande autonomia, além de serem importantes espaços de

comunicação direta das pessoas influentes da região com a corte lusitana, em que suas

solicitações ou reclamações poderiam facilmente chegar ao conhecimento do próprio rei

(RUSSELL-WOOD, 1998).

Segundo John Russell-Wood, no século XVIII, foi grande o número de pessoas

nascidas no Brasil que ocuparam cargos na Igreja e no Estado. Isto se deveu ao fato

destes terem estudado em Coimbra e retornado à pátria em busca de uma carreira no

serviço público, bem como pelo aumento da prática da venda de cargos públicos.

Criava-se, assim, um instrumento através do qual as elites locais poderiam ter acesso a

estes cargos, por meio da sua compra. A maior participação destes grupos sociais no

processo de tomada de decisão nos níveis local e regional poderia ser traduzida como

um aumento de autonomia, tendo em vista que estes atuavam em prol do

enriquecimento pessoal, das lealdades derivadas de relações de parentesco ou de uma

intrincada rede de interesses especiais locais, do que pela defesa dos interesses político-

econômicos ligados a Portugal. Nesse sentido:

O instrumento financeiro impessoal do contrato isentava os compradores de

cargos públicos de suas lealdades para com o rei de Portugal. A compra de

cargos também estimulou a criação de oligarquias locais que acabaram por

obter o domínio exclusivo sobre determinados postos, alguns deles passados

de pai para filho ou oferecidos como dotes com a intenção de garantir um

casamento ou de fortalecer as redes de parentesco coloniais. Reforçava-se

assim a autoridade das oligarquias locais, cujo contraforte era a preservação

dos bens coloniais mais importantes (RUSSELL-WOOD, 1998, s/p).

Assim, a venda de cargos públicos modificou as relações centro-periferia na

medida em que favoreciam uma maior participação das elites locais e regionais no

governo. Estas estavam muito mais preocupadas em defender seus interesses pessoais

do que os interesses da própria monarquia portuguesa.

Luiz Felipe de Alencastro, em O trato dos viventes, evidenciou que a história do

Brasil colonial não se restringia apenas ao nosso território. Para ele, as conquistas do

Atlântico-Sul – Brasil e Angola – estavam unidas pelo oceano através de um intenso

comércio de escravos negros, englobando uma zona de produção escravista situada no

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37

litoral da América do sul e uma zona de reprodução de cativos centrada em Angola. O

autor destacou ainda que, no processo inicial de colonização, os conquistadores lusos

tiveram muitas dificuldades em assegurar o controle dos nativos e do excedente

econômico das três possessões continentais: África, Índia e América. Ocorria que esse

excedente econômico podia ser consumido pelos naturais da terra, ou era

comercializado regionalmente, escapando, portanto, do controle da Coroa. Nesse

sentido, o domínio ultramarino nem sempre resultava na exploração colonial e na

obediência das forças sociais locais ao poder monárquico. Ainda que os excedentes

econômicos dessas possessões tivessem como destino certo o reino portucalense, a

expansão mercantil não garantiu necessariamente a sua exclusividade no comércio

destas regiões, isso porque as transações econômicas e a ascensão dos comerciantes

faziam emergir novas forças sociais centrífugas, tanto em Portugal quanto nas

conquistas, colocando em lados opostos interesses privados e públicos. Desta forma,

para Alencastro, a defesa dos interesses régios no vasto império ultramarino português

dependeu da capacidade do poder central de negociar com estas novas forças sociais

emergentes (ALENCASTRO, 2000).

Para Russell-Wood, a história do Brasil fornece numerosos exemplos de como a

sociedade colonial foi capaz de exercer suficiente pressão sobre os oficiais régios no

sentido de evitar ou alterar totalmente editos reais ou de negociar um acordo menos

ofensivo aos interesses locais. Na sua forma mais extremada, houve confrontação física

marcada pelas agitações populares e lutas armadas contra as autoridades representantes

do poder central. Porém, havia também espaço para flexibilidade e negociação entre

aqueles que defendiam os interesses locais e os que atuavam no sentido de preservar os

interesses da Coroa na região. Um exemplo clássico disto foram as constantes

negociações em torno das formas de cobrança do imposto real sobre a produção

mineradora durante a maior parte do século XVIII. Para o autor, as negociações entre as

populações da América e os representantes da Coroa indicam que estes não só

dialogaram com aqueles, como também se posicionaram, em alguns casos, a favor deles

e contra o próprio rei de Portugal. Por exemplo, o vice-rei da Bahia (1720-35), conde de

Sabugosa, apoiou os negociantes baianos para preservar o monopólio do comércio de

escravos com o oeste da África e com o Golfo do Benin, contrariando os interesses dos

comerciantes de Lisboa em participar deste lucrativo comércio, mesmo apoiados pelo

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38

rei D. João V. Em outro caso, o governador de Minas Gerais (1732-1735), André de

Mello de Castro, Conde de Galvêas, uniu-se aos mineiros resistentes à introdução do

imposto da captação, apoiando a proposta local de uma quota anual de 100 arrobas de

ouro a ser paga à Coroa (RUSSELL-WOOD, 1998).

Entretanto, as acomodações resultantes da negociação dos súditos americanos

com a monarquia portuguesa e com os oficiais régios não devem transmitir a ideia de

que tudo era calmaria em termos do relacionamento entre os nascidos em Portugal e os

nascidos na América. Pelo contrário, a relação entre estas partes é reveladora do forte

sentimento de desconfiança e hostilidade. Os exemplos mais citados dessa aversão são a

Guerra dos Emboabas, do ano de 1707, marcada pela disputa pelos direitos de posse das

minas entre os paulistas de São Vicente, filhos da terra, e os reinóis, apelidados

pejorativamente de “emboabas”, e a Guerra dos Mascates, do ano de 1711, marcada

pelo conflito entre proprietários de engenho de açúcar, de Olinda, e os comerciantes

portugueses, de Recife. A Guerra dos Mascates se deu em torno dos interesses dos

comerciantes portugueses em elevar Recife à categoria de vila, tornando-a independente

de Olinda, bem como suas pretensões políticas de participação no governo local, o que

desagradou os proprietários de engenho, que eram contra a autonomia política de

Recife. (RUSSELL-WOOD, 1998; MELLO, 2009). Desde finais do século XVII se

polarizou o conflito entre estes dois grupos sociais, resultante das pretensões dos

senhores de engenho em preservar o monopólio dos cargos públicos da administração

local, sobretudo, a Câmara de Olinda, evitando, deste modo, o acesso dos comerciantes

reinóis ao poder, sob o argumento de não serem pessoas naturais da terra.

A despeito dos seus interesses, a Coroa portuguesa, através do decreto régio de

19 de novembro de 1709, elevou Recife à categoria de vila autônoma. A delimitação das

novas fronteiras municipais ficou sob a responsabilidade do governador de Pernambuco,

Sebastião de Castro e Caldas, que deveria consultar o ouvidor, Dr. José Ignácio de

Arouche. Este estava vinculado à elite açucareira e desejava reduzir ao máximo as

fronteiras da recente vila, enquanto que o governador estava a favor dos mascates e

almejava incluir três paróquias vizinhas. Sebastião de Castro, desejando prevenir

qualquer objeção dos senhores de engenho à inauguração oficial da nova vila, e sem

informar-lhes sobre o decreto que recebera de Lisboa, determinou que erguessem um

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pelourinho5 improvisado na praça principal, levando os olindenses a declararem que

tudo aquilo não tinha autorização da Coroa. Tal atitude demonstra a inabilidade do

governador em dialogar com as elites açucareiras. No dia 17 de outubro de 1710, ele

sofreu um atentado à bala por um grupo de homens mascarados, que fugiram e nunca

chegaram a ser identificados. Levemente ferido, e não conseguindo capturar os

verdadeiros culpados, o governador mandou prender vários senhores de engenho e seus

agregados por suspeição de serem cúmplices no atentado. Alegando autodefesa, estes

reagiram organizando milícias armadas compostas por lavradores e seus escravos, com

o objetivo de atacar Recife. Sem poder confiar totalmente em suas tropas, já que parte

dela apoiava os amotinados, o governador decidiu fugir com alguns dos principais

mascates para a Bahia, no dia 07 de novembro de 1710 (BOXER, 1969). Nota-se que o

elemento motivador da reação da elite olindense foi a atuação do governador Sebastião

de Castro e Caldas, acusado de tirania, por não respeitar seus pretensos privilégios, no

que muito se assemelha ao descontentamento dos portugueses com Felipe IV, em 1640.

Vitoriosos, os senhores de engenho e seus principais adeptos reuniram-se em

uma assembleia geral em Olinda, no dia 10 de novembro de 1710, para decidir quem

deveria substituir o governador foragido. A escolha recaiu sobre o bispo, frei Manuel

Álvares da Costa, sendo que a ele foram feitas algumas exigências, sendo a principal

delas o perdão formal, em nome do rei, aos vencedores de Olinda. Durante sete meses

estes triunfaram sobre os mascates, todavia foram pegos de surpresa por um bem

sucedido levante dos habitantes de Recife. No dia 18 de junho de 1711, estes pegaram

em armas contra os olindenses e as tropas auxiliares paulistas, sob o comando de

Bernardo Vieira de Mello. Saindo vitoriosos, os mascates também exigiram do novo

governador a publicação de uma circular dizendo que tudo que acontecera até aquela

data, 19 de junho, fosse perdoado e esquecido. Todavia, o bispo intimou os mascates a

se renderem. Estes, por sua vez, recusaram render-se e elegeram um dos oficiais da

guarnição, João da Mota, como seu chefe. Vendo que o confronto era inevitável, o bispo

demitiu-se do cargo de governador, passando a governar uma junta composta pelo Dr.

Valenzuela Ortiz, Coronel Christovão de Mendonça Arraes e os vereadores de Olinda,

que rapidamente se mobilizaram no cerco a Recife. Somente com a chegada de Portugal

5 Segundo nota do próprio autor, pelourinho era uma coluna de pedra rematada por uma cruz, escudo ou

as armas régias, que servia como insígnia de municipalidade e também como pelourinho e poste de

chicoteamento para criminosos e escravos (BOXER, 1969, p. 134).

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do novo governador, Felix José Machado de Mendonça, é que se pôs fim a esta

contenda, com o perdão real a todos os envolvidos. Recife foi novamente elevada à

categoria de vila com o erguimento formal de um pelourinho no dia 18 de novembro.

Contudo, o fim da Guerra dos Mascates não significou o fim das hostilidades entre os

comerciantes portugueses e os senhores de engenho. Menosprezando os termos gerais

do perdão régio, o governador e o novo ouvidor, Dr. João Marques Bacalhau, atuando

em favor dos mascates, mandaram prender os principais líderes envolvidos na primeira

revolta contra o antigo governador, Sebastião de Castro e Caldas, além de deportarem o

bispo, frei Manuel Álvares da Costa, para um ponto remoto da capitania. Muitos

senhores de engenho sentindo-se inseguros, fugiram para matagais a fim de não serem

presos. Tais medidas punitivas são reveladoras do ódio que ainda permanecia entre os

naturais de Portugal e os de Pernambuco (BOXER, 1969).

Evaldo Cabral de Mello, em seu livro Rubro Veio, demonstrou-nos que foi

durante a Guerra dos Mascates que os senhores de engenho de açúcar pronunciaram o

discurso de valorização do movimento de Restauração Pernambucana do ano de 1654,

que expulsou os holandeses da região açucareira do Nordeste do Brasil. Contrários à

autonomia política dos comerciantes portugueses de Recife, eles chamaram a atenção

para a sua condição social, a de serem os legítimos descendentes dos restauradores

pernambucanos, como forma de reivindicar o status de principais homens da terra, bem

como o direito de exercício do poder político local. Em Portugal, como na América

portuguesa, o termo “principal” não era empregado de maneira unívoca. Em primeiro

lugar, denotava riqueza, afluência, grandes cabedais. Em segundo, aplicava-se ao

indivíduo que exercia poder local, seja por ocupar cargos da governança ou por dispor

de clientela ou de séquito de homens livres e escravos. Por fim, “principal” se refere ao

homem detentor do status de nobreza ou fidalguia. Na concepção dos senhores de

engenho, para ser considerado “homem nobre” ou “homem principal”, e com isso deter

o direito de participação na vida política, era necessário descender dos restauradores de

1654. Deste modo, para eles, a ocupação dos cargos públicos, em Pernambuco,

restringia-se à elite açucareira, ou seja, aos filhos e netos dos restauradores, que haviam

participado das lutas pela expulsão dos holandeses. Para Mello:

Nobreza da terra tornara-se a designação adotada pelos descendentes das

pessoas principais de sessenta, setenta anos antes, de maneira a legitimar seu

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41

domínio do poder local, no momento em que ele passara a ser disputado

pelos mercadores reinóis. Nobreza da terra designava basicamente as

famílias açucarocráticas de Pernambuco durante o século e meio de

colonização, os filhos e os netos de indivíduos, que embora destituídos da

condição de nobres no Reino, haviam participado das lutas contra os

holandeses ou exercido as funções de gestão municipal, os chamados cargos

honrados de república, categorias que, aliás, não estavam claramente

separadas (MELLO, 2008, p. 162-163).

Desta forma, os proprietários de engenho de açúcar, no intuito de reforçarem seu

poder político na região e sua condição de “nobreza da terra”, enfatizaram o discurso

que valorizava a ação dos restauradores de 1654. Com isso, fortaleceram a ideia de que

a conquista e defesa da Capitania de Pernambuco contra a presença holandesa se deu “à

custa do sangue, vidas e fazendas” dos seus antepassados, que não contaram sequer com

o apoio financeiro e militar de Portugal.

Nesse sentido, o imaginário político nativista da Restauração Pernambucana

gerou uma concepção contratual das relações políticas entre as elites locais de

Pernambuco e a Coroa portuguesa. Desta forma, valendo-se desse discurso, os senhores

de engenho defendiam sua posição social de “homens principais da terra”, haja vista

serem os legítimos descendentes dos restauradores, e sua supremacia política sobre os

outros estratos sociais, na medida em que somente eles tinham as “qualidades”

necessárias para a ocupação dos cargos públicos da administração local. O acesso a tais

cargos, de acordo com o discurso dessa elite local, deveria ser vedado aos comerciantes

portugueses de Recife (MELLO, 2008).

Portanto, a noção de contrato, na visão dos senhores de engenho, baseava-se na

noção de que a Coroa deveria lhes dar um tratamento diferenciado, protegendo os seus

interesses e privilégios políticos na região, como forma de gratidão pela ação valorosa

dos seus antepassados, que restauraram sozinhos o território de Pernambuco,

devolvendo-o espontaneamente à monarquia portuguesa. Note-se, portanto, que nesse

discurso, a devolução da Capitania de Pernambuco não se deu através de uma relação de

reciprocidade, mediante laços de lealdade e submissão dos vassalos pernambucanos ao

rei de Portugal. Pelo contrário, tal relação era mediada por uma noção de contrato, em

que a capitania pertencia aos restauradores, por direito de conquista, sendo restituída ao

patrimônio da Coroa, mediante o reconhecimento e a gratidão dos serviços prestados

(devolução do território), bem como pela disponibilização, a estes e seus descendentes,

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dos principais cargos da administração local. Para os senhores de engenho, caberia ao

poder real resguardá-los a preeminência do poder político nas terras reconquistadas

pelos seus ancestrais (MELLO, 2008). Nota-se, portanto, que a elite açucareira,

utilizando-se do discurso que valorizava a ação política-militar dos seus antepassados,

negociava com o rei a sua supremacia política na região. A Coroa portuguesa, não

levando isso em consideração, autorizou a elevação de Recife à categoria de vila, o que

conduziu à eclosão do motim. Tal movimento é revelador não só das tensões político-

sociais existentes entre os naturais de Pernambuco e os de Portugal, como também da

insubordinação dos primeiros às autoridades metropolitanas, o que era visto pela Coroa

portuguesa como uma séria ameaça interna ao seu poder e soberania na região.

À ameaça interna somava-se outro perigo ao poder de Portugal na América, o

perigo externo. Em fins do século XVII e início do XVIII, a Capitania do Rio de Janeiro

sofreu com as invasões corsárias de naus francesas animadas pelas notícias do

descobrimento das minas de ouro no interior. Na sua costa litorânea, havia pequenos

ancoradouros desde Cabo Frio até Parati, o que a tornava local privilegiado para a

prática de corso e pirataria. Prudência, cautela e prevenção passaram a ser palavras de

ordem no que se refere à entrada de navios estrangeiros nos portos desta capitania, em

que o temor e a desconfiança era um sentimento compartilhado entre as autoridades

régias e os moradores da região fluminense. As próprias guerras europeias entraram em

uma fase em que os conflitos militares deixaram de ser essencialmente terrestres para se

tornarem ações marítimas de concorrência comercial e de conquista de territórios no

ultramar. Estes conflitos político-sociais travados no Velho Mundo poderiam repercutir

certamente no Novo Mundo. Assim, tanto os fatores internos quanto os externos

poderiam levar à invasão e ocupação da América portuguesa. Daí a imensa preocupação

da Coroa, das autoridades e das populações americanas com a defesa e preservação do

território (SOUZA; BICALHO, 2000).

No século XVIII, a primeira tentativa de invasão do Rio de Janeiro ocorreu no

dia 17 de agosto de 1710 por meio de uma esquadra composta por seis navios liderados

pelo corsário francês Jean-François Duclerc, atraído pelo ouro das Minas que escoava

pelo porto carioca. Todavia, este não teve sucesso na incursão do território, devido aos

disparos de canhão provenientes das fortalezas da barra. Somente na manhã do dia 19

de setembro Duclerc conseguiu invadir a cidade, o que provocou reações do governo

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local, apoiados por seus soldados e pelos moradores, seguidos por seus escravos

armados de pedras e paus. Tiveram também participação no combate os padres, soando

os sinos da igreja e conclamando os defensores à luta, os estudantes jesuítas e dois

antigos emboabas, Bento do Amaral Coutinho e frei Francisco de Meneses. Estes

saíram vitoriosos dando fim ao embate no mesmo dia da invasão. Duclerc foi feito

prisioneiro e morreu na prisão (SOUZA; BICALHO, 2000).

Em 12 de setembro de 1711, ocorreu outra invasão francesa em solo fluminense,

comandada por Duguay-Trouin. No dia 19 de setembro, os franceses enviaram uma

mensagem ao governador, Francisco de Castro Morais, exigindo-lhe sua rendição, o

qual se recusou terminantemente. No entanto, ao anoitecer do dia 21, apavorados pela

proximidade do inimigo, os regimentos e milícias que defendiam o espaço urbano e

seus moradores começaram a desertar. O governador, por sua vez, determinou o fim do

contra-ataque e o abandono das trincheiras e a total evacuação da cidade. Diante de uma

cidade praticamente deserta, os franceses começaram a saquear e reunir em seus navios

tudo o que de valor puderam encontrar. Os franceses, cientes da contraofensiva liderada

pelo governador de São Paulo e Minas do Ouro, Antônio de Albuquerque, exigiram

considerável quantia pelo resgate da cidade ao governador Castro Morais, e, caso não

pagassem, eles a destruiriam. Sem esperar por Albuquerque e seus reforços, Castro

Morais pagou o resgate. A maior parte foi paga com os quintos régios, além da

colaboração financeira de moradores afortunados, que desejavam reaver suas

propriedades tomadas pelos franceses (SOUZA; BICALHO, 2000).

Para os vereadores das câmaras municipais, em carta enviada ao rei, a culpa

deste triste episódio era atribuída ao governador Castro Morais, acusado de ter vendido

a cidade do Rio de Janeiro aos franceses, sem consultar a opinião dos homens nobres da

governança; acusando-o ainda, de ter sido incapaz de defender o território, bem como os

interesses da Coroa e os de seus leais súditos no ultramar. Além disso, em seu discurso,

os vereadores defenderam a ideia de que foram as pessoas principais da terra, e não as

autoridades metropolitanas, que, à custa de suas vidas e fazendas, defenderam a cidade

dos ataques franceses, dando provas da sua irretorquível lealdade ao rei de Portugal, e

exigindo deste reconhecimento ao pedirem-lhe que os fizesse governar a região, caso

não quisesse ver arriscados os seus domínios ultramarinos. De acordo com os

vereadores municipais, assim que se encerraram as negociações do acordo pelo

Page 45: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

44

pagamento do resgate, o governador enviou um amigo e um criado seu para negociar a

compra de navios, fazendas e outros bens saqueados pelos franceses, afirmando, por

esse motivo, que a negociação em torno da devolução da cidade se deu também em

virtude de interesses pessoais do governador e de seus aliados, que buscavam garantir

vantagens de ordem material. Diante de tanta insatisfação, da súplica do bispo, dos

oficiais da câmara e dos demais ministros, e o risco possível de um motim por parte dos

povos da região, o governador Antônio de Albuquerque assumiu o governo daquela

capitania na esperança de acalmar os ânimos (SOUZA; BICALHO, 2000).

Os oficiais da câmara, prevendo o perigo da eclosão de um motim popular,

escreveram ao rei alertando-o que os moradores do Rio andavam receosos com a

permanência de Castro Morais no governo da cidade, temerosos de que pudesse haver

outra invasão e, consequentemente, o apoderamento de suas propriedades. Deixaram

claro, ainda, que até os mais leais vassalos da região ameaçavam amotinar-se caso maus

governantes colocassem novamente em risco suas vidas, propriedades e fortunas

pessoais. Aqui, o que se nota é a adoção de uma ação política semelhante ao praticado

durante o movimento da Restauração portuguesa de 1640, visto que os moradores do

Rio de Janeiro, diante da insatisfação com a situação de insegurança posta, e com a

inércia e a corrupção do governador Castro Morais, exigiram a sua imediata saída do

posto. Para tanto, alegavam que ele não conseguiu assegurar a defesa do território e que

agiu injustamente, ao negociar em favor próprio os despojos da invasão, o que revelava

falta de zelo pelo bem comum dos povos, legitimando a insubordinação a sua

autoridade de governador.

Diante dessa conjuntura, durante todo o século XVIII a Coroa preocupava-se

tanto com o perigo das invasões estrangeiras, quanto da eclosão de motins nos

territórios americanos, o que poderia levar, igualmente, a uma possível perda do

controle sobre estas regiões, tão distantes do reino de Portugal. Diante desses perigos, e

ciente das dificuldades da manutenção da ordem, o governador Antônio de Albuquerque

adotou a estratégia de lograr o apoio dos homens mais poderosos da região, que

dispunham de cabedal e de grande número de escravos, o que o auxiliaria no socorro à

cidade do Rio de Janeiro. Em troca, estes exigiam honras, mercês e privilégios de vários

tipos, que lhes confeririam as condições necessárias para a ostentação do status de elite.

Page 46: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

45

Dentre os potentados que apoiaram o governador em sua diligência estavam:

Pascoal da Silva Guimarães, que foi agraciado com terras, a patente de sargento-mor e,

posteriormente, a de mestre-de-campo do terço auxiliar de Vila Rica; Pedro da Rocha

Gandavo, que recebeu uma légua de terra e o posto de sargento-mor, depois convertido

a coronel de um regimento de cavalaria; e Sebastião Carlos Leitão, agraciado com o

posto de sargento-mor, também tornado coronel. É interessante observar que estes

vassalos, até então considerados leais e dignos de tais honrarias, estavam entre os

amotinados de 1720, contra a autoridade do governador D. Pedro Miguel de Almeida

Portugal, o conde de Assumar. Apoiaram o governador Albuquerque, em 1711, no Rio

de Janeiro, o que não aconteceu no ano de 1720, em Vila Rica, já que os revoltosos não

compartilhavam dos mesmos interesses engendrados por Assumar, que impunha maior

centralização política na região. Nesse sentido:

No alvorecer da sociedade mineira setecentista, os governadores não podiam

prescindir dos poderosos locais na aquisição e manutenção de formas,

mesmo que mínimas, de governabilidade o que veio a requerer, tanto por

parte dos governadores, como por parte das elites locais, estratégias de ação

balizadas pela negociação e pela reciprocidade, interesses mútuos, quando

convergiam, geravam benesses para ambos os lados. O mesmo princípio

regeu as relações entre D. Pedro de Almeida e aqueles que lhe auxiliaram na

contenção da revolta de 1720 (KELMER MATHIAS, 2005, p. 114).

Interessante é que o próprio conde de Assumar já havia concedido mercês a

Pascoal da Silva, ainda que por um período curto, no posto de governador de Vila Rica

e seu distrito. Deste modo, percebe-se que a união entre poderosos locais e

governadores foi mediada por uma relação de interesses, que quando convergiam,

resultava numa relação amistosa, mas quando divergiam, nem mesmo os governadores,

representantes da vontade do rei na América eram poupados pelos poderosos, sendo os

motins a expressão máxima desse desentendimento. As mercês cedidas a Pascoal da

Silva e outros homens influentes envolvidos na revolta mineira de Vila Rica são

reveladoras de que tal mecanismo não era suficiente para garantir a obediência dos

vassalos americanos à Coroa, nem mesmo a governabilidade política da região

(KELMER MATHIAS, 2005).

O principal órgão que permitia a interferência dos moradores no governo local

era o Senado da Câmara, que funcionava não apenas como um local de diferenciação e

hierarquização social, como também, de negociação dos interesses de ordem local com

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46

o rei. Por esse motivo, as câmaras municipais eram alvo de constantes disputas entre as

elites regionais, haja vista que eram um espaço crucial de representação dos seus

interesses. Instaladas nas diferentes partes do Império português, as câmaras

apresentavam contornos específicos característicos da sua realidade local. No entanto,

estas instituições tinham pontos em comum com as câmaras sediadas no reino lusitano.

A de Macau, por exemplo, criada em 1582, era representada por uma elite de ricos

mercadores portugueses, em que estes gozavam dos mesmos privilégios, liberdades,

honras usufruídos pelos reinóis da cidade de Évora, em Portugal. Igualmente:

Composta por três vereadores, dois juízes ordinários e um procurador –

todos eleitos –, ela foi, durante quase três séculos, o verdadeiro corpo

governativo de Macau, cabendo aos governadores ou capitães-generais

nomeados pelo rei ou vice-rei o simples comando das fortalezas e da exígua

guarnição da cidade. (...) Nos anos 80 do século XVIII, quando a Coroa

decidiu fortalecer o poder do governador em detrimento do exercido pelos

oficiais da câmara, estes reagiram. Em carta ao vice-rei em Goa, afirmavam

que durante os 226 anos anteriores haviam governado aquela colônia sem

qualquer subordinação aos funcionários régios. As intenções metropolitanas

frustraram-se, em parte devido à recusa das autoridades chinesas de

reconhecerem qualquer outro interlocutor em suas negociações com a

colônia portuguesa (BICALHO, 2010, p. 194-195).

Deste modo, a Câmara de Macau apresentava características bem específicas, se

comparada ao padrão das demais câmaras espalhadas pelo Império português. Longe de

gozarem de uma autonomia política e econômica, estas, na verdade, viviam o outro lado

da moeda, sendo que os seus oficiais estavam subordinados aos funcionários régios.

Para Bicalho, apesar das singularidades presentes nas diferentes câmaras instaladas nas

diversas possessões portuguesas, elas apresentavam algo em comum, o fato de serem

espaços de nobilitação e representação das elites locais no ultramar, bem como um

importante canal de comunicação direta com o rei de Portugal. Nesse sentido:

As câmaras coloniais foram pródigas em utilizar canais de comunicação

direta com o monarca. Era frequente recorrerem ao dispositivo das petições

ou representações ao rei como via da resolução dos problemas e conflitos

nos distantes territórios do ultramar. (...) Mesmo após o declínio das Cortes

na segunda metade do século XVII – sua última reunião data de 1697/1698 –

o envio de procuradores a Lisboa e o recurso às petições por parte das

câmaras disseminadas por todo o Império demonstram a grande capacidade

de comunicação entre o centro e periferia na fase clássica do absolutismo

monárquico. Comprovam também, se não a eficácia prática, pelo menos a

força simbólica da figura do rei como pai, sempre pronto a ouvir as aflições

de seus filhos (BICALHO, 2003, p. 352-353).

Page 48: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

47

A partir da Restauração Portuguesa, de 1640, intensificou-se o controle sobre os

assuntos político-administrativos e tributários nas partes do império, cerceando

progressivamente o poder político e econômico das câmaras ultramarinas. Uma das

medidas adotadas para esse intento foi à criação do cargo de juiz de fora, que visava a

aumentar o poder de interferência desse funcionário régio nos assuntos concernentes ao

governo local, a fim de controlar os descaminhos e os possíveis prejuízos ao erário real.

A desarticulação da autonomia dos poderes locais nas câmaras pela atuação do juiz de

fora deveu-se a sua condição de oficial letrado, aplicador do direito oficial, indo, deste

modo, contra as formas vigentes de justiça praticadas nas terras americanas, baseadas

em um tipo de direito consuetudinário. Deste modo, pode-se considerar que a “eficácia

da institucionalização do cargo de juiz de fora no processo de centralização monárquica

residiu na hegemonização dos parâmetros jurídico-administrativos veiculados pelo

poder central” (BICALHO, 2010, p. 200). Todavia, para Bicalho, este oficial vindo de

fora nem sempre agiu em favor dos interesses régios, atuando, não raras vezes, em

consonância com os interesses das forças sociais centrífugas.

A ocupação dos cargos camarários era restrita à nobreza da terra, não se

referindo àqueles que eram nobres pela consanguinidade, mas sim, aos que pelas ações

valorosas e pelas altas funções desempenhadas na América adquiriam o status de

homens principais da terra. Assim:

De acordo com o alvará régio de 12 de novembro de 1611 – que servia tanto

para o reino como para as colônias –, os eleitores deveriam ser selecionados

entre “os mais nobres e da governança da terra”, prevendo-se que a escolha

recaísse sobre a gente da governança ou filhos e netos de quem o fosse, e

que provassem ser “sem raça alguma” 6 (BICALHO, 2003, p. 371).

Desta forma, nas câmaras das principais cidades litorâneas – Salvador, Olinda e

Rio de Janeiro – o alvará régio de 12 de novembro de 1611 serviu de respaldo para que

6 Segundo nota da própria autora, “sem raça alguma” referia-se ao estigma que pesava sobre os cristãos-

novos, também chamados “gente de nação”. A política geral discriminatória, ainda que esboçada no

século XVI dos Avis, ganhou fôlego novo com a ascensão dos Filipes em Portugal e assim ficaria, quase

inabalável, até Pombal. No caso do clero, o Breve De Puritate, anterior a 1598 e várias vezes reiterado

posteriormente, autorizou a exigência de pureza de sangue para o provimento de sinecuras com benefícios

(direito de cobrar rendimentos eclesiásticos). Na legislação civil, o primeiro grande passo foi uma carta

régia de 1604 proibindo o acesso de cristãos-novos às Ordens militares do reino. Com o tempo isso foi se

generalizando, cunhando-se a noção de “sangue infecto”, denominador comum entre judeus, mouros,

índios, negros, mulatos e outras “raças infectas” (BICALHO, 2003, p. 393).

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48

as elites locais impedissem que oficiais mecânicos, pessoas impuras, comerciantes e

reinóis tivessem acesso ao cargo camarário.7 Todavia, a intromissão dos representantes

da Coroa (governadores e ouvidores) no processo de eleição dos vereadores, apoiando

candidatos que não tinham a “qualidade” requerida para posse de tal cargo, levou a uma

situação de conflito com as elites locais, que não admitiam tal interferência, pois ia

contra o que era estabelecido em lei: que tais cargos só poderiam ser ocupados pela

gente principal da terra. Segundo Bicalho, a reação das elites locais ao ingresso de

pessoas “não fidalgas” nos cargos concelhios baseava-se no argumento de que eram os

homens principais da terra, não apenas por suas condições de nascimento ou

consanguinidade, ou por sua situação econômica e política, ou por serem senhores de

terras e escravos e terem acesso aos cargos concelhios, mas sim pela valorização,

através do discurso, da condição de serem descendentes dos “conquistadores, primeiros

povoadores e defensores” das terras americanas (BICALHO, 2003).

João Fragoso, ao analisar a formação das elites senhoriais no Rio de Janeiro,

demonstrou-nos que os descendentes dos conquistadores e primeiros povoadores

gostavam de ser reconhecidos como “principais da terra”. Estes estavam ligados ao

poder político do município, em que as câmaras municipais eram um dos principais

locais de representação do seu poder. Esta diferenciação social era corroborada ainda

pelas mercês recebidas do rei de Portugal, pelos casamentos com pessoas do mesmo

status e, principalmente, pelo reconhecimento dos próprios moradores, que os viam

como membros de um grupo de qualidade superior. Desta forma, o ingresso na nobreza

da terra passava pela descendência ou casamento com netas ou bisnetas dos

conquistadores e primeiros povoadores do Rio de Janeiro, o que de certa maneira,

conferia-lhes o exercício do poder político no âmbito local. As vantagens do acesso aos

cargos públicos não se pautava tanto pelos salários pagos pela fazenda real, mas sim,

dos eventuais lucros que tais cargos poderiam auferir, possibilitando aos beneficiários

dos favores do rei a chance de ampliarem suas fortunas pessoais (FRAGOSO, 2010).

7 Bicalho aponta que nem sempre no Brasil, como em Goa e Macau, a eleição de pessoas para os cargos

concelhios seguiu de perto as determinações desta legislação. E, cita, como exemplo, a câmara de Vila

Rica, em que se encontravam membros sem as “qualidades” apontadas para o exercício dos cargos

municipais, muito em virtude do caráter fluido e movediço dos grupos sociais que compunham esta

região, marcada por uma maior mobilidade social baseada na riqueza, contradizendo de certa forma os

códigos estamentais vigentes em Portugal (BICALHO, 2003, p. 371-372).

Page 50: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

49

O sistema de mercês era uma velha prática da sociedade portuguesa, tendo suas

origens nas Guerras de Reconquista contra os mulçumanos, na Idade Média, quando o

rei concedia à aristocracia terras e privilégios como recompensa por serviços prestados à

Coroa. Tal prática também foi estendida aos domínios ultramarinos portugueses, nos

quais o rei concedia cargos, honras e privilégios àqueles que lhe prestassem algum tipo

de serviço, conferindo-lhes vantagens econômicas e prestígio social e, acima de tudo,

reforçando os vínculos de lealdade dos vassalos do além-mar. Deste modo, a

mobilidade social estava condicionada à prestação de serviços ao rei, o que influenciou

na organização da sociedade americana, que se corporificou aos moldes da

estratificação social do Antigo Regime (FRAGOSO, 2010).

Maurice Godelier, em seu livro O enigma do dom, demonstrou a teoria

defendida por Marcel Mauss em Essai sur le don, em que este evidenciou que nas

diferentes sociedades, épocas e contextos, os indivíduos estão envoltos entre si em uma

relação de reciprocidade encadeada por três obrigações: dar – receber – restituir. Ou

seja, o indivíduo que dá algo gera no indivíduo que recebe a obrigação de restituir

aquilo que lhe foi dado, senão a mesma coisa, algo equivalente. Dessa forma:

Dar parece instituir simultaneamente uma relação dupla entre aquele que dá

e aquele que recebe. Uma relação de solidariedade, pois quem dá partilha o

que tem, quiçá o que é, com aquele a quem dá, e uma relação de

superioridade, pois aquele que recebe o dom e o aceita fica em dívida para

com aquele que deu. Através dessa dívida, ele fica obrigado e, portanto,

encontra-se até certo ponto sob sua dependência, ao menos até o momento

em que conseguir “restituir” o que lhe foi dado (GODELIER, 2001, p. 23).

