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Curso Ciência e Fé Módulo IIIB Ciência Medieval © Bernardo Motta [email protected] http://espectadores.blogspot.com

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Page 1: Módulo iiib   ciência medieval

Curso Ciência e FéMódulo IIIB – Ciência Medieval

© Bernardo Motta

[email protected]

http://espectadores.blogspot.com

Page 2: Módulo iiib   ciência medieval

Curso Ciência e Fé

I – Introdução

II – Filosofia Grega e Cosmologia Grega

III – Filosofia Medieval e Ciência Medieval

IV – Inquisição e Ciência

V e VI – O Caso Galileu

VII – A Revolução Científica

VIII – Darwin e a Igreja Católica

IX – Os Argumentos Cosmológico e Teleológico

X – Filosofia da Mente e Inteligência Artificial

XI – Milagres e Ciência

XII – Concordância entre Cristianismo e Ciência

Page 3: Módulo iiib   ciência medieval

3

1. Introdução

2. O cristianismo primitivo e o conhecimento grego

3. Santo Agostinho

4. Ciência Medieval

5. São Tomás de Aquino

6. Conclusão

Índice

3

Page 4: Módulo iiib   ciência medieval

Boécio e Cassiodoro

Âncio Mânlio Severino Boécio (c. 480-525 d.C.), nascido em Roma logo após a deposição do último Imperador Romano do Ocidente, Rómulo Augusto (476 d.C.)

Boécio foi um dos maiores enciclopedistas latinos

Deixou ampla obra sobre o “quadrivium” (termo seu), as quarto “artes liberais” de base matemática: álgebra, geometria, música e astronomia

Sobreviveram tratados sobre música, aritmética e geometria, traduções e comentários de tratados lógicos de Aristóteles

Boécio é considerado o “professor de lógica” da Idade Média até ao séc. XIII

Deixou uma forma rigorosa de fazer teologia (ex. “De Trinitate”), conciliada sempre que possível com a razão: “fidem si poteris rationemque conjuge”

“A consolação da Filosofia”, obra muito influente em toda a Idade Média

Cassiodoro (c. 488-575 d.C.), estadista romano, nascido na Calábria

Depois de uma longa vida pública, funda o mosteiro de Vivarium

Institutiones Divinarum et Saecularium Litterarum (543-555)

Obra pedagógica, serviu como programa de ensino para os monges de Vivarium

O livro II, uma enciclopédia das “artes”, marcou o ensino monástico medieval

Surge mais tarde em obra separada: De Artibus ac Disciplinis Liberalium Litterarum

Ciência Medieval

44

Page 5: Módulo iiib   ciência medieval

Santo Isidoro, Bispo de Sevilha (c. 560-636 d.C.)

Recebe a sua educação (“trivium” e “quadrivium”) na Catedral de Sevilha

Papel central na conversão dos visigodos (arianos) ao catolicismo

Com a ocupação visigótica da Hispânia (séc. V), as estruturas romanas

de educação e cultura estavam em erosão

No Quarto Concílio de Toledo (5 de Dezembro de 633), estando presentes

todos os Bispos da Hispânia, Isidoro conseguiu:

Que todas as catedrais da Hispânia tivessem um seminário

O modelo escolar seria o mesmo do da Catedral de Sevilha

A sua obra Etimologias (20 volumes) era um compêndio do saber clássico

Esse compêndio era uma “colagem” de conteúdos cristãos e pagãos

As Etimologias foram muito populares durante nove séculos, até ao século XV

Escreveu De natura rerum, obra dedicada ao rei visigodo Sisebuto, sobre

astronomia e filosofia natural

Santo Isidoro de Sevilha é o patrono dos estudantes

A sua obra sobre teologia moral e dogmática apoia-se em São Gregório

Magno (Gregório I) e em Santo Agostinho

Ciência Medieval

5

Primeira edição impressa das

Etimologias – 1472 (Augsburgo)

5

Page 6: Módulo iiib   ciência medieval

São Beda, o Venerável

Beda (c. 672-735 d.C.) foi monge dos mosteiros gémeos de São Pedro e

São Paulo de Wearmouth-Jarrow (Sunderland e Newcastle, Inglaterra)

Teólogo, historiador, filósofo, foi declarado Doutor da Igreja (Leão XIII)

