modelos Ético-políticos em face da crise ecológica

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    ESTUDO DE MODELOS TICO-POLTICOS EM FACE DA CRISE ECOLGICA:

    UMA QUESTO DE ORDEM PARA A PSICOLOGIA CONTEMPORNEA

    Marcelo Henrique Oliveira Henklain1 Universidade Estadual de Londrina

    Ari Bassi do Nascimento2 Universidade Estadual de Londrina

    Palavras-chave:Crise ecolgica, tica, Psicologia

    De acordo com estudo realizado pela WWF em 2008 (The Living Planet Report),

    atualmente cada ser humano precisa para viver de 2,7 hectares de rea biologicamenteprodutiva da Terra (o que inclui a rea agrcola e de florestas, os oceanos e rios, e parte da

    biosfera), embora o planeta disponha apenas de 2,1 hectares por pessoa. Essa diferena entre

    os recursos disponveis e a pegada ecolgica humana conhecida como dbito ambiental. A

    humanidade, provavelmente, passou a devedora da biosfera no fim dos anos 1980. Nos

    ltimos 45 anos, a pegada ecolgica mais que dobrou, devido ao crescimento da populao e

    do padro de consumo.

    No campo da tica, da poltica e da psicologia parece importante compreender as

    condies histricas que permitiram o surgimento dessa relao no sustentvel do homem

    diante da natureza, no sentido de desenvolver solues para esse problema. Pensando nisso,

    este estudo buscou apresentar um quadro histrico geral da relao do homem ocidental com

    a natureza, para ento apontar alguns aspectos do pensamento de Singer, Skinner e Apel a

    respeito da interface entre tica e crise ecolgica. Com isso, o que se espera poder conhecer

    um pouco melhor as discusses sobre tica e meio ambiente e, desta forma, contribuir para a

    compreenso e mudana do comportamento humano no sustentvel, seguramente rea de

    inegvel interesse para a psicologia contempornea.

    Para alcanar esses objetivos, o mtodo envolveu uma anlise bibliogrfica de textos

    que relacionam tica e meio ambiente por meio das seguintes palavras-chave: tica, crise

    ecolgica e psicologia; foi realizada tambm uma pesquisa por nomes de autores, no caso,

    Apel, Singer e Skinner. O levantamento bibliogrfico foi feito por meio de pesquisa no banco

    de dados da biblioteca da Universidade Estadual de Londrina e em sitesde busca na internet.

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    Graduando do quarto ano de psicologia da Universidade Estadual de Londrina. Rua: Benjamin Constant, 1974,Centro, Londrina-PR. E-mail: [email protected] do Departamento de Psicologia geral e Anlise do Comportamento, CCB, UEL. E-mail: [email protected]

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    Nesse contexto, observou-se a importncia de se estudar as transformaes nas

    prticas sociais provocadas pela Primeira Revoluo Industrial (sc. XVIII), bem como

    considerar o papel da tradio ocidental (tica crist) enquanto instituio que contribuiu paralegitimar a dominao humana sobre a natureza.

    Foi a partir da Revoluo Industrial que surgiu a idia de que o bem-estar e o statusde

    importncia do homem s podem ser conquistados s custas de agregao de valores ao eu, o

    que se d por meio do acmulo de bens materiais produzidos pelas indstrias de

    transformao; sendo que essa idia, aliada a um modelo tico cristo orientado pelo binmio

    reproduo-acumulao de capitais, incentivou a explorao direta e ininterrupta dos recursos

    naturais, sem que se considerassem as possibilidades catastrficas que adviriam da destruioda natureza. Diante disso, variveis como o baixo custo da manuteno desse modelo

    produtivo e as exigncias de constante crescimento econmico, dificultam o surgimento de

    alternativas viveis e substantivas para lidar com a crise ambiental, sobretudo, no que

    concerne a aes em escala planetria.

    No que diz respeito tradio ocidental (produto das posies defendidas pelos

    hebreus e pela filosofia aristotlica), verificou-se que ela enxerga a natureza como recurso do

    qual o homem pode dispor de acordo com a sua vontade. Segundo essa viso, o homem seria

    o nico ser moralmente importante deste mundo. Conseqentemente, a destruio do mundo

    natural no constituiria pecado ou problema tico, desde que no implicasse em prejuzo para

    outro homem. Apesar disso, o que se observa ao longo da histria e, sobretudo, nos ltimos

    tempos foi uma desconsiderao, em primeiro lugar, dos efeitos que a destruio da natureza

    poderia trazer para o homem em parte porque esses efeitos s so percebidos em longo

    prazo e, em segundo lugar, a desconsiderao do bem-estar das geraes futuras em favor

    da produo de bens econmicos imediatos.