Para Godelier, o ato de dar gera, portanto, uma relação de desigualdade de status

entre aquele que dá e aquele que recebe, desigualdade que em certas circunstâncias pode

se transformar em hierarquia. O dom aproxima o doador daquele que recebe, pois se

configura aí uma relação de partilha, todavia, os afasta socialmente, isso porque um dos

envolvidos nessa partilha se transforma em devedor do outro. Dos dois elementos –

partilha e a dívida – presentes na prática do ato de dar e receber, é o segundo que

provavelmente ocasionará mais efeitos na vida social, no que se refere às relações de

poder, acesso à riqueza, saberes ou aos ritos. Para o autor, o dom:

Pode ser, ao mesmo tempo ou sucessivamente, ato de generosidade ou ato de

violência, mas nesse caso, de uma violência disfarçada de gesto

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50

desinteressado, pois se exerce por meio e sob a forma de uma partilha

(GODELIER, 2001, p. 23).

O dom emana da vontade pessoal, em qualquer tipo de sociedade, hierarquizada

ou não. O dom está presente em todos os campos da vida social nos quais as relações

pessoais desempenham um papel dominante. O “ato de dar, para ser realmente um dom,

deve ser um ato voluntário e pessoal, senão ele se transforma imediatamente em outra

coisa, em imposto, por exemplo, ou em dom forçado, em exação”. O caráter

fundamental do dom deve-se, na explicação de Mauss, ao fato de que “o que obriga a

dar é o fato de que dar obriga”. Ou seja, aquele que dá algo, obriga quem recebeu a

restitui-lo de alguma forma. Assim, para Godelier, entendido esta parte do dom, no que

se refere aos motivos que leva a dar, resta agora solucionar o seguinte “enigma do

dom”: Por que é preciso restituir a própria coisa que lhe foi dada? Apoiando-se,

novamente, na teoria explicativa de Mauss, marcada por uma visão moralista e

religiosa, insuficiente na visão de Godelier, o ato de restituir devia-se ao fato de que “as

coisas dadas teriam uma alma que as levaria a voltar para a pessoa que, primeiramente,

as possuiu e deu” (GODELIER, 2001, p. 26-27).

Segundo Ângela Barreto Xavier e António Manuel Hespanha, nas sociedades de

Antigo Regime o dom fazia parte de um universo normativo fundamentado nos atos

beneficiais, que se constituíam em um dos principais mecanismos de estruturação das

relações políticas. Também apoiados na teoria de Mauss, estes autores defenderam a

ideia de que o ato de dar cimentava a natureza das relações sociais e, a partir destas, das

próprias relações políticas. O prestígio político de uma pessoa estava relacionado à sua

capacidade de conceder benefícios a outra pessoa, ou mesmo a um grupo maior de

pessoas, estabelecendo, assim, uma relação baseada na troca de favores e/ou serviços

(XAVIER e HESPANHA, 1993).

Estas relações sociais de poder davam-se de maneira desigual, na medida em que

o benfeitor, aquele que dava, era colocado numa posição de superioridade, devido, é

claro, à sua condição de credor nesta relação, enquanto que o recebedor do benefício

tomava uma posição de inferioridade e dependência, na proporção em que este se

encontrava na condição de devedor, ficando, por este motivo, a cargo dele a obrigação

de prestar algum tipo de serviço que compensasse o benefício recebido. Estas relações

de poder poderiam levar à constituição de redes clientelares, como meio de concretizar

Page 52: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

51

não só intenções políticas individuais, por exemplo, entre o governante e os governados,

como também em redes de alianças envolvendo outros grupos sociais, como as elites

locais, sendo que estas redes poderiam ser ou não concorrentes entre si (XAVIER e

HESPANHA, 1993).

Hespanha analisou também um conceito central para se entender a relação de

reciprocidade estabelecida entre o rei de Portugal e seus súditos no ultramar: a“graça”,

característico da tradição jurídica europeia medieval. A graça estava relacionada à

doação (liberalidade régia) e à gratidão do rei, que tinha como dever retribuir com uma

recompensa àqueles que lhe prestassem algum tipo de serviço. Os atos da graça do rei

criavam uma rede de pactos entre quem doava e quem recebia, bem como obrigações

mútuas “quase jurídicas”. Este pacto acabava por agregar o reino português e as

conquistas ultramarinas em torno de uma figura comum a todos, referência última de

legitimidade e justiça, destino último da súplica dos vassalos: o soberano. Assim, uma

das bases que deu sustentabilidade ao governo português no reino e no vasto império

ultramarino foi a chamada “economia da graça” ou “da mercê”, que se tratava não

apenas da dependência dos vassalos em relação ao rei, mas também de uma rede

complexa de obrigações recíprocas que dava solidez ao corpo do império (HESPANHA,

2009).

Na sociedade portuguesa dos séculos XVII e XVIII o poder não estava

concentrado unicamente nas “mãos” do rei, pelo contrário, este era partilhado entre os

diversos órgãos: famílias, Igreja, comunidades, grupos profissionais, dentre outros que,

no limiar de suas funções, exerciam certa autonomia político-jurídica sem, contudo, se

indispor com a instância última de poder, prefigurada no poder simbólico do rei. Este

era entendido, metaforicamente, como a “cabeça” que unia e mantinha em harmonia os

vários membros que compunham o “corpo” social. Assim:

A função da cabeça (caput) não é, pois, a de destruir a autonomia de cada

corpo social (partium corporis operatio propria), mas a de, por um lado,

representar externamente a unidade do corpo e, por outro, manter a harmonia

entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio

(ius suum cuique tribuendi), garantindo a cada qual o seu estatuto (foro,

direito, privilégio); numa palavra, realizando a justiça (XAVIER e

HESPANHA, 1993, p. 123).

Page 53: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

52

As principais atribuições jurídicas do rei eram as de garantir a justiça e, em

segundo lugar, a paz – sendo-lhe reservado o direito de fazer a guerra, a trégua, a paz e,

sobretudo, o direito de punir. Este direito real poderia garantir-lhe certa disciplina da

sociedade. Todavia, tal direito se restringia ao plano ideológico, resultando não mais

que uma medida de prevenção geral. Na prática, o soberano utilizava-se mais do direito

de perdoar, reforçando sua imagem de rei misericordioso que, tal como a Graça e o

Amor de Deus, amava e perdoava seus súditos. Além disso, cabia-lhe, também, a

exclusividade de estabelecer a “lei geral para todo o reino”, bem como a “prerrogativa

de criar magistrados (oficiais dotados de jurisdição) e de vigiar o cumprimento das suas

atribuições (sindicância, correição)” (HESPANHA, 1994, p. 488).

Havia ainda outros direitos que reforçaram os poderes do rei, como o direito

exclusivo de conferir títulos, brasões e distinções e o direito de dispor do reino ou de

parte dele. Segundo Hespanha:

Não é que ele fosse dono do reino ou das coisas nele existentes. Mas, de

acordo com a teoria medieval e moderna da divisão do domínio, ele

dispunha de um poder geral e virtual de disposição, que lhe permitia, quer

dizer-se senhor das coisas abandonadas, de uso comum (como os rios e as

estradas) ou sem dono, existentes dentro das fronteiras do reino, quer impor

sobre as coisas dos particulares certos ônus ou tributos. O direito mais

importante aqui incluído era, evidentemente, o de impor tributos

(HESPANHA, 1994, p. 491).

Todavia, o direito de impor ou aumentar os impostos estava condicionado a uma

justificativa plausível por parte do poder régio, que revelasse aos seus governados a

urgência e necessidade pública de tal medida, não podendo se configurar jamais em uma

forma de enriquecimento pessoal do rei. A partir do século XV, no que se referia à

estratégia política de Portugal, os mecanismos jurídico-jurisdicionais perderam força. A

ação política da Coroa pautou-se na criação de espaços de poder, cuja função seria a de

arbitrar sobre as ações de outros indivíduos, podendo impor modelos de conduta,

oferecer recompensas de ordem material (doação de terras, rendas) e/ou simbólica

(títulos, honras) em troca da prestação de serviços e sujeições, bem como estabelecer

critérios de distinção e hierarquização social. A partir do século XVI, com a expansão

ultramarina, o rei de Portugal dispunha de novas formas de remunerar e organizar:

novas terras no ultramar, novos ofícios e cargos, novas formas de atribuir títulos

Page 54: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

53

honoríficos, enfim, bens materiais e imateriais da Coroa que seriam concedidos àqueles

que se colocassem a serviço dos interesses régios (HESPANHA, 1994).

Devemos salientar, no entanto, que alguns autores discordam da tese defendida

por Hespanha, sobretudo os que afirmam a existência de um poder central forte e

resistem à ideia de uma fragmentação do poder na América, grupo em que se encaixa a

historiadora Laura de Mello e Souza. Esta critica a teoria de Hespanha, argumentando

que, sobretudo, a partir do século XVIII, a monarquia portuguesa assumiu uma forte

tendência centralizadora, buscando anular possíveis poderes concorrentes, aos quais

Hespanha atribuiu fundamental importância. Outra alegação de Souza é a de que

Hespanha desconsiderou as especificidades das diversas partes do Império, ao

determinar a ineficácia do poder real à distância dos territórios ultramarinos em relação

a Portugal – à medida que se afastava do centro, o poder reforçar-se-ia na esfera

privada. A falha no esquema do autor seria devida ao enquadramento da América

portuguesa nos mesmos moldes dos territórios do Oriente, negligenciando o fato de que

a América ficava à menor distância de Portugal do que as Índias. Finalmente, a autora

acusa Hespanha de partir de conceitos específicos da realidade portuguesa do século

XVII para tentar explicar o processo de colonização brasileira, o que para ela é

incoerente. Nesse sentido, afirma que as teorias do autor: “funcionam bem no estudo do

seiscentos português, mas deixam a desejar quando aplicados ao contexto do Império

setecentista em geral, e das terras brasílicas em específico” (SOUZA, 2006, p. 57).

1.4 – Os Motins do Sertão Mineiro

Desde o início da colonização da América, os portugueses almejavam encontrar

metais e pedras preciosas. Nesse sentido, no primeiro quartel do século XVI, foram

enviadas expedições exploradoras para devassar a costa litorânea em busca dessas

riquezas minerais, que, contudo, foram infrutíferas. Ainda assim, a Coroa portuguesa

nunca perdeu a esperança de encontrá-las, reforçada, consideravelmente, pelo sucesso

espanhol, que atestou a possibilidade de se conseguir grandes quantidades de ouro e

prata nos domínios americanos. Segundo Caio Prado Júnior, ao contrário do que

ocorreu com a Espanha, no domínio americano português não se encontraram os

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54

cobiçados metais, e tal situação persistiria por quase dois séculos. Somente nos últimos

anos do século XVII foi que se realizaram as primeiras grandes descobertas de ouro em

Minas Gerais, resultado da expedição de bandeirantes8 paulistas. Para Mafalda Zemella,

inicialmente os homens do Planalto de São Paulo adentravam as matas para capturar e

vender índios como escravos para as lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste. No

entanto, a crise da economia açucareira provocou o declínio das bandeiras de caça ao

índio. Em virtude dessa situação, o paulista viu-se obrigado a procurar outra atividade

econômica, daí a intensificação das bandeiras pesquisadoras de metais e pedras

preciosas. Encontrado o ouro, as notícias se espalharam atraindo um enorme

contingente de pessoas para as Minas, o que levou ao estabelecimento do primeiro

conflito social significativo na região: a Guerra dos Emboabas (PRADO JÚNIOR,

1979; ZEMELLA, 1990).

Segundo Adriana Romeiro, esta revolta, marcada pela disputa em torno do

direito de exploração das jazidas auríferas, foi reveladora de uma prática política

específica dos paulistas, conferindo-lhes certa especificidade aos olhos da Coroa. Estes

impunham um tom contratualista nas negociações estabelecidas com o rei, tomando-o

como mero contratador de serviços. Os bandeirantes do Planalto de São Paulo tinham

uma concepção bastante firme e amadurecida do direito de conquista sobre as terras do

Novo Mundo, que estava relacionado mais propriamente com o direito de

descobrimento das minas, sendo que, em seu discurso, ressaltavam que, à custa de seu

sangue, vida e fazendas é que se deram as descobertas e conquistas das minas de ouro

de Cataguases e, por essa razão, mereceriam não só a gratidão do monarca, como

também a posse dos veeiros, além de honras e mercês, e acesso aos principais cargos no

governo das Minas. Por sua vez, nos princípios do século XVIII, a Coroa portuguesa já

tinha consciência das inúmeras dificuldades em negociar com os homens do planalto,

8 “A expressão bandeirante refere-se aos aventureiros que participaram de expedições armadas pelo

interior do Brasil entre os séculos XVI e XVIII. Mas essa denominação somente foi difundida no século

XVIII, pois antes eles eram mais conhecidos como “gente de São Paulo” e “paulistas”. Inicialmente, os

paulistas organizavam-se em bandeiras para combater estrangeiros e indígenas, depois se dedicaram ao

apresamento e cativeiro de índios e à busca de minas auríferas e pedras preciosas. Entradas e bandeiras

são termos quase sinônimos. Entrada possui, por vezes, acepção mais genérica, referindo-se às expedições

originadas em diversas partes do Brasil, formadas por iniciativa oficial ou particular, ao passo que o

termo bandeira remete-se às expedições dos paulistas. As bandeiras eram compostas, basicamente, de

escravos ou aliados indígenas, capelão e chefe branco ou mameluco. O número de participantes podia

variar entre algumas poucas dezenas e centenas de indivíduos” (VAINFAS, 2001, p. 64).

Page 56: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

55

cuja prestação de serviços e fidelidade política estavam condicionadas à obtenção de

privilégios e mercês (ROMEIRO, 2005).

A administração de Artur de Sá e Meneses, governador e capitão general das

Capitanias da Repartição Sul, assinala a primeira tentativa bem sucedida por parte da

Coroa em impor algum tipo de controle social nas Minas. Este, a fim de promover a

descoberta das minas de metais preciosos, firmou um acordo entre a Coroa e os

descobridores (paulistas), que, caso descobrissem o tão sonhado ouro, receberiam em

troca mercês e recompensas. Para a autora, a estratégia utilizada por Sá e Meneses neste

acordo não pode ser reduzida à mera concessão de mercês e privilégios, mas sim e,

acima de tudo, na sua intenção de estreitar os laços de lealdade entre os vassalos da

Capitania de São Vicente e o rei de Portugal. Em que:

Desde logo, Sá e Meneses percebeu que os descobrimentos dependiam deles,

tidos como os mais experientes sertanistas e descobridores de metais

preciosos. Habilidoso, soube estabelecer um vínculo entre os vassalos das

vilas de São Paulo e Serra Acima e a Coroa, aproximando-os e estreitando

estes laços. Assim, por sugestão sua, o rei escreveu cartas aos mais leais

vassalos individualmente, prometendo-lhes uma mercê futura. Nesse sentido,

a principal façanha de Sá e Meneses – aquela que lhe garantiu a cooperação

dos paulistas e o desvendamento da região mineradora – deu-se no campo

simbólico das relações entre o rei e seus vassalos: subvertendo a legenda

negra então dominante, o governador transformou-os de vassalos rebeldes e

insubmissos em honrados vassalos, animados pela boa lealdade (ROMEIRO,

2008, p. 54-55).

Além disso, neste acordo proposto por Sá e Meneses, foi dada aos homens de

São Paulo, em troca da descoberta dos veeiros de ouro, a garantia de ocuparem os mais

altos cargos da administração colonial. Segundo critérios estabelecidos pelo próprio

governador, os cargos de guarda-mor (principal cargo), procurador da fazenda real,

tesoureiro e provedor deveriam ser ocupados pelos poderosos paulistas. O “acordo

negociado entre Sá e Meneses e os paulistas resumia-se a uma fórmula bastante simples:

o ouro em troca da supremacia política nas Minas” (ROMEIRO, 2008, p. 58). Desta

forma, neste acordo, o governador se comprometia a dar mercês, honras, privilégios e

cargos da administração local aos poderosos de São Paulo e, em troca, solicitava a

prestação de serviços (busca das minas de metais preciosos), bem como a lealdade ao

rei de Portugal. Todavia, para a autora, as relações entre os paulistas e o suserano, no

Planalto de São Paulo, assumiram características peculiares, se comparadas com as dos

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56

povos de outras regiões da América. Eles aliavam-se ao rei somente quando seus

serviços eram devidamente bem recompensados, sendo a fidelidade condicionada ao

atendimento de suas reivindicações. Tal relação era entendida pelos paulistas, segundo

Romeiro, como uma relação entre iguais, mediada por uma noção de contrato, em que

estes negociavam, antecipadamente, os serviços e as formas de recompensa, sem,

contudo, se sentirem obrigados a prestarem obediência a Sua Majestade. Desta forma:

O teor contratualista das suas relações com a Coroa implicava que a gente de

São Paulo não estava obrigada a prestar a vassalagem a que estavam

obrigados todos os habitantes do Reino e do Império português, da qual

faziam parte os feitos e serviços prestados ao rei, considerados expressão de

fidelidade. A vassalagem de cunho contratual significava antes que os

paulistas somente se punham a serviço do rei quando devidamente

recompensados, e que, longe de se animarem por amor à Coroa,

interessavam-lhes tão-somente o que pudessem auferir no âmbito de um

acordo que visava objetivos bem definidos (ROMEIRO, 2008, p. 240).

No intuito de garantir o domínio político dos paulistas, Artur de Sá e Meneses

criou o Regimento de 1700, em que estabeleceu que o principal cargo caberia ao

guarda-mor, cuja função primeira era o de apaziguar todo tipo de conflito relativos aos

trabalhos de mineração. Nesse sentido, nomeou para o cargo Garcia Rodrigues Pais, a

quem o rei recomendara dar alguma função na administração das Minas, em virtude de

serviços prestados à Coroa. Todavia, em abril de 1702, foi promulgado o novo

regimento, promovendo alterações na estrutura administrativa, sendo que a principal

delas foi a criação do cargo de superintendente das minas, transferindo-lhe todas as

atribuições político-administrativas antes exercidas pelo guarda-mor. Esta nova

organização administrativa objetivava introduzir a justiça e limitar o poder político dos

potentados de São Paulo. O desembargador José Vaz Pinto foi designado para o cargo

de superintendente, encarregado de levar o novo regimento aos mineradores. Cabia a ele

examinar os ribeiros descobertos, proceder à repartição das datas, suprimir conflitos,

supervisionar a exploração do ouro e cobrar os quintos reais. Sua ida para as Minas foi

marcada pela tensão e hostilidade com os poderosos do lugar, que não aceitavam a sua

interferência na política local. Após entrar em desavença com o paulista Valentim

Pedroso, que ameaçou tirar-lhe a vida caso promovesse a investigação de uma morte, e

odiado pelos pobres e poderosos do lugar, José Vaz Pinto decidiu abandonar a região,

retornando ao Rio de Janeiro. Sua fuga é representativa da imensa dificuldade

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57

encontrada pelos representantes da Coroa em impor sua autoridade sobre os homens do

Planalto, bem como em instalar um governo político nos sertões mineiros. Com a saída

de Vaz Pinto, a superintendência das minas voltou novamente para as mãos dos

potentados paulistas (ROMEIRO, 2008).

Em fins do ano de 1707, novamente a região das Minas foi palco de conflitos

sociais envolvendo os poderosos paulistas. Tal conflito estava relacionado à

arrematação do contrato dos açougues por Francisco do Amaral Gurgel e seus sócios,

contando ainda com a participação e o apoio do governador do Rio de Janeiro, D.

Fernando de Lencastre. Gurgel era quem detinha o rico contrato das carnes, que lhe

dava o monopólio de toda a carne que fosse cortada na região mineradora, visto como

um dos negócios mais vantajosos da época, superando até mesmo o rendimento das

lavras auríferas. Vencido o contrato em 1706, ele foi novamente levado a leilão, sendo o

próprio Amaral Gurgel um dos principais interessados na sua compra. O governador,

também interessado em beneficiar-se com este negócio, procurou colocar Gurgel nas

boas graças do rei, aludindo para o fato de ele ser um dos principais do Rio de Janeiro e

um vassalo zeloso aos interesses de Sua Majestade. Em vez de arrematar sozinho o

contrato, Gurgel preferiu unir-se a frei Francisco de Meneses, além dos freis Firmo e

Conrado e de Pascoal da Silva Guimarães. A fim de que esta sociedade não despertasse

suspeita, chamaram ainda o português Salvador Vianna da Rocha, cuja participação

visava encobrir a aliança entre religiosos e fazendeiros em torno do contrato. Assim, em

carta de junho de 1708, Lencastre informava ao rei que o contrato dos açougues fora

arrematado por Salvador Vianna da Rocha (ROMEIRO, 2008).

A arrematação do contrato de carnes por esta sociedade causou indignação nos

moradores das Minas, o que desencadeou uma rebelião liderada pelos paulistas

Domingos da Silva Monteiro e Bartolomeu Bueno Feio. Estes alegavam que tal contrato

trazia muitos prejuízos à população local e que a ação de atravessadores,

açambarcadores e monopolistas resultava em preços extorsivos, colocando em risco a

garantia do abastecimento da região e o “bem comum do povo”. Soma-se a isso o

interesse dos paulistas em participar do lucrativo negócio do gado, em que alegavam

também prioridade sobre as arrematações relativas às Minas. Para eles, a arrematação

do contrato de carnes, feita no Rio de Janeiro, colocava em xeque sua influência política

na região mineradora. Assim, indispostos com essa situação, nomearam como

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58

procuradores D. Francisco Mateus Rendon e Júlio César Moreira, incumbindo-os de

levar as reclamações ao governador do Rio de Janeiro. Caso não fossem atendidos em

sua solicitação, deveriam partir diretamente para Lisboa, para expor ao rei a opressão

sofrida pelos povos dos sertões mineiros. Assustado diante da gravidade da situação, e

temendo que o caso chegasse ao conhecimento do rei, o governador acatou a solicitação

dos paulistas, suspendendo o contrato das carnes. Apesar da rapidez da ação do

governador, a notícia do levante paulista chegou até o rei que, mostrando-se sensível à

causa dos moradores de São Paulo, ordenou a anulação do contrato. Nessa contenda, os

paulistas saíram vitoriosos. Para Romeiro, o Levante Paulista de 1707 revela uma

estrutura muito similar à dos motins de fome ou de subsistência ocorridos na Inglaterra;9

foi marcado pela fúria das populações com o aumento do preço da carne, exigindo das

autoridades, fosse o governador ou o rei, medidas que visassem a garantir o preço justo

e o bem comum, assim como a punição aos transgressores que monopolizavam e

elevavam o preço desse gênero alimentício. Nesse sentido, para Romeiro:

É precisamente esta economia moral que estava na origem do caráter

intervencionista da Câmara na economia da Vila de São Paulo,

frequentemente sobressaltada pela fúria da multidão amotinada, a exigir dos

oficiais medidas enérgicas para restabelecer o abastecimento, fixar preços e

punir os infratores, sobretudo os monopolistas e açambarcadores. (...) No

plano do discurso, a Câmara legitimava a sua política intervencionista

apelando para noções como “bem comum” e “serviço régio”, agindo em

conformidade com as formulações derivadas da teoria corporativa do poder,

fortemente arraigada na Península Ibérica, e que postulava a ideia de que

9 No livro, A multidão na história, George Rudé aborda a questão dos “motins da fome” na Inglaterra, no

século XVIII, demonstrando características que iam além dos aspectos econômicos; eram, também,

apelos sociais e políticos, motivadores dessa agitação popular, que atuava na resistência e defesa dos

direitos tradicionais baseados nos costumes do “preço justo” dos alimentos de primeira necessidade e de

melhores condições de vida (RUDÉ, 1991). Outra obra historiográfica significativa para se entender os

“motins da fome” ocorridos na Inglaterra, no século XVIII, é o livro Costumes em comum: estudos sobre

a cultura popular tradicional, do autor Eduard P. Thompson. Segundo este, a historiografia britânica

tradicional retratou este movimento popular da história inglesa como ações espasmódicas, compulsivas e

inconscientes, não passando de reações aos estímulos econômicos. Thompson opõe-se com vigor a essa

historiografia tradicional e ao reducionismo econômico, que subestima ou nega a ação e a escolha

humanas como produtos de uma compreensão consciente da sua realidade social estruturalmente

condicionante. Contra essa visão espasmódica, o autor defende que é possível detectar em quase toda a

ação popular do século XVIII uma noção legitimadora, em que os movimentos sociais, ocorridos nesta

época, atuavam em defesa dos “direitos ou costumes tradicionais”, e que tinham grande apoio da

comunidade. Estes movimentos reativos operavam dentro de um consenso popular de que eram práticas

legítimas na defesa dos costumes contra uma prática de mercado inovadora que tendia a regular “os

preços” pela oferta e procura dos produtos alimentícios. O desrespeito a estes direitos morais e

costumeiros da plebe inglesa era o motivo habitual para momentos de perturbação social (THOMPSON,

1998).

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59

cabia ao rei e seus representantes a garantia da justiça e do bem comum em

troca da quietação e do sossego dos povos (ROMEIRO, 2008, p. 150).

Sendo assim, o Levante de 1707 foi um movimento de defesa dos interesses dos

homens do Planalto contra a arrematação do contrato de carnes, feita no Rio de Janeiro.

Tal movimento acirrou a antipatia entre os paulistas e os emboabas, fato que ensejou

mais tarde pequenos incidentes entre os dois grupos, levando a eclosão do Levante

Emboaba no ano de 1708.

Uma discórdia ocorrida em Caeté acentuou ainda mais o ódio entre os homens

de São Paulo e os naturais de Portugal. Para Adriana Romeiro, não foi no âmbito da luta

armada que se deu a vitória dos emboabas sobre os paulistas, mas sim no âmbito

ideológico. A vitória emboaba resultou da capacidade e habilidade dos mesmos em

articular suas demandas políticas e encaminhá-las adequadamente à Coroa,

apresentando-as nos termos de uma legítima defesa dos interesses portugueses na

América, ameaçados pelos ânimos revoltosos dos paulistas. Assim, no discurso

emboaba, o levantamento se deu em virtude da preocupação em restaurar a liberdade e o

poder régio numa região dominada politicamente pelos poderosos paulistas que, tidos

como tirânicos e infensos a qualquer tipo de ordem, sobrepunham o poder privado ao

poder da Coroa. “Tirania versus liberdade: eis o cerne do discurso emboaba. E o modelo

de restauração a que estavam se referindo era indubitavelmente a Restauração

portuguesa” (ROMEIRO, 2008, p. 267). Como foi dito, por todo o Império português

estas teorias políticas ecoaram, desencadeando motins contra maus representantes do rei

que atentavam contra o bem comum dos povos.

No discurso emboaba, a Restauração se deu com a aclamação popular de Manuel

Nunes Viana para o governo das Minas a fim de pacificar a região e garantir o sossego

público, bem como a liberdade dos povos contra a tirania dos paulistas. Na busca de

eximir-se de uma possível culpa no crime de lesa-majestade, a de ter usurpado o poder

na região, Viana deu a entender que foi forçado a aceitar o cargo, e só o fez por temer

por sua vida. Além disso, ele soube explorar o imaginário negativo em torno dos

homens de São Paulo no sentido de legitimar a ação política emboaba em termos de

uma pretensa causa a favor da defesa do poder e da soberania portuguesa na América,

colocando-se, desse modo, como súditos leais de El-Rei. Sendo assim, para Romeiro, os

emboabas, sob a liderança de Manuel Nunes Viana, selaram a própria vitória ao

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60

manipular a legenda negra em torno dos paulistas, acusando-os de falta de fidelidade

política ao rei de Portugal (ROMEIRO, 2008).

Carla Maria Junho Anastasia, em seu livro Vassalos rebeldes, abordou os vários

motins ocorridos na Capitania de Minas ao longo do século XVIII. Em seu trabalho, a

autora verificou que esses movimentos reativos também se inscreveram em uma luta

marcada pela tradição de defesa dos “direitos baseados nos costumes”, principalmente

no que concernia o descontentamento dos povos das Minas com as alterações tributárias

sobre a produção mineradora por parte da Coroa portuguesa. Além disso, ela evidenciou

outro aspecto característico desses motins: a disputa política na região entre os

poderosos locais e as autoridades representantes do poder central.

Para Anastasia, a manutenção da acomodação entre os povos das Minas e as

autoridades régias dependeu da capacidade destas e da Coroa de respeitar os

costumes/privilégios que os primeiros acreditavam possuir. Estes exigiam

procedimentos justos e moderados por parte da monarquia, pondo limites ao exercício

do poder real. Se esses limites estabelecidos pelos costumes fossem desrespeitados,

rompiam-se as formas acomodativas, tendo como principal consequência o surgimento

de motins que, marcados pela tradição de defesa da manutenção das regras

estabelecidas, visavam a restaurar o equilíbrio tradicional dos atores sociais no cenário

colonial (ANASTASIA, 1998). É nesse contexto que se inseriu a sublevação que

ocorreu em Vila Rica, no ano de 1720. Esta sublevação estava relacionada ao maior

controle político e fiscal, o que levou ao rompimento da acomodação entre os atores

sociais, tendo em vista o constrangimento dos interesses dos povos e dos poderosos

locais pela Coroa portuguesa. Tal motim será analisado mais detidamente nos próximos

capítulos deste trabalho.

A Sedição de 1736 foi mais um exemplo das dificuldades encontradas pela

monarquia portuguesa em estabelecer normas na Capitania das Minas do Ouro. Esta

revolta se deveu à insatisfação da gente miúda e dos potentados com a cobrança do

imposto de capitação no Sertão do São Francisco. A principal atividade econômica do

noroeste de Minas era a comercialização de gêneros alimentícios e gados para as regiões

mineradoras, bem como para a Bahia, Goiás e Mato Grosso. Os altos lucros

provenientes desse negócio e a grande autonomia administrativa da região que, se

comparada à área mineradora, sofria bem menos com os impostos reais, permitiram a

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61

emergência de homens poderosos, desejosos do mando local e avessos às mudanças

políticas e fiscais.

Na primeira metade do século XVIII, o volume do ouro arrecadado em Minas

Gerais estava abaixo das expectativas do rei D. João V. Em consultas feitas aos ex-

governadores da capitania, D. Pedro de Almeida, e D. Lourenço de Almeida, estes

indicaram a possibilidade de se adotar o imposto da capitação. Em 1733, atendendo às

recomendações, foi enviado para as minas Martinho de Mendonça de Pina e de Proença,

com a Instrução de implantar o novo sistema de tributação do ouro. Cientes dessas

intenções, as câmaras apresentaram uma contraproposta ao governador André de Melo e

Castro, conde de Galvêas, de aumentar a contribuição dos quintos para um mínimo de

100 arrobas anuais, mantendo as Casas de Fundição. Aceita a contraproposta, esta

vigorou apenas por um ano, pois a partir de 1735 efetivou-se o sistema de capitação.

Neste novo sistema, “homens livres, oficiais de qualquer ofício e escravos ficavam

obrigados ao pagamento de 4 ¾ oitavas de ouro per capita; as vendas eram taxadas

proporcionalmente aos seus cabedais” (ANASTASIA, 1998, p. 69). Este novo tipo de

imposto desagradou os moradores do noroeste de Minas Gerais, principalmente os de

menor condição social, por considerarem o imposto lesivo aos seus rendimentos. A

enorme resistência ao tributo deveu-se ao fato de os sertanejos não se considerarem

mineradores, não sendo justa a obrigação de pagarem o direito do quinto, já que

pagavam outros tributos que incidiam sobre o comércio de gado (FIGUEIREDO, 2007).

Aos dezenove de fevereiro de 1736, o comissário André Moreira de Carvalho foi

designado para a cobrança da taxa no sertão do São Francisco. Os sertanistas não

aceitaram sua presença. Resistiram tanto os potentados, em ver reduzida sua autonomia

política na região, quanto os populares, em pagar a nova taxa, o que levou à eclosão de

vários motins contra as autoridades representantes da Coroa. O governador interino,

Martinho de Mendonça, enfrentou graves dificuldades não só para obter informações

precisas sobre os motins do São Francisco como para controlá-los. Para o comissário

André Moreira, os motins eram resultado da indisposição do povo miúdo com o

estabelecimento do novo imposto. Já para o desembargador Cunha Lobo os motins

eclodiram em função da arrogância e da autonomia dos potentados, que se negavam a

reconhecer a autoridade da Coroa. Nesses motins, a figura do rei foi preservada, sendo a

fúria da população direcionada aos oficiais régios, considerados culpados pelas

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injustiças cometidas contra os privilégios e costumes locais. Todavia, em outros

enfrentamentos, marcados pela forte disputa política entre o poder privado e real, nem

mesmo o rei escapou da ira dos amotinados (ANASTASIA, 1998). Nesse sentido:

Em pasquins que circulavam nos sertões da Capitania de Minas Gerais,

durante os furores sertanejos de 1736, parodiando a oração do pai-nosso em

grossa crítica à cobrança do quinto do ouro, desafiava-se o rei às escâncaras.

Pediam que para lá viesse o soberano a fim de ver as aflições dos súditos e

advertiam para suas obrigações de rei-provedor que queirais fazer-se celeiro/

do suor de tais vassalos e, ainda, insinuavam franca desobediência: E sabeis

que com a vontade estreita/ os pobres vos obedece [sic]/ porque vossa

crueldade merece/ Não se faça a vossa vontade (FIGUEIREDO, 2007, p.

265).

Na opinião de Martinho de Mendonça, não eram verdadeiras as informações

passadas por Cunha Lobo de que os poderosos comandavam os povos nos tumultos de

1736. Para o governador, os graves tumultos no noroeste de Minas Gerais eram

provocados pela gente miúda. Ele punha em dúvida, inclusive, a força desses

levantamentos. Além disso, recusava-se a negociar com os rebeldes, por considerar que

o acesso à justiça era garantido somente aos vassalos leais. Arrefecidos os ânimos e

controlados os motins do Sertão, foram presas mais de sessenta pessoas, sequestraram-

se bens, registraram escravos e, finalmente, cobraram os impostos de capitação. O

governador mandou ainda para Vila Rica alguns poucos presos acusados de atos

sediciosos e violentos, como mortes, incêndios e estupros. Este, após os perigos que

enfrentou com o motim de 1736, tomou conhecimento da imensa dificuldade em conter

a insubmissão dos povos do Sertão, que na defesa de costumes e privilégios locais, não

hesitavam em se levantar contra as autoridades representantes do poder régio

(ANASTASIA, 1998).

Logo, a formação e organização social e política das sociedades da América

portuguesa foram também constituídas mediante os laços de reciprocidade e/ou pactos

estabelecidos entre o rei e os súditos no ultramar que, através da prestação de serviços

em favor do soberano, conseguiam em troca privilégios de vários tipos, que lhes davam

além do prestígio social, vantagens financeiras. É importante ressaltar, nessa relação,

que o rei era o centro de decisão e o responsável por atribuir direitos e privilégios a

indivíduos e grupos. Exercia o monopólio da estruturação social e institucional, através

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63

da atribuição de benefícios materiais, cargos políticos, honras e distinções,

hierarquizando e regulando o espaço social nos trópicos.

Nota-se, também, a influência das formulações políticas que deram legitimidade

ao movimento restaurador de 1640, inspirando a ascensão de vários motins nas partes

mais distantes do império português, cuja tônica residia em proteger o “bom governo”,

o “bem comum” e a “autonomia política” das elites dominantes. O Motim de 1720 foi

bastante representativo dessas concepções, pois aglutinou os interesses das camadas

dominantes e de populares em torno de uma causa similar: a proteção dos direitos

costumeiros, a manutenção do status quo, isto é, a defesa das regras do “jogo colonial”

anteriormente estabelecido, questionado em face da investida centralizadora de

Portugal, como se verá adiante.