As ilhas britânicas nunca foram bem integradas no Império, e são os

missionários e os monges quem leva para lá a cultura clássica grego-romana

O fundador dos mosteiros, Benedict Biscop (c. 628-690), trouxe de Roma

uma importante biblioteca, “ad instructionem ecclesiae necessariam”

Com base nela, Beda escreve Historia ecclesiastica gentis Anglorum (c. 731)

Escreveu três obras sobre o tempo as suas divisões, contendo:

Cálculo da data da Páscoa com base na astronomia

Ciclos das marés e sua relação com as fases da Lua

Nessas obras, Beda defende a tese clássica (grega) da Terra esférica

Escreve a enciclopédia De rerum natura, ou “Sobre a natureza das coisas”

Ciência Medieval

6

Da Crónica de Nuremberga (1493)

6

Page 7: Módulo iiib   ciência medieval

Alcuíno e o “Renascimento Carolíngio”

Alcuíno de York (c.730/740-804 d.C.)

Figura de proa do “renascimento carolíngio”

Formou-se na escola da Catedral de York

Convidado por Carlos Magno para ser o mestre da corte carolíngia

Carlos Magno (742-814) promoveu um importante “renascimento” cultural:

Na língua, unificando a escrita através do carolíngio minúsculo

Na música, unificando o canto litúrgico e a escrita musical

Na arquitectura, criando um estilo próprio (carolíngio)

Nas artes decorativas (mosaicos, iluminuras, esculturas, frescos, etc.)

Em 782, Alcuíno reorganiza a escola do palácio de Carlos Magno, em Aachen

Alcuíno introduz as artes liberais (o “trivium” e o “quadrivium”) e revoluciona o ensino da corte carolíngia

Alcuíno foi o mestre de Carlos Magno, e dos seus dois filhos, Pepino e Luís

Ele trouxe a cultura latina, preservada em Inglaterra, para o reino Franco

Homem de forte fé cristã, convenceu Carlos Magno a abandonar a prática de conversões forçadas (797)

Ciência Medieval

7

Manuscriptum Fuldense (c. 831/40)

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Page 8: Módulo iiib   ciência medieval

Silvestre II (c. 946-1003), o Papa matemático

Gerberto de Aurillac nasceu em Belliac (hoje em Saint-Simon, França)

963: entra no mosteiro de São Geraldo de Aurillac

967-969: está em Barcelona, onde terá obtido os seus conhecimentos de

matemática, astronomia e de cultura árabe a partir de professores árabes

969: está em Roma onde conhece o Papa João XIII e o Imperador Otto I

Gerberto é nomeado tutor do futuro Imperador Otto II, filho de Otto I

995: Gerberto parte para Itália para ser o tutor de Otto III (980-1002)

999: por escolha de Otto III, Gerberto é eleito Papa

Enquanto Papa, tomou medidas enérgicas contra a simonia e o concubinato

Em 1001, a população de Roma revolta-se contra Otto III e Silvestre II

foge para Ravena juntamente com Otto III

Contribuições de Gerberto de Aurillac:

Adopção da numeração árabe

Adopção de um ábaco árabe, que se divulgou em toda a Europa

Reintrodução da esfera armilar, desaparecida desde a queda de Roma

Escreveu várias obras sobre temas do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música)

Ciência Medieval

8

De Geometria, Baviera, Séc. XII

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Page 9: Módulo iiib   ciência medieval

Anselmo de Cantuária (c. 1033-1109 d.C.)

Nasceu em Aosta (Alpes italianos), monge beneditino, filósofo e teólogo

Arcebispo de Cantuária (1093-1109), Doutor da Igreja (Clemente XI, 1720)

Defende a visão agostiniana da relação entre fé e razão

Procura demonstrar racionalmente a existência de Deus

Argumento “a priori”, ou “ontológico”:

1. Definição: Deus é o ser maior que se pode conceber

2. Deus, assim concebido, existe como ideia no intelecto

3. Algo é maior se existir realmente, e não apenas no intelecto

4. Logo, pela definição, Deus existe realmente, e não apenas no intelecto

Os argumentos ontológicos, apesar da avalanche de críticas, ainda hoje são defendidos por filósofos

Versões famosas do argumento: Descartes, Leibniz, Gödel, Plantinga (1974)