    Diante desse cenrio, Apel (1994) sugeriu que a crise ecolgica, por possuir

    dimenses planetrias, exige aes conjuntas de mesma magnitude. possvel, como ele

    pondera, que pela primeira vez na histria da humanidade os homens e mulheres de todo o

    planeta estejam interligados por um destino comum, ao menos no que concerne aos riscos

    decorrentes, por exemplo, das catstrofes naturais e do perigo potencial de extino da

    espcie humana em face da crise ecolgica. Para ele, o destino ecolgico comum poder-

    se-ia pensar deveria encher os habitantes do planeta com o sentimento de solidariedade

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    prprio daqueles que esto num mesmo barco, e predisp-los a subordinar todos os interesses

    divergentes ao interesse comum pela sobrevivncia (p. 168).

    Ainda assim, o autor admite que no h possibilidade de uma tica da solidariedadeintersubjetivamente vinculada ter chances de agregar as sociedades em torno de aes cujos

    objetivos sejam comuns a todos. Afinal, essa tica parte do pressuposto de que cada sociedade

    no planeta seria perfeita, no sentido de ser constituda por homens livres, conscientes e

    maduros, capazes de fazer prevalecer sempre a lgica do melhor argumento possvel.

    Imerso nessas questes, Singer (2002) se preocupa, sobretudo, com a relao do

    homem diante dos demais animais, e coloca a preservao e cuidado da natureza como

    condies para a existncia da vida dos seres vivos. O autor adota uma perspectiva utilitaristafundada no princpio do bem-estar mximo, prescrevendo uma ao que deve ser orientada

    sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar para o conjunto dos seres

    sencientes (dotados de interesses), e, nesse momento, defende que o homem no seria o nico

    ser dotado de valor intrnseco e moralmente importante deste planeta porque arbitrria a

    deciso de coloc-lo nessa condio.

    Para Singer (2002), a capacidade de sofrimento a caracterstica vital que confere a

    um ser o direito a igual considerao. Se um organismo pode sofrer no h qualquer razo

    moral para no se considerar esse sofrimento. Portanto, numa anlise de custos e benefcios

    do desmatamento devem-se considerar os interessese necessidades dos animais, bem como

    os nveis de sofrimento a que eles sero expostos em funo da destruio de seu habitat

    natural. Conseqentemente, toda discriminao em relao a qualquer ser senciente deve ser

    considerada como falta tica.

    O critrio da sencincia importante. Entretanto, da no se deduz o valor intrnseco

    do meio ambiente, mas tambm no se autoriza sua destruio, afinal, o ambiente possui, no

    mnimo, valor instrumental para os seres sencientes porque indispensvel continuidade ou

    manuteno da vida. Alm disso, a natureza possui outros valores, como valor de raridade,

    valor esttico, cientfico e cultural. Uma justificativa adicional para a preservao do

    ambiente em longo prazo, diz que dever de todos garantir s geraes seguintes a

    possibilidade de conhecerem e usufrurem os bens produzidos pela natureza.

    Desta forma, se o que se quer a preservao da natureza, requer-se a construo de

    uma tica que no avalie o homem pela quantidade de bens consumidos ou acumulados, e sim

    pelo seu sucesso pessoal mediante o desenvolvimento de aptides individuais. Essa tica

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    dever rever atividades que envolvam extravagncias e dever investir no prazer obtido nas

    relaes interpessoais em vez de priorizar o prazer produzido pelo consumo de bens materiais.

    Essas sugestes buscam valorizar prticas sociais incompatveis com as prticas engendradase enaltecidas pela Revoluo Industrial (Singer, 2002).

    De Skinner (1981), d-se a entender que o tema tica e meio ambiente s pode ser

    pensado a partir das aes humanas e os seus efeitos, e que tal discusso est,

    inevitavelmente, relacionada com a capacidade humana de modificar o seu prprio

    comportamento. No campo da tica, Skinner (1981) considera que todo tipo de bem tico

    conseqncia de uma ao, que pode resultar em efeitos distintos, definidos a partir da noo

    dos nveis seletivos: filogentico, ontogentico e cultural. Assim, existem bens que soresultantes de condutas que promovem a sobrevivncia da espcie (filognese), existem

    aqueles que promovem, por meio dos reforos recprocos, a formao de vnculos entre os

    homens (ontognese) e os bens que so produto de prticas sociais que contribuem para a

    sobrevivncia das culturas humanas; para Skinner esse um bem tico por excelncia.