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2º CAPÍTULO

O LEVANTE DE VILA RICA: POLÍTICA INDESEJADA E FIDELIDADE

COLOCADA À PROVA

2.1 – O Barulho do Minerar, Vila Rica de Ouro Preto: uma cidade sem descanso

Durante a primeira década do século XVIII ocorreram vários motins na região

das Minas que desafiaram a autoridade dos representantes régios. A queixa geral girava

em torno da garantia de privilégios políticos locais e da insatisfação com o aumento da

fiscalização sobre a produção mineradora. Esse contexto de instabilidades levou a Coroa

a introduzir, pouco a pouco, um maior controle administrativo no interior dos sertões,10

visando a conservar sua soberania nesta rica conquista. Foi a partir da Guerra dos

Emboabas que se deu o início da implantação de um governo central mais efetivo na

zona mineradora e, para melhor administrá-la, criou-se a “Capitania de São Paulo e

minas do ouro”, separada da do Rio de Janeiro. A fundação de vilas foi outro

mecanismo adotado pela monarquia portuguesa no sentido de impor sua autoridade e a

ordem pública. Dos muitos arraiais (pequena povoação) surgidos em Minas Gerais, dois

tornaram-se as primeiras vilas – que já apresentavam uma população considerável e

certa organização do aparato administrativo da Coroa –, em 1711: Vila de Nossa

Senhora do Carmo (atual Mariana) e Vila Rica (atual Ouro Preto). A obtenção do título

de vila dependia, na maioria das vezes, do grau de enobrecimento da população local,

sendo que as “funções exercidas por alguns habitantes e os privilégios de que gozavam

podiam constituir um fator de enobrecimento para uma cidade, uma vila ou mesmo um

arraial, tornando tais lugares mais dignos das graças régias” (FONSECA, 2011, p. 335).

10

“O termo sertão está associado à ideia de um lugar deserto, pouco conhecido e povoado, sendo que a

sua conversão em território se faz na medida em que se avança e se intensifica o processo de povoamento

neste local” (FONSECA, 2011, p. 51-55). “Termo consagrado pela obra de Euclides da Cunha, Os

sertões, publicado em 1902. Depois de participar da quarta expedição militar que deu fim ao arraial de

Canudos, interior da Bahia, em 1897, Euclides escreveu a mais pungente narrativa sobre o território do

sertanejo nordestino: árido, inóspito, indômito, atrasado, imune à passagem do tempo e aos progressos da

civilização. Diferenciou o sertanejo do paulista, sinônimo de bandeirante, tipo aventuroso, com a feição

perfeita de um dominador da terra. Mas essa distinção do início do século XX não pode ser aplicada ao

sertão do Brasil colonial, sinônimo de lugares não povoados, não necessariamente áridos, ao contrário, às

vezes extremamente úmidos, como as capitanias de São Vicente e São Paulo, berço dos bandeirantes que

desbravaram o interior da colônia de norte a sul” (VAINFAS, 2001, p. 528).

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65

Para Charles Boxer, Vila Rica era talvez o núcleo urbano mais importante da

América, sobretudo pelo descobrimento de ouro na região. Foi transformada em vila em

08 de junho pelo Governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, batizando-a

com seu próprio sobrenome: Vila Rica d’Albuquerque. Todavia, a Coroa portuguesa

considerou tal atitude um ato de lesa-majestade, restabelecendo o nome primitivo do

lugar: Vila Rica de Ouro Preto. A descoberta do ouro deu-se, também, em outros

lugares, como no interior da Bahia e nas Capitanias de Goiás e Mato Grosso. Mas, foi

em Minas Gerais que tal descoberta proporcionou a alguns moradores da região, mais

particularmente em Vila Rica, uma vida de opulência e riqueza. Para Laura de Mello e

Souza, no entanto, a despeito da abundância do ouro, a sociedade mineira era marcada

pelas desigualdades sociais e pelas dificuldades de enriquecimento da maior parte da

população. Portanto, para a autora, a vida nas Minas era difícil; miséria, violência e

conflitos sociais representavam o outro lado da moeda11

(BOXER, 1969; SOUZA,

2004).

Para Virgílio Noya Pinto, a despeito das expedições dos paulistas terem dado

início ao povoamento das Gerais, somente a partir das grandes descobertas do ouro e de

sua notícia foi que este se deu em larga escala, com o intenso deslocamento de pessoas

vindas de outras partes da América, do reino e de outras nações. Nessa época, o

desenvolvimento econômico desta região contrastava com a decadência e a estagnação

da atividade canavieira da Bahia. Assim:

A paisagem brasileira convulsionou-se em poucos anos. À vida agrícola e

pastoril, embalada pelo moer da cana e pelo ranger do carro de boi, sucedeu

a vida da labuta mineira com o desafio das águas e dos morros; vida

trepidante de aventureiros em que a cobiça estimulava os apetites. Toda uma

avalanche de homens, cujo único acervo era a coragem e a audácia,

transformou a paisagem solitária e tranquila das Gerais num pulular de vilas

e povoados, surgindo no Brasil Central um tipo de cultura com

características sociais diversas daquela criada pelo senhor de engenho

(PINTO, 1979, p. 53).

11

Segundo Maria Verônica Campos, “a América não era o local onde mais se lucrava com a mineração, e

o fluxo do ouro era controlado de longe pelos comerciantes lisboetas e europeus, especialmente ingleses e

holandeses. Minas Gerais desempenhou importante papel na produção mundial de ouro no século XVIII,

mas boa parte transferiu-se de praça em praça, até chegar aos locais de acumulação por excelência

naquele momento, a Inglaterra e a Holanda. Uma parcela do ouro foi retida ao longo do caminho, no Rio

de Janeiro, Salvador, Pernambuco, Buenos Aires, Angola, Costa da Mina, Lisboa e Porto. Uma pequena

porção ficou em Minas, sob a forma de joias, ornamentação de igrejas e meio circulante” (CAMPOS,

2002, 13-14).

Page 67: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

66

O autor ressalta que a Coroa portuguesa passou a se preocupar muito mais com a

fortificação e defesa da América, já que a cobiça do ouro atingia igualmente outras

nações europeias, temor confirmado pelas invasões no Rio de Janeiro.

Laura de Mello e Souza evidencia que mal havia se dado a descoberta do ouro,

Portugal já se preocupava em regular a zona mineradora através da urbanização e da

implantação do aparelho administrativo e fiscalizador na região, a fim de garantir que a

riqueza proveniente do território mineiro fosse drenada para a corte de D. João V. Ela

ressalta, ainda, que antes mesmo de se iniciar o processo urbanizador e administrativo,

os poderosos,12

na sua maior parte paulistas – vistos pelas autoridades reais como

pessoas truculentas e avessas a todo tipo de ordem –, foram frequentemente utilizados

pela Coroa para procurarem riquezas minerais no interior dos sertões e, em troca desta

prestação de serviço, recebiam títulos e privilégios como recompensas, chegando até

mesmo a ocupar cargos no governo local.13

Todavia, a partir do momento em que a

política e a fiscalização sobre a região mineradora tornaram-se mais rigorosas, a relação

entre os poderosos locais e os representantes régios ficava cada vez mais tensa, e isso

gerou uma série de conflitos ao longo do século XVIII (SOUZA, 2004).

Segundo a autora, a presença dos poderosos locais só foi tolerada enquanto seus

serviços particulares eram úteis à Coroa portuguesa. Mas, quando passaram a questioná-

la, quando da aplicação de maior controle político e fiscal na região, esses passaram a

12

Segundo Romeiro, para ser reconhecido como “Poderoso” (homem rico) no sertão das Minas, era

necessário ser proprietário de uma extensa mão-de-obra escrava. Todavia, para a autora, “a mera riqueza

não bastava para conferir o status de poderoso, sendo também necessário que o indivíduo constituísse um

pólo de poder privado, tido e reconhecido pelos contemporâneos. O que a documentação da época

permite entrever é que aqueles que se enriqueciam com os negócios da mineração ou do comércio podiam

frequentemente alcançar uma posição social mais elevada aos olhos da população, conquistando o que

Anastasia e Nonata da Silva chamam de território de mando. Nesses territórios de mando, parentes,

afilhados, vizinhos e agregados se articulavam em vastas cadeias clientelares, que se distribuíam por

povoados e arraiais, unindo homens pobres aos poderosos locais em relações de dependência e obrigação.

A feição particular do povoamento da região, que caldeou para os sertões mineiros um alto contingente

demográfico em ritmo vertiginoso, a par das exigências da mineração, que implicava tanto o aprendizado

de técnicas quanto o apoio material dos mais afortunados, conformaram o complexo universo das relações

sociais e políticas nas Minas, no qual o clientelismo desempenhava o papel estruturador por excelência.

Aos mais pobres, colocar-se à sombra de um grande potentado local equivalia a uma estratégia de

sobrevivência vital, a única capaz de assegurar-lhe o amparo necessário numa região dividida em

territórios de mando” (ROMEIRO, 2008, p. 87). 13

Segundo Francisco Eduardo de Andrade, “o reconhecimento do feito de descobrimento, traduzido na

concessão de privilégios, era tão indispensável aos sertanistas que, em 1718, o rei observou que havia um

certo desalento nas ações descobridoras, desde que os descobridores estavam impedidos pelo Regimento

de 1702 a repartir eles mesmos as datas minerais”. Ou seja, a descoberta de veeiros de ouro no interior

dos sertões dependeu da capacidade da coroa portuguesa de negociar acordos ou prêmios que

estimulassem os vassalos da América a prestarem tal serviço (ANDRADE, 2008, p. 42).

Page 68: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

67

ser cassados e punidos, em face do fortalecimento do poder real e do controle social nas

zonas auríferas.

Uma estratégia adotada, no sentido de se estabelecer a autoridade real nas zonas

mineradoras, foi o incentivo dado à urbanização, com a criação de várias vilas, embora

anos mais tarde o governador D. Pedro de Almeida Portugal,14

o conde de Assumar,

viesse a discordar disso. A urbanização das Minas tinha por função primária reduzir os

moradores à obediência, de forma que os trabalhos auríferos fossem feitos com sucesso,

possibilitando à Coroa retirar maiores lucros com esta atividade, e não foi outra a

preocupação dos governadores, que para lá se conduziram a fim de garantir o sossego

público e defender os interesses do rei de Portugal (SOUZA, 2004).

Segundo Renato da Silva Dias, na tese Para a glória de Deus, e do Rei?

Política, religião e escravidão nas Minas do Ouro (1693-1745), a elevação de vários

povoados à categoria de vila não foi uma medida suficiente para a garantia do

ordenamento social nas Minas, embora reconheça que a ereção de vilas contribuiu

imensamente para a organização do sistema administrativo. Para o autor, as barreiras

naturais, como as “densas matas”, as “montanhas” e os diversos “rios que cortavam as

Minas” foram fatores que dificultaram a imposição da ordem pública e o controle sobre

os habitantes da região, que não menos tentados pelo ouro, impunham uma série de

dificuldades ao cumprimento das leis fiscais da Coroa, contrabandeando o ouro em pó,

desviando-o ou até mesmo deixando de pagar os impostos, ainda que sob o risco de

serem presos ou degredados.15

Os oficiais régios que, não raro, viviam em constantes

tensões com os poderosos da região – insatisfeitos com recrudescimento da tributação e

com a interferência na política local –, tinham consciência das dificuldades em impor

uma autoridade mais efetiva nas Minas, muito em decorrência da imensidão do

14

“Natural de Lisboa; nasceu em 1688 e faleceu, em Cascais, no ano de 1756. Dos 16 aos 25 anos,

acompanhou seu pai, dom João de Almeida, nas guerras contra Castela (Guerra de Sucessão de Espanha),

quando se distinguiu em diversas batalhas, dentre as quais, comandou a retirada das tropas portuguesas da

Catalunha. Casou-se com dona Maria José Nazaré de Lencastre em 1715, com quem teve 11 filhos, dos

quais 3 morreram pequenos. (...) Em 1717, foi nomeado governador da capitania de Minas Gerais e São

Paulo; durante o seu governo, fundou a vila de São José del-Rei; enfrentou sedições dos habitantes da

capitania, em virtude do estabelecimento das Casas de Fundição (Filipe dos Santos/ 1720) e dos contratos

das passagens dos rios de São Francisco e das Velhas; em 1722, retornou a Portugal” (CÓDICE Costa

Matoso, 1999, p. 55) 15

Degredo “era uma pena, um castigo previsto para vários delitos da justiça secular, eclesiástica e

inquisitorial. Degredar deriva de degradar, isto é, diminuir de grau, rebaixar. E, na prática, era pena

equivalente ao desterro ou a trabalhos forçados para el-Rei, sobretudo nas galés. Foi o degredo no sentido

do desterro para o Brasil o instrumento utilizado pela Coroa, não só para punir diversos condenados como

também para povoar o território” (VAINFAS, 2001, p. 180).

Page 69: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

68

território e da falta de um corpo administrativo e militar suficiente para aplicar a justiça

e controlar os vassalos. Esta fragilidade institucional “tornava necessária a tomada de

medidas drásticas, como o castigo exemplar” (DIAS, 2004, p, 47).

Foi essa a tática adotada por Assumar para diminuir o poder dos potentados

locais, fortalecer a presença da Coroa na capitania e aumentar a arrecadação fiscal sobre

as atividades relacionadas à mineração. Em seu discurso de posse,16

ele enalteceu o fato

de que sua vinda para a América fora algo imprevisto e indesejado, já que afirmou

constantemente que o fizera unicamente em obediência estrita às ordens do rei de

Portugal, deixando, a contragosto, amigos e parentes na corte. Assumar afirmou, ainda,

que o fato de ele ter vindo para a América, por si só, deveria ser tomado como exemplo

de extrema obediência, a ser seguido pelos vassalos destas terras, e que estes não

deveriam condicionar tal “resignada” obediência a algum tipo de compensação, já que

aquela era devida ao rei por imposição divina, por ser ele um “vice-Deus na Terra”.

Assim:

Quanto mais um vassalo em servir ao seu rei se tem empenhado nas coisas

que lhe alcançarão maior estimação e maior nome, tanto mais estimável mais

honrada e mais airosa é depois a sua obediência resignada, não porque

depois de memoráveis serviços se solte a obrigação, que Deus impôs ao

vassalo de obedecer ao soberano, como a vice-Deus na Terra, mas porque

parece uma espécie de gratificação do príncipe não obrigar com tão forte

obediência aos que por ele generosamente, e tantas vezes sacrificaram a sua

vida; e por isso mesmo quanto mais respeitoso, quanto mais submisso é o

vassalo, tanto mais cumpre com os divinos e humanos preceitos

(DISCURSO, 1999, p. 37).

Este discurso elogioso à obediência realizado pelo conde era revelador da

orientação política que nortearia suas ações na administração mineira. Aparentemente,

porém, havia intencionalidade, já que é sabido que o posto de governador era cobiçado

pelos nobres da corte, pois rendia grande prestígio na sociedade portuguesa, além da

possibilidade de auferir rendas, ainda que de forma ilícita.17

16

DISCURSO de Posse de D. Pedro de Almeida, conde de Assumar, como governador da Capitania de

São Paulo e Minas do Ouro, em 1717. Documento transcrito por Laura de Mello e Souza. (SOUZA,

1999). 17 “De D. Pedro de Almeida, dizia-se que regressou à Corte com mais de 100.000 moedas de ouro. Sua

grande fortuna levantou suspeitas e esteve afastado da Corte enquanto suas contas eram investigadas,

embora corresse à boca pequena que seu afastamento se dera não só pela devassa instaurada sobre sua

administração, mas também por inveja do Marquês de Abrantes” (PEREIRA, 2009, p.129).

Page 70: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

69

No livro O Império Marítimo Português, o autor Charles Boxer demonstra que

os representantes do rei de Portugal, nas diversas possessões coloniais, envolviam-se no

comércio, adquirindo rendas de maneira irregular, como forma de compensar os baixos

salários. A maior parte dessa fortuna era empregada na compra de casas e terras e na

formação de morgados18

em Portugal, para onde retornavam depois de encerrada a

carreira pública. Para Boxer, a Coroa portuguesa tinha consciência das práticas ilícitas19

cometidas por seus funcionários no exercício do cargo público, todavia, parecia tolerá-

los, em certa medida, por considerar difícil e perigosa a vida nas distantes possessões

coloniais. Laura de Mello e Souza também buscou evidenciar as dificuldades em se

controlar os funcionários régios nas Minas que, distantes do centro de poder, cometiam

toda sorte de infrações na região, em desacordo, inclusive, com as leis e ordens reais. O

conde de Assumar também “oscilava no pêndulo da fortuna como qualquer outro

governante, juntando ao exercício do poder e do dever a causa financeira dele e do rei”

(BOXER, 2002; SOUZA, 2004; PEREIRA, 2009, p. 135).

Os primeiros governadores de Minas Gerais queixavam-se constantemente ao rei

da qualidade dos homens que emigravam para a região das Minas, acusando-os de

truculentos, perigosos e provocadores de motins. O governador Dom Lourenço de

Almeida,20

por exemplo, explicava à Coroa, em 1722, que a maior parte dos emigrantes

era constituída de homens solteiros recém-chegados de Portugal. Na concepção do

governador, estes não tinham nada a perder por disporem de pouco cabedal e por não

terem mulher e nem filhos, o que de certo modo, favorecia para que desobedecessem às

ordens de Sua Majestade, cometendo diversos delitos cruéis. Acusação idêntica foi feita

18

“Bens vinculados a certos sucessores de uma família, a quem vão passando sem se poderem vender

nem dividir; tb. Bens diversos que, inalienáveis e indivisíveis, passam, por morte do possuidor, para o

filho primogênito” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 109, v.1). 19

Adriana Romeiro, por seu lado, trouxe à tona a necessidade de observar que o conceito de corrupção no

exercício da atividade pública possuía significação diversa da que assumiu nos séculos seguintes, de

“bases teórico-políticas de cunho liberal, radicalmente diferentes da cultura política orientada pela

Segunda Escolástica”. Alertava, então, para o risco de se cometer anacronismo, ao se pensar a corrupção

na sociedade da América portuguesa entre os séculos XVI e XVIII partindo de pressupostos modernos.

Segundo a autora, as fronteiras entre o lícito e o ilícito dependiam de que os funcionários da coroa não

ultrapassassem os limites da justiça e do bem comum dos povos, colocando seus interesses particulares

acima dos interesses públicos, sobretudo, aos do rei de Portugal (ROMEIRO, 2012, p. 55). 20

“Filho de dom Antônio de Almeida, o conde de Avintes. Governou a capitania de Pernambuco desde

1715 até 1718; foi o primeiro governador da capitania de Minas Gerais após o seu desmembramento de

São Paulo, em 1720, tomando posse em 1721; estabeleceu as primeiras Casas de Fundição em 1725;

durante o seu governo, foram descobertas as minas de diamante no Serro Frio, em 1729; na Metrópole,

passou ao governo militar da província da Beira e foi conselheiro de Guerra. Faleceu em Lisboa no ano de

1750” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 23).

Page 71: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

70

doze anos mais tarde pelo governador Martinho de Mendonça de Pina e de Proença,21

que acusava os paulistas, primeiros habitantes da capitania de Minas Gerais, de serem

violentos e desobedientes, bem como os portugueses de origem mais humilde. O conde

D. Pedro de Almeida, que governou Minas Gerais do ano de 1717 a 1721, ainda foi

mais depreciador, descreveu os mineiros como a escória da terra, aludindo também para

a desobediência destes às ordens do rei de Portugal (BOXER, 1969).

Em um bando,22

publicado na Vila de Nossa Senhora do Carmo em 30 de

dezembro de 1717, Assumar acusava poderosos locais de, através da força e da

violência de suas armas e de seus escravos, perverterem a boa ordem. Além disso,

sentenciava que todos aqueles, fossem de qualquer condição social, que se juntassem

em grupos armados, exceto ao serviço de Sua Majestade, seriam considerados régulos e

levantados, isto é, insubordinados. Seriam, então, penalizados pela lei e exemplarmente

castigados, tendo seus bens sequestrados, dos quais caberia a quinta parte ao

denunciante; uma forma de incentivar a delação. Alertava, ainda, para que nenhuma

pessoa fizesse de suas casas esconderijos para os criminosos, sob pena de serem

também castigados. Além disso, ordenou que nenhum negro, mulato ou natural da

região portasse armas. Percebe-se, portanto, neste bando, a existência de indícios tanto

de insubordinação e “má vontade” dos vassalos, em se sujeitar às leis de Sua Majestade,

quanto de um recrudescimento das punições aplicadas pelo governo, contra os que se

envolvessem em revoltas, ou que atentassem contra a ordem e o sossego públicos.23

O governador tinha, ainda, uma visão negativa a respeito da criação de novas

vilas e, consequentemente, da instalação de um concelho.24

Ele considerava que em

21

“Natural da vila da Guarda, nasceu em 1693 e faleceu no ano de 1743; neto do matemático Leonis de

Pina Mendonça. Integrou o movimento de crítica ao ensino universitário vigente. Foi guarda-mor da

Torre do Tombo, bibliotecário e preceptor de um dos irmãos de dom João V, deputado do Conselho

Ultramarino, fidalgo da Casa Real e membro da Academia Real de História Portuguesa; esteve em Minas

no período de 1734 a 1738; em 1736, assumiu o governo interino da capitania de Minas Gerais (durante o

afastamento de Gomes Freire de Andrade); foi responsável pela demarcação do território diamantino e

pelas instruções para a extração dos diamantes no Serro Frio; envolveu-se diretamente com o projeto de

implantação do imposto da capitação” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 56). 22

“Ordem ou decreto do governador e capitão-general publicando decisões pontuais, em geral

relacionadas a questões cotidianas, ou medidas emanadas de uma ordem mais ampla e de instância

superior, por intermédio de pregão, de maneira solene, ou afixado em lugar ou veículo de circulação

pública. Pregão: publicação de qualquer coisa, feita nos lugares públicos, em voz alta, para que todos

tomem ciência do seu conteúdo” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 78 e 115). 23

ANUÁRIO do Museu da Inconfidência, Ouro Preto, 1955-57, p. 67-68. Doravante, cita-se somente

ANUÁRIO para esta referência. 24

“Em Portugal, mantidas as diferenciações resultantes dos privilégios de que gozavam, as cidades e vilas

figuram como sedes de concelhos, governados por câmaras – constituídas de um corpo de oficiais

Page 72: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

71

terras tão insubmissas, marcadas pela ocorrência de motins, era melhor ter menos vilas e

concelhos, já que estes serviam bem mais às vontades dos poderosos locais do que às do

rei de Portugal (FONSECA, 2011). Segundo Fernanda Borges de Morais:

Nos momentos de maior intensificação do esforço de povoamento, a ereção

de vilas e cidades figurava como importante estratégia na qual a implantação

de uma estrutura de organização administrativa, jurídica, fiscal, militar e

territorial possibilitava à Coroa Portuguesa impor sua ordem e garantir maior

controle fiscal sobre as riquezas produzidas. Por outro lado, conferir maior

autonomia e poder a determinadas localidades e, consequentemente, às elites

locais poderia não ser a melhor estratégia em momentos de crises ou ante a

emergência de rebeliões e insubordinações da população (MORAES, 2007,

p. 62).

Em carta enviada a Vasco Fernandes Cézar de Menezes, no dia 13 de janeiro de

1721, o conde de Assumar ressaltou que, mesmo depois de encerrado o Motim de 1720,

os povos ainda receavam a instalação das Casas de Fundição, encontrando nos homens

de “nobreza da terra”, que ocupavam os cargos da câmara municipal, apoio para que

não se efetuassem tais instalações. Segundo ele, estes agentes camarários se utilizaram

de vários estratagemas, que visavam a este intento.25

Percebe-se, neste sentido, que as

câmaras constituíam mais um espaço de interesses e de poder local, do que um lugar

que representasse os interesses do rei, principalmente no que tangia às formas de

cobrança do quinto.

No Discurso Histórico e Político Sobre a Sublevação que nas Minas Houve no

ano de 1720, 26

Assumar evidenciou a ocorrência de vários motins na região das Minas.

Todavia, na sua concepção, o Motim de Vila Rica apresentava maior gravidade, por

atentar contra a autoridade do rei de Portugal.

Vários têm sido os motins e sublevações que em diversos tempos houve nas

Minas, mas nenhuma de tão perniciosas consequências, e tanto para temer,

municipais com atribuições judiciárias, administrativas, militares e fiscais. Era esse o modelo de

administração local que a Coroa Portuguesa, desde o século XVI, buscou transferir, praticamente sem

alterações, para suas colônias. As instituições municipais constituíam verdadeiros instrumentos para a

construção e a defesa dos territórios portugueses de além-mar. Por meio dos conselhos é que os impostos

eram coletados, a justiça era aplicada e as milícias recrutadas” (MORAES, 2007, p. 60). 25

APM, SC 13, fl. 15-15v. Doravante, cita-se somente “SC” (Seção Colonial) e o número códice nesta

referência. 26

Para Laura de Mello e Souza este importante documento histórico sobre os acontecimentos ocorridos

em Vila Rica, no ano de 1720, não foi escrito apenas pelo governador conde de Assumar, mas contou

também com a colaboração de dois jesuítas de sua confiança: Antônio Correia e José Mascarenhas

(SOUZA, 1994).

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72

como a presente do ano de mil setecentos e vinte, pelo temerário e inaudito

fim a que se encaminhava e dirigia, qual era alçar a obediência ao seu

príncipe, usurpar ao patrimônio real esta rica porção, e introduzirem-se nela

despoticamente soberanos os mesmos que ainda eram indignamente vassalos

(DISCURSO, 1994, p. 59).

Para este governador, os motins são naturais de regiões onde se descobrem o

ouro, “e que é propriedade e virtude do ouro tornar inquietos e buliçosos os ânimos dos

que habitam as terras onde ele se cria”. Ele faz ainda uma associação entre o

comportamento dos moradores mineiros e o comportamento característico da gente

paulista, considerada de má índole, desordeira e infiel ao rei de Portugal. Afirmou que

os poderosos locais27

eram os principais incentivadores das desordens ocorridas na

região das Minas, ao relatar que estes “fazem estrondos, excitam tumultos, movem

bulhas, formam motins, solicitam liberdades”. Em sua opinião, a solução para se pôr

fim aos motins seria a remoção destes homens destas terras, assim “como eles fazem ao

ouro”. Todavia, tal acepção não pode ser estendida a todos os poderosos, havendo

outros de honrada posição social e econômica que estavam empenhados em servir a Sua

Majestade (DISCURSO, 1994, p. 60-62). Nota-se no Discurso Histórico, que apesar de o

conde dar mais ênfase à infidelidade e ao caráter indômito dos homens poderosos que

habitavam as Minas, ele não deixou de mencionar que outros se destacaram por

atuações em favor da causa do rei. A ênfase negativa em torno destas pessoas talvez

possa ser explicada, neste documento, pela necessidade que o conde tinha de justificar a

punição rigorosa aplicada a alguns deles em virtude da participação na revolta de 1720.

Todavia, como mostraremos adiante, o apoio militar dado por uma parcela dessa elite

local foi determinante para a vitória do conde sobre os rebeldes.

Para Boxer, muitas das queixas apresentadas pelos governadores não passavam

de injúrias contra os povos das Minas, mas de fato a maioria dos imigrantes vindos de

Portugal eram homens solteiros, pobres e de baixa índole, causando tumultos e

desordens na região. Ele demonstra que a solução intentada para esta situação seria o

casamento destes com mulheres brancas, bem como sua fixação em algum lugar, o que

os tornaria cidadãos respeitáveis e responsáveis. No entanto, havia carência de mulheres

brancas e as poucas disponíveis na região litorânea eram mandadas pelos seus pais para

27

Segundo Dias, os poderosos locais, muitas vezes, colocavam seus interesses políticos e econômicos

acima dos interesses da coroa, “criando obstáculos ao fisco, investindo de forma privada o poder público,

pondo em perigo o sossego da República” (DIAS, 2004, p. 38).

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73

se tornarem freiras nos conventos da Bahia ou de Portugal. Tal situação era agravada

ainda mais pela escassez de eclesiásticos para celebrar casamentos, bem como as altas

tarifas que os padres cobravam para oficializar a união. Devido às dificuldades de se

promover tais matrimônios, as uniões consensuais acabaram ocorrendo aleatoriamente,

embora o controle social e repressivo sobre a população mestiça se tornasse mais

rigoroso (BOXER, 1969; SOUZA, 2004).

A mestiçagem da população mineira foi, por sua vez, um dos fatores elencados

pelos governadores para justificar a rebeldia dos povos, bem como a dificuldade em se

governar a região. Estes defendiam que a mestiçagem degenerava os povos, podendo

inclusive contaminar os homens brancos, dissolvendo-lhe o caráter e desviando-os de

praticar o bem. Boxer evidencia que, depois de algumas gerações, todo aquele que não

fosse “negro puro” ou “branco puro” tinha uma dose de sangue português e africano em

suas veias. “O fato de a maioria dos homens brancos ter filhos mulatos, legítimos ou

não, constituiu-se um problema social e administrativo para gerações em sucessão”.

Pela lei, ter sangue negro era um impedimento à ocupação de um cargo público na

administração local, mas essa barreira de cor era, frequentemente, vencida. Bastava,

para isso, que um candidato não fosse “escuro demais”, pois era a riqueza e não a cor da

pele o critério principal para se ocupar tal cargo em Minas Gerais. Embora Boxer

ressalte a miscigenação predominante do português com o africano na composição e

formação da sociedade mineira, ele não deixa de mencionar também a miscigenação do

português com os povos ameríndios, da qual os paulistas são o exemplo mais claro.

(SOUZA, 2004; BOXER, 1969, p. 186).

Para os governantes das Minas, os povos mestiços eram perigosos, o que exigia

um constante estado de alerta. A justiça foi um dos mecanismos utilizados no sentido de

impô-los a lei e a ordem. O funcionário responsável por aplicar a justiça era o ouvidor,

que gozava de ampla autonomia em relação ao governador da capitania. Já em lugares

mais afastados, o responsável por aplicá-la era o capitão-mor28

das ordenanças, que era

indicado pelo governador e confirmado pelo rei. De maneira geral, a justiça se dava

através da prisão, dos castigos exemplares e da aplicação da pena de morte. E tais

28

“Oficial militar com jurisdição sobre todas as companhias de ordenanças de um distrito. O

preenchimento do cargo é feito mediante indicação do governador e depende de confirmação régia. Em

localidades onde não há juízes pode substituí-los. Deve manter a ordem, vigiando indivíduos suspeitos e

prendendo criminosos. É cargo vitalício e quase sempre sucedido pelo parente mais próximo” (CÓDICE

Costa Matoso, 1999, p. 83).

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74

medidas repressivas atingiam principalmente as pessoas de baixa condição social e,

sobretudo, os mestiços e negros (SOUZA, 2004).

Ao longo do século XVIII, a fuga e a revolta de escravos persistiram como outro

grande problema enfrentado pelas autoridades das Minas, que não mediram esforços em

castigá-los.29

Assumar, em carta encaminhada ao rei de Portugal em 13 de julho de

1718, alertava sobre os danos que estes causavam quando fugiam para os quilombos.30

Reuniam-se em bandos de vinte a quarenta negros armados, roubavam pessoas que

andavam pelas estradas e saqueavam sítios e roças vizinhas às cidades. Assumar teve o

cuidado, é claro, de ressaltar que tomou todas as providências possíveis para remediar

esse mal. Mas os negros fujões eram muitos e estavam espalhados por diversas partes,

sendo difícil o controle sobre essa população, que na sua concepção, era indômita e

rebelde. Advertia o rei sobre a importância deste assunto, pois dele poderia depender “a

conservação ou Ruina deste paiz”, e assim pedia-o que analisasse o caso com bastante

seriedade e que apontasse uma solução mais adequada para a situação. No intuito de

evitar a fuga e a revolta de negros, e de garantir a ordem pública e o bem comum,

Assumar aconselhou ao rei, como punição, que lhes cortasse a perna direita e lhes

pusesse uma de pau, podendo ser aproveitados, ainda, pelos seus senhores, no

desempenho de alguma atividade.31

Percebe-se, portanto, que o conde dá um valor

primordial à aplicação do castigo como forma de manter o controle social nas Minas.

Até o ano de 1730, nenhuma autoridade em Minas tinha o poder de sentenciar

alguém à morte; os réus deveriam ser encaminhados para a Bahia, onde o Tribunal da

Relação os julgava. Somente em 24 de fevereiro de 1731 é que foi cedido o direito de

sentenciar os naturais, índios, mulatos e negros à pena de morte. O julgamento deveria

ser dirigido por uma junta composta pelos ouvidores das comarcas de Ouro Preto,

Sabará, Rio das Mortes e Serro do Frio, pelo juiz de fora da Vila do Carmo e pelo

29

“À guisa de dominar um grande contingente de escravos que se rebelava, muitos foram os mecanismos

empregados pelos senhores e governantes. Algumas eram preventivas, como a proibição do porte de

armas da circulação de mancípios à noite, a restrição ao ajuntamento dos negros, a venda de bebidas, as

ameaças de castigos físicos, e outras punitivas, tais como aplicação de castigos físicos no

descumprimento das leis, os açoites públicos nos episódios de maior violência. No caso de rebeliões, ou

de ataques a vilas, estradas e sítios, executavam-se a prisão e execução dos líderes” (DIAS, 2012, p. 101). 30

“Vocábulo de origem banto (kilombo) que significa acampamento ou fortaleza, foi termo usado pelos

portugueses para designar as povoações construídas pelos escravos fugidos do cativeiro. (...) No Brasil, os

termos mais comuns para nomear as comunidades de negros fugidos foram quilombo ou mocambo, este

último derivado de mukambu, na língua quimbundo” (VAINFAS, 2001, p. 494). 31

Cartas do Conde de Assumar ao Rei de Portugal, RAPM, Ano III, 1898, p. 251-252. Doravante, cita-se

somente RAPM (Revista do Arquivo Público Mineiro).

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75

Provedor da Fazenda Real. Em caso de empate nos votos dos seis ministros, caberia ao

governador, com seu voto, desempatar. A pena de morte era aplicada, sobretudo, aos

homens pobres, negros e mestiços. Só em casos gravíssimos tal pena era aplicada aos

homens brancos abastados, e mesmo assim, estes eram julgados na Bahia32

(SOUZA,

2004). Isso traz à tona o problema da pena de morte aplicada pelo conde de Assumar ao

amotinado Filipe dos Santos (homem branco e reinol), a qual ultrapassava os limites

jurídicos daquela época. Abriu-se, assim, um precedente que fugia à legislação, o que

causou tanto desconforto que o próprio governador se viu compelido a se justificar

diante do rei. As razões que levaram o conde a agir de tal modo serão explicitadas

adiante.

Renato da Silva Dias, no capítulo À sombra do Rei, ressaltou que a Coroa

portuguesa, a fim de garantir a exclusividade da exploração aurífera, preocupou-se com

“o controle de seus vassalos, dos potentados e dos negros, bastardos e mulatos,

considerados ‘inimigos internos’, que poderiam abalar, ou mesmo colocar abaixo o

domínio colonial naquela região”. Nesse sentido, o autor conclui afirmando que a

“coroa travava uma dupla batalha: externamente, com a competição de outras potências

e interna, com a necessidade de submeter os vassalos e os rebeldes, e organizar o

aparelho administrativo” (DIAS, 2012, p. 38). Logo, pode-se perceber que havia um

clima tanto de insegurança, por parte da administração, fosse em relação à

insubordinação dos poderosos locais, ao perigo da mestiçagem ou ao risco de uma

revolta de negros, o que poderia levar à perda da governabilidade na região; quanto de

animosidade, por parte dos agentes sociais citados, que apresentavam constante

insatisfação em relação às políticas coloniais adotadas, sobretudo, àquelas que

promoviam a elevação dos impostos.

Segundo Luciano Figueiredo, o lançamento ou a modificação de um tributo não

era uma tarefa fácil. Pelos costumes locais, se essa alteração fosse considerada ilegítima

e injusta ao bem comum dos povos, estes se inquietavam promovendo variadas formas

de resistência, que poderia culminar em protestos ou, em casos mais graves, em revoltas

antifiscais. Para o autor:

32

Somente em 1775 é que se criou em Minas Gerais uma Junta de Justiça para julgar todos os réus,

independente de sua posição social ou etnia (SOUZA, 2004).