Ciência Medieval

9

«Na verdade, não procuro antes compreender para crer, mas creio

para compreender. Pois também creio nisto: “se não acreditar, não

compreenderei”» - Proslogion, I

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Page 10: Módulo iiib   ciência medieval

As traduções medievais do “corpus aristotelicum” (séc. XII)

Contexto (séculos X e XI):

Fim das invasões Viking (últimas incursões no século XI)

Prosperidade agrícola e comercial, invenções importantes (ferradura, arado com cunha em ferro)

Maturidade teológica:

Deus cria a Natureza como entidade auto-operante, uma “machina” seguindo o seu curso normal

O “Corpus Aristotelicum”

Lógica (“Organon”): o “órgão” que permite “trabalhar” as restantes áreas do saber

Até ao século XII apenas chegaram as obras “Categorias” e “Da interpretação” (trad. Boécio)

Tudo o resto desapareceu, à medida que cada vez menos pessoas sabiam ler grego (>séc. V)

Os Analíticos Posteriores são traduzidos do grego e do árabe no séc. XII

Física

Metafísica

Ética e Política

Retórica e Poética

E Platão?

Durante toda a Idade Média, só estava disponível a tradução de metade do Timeu

Ciência Medieval

1010

Page 11: Módulo iiib   ciência medieval

As traduções medievais do “corpus aristotelicum” (séc. XII)

As traduções árabes de textos gregos só foram terminadas no século X

A larga maioria foi feita na parte oriental do Islão (sobretudo Bagdade)

As traduções entraram na Europa pelo Sul, mas a Reconquista (séc. XI) atrasou o processo

Física: predominam as traduções do grego (fontes bizantinas, mais fiáveis) para o latim

Physica: 371 manuscritos do grego e 134 do árabe

De Caelo: 190 manuscritos do grego e 173 do árabe

De Generatione et Corruptione: 308 manuscritos do grego e 48 do árabe

Meteorologica: 175 manuscritos do grego e 113 do árabe

De Anima: 423 manuscritos do grego e 118 do árabe

Importantes tradutores do grego para o latim

Séc. VI: Boécio (Roma)

Séc. XII: Jaime de Veneza (Constantinopla), Henrique Arístipo (Catânia, Sicília), “Ioannes Hispanicus” e Domingos Gundisalvo (Toledo)

Séc. XIII: Roberto Grosseteste (Oxford), Guilherme de Moerbeke (Corinto, Grécia)

Importantes tradutores do árabe para o latim

Gerardo de Cremona (séc. XII, Toledo) e Miguel Escoto (séc. XIII, Toledo)

Ciência Medieval

1111

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Ibn Rushd (1126-1198), ou Averróis

Natural de Córdova, no Al-Andalus, morreu em Marraquexe, Marrocos

Fiel seguidor de Aristóteles, escreveu vários comentários à sua obra

São Tomás de Aquino chamava-o “O Comentador”

Averróis considerava perfeita e completa a obra de Aristóteles

O averroísmo teve enorme peso no Ocidente e quase nenhum no Islão

Ideias-chave do averroísmo

Eternidade do Mundo (de acordo com a Física, de Aristóteles)

A alma individual não é imortal (a opinião de Aristóteles é incerta)

O intelecto humano é uno (“monopsiquismo”, que Aristóteles nunca defendeu)

Averroístas importantes

Sigério de Brabante, professor em Paris, acusado de defender a “dupla verdade”

Boécio de Dácia, colega de Sigério, também professor em Paris

O averroísmo, pelo que teve de servilismo nocivo, levou Duhem a adoptar esta posição radical:

Ciência Medieval

12

Estátua de Averróis em Córdova

«Não há ciência Árabe (…) eles [os sábios árabes] não acrescentaram nada de essencial às teorias

astronómicas (…) Em Física, os sábios Árabes limitaram-se a comentários às afirmações de

Aristóteles, sendo por vezes a sua atitude de absoluto servilismo.» - Pierre Duhem12

Page 13: Módulo iiib   ciência medieval

As primeiras Universidades (c. 1200 d.C.)