    A partir dessas noes, possvel falar sobre a crise ecolgica enquanto um problema

    que coloca em risco a sobrevivncia da espcie humana e de suas diversas culturas, sendo

    essa condio, ao menos em parte, resultado do comportamento humano. Conseqentemente,

    conquistar os bens citados por Skinner (1981) requer mudanas de comportamentos voltados

    para a transformao de nossas prticas sociais vigentes.

    Nesta linha de raciocnio, equacionar o problema da crise ecolgica (para garantir a

    sobrevivncia das culturas humanas) seria, grosso modo, uma questo de modificar prticas

    sociais no sustentveis em prticas sustentveis, o que, por fim, implica no desenvolvimento

    de uma tecnologia de modificao do comportamento pautada num planejamento cultural.

    Uma das estratgias que podem ser usadas nesse planejamento o desenvolvimento de

    polticas pblicas pr-sustentabilidade, desde que elas no se restrinjam s campanhas de

    conscientizao das pessoas. Afinal, a mera descrio de contingncias, aplicada a uma

    situao em que as conseqncias para o comportamento de preservar a natureza so atrasadas

    temporalmente no funciona como controle efetivo desse comportamento.

    Logo, ser perigosa a crena de que o problema da ao humana no sustentvel uma

    questo de falta de conscincia ambiental. preciso considerar tambm os custos e benefcios

    envolvidos nas prticas sustentveis e no sustentveis. De modo geral, aqueles

    comportamentos que produzem maiores benefcios imediatos com menores custos tendem a

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    ser selecionados em detrimento de comportamentos mais custosos e cujos benefcios so

    afastados temporalmente dos comportamentos que os produziram.

    Desta forma, as polticas pblicas deveriam utilizar estratgias capazes de tornarprticas sociais de preservao natureza mais provveis. Isso poderia ser feito por meio de

    leis de incentivo coleta e separao seletiva de lixo, educao ambiental desde o momento

    em que as crianas entram na escola, bem como uma legislao que obrigue as empresas a

    polurem menos e a colaborarem mais com a preservao da natureza.

    Nesse processo, o prprio funcionamento do sistema capitalista dificulta a mudana

    das prticas sociais, pois exige crescimentos econmicos cada vez maiores e,

    conseqentemente, maior consumo de bens e recursos naturais. Nesse aspecto, caberia aoanalista do comportamento o papel de realizar a crtica dessas prticas sociais e seus modelos

    de progresso, para ento colaborar com o desenvolvimento de um amplo planejamento das

    culturas humanas no sentido de oferecer alternativas coerentes para mudanas sociais

    substantivas.

    Verifica-se que, historicamente, a aliana entre a tica crist (tradio ocidental) e o

    modelo produtivo de base capitalista pode ser apontada como varivel relevante para a

    legitimao do consumo no sustentvel e a destruio do meio ambiente. Diante disso,

    Singer defendeu a importncia de se considerar todos os animais enquanto seres moralmente

    relevantes e a natureza como recurso que no se pode destruir sob pena de arriscar a

    sobrevivncia de todas as espcies animais, inclusive, a humana.

    Adicionalmente, Apel afirma ser cogente a adoo de prticas sustentveis em escala

    planetria, o que deveria ser feito com base num modelo tico pautado nos interesses comuns

    de todos os seres humanos. Todavia, acaba por admitir a impossibilidade de efetivao desse

    modelo tico. Skinner identifica os problemas histricos nas estratgias de modificao do

    comportamento humano e prope meios efetivos para que se produzam mudanas sociais

    eficientes, no intuito de garantir a sobrevivncia das culturas humanas, que dependero das

    decises presentes relativas ao equacionamento da crise ecolgica.

    Referncias

    APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Trad. Benno Dischinger. Petrpolis: Vozes,1994.

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    COGGIOLA, Osvaldo. Crise ecolgica, biotecnologia e imperialismo. Insrolux, 2006.Disponvel em: . Acesso em: 5 jun.2008.

    KUHNEN, T. A. Do valor intrnseco e de sua aplicabilidade ao meio ambiente.Florianpolis: Ethic@, v.3, n.3, p. 255-273, 2004. Disponvel em:. Acesso em: 31 mai. 2008.

    SINGER, Peter. O meio ambiente. In: SINGER, Peter. tica prtica. 3 ed. So Paulo: MartinsFontes, 2002, cap. 10, p. 279-304.

    SKINNER, B. F. (1953/1981). Cincia e Comportamento Humano. 5 ed. Trad. Joo CludioTodorov e Rodolpho Azzi. So Paulo: Martins Fontes, 1981.

    WORLD WILDLIFE FUND (WWF). The Living Planet Report. WWF, 2008. Disponvel em:. Acesso em: 10 outubro2008.