Page 77: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

76

A aplicação de cada novo tributo foi acompanhada de descontentamentos e

insatisfações. Ordens régias e bandos de governadores quase sempre são

seguidos de grande alvoroço. (...) Protestos de rua, petições de câmaras,

súplicas de moradores às câmaras, reclamações e representações ao Rei,

recusa de pagamento, obras de sátira, pasquins e “papéis sediciosos”,

rumores e “vivas”, indignação por cobranças violentas, sonegação,

contrabando, falsificação de cunhos para marcação de barras de ouro,

emissão de recibos falsos, o protesto tomava as formas mais diversas.

(FIGUEIREDO, 1995, p. 66-67).

De acordo com o autor, o sistema fiscal era o instrumento fundamental para a

arrecadação de receitas destinadas a cobrir as despesas ou os compromissos dos cofres

da Monarquia e a América seria a “retaguarda fiscal” e não apenas “comercial” de

Portugal. O lançamento dos tributos era direito da Coroa, e cabia aos leais vassalos

pagá-los. Todavia, se os impostos se tornassem “vexosos” ou injustos, “eles

legitimavam na cultura popular o recurso extremo à rebelião” (FIGUEIREDO, 1995, p.

81). Foi nesse panorama que se desencadeou a Revolta de Vila Rica, no ano de 1720,

resultado da insatisfação geral com as novas mudanças fiscais que ampliavam a carga

tributária, sendo que os líderes do motim tentaram legitimar suas ações rebeldes em

torno dessa causa comum: o não aumento dos impostos.

A partir da última década do século XVII, a proteção e a expansão da atividade

mineradora evidenciaram-se de súbito. Como consequência, teve início o Regimento de

1702, que impôs uma maior vigilância por parte das autoridades, assegurando, assim, os

privilégios da monarquia portuguesa de lucrar com a exploração aurífera. Além disso,

coibiu as transações ilegais, estimulou a mineração do ouro e facilitou a ação fiscal.

Neste novo sistema, alterou-se a legislação anterior substancialmente e se modificaram

as atribuições do antigo provedor, transformado então no Superintendente das Minas.

Este oficial já não era obrigatoriamente um entendido na mineração, mas uma pessoa

capaz, em teoria, de interpretar e executar a lei, procurando impedir discórdias, punindo

culpados de delitos, apaziguando ânimos e escolhendo indivíduos zelosos para

exercerem tarefas ligadas à exploração de metais (HOLANDA, 1982; LEME, 1980).

A tributação do ouro sofreu inúmeras alterações, ao longo do período colonial,

que, contudo, ficaram em torno da regra geral da cobrança do quinto. O ouro descoberto

em Minas Gerais no final do século XVII só começou a ser tributado em 1700. A partir

daí, e até o fim do sistema colonial, as regras da tributação do ouro sofreriam muitas

alterações. Entre os anos de 1700 e 1710, eram permitidas a circulação do ouro em pó e

Page 78: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

77

a livre saída do metal da capitania, mediante uma guia do imposto pago. No dia 20 de

março de 1717, foi posta em prática uma nova forma de tributação que, através de

prorrogações, vigorou até 22 de julho de 1718. Por este sistema, os mineiros

comprometiam-se a remeter 30 arrobas anuais de ouro à guisa de quintos. Já entre os

anos de 1718 e 1722, passou a ter vigência um novo contrato entre o fisco e os mineiros,

no qual o imposto foi reduzido para 25 arrobas anuais e a diferença seria compensada

com a transferência das rendas provenientes dos direitos das passagens, então

pertencentes às câmaras, para o tesouro régio. Este sistema não satisfez por muito tempo

os anseios econômicos da Coroa que, em 11 de fevereiro de 1719, ordenou a criação das

Casas de Fundição (PINTO, 1979). Desta forma, percebe-se o interesse cada vez mais

intenso da monarquia portuguesa em regulamentar a atividade mineratória, na medida

em que as jazidas iam se tornando mais produtivas, e em evitar os descaminhos do ouro.

Para Paulo Cavalcante, a combinação das riquezas provenientes das Minas com

uma fronteira tida como “aberta”, haja vista os diversos caminhos que levavam às

Gerais, tanto de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, facilitou a prática do descaminho.

Mesmo nos portos mais guarnecidos, o desvio era recorrente. Para o autor, o

descaminho era “uma prática social instituinte e constitutiva da sociedade colonial”, e

desde “o descobrimento do primeiro veio descaminhou-se”. E mesmo os agentes régios,

cuja função primordial era a de combater os desvios, acabavam, não raras vezes,

facilitando-o e praticando-o em detrimento dos rendimentos de El-Rei, o que tornava

mais difícil a fiscalização e o combate desta prática, já que aqueles que caminhavam no

sentido de evitar os descaminhos também descaminhavam (CAVALCANTE, 2006, p.

43-64).

A intensificação da prática dos descaminhos do ouro no decorrer da primeira

metade do século XVIII deveu-se basicamente ao estabelecimento de uma política

administrativa e fiscal cada vez mais rigorosa, que visava sempre ao lucro máximo

sobre a produção mineradora. A própria conduta do governador D. Pedro de Almeida

expressava bem essa nova política, que girava em torno não só da manutenção da ordem

e do sossego nas terras mineiras, mas também da boa arrecadação dos quintos reais.

Assim:

Assumar não vem com outra missão senão a de assegurar a contenção dos

ânimos de toda a região, particularmente conturbada desde os episódios dos

Page 79: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

78

Emboabas, e ativar a lógica metropolitana, isto é, normalizar o trabalho nas

minas, incentivar novos descobrimentos, cobrar os quintos devidos e

encaminhá-los sem problemas para a real Fazenda (CAVALCANTE, 2006,

p. 30).

Todavia, este enfrentou grande resistência quando da mudança na forma de

cobrança do quinto, com a instituição das Casas de Fundição. Numa sociedade em que

corria o ouro em pó e seu consequente descaminho, ninguém queria mudanças que

viessem a desarticular ou pôr fim a essa prática social, e a recusa à novidade levou a

agitações e tumultos populares (CAVALCANTE, 2006). Porém, como veremos adiante,

esta revolta esteve longe de ser apenas um protesto antifiscal, há que se levar também

em consideração os aspectos políticos inerentes.

2.2 – As Razões de Assumar para a Punição aos Revoltosos de 1720

Na primeira metade do século XVIII, Minas Gerais foi assolada por vários

movimentos sublevacionista.33

Essas revoltas deveram-se menos ao desassossego

popular que à presença de “poderosos do sertão”, que atuavam na defesa de sua

autoridade e de seus lucros. De um lado estava a Coroa portuguesa, que seguia uma

política essencialmente de exploração das minas. Do outro, estavam os colonos que

percebiam o crescimento das pressões burocráticas e fiscais a ponto de ameaçar seu

meio de vida. Eis a combinação explosiva. A disseminação da autoridade real teve

como consequência o aparecimento de formas de contestação social, oriundas da

insatisfação da população em relação às medidas centralizadoras. Tal desagrado

traduzia-se nas formas de não pagamento do quinto e de outras taxas, na exploração de

novos filões sem a comunicação de sua descoberta, na mineração em áreas proibidas, no

transporte de escravos e outras mercadorias pelas minas, sem registro, e no contrabando

do ouro em pó. Isto é, houve uma resistência explícita, que foi o resultado da maior

rigidez da cobrança do quinto, o que levou aos distúrbios da ordem e ao

33

“No período compreendido entre 1694 e 1736, a capitania de Minas do Ouro vivenciou 46 levantes.

Desses 46 levantes, 37 ocorreram entre 1694 e 1720 sendo que entre 1717 e 1720 – período no qual o

governo das Minas esteve sob a responsabilidade de D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, conde de

Assumar – ocorreram 16 levantes” (KELMER MATHIAS, 2005, p. 17).

Page 80: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

79

descontentamento da população em relação a qualquer medida oficial. Para John

Russell-Wood:

De longe o levante popular mais sério de quantos ocorreram em qualquer

lugar de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás durante a primeira metade do

século XVIII teve lugar em Vila Rica, na noite de 28 de junho de 1720. Seu

alvo foi o ouvidor local e as novas regras (fevereiro de 1719) de cobrança

dos quintos (RUSSELL-WOOD, 2004, p. 495).

O rei de Portugal, buscando evitar os descaminhos do ouro, resolveu estabelecer

Casas de Fundição nas Minas. Nesse sentido, ordenou ao governador conde de

Assumar, aos 11 de fevereiro de 1719, que providenciasse as construções. O material

necessário seria enviado de Portugal; e, da Bahia e do Rio de Janeiro, seriam enviados

os oficiais e os instrumentos indispensáveis ao seu funcionamento. Fixou-se, ainda, o

prazo de um ano a partir de 23 de julho de 1719 para que fossem inauguradas, além do

mais, deveriam ser construídas à custa dos povos da capitania. Durante este intervalo, o

sistema de fintas34

seria mantido. Contudo, com o funcionamento das Casas de

Fundição e a alteração na forma de cobrança dos quintos, teve início um processo que

apresentou como principal consequência o levante da população de Vila Rica, em junho

de 1720, que, por outro lado, foi também uma consequência dos insustentáveis conflitos

entre as autoridades reais e os poderosos locais pelo poder político na região

(ANASTASIA, 1998). Somam-se a isso a vinda das tropas dos dragões,35

as ordens para

dar baixa a todos os oficiais da ordenança, que não tivessem regimento, e a expulsão

dos religiosos da região. Essas medidas desagradaram a todos, visto que:

Os frades não podiam levar à paciência haver de retirar-se, (...) os oficiais

sem regimento, que eram infinitos, não se acomodavam a encostar a divisa

total da sua nobreza, que conforme a maior ou menor graduação de seus

postos, era o único e glorioso caráter da sua distinção, (...) finalmente o povo

todo, se se não opunha à lei dos quintos, ao menos a receava (DISCURSO,

1994, p. 65-66).

34

“Tributo que se paga ao rei ou à câmara do rendimento da fazenda de cada súdito, geralmente para a

cobertura de despesas extraordinárias. É utilizada para a arrecadação do quinto do ouro em Minas Gerais

a partir de 1714, quando é acordada a cota anual de trinta arrobas, cabendo às câmaras o lançamento do

valor devido por cada contribuinte. Vigora até 1725, com alterações no valor da cota, quando é criada a

Casa de Fundição de Vila Rica” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 99-100). 35

“Companhia de cavalaria especial criada em Minas Gerais durante o governo do conde de Assumar

para assegurar a ordem interna e o recebimento dos tributos reais” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p.

126).

Page 81: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

80

Para os poderosos locais, a nova política empreendida por Assumar, mais

centralista e rígida, apoiando-se em força militar própria, significava a perda de seus

títulos e patentes militares e, consequentemente, a perda de seu prestígio social e

político. Deste modo, para estes, a solução contra estas mudanças se daria por meio da

sublevação geral, e utilizaram como pano de fundo para este intento a inquietação

popular com a iminente instalação das Casas de Fundição. A insatisfação e o ódio ao

governador se deveram também a sua ordem de expulsão dos frades sem emprego nas

Minas, ainda que advertido pelo bispo do Rio de Janeiro de que não tinha autoridade

para ordenar tal ação. Para Assumar, os frades se opunham ao pagamento do quinto

régio, daí a necessidade da expulsão. Todavia, tal tarefa não foi fácil, devido à

“intercessão de poderosos, inação dos vigários de varas e ouvidores, e questionamentos

do bispo do Rio de Janeiro” (VASCONCELOS, 1999; CAMPOS, 2002, p. 215).

Segundo o conde de Assumar, no Discurso Histórico e Político Sobre a

Sublevação que nas Minas Houve no ano de 1720, o levante em Vila Rica teve início à

meia-noite de 28 de junho, quando um morador da Vila foi à casa do ouvidor da

comarca, Dr. Martinho Vieira, avisá-lo de que naquela noite se formava um motim com

a intenção de o matarem. O ouvidor, não desprezando o que lhe foi dito, tratou logo de

evadir-se do local a fim de pôr sua vida a salvo. Seis mascarados lideravam o tumulto,

seguido de perto por vários negros armados, “os quais vinham arrombando as portas e

fazendo levantar da cama os moradores, que, oprimidos do sono e da ignorância do

caso, se perguntavam atônitos uns a outros, que história era aquela?”. E sem saberem a

que fim se destinava todo aquele movimento insurgente, os moradores foram forçados a

seguir os mascarados até a casa do ouvidor, porém este já não mais se encontrava ali.

Passaram então a agredir um criado seu com facadas, para que lhes dissesse onde o

ouvidor estava; não satisfeitos, puseram-se a roubar e destruir tudo o quanto havia na

casa, chegando até mesmo, alguns deles, a desonrarem uma criada que ali residia

(DISCURSO, 1994, p. 88).

Para Diogo de Vasconcelos, tais indisposição e ódio dos líderes do motim contra

o ouvidor deviam-se ao fato de o mesmo ter um gosto especial por ridicularizar e trazer

debaixo dos seus pés os homens poderosos da comarca, sendo visto, até mesmo pelo

conde de Assumar, como uma pessoa leviana, de má língua e provocador de confusões,

Page 82: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

81

pois fazia de seu tribunal um local de afrontas insuportáveis às partes que lhe pediam

despachos (VASCONCELOS, 1999). Para o conde:

O tribunal, lugar dedicado à retidão, assim se ofende da injustiça como da

imprudência. Pouco obraram nele as letras, e menos os anos; nem estes nem

aquelas contribuíram com a madureza, que prometiam; mas o certo é que, se

na escola dos tempos e na cadeira das aulas se estudam ciências e se

aprendem sucessos, não se lê a conservação, não se dita a cordura

(DISCURSO, 1994, p. 75).

Desta forma, Assumar queixava-se da falta de ética e decoro do Dr. Martinho

Vieira na aplicação da justiça e no trato com a elite local. Aludiu para o fato de que,

poucos dias antes do motim, o ouvidor havia destratado um sobrinho do potentado

Pascoal da Silva Guimarães,36

chamado José da Silva. Além do mais, indispusera-se

com outros homens poderosos, como Sebastião da Veiga Cabral e Manuel Mosqueira da

Rosa, tendo ordenado a prisão do filho deste, sem uma justificativa plausível. Para

Assumar, todos estes fatos, somados a tantas outras inadvertências de Martinho Vieira,

contribuíram para elevar os ânimos e os ódios dos poderosos contra ele, e esta falta de

zelo do ouvidor foi um dos motivos que levaram aos tumultos nas Minas (DISCURSO,

1994).

Nesse sentido, para que não houvesse mais tumultos nas Minas, enviou

correspondência ao rei de Portugal, aconselhando-o a nomear ouvidores que:

Tivessem mais cabedal de modo e de afabilidade ainda que fossem mais

diminutos de letras porque a experiência tem mostrado que depois que há

Ouvidores nas minas, todas as alteraçoens que os povos tem movido são

nascidas da sua injustiça ou movidos por eles mesmos (...), muy perigozo

neste Paiz onde qualquer pessoa branca imagina ser Príncipe jurado (sic.)

(SC 04, fls. 849-855).

36

“Natural de Portugal. Em 1704, deixou o Rio de Janeiro, onde trabalhava como caixeiro de Francisco

do Amaral Gurgel, em direção a Minas. A princípio, minerou na região do rio das Velhas e depois passou

às fraldas das serras de Ouro Preto, onde utilizou métodos espanhóis de extração do ouro, enriquecendo

rapidamente; fundou o arraial do Ouro Podre (São Sebastião), ocupando a serra de alto a baixo; em 1708,

era nomeado sargento-mor das minas de Ouro Preto e seus distritos. Disputou terrenos com a família de

José de Camargo; participou na Guerra dos Emboabas, sem no entanto, apoiar o desacato de Manuel

Nunes Viana ao governador Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre; hospedou a sua custa, por

quinze dias, o governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho durante a pacificação dos

conflitos na região. (...) Em 1720, pelo seu envolvimento no levante de Vila Rica, foi preso e remetido a

Lisboa, e a sua propriedade queimada (Morro da Queimada), por ordens do governador conde de

Assumar” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 41).

Page 83: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

82

Percebe-se, portanto, que o conde atribuiu aos ouvidores, e mais especificamente

no contexto da revolta de 1720, ao ouvidor Martinho Vieira, a culpa pelos tumultos e

desordens na região, acusando-o de não ter cautela e prudência no trato com os

poderosos locais, fatores indispensáveis à manutenção da governabilidade. Entretanto,

pode-se questionar se o motivo das insatisfações se restringia somente à atuação do

ouvidor, já que uma das exigências dos revoltosos era a expulsão do próprio conde do

posto de governador das Minas.

Segundo Maria Verônica Campos, na tese Governo de Mineiros: de como meter

as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado (1693-1737), a ênfase dos embates

pessoais entre os amotinados e o ouvidor no Discurso histórico era “uma forma de

responsabilizar o ministro [ouvidor] pelo movimento e, simultaneamente, isentar o

governador de culpa na deflagração do levante” (CAMPOS, 2002, p. 220-221). Ou seja,

o que autora procurou mostrar foi que o conde tentou atribuir toda a culpa da

deflagração do movimento à falta de prudência do ouvidor, no exercício de suas

funções, isentando-se, perante Sua Majestade, de qualquer responsabilidade que se lhe

pudesse recair. Contudo, pode-se perceber que as causas do levante não se restringiam à

atuação do ouvidor, concentrando-se, também, na insatisfação dos poderosos locais com

a nova configuração política que a região assumiu após a chegada de Assumar.

Interessante notar que um dos líderes do motim, Manuel Mosqueira da Rosa,

antigo ouvidor, também fora acusado pelos oficiais da Câmara de Vila Rica de agir

imprudentemente, vexando os povos na aplicação da justiça, quando ocupava aquele

posto. Os oficiais, em carta dirigida ao Conselho Ultramarino no ano de 1717,

denunciavam a má conduta de Mosqueira diante dos moradores de Vila Rica.

Aparentemente, o que se pode inferir é que o abuso do poder era uma característica

quase que inerente ao posto de ouvidor, já que outros homens que ocuparam tal posto

foram igualmente acusados de tais excessos37

(AHU/ MG, cx. 1, doc. 67).

Diante da ameaça de morte sofrida e da fuga do ouvidor Martinho Vieira, os

revoltosos acharam por bem dirigir-se à câmara municipal, de onde ordenaram aos

negros armados ocuparem as entradas das ruas, para impedir que o povo se espalhasse

37

AHU, Cons. Ultram. Brasil/ MG, cx. 1, doc. 67. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre o que

escrevem os oficiais da Câmara de Vila Rica em carta de 1717, dezembro, 17 e 1717, julho, 6, relativas

ao procedimento e queixas do desembargador Manuel Mosqueira da Rosa. Doravante, cita-se somente

“AHU/ MG” para esta referência.

Page 84: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

83

desordenadamente. Enquanto isso, alguns foram atrás do letrado José Peixoto da Silva,

para “forçá-lo” a redigir o primeiro termo de propostas, que foi encaminhado ao

governador; “e para fazerem o caso mais feio, ordenaram ao emissário que a levava

entrasse na Vila do Carmo (aonde já andava em dúvida a notícia) com ela na mão

levada ao alto, correndo a cavalo, e dizendo a gritos que estavam as Gerais levantadas”

(DISCURSO, 1994, p. 96). Segundo Campos, tal termo consistia em demandas de

comerciantes e mineradores. Nesta proposta, os amotinados atribuíram à falta de decoro

e justiça do ouvidor, Dr. Martinho Vieira, e ao não cumprimento dos dispositivos legais

as principais razões do levante. Por fim, queixavam-se das novas medidas fiscais,

consideradas exorbitantes, pediam que não fossem instaladas as Casas de Fundição e

requeriam que lhes fosse passada uma guia de pagamento, com a qual poderiam provar

que já tinham quitado seus débitos (CAMPOS, 2002, p. 245).

Recebida a proposta, Assumar observou que muitas das queixas levantadas iam

contra as determinações de Sua Majestade e, por esse motivo, convocou uma junta de

ouvidores para que pudesse tomar uma melhor decisão em benefício do povo. Agindo

dessa forma, ele esperava pôr fim aos tumultos, com a possibilidade, inclusive, de se

conceder o perdão aos amotinados. Todavia, em sua opinião, os líderes da sublevação

não tinham o interesse de ver as Minas sossegadas. Pelo contrário, tratavam logo de

aterrorizar o povo, dizendo-lhes que, sossegado o tumulto, o conde não deixaria de

tomar satisfações e de castigar os envolvidos. Novamente, os amotinados insistiram no

atendimento da proposta e da concessão do perdão oficial. Três procuradores “do povo”

– o sargento-mor Antonio Martins Lessa e dois letrados, José Peixoto da Silva e José

Ribeiro Dias – foram ao encontro do governador solicitar-lhe que fosse a Vila Rica para

conceder o perdão, pois só assim conter-se-ia a rebeldia do povo. Diante dos tumultos e

da insuficiência de soldados da tropa de dragões para darem fim ao motim, Assumar

achou por bem ceder, mas não sem antes consultar algumas pessoas principais e de sua

confiança, pois o poder e a autoridade para conceder o perdão foi-lhe dado pelo rei de

Portugal, e para efeito de sua validade, ele teria que aprová-lo. Os procuradores, no

entanto, insistiram para que o perdão fosse dado sem a aprovação do rei. Assim sendo,

embora alertasse sobre a possibilidade de nulidade do perdão, o conde concedeu-o mais

por força do que por vontade (DISCURSO, 1994).

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84

Em 01 de julho de 1720, estando presentes o governador D. Pedro de Almeida, o

ouvidor, Dr. Martinho Vieira, o superintendente das Casas de Fundição, Eugênio Freire

de Andrade, o tenente general, Félix de Azevedo Carneiro e Cunha, e o capitão dos

dragões, José Rodrigues de Oliveira, foi publicado o termo de perdão38

pelos tumultos

ocorridos em Vila Rica, iniciados em 28 de junho do mesmo ano. Estas autoridades, a

princípio, consideravam que os levantes se deviam apenas à antipatia de alguns

poderosos locais à figura do ouvidor da comarca de Vila Rica, sem possuir motivação

outra que pudesse vir a trazer prejuízos ao serviço de Sua Majestade. Todavia, revelou-

se a existência de outros interesses, por parte dos cabeças do motim, os quais ensejavam

e induziam a continuação da revolta, insuflando e coagindo o povo a participar,

despachando, segundo o próprio conde de Assumar, cartas a todas as comarcas,

convocando-as a apoiar o motim. Além disso, o governador apresentou preocupação em

relação à adesão dos populares à insatisfação dos poderosos, sobre a nova forma de

cobrar os quintos. Por esse motivo, embora considerasse que o perdão não seria

suficiente para encerrar os reclames, presumia que sua concessão arrefeceria os ânimos,

sobretudo dos populares, o que desarticularia o movimento. Ademais, alegava que, em

face dos tumultos, o melhor “remédio” nesse momento seria a concessão do perdão –

cujo edital copiamos abaixo –, a fim também de proteger “muita gente inocente que

estava constrangida por força do mesmo tumulto” (SC 06, fl. 94-94v).

Dom Pedro de Almeyda, etc. Por me ser reprezentado pellos Procuradores

do Povo de Villa Rica o grande desasocego em que estavão pello receyo de

serem castigados pello tumulto que tinhão feyto em vinte e outo do mez

passado contra o Doutor Ouvidor Geral desta Comarca e ser esta cazo em

que se costumão conceder perdoens em nome de Sua Magestade que Deos

Guarde sendo convocados as pessoas doutas que me pareceo, hey por bem

de conceder a todos os moradores da dita Villa e a outros quaesquer que se

acharão dito tumulto, ou fossem cabeças delle, ou não, perdão em nome do

dito Senhor com toda authoridade e poder que o dito Senhor me concede

para que pello dito cazo e outros crimes que na dita ocazião se cometessem

se não proceda em nenhum tempo pellas justiças do mesmo Senhor porque a

minha atenção so he que o dito perdão tenha toda a validade e vigor, e para

que assim conste mande publicar este edital que se registara na Secretaria

deste Governo e será publicado a som de caixas por todas as partes da dita

Villa e seu destricto. Villa do Carmo 1 de Julho de 1720 (sic.) (SC 11, fl.

289).

38

Cabe ressaltar que o rei de Portugal, através do alvará régio, expedido em Lisboa, a 26 de marco de

1721, ratificava o perdão concedido preliminarmente pelo Conde (SC 16, fl. 85v).

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85

Tais medidas, contudo, não foram suficientes para acalmar os ânimos. Um novo

motim se estabelecera em Vila do Carmo e uma nova proposta foi entregue ao conde de

Assumar, aos 02 de Julho de 1720. A segunda proposta de reivindicações, apresentada

pelos amotinados, mais ampla que a anterior, continha quatorze condições para se pôr

fim à rebelião, das quais analisamos algumas. Os sediciosos eram contra a instalação

das Casas de Fundição, cunhos e moeda; não queriam contrato novo algum que não

estivesse em costume até o presente; não consentiam que se pagasse o registro de Borda

do Campo, que era um posto de controle de circulação de mercadorias e do ouro, no

qual era cobrado dos tropeiros um imposto de entrada sobre animais e escravos e sobre

as mercadorias importadas para as Minas; queriam que os camaristas moderassem as

condenações tão exorbitantes ao povo, que faziam sem regimento nem lei; defendiam

que as calçadas das ruas se fizessem à custa da Câmara e não do povo, pois lhes comem

as rendas; que os oficiais da câmara concedessem anualmente as licenças dos contratos

de gado e outros negócios, pois era muito dispendioso tirá-las todos os meses; que as

Companhias de Dragões comessem à custa dos seus salários, e não à custa dos povos;

requeriam que nenhum ouvidor fizesse vexações ao povo com despachos violentos,

procedendo à prisão sem as circunstâncias do direito; e, por fim, solicitavam o perdão a

todos os envolvidos no motim (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 370-373).

Para o governador, os líderes do motim esperavam que ele discordasse da

segunda proposta que eles apresentaram, para terem assim o pretexto de fazer

sublevarem-se todas as minas contra a instalação das Casas de Fundição. Na concepção

do conde, isso explicava, inclusive, o conteúdo bem mais abrangente da nova proposta,

que não passava de uma artimanha dos cabeças, com a finalidade de mobilizar todos os

segmentos sociais, direcionando-os contra a ordem instituída. O governador, porém,

acatou todas as propostas, justificando que o havia feito por duas razões urgentes. A

primeira, porque estava seguro da intenção dos líderes do motim de valer-se desta

situação de conflito para sugerir ao povo pretextos para que não houvesse governador

nem ministros nestas minas, como forma também de não pagarem a ninguém as

exorbitantes dívidas, e ainda assim conservar em suas mãos o poder político na região.

A segunda razão do conde consistia na expectativa de que atendidas as reivindicações

dos povos, restassem apenas os líderes do motim e seus negros. Assim:

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86

Premido entre as duas faces da sedição de 1720, D. Pedro de Almeida

buscou conciliar a resolução dos interesses do povo de Vila Rica,

inscritos dentro das regras do jogo colonial, com a situação de

soberania fragmentada,39

explicitada em movimento referido às

formas políticas coloniais pelo qual os poderosos tentavam minar a

autoridade do Governador e dos demais ministros da Comarca

(ANASTASIA, 1998, p. 52).

Para Carlos Leonardo Kelmer Mathias, em sua dissertação intitulada Jogos de

interesse: estratégias de ação no contexto da revolta mineira de Vila Rica (1709-1736),

o dia 02 de julho foi “o divisor de águas no desenrolar da revolta, pois marcou o

momento de inflexão do poder dos líderes da sublevação e de extensão do poder do

conde de Assumar”, que ao conceder o perdão aos sublevados e aceitar (taticamente) os

termos da segunda proposta, sobretudo, adiando a instalação das Casas de Fundição,

conseguiu retirar o amplo apoio do povo ao movimento rebelde. Além disso, passou a

contar com o apoio de poderosos locais não revoltosos. Para o autor, “em nenhum outro

momento posterior ao 02 de julho os amotinados conseguiram reunir um contingente

tão numeroso” da plebe (KELMER MATHIAS, 2005, p. 92-93).

Mesmo diante dessa nova realidade, os líderes do motim continuaram a insuflar

e coagir os povos a prosseguirem com os tumultos. Em 06 de julho, estes lideraram

novo motim em Vila Rica. Para o conde, eles não ansiavam pelo perdão, nem a

conciliação, tampouco o fim das perturbações populares e o sossego das Minas. Pelo

contrário, atuavam no sentido de deixarem os ânimos dos povos inquietos e

sobressaltados, na medida em que inventam boatos mentirosos, como, por exemplo, o

de que o ouvidor Martinho Vieira estava em Vila do Carmo a fazer uma averiguação

judicial a fim de punir os envolvidos e de que a ele próprio não interessava perdoar, mas

sim castigar exemplarmente a todos os sublevados. Assim, “cada dia, astúcias, traições,

enganos vários, perfídias inventavam e teciam os cabeças” (DISCURSO, 1994, p. 112).

Nesse contexto, o conde achou por bem ordenar que o Dr. Martinho Vieira

saísse da comarca de Vila Rica, na tentativa de restabelecer a ordem e também como

uma estratégia para desarticular a principal justificativa dos amotinados para a

continuação das perturbações. Tirada sua atribuição de ouvidor, assumiu o cargo o juiz

39

No livro Vassalos rebeldes, Anastasia emprega o conceito de “soberania fragmentada” numa referência

aos focos de poder privado que, ao longo da primeira metade do século XVIII, concorreram com o poder

metropolitano, desafiando as tentativas de fortalecimento da autoridade real, contra as quais

empreenderam uma obstinada resistência (ANASTASIA, 1998). [Grifo meu]

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87

mais velho de Vila Rica. Todavia, não ficaram “sossegados os alvorotos, antes todas as

noutes que são as horas a que costumam os amotinados deste Paiz comessar os seus

movimentos continuavam na mesma forma”. Por mais que a atuação de Martinho Viera

fosse motivo de crítica e reclamação, mesmo com sua saída estratégica das minas, os

motins não cessaram, o que nos leva a afirmar a existência de outros interesses por traz

do cenário de desordem. Desse modo, a despeito de todas as concessões obtidas, os

revoltosos criavam um clima de terror e medo na população, no intuito de que nas

Minas prevalecesse o conflito (APM, SC-04, fls. 855-858).

Já em relação a Pascoal da Silva Guimarães e Manuel Mosqueira da Rosa, que

eram os principais líderes do motim, Assumar, mesmo ciente do envolvimento destes,

incumbiu-os de pôr fim às agitações populares, na esperança de que fizessem cessar os

desatinos que eles próprios armaram. Todavia, só fizeram aumentar as desordens, isso

porque:

Percebendo que o Conde de necessidade lhes encarregava o mesmo em que

os não podia fazer obedecer, e não duvidando ambos que pelo tempo adiante

os viria castigar, faziam continuar as sem-razões; ou porque esperassem

algum bom sucesso ao seu delírio; ou porque não quisessem mostrar que a

mão com que agora moderavam os excessos era a mesma com que dantes

alteravam os tumultos, e que tanto se lhes devia o motim do povo como o

sossego da Vila (DISCURSO, 1994, p. 117).

A esse respeito, o conde de Assumar ressaltou que a maior adversidade que

encontrou para governar estas partes do império era lidar com a insuficiência do corpo

administrativo e militar real, sendo que, para conservar a soberania portuguesa, “há de

necessariamente dar o altar da fidelidade aos ídolos da traição, e consentir que pela

mesma porta por que só sai a verdade também entrem os sonhos falsos”. Assim, o conde

coloca à prova a fidelidade de alguns poderosos locais envolvidos nos distúrbios de

1720, agraciados em épocas anteriores com títulos, mercês e terras por serviços

prestados à Coroa portuguesa, e que por esse motivo, eram considerados vassalos fiéis e

dignos do apreço do rei. No entanto, para ele, estes poderosos, e cabeças do motim,

dissimulavam fidelidade, já que atuavam mesmo era a favor dos seus interesses

particulares. Nem as pessoas mais próximas eram totalmente confiáveis: muitos fingiam

apoiá-lo, mas pelas suas costas tramavam em favor dos amotinados. Pascoal da Silva

Guimarães, por exemplo, foi descrito por Assumar como sendo um dos homens mais

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88

poderosos das Minas, senhor abastado e que possuía um grande número de escravos e

que embora se fizesse de dócil, obediente e leal, era malévolo, vingativo e traidor,

fingindo-lhe sujeição; mas, na verdade, tramava ocultamente contra a sua autoridade, na

medida em que pretendeu, junto com seus comparsas, expulsá-lo do governo das Minas.

Acrescenta ainda que nem mesmo os benefícios e favores concedidos a Pascoal foram

suficientes para reforçar os laços de lealdade, pelo contrário, só promoveram danos e

desordens, provas de sua maldade, dissimulação e ingratidão. Deste modo, para o

conde, “parece que se hão os benefícios à maneira das flores, de que os ânimos

generosos, como abelhas, constipam favos; e os ingratos, como aranhas, compõem

venenos” (DISCURSO, 1994, p. 70 e 112).

Kelmer Mathias evidenciou que os cabeças da revolta de Vila Riva eram, em

governos anteriores, vassalos leais e dignos de todas as premiações,40

pois dispuseram

de seus cabedais e escravos a serviço das prerrogativas do rei. Todavia, ajudavam-no

não por fidelidade e sujeição, mas em troca de recompensas que lhes pudessem trazer

vantagens financeiras e prestígio social. O rei, por sua vez, não dispondo de meios

suficientes para defender a América dos perigos externos e internos, contava com a

ajuda desses homens poderosos e de suas forças privadas para a manutenção da ordem e

da garantia da governabilidade nestas terras tão distantes do reino, sobretudo na fase

inicial da colonização (KELMER MATHIAS, 2005).

Diante da continuação dos tumultos, o conde, a fim de garantir a ordem, tomou

outra medida: adiar o processo de instalação das Casas de Fundição. Ele se viu

obrigado, diante do iminente perigo de uma generalização do tumulto – já que a

instalação das ditas casas era malquista por todos os moradores da região das Minas,

que viam nelas um órgão fiscalizador que diminuiria os seus rendimentos –, a retroceder

no intento de instalá-las, assim desobedecendo às ordens do rei de Portugal. Em

correspondência enviada ao rei, Assumar apresentou preocupação sobre as dificuldades

e inconveniências de se instalarem as Casas de Fundição. Primeiro, salientou a

40

O autor destacou a ajuda de poderosos locais – que anos mais tarde liderariam um motim em Vila Rica

contra as autoridades reais instituídas – na diligência organizada pelo governador da capitania de São

Paulo e Minas do Ouro, D. Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, para socorrer e reconquistar a

praça carioca da ocupação francesa, comandada por Duguay-Trouin em 1711. E mesmo apesar de o

governador ter chegado à cidade tarde demais, encontrando-a já saqueada e com o acordo de rendição já

assinado, “isso não significou que aqueles que o auxiliaram em sua diligência não fossem merecedores de

todas as honras, mercês e privilégios, que Sua Majestade fosse servido fazer-lhes quando houvesse

ocasião” (KELMER MATHIAS, 2005, p. 34).

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89

dificuldade de guarnecer todo o território do governo das Minas, impedindo o

descaminho do ouro em pó; depois, segundo ele, era natural aos povos da região a

resistência ao pagamento do quinto real; em terceiro lugar, argumentou que a instalação

de tais Casas de Fundição era dispendiosa e de “pouca utilidade”, já que com litoral tão

vasto e tão pouco guarnecido, tornava-se praticamente impossível impedir a saída ilegal

do ouro, pelos “infinitos portos do mar”. Diante desse panorama, o conde, após

discorrer com o superintendente das minas, Eugênio Freire, “e algumas pessoas de mais

authoridade deste Paiz”, sugeriu ao monarca que, ao invés das Casas de Fundição, fosse

instalada a Casa da Moeda, que cobraria um imposto de 12% sobre todo o ouro

extraído, e que no seu entender, seria mais facilmente aceita pelos povos (SC 04, fls.

849-855). Entretanto, os movimentos de sublevação continuaram.

Um novo motim, que ocorreu aos 12 de julho, visava a colocar Sebastião da

Veiga Cabral no poder. Para o conde, este fingia apoiá-lo, mas, na verdade, queria

ocupar o lugar dele no governo das Minas, chegando a propor-lhe, inclusive, que

fingisse estar doente e que abandonasse o cargo de governador, como forma de se pôr

fim aos constantes motins. Tal dedicação em fazer sossegar as Minas era obra da mesma

pessoa, “que alentava os tumultos só a fim de conseguir o governo”. Mal havia acabado

de ouvir sua proposta, o conde recebera uma carta de um confidente de Ouro Preto,

avisando-o que naquela noite se armava um motim para expulsá-lo das Minas, e que

fariam governador, em seu lugar, o dito Sebastião da Veiga, o qual se encontrava

presente quando do recebimento da carta. Nesse momento, o conde disse a ele que por

hora responderia àquela carta, e que não poderia perder sequer um instante em dar

ordens para impedir aquele dano. Ao dar-lhe esta informação, acreditava que o próprio

Veiga avisaria imediatamente os amotinados de suas intenções, já que o conde não mais

duvidava de sua participação nos motins, sobretudo por estar ciente dos seus desejos de

assumir o cargo de governador, e por ter ciência de que embora Sebastião da Veiga

defendesse com ardor a lealdade a ele, vivia a difamá-lo para os povos das Minas

(DISCURSO, 1994, p. 125).

Em 13 de julho de 1720, Assumar, em resposta às ações de homens mascarados,

que agiam conclamando e coagindo os povos a participarem dos motins, autorizou a

todos os moradores de Vila Rica abrirem fogo contra estes mascarados que, segundo o

governador, perturbavam a ordem pública, e declarou, ainda, que os que assim o

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90

fizessem, não seriam incriminados pela lei, sendo, ao contrário, premiados com cem

oitavas de ouro. Além disso, no edital de 14 de julho de 1720, fazia saber a todos os

moradores de Vila Rica e seus distritos das inquietações que ocorriam nas Minas,

principalmente no tocante à atuação dos mascarados, considerados líderes das

sublevações e homens perigosos. Estes, segundo o conde, intentavam expulsá-lo do

posto de governador, bem como os ministros e demais oficiais de Sua Majestade, como

forma de “dominarem os povos, uzupar lhes os bens e ficarem izentos de pagarem a

pessoa alguma o que lhe devem, (...) sendo necessário dar a tudo isto o castigo

necessario”. Deste modo, Assumar reconhecia que a participação da maioria dos

moradores nos motins era, na verdade, involuntária, sendo que estes eram coagidos e

obrigados, por força de armas, a participar dos levantes. Sendo assim, o governador

eximia esses homens comuns de qualquer culpa pelos ocorridos e ratificava o perdão

dado a eles, quando da primeira sublevação (SC 11, fl. 290v-291).

Assumar fez a seguinte descrição sobre o modo como ocorreram os motins e a

forma como o povo chega a participar deles. “Estes jamais se fazem senão pela meia-

noite adiante, no maior silêncio dela; (...) Começa-se ordinariamente a formar o motim

por seis ou sete mascarados, a que acompanham trinta ou quarenta negros armados”.

Estes eram incumbidos de arrombarem as portas das casas dos moradores e obrigá-los a

participar do motim. Além disso, corriam pelas ruas gritando os seguintes dizeres:

“Viva o povo, senão morra”. Os moradores, assustados e temendo por suas vidas e

patrimônio, acabavam por aderir ao movimento insurgente, ainda que a contragosto.

“Depois de terem alarmado o povo, que ainda ignora o para quê é semelhante

ajuntamento, levanta-se um mascarado, e começa a dizer em alta voz: meu povo,

quereis que façamos isto, ou aquilo?" E, caso, os moradores não se posicionassem a

favor da causa, eram feridos ou mortos pelos negros armados, servindo, inclusive, de

exemplo para os demais, que, para não caírem em igual desgraça, acabavam por não

oporem-se aos amotinadores. Como se pode notar, para Assumar os povos jamais

tiveram iniciativa de fazer rebelar a região das Minas, nem no motim de 1720, nem nas

sublevações passadas. Estes eram, antes, incitados à força, pelos cabeças, embora

acabassem por aderir às rebeliões e ajudar no mau intento dos sediciosos, por também

compartilharem de algumas insatisfações, no que tangia às alterações fiscais instituídas.

O conde ressaltou, ainda, que houve a participação de ladrões, assassinos, maus

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91

pagadores e de pessoas que, aproveitando-se dos tumultos, atentavam contra a vida de

seus desafetos particulares (DISCURSO, 1994, p. 84).

Diante da “sucessão dos tumultos, o excesso das desordens, as evidências do

perigo, as certezas da ruína”, já não havia mais espaço para moderação. Na opinião do

conde, só um “remédio” daria fim aos motins, a imposição da ordem através da força

militar, com a prisão dos principais líderes do motim e demais envolvidos, castigando-

os severamente como exemplo para aqueles que ousassem questionar a ordem política e

fiscal instituída. Nesse sentido, ordenou a imediata organização da Tropa dos Dragões,

para que fossem ao caminho que dava acesso à Vila Rica, sob ordens de não deixar

ninguém passar com algum aviso para os rebeldes, enquanto se fazia a prisão de

Sebastião da Veiga Cabral, que foi remetido em seguida para o Rio de Janeiro. Além

disso, ordenou a prisão de Pascoal da Silva Guimarães e Manuel Mosqueira da Rosa,

bem como dos freis Vicente Botelho e Francisco do Monte Alverne, por estarem

também envolvidos nos distúrbios de 1720. Segundo Assumar, por falta de tropas

suficientes, não se prenderam naquela ocasião outros envolvidos, os quais atuaram no

sentido de provocar novas desordens em Vila Rica (DISCURSO, 1994, p. 129).

A prisão dos líderes da sedição desencadeou novo motim. Bandos de

mascarados desceram do Morro de Ouro Podre com um grande número de negros

armados, e, ao som dos estrondos dos tiros de seus bacamartes, arrombaram as portas

das casas dos moradores, ameaçando incendiá-las e, ainda, a toda a Vila Rica, caso não

fossem no dia seguinte libertar os presos. Generalizada a desordem, o conde dirigiu-se

para Vila Rica, aos 16 de julho, com alguns poderosos do distrito da Vila do Carmo,

acompanhados de seus negros armados, em número de aproximadamente 1.500, e com a

Tropa de Dragões, a fim de controlar as inquietações e garantir o sossego público.

Chegando a Vila, o governador mandou atear fogo às casas de Pascoal da Silva

Guimarães e a muitas dos seus cúmplices, situadas no dito morro. Com o início de outra

sublevação, no sítio de Cachoeira do Campo, prendeu-se Filipe dos Santos, acusado de

ser o cabeça e o instigador do levantamento. Réu confesso, e preso em flagrante por

Luís Soares Meirelles – que não era oficial nem soldado, mas um simples homem do

povo –, foi “sentenciado a forca e com efeito diante de todo o povo foi enforcado e seos

quartos postos em todos os lugares aonde tumultuou, com cujo espetáculo ficou o povo

respirando da vexação que havia tantos dias padecia”. Luís Soares, por sua vez, foi

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92

premiado com um hábito de Cristo, que lhe rendeu uma pensão de trinta mil-réis

durante sua vida. Dessa maneira, o conde procurava transmitir a mensagem aos povos

das Minas de que para os bons era-lhes reservado como prêmio mercês, e para os maus,

o castigo (ANASTASIA, 1998; DISCURSO, 1994; SC-04, fls. 855-858).

Findada a revolta, no dia 20 de julho de 1720, o governador enviou uma carta a

Dr. Martinho Vieira comunicando-o da prisão dos líderes do motim, bem como do

castigo exemplar aplicado a Filipe dos Santos. Logo, convocou-o a reassumir o cargo de

ouvidor da comarca, do qual fora expulso pelos revoltosos dias antes, todavia, impôs

como condições a sua volta, que o mesmo assumisse uma postura diferente da que

apresentava anteriormente, passando a agir de acordo com a lei e a justiça, revestido de

prudência no trato com as gentes das Minas. Disse o conde, em carta enviada ao rei:

“para hir restituindo as couzas ao seu antigo estado avizei já ao Doutor Martinho Vieira

que viesse ocupar o seu lugar, porque espero que o que lhe sicedeo [sucedeu] lhe sirva

de emenda as suas ligeirezas (sic.)”. Advertia-o, nesse tocante, de que tais povos, para

ele, possuíam natureza insubmissa e indômita, avessa à ordem e autoridade. Daí a

necessidade da cautela, como meio de evitar novas desordens (SC-11, fl. 248v; SC-04,

fl. 855-858).

Ao rei de Portugal, Assumar teve o cuidado de ressaltar que tudo foi feito para

que o fim dos motins ocorresse de forma pacífica, mas que, por rebeldia e resistência

dos sublevados, o castigo fazia-se necessário como o único meio de pôr fim àquelas

agitações e sossegar, por definitivo, as Minas. E, dessa forma, justificou-se também o

fim trágico a que levou Filipe dos Santos. O governador assim sintetizou o desenrolar

dos acontecimentos:

Abriu-se em Vila Rica aquela boca da sublevação, que em dano dos

moradores continuou aberta tantos dias. Que meios não tentou? Que

diligências não fez por tapá-la o Conde? Porém, cada vez maiores as ruínas,

e Filipe dos Santos mais solto: lançou-lhe prata dos editais, lançou-lhe o

ouro dos perdões, a nada disto o bruto se movia, e não se satisfez nem cerrou

a sublevação a boca menos que com o sacrifício da sua vida. (...) E veja-se

como este merecido castigo de Filipe dos Santos, e justa queima do Morro

fez um tal efeito, que imediatamente se afogaram os motins, e cessaram por

toda a parte as perturbações, trocando-se o furor em brandura, a ousadia em

rendimento, a violência em sujeição (DISCURSO, 1994, p. 138-139).

A queima do Morro de Ouro Podre tinha um significado importantíssimo, já que

para o conde este era um local que estava sob o domínio de Pascoal da Silva Guimarães

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93

e seus sequazes, e de onde geralmente vinham os mascarados e seus negros, para

aterrorizar Vila Rica. A destruição do Morro simbolizava, portanto, a vitória de

Assumar e da ordem e autoridade públicas contra os desmandos e tumultos liderados

pelos poderosos locais que lá moravam. O poder de Pascoal da Silva era tão forte nessa

povoação que só ele e as pessoas próximas dele poderiam ter lojas e vendas nessa área,

“em dano de toda a Vila e seus comerciantes, que várias vezes representaram ao conde

esta sem-razão”. Além disso, era-lhe atribuído o acobertamento de indivíduos delituosos

– ladrões, maus pagadores e assassinos – que para lá iam a fim de escapar à justiça. Os

próprios oficiais incumbidos de aplicar à lei receavam entrar no Morro de Ouro Podre

por temerem a reação de Pascoal. Os moradores das Minas queixavam-se também deste

local ser refúgio de negros fugidos, que se escondiam dos seus senhores para não

pagarem os jornais,41

já que todo o ouro que achavam ficava nas vendas. Estas

funcionavam ainda como ponto de prostituição, visto que se expunham “negras gentis

para mais pronta saída, fácil consumo dos seus efeitos, e segura atração dos negros, que

até para as suas obscenidades ali achavam asseadas camas” (DISCURSO, 1994, p. 73).

No dia 17 de julho de 1720, em virtude dos graves motins provocados pelos

rebeldes do Morro de Ouro Podre, Assumar lançou um edital no qual declarava que toda

pessoa que tivesse casas ou vendas nesta localidade deveria se desfazer delas, no prazo

máximo de quinze dias, a contar da data de publicação do edital. Advertia-lhes, ainda,

para virem morar em Vila Rica ou em qualquer outro lugar que não fosse o referido

morro, pois este local seria destruído. Contudo, houve várias queixas da parte dos

moradores do morro, o qual era considerado o palco da origem de todas as perturbações,

alterações e prejuízos para o governo, além de abrigar os principais opositores do conde

e ser um local inacessível à justiça oficial. Depois de ouvidas e consideradas as queixas,

e realizada uma “madura reflexão”, o conde achou por bem rever a decisão anterior de

despovoá-lo, sob a alegação de que “os inocentes não [fossem] castigados pelos

culpados”, antes, fossem favorecidos e amparados por serem fiéis e leais vassalos de

Sua Majestade. Por fim, o governador mandou publicar outro edital, o de 12 de agosto

de 1720, em que coibia apenas a permanência dos “oficiais mecânicos” no local, que

41

“Valor prédefinido que o escravo dedicado a atividades que importem algum rendimento, como

comércio e serviços urbanos, deve garantir a seu proprietário, diária ou semanalmente; quantia paga por

um dia de trabalho” (CÓDICE Costa Matoso, 1999, p. 104).

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94

exerciam atividades comerciais ligadas às vendas e lojas, cujas atividades foram

proibidas (SC 11, fls. 291v).

Segundo Assumar, a razão que permeou a participação de Pascoal da Silva

Guimarães na liderança do motim deveu-se a seu endividamento em torno de mais de

trinta arrobas de ouro. Este temia que o ouvidor Martinho Vieira, responsável por

aplicar a justiça nas Minas, e que não tinha o menor respeito pelos homens poderosos da

região, fizesse-lhe pagar o que devia aos seus credores. Outros líderes, Sebastião da

Veiga Cabral, Sebastião Carlos, Pedro da Rocha Gandavo e outras trinta ou quarenta

pessoas de menor influência, que participaram do movimento, encontravam-se sobre as

mesmas condições: arruinados e endividados. Não dispondo de meios para honrar suas

dívidas, Pascoal liderou os revoltosos com a intenção de matar o ouvidor da comarca e

de expulsar o conde e demais ministros do rei de Vila Rica. Na opinião do governador,

em função do grave delito praticado pelos envolvidos, a piedade já não era mais uma

opção, somente o rigor poderia pôr fim à sublevação (DISCURSO, 1994, p. 71-72).

Diante desse quadro de tumultos, a estratégia adotada por Assumar consistiu na

aplicação do castigo exemplar, tendo em vista que mesmo depois de concordar com as

propostas dos amotinados e de conceder-lhes o perdão, a rebeldia e as agitações

populares permaneceram. E embora presos os cabeças, não foi o bastante para que

cessassem os motins. Além disso, para os líderes da revolta não importava o

atendimento das propostas apresentadas, pois o que realmente queriam era impugnar as

ordens reais e expulsar o governador e os ministros do rei das Minas, bem como edificar

uma República neste estado, segundo os argumentos defendidos pelo conde. Desse

modo, a fim de se estabelecer a ordem natural das coisas, somente uma ação militar

rápida e severa poderia pôr fim aos motins, caso contrário, não haveria mais remédio

para esse dano, “porque só um castigo repentino equivale e supre a debilidade e falta de

forças” (DISCURSO, 1994, p. 162).

O governador ressaltava, igualmente, que a força do rei de Portugal estava no

seu poder de castigar aqueles que atentassem contra sua ordem. Ao monarca não

bastava a reputação de rei amoroso e benevolente, havia também que ser visto como um

rei severo e castigador, pois só assim se intimidaria e amedrontaria os vassalos infiéis e

desordeiros, e se faria prevalecerem as leis e a autoridade real. A razão por que os povos

obedeciam aos poderosos e não aos ministros de El-Rei “era porque via[m] que em

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95

poder dos tais estavam as leis, os direitos, as sentenças, a paz e a guerra, não se

isentando nem a jurisdição eclesiástica de seu poder”, e que eles eram favorecidos com

o perdão real, mesmo quando cometiam os piores delitos, pareciam estar seguros de que

seus insultos não lhes renderiam qualquer tipo de castigo. Por isso, eram vistos pelos

povos como os príncipes das Minas, “porque isso é ser príncipe não viver sujeito ao

castigo”. Para o conde, as certezas do perdão eram o que oportunizavam a ocorrência

dos sucessivos motins mineiros, e somente com ações enérgicas e rigorosas é que se

fazia cumprir as leis, já que os moradores das Minas só queriam leis ao seu gosto.

“Ainda os mais sisudos querem que a lei seja conforme eles vivem, e não querem viver

eles conforme à lei”, disse Assumar. Além do mais, questiona o amor e a fidelidade de

alguns homens poderosos da região, haja vista sua participação clara na liderança do

motim de 1720. Para ele, somente o castigo exemplar poderia findar a revolta e salvar o

governo, nestas terras tão distantes do reino lusitano. Não havia sequer tempo para

esperar ou para fazer consultas aos ouvidores a respeito das resoluções a tomar contra os

revoltosos. O perigo era iminente, a prontidão necessária e o castigo única opção e a

melhor solução para a ocasião (DISCURSO, 1994, p. 68 e p.156).

Segundo Maria Verônica Campos, a rápida repressão dos motins não seguiu os

trâmites legais. Muitas vezes, a devassa era realizada depois de já terem sido aplicadas

as punições, prisões, confisco e degredo. Ou seja, punia-se primeiro e se investigava

depois. A autora aponta a atitude do conde de Assumar como sendo ilegítima para os

seus pares da corte, tendo em vista que ignorava o mister judicial, passando, de certo

modo, sobre todas as convenções e até hierarquias previamente instituídas nos

processos de aplicação da lei, argumento que pode se apoiar no próprio esforço

empreendido pelo conde em se justificar perante o rei. Na lógica invertida por Assumar,

“a devassa deveria ser conduzida de forma a referendar as atitudes tomadas”. Para

Marcos Aurélio de Paula Pereira, contudo, a prática de impor a lei conforme a

circunstância era mais comum do que se pensa. O autor afirma que a aplicação da

justiça no governo do conde de Assumar “só pode ser analisada a partir da ponderação

do que era – na prática e no cotidiano e não, apenas, no discurso jurídico – fazer justiça,

tendo por referência a política do rei que se servia e se representava” (CAMPOS, 2002,

p. 253; PEREIRA, 2009, p.62).

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96

Em carta dirigida ao secretário de estado Diogo de Mendonça, em 14 de

dezembro de 1720, Assumar questionou os mecanismos judiciais e a brandura das leis

de então para com os amotinados, que sempre eram perdoados quando cometiam delitos

e crimes. Destarte, ele pareceu sugerir ao rei de Portugal uma mudança na abordagem

dos amotinados, já que considerava que nem sempre as leis gerais do rei, que

apregoavam a cautela e a prudência no trato com a elite local, funcionariam de forma

satisfatória, havendo, pois, que adotar medidas mais severas, de acordo com o “clima da

região”, com punições exemplares, visando a intimidar e amedrontar os envolvidos nos

levantes. Nesta correspondência, já findado o motim e punidos os envolvidos, percebe-

se que o governador buscou justificar suas ações, consideradas demasiadamente

rigorosas pelos compatriotas de Portugal, por se tratarem, os réus, de homens brancos e

portugueses, que gozavam de um status diferenciado, em relação aos demais agentes

sociais (SC 13, fls. 11-11v-12).

Para Diogo de Vasconcelos, a reação do conde aos revoltosos de 1720 se deu

com exemplos pavorosos, desde a ordem para que incendiasse as casas dos líderes, até a

morte de Filipe dos Santos, sem julgamento prévio; este último foi considerado por

Vasconcelos o herói da revolta.42

Obrigado a se justificar perante os seus conterrâneos e

o rei de Portugal, escandalizados com o desfecho dos acontecimentos que se deram nas

Minas, o governador D. Pedro de Almeida argumentou em sua defesa que os cabeças da

revolta de 1720 tinham a clara intenção de formar uma república neste governo,

expulsando os representantes da Coroa das Minas, e não permitindo que outros viessem

a governar a região. Para Vasconcelos, a ideia de que os revoltosos de Vila Rica tinham

a intenção de instalar uma república nas Minas não passava de uma invenção do conde,

como forma de se habilitar perante o rei e de se justificar pelos castigos enérgicos contra

42

“Filipe dos Santos Freire foi o único insurgente executado na revolta de Vila Rica de 1720, a despeito

de ter desempenhado papel menor na urdidura do movimento sedicioso. Era reinol e desenvolvia

atividades comerciais de pequeno porte na região de Vila Rica. Segundo Diogo de Vasconcelos, foi o

“chefe e tribuno da plebe, único sedicioso verdadeiramente popular” e adepto de resoluções extremas. A

maior relevância de sua biografia parece estar relacionada à forma como a historiografia brasileira do

século XIX e início do XX tem considerado sua participação na revolta de 1720. Laura de Mello e Souza

analisou como os membros do IHGB o classificaram como protomártir da independência do Brasil,

traçando um paralelo entre a revolta de 1720 e a Inconfidência Mineira de 1789. A historiadora lembra,

porém, que Filipe dos Santos não foi o principal protagonista da sublevação de 1720 que, aliás, sequer

cogitou da independência de Minas Gerais. A revolta de Vila Rica de 1720 tinha como ânimo específico a

oposição à criação das Casas de Fundição nas Minas Gerais, tarefa que a Coroa atribuíra ao recém-

chegado governador, conde de Assumar. Tratou-se de um movimento sedicioso organizado pelos grandes

potentados locais, incluindo o poderoso mestre-de-campo Pascoal da Silva Guimarães, Sebastião da

Veiga Cabral e Manuel Nunes Viana” (VAINFAS, 2001, p. 235).

Page 98: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

97

os sediciosos, visto que nem em documentos escritos, nem em testemunhos verbais,

invocou-se atribuir aos revoltosos de Vila Rica a precedência em tal ideia. Assim:

Conservando viva a memória dessa revolta, nem de leve ao menos ligou-se

até o presente à concepção da república. Pelo contrário, no curto espaço de

duas gerações, consentiu, que os direitos dessa primogenitura pertença de

modo inequívoco aos inconfidentes de 1789 (VASCONCELOS, 1999, p.

209).

Na análise de João Pinto Furtado, por seu turno, a reação violenta do conde de

Assumar ao motim de 1720 pode ser explicada pelo fato de que os revoltosos eram

vistos como insubmissos, desleais e perigosos, e o uso da autoridade metropolitana e da

força, naquele contexto, foi tida como um recurso político necessário e imprescindível,

uma vez que só por meio da autoridade se anulava e minimizava a insubmissão popular

nas Minas (FURTADO, 2005).

Ao analisar o Discurso Histórico e Político sobre a Sublevação que nas Minas

Houve no ano de 1720, Anastasia defendeu o duplo caráter da sedição. Esse movimento

estava relacionado à briga pelo poder político nas Minas, por parte dos líderes do

motim, tendo como principal interesse assumir o poder político e acabar com a

autoridade do governador das Minas e dos ministros da comarca. Por fim, a sedição

estaria relacionada também ao descontentamento dos mineradores com o arrocho fiscal

sobre a mineração e, mais diretamente, com a instalação das Casas de Fundição, vistas

por eles como uma forma de cobrança injusta. Desta forma, para Anastasia, o Motim de

1720 é híbrido, por apresentar tanto características de um movimento reativo de defesa

dos direitos costumeiros, ou seja, os povos tinham o direito natural de se levantar contra

maus governantes que os oprimiam com a elevada cobrança de impostos, quanto de um

movimento desenvolvido em contexto de soberania fragmentada (ANASTASIA, 1998).

Segundo Maria Verônica Campos, por sua vez, os poderosos locais –

comerciantes e mineradores – compunham uma rede clientelar (ou de alianças)

composta por parentes, aliados e pessoas com interesses comuns, que balizavam suas

relações na troca de favores.43

Assim: “Os potentados de Minas conseguiram construir

redes de clientela que ultrapassavam os distritos mineradores e o sertão, e tinham

43

Para melhor compreensão da rede clientelar de Pascoal da Silva Guimarães e de outros revoltosos de

1720, consultar KELMER MATIAS, Carlos Leonardo. Jogos de interesse e redes clientelares na revolta

mineira de Vila Rica (1709-1736). Rio de Janeiro: UFRJ, PPGHIS, 2005.

Page 99: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

98

ramificações em Salvador e na Corte”. A autora defende, desse modo, que Pascoal da

Silva Guimarães exercia a liderança de uma dessas redes, a qual congregava vários

outros elementos poderosos dentro da sociedade das Minas e de outras regiões.

Portanto, era um homem que dispunha de grande poder político, econômico e de

mobilização de bandos armados, fatores indispensáveis à política do favorecimento que

ele empreendia, a qual lhe garantia seu mando e sua influência. Esta rede clientelar, para

a autora, teria canalizado as insatisfações gerais em torno da política do governador

conde de Assumar, tida por eles como contrária aos seus interesses, já que buscava

fortalecer o poder central, retirando dos poderosos locais a possibilidade de nomeação

de pessoas para cargos e funções políticas, de administrar rendas e de aplicar a justiça,

em suma, tirando-lhes a influência política e social de que gozavam. Daí a participação

destes nos motins de 1720 (CAMPOS, 2002, p, 251).

Kelmer Mathias também enumerou vinte sete indivíduos que atuaram na Revolta

de Vila Rica no ano de 1720, dentre estes, Manuel Mosqueira da Rosa – que intentava

reaver o seu antigo cargo de ouvidor da comarca de Vila Rica, então sob a

responsabilidade de Martinho Vieira – Sebastião da Veiga Cabral – que almejava o

posto de Governador da capitania de Minas do Ouro – e Pascoal da Silva Guimarães,

que compartilhava com os anseios de ambos, pois passaria a contar com dois aliados

seus ocupando os postos da governança mais importantes da capitania. Sendo assim,

para o autor, a Revolta de Vila Rica não reivindicava, em sua essência, benesses para a

população em geral. Os principais líderes da revolta escondidos através de postulados

de cunho comum – no caso, a não instalação das Casas de Fundição – tencionavam, na

verdade, a obtenção e a realização de seus interesses particulares, sendo o principal

deles o exercício do poder político na região das Minas (KELMER MATHIAS, 2005).

Ainda segundo Kelmer Mathias, o governador D. Pedro de Almeida manteve um

canal aberto de negociação com os revoltosos, chegando a conceder o perdão aos

amotinados e a atender as suas solicitações. Porém, os cabeças da revolta não souberam

canalizar esta ação em proveito próprio, prosseguindo com os motins na ambição de

tomarem o poder político da região. Na opinião do autor, o conde demonstrou ser um

estrategista melhor, na medida em que ao negociar com os revoltosos e acatar suas

reinvindicações, desestruturou a base que dava sustentabilidade ao movimento, ou seja,

Page 100: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

99

o povo; além do mais, conquistou o apoio de outros homens poderosos das Minas, apoio

valiosíssimo e necessário. Para o autor:

Os governadores procuravam estreitar laços com os homens possuidores de

condições de lhes garantir sua governabilidade, ou seja, com homens

proprietários de negros e/ou índios flecheiros e capazes de armá-los e os

dispor aos interesses do Real Serviço, recebendo, evidentemente,

contrapartidas em retribuição por terem havido mister (KELMER

MATHIAS, 2005, p. 97).

Nesse sentido, a contenção do Motim de Vila Rica não ficou apenas a cargo do

governador e suas tropas de dragões. Ele contou com o auxílio das milícias de escravos

de alguns homens poderosos que, não estando envolvidos nos levantes, rapidamente

atenderam ao chamado do conde de Assumar, vindo acudi-lo no desmonte da desordem

que tomara a vila. Foram os casos, por exemplo, de Manoel Cazado, Dr. Joseph de Saá,

Joseph Mattol, Ambrosio Caldeira Brantes, Francisco Viegas Barbosa, o capitão Pedro

da Silva Chaves, Joseph Alves de Oliveira, o padre Francisco Barreto, o capitão-mor

Pedro de Morais Raposo e de Vital Cazado Rotier. A este último, o conde escreveu uma

carta em 06 de agosto de 1720 agradecendo-lhe a boa vontade e o valoroso apoio dado

no desbaratamento do motim. Ele teria marchado com seus aliados para Vila Rica,

lutando contra os revoltosos e dando grande mostra do zelo e lealdade que tinha para

com a causa do rei. Todavia, Assumar não perdeu a oportunidade de ressaltar que tal

apoio era obrigação de todos os bons vassalos, mas que em virtude do grande risco que

esta perturbação causou à ordem pública, havia que “louvar todos aquelles que

desprezando as sugestões com que os procuravão induzir pella parte contraria”,

distinguindo-os entre os demais, pela defesa desta comarca. Assim, recomendou os

nomes de Vital e dos demais citados ao rei de Portugal (SC 11, fl. 254).

Um caso exemplar foi o do potentado Bento Ferraz de Lima para quem, através

de uma certidão oficial, o conde solicitava ao rei a concessão de “todas as honras e

mercê que Sua Magestade que Deos o Guarde for servido fazer lhe (sic.)”, com a

justificativa de que aquele teria despendido vultosos gastos e, com significativo

empenho e obediência às ordens do governador, desempenhado papel de grande ajuda à

manutenção da ordem local. Partindo para Vila do Carmo com os seus negros armados,

na companhia do governador, Bento Ferraz teria combatido e prendido alguns dos

amotinados, os quais ele, por meio da doação de quatro escravos, ajudou a conduzir até

Page 101: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

100

a prisão, no Rio de Janeiro. Através da certidão, portanto, o conde de Assumar atestava

a lealdade do vassalo, expondo os fatos e a participação do mesmo no desbaratamento

da revolta, sempre salientando a existência de despesas materiais, bem como, o

empenho pessoal no serviço do rei. Com isso estabelecia, por um lado, a relação de

fidelidade e, por outro, a relação de serviço prestado, a qual assegurava ao vassalo um

tipo de reconhecimento (CMM 12, fl. 6r, 6v).

Outro exemplo é a certidão que atestava o louvável comportamento de Nicolau

da Silva Bragança, quando do motim de 1720. No documento, o governador certificava

que na ocasião do levante, ao receber as notícias do que se passava, aquele

imediatamente deslocou “todos os seus escravos e camaradas bem armados” para Vila

do Carmo, no intento de defendê-la dos régulos. No entanto, àquela altura, dada a

concessão do perdão, o local já se encontrava pacificado. Em outra ocasião, Nicolau da

Silva teria acompanhado outro potentado, José Rabello Perdigão, no desígnio de

prender dois amotinados, José da Silva e Francisco Xavier, os quais, contudo,

conseguiram escapar, por já terem a informação da ordem de sua captura

antecipadamente. Atuou também, segundo o conde, na luta contra os homens

mascarados, que aterrorizavam as vilas durante a noite, além de desempenhar a honrosa

tarefa de conduzir os presos até o Rio de Janeiro. No final da certidão, o conde ressaltou

que Nicolau da Silva se retirou “com todos os seus escravos todo o tempo que foi

necessário para por em socego” os locais perturbados, até que, seguindo ordens do

próprio governador, se retirou “para sua caza e em todo o tempo que durarão estas

sublevaçoens, em que o ach[ou] sempre prompto, com aquella actividade e zello que se

devia esperar de hum fiel e leal vasallo de Sua Magestade”, sem se esquecer de salientar

a “grande despeza que fez da sua fazenda com a muita gente que tinha e caristia do

povo”, ao que solicitava, então, as honras que, segundo o relato de sua conduta, viesse,

aos olhos do rei, a merecer (AHU/MG, cx. 02, doc. 92).

Mesmo algum tempo depois da ocorrência do motim, o rei ainda concedia

mercês aos vassalos que se distinguiram no zelo do governo. Em uma carta régia, datada

de 26 de março de 1721, o rei de Portugal saudava o governador das Minas, na época

Dom Lourenço de Almeida, e afirmava “ser justo” que aqueles que se apresentaram

fiéis à Coroa tomassem conhecimento da sua satisfação com o modo como agiram.

Outrossim, ordenava que o mesmo os convocasse, depois de tomar as informações

Page 102: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

101

necessárias e com assistência dos oficiais da Câmara, Ministros e Oficiais de Justiça,

para lhes fazer um agradecimento formal, em nome do rei. Além disso, ordenava o

monarca, que se declarasse que “ficão na minha lembrança para lhes fazer mercê

quando se offerecer ocazião, e a cada huma dellas mandareis passar certidão para me

poderem apresentar quando fizerem o seu requerimento”, solicitando, por fim, ao

governador que lhe enviasse uma lista com os nomes daqueles que merecessem a

demonstração de “agradecimento real”. Assim, não só galgar postos ou adquirir

honrarias eram objetivos daqueles que prestavam seus serviços ao rei, mas também, em

alguns casos, a confirmação de uma comenda ou do exercício de um posto já concedido

pelo governador, mas ainda carente da ratificação real (SC 23, fl. 06). Como exemplo,

citamos o caso do Capitão-Mor do distrito dos Currais, Sebastião Barboza Prado, que

enviou requerimento ao rei solicitando a confirmação da patente que ostentava, em 10

de julho de 1722. Como resposta, foi ratificado no posto de capitão-mor, por ter

“procedido com grande fidelidade e zello do serviço de El Rey Nosso Senhor, e por

confiar delle que em tudo de que encarregar procederá com a mesma boa satisfação com

que athé agora o tem feito”. Assim, através do reconhecimento formal, da instituição de

honrarias e mercês, da distribuição de cargos e comendas, da promessa da “gratidão

real” o governo conseguiu assegurar o apoio de muitos potentados da região das Minas,

com o qual conseguiu desmantelar os grupos indômitos e restabelecer a ordem régia nas

Minas (AHU/MG, cx. 02, doc. 52).

Em face dos eventos levantados neste capítulo, cumpre enfatizar alguns

aspectos importantes para a compreensão das razões alegadas pelo conde de Assumar na

repressão dos motins. Primeiro, que o levante de Vila Rica deu-se em um contexto de

centralização política e fiscal, sobretudo com a chegada do novo governador, fato que

acirrou os ânimos dos poderosos locais que, até aquele momento, gozavam de certa

liberdade e autonomia políticas na região, o que se pode mesmo observar na inquietação

que as ações indesejadas do conde causaram no cenário político local, criando as

circunstâncias que ensejaram as revoltas.

Em segundo lugar, a partir da deflagração dos motins, o conde, por sua vez, pôs

à prova a lealdade e a sujeição dos vassalos, principalmente, os poderosos locais

possuidores de mercês e títulos, com os quais entrou em choque, mediante a existência

de uma tradição política de resistência ao aumento dos impostos e a quaisquer medidas

Page 103: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

102

consideradas opressivas e tirânicas. Foi a partir dessa concepção – oriunda das teorias

corporativas de poder da Segunda Escolástica,44

que legitimaram as ações políticas dos

restauradores de 1640 – que alguns poderosos de Vila Rica e do seu entorno buscaram

validar sua rebeldia contra o governador D. Pedro de Almeida, o conde de Assumar,

acusando-o de ser injusto, tirânico, e de não zelar pelo bem comum dos povos das

Minas. Embora, como vimos, a elite local ambicionasse a manutenção e o

fortalecimento do mando local. Devemos, também, ressaltar a atuação dos potentados

que apoiaram o governador durante as agitações, os quais tiveram papel decisivo no

findar do motim e receberam o devido reconhecimento real, na forma de títulos, cargos

e comendas.

Finalmente, deflagrados os motins, e diante do insucesso das negociações entre o

conde e os revoltosos, o fim do movimento deu-se com a prisão dos principais líderes e

a execução sumária de Filipe dos Santos. A aplicação dos castigos, considerados

demasiadamente severos, até pelo próprio rei, trouxe embaraços ao conde, obrigando-o

a se justificar; este o fez, então, defendendo que o recrudescimento das punições,

mesmo sem julgamento prévio, era a única solução em face do contexto e dos interesses

locais em jogo, para os quais consenso algum seria benévolo a sua máquina. Daí a

aplicação do castigo, como forma de se por fim, de uma vez por todas, à revolta, bem

como para servir de exemplo para que outros não viessem a cometer tal afronta ao poder

público instituído. Portanto, a principal razão de Estado apresentada por Assumar, para

justificar a sua ação repressiva, foi que os motins na verdade não passavam de uma farsa

montada e alimentada pelos poderosos locais, visando a desestabilizar e desbaratar a

estrutura política e fiscal que ele tentava implementar, além de ambicionarem ocupar a

sua função, bem como de seus ministros, na administração da região das Minas. Nesse

sentido, argumentou o conde, foi em defesa dos interesses de Sua Majestade que

procedeu daquele modo.

44

Segundo Luiz Carlos Villalta, “as concepções corporativas de poder da Segunda Escolástica

predominaram na Península Ibérica até meados do século XVII e tiveram bastante força até o século

XVIII, quando ainda impregnavam a doutrinação política, constituindo-se como as premissas do

pensamento político luso-brasileiro e hispano-americano. Nos domínios portugueses especificamente,

nem as reformas pombalinas, nem a expulsão dos jesuítas lograram eliminá-las, com o que elas

sobreviveram até o período da Independência” (VILLALTA, 1999, p. 24).

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103

3º CAPÍTULO

À MARGEM DA “PALAVRA OFICIAL”: A DISSIMULAÇÃO E O BOATO

COMO ESTRATÉGIAS DOS AMOTINADOS

A arte da dissimulação deve ser entendida

como uma técnica básica de ocultar ou adiar a

verdade, mas não de produzir a mentira

(PÉCORA. Prefácio. In: ACCETTO, 2001, p.

XX).

O boato está em todos os lugares e em todas as

esferas de nossa vida social. Ele é o mais

antigo dos meios de comunicação de massa.

Antes mesmo de existir a escrita, o ouvir-dizer

era o único veículo de comunicação nas

sociedades. O boato veiculava as informações,

fazia e desfazia as reputações, precipitava os

motins ou as guerras (KAPFERER, 1993, p. 4).

3.1 – Dissimulação e Boato: o que são?

As formas sociais de intervenção política são múltiplas e variadas. De forma

coletiva ou individualmente, os atores sociais buscam participar, direta e/ou

indiretamente, na organização do poder e nas decisões relevantes ao contexto social a

que pertencem, mesmo sendo estas em âmbito local. Em alguns casos, diante da

limitação das formas institucionalizadas de participação, essas forças sociais

desenvolvem mecanismos indiretos de intervenção política que, de certo modo,

interferem neste campo em questão, com a pretensão de fazer pesar a seu favor o

pêndulo social. Parece ter sido este o papel desempenhado pela dissimulação e pelos

boatos no contexto do Motim de 1720, em Vila Rica, em que os líderes do movimento

lançaram mão destes recursos copiosamente, visando a intervir no governo local.

Assim, neste capítulo, analisaremos o uso da dissimulação pelos cabeças do motim

como forma de omitir suas reais intenções do governador das Minas, bem como alguns

boatos veiculados durante a revolta, enfatizando os efeitos causados no contexto em que

apareceram e as respostas dadas pelo poder público, além de ressaltar os interesses

ocultos na sua veiculação.

Page 105: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

104

Como pensar uma teoria do que seja o boato? Primeiro, deve-se considerar o

boato como uma forma de linguagem social, um movimento discursivo. Movimento

porque sofre as metamorfoses produzidas pelas interações dialógicas e sociológicas. Isto

é, a informação que é dada pode sofrer alterações à medida que for repassada boca a

boca, ou dentro de um contexto social mais amplo. Segundo Monique Augras, o boato

reflete diretamente a insegurança, a incerteza diante das informações dispostas. Nesse

sentido, para a autora:

A difusão dos boatos expressa as tendências inconscientes de um grupo,

desde que esse grupo se encontre numa situação de insegurança, de tensão

emocional, de incerteza no tocante às informações. Quanto maiores forem as

tensões, em particular quando a própria sobrevivência do grupo estiver em

jogo, mais facilmente aparecerão boatos e mais difícil será desfazê-los,

porque serão fundamentalmente arraigados em motivos inconscientes

(AUGRAS, 1970, p. 82).

O sociólogo francês Jean-Bruno Renard, por sua vez, afirmou que os repertórios

de boatos são variados e que não existe meio social que não possua o seu. Ou seja, o

boato é um elemento discursivo presente em todos os contextos sociais, e sendo

narrativas que comportam opiniões e atitudes, os boatos não se dão nem são objeto de

adesão por falta de instrução ou por irracionalidade. Tem-se por conceito de boato,

então, “um enunciado ou uma narrativa breve, de criação anônima, que apresenta

múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contada como sendo verdadeira e

recente em um meio social que exprime, simbolicamente, medos e aspirações”. O boato

é, desse modo, uma manifestação racional de um tipo de inquietação de cunho social, é

“uma proposição ligada aos acontecimentos diários, destinada a ser aumentada,

transmitida de pessoa a pessoa, habitualmente através da técnica do ouvir-dizer, sem

que existam dados concretos capazes de testemunhar sua exatidão” (RENARD, 2007, p.

98; ALLPORT, Gordon W.; POSTMAN, Leo Apud BORGES, 2010, p. 40).

Podem-se perceber algumas características comuns aos conceitos de boato

apresentados: não existem dados concretos capazes de provar a exatidão das

informações veiculadas como verdadeiras no boato; eles são baseados em dados

informais, não apreciados ou verificados oficialmente; e, por último, observa-se que os

boatos não são verificáveis, uma vez que a autoria é sempre desconhecida, assim como

a origem. Nesse sentido, os boatos veiculados nas Minas amotinadas parecem se

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105

encaixar nessa descrição, ao passo que há sempre um “mascarado”, um “negro sem

nome”, um “desconhecido”, que passa a informação, que lança o boato ao povo. E o

rumor sempre era direcionado a alguém, visava a desacreditá-lo, para por a sua honra à

discussão, levantar suspeitas ou simplesmente para causar instabilidade política. O

boato se constitui, desse modo, de “uma afirmação feita sobre uma dada informação, e

tendo por objetivo aparente informar, ainda que seja de maneira ‘errônea’ (...) Porém

esta afirmação não é verificada e/ou é inverificável”, é uma informação que ninguém

confirma e ninguém nega, portanto, incerta. Deste modo:

Não há como dizer que um boato seja verdadeiro ou que seja falso. Boato é

boato. Isto não significa dizer que seu conteúdo não pareça ser uma

informação factível, verossímil. Aliás, sem esta verossimilhança nenhuma

pessoa o repassaria. Ninguém quer ser considerado um enunciador maluco

(BORGES, 2010, p. 41).

Assim, se o boato é investigado, verificado, ele conseguintemente deixa de

existir, ou muda de categoria, tornando-se notícia, informação, algo dado como certo.

Para Luiz Carlos Assis Iasbeck, em seu artigo intitulado Os boatos – além e aquém da

notícia, os boatos, os rumores e os falatórios são:

Fenômenos comunicativos que precedem, parodiam, subvertem e

realimentam a novidade da notícia. Eles reacendem o interesse e a motivação

que tendem a arrefecer-se quando revelado o mistério ou quando autorizada

a versão oficial acerca de um fato esperado ou acontecido. O boato também

cria fatos o que o torna foco das atenções e da vigilância da ordem pública,

principal suspeita e alvo preferido dessa forma subtextual de realidade

(IASBECK, 2003, s/p).

Apesar de o boato dirigir-se a situações concretas, na maioria das vezes assume

um caráter fantasioso, o que o torna não verificável, não comprovável, incerto. Tendo

como única referência sua própria narrativa, e sendo quase sempre de autoria

desconhecida, o boato perpetua-se em um ambiente de dúvidas e inquietude, cenário

desenvolvido a partir da sua própria aparição. Assim, os boatos devem chamar a atenção

de um grande número de pessoas, responsáveis pela propagação e, ao mesmo tempo,

alvo, já que o seu objetivo é, sem dúvida, causar instabilidade e inconstância em um

contexto social dado. Outra característica importante do boato é sua perecibilidade, isto

é, o seu caráter efêmero, passageiro, além disso, é disseminado majoritariamente através

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106

da oralidade, “mas isso não impede que estejam impregnados pelas marcas do texto

escrito” (IASBECK, 2003, s/p).

De onde vêm os boatos? Para Iasbeck, é um equívoco tentar descobrir a origem

de um boato, sobretudo, tentar descobrir sua autoria, já que ele ganha força no

desconhecimento daquele que o lançou, o que faz com que alcance a multidão e seja

retransmitido por múltiplas vozes, às vezes até dissonantes. Sendo assim, para o autor,

“sua constituição é coletiva e difusa, na medida em que cresce e corre com

contribuições individuais, que se diluem nas narrativas subsequentes, mas que

lubrificam o canal de passagem”. Entretanto, “se nos é difícil – senão impossível –

localizar a origem de um boato, é possível, sem grande esforço, pesquisar o ambiente no

qual surgiu e para o qual produz efeitos”. Deste modo, “nenhum boato surge em lugares

nos quais não possa despertar ou inflamar interesses”, tornando-se indicioso da

existência de querelas ou disputas políticas e sociais. Figura-se, portanto, ainda mais

improvável identificar as origens ou o criador dos boatos, quando estes se dão em tal

contexto. Do contrário, caso se encontre ciente da origem ou do(s) mentor(es) do boato,

o grupo social alvo não o propagará com efeito, já que a divulgação deste não sortirá

dúvidas ou incertezas, ao passo que se tratará de informação politicamente engajada,

com significação e intencionalidade de conhecimento geral. Nesse sentido, para

Iasbeck:

Se o mapeamento do processo de propagação de um boato pode nos levar a

entender forças que movem os interesses de determinado grupo, insinuando

certezas sobre o nascedouro, com certeza nos desvia da rota multiplicadora

que faz com que ele venha a ganhar efeitos (IASBECK, 2003, s/p).

Assim, todo boato tem um fundamento, uma motivação implícita. O sentimento de

transgressão e a aura de mistério que o envolvem tornam-no sedutor, como “versões não

autorizadas” da realidade. É um símbolo que veicula um universo de possibilidades

interpretativas para uma situação posta, desejada por alguém para alguém com alguma

intenção. “O boato dirige-se a alguém porque possui motivação suficiente para chegar

ao público que pretende atingir”. Neste sentido, ele “cria na mente da pessoa que o

recebe uma outra versão equivalente ou mais desenvolvida, que seguirá em frente

alterada, adulterada e adensada pelas contribuições dos interpretantes anteriores”.

Assim, o boato representa uma narrativa insinuada por uma voz anônima, que não

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107

assume a responsabilidade por tal informação e seus efeitos, mas que visa a englobar

um número elevado de pessoas em torno de uma causa oculta (IASBECK, 2003, s/p).

De acordo com Jean-Noel Kapferer, o boato é um fenômeno social pouco

estudado. No entanto, pode-se afirmar sobre ele que se trata de um tipo de linguagem

informativa popular, que segue uma fórmula simples: Importância (do assunto) X

Ambiguidade (controvérsia) = Boato, isto é, quanto maior for a relevância social da

questão colocada pelo boato, tanto maior será a sua divulgação e o seu impacto dentro

dos grupos sociais atingidos. Para Kapferer, boato é “a emergência e a circulação no

corpo social de informações que não foram ainda confirmadas publicamente pelas

fontes oficiais, ou que não foram desmentidas por estas”, tornando-se, então, um

fenômeno tanto sociológico quando político. E continua, afirmando que o boato é:

Uma relação com autoridade desvendando segredos, sugerindo hipóteses, ele

obriga as autoridades a falar, além disso, ele põe em cheque o estatuto de

única fonte autorizada a falar (KAPFERER, 1993, p. 16).

Consiste, então, basicamente em uma informação paralela, muitas vezes oposta ao

discurso oficial e, neste sentido, se transforma em uma fala que enseja voz a um

“contra-poder”. Para o autor, “não há política sem boatos. A essência do boato (...) é de

ser uma palavra à margem da palavra oficial. Ela é um contra-poder. É natural, portanto,

que os boatos proliferem no âmbito da conquista e da gestão do poder”. As vantagens

do boato, no que se refere a uma disputa política, dão-se em função de que o

interlocutor inicial permanece sempre oculto, o que o protege de qualquer tipo de

retaliação oficial. Deste modo, não há responsáveis diretos a serem acusados, embora

muitos estejam a par da notícia. “A fonte permanece oculta, inacessível e misteriosa”

(KAPFERER, 1993, p.196).

Vale diferenciar o conceito de boato de outros que se assemelham, mas que

possuem natureza e abrangência diversas. Pode-se, por exemplo, ressaltar as diferenças

entre este gênero de comunicação e o fuxico ou mexerico, a fofoca, o rumor e o ouvir-

dizer. O fuxico, ou mexerico, refere-se a histórias caluniosas, sórdidas, ofensivas,

geralmente contendo um juízo de valor negativo, que deprecia a honra de uma pessoa. A

fofoca, menos perversa que o gênero anterior, infunde no meio social com sabor o falar

da vida alheia, “relata as chances e as desgraças, sejam elas pequenas ou grandes que

nos cercam (...), ela é fugaz e deve ser substituída por outra ainda mais saborosa”, o

Page 109: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

108

mais rapidamente possível. O rumor, contrariamente ao boato, é mais restrito,

circunscreve-se a um espaço reduzido, a um número de envolvidos limitado e produz

efeitos quase insignificantes ao contexto social. Finalmente, o ouvir-dizer abrange uma

série de fenômenos diferenciados: “as conversas entre duas pessoas, as discussões de

grupo, as confidências, as disputas, etc.” (KAPFERER, 1993, p. 18-19).

Enfim, para que o boato seja efetivo, é necessário que ele pareça possível,

plausível àqueles que o ouvem, assim: “é pelo fato de terem sido apreendidos como

verossímeis que os boatos podem se desenvolver. Todo boato é rigorosamente realista

no interior do grupo em circula”. À medida que o boato aumenta, ele se torna mais

convincente; quanto maior o número de pessoas independentes que partilham a mesma

informação, mais convincente esta se tornará, pois, “na verdade, a convicção se forma a

partir da recepção da mesma informação de várias pessoas: se várias pessoas

independentes dizem a mesma coisa, logo isto é verdadeiro”, abalando, inclusive, as

mais íntimas convicções (KAPFERER, 1993, p. 65).

A importância do boato e do mexerico, como elementos de comunicação de

massa e causadores de grande comoção social, já era reconhecida e considerada pela

Monarquia Portuguesa ao menos desde o século XVII, como se pode notar no livro V,

item 85, das Ordenações Filipinas – conjunto de dispositivos legais que regulavam a lei

portuguesa, promulgado pelo monarca Filipe I, em 1603, vigorando no Brasil até 1830,

cujo texto está transcrito abaixo:

Dos Mexeriqueiros

Por se evitarem os inconvenientes que dos mexericos nascem, mandamos

que se alguma pessoa disser à outra que outrem disse mal dele, haja a mesma

pena, assim cível como crime que merecia, se ele mesmo lhe dissesse

aquelas palavras que diz que o outro terceiro dele disse, posto que queira

provar que o outro o disse. (LARA, 1999, p. 267)

Ou seja, o código infligia a mesma punição que era prevista àquele que fizesse

os mexericos aos que os espalhassem. Com isso, vislumbrava proibir e desestimular a

veiculação dos mesmos que, segundo o próprio texto, resultavam em inconvenientes

para a vida social. Assim, dada a importância a que era elevado o mexerico no código,

pode-se concluir que, dada a semelhança, o boato também causava inoportunos ao poder

público, tendo em vista o rigor da punição que era aplicada aos mexeriqueiros.

Page 110: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

109

A difusão de boatos sediciosos estava presente também em muitos dos conflitos

políticos e sociais estabelecidos na Capitania de Minas Gerais, durante o século XVIII,

e foi causa de grande preocupação das autoridades representantes do poder régio, que

viam na sua propagação um dos motivos das inquietações e distúrbios populares

ocorridos na região. Para Adriana Romeiro, a boataria foi um mecanismo determinante

para a vitória dos reinóis sobre os paulistas durante o levante de 1708, já que

considerava os últimos mais capacitados na arte bélica. Neste sentido, a autora afirma

que:

O campo de batalha está longe de explicar suficientemente a derrota dos

paulistas frente aos reinóis. Um fato invisível e insidioso, mas tão eficiente

quanto um arsenal bélico, teve aí um papel central. Trata-se do boato,

decisivo no curso da Guerra dos Emboabas, a ponto de alterar radicalmente o

jogo de forças entre um e outro partido (ROMEIRO, 2008, p.80).

De acordo com a “mecânica do boato”, explicitada por Romeiro, ele

“desencadeava o medo, o medo levava à ação, a ação efetiva a revolta e o motim”,

assim, ele sugestionava os povos, exercendo um mecanismo de (des)controle social.

Esse mecanismo era agravado, no caso da região das Minas, pelas características

demográficas e territoriais, marcadas por uma população esparsa, localizada em

povoados distantes e com pouca comunicação entre si. A tática emboaba, então, foi

espalhar os boatos de que os paulistas estavam preparando um terrível massacre a todos

os forasteiros da região e de que suas tropas eram muito maiores do que efetivamente

eram. Com essas falsas notícias, conseguiram arregimentar um grande número de

reinóis a sua causa, o que foi determinante para a vitória (ROMEIRO, 2008, p. 88).

Podemos encontrar outros exemplos ao analisar alguns documentos produzidos

pelo governador D. Pedro de Almeida, também anteriores ao ano de 1720, nos quais ele

já se queixava da publicação de boatos maliciosos, que maculavam a sua imagem

perante o povo. Em 30 de novembro de 1718, por exemplo, em carta enviada ao

governador da Bahia, Sancho de Faro e Sousa, conde de Vimieiro, Assumar alertava

sobre a má conduta de Manuel Nunes Viana45

e Manuel Rodrigues Soares, acusando-os

de divulgarem o boato de que ele “queria impor des por cento alem dos quintos, so afim

45

“O conde de Assumar, governador de Minas entre 1717 e 1721, assim definiu Viana: Não saiu do

inferno maior peste, nem Deus deu aos sertões maior castigo, lamentando ainda que seus crimes não

tivessem punição alguma” (VAINFAS, 2001, p. 372).

Page 111: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

110

de mover o povo que estava, quieto e sossegado”. Em outro episódio, ocorrido aos 25

de fevereiro de 1719, o governador emitiu uma ordem ao tenente general Manuel da

Costa Fragoso para que este entrasse em contato com José Simões Rosa, provedor dos

quintos, visando a averiguar se “andam publicando vozes contra o serviço de Sua

Magestade e quietação dos povos” e, caso interceptasse algum desses sediciosos,

imediatamente o conduzisse à sua presença, para que pudesse ser aplicada a devida

punição (SC 11, fl. 82v; SC 11, fl. 114). Sendo estes apenas alguns exemplos de como a

existência de “vozes sediciosas” podia causar incômodo, ou até mesmo mudar os rumos

de um conflito, “o ardil do boato seria definitivamente incorporado ao repertório

político das Minas, reaparecendo em inúmeras revoltas e motins que ali tiveram lugar ao

longo do século XVIII” (ROMEIRO, 2008, p. 88).

É nesse sentido que este estudo analisa o impacto dos boatos na configuração

política e social de Vila Rica, no ano de 1720, quando pulularam falas não oficiais e,

quase sempre, maledicentes e direcionadas contra o governador conde de Assumar.

Portanto, adiante analisaremos alguns boatos veiculados durante a Revolta de Vila Rica,

enfatizando os efeitos causados no contexto em que apareceram e as respostas dadas

pelo poder público, bem como a significação e interesses ocultos através de sua

veiculação. Antes, porém, urge definir o conceito de dissimulação, seu alcance e seus

limites, no que concerne a sua utilização como instrumento de ação política, bem como

a sua aplicabilidade no cenário estudado.

Torquato Accetto46

conceituou dissimulação como sendo a “habilidade de não

fazer ver as coisas como são. Simula-se aquilo que não é, dissimula-se aquilo que é”.

Desse modo, a simulação, para o autor, traz consigo uma conotação negativa, ao passo

que simular aquilo que não se é apresenta uma tentativa de ludibriar, enganar os outros,

agindo desonestamente. Por outro lado, dissimular o que se é não significa agir

desonestamente, já que se trata apenas de omitir um fato ou informação, ao que não se

trata como ato enganador, como ato pérfido. Para o autor, a maior demonstração de

46

“Existem poucas informações sobre a vida de Torquato Accetto; sabe-se que viveu em Nápoles na

primeira metade do século XVII e que nasceu provavelmente em Trani, na Púglia, por volta de 1590. Foi

secretário dos duques de Andria, Antonio e Fabrizio Carafa. (...) Publicou em Nápoles aquela que seria

sua obra prima: Della Dissimulazione onesta. A obra permaneceria praticamente desconhecida até ser

descoberta por Benedetro Croce, em 1928. Neste ensaio, a chamada “literatura de secretários” – a

literatura produzida pelos secretários dos nobres da época barroca – encontra sua expressão mais perfeita

e mais elíptica, na esteira da cultura do cortesão descrita por Baldassare Castiglione” (ACCETTO, 2001,

p. XLVII-XLVIII).

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111

esperteza que um indivíduo pode dar é manter a aparência de que não sabe, dissimular a

ignorância, levando o inimigo a acreditar que está sendo bem sucedido em seu ardil.

Assim, inspirando a falsa crença de que cai na teia do oponente, o homem que dissimula

é capaz de prever seus movimentos e traçar uma estratégia surpreendente, já que, para

Accetto, “será mais astuto quem mais souber manter a aparência de tolo, pois,

mostrando acreditar em quem quer nos enganar, pode-se fazer com que ele creia em

nosso modo” (ACCETTO, 2001, p. 27 e 42). Desse modo, dissimular tornava-se algo

legítimo diante dos padrões morais de honestidade e da prudência no trato político.

O uso da dissimulação como instrumento e estratégia de ação, no entanto, não

era novidade. Já existiam tratados, sobretudo oriundos dos principados da Itália pré-

unificação, entre os séculos XVI e XVII, nos quais já se apresentava tal artifício como

uma das “qualidades” indispensáveis aos homens do “Estado”, ou mesmo àqueles que

pretendessem obter sucesso na vida política. Muitos manuais foram produzidos, entre os

quais citamos como exemplo característico, além do Da Dissimulação Honesta de

Torquato Accetto, O Príncipe, de Nicolau Maquiavel,47

obra escrita com o intuito de

descortinar as “regras de ouro” do jogo político, com vistas a orientar os seus

possuidores.

Maquiavel, especialmente no capítulo XVIII de O Príncipe, procurou traçar o

perfil que o príncipe deveria aparentar, afirmando que nem sempre seria vantajoso ao

projeto da conquista ou da manutenção do poder ser de todo honesto, ou alimentar

estreita congruência entre a palavra dada e a ação desencadeada, sob pena de incorrer no

insucesso. Ao asseverar que “existem dois modos de combater: um com as leis, outro

com a força”, sendo aquele próprio dos homens e este próprio dos animais, e que diante

da insuficiência do primeiro conviria ao homem recorrer ao segundo, Maquiavel

estabeleceu que, para agir de modo estratégico e bem sucedido, é necessário saber

lançar mão dos dois estratagemas, tanto o da lei, aquilo que é permitido entre os

47

“Niccolò Machiavelli nasceu no dia 03 de maio de 1469, filho de Bernardo Machiavelli, advogado, e de

Bartolomea de’ Nelli, no bairro de Santa Trinità, cidade de Florença” (MACHIAVELLI, 2006, p. 11).

“Discípulo do literato Marcelo Virgílio Adriani, com este começou a instruir-se sobre os negócios

públicos precisamente em 1494, quando Carlos VIII invadia Florença e daí expulsava os Medici; nesse

ano, Machiavelli era nomeado escrivão na segunda chancelaria, sob as ordens de Adriani. Tendo este, em

1498, assumido as funções de chanceler da república, Machiavelli foi promovido a segundo-chanceler,

posto que deteve por quatorze anos, além de exercer os cargos de secretário da República Florentina e do

Supremo Tribunal de Liberdade e Paz. Assim, tinha a seu cargo o registro das deliberações do Conselho

da República, a correspondência política e grande parte das relações diplomáticas, mais a redação dos

tratados e a organização da milícia florentina” (MACHIAVELLI, 1985, p. IX).

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112

homens, quanto o da não-lei, isto é, o que foge às regras do jogo. O pai da ciência

política ainda afirmou que “um senhor prudente não pode nem deve guardar sua

palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as

causas que o levaram a empenhá-la”. Dito isto, defendeu que o uso da dissimulação em

um ambiente de disputa é mais do que aconselhável àquele que pretende vencer, ao

passo que, para o pensador, a aparência era um fator fundamental, mais do que a

essência, já que “todos veem o que tu aparentas, mas poucos sentem aquilo que tu és”

(MACHIAVELLI, 1985, p.101-103).

Assim, no jogo político, quanto mais se sabe, menos se deve demonstrar saber,

comportamento que parece estar presente no contexto do Motim de 1720, tanto por

parte dos amotinados quanto por parte do conde de Assumar. Podemos então notar, o

que será ressaltado adiante, a clara presença da dissimulação nas ações dos atores

envolvidos no conflito, que buscavam sempre parecer agir de certo modo quando, na

verdade, agiam de forma oposta, escondendo suas verdadeiras intenções como tática

para alcançar ou preservar o poder.

3.2 – A Dissimulação e os Boatos no Motim de Vila Rica

Já no início do Discurso Histórico e Político Sobre a Sublevação que nas Minas

Houve no ano de 1720, o conde de Assumar traçou um perfil dos moradores das Minas

que, embora não fosse livre dos pressupostos e preconceitos eurocêntricos, tratou

especialmente do caráter duvidoso que lhes atribuía: de serem pessoas que estavam

cheias de “todo o gênero de (...) contendas, enganos, malícias e murmurações; que são

execrandos, ignominiosos, soberbos, arrogantes, inventores do todos os males e

desobedientes (...), sem fidelidade”. A ênfase dada ao caráter dúbio e maledicente dos

mineiros no discurso revela um contexto de desconforto social presente durante o

governo do conde, no que tocava à existência de boatos e intrigas do tipo palacianas,

com o intuito de gerar conflitos e instabilidade política (DISCURSO, 1994, p. 62-63).

Ainda nesse sentido, Assumar declarou que existiam certos traços característicos e

comuns a todos os mineiros, ao afirmar:

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113

Quem viu um, pode seguramente dizer quem tem visto todos os mineiros

juntos, porque até alguns, que tiveram melhor educação e, fora das Minas,

eram de louvável procedimento, em chegando a elas ficam como os outros, e

quais árvores mudadas seguem a natureza da região a que se transplantam

(DISCURSO, 1994, p. 63-64).

Tal comportamento dos moradores era, para o conde, resultante da falta de

“temor”, ou seja, da inexistência do receio de uma punição mais severa, portanto, ele se

queixava de que se concedia o perdão demasiadamente aos delituosos, o que gerava um

clima de impunidade. Consoante a isso, a insubordinação se dava já na certeza de que,

ao fim e ao cabo, tudo era perdoado. Nota-se, portanto, que o governador desconfiava

da conduta dos mineiros, inclusive daqueles que estavam investidos dos principais

postos da governança da capitania, como vimos no capítulo anterior, no qual o conde

asseverava que a câmara municipal constituía mais um espaço de atuação do poder

privado do que de defesa dos interesses do rei. Um exemplo que ilustra bem essa

situação foi a relação que ele estabeleceu com o juiz ordinário da câmara de Vila Rica,

João da Silva, filho de Pascoal da Silva Guimarães. Para Assumar, o juiz dissimulava

estar do seu lado, quando, na verdade, atuava ocultamente em favor dos interesses de

seu pai. No Discurso Histórico, ele relatou que João da Silva enviara-lhe um aviso

dizendo que se armara um motim com a intenção de expulsá-lo do governo das Minas,

bem como de matar o ouvidor, Martinho Vieira. Neste aviso, João disse que se

encontrava na rua a altas horas da noite com o seu primo, José da Silva, quando foram

interpelados por um negro, que lhes disse que na esquina encontravam-se alguns

mascarados desejosos de lhe falar. Receoso do perigo, João da Silva indagou de quem

se tratavam, ao que o negro lhe respondeu que não havia necessidade de temer pela

vida, pois se aqueles a quem se referia quisessem causar algum dano a ele e a seu primo,

já o teriam feito. Dito isto, João da Silva e seu primo foram até o local apontado, onde

encontraram uns mascarados que lhes convidaram a se juntarem a um motim a ser

movido contra o governador e o ouvidor. Diante dessa situação, relatou a Assumar que

havia empreendido todos os seus esforços para desviá-los daquele mau intento,

tentando, sem sucesso, dissuadi-los, já que os mascarados se encontravam firmes no seu

propósito. A justificativa dada pelo juiz, ao relatar tais acontecimentos ao governador,

foi que o fazia para alertá-lo, no sentido de se providenciarem as medidas necessárias,

que pudessem pôr fim àquele desígnio (DISCURSO, 1994).

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114

Diante da carta recebida, o conde não deixou de agradecer pelo aviso dado,

muito embora não o considerasse sem ressalvas. Em resposta a João da Silva

Guimarães, Assumar escreveu-lhe uma carta dando pouco crédito à informação, além de

incumbi-lo, lembrando-o das suas atribuições de juiz, de pôr fim àquelas maquinações

que ele denunciava, pois o advertia de que, como leal vassalo, tinha a obrigação e os

meios necessários para atalhar aquele mal. O governador questionou, ainda, a

intencionalidade presente em tal aviso, já que suspeitava que o próprio João da Silva, a

mando de seu pai, Pascoal da Silva Guimarães, lançara mão de tal história, que ele

considerava não passar de um boato, cuja finalidade seria de semear o temor em face da

iminência de um confronto com insurgentes, e, principalmente, de livrar seu pai de ser

castigado por dar asilo a João Lobo, criminoso procurado pela justiça, acusado de

assassinar uma mulata, sua amasiada (SC-11, fl. 240).

Uma carta recebida pelo governador, que confirmou suas suspeitas diante da

malícia de João da Silva, foi a emitida pelo tenente José de Morais Cabral, que relatava

a prisão de João Lobo, aos 21 de junho de 1720, nas dependências de Pascoal da Silva

Guimarães, revelando-se aí a culpa do último, já que era considerado crime oferecer

guarida a criminosos. Diante de tais notícias, o conde mostrou-se grato ao remetente da

correspondência, prometendo-lhe que levaria seu nome ao rei de Portugal, o qual

saberia reconhecer devidamente o zelo demonstrado no exercício de seu ofício. Note-se

que os delatores ao serviço da Coroa eram premiados com bens e comendas. O conde de

Assumar, portanto, atuava não apenas em punir os vassalos rebeldes, mas também em

negociar a concessão de mercês e privilégios àqueles que se destacavam por atos de

lealdade na manutenção da ordem e na contenção das revoltas. Em contrapartida, o

conde ordenou que o tenente conduzisse o acusado até o pelourinho, onde receberia o

castigo que lhe cabia pelo crime que cometera, enfatizando que “as armas que se

acharão a João Lobo, constando serem suas devem ficar por despojo aos soldados”. A

seguir, o acusado foi remetido ao Rio de Janeiro “algemado” e sob todos os cuidados,

para que não lhe houvesse possibilidade de fuga (DISCURSO, 1994; SC-11, fl. 239).

Deste modo, o aviso malicioso de João da Silva sobre a organização de um

motim parece não ter surpreendido o conde de Assumar, que transpareceu ter ciência de

que havia muitos homens poderosos insatisfeitos com o seu governo e desejosos de sua

saída. Além disso, afirmou diversas vezes que não ignorava a existência de estratagemas

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115

variados, inclusive a disseminação de boatos, que visavam a criar um clima de

instabilidade nas Minas. Diante desses acontecimentos, D. Pedro de Almeida levantou a

seguinte questão: “quem não vê que este dito mais é reparo do discurso polido, que

advertência de um negro bruto?”. Com isso, ponderava que tal aviso era, na verdade,

parte de uma estratégia que, para ele, era empreendida pelo próprio pai do denunciante,

isto é, Pascoal da Silva Guimarães. A despeito de todas as ponderações, contudo, o

conde ainda achou por bem comunicar ao ouvidor Martinho Vieira dos fatos ocorridos

e, simultaneamente, adverti-lo para que tivesse mais cautela no trato e na aplicação da

justiça, a fim de não se exaltarem os ânimos dos homens poderosos da região, já

bastante insatisfeitos com a sua conduta frente ao cargo de ouvidor, e que o acusavam

de destratá-los publicamente com a finalidade única de humilhá-los (DISCURSO, 1994,

p. 86).

Assumar ressaltou, ainda, que três dias após a chegada das cartas da frota do

reino, que determinavam o estabelecimento de Casas de Fundição nas Minas, teve início

o motim do ano de 1720. Para o governador, este foi um movimento premeditado,

liderado por poderosos da região, insatisfeitos com a política empreendida por ele, que

estava mais alinhada aos interesses do rei de Portugal do que aos dos locais. Ele acusava

os líderes do motim de se valerem da insatisfação não só deles, mas da população em

geral, com a instalação das Casas de Fundição, como forma de ocultar e dissimular suas

malícias, usando aquele fato como “capa” para encobrir os seus verdadeiros interesses,

que eram de assumir o poder político na região. Para legitimar suas ações, os cabeças

valiam-se da participação popular, nem sempre espontânea, sendo muitas vezes por

coação, e da divulgação de boatos, com vistas a macular a imagem do governador, na

medida em que afirmavam que este introduziria a nova lei dos quintos a todo custo e

prejuízo dos povos. E, não satisfeitos, ainda publicaram um pasquim, no qual

insinuavam a saída do conde de Assumar do governo. Tal pasquim (folheto difamador)

continha os seguintes dizeres: “João, tendo se voltado, olhou para Pedro. Pedro, no

entanto, saiu para fora e chorou amargamente”, que pareciam se referir a D. João IV, rei

de Portugal, e a ao próprio D. Pedro de Almeida, governador das Minas (ANASTASIA,

1998; DISCURSO, 1994, p. 93).

Outra situação vivenciada pelo conde, que no momento pareceu fortuita e sem

importância, mas que depois de uma madura reflexão, levou-o a confirmar que Pascoal

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116

da Silva estava liderando um motim, foi quando encerrada a comemoração do

aniversário da condessa de Assumar, D. Maria José de Lencastre – que por um costume

da época era comemorado mesmo sem a presença desta, que se encontrava em Portugal

–, Pascoal da Silva Guimarães, um dos convidados da festa, ao se retirar do local, foi

interpelado por um “amigo da equipagem do conde” sobre quando voltaria a Vila Rica,

ao que o mesmo respondeu: “para o seu bota-fora, querendo dar a entender que isto era

para quando o conde se fosse embora; mas ele, sem que o Conde se fosse, veio a Vila

Rica, porque o bota-fora do seu pensamento era a do Conde”, que se daria através do

motim (DISCURSO, 1994, p. 93). Daí a confirmação pelo conde de Assumar do

envolvimento direto de Pascoal da Silva nos distúrbios de 1720, que se desvelava em

um ambiente até então de desconfianças e incertezas.

Diante dos tumultos generalizados que se sucederam, três procuradores do povo,

o sargento-mor, Antônio Martins Lessa, e dois letrados, José Peixoto da Silva e José

Ribeiro Dias, em conferência com o governador e algumas pessoas influentes na região,

requereram-lhe que fosse a Vila Rica conceder o perdão aos amotinados, pois, caso não

fosse, dificilmente conseguiria moderar os ânimos exaltados dos povos, ao que o conde

respondeu: “que não tinha dúvida em ir”. Porém, acabada a conferência, o letrado José

Peixoto da Silva disse ao conde, em segredo, que não fosse a Vila Rica, alertando-o de

que se armava algo contra ele, o que provavelmente resultaria na sua morte, “mas desta

notícia misteriosa, sem aquela clareza que o Conde pretendeu e nunca conseguiu de José

Peixoto, ficou entendendo que ele tinha a chave do segredo, e o não queria descobrir”

(DISCURSO, 1994, p. 98-99). Além disso, José Peixoto contou que sabia que Pascoal

da Silva Guimarães dera uma ordem ao próprio filho, João da Silva, através do médico

João Ferreira – primo de Pascoal –, que executasse tudo o que lhe fosse recomendado,

para o bom sucesso do motim, e que os tumultos tinham chegado a um limite tal que era

impossível retroceder. Sobre o que lhe foi dito em segredo, o conde questionou os reais

interesses de José Peixoto, porque geravam mais dúvidas do que clareza dos fatos, ao

afirmar que:

Tudo mistérios, muita sombra para imprimir terror, e pouca luz para tomar

resolução em negócio tão grave; porém o certo é que, quem isto dizia, calava

o mais, e ainda quando só isto soubera, sempre deixara menos acreditada a

sua verdade, pois esta não pode admitir partilhas; antes o que fazia dúvida

mais do dito José Peixoto era que, ao mesmo tempo que em segredo

expressava ao conde que não fosse a Vila Rica, forcejava por persuadir aos

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117

que entravam na conferência do Conde que, para o sossego daquele povo,

era urgente a necessidade da sua presença (DISCURSO, 1994, p. 99).

Nota-se, nessa passagem, que o governador D. Pedro de Almeida duvidou da

isenção das intenções de José Peixoto quanto à preocupação em relação a sua segurança

e vida, já que este agia de modo contrário publicamente, ao incitar os participantes da

conferência no sentido de que a presença do conde era indispensável ao estabelecimento

da ordem e ao fim das agitações populares em Vila Rica. As ações de José Peixoto são

reveladoras da estratégia dos amotinados de dissimular a fim de interferir na política

local. Neste caso, por exemplo, este amotinado dissimulou apoiar a ida do governador a

Vila Rica publicamente, como se o seu interesse fosse o fim dos motins, mas,

secretamente, usando de boatos e mexericos, desestimulava o conde a fazê-lo,

amedrontando-o, o que pareceu ser uma tentativa de criar uma situação conflituosa,

diante da qual as únicas opções para Assumar seriam ou o confronto aberto, ou a sua

retirada forçada do governo das Minas.

Apesar do desejo de romper com tudo e atacar o povo tumultuado, diante de tal

contexto de dissimulação e desconfiança, o conde não o fez porque não dispunha de

força militar suficiente. Além disso, alegava a existência de obstáculos naturais para

entrar em Vila Rica, como “desfiladeiros asperíssimos, o que seria com grande risco e

nenhum efeito, por haver o povo ocupado as montanhas mais fragosas”. Para Assumar,

na medida em que se revelavam as intenções dos amotinados e em face da sua

impotência militar momentânea, não lhe restou opção senão acolher as condições e

propostas colocadas pelos insurgentes, fazendo-o mediante uma consulta a “algumas

pessoas principais e de maior confiança”. Alegou, contudo, que o perdão só teria

validade se aprovado por Sua Majestade, mas, devido à pressão de José Peixoto, ele o

concedeu mais por força e necessidade que por vontade, ainda que advertisse do risco

da anulação do perdão pelo rei. Nesse sentido, o governador despachou um tenente-

general com o perdão, enviando-o também ao Padre José Mascarenhas, religioso da

Companhia de Jesus, com a missão de pregar ao povo a falta de razão e motivos para

continuarem as perturbações e os motins. Entretanto, tais medidas não surtiram efeito, já

que “tanto desta prática como do mesmo perdão zombou o povo, incitado dos agentes

dos cabeças, que a qualquer resolução que se tomava, arguiam que o Conde, em todas as

suas ações, não levava outro fim mais que enganá-los”. Assim, se não fosse a

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118

interposição de “algumas pessoas zelosas”, o pároco, assim como o tenente, teriam sido

mortos, já que “ambos correram rigorosa tormenta, entre ludibrios e ameaças de

infinitos bacamartes, [para que logo se retirassem] lhes puseram atrevidos aos peitos”

(DISCURSO, 1994, p. 99-101). Neste ponto, pode-se retomar a importância do boato,

como elemento chave para a manutenção de um estado de insatisfação, desconfiança e

rebeldia, estimulado pelos líderes do motim.

Não obstante esta situação, e “malograda uma e outra diligência”, com vistas a

reverter esse quadro de insubordinação, o governador D. Pedro de Almeida tomou a

seguinte medida: escreveu à câmara municipal, mandando que se publicasse um edital

no qual divulgava o adiamento da instalação das Casas de Fundição, que se daria no dia

23 de julho de 1721. Nesse edital, o conde declarava:

Que as Casas de fundição e de moeda

48 se hão de começar a fazer logo que o

tempo der lugar e senão quintara nelas o ouro senão dentro de hum anno da

publicação deste Edital porque todo ele será necessario não so para sua

fabrica, mas para esperar as Rezoluçoens de Sua Magestade; e como a frota

esta já tao vezinha e os quintos deste anno não podem hir nella: os

Provedores dos quintos tirarão Listas Novas para se fazer novo lansamento

para que as Camaras zellem esta matéria e corra por sua conta o não gravarse

os povos, usando da melhor forma que entenderão para esta arrecadação, e

para que venha a noticia de todos o mando publicar a Som de Caixas, e se

Registrara nos Livros da Secretaria deste Governo e nos das Camaras de

todas as Villas e nos mais a que tocar. Villa do Carmo, 1 de Julho de 1720

(sic.) (SC 11, fls. 289).

Tal medida visava a garantir a ordem e o sossego públicos, já que Assumar

receava que a imediata instalação das Casas de Fundição pudesse levar a grandes

perturbações nas Minas, particularmente, de várias pessoas que se encontravam

endividadas e oprimidas por seus credores, que desejavam recuperar imediatamente o

seu ouro a fim de que não fosse fundido. Todavia, a publicação do edital não teve o

efeito desejado, pelo contrário, só acirrou ainda mais os ânimos. O conde de Assumar

acusava os líderes de alarmarem o povo com boatos de que a prorrogação da nova lei

48

“O mesmo que Oficina dos Quintos. Eram designadas como Casas de Fundição e Moeda, porque,

segundo Diogo de Vasconcelos, a da Moeda era dependência das de fundição. Local onde o ouro extraído

das minas era recolhido, fundido e, após a dedução do quinto, reduzido a barras marcadas com o selo real,

indicando seu peso, quilate e ano da fundição. As despesas com a braçagem, soma devida ao fundidor,

cabiam ao proprietário do ouro, bem como o pagamento da senhoriagem, direito real. Cada Casa deveria

ficar em uma cabeça de Comarca e era composta de um escritório, uma sala para a fundição e um

laboratório para os ensaios que determinavam o quilate, ou seja, a pureza do metal, que, sem a liga do

cobre, possuía 24 quilates” (ROMEIRO, 2004, p. 71).

Page 120: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

119

dos quintos não passava de invenção sua, como tática para pôr fim ao motim,

favorecendo-se do clima momentâneo de tranquilidade, para ganhar tempo suficiente

para planejar uma melhor forma de se introduzirem as ditas casas, bem como prevenir-

se contra os que fossem contrários à nova lei. No mesmo edital, o conde fazia saber,

ainda, que Sua Majestade estava de “ânimo de conceder privilégios” a todos que se

distinguissem pela prestação de serviços a favor da Coroa. Ou seja, no tocante ao estado

em que se encontravam as Minas, seria premiado todo aquele que atuasse em prol do

zelo público. No entanto, a política de recompensas demonstrou-se ineficaz na tentativa

de “moderar aquela fúria e captar as benevolências de alguns”. Para Assumar, os povos

das Minas não estavam inclinados a responderem aos estímulos do merecimento e da

premiação, mas sim ao receio da punição. Os cabeças, por sua vez, “opostos e contrários

à paz e quietação não queriam prêmios, que se ordenavam à obediência e ao sossego”.

Deste modo, no discurso, o governador deixou transparecer a ideia de que tentou, de

todos os modos, negociar uma melhor saída para o impasse, mas que os líderes

sublevados, agitando parte do povo, por meio de boatos e murmúrios sediciosos, eram

intransigentes na defesa dos seus propósitos. Dissimulavam interesse no fim do motim,

mas, na verdade, acendiam aquela chama perigosa somente a fim de encobrir suas

malícias (SC 11, fls. 289; DISCURSO, 1994, p. 101-102).

Tal malícia parecia permear também as ações dos representantes da câmara, na

qual era juiz o filho de Pascoal da Silva Guimarães. Os oficiais camarários disseram ao

conde que o edital que lhes enviou fora lido publicamente, para o conhecimento geral

do povo, que demonstrou interesse em “abraçá-lo”. Porém, para que isso de fato se

concretizasse, era necessário que ele fosse pessoalmente a Vila Rica, pois só através de

sua presença é que se daria fim àquele desatino. Aconselhavam que, caso decidisse ir,

fosse só, sob a alegação de que “o excesso e estrondo da comitiva não confirmasse o

povo, no receio de que estava de ser castigado”, e pediam que fosse de noite, com

“fachos acesos”, e “acrescentava o condutor da carta que algumas pessoas eclesiásticas

lhe tinham comunicado, como em confissão, que importava muito ao serviço de Deus

que Sua Excelência, sem falta, entrasse só em Vila Rica”. Não satisfeitos, sugeriram

ainda que o conde fosse a Vila Rica desarmado, para sua maior segurança. Este

disparate reforçou sobremaneira suas queixas contra a dissimulação e a ousadia dos

agentes do motim que, no atributo das suas funções públicas, no plano do discurso,

Page 121: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

120

fingiam preocupar-se com o bem-estar e a vida do governador, mas, na prática,

ansiavam mesmo era pela sua morte e/ou expulsão das Minas. Diante dessa situação de

risco, o governador achou por bem dizer que estava ocupado e impossibilitado de fazer

a viagem, mas que faria de tudo para “estar às oito horas da manhã seguinte” em Vila

Rica (DISCURSO, 1994, p. 102-103). Como efeito da confirmação da ida a Vila Rica

pelo conde, os oficiais camarários daquela vila tomaram as seguintes medidas:

Armaram e municiaram o povo, e marcharam com perto de mil e quinhentos

homens à Vila do Carmo; ou porque entendessem que o tumulto seria fácil

alarmar a dita vila, e por indefeso ao Conde; ou porque esperassem (como

com mais evidência se soube depois) apanhá-lo em caminho desapercebido.

Miserável estado o da república, onde os mesmos que eram obrigados a

concorrer para a paz ministravam o tumulto. (...) Porém que há de fazer a

justiça, se eles têm tanta autoridade para com o povo, que cada um em

particular pode mais que o mesmo senado? (DISCURSO, 1994, p. 103).

Nesta passagem, o governador ressaltou a existência de interesses privados e sua

preponderância até mesmo dentro das estruturas burocráticas da administração. O que

ele evidenciou foi a superposição dos interesses de particulares e seu domínio sobre o

povo, neste caso, orientados contra ele próprio, demonstrando que o Senado da Câmara,

embora fosse palco do poder oficial, na prática, era, naquele momento, um espaço de

atuação dos amotinados.

Assumar esclarece que mesmo atendidas todas as reivindicações propostas pelos

amotinados e concedido o perdão, ainda assim os tumultos prosseguiram, haja vista que

os líderes tinham a intenção de ver o povo apreensivo. A intenção dos cabeças, segundo

o governador, “era trazer o povo inquieto, tudo era meter-lhe horrores e receios, para

debaixo da perturbação alheia inxerirem melhor a malícia própria”. É nesse sentido que

o recurso à invenção de boatos parece ter sido um mecanismo usualmente utilizado

pelos revoltosos, como estratégia de semear a discórdia e a dúvida, além de ganhar a

confiança da população, ocultando interesses particulares sob o véu de um discurso de

anseio popular. E, como justificativa para o prosseguimento dos tumultos, lançaram

boatos de que sossegado o levante, mesmo com a promessa do perdão, o conde não

deixaria de castigar os envolvidos. Estes boatos repercutiram de tal modo, que mesmo

diante da publicação do edital do perdão e o conde assegurando que “tudo o que fosse

justo se havia de conceder”, o povo não se acalmou, dando continuidade aos motins

(DISCURSO, 1994, p. 97).

Page 122: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

121

Consoante a isso, no mesmo dia em que foi concedido o perdão, em 01 de julho

de 1720, o governador recebeu uma carta de Pascoal da Silva Guimarães, encaminhada

por seu filho, João da Silva Guimarães, na qual relatava, com “pesar”, que soube de um

boato de que se armava um motim contra ele em Vila do Carmo. O conde, contudo,

observou que a carta, embora supostamente viesse de lugar distante dois dias daquele

local, já que Pascoal residia na comarca do Rio das Velhas, fora datada de 01 julho, o

que pareceu estranho, sobretudo no dia seguinte, quando de fato estourou o motim.

Nesse sentido, a estranheza dos fatos levou o conde a levantar duas hipóteses: ou

Pascoal já tinha conhecimento dos movimentos dos amotinados, portanto, estava de

algum modo envolvido nos levantes, ou, devido à ligeireza da informação, ele se

encontrava oculto em Vila Rica, como depois se soube. “Maligna indústria da traição,

vestir-se de luto nas causas de seu agrado!”, exclamou o conde, ao perceber as armações

(DISCURSO, 1994, p. 109). Segundo este, o plano dos amotinados era que ele negasse

a nova proposta de reinvindicações, para que tivessem, assim, a escusa perfeita senão

para o matarem, para depô-lo do governo das Minas, espalhando o boato de que ele iria

impor a instalação das Casas de Fundição a qualquer custo, o que justificaria as ações

dos revoltosos, “metendo o povo nesta utilidade comum”. Inclusive, já havia designado

o responsável por acabar com a vida do conde, caso a proposta fosse rejeitada, este seria

Filipe dos Santos, um apaniguado de Pascoal da Silva Guimarães.

O que impediu o governador de rejeitar a proposta e atacar o povo tumultuado,

mesmo após todas as concessões? Um anônimo. Segundo o conde, um homem, cujo

nome não foi citado, havia-o confidenciado de que tudo não passava de um estratagema

dos cabeças da revolta, que aguardavam sua negativa. Ciente dos riscos que correria,

Assumar optou, então, por acatar todas as reivindicações feitas. Além desse episódio em

particular, outros motivos que o impediram de atacar o povo amotinado em Vila do

Carmo residiam nos fatos de que ele havia feito averiguação sobre a vontade geral do

povo, constatando que a opinião geral era de aderir ao motim, com o objetivo de evitar a

instalação das ditas Casas de Fundição. Além disso, apontava que alguns dos homens

mais influentes, que apoiavam o governador, começavam a questionar também a nova

lei dos quintos, pois alegavam que “era causa comum que cedia em utilidade e proveito

de todos” (DISCURSO, 1994, p. 110).

Page 123: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

122

No dia seguinte, conforme disposto na carta, de fato estourou um motim.

Chegando o povo tumultuado próximo às imediações de Vila do Carmo, um dos

homens que acompanhavam aquela multidão se dirigiu ao sargento-mor Manuel Gomes

da Silva, informando-o que Filipe dos Santos, dispondo de um bando de pessoas de sua

facção, pretendia, com armas em punho, disparar um tiro ao alto para insuflar o povo a

ir até casa do conde, protestando contra ele. O sargento-mor, diante do que lhe fora

noticiado, abordou Filipe e seus sequazes, exigindo-lhes uma explicação sobre aquela

acusação que, caso se confirmasse, impedir-lhes-ia de seguir em frente. Dados os fatos,

Filipe dos Santos teria respondido:

Que sem embargo de ser verdade que havia disposto a função naquela forma

que se lhe contara, que podia estar descansado, porque lhe dava sua palavra

de a não deixar executar, mas que quando o Conde duvidasse de qualquer

ponto da proposta, lho faria presente para se retirar com tempo para onde lhe

parecesse (DISCURSO, 1994, p. 103-104).

A par destes acontecimentos, D. Pedro de Almeida estava ciente de que Filipe

dos Santos, homem de confiança de Pascoal da Silva Guimarães, preparara-se para

atacá-lo caso negasse qualquer um dos pontos da proposta. Assim, ele teve de acatá-la,

ainda que a contragosto. Tal ação destinava-se a pôr fim às agitações, mas, como

ressaltou durante todo seu Discurso, os líderes sublevados e seus comparsas não tinham

interesse algum no fim das perturbações, já que só lhes interessava o domínio político

da região, que só se daria com sua saída do governo. Frustrados os planos dos líderes

amotinados, diante da aceitação do conde de tudo o que lhe reivindicavam, eles não

viram outra saída senão continuarem a dissimular e a disseminar ocultamente boatos de

que o governador era injusto e que os enganava, na tentativa de alimentar os ânimos

belicosos dos povos, cuja participação dava aparência de legitimidade as suas ações, de

acordo com as formulações políticas que validaram o movimento restaurador de 1640,

que determinava que os povos tinham o direito natural de depor um governante

considerado tirânico. Daí a estratégia dos líderes rebeldes de difundir uma imagem

negativa do conde, fomentando a inquietação popular contra sua autoridade.

Nesse sentido, os cabeças dos motins lançaram outro boato, com o qual

novamente se amotinou o povo. Alardeou-se que Assumar imporia um imposto de trinta

arrobas de ouro a Vila Rica, isentando as outras vilas, sob a alegação de que não

participaram do motim. O imposto, desse modo, seria uma represália a Vila Rica pelos

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123

motins. Este boato inflamou de tal modo os povos, que estes passaram inclusive a

questionar a validade do perdão concedido, sobretudo porque os cabeças espalhavam a

notícia de que Martinho Vieira estava em Vila do Carmo fazendo uma averiguação

judicial do caso, e “esta era a razão em que fundavam a suspeita de que não se guardaria

o perdão, causando esta notícia tão geral revolução em todos que rara era a pessoa

daquela Vila que não trouxesse o ânimo inquieto e sobressaltado” (DISCURSO, 1994,

p. 111-113). Por fim, tornou-se necessário ao conde ordenar a publicação de um novo

edital ratificando o perdão já dado:

Por este edital torno a ratifficar o perdão para que todos vivao com

segurança de que se não procedera a Castigo nenhum pello passado e fio dos

Leais e fieis vassallos de Sua Magestade de Villa Rica, assim pessoas

Ecleziasticas, e principaes como gente do povo contribuão todos

unanimamente para a paz e quietação publica, sendo só esta e não outra a

minha intenção pellos máz consequencias que do contrario se podem

originar e para que venha a noticia de todos o mando publicar a Som de

Caixas, e se registrara nos Livros da Secretaria deste Governo e nos mais a

que tocar. Villa do Carmo, 10 de Julho de 1720 (SC 11, fl. 290).

Além disso, o governador fazia saber a todos da saída do Dr. Martinho Vieira da

comarca de Vila do Carmo, no sentido de demonstrar que o ouvidor não estava a fazer

averiguação nenhuma, sendo tal informação muito mais um boato produzido por

aqueles que se encontravam insatisfeitos com o seu governo, buscando infundir o receio

e o medo nos povos, a fim de inquietar e perturbar o sossego público (SC 11, fl. 290).

Assumar desmentiu, ainda, o boato das trinta arrobas, e para que não houvesse mais

dúvidas lançou o seguinte edital:

Como alguas pessoas entenderão mal a clauzulla do Edital de 2 do corrente

em que declarava se pagarião a Sua Magestade que Deos Guarde trinta

arrobas de ouro, e alguns quizerão entender que so Villa Rica as devia pagar,

se declara não ser assim porque a dita villa so deve pagar o que lhe couber a

proporção dos negros que tiver, e não as trinta arrobas por encheyo, e para

evitar as duvidas que sobre isto se podem oferecer o mando declarar por este

Edital e para que assim venha a noticia de todos mando publicar a Som de

Caixas e se registrara nos Livros da Secretaria deste Governo e nos da

Camara de Villa Rica. Villa do Carmo, 6 de Julho de 1720 (sic.) (SC 11, fl.

290).

Como resposta à agitação provocada por este boato, o governador, D. Pedro de

Almeida, escreveu uma carta aos oficiais de Vila Rica, na qual revelou o seu assombro

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124

ao tomar conhecimento de que eles pudessem acreditar naquela notícia absurda, já que

se tratava de um valor muito alto (cerca de 450 quilos de ouro) a ser cobrado apenas de

uma vila, sobretudo em se considerando as dificuldades de se cobrar tal valor de todas

as vilas juntas. O conde questionou o fato de eles terem dado crédito a uma notícia tão

descabida, ao ponto de não perceberem, talvez propositadamente, que se tratava apenas

de uma invencionice destinada a desacreditar as ações do governador. Nesse sentido, o

conde requereu aos oficiais que informassem:

A todos que athe se tirarem as novas Listas senão pode sabe de certo o que

toca a cada hua das Vilas, e que essa [Vila Rica] não deve pagar senão a

parte que lhe tocar como qualquer das outras, que por hora he o que basta

para desfazer esta ma inteligência (SC 11, fl. 243v.)

Segundo Assumar, nenhuma ação era o bastante para acalmar um povo com

interesses tão desiguais, haja vista que o humor do povo variava ao sabor das

circunstâncias, “porque quanto hoje no povo era silêncio, quietação, obediência, amanhã

disparava em assembleias, tumultos, desordens; isto que agora o agradava, dali a pouco

o não satisfazia” mais. Em Vila Rica, parte do povo, ao ouvir as leituras das cartas e dos

editais publicados pelo conde, ficava satisfeita e alegre, todavia, outra parte ia ao

encontro dos “agentes dos cabeças” em suas casas, para consultá-los, e de lá corriam

turbulentos, furiosos, orientados de que toda a notícia veiculada não passava de

mentiras para os enganar, “o que ao povo novamente alvorotava, e movia perturbar-se”

(DISCURSO, 1994, p. 97-98). Nesse sentido, o conde escreveu os seguintes versos:

Ó povo cego, e leve, as torpes fezes

Aparta do ouro puro, e lança fora;

Torna-te a teu pastor, perdido gado;

Olha que vás sem ele mal guiado.

(DISCURSO, 1994, p. 98)

Ou seja, nos versos, o conde conclamava o povo, que ele chamou de “perdido

gado”, a se redimir, afastando-se daqueles que buscavam promover a desordem e guiá-

lo através de boatos e mexericos ao caminho da insubordinação; defendia, ainda, a

necessidade de um governo forte, que fosse capaz de ordenar e liderar o povo de acordo

com a vontade do rei.

Page 126: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

125

Um dos líderes da sedição que guiavam os povos em direção aos tumultos foi

Sebastião da Veiga Cabral, do qual o conde tinha notícias de que desejava assumir o

posto de governador das Minas, tomando o seu lugar. Neste sentido, vale apontar a

trajetória deste, que foi um dos principais personagens deste enredo. Nascido em

Bragança, por volta do ano de 1665, judeu por descendência paterna,49

Sebastião da

Veiga conseguiu o hábito de Cristo graças à dispensa papal. Iniciando sua carreira

militar como soldado, foi galgando postos até chegar a ocupar o ofício de tenente de

mestre-de-campo general.50

Tal posto foi-lhe dado devido à prestação de serviços em

favor da Coroa, ao organizar a defesa militar das ilhas açorianas de Corvo, Flores e

Terceira. Ainda, em função desses serviços, foi eleito governador da colônia do

Sacramento em 1696, região dominada pelo comércio ilícito e pelo contrabando de ouro

e prata, “sob a conivência, e não raro com a participação, dos próprios governadores”,

que se aproveitando do prestígio e das vantagens que seu posto lhes conferia, cometiam

toda sorte de infrações com o objetivo de aumentarem suas fortunas pessoais. Não raras

vezes, alguns governadores, depois de encerrada a carreira pública nos diversos

domínios portugueses, voltavam ricos para Portugal (SOUZA, 2006, p. 262-263).

Sebastião da Veiga esteve oficialmente à frente do governo da Colônia do

Sacramento até o ano de 1705. E, apesar de ter se envolvido no comércio ilegal,

sobretudo no comércio de gado bovino e couros, atividades que, na época,

proporcionavam altos lucros, parece que foi um bom governador,

Cuidando tanto da vida civil como militar: dotou e casou órfãs, sustentou e

vestiu quase todo o presídio, distribuiu mantimentos, reduziu enorme

49

O judeu ou cristão-novo estava associado à “raça infecta”, o que, geralmente, era obstáculo para a

aquisição de títulos nobiliárquicos e determinados cargos públicos, que conferiam status a uma pessoa,

distinguindo-o socialmente dos demais povos (BICALHO, 2003, p.393). “A sociedade do Antigo

Regime, orientada pelo princípio da limpeza de sangue, estabelecia uma série de obstáculos à ascensão

social dos cristãos-novos, a exemplo das inquirições, por meio das quais se procedia ao exame das

origens dos candidatos para o preenchimento de cargos eclesiásticos, políticos e administrativos. Apesar

desses critérios rigorosos, empregados para qualquer forma de concessão de honrarias e nobilitação

social, os cristãos-novos conseguiram encontrar mecanismos para atenuar os rigores da lei, e mesmo a

Inquisição forneceu, muitas vezes, cartas de familiares, atestando a pureza étnica de descendentes de

vários cristãos-novos. (...) Nas Minas, eles logo se inseriram na sociedade local, filiando-se às

irmandades, participando das festas religiosas, frequentando a igreja e, muitas vezes, engajando-se na

administração” (ROMEIRO, 2004, p. 90) 50

“Oficial de guerra a que toca distribuir, pessoalmente ou por seus sargentos-mores, as ordens que lhe

der o mestre-de-campo general. Deve dar conta de tudo o que suceder na tropa ao mestre-de-campo

general para que este dê conta ao capitão-general. Usa bengala curta como insígnia” (CÓDICE Costa

Matoso, 1999, p. 124).

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126

quantidade de índios à fé católica (...); empenhou-se nos descobertos

metalíferos (SOUZA, 2006, p. 264-265).

Retornou a Portugal no ano de 1706, todavia não conseguiu se afastar do Novo Mundo

e, em 1712, concorreu ao posto de governador de São Paulo e Minas do Ouro, perdendo

por maioria de votos para Dom Brás Baltazar da Silveira. No ano de 1715, Veiga, aos

cinquenta anos de idade, pleiteou novamente o cargo de governador de São Paulo e

Minas do Ouro, concorrendo desta vez com outras oito pessoas que também almejavam

o mesmo cargo, a saber: Duarte Sodré Pereira, Ayres de Saldanha de Albuquerque,

Manuel de Sousa Tavares, António de Brito de Meneses, Paulo Caetano, D. António da

Silveira e Albuquerque, Antônio de Couto Castelbranco e D. Pedro Miguel de Almeida

Portugal, o conde de Assumar. Este último consagrou-se vitorioso, governando a região

entre os anos de 1717 a 1721 (SOUZA, 2006). Interessante notar que foi no governo

deste que estourou o motim de 1720, entre cujas várias causas apontadas para esse

levantamento estava a cobiça de Sebastião da Veiga Cabral, considerado um dos líderes

da revolta e que ambicionava justamente o cargo de governador. Para D. Pedro, essa era

a principal razão para seu envolvimento no motim, e tanto foi, que o acusava de ser

dissimulador e criador de boatos e “invencionices”, só a fim de macular seu nome e vê-

lo destituído do governo e fora das Minas.

Em maio de 1720, Veiga concorreu mais uma vez para o governo das Minas,

perdendo, desta vez, para D. Lourenço de Almeida, que iniciou seu governo aos 18 de

agosto de 1721. Para Laura de Mello e Souza, a insistência de Veiga ao pleiteio do

posto de governador de São Paulo e Minas do Ouro é reveladora de que ele “não

desejava sair do eixo sudeste-sul, entre Minas, São Paulo e Sacramento” e de que tinha

noção das vantagens financeiras que tal cargo poderia proporcionar-lhe, sobretudo no

que se referia aos lucros com o comércio ilegal. Para Laura, o que talvez justifique o

insucesso de Veiga nas três vezes que pleiteou o cargo de governador foi o fato de que

pesava contra ele um inquérito sobre seu envolvimento em um motim militar, no Rio de

Janeiro, em 1699, motivado pelo atraso no pagamento dos soldos. Soma-se a isso o fato

de sua descendência judia (defeito de sangue), que embora não o tenha impedido de

ascender na carreira militar e de ocupar o governo da colônia do Sacramento, “pesava,

por certo, quando se tratava da condução de uma capitania que, em fins do primeiro

quartel do século XVIII, começava a despontar entre as de primeira grandeza”. Ao

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127

analisar o Discurso Histórico e uma correspondência de Dom Lourenço de Almeida,

sucessor de Assumar, enviada ao rei de Portugal, Souza evidenciou que o motivo que

parece ter levado Sebastião da Veiga Cabral a se envolver no motim de Vila Rica era o

seu desejo de ser governador, “por qualquer caminho que fosse”, seja ele pelos trâmites

legais ou não, e com isto assegurar a não cobrança de suas dívidas e as vantagens

políticas e econômicas que a ocupação de tal cargo poderia lhe auferir (SOUZA, 2006,

p. 269). Note-se que Sebastião da Veiga, mesmo sendo reinol e ligado à Coroa pelos

cargos que ocupou, pelos títulos e mercês que recebeu por serviços prestados em nome

do rei, não se dissuadiu, no contexto da revolta de Vila Rica, de colocar seus interesses

pessoais e/ou de um grupo de poderosos locais acima dos interesses da monarquia, na

medida em que intentou tomar o poder político na região e expulsar, ou até mesmo

matar, o representante máximo da Coroa naquelas terras. Tal situação corrobora a ideia

defendida por Laura, de que as distâncias em relação ao centro de poder, no caso,

Portugal, poderiam influenciar nas ações dos vassalos espalhados pelas diversas

possessões portuguesas que, longe do rei, cometiam todo tipo de infrações, na certeza da

impunidade ou dos limites do alcance da justiça (SOUZA, 2004).

Durante a desordem provocada em Vila do Carmo, este teria se dirigido ao povo

amotinado, perguntando-lhes: “Filhos, não quereis casa de quintos, nem de moeda?

quereis que vá o ouvidor com todos os diabos? Quereis-me a mim? Aqui estou, tudo se

fará, que eu hei de ser vosso procurador”. Todavia, acabado o discurso, este foi ao

palácio, ao encontro do governador e, com “fingida preocupação”, dissimulando,

advertiu-o do enorme perigo daquele motim, que poderia colocar em risco sua vida.

Para Assumar, Veiga liderava e insuflava os motins contra sua pessoa, desqualificando-

o perante a população das Minas, acusando-o de ser injusto e castigador, mas, na sua

presença, se mostrava uma vítima que nada fazia para prejudicá-lo, pelo contrário, que

não media esforços para ajudá-lo no controle da revolta (DISCURSO, 1994, p. 105).

Em determinada situação, por exemplo, quando da fuga do ouvidor-geral

Martinho Vieira, Veiga mandou chamar dois padres da Companhia de Jesus, próximos

ao conde, sob a alegação de que um criado seu estava para morrer. Chegando os padres

em sua casa, encontraram-no “a fazer repetidas convulsões e trejeitos”, avisando-os que

estava de partida para o Rio de Janeiro, pois chegara a ele a informação de que o conde

tinha escrito uma carta ao rei, denunciando-o como o cabeça do motim, afirmação esta

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feita por Martinho, antes de sua partida forçada. Sebastião da Veiga “logo se pôs a

entrouxar fato, e a fazer vários fingimentos e aparências de querer-se ir na mesma

noite”, dando a entender que temia ser castigado. Depois de toda aquela encenação,

incumbiu os padres de apresentarem a sua despedida ao conde. Estes, chegando ao

palácio, relataram os fatos ao governador, sobre os quais perceberam “que nas ações do

Veiga se envolvia oculta malícia”. Inteirado dos acontecimentos, Assumar mandou

dizer ao Veiga que tal notícia de que escrevera uma carta ao rei era falsa, pois ainda não

havia apurado a real participação dos envolvidos nos motins, “e que tampouco o

presumia de sua pessoa, que antes esperava que ele, por si e por seus amigos,

concorresse para o sossego público”. Em resposta, Veiga protestou que não tinha

“amigos”, “que não falava com ninguém” e que de si não podia falar coisa alguma, além

de que para seu sossego era necessário que o conde lhe declarasse por escrito saber que

ele não tinha parte no motim (DISCURSO, 1994, p. 117-118). O conde preferiu não

prolongar o assunto, apenas reafirmou aquilo que mandara dizer os padres, e, sobre

Sebastião da Veiga Cabral, afirmou:

Dali por diante, deu em frequentar palácio, e mostrando-se zeloso da vida do

Conde, tudo era representar-lhe que não se fiasse de ninguém, que mandasse

vigiar a sua cozinha, porque lhe poderiam dar peçonha, que a tal governador

a deram nesta, e a tal naquela forma, e que o verdadeiro partido que havia de

seguir era retirar-lhe logo para São Paulo, porque não quebrava a

homenagem e se livrava de algum insulto. Ave enfim de mau agouro, só

prognosticava (...) infortúnios e desgraças, as quais aumentava com a

representação e ampliava com o discurso, procurando (se pudesse) com

espantos e temores fingidos persuadir o Conde a desertar as Minas; tudo era,

a seu parecer, uma destruição geral; não havia perigo que não inventasse,

medo que não descobrisse; ponderava evidências as imaginações, certezas e

receios, as ameaças eram execuções, os golpes mortes, as faíscas incêndios;

e instando sempre que se retirasse enquanto o tempo lhe dava lugar, porque

não teria depois, quando lhe fosse precisa a retirada” (DISCURSO, 1994, p.

118-119).

De tudo o que foi exposto, pode-se perceber que o artifício da dissimulação foi

empregado de forma requintada por ambos os lados, tendo em vista que Sebastião da

Veiga, por seu turno, parece ter usado desta estratégia de se vitimar, com o objetivo de

perscrutar informações sobre os passos que Assumar estaria dando no sentido de

debelar a revolta. Nota-se que ele não tinha a pretensão de se retirar para o Rio de

Janeiro, tendo em vista que ali nas Minas se encontravam seus negócios, seus interesses

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políticos e econômicos, objetos pelos quais empenhava todos os seus esforços, inclusive

os que convergiam para o motim. Da parte de Assumar, por sua vez, ao tranquilizá-lo,

afirmando que não o havia acusado e que esperava dele, antes, cooperação, o

governador parece querer fazer entender que não tinha conhecimento da participação de

Veiga nos motins, ocultando taticamente o fato de que estava a par dos nomes dos

principais envolvidos. Aqui se percebe, também, como a dissimulação e os boatos

podem servir bem aos propósitos escusos de um agente social inserido em um contexto

de conflito que, diante das amarras políticas, vê-se obrigado a usar desses recursos, para

tomar parte dos acontecimentos em torno dos quais gravitam seus interesses.

O governador das Minas relatou também no Discurso Histórico que, em outra

ocasião, Sebastião da Veiga Cabral havia lhe informado que dois mascarados tinham

ido à casa dele, avisando-o de que os cabeças do motim haviam-no eleito governador,

restando-lhe apenas a opção de aceitar o posto ou morrer, caso recusasse. O conde

respondeu-lhe que aceitasse o governo, pois tal atitude poderia resultar na quietação e

sossego dos povos. Tal afirmativa pode parecer estranha, à primeira vista, já que

Assumar não tinha a intenção de se retirar do governo “enquanto o sangue lhe corresse

pelas veias”, do que se pode depreender que não passava de uma estratégia do

governador, que sabia das armações de Sebastião da Veiga, que dissimulava todo o

tempo apoiá-lo, mas que inventava situações para desestabilizá-lo e fazê-lo se retirar das

Minas. Portanto, já ciente das maquinações de Veiga, Assumar não deu crédito às

informações. Veiga passou então “a chorar a sua desgraça, e a revestir-se de mil

afetações, dizendo que estava resoluto a ir-se dali a três dias para o Rio de Janeiro,

porque para a sua honra não lhe estava bem aceitar semelhante governo”. Chegado o dia

de sua partida, alegou mil dificuldades que o impediam de partir, o que deixa claro que,

de sua parte, não pretendia ir para o Rio de Janeiro, conforme dissera ao conde, o que só

reforça a ideia de que sua história tratava-se de uma encenação. Por seu turno, D. Pedro

de Almeida também usou do recurso da dissimulação, ao defender que Veiga aceitasse a

“imposição” dos amotinados e assumisse o governo, já que queria passar a ele a

impressão de que não suspeitava ou desconfiava de seu envolvimento nos motins

(DISCURSO, 1994, p. 120).

Segundo o governador, Veiga valia-se de várias estratégias para difamá-lo. Em

vista das suas intenções de assumir o governo, buscava de todos os modos criar

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situações que o colocavam em conflito com os moradores das Minas. Em um caso

específico, Veiga disse ao mestre de campo Manoel de Queiroz que o conde desejava

“acabar com ele”, o qual, receoso do que lhe poderia advir, por algum tempo se ocultou,

mas, consciente de que nada fizera de errado, resolveu dirimir o assunto diretamente

com o conde e, “lançado aos seus pés, disse que já se não atrevia a viver cuidadoso e

retirado, e que ainda que não sabia sobre que assentasse, ali se vinha sujeitar ao

castigo”. Porém, ele lhe disse não haver nenhuma queixa contra a sua pessoa, portanto,

nenhum motivo para punição; entenderam, pois, diante dos fatos, tratar de outro boato

lançado por Veiga no intuito de fazer malquisto o conde (DISCURSO, 1994, p. 121).

Ainda sobre a atuação de Sebastião da Veiga Cabral, Assumar ressaltou que ele

fazia “o verdadeiro ofício do diabo, semeava entre o mais limpo trigo a mais maliciosa

cizânia; porque ora com as câmaras, ora com particulares, formava este ou aquele juízo

sobre as ações do conde”. Em outra ocasião, por exemplo, Veiga visitou os homens

mais humildes da região “estudando cortejos, afetando obséquios, submetendo-se a uns

e outros, insinuando a grande valia com os maiores ministros, o muito que na corte

podia, mostrando as cartas fingidas de Portugal”, tudo tentando dar a entender que tinha

ordens de rei para fazer “averiguações secretas, assim do procedimento do Conde como

de outros particulares”. Dizia ao povo que tinha um tipo de missão, da qual fora

incumbido pelo rei, afirmando sempre: “ao que eu venho, isso só Deus o sabe, El-Rei

eu”. Propagava, ainda, a notícia de que seria ele o sucessor infalível do conde no

governo das Minas, angariando a simpatia do povo na medida em que “a estes prometia

introduzir, aqueles melhorar; a uns consolava no desgosto presente, a outros brindava

para o alívio futuro, e a todos se oferecia para tudo o que quisessem” (DISCURSO,

1994, p. 124); e, por esses meios dissimulados, buscava passar a imagem de que

representava os interesses do povo, atraindo para si os descontentes com a política do

conde, desejosos de mudanças. Ao final, o conde questionou o que Sebastião da Veiga

afirmara na sua presença: que se retiraria das Minas, no intuito de fugir dos povos de

Vila Rica, que desejavam fazê-lo governador contra a sua vontade. Todavia, pelo que se

pode depreender da leitura de Assumar, embora Veiga tenha saído da cidade, este foi ao

encontro dos amotinados, voltando, a seguir, para Vila do Carmo, no intuito de fazer

uma estranha proposta ao conde: a de que a única solução para o fim dos motins “era

fingir-se doente o Conde e largar-lhe o governo” (DISCURSO, 1994, p. 125). Mal havia

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recebido a sugestão de Veiga, chegou às mãos do conde uma carta de um confidente de

Ouro Preto, Manoel José, escrivão da ouvidoria, que lhe dizia:

Que naquela noite se determinava amotinar, ou por força, ou por vontade, o

povo para irem à Vila do Carmo expulsá-lo, e que publicamente falava em

fazer governador ou chefe da república, que dispunham a Sebastião da Veiga

(DISCURSO, 1994, p. 126).

Além disso, Assumar havia recebido outro recado, este de Pascoal da Silva

Guimarães, outro líder do motim, que dizia que “naquela noite infalivelmente se

acabava o mundo e o iam depor e correr do governo, e que assim tomasse lá bem as

medidas” (DISCURSO, 1994, p. 126). Para o governador, tais avisos sediciosos tinham

uma dupla finalidade: por um lado, quem os enviava tinha a pretensão de fazer com que

ele acreditasse nos avisos e agisse conforme os mesmos, e assim seriam bem sucedidos

no boato; por outro lado, caso o conde não acreditasse no que estava sendo dito,

poderiam aqueles argumentar que agiram de boa intenção, ao avisá-lo, no sentido de

estarem sendo fiéis a ele advertindo-o do perigo. Em função da iminência do motim,

Pascoal da Silva Guimarães, enviando outro recado ao governador, através de frei

Francisco de Monte Alverne, disse que havia descoberto uma maneira de se pôr fim aos

tumultos, e que necessitava apenas da aprovação de Sua Excelência:

Era o meio oferecer-se Pascoal da Silva a ir amotinar os povos de São

Bartolomeu, Cachoeira e Itaubira, e descer a incorporá-los com os de Ouro

Preto, para fazer-se cabeça de uns e outros, como tomando sobre seus

ombros a carga de tantos desacertos; e que então (visto o povo de Vila Rica

duvidar da validade e vigor dos perdões até ali concedidos) instaria por novo

perdão, o qual Sua Excelência concederia; porque vendo que ele, sendo

como cabeça mais culpado, se acomodava, deporia (na certeza do presente) a

dúvida dos passados, que era toda a causa de não se acabarem de sossegar os

tumultos (DISCURSO, 1994, p. 127).

Deste modo, ouviu o conde a proposição de Pascoal da Silva, porém não

concordou com esta ideia, já que, para ele, “nunca seria acertado excitar um motim para

destruir outro, (...) [que] ninguém podia segurar uma vez sublevados os povos; que os

motins eram como fogo, que aceso uma vez se conservava por mais tempo”

(DISCURSO, 1994, p. 127).

A Revolta de Vila Rica foi um movimento dos potentados locais, todos

portugueses, que procuravam fortalecer o poder local diante do governador, que tinha

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vindo para as Minas para fazer exatamente o contrário, estabelecer o poder da Coroa

portuguesa. Pascoal da Silva Guimarães, em seus embates pessoais com o governador,

demonstrava a existência de dificuldades ao exercício do poder político pelas

autoridades representantes do poder real na região das Minas. Filipe dos Santos, um

apaniguado de Pascoal da Silva, foi quem comandou praticamente todas as agitações e

quem recebeu a punição mais rigorosa no final. O motivo da participação de Pascoal na

revolta não pode ser estabelecido com absoluta certeza, já que ele nunca admitiu culpa

no episódio. Existem, porém, diversos fatos que permitem que se especule a respeito,

com razoável margem de certeza. Dois motivos parecem claros: um de ordem

econômica e outro de ordem pessoal. O primeiro motivo está ligado à questão da

cobrança de impostos. A instalação das Casas de Fundição e o pagamento de direitos de

entrada no registro de Borda do Campo lhe causavam desconforto, já que ele,

provavelmente, conquistara a maior parte do seu patrimônio com o lucro do

contrabando. O outro motivo está relacionado ao ódio ao ouvidor de Vila Rica,

Martinho Vieira de Freitas, que se concentrou em dois aspectos: um pessoal, e outro de

caráter político administrativo. No aspecto pessoal, a ira de Pascoal devia-se ao fato de

o ouvidor oprimir os poderosos da comarca. Como Pascoal estava sendo cobrado na

Justiça por suas dívidas, isso virou motivo para o ouvidor desafiá-lo e ridicularizá-lo.

No último aspecto, relacionado à política administrativa, destaca-se a disputa pelo poder

político na região (FONSECA, 2007).

Finalmente, outra peça-chave da revolta, também um dos líderes, foi Manuel

Mosqueira da Rosa que, tal qual Sebastião da Veiga, apoiou-se no discurso de que não

poderia entrar em Vila Rica, pois temia que o povo o forçasse a ocupar o cargo do

ouvidor. No Discurso Histórico o conde deixou transparecer que esta notícia não

passava de boato, ressaltando que Mosqueira da Rosa não conseguia ocultar sua

ambição, ao declamar contra a imprudência do então ouvidor-geral Martinho Vieira e se

oferecendo, ainda, para o cargo de “provedor da fazenda real, pediu também carta para

o bispo o fazer provedor dos ausentes, indo ao mesmo tempo insinuando de caminho os

modos por que podia ser ouvidor, ao que brandamente se opôs o conde”. Ainda que

ciente das maquinações de Mosqueira, Assumar resolveu, estrategicamente, fazê-lo de

“ladrão fiel”, na medida em que o incumbia de por fim aos motins que ele próprio

armara, “pareceu-lhe ao Conde que o emprego e a incumbência que lhe dava seria o

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meio mais acertado de o corrigir e envergonhar, para não fomentar dali por diante os

motins” (DISCURSO, 1994, p. 116). Nesse sentido, o conde expediu a seguinte ordem a

Manuel Mosqueira:

Por fiar ao grande zello e capacidade do Dr. Manuel Mosqueira da Roza e da

aceitação que dele tenho pelo bem que servio a Sua Magestade que Deus

guarde nos lugares que ocupou, lhe ordeno expressamente por serviço do

dito senhor a lista em Vila Rica para socegar com o seu Respeito toda e

qualquer alteração, procurando que pelas passadas fiquem os ânimos quietos

e sossegados em virtude do perdão que lhes concedi, e pode prometer em

meu nome de baixo de toda a fé publica que não tenho tenção de proceder,

averiguar, nem castigar a pessoa alguã pelos delictos passados e que assim

vivão quietos e sossegados sem alteração nenhua para o que emprego a

minha palavra, e fio da prudência, zello e amor com que o dito Dr. Manuel

Mosqueira da Roza servio a Sua Magestade cumprirá da sua parte com este

serviço tão importante. Villa do Carmo, 10 de julho de 1720 (SC 11, fls.

244-244v).

Todavia, tal ordem não impediu Mosqueira de continuar a insuflar os ânimos,

chegando ao cúmulo de simular que o povo o aclamara ouvidor, como se pode perceber

no seguinte trecho do Discurso Histórico:

Juntando-se com Filipe dos Santos, famoso amotinador, sagaz, astuto e sábio

em todo dano (de quem fiasse possa um feito grande), e de quem se valeu

naquela conjuntura Pascoal da Silva para sublevar o povo, pretendeu com o

seu favor que em uma noite o aclamassem por ouvidor; mas como o povo

estava satisfeito por se lhe haver concedido tudo, e não quisesse já meter-se

em semelhantes embaraços, convocara cinquenta ou sessenta homens de sua

patrulha com bastantes negros armados, entre os quais se aclamou por

ouvidor o dito Mosqueira. E o que mais se deve notar é que, estando na Vila

há vários dias, nunca o povo, como ele tanto afetava recear, se movera a

pedi-lo por ouvidor, e só no fim, para fingir que o aclamava, foi necessário

persuadir a cabala aos sessenta, que uma noite (como com efeito se fez)

tumultuosamente o aclamassem (DISCURSO, 1994, p. 116).

Diante do exposto, o conde de Assumar, percebendo que tudo não passava de

dissimulação, boatos e mexericos dos cabeças da revolta, para que ele se retirasse das

Minas e pudessem aclamar Sebastião da Veiga Cabral como novo governador e Manuel

Mosqueira da Rosa como ouvidor, decidiu enfrentar os opositores, pois viu que não

havia outra saída para por fim aos motins que não o confronto aberto. Entendia que

apenas o emprego do castigo severo findaria toda aquela maquinação e desordem.

Segundo Maria Verônica Campos, na tese Governo de Mineiros: de como meter

as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado (1693-1737), a imagem dos

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grandes nomes da revolta – Pascoal da Silva Guimarães, Sebastião da Veiga Cabral e

Manuel Mosqueira da Rosa – traçada no Discurso Histórico apresentava pontos em

comum: todos eram descritos como falsos e dissimulados, que não mediam escrúpulos

para atingir seus objetivos. Todavia, tais características também estavam presentes na

conduta do conde de Assumar, sobre o que a autora considerou:

O que era defeito no rebelde convertia-se em virtude no governante. Não há

aí nenhuma contradição. Como governador, o uso da simulação era sinal de

prudência e ponderação. No súdito, especialmente no amotinado, era falta

grave e prova de desrespeito ao rei a seus representantes (CAMPOS, 2002,

p. 227).

Ainda de acordo com Campos, duas fontes que complementam o Discurso

Histórico e auxiliam na compreensão do motim de 1720, são as duas propostas de

reivindicação dos amotinados ao governador. Os termos da primeira proposta

constituíam-se em exigências da elite local, composta por comerciantes e mineradores.

Já os da segunda proposta, por sua vez, muito mais abrangentes, agregavam interesses

de diversos setores da população: “agricultores, comerciantes, mineradores, setores

urbano e rural”. Diante disso, a autora ressalta que era visível que a segunda proposta

tinha um interesse claro de mobilizar todos os grupos sociais. Para ela, “é difícil de se

acreditar que tenha sido realmente um movimento antifiscal, o que lhe daria uma feição

de movimento popular contra o enrijecimento da tributação sobre o quinto”, ao passo

que ela acredita que “a arraia-miúda não seria prejudicada com a cobrança do quinto nas

Casas de Fundição”. Para Campos, a participação de um grande número de escravos

forros e mulatos é justificada pelo “poder de mobilização que os poderosos locais

detinham. Quarenta líderes com vintes escravos cada formavam uma multidão”. Outras

pessoas da ínfima plebe que participaram do movimento fizeram-no por coação ou para

se aproveitar do ambiente tumultuado para delinquir (CAMPOS, 2002, p. 246-247).

A discussão de Campos, no entanto, parece superestimar o papel das redes

clientelares no contexto da revolta de Vila Rica, sobretudo ao afirmar que a maior parte

dos homens comuns que participavam dos levantes estava, de algum modo, vinculada a

um poderoso local. Para ela, isto explicaria inclusive a liderança de Pascoal da Silva

Guimarães, “um comerciante que detinha o maior poder de mobilizar bandos armados e

prestígio pessoal para fazer críveis os boatos e obter a adesão de grande número de

aliados” (CAMPOS, 2002, p. 249). A autora atribuiu, então, um papel totalmente

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passivo ao povo, que atuava segundo orientações dos líderes da revolta ou por coação, e

não por insatisfação com a instalação das Casas de Fundição que, como ela afirmou,

incidiu mais severamente sobre a elite. Tal análise, todavia, não explica o motivo que

levou tanto os “cabeças” quanto o governador D. Pedro de Almeida a disputar a atenção

de uma parcela significativa do povo, seja para aderi-los à causa ou afastá-los do

conflito. Como explicar os estratagemas de arregimentação dos povos, implementados

pelos cabeças através da divulgação de boatos de que o conde iria impor, a todo custo, a

nova lei dos quintos? E Assumar, por que se preocupou em desmentir tais boatos,

publicando editais que demonstravam justamente o oposto, e afirmando que tudo faria

em benefício do povo? Aparentemente, a autora reduziu demasiadamente o papel do

povo nos motins, caindo em contradição em alguns momentos, sobretudo se se

considerar a abrangência da segunda proposta, que congregava interesses de alguns

setores mais baixos da população, e que não estavam ligados aos poderosos, já que estes

disputavam a atenção e o apoio da maioria do povo ao movimento insurgente, como

forma de legitimar suas ações.

Tarcísio de Souza Gaspar, na dissertação intitulada Palavras no chão:

murmurações e vozes em Minas Gerais no século XVIII, questionou a dicotomia

presente no discurso apresentado pelo conde de Assumar sobre a Revolta de Vila Rica,

no qual o governador defendeu a existência de dois estratos sociais atuando em frentes

diferentes no encadeamento dos motins. Aos líderes ou “cabeças” da revolta, os

poderosos locais, foi atribuída toda a maquinação em torno do movimento, cuja

aspiração era a de tomar o poder político na região, encobertos por um discurso de apelo

geral pela não alteração das formas de cobrança do quinto, que se daria com a instalação

das Casas de Fundição. Ao povo, coube o papel de “coadjuvante passivo”, pessoas que

se envolviam no conflito por interesses ou condições outras, que não a de tomar o poder

político. Tais interesses remontavam, sobretudo, ao arrocho fiscal e à manutenção da

fidelidade devida a um potentado local, ao passo que entre as condições motivadoras da

participação dos povos contavam, inclusive, a coação física e outras formas de

imposição. Ou seja, para o autor, o conde isentou a maior parte dos homens comuns, o

“povo”, de qualquer iniciativa ou participação ativa nos motins. Nesse sentido, ele

ressalvou que estes homens da “arraia-miúda” eram majoritariamente forçados a aderir

aos movimentos, sendo que a maior parte da população não se queixava do seu governo,

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isto é, não tinha interesse em sua saída. Destarte, os maiores interessados em destituir o

conde e assumir os principais postos do governo, além de reaver certo prestígio político

perdido com a vinda de Assumar para as Minas, eram os homens da elite local

(GASPAR, 2008).

Na concepção de Tarcísio Gaspar, entretanto, “a mesma dicotomia entre cabeças

e plebeus torna a se repetir quando os assuntos são a redação dos termos rebeldes e a

veiculação dos boatos”. O primeiro termo de reivindicações que foi entregue ao

governador, no dia seguinte ao do início dos motins, apresentava o veto à instalação das

Casas de Fundição e à cobrança dos dízimos por contrato, “capaz de angariar simpatias

populares”, pois eram pontos que convergiam para o interesse comum (GASPAR, 2008,

p. 109). Nesse sentido, o autor demonstra que, para Assumar, tal proposta

reivindicatória tratava-se, na verdade, de um estratagema dos “cabeças”, cuja intenção

era de conseguir a adesão da “plebe”, assim, o governador afirmou que tudo não

passava da ação de particulares, pondo em dúvida a participação de populares na

redação da proposta. Para Tarcísio Gaspar, o conde maliciosamente questionou o fato de

a proposta, de alegada autoria popular, conter pontos de convergência de interesses de

vários grupos sociais, sobretudo de setores da elite local. Do mesmo modo, quando da

segunda proposta de exigências dos amotinados, escrita a 02 de julho de 1720 pelo

letrado José Peixoto da Silva, o conde apresentou desconfiança, no que tocava mesmo à

linguagem utilizada no documento, que destoava muito da linguagem da plebe iletrada e

analfabeta (GASPAR, 2008).

Este autor não nega “a preponderância política dos poderosos na condução da

revolta”, nem sua capacidade de movimentar “imensos contingentes populacionais,

como escravos e agregados, clientelas e dependentes”, tampouco a capacidade de

influenciarem os povos com a disseminação de boatos e murmurações; entretanto, para

ele, todos estes fatores não explicam, por completo, tudo o que ocorrera em 1720.

Segundo ele, é possível questionar a visão dicotômica de que tudo não passava de “mera

orquestração das elites”, já que discorda que tais grupos dominantes influenciavam,

sobremaneira, a opinião pública de todos os setores da sociedade colonial, inclusive os

não diretamente ligados a eles, e que também participaram dos motins. Contrário à ideia

de que tudo não passava de maquinações de particulares, Tarcísio Gaspar defende que o

segundo termo de reinvindicação dos amotinados continha pontos de “inegável apelo

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popular”, indo até mesmo contra os interesses das elites mineradoras e comerciantes.

Nesse sentido, o autor parece sugerir que tal proposta atendia, na prática, aos anseios

gerais, e isso explicaria, de certo modo, a participação ativa de uma parcela da

população na revolta, que não seguia cegamente as ordens e orientações dos cabeças

(GASPAR, 2008, p. 117-118).

Do mesmo modo, os boatos foram tratados pelo conde como maquinações dos

cabeças, interessados em enganar o povo. Assim, na concepção daquele, a “arraia-

miúda” não passava de uma receptora passiva das invencionices dos líderes do motim.

Destarte:

Conforme o Discurso situasse os atos de fala da revolta, veiculados nos

boatos e rumores, enquanto manipulações orquestradas, a opinião pública

local (que não era senão o conjunto deste vozerio) aparecia subordinada aos

interesses específicos dos poderosos, regentes do falatório. Por conseguinte,

a outra parte dos amotinados limitava-se a reproduzir, como bocas viciadas,

uma ladainha não dialogada pelo “povo”, e independente dele, mas ressoante

em suas palavras. Assim, todas as línguas não ultrapassaram uma velada

parcialidade, imiscuindo no público ambições privadas ou particulares.

(GASPAR, 2008, p.115)

Neste trabalho, o autor afirma, a despeito do discurso do conde, que não é

possível distinguir tantas especificidades nos parâmetros de ação dos líderes e da plebe,

separadamente, isto é, de que não se pode separar a atuação dos líderes da do povo de

maneira tão clarividente, tomando os primeiros como sujeitos e os segundos como

meros objetos passivos. O autor, portanto, acredita na existência de uma articulação

entre líderes e os homens comuns na difusão da boataria, para ele o povo era agente

ativo neste processo. Desse modo:

Se houve transmissão [de boatos] dos poderosos à “ínfima plebe”, ela não foi

retilínea nem tampouco isenta de conflitos. Os “cabeças” podiam incentivar

a eclosão dos rumores, mas o faziam sob determinados parâmetros e

obedecendo a certa lógica de comunicação, de modo algum alheia aos

anseios políticos do “povo”, este o verdadeiro retransmissor das mensagens.

A parte inferior da cadeia teve interesses próprios, que não eram passivos.

Por isto, as vozes veicularam temáticas de conteúdo social abrangente,

como o receio do castigo e a opressão fiscal (grifo meu) (GASPAR, 2008, p.

120).

Sendo assim, além de questionar a divisão e a atribuição dos papéis dos

participantes da revolta que, segundo Assumar, estavam divididos em apenas dois

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grupos: “cabeças” e “povo”, Tarcísio também levanta a dúvida sobre se todos os boatos

eram originados no estrato mais elitizado dos amotinados, afirmando que havia

participação de populares, que nem sempre estavam diretamente ligados a algum

potentado, mas que também atuavam na difusão dos boatos.

Tarcísio Gaspar discorda da interpretação da historiadora Maria Verônica

Campos, ao tratar da veiculação dos boatos na Revolta de Vila Rica. Para ele, a autora

não questiona e aceita “o fato de que as vozes do episódio fossem integralmente ditadas

pelo grupo de poderosos locais, constituído, maiormente, de comerciantes, cujo líder era

Pascoal da Silva Guimarães”. O autor discorda ao afirmar que a transmissão dos boatos

não se dava inteiramente a partir da cúpula para os setores mais pobres da população,

que estes não se limitavam “à recepção e reprodução passiva dos ditames superiores”

(GASPAR, 2008, p. 117).

A despeito da interpretação dada por Tarcísio Gaspar, fazem-se necessários

alguns esclarecimentos. Primeiramente, este autor faz afirmações muito fortes ao

asseverar que a população também participava da elaboração dos boatos; ou, ainda, ao

insinuar que o povo tinha consciência da intencionalidade dos boatos; e, o mais grave,

ao afirmar que os populares estavam articulados às lideranças do motim, todos homens

da elite, e que ambos lutavam numa frente comum contra o conde de Assumar. Para

construir tal discurso, o autor partiu da segunda proposta de reivindicações, apresentada

pelos amotinados ao governador, e do Discurso Histórico, documentos que, entretanto,

não subsidiam suas proposições. No Discurso Histórico, todos os boatos apresentados

circulam no seio das lideranças, não aparecendo um sequer cuja autoria tenha sido

atribuída a um homem comum. Ao dizer que o povo tinha consciência dos boatos, o

autor parece entrar em contradição, já que este mesmo povo era o alvo que tais boatos

queriam atingir e impressionar. Se estivessem conscientes da verossimilhança ou não

destes, não lhes causaria impressão alguma o ouvir-dizer que corria pelas Minas.

Finalmente, inferir que o povo estava, de certo modo, “aliado” ou articulado aos cabeças

parece um tanto quanto forçoso, ao passo que, como dito, a principal documentação

produzida no período remete aos líderes e, por outro lado, estes sim seriam os maiores

beneficiados com a saída do conde, uma vez que já haviam inclusive elencado os nomes

para os postos mais importantes na administração, até mesmo o de governador. No

mesmo sentido, vários documentos, já citados nesta pesquisa, dão conta de que muitos

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dos homens comuns que participavam dos levantes faziam-no coagidos, não

voluntariamente. Desse modo, neste trabalho, discordamos da interpretação dada pelo

autor acerca da veiculação dos boatos na sedição de Vila Rica, sobretudo, ao afirmar

que os líderes da revolta e o povo estavam articulados na difusão da boataria.

Pode-se inferir, a partir desta pesquisa, a relevância da dissimulação no cenário

político do motim de 1720, artifício do qual os líderes do movimento se valeram no

trato com o conde, a fim de colher informações que pudessem favorecer a causa rebelde.

Diante do governador, faziam-se de vassalos leais, desejosos do bem-estar dele e do fim

das inquietações e desordens populares, mas, pelas “costas”, agiam de maneira oposta,

lançando boatos, como uma forma de desacreditar as suas ações, bem como sua

reputação, no sentido de gerar instabilidade nas camadas mais baixas da população, o

que alimentaria os ânimos contrários ao governo. Para que o movimento fosse

considerado legítimo, era necessário que houvesse apelo popular e que o conde fosse

acusado de ser tirânico e injusto. Assim, a dissimulação e os boatos foram mecanismos

que serviram bem aos propósitos dos cabeças, na medida em que estes, ainda que

estivessem insatisfeitos com o governo do conde de Assumar e desejassem a sua

imediata expulsão das Minas, não desejavam demonstrar publicamente suas ambições,

temerosos de provável punição.

Assumar, por sua vez, também fez uso da dissimulação, sobretudo ao ocultar

taticamente o fato de que já tinha conhecimento da participação de Pascoal da Silva

Guimarães, Sebastião da Veiga Cabral e Manuel Mosqueira da Rosa na liderança dos

motins, incumbindo-os inclusive de pôr fim a toda aquela agitação e dano ao sossego

público, que eles mesmos provocaram. Como bem assinalou Maria Verônica Campos,

tal tática dissimulatória era, no caso do governador, sinal de prudência e ponderação,

evitando, deste modo, um conflito aberto, sobretudo, porque ainda não dispunha,

naquele momento, de um contingente militar suficiente para fazer frente aos rebeldes.

Quanto ao povo, sua participação no motim de 1720 parece ser ambígua. Por um

lado, ao se agitar contra o governo, partindo do incômodo geral causado pelo possível

rompimento das formas acomodativas, isto é, pela possível mudança forçada das regras

do jogo fiscal, com o consequente aumento dos impostos e da fiscalização régia, parece

fazê-lo consciente das prováveis implicações legais. Assim, mesmo com o risco da

punição, as pessoas amotinaram-se baseadas no direito costumeiro, que garantia aos

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povos o direito de se levantar contra os maus governantes. Por outro lado, no entanto,

considerando o impacto dos boatos nos ânimos gerais, a população parecia estar

inconsciente dos interesses implícitos em jogo, já que, de fato, colocava em dúvida as

questões levantadas pelos boatos, o que se pode perceber claramente através da leitura

dos documentos. Questionava-se se o conde de fato instalaria as Casas de Fundição, a

despeito do desgosto geral, se o governador ignoraria o perdão dado, castigando o povo.

Mas, com tudo isso, por que os boatos não surtiram o efeito desejado? Simples, porque

foram desmentidos o mais rapidamente possível por Assumar, que publicou editais

desdizendo o dito pelos boatos. Diante da garantia formal e oficial de que tudo faria em

benefício do povo, este voltava ao estado de sossego. Nesse sentido, em face do

desmantelamento da estratégia dos amotinados, estes partiram para o confronto aberto,

como última opção, para tentar assegurar a influência política que possuíam, bem como

formalizá-la, tentando assumir o poder e a representação políticos na região, em

detrimento do conde de Assumar. A despeito disso, este conseguiu pôr fim aos motins,

restabelecer a ordem e reforçar o poder real na região das Minas.

Page 142: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

141

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Motim de Vila Rica foi marcado pela disputa, em torno do poder político na

região, entre forças privadas e os representantes da Coroa. Entretanto, também

apresentou, ainda de que modo secundário, uma faceta econômica, que se referia ao

descontentamento popular e das elites com as novas medidas fiscais, as quais o conde

de Assumar tentava impor. Embora, como salientamos, prevalecesse o interesse da

tomada do poder, por alguns homens poderosos da região, a dimensão econômica

assumiu grande importância, na medida em que trouxe para a cena o povo – que estava

mais preocupado com os impostos a pagar e a instalação das Casas de Fundição –, fato

que era imprescindível à legitimidade da contestação que se instaurava contra o governo

de Assumar. De acordo com a prática política corrente, apenas a participação do povo

legitimava a contestação e a deposição do governador, caso este agisse injustamente e

de maneira despótica contra os princípios do bem comum dos povos. Nesse sentido,

evidenciamos o recurso à dissimulação e aos boatos, como estratégia política

imprescindível à ação dos líderes rebeldes, em sua tentativa de tomar o poder.

Acredita-se, desse modo, que a presente pesquisa contribui com a historiografia,

na medida em que inova as discussões, ao ressaltar estes dois elementos, ainda pouco

estudados, como mecanismos de ação política utilizados em momentos de disputa pelo

poder. É neste cenário que se insere o Motim de 1720, ao passo que os líderes da revolta

se valeram da dissimulação, com a intenção de se manterem anônimos e,

simultaneamente, permanecerem próximos ao governador com intuito de sondar suas

ações e informações que pudessem favorecer a causa rebelde. Assumar, por sua vez,

também usou da arte da dissimulação ao encobrir, com astúcia, seu conhecimento das

armações dos amotinados, visando a obter alguma vantagem dessa situação sobre seus

inimigos. Quanto aos boatos, foram um recurso fundamental à ação dos líderes que, ao

veicularem conteúdos difamatórios contra o conde, acusando-o de ser mau governante,

insuflavam os ânimos dos povos contra ele. Assim, a dissimulação e os boatos foram

mecanismos que serviram bem aos propósitos dos cabeças, que tencionavam a saída do

conde D. Pedro de Almeida do governo das Minas, mas não desejavam demonstrar

publicamente suas ambições, sobretudo, para não se indisporem com o rei de Portugal.

Page 143: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

142

Destarte, no primeiro capítulo deste trabalho, apresentamos a discussão em torno

do aparecimento e da manifestação de um comportamento político característico do

reino português, sobretudo a partir de sua separação da Espanha, em 1640, que ressoou

nos domínios ultramarinos e que se demonstrou através da natureza das relações sociais

e, principalmente, das relações de poder, estabelecidas entre os colonos e as autoridades

régias, quando da análise dos principais motins ocorridos na primeira metade do século

XVIII. Tal pensamento político defendia que os povos tinham o direito natural de se

levantar, em defesa do bem comum, contra o mal governante que os oprimisse. O que se

deu em Vila Rica, em 1720, foi similar ao que ocorreu em Portugal naquela época, já

que a população se levantou em defesa dos direitos costumeiros, mormente, contra as

mudanças fiscais. Como visto, as elites souberam bem se valer dessas formulações

políticas para acusar o governador D. Pedro de Almeida de tirania, o que legitimaria a

sua expulsão do governo das Minas. Ressaltamos, entretanto, que os homens da elite

local envolvidos nos motins estavam insatisfeitos, na verdade, era com o fato de verem

seus privilégios e sua influência política serem minorados em função da presença mais

forte de um poder centralizador, representada naquele momento pela figura do conde de

Assumar, e pretendiam, por meio da realização dos motins, desestabilizá-lo, difamando-

o em face dos povos.

No segundo capítulo, partindo da análise do Discurso Histórico e Político Sobre

a Sublevação que nas Minas Houve no Ano de 1720 e outros documentos, sobretudo os

da Seção Colonial, problematizamos os motivos apresentados pelo conde de Assumar

para a aplicação da punição dada aos revoltosos. Visando a justificar as suas ações na

condução do governo durante os motins, além da punição infligida por ele aos

revoltosos, considerada ilegal, já que fora consumada antes do julgamento, e

exacerbada, já que um homem branco português fora executado sumariamente, Assumar

criticou a brandura das leis gerais e da postura do rei, que sempre perdoava os

amotinados com a preocupação de não parecer injusto, já que a tradição política sob a

qual vivia era a do combate à tirania. Por sua parte, o conde defendeu no seu discurso a

existência de limites a sua atuação, asseverando que nem só através da cautela e da

prudência se garantiria a ordem e o sossego públicos, sendo que em certas ocasiões o

castigo se faria necessário, que por vezes seria a única solução para as crises de poder.

Desse modo, a defesa de Assumar se concentrou na afirmação de que apenas o castigo

Page 144: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

143

debelaria a revolta e que o mesmo seria didático, já que serviria de exemplo para inibir

futuras desordens.

Finalmente, no terceiro capítulo, evidenciamos a presença e a importância da

dissimulação nas ações dos líderes rebeldes, que buscavam encobrir suas malícias e

maquinações. Além disso, insuflavam os motins, inquietando a população, por meio da

boataria, almejando desestabilizar o governo do conde sem, contudo, incorrerem em

crime de lesa-majestade ou se indisporem com o monarca. Os líderes lançaram mão de

vários boatos, com o objetivo de criar um ambiente de desconfiança na capacidade

governativa de Assumar, visavam a desdizer tudo o que era dito pelo governador,

desacreditar suas ações e, entre outras coisas, criar situações conflituosas, que o

taxassem de tirânico, o que legitimaria a sua expulsão das Minas. Contudo, o

governador, já ciente das armações dos cabeças, teve o cuidado de publicar editais

desmentindo, o mais rápido possível, o que era veiculado pelas vozes sediciosas. Assim,

anulada a estratégia dos amotinados, eles partiram para o confronto aberto, como única

opção de assegurar seus interesses e influência política na região.

O conde de Assumar, por sua vez, também recorreu à dissimulação, para fazer

frente às investidas dos amotinados. Em várias passagens, dissimulou acreditar nos

avisos falsos e encenações dos líderes da revolta, inclusive membros de seu governo,

sempre buscando desbaratar a estratégia de ação dos oponentes, sem se mostrar

conhecedor de seus planos. Ao contrário, incumbia-os de pôr fim aos motins,

lembrando-os de que se tratava de sua obrigação, como fiéis vassalos do rei,

salvaguardar o governo. Assumar agia assim, também, em nome da prudência, na

medida em que ainda não contava com contingente armado suficiente para enfrentar os

grupos armados dos potentados amotinados, portanto, evitando um embate direto, com

o qual teve, fatalmente, que se deparar.

Diante do fracasso das negociações, da resistência dos líderes amotinados e da

sucessão dos tumultos, Assumar impôs a ordem pública através da força militar. Nesse

sentido, ordenou a imediata prisão dos principais líderes do motim, Pascoal da Silva

Guimarães, Sebastião da Veiga Cabral, Manuel Mosqueira da Rosa, bem como, dos

freis Vicente Botelho e Francisco do Monte Alverne. A prisão desses homens

desencadeou novos motins. Assim, generalizada a desordem, o conde dirigiu-se para

Vila Rica com alguns poderosos locais, acompanhados de seus negros armados, e com a

Page 145: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

144

companhia da tropa de dragões, a fim de controlar as inquietações e garantir o sossego

público. A contenção do motim de Vila Rica, desse modo, não ficou apenas a cargo do

governador e suas tropas de dragões. Ele contou, também, com o auxílio das milícias de

escravos de alguns homens poderosos que, não estando envolvidos nos levantes,

rapidamente atenderam ao chamado do governador, vindo acudi-lo no desmonte da

desordem que tomara a vila. Com o início de outro motim, no sítio de Cachoeira do

Campo, prendeu-se Filipe dos Santos, acusado de ser o cabeça e o instigador do

levantamento. Réu confesso, e preso em flagrante, foi sentenciado à forca. O recurso à

violência como forma de salvaguardar o poder real nas Minas foi pelo conde

sumamente valorizado, todavia, teve o cuidado de ressaltar ao rei de Portugal, que foi

um governador prudente e cauteloso, que tudo fez para que o fim dos motins ocorresse

de forma pacífica, mas que, por rebeldia dos sublevados, o castigo severo fazia-se

urgente.

Page 146: modelo de dissertação do programa de pós-graduação em letras

145

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