Bolonha

Paris (população de cerca de 1.000-1.200 alunos)

Oxford

Aproximadamente 750.000 alunos entre 1350 e 1500

Mais de 700 universidades por volta do ano 1500

Grau de Mestre em Artes:

Trivium: Dialéctica (Lógica), Retórica, Gramática

As “três filosofias”: Natural, Moral, Metafísica

Quadrivium: Aritmética, Geometria, Música, Astronomia

Grau de Doutor:

Teologia

Medicina

Direito

Ciência Medieval

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O Hortus Deliciarum, de Herrad von Landsberg (1130-1195)

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Page 14: Módulo iiib   ciência medieval

As condenações de Etienne Tempier (?-1279), Bispo de Paris

Antecedentes: 1210

Sínodo diocesano (Sens) decreta que as obras de Filosofia Natural de

Aristóteles não podem ser lidas, sob pena de excomunhão

Âmbito do decreto: Paris (era então Bispo Pedro de Nemours)

1215: a interdição é especificada para a Universidade de Paris

1255: fim da interdição

Antecedentes: 1270

Por esta altura, já ninguém ligava ao decreto de Sens, e o averroísmo tinha grande peso em Paris

Etienne Tempier, em reunião com vários teólogos, condena treze proposições aristotélicas e averroístas

Unidade do intelecto humano

Eternidade do mundo

Eternidade do género humano, entre outras

Alvos? Sigério de Brabante e Boécio de Dácia, figuras de proa do averroísmo parisiense

Estes argumentavam que as polémicas proposições filosóficas podiam ser “verdadeiras em Filosofia”

Tempier acusava (com alguma razão) os averroístas de defenderem a “dupla verdade” (contraditória)

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Etienne Tempier

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Page 15: Módulo iiib   ciência medieval

As condenações de Etienne Tempier (?-1279), Bispo de Paris

1277 (7 de Março)

O Papa João XXI (n. Lisboa, c. 1215-1277) escreve a Tempier, em Fevereiro,

preocupado com as controvérsias em Paris

Tempier já estava a preparar, com um grupo de consultores, a condenação

de 219 teses, que ocorre em Março, pouco depois da carta de João XXI

Algumas das condenações pretendem vincar o poder absoluto de Deus:

Que nada acontece por acaso, mas que tudo ocorre necessariamente (21)

Que a primeira causa [Deus] não poderia fazer vários mundos (34)

Que Deus não pode ser a causa de um novo acto [ou coisa] (48)

Que Deus não poderia mover os céus num movimento rectilíneo, porque deixaria um vácuo (49)

Algumas das condenações visam a astrologia e a adivinhação

Algumas das condenações atacam o desprezo que alguns filósofos tinham por teologia (152-154)

Ciência Medieval

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Papa João XXI

Pluralidade dos mundos (34)

• Aristóteles negava-a por causa da sua teoria da

gravidade; abre-se a via para uma nova teoria

Possibilidade teórica do vácuo (49)

• Aristóteles dizia que o movimento rectilíneo

celestial era impossível pois criaria vácuo

Importância para a Física

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Page 16: Módulo iiib   ciência medieval

Ciência Medieval

Cronologia resumida da Universidade de Paris na Idade Média

1200 1210 1220 1230 1240 1250 1260 1270 1280

1200: Reconhecimento

papal da Universidade

(existiria pelo menos desde

1170 como uma “guilda” –

“universitas” – de mestres e

alunos erigida em torno de

Notre Dame)

Início das traduções de

Aristóteles

1210: Proibição do Sínodo

Provincial de Sens

O Sínodo proíbe a leitura pública

ou privada das obras de Filosofia

Natural de Aristóteles. O âmbito

da proibição era local, restringia

os mestres e alunos da

Faculdade de Artes de Paris.

1245-48: São Tomás de

Aquino é aluno de São

Alberto Magno em Paris

1252: São Tomás de

volta a Paris

1256: Grau de Mestre

1258-1268: São

Tomás escreve a

Suma contra os

Gentios

1277: 219 proposições

condenadas por Tempier

A pedido do Papa João XXI,

Tempier investiga as polémicas

na Universidade de Paris e

publica uma enorme lista de

proposições condenadas

16

1270: Treze proposições

condenadas por Tempier

O Bispo Étienne Tempier

condena treze proposições

aristotélicas e averroístas, entre

elas a da unidade do intelecto

humano (contra os averroístas), e

a da eternidade do mundo

1266-1273: São Tomás escreve

a Suma Teológica (†1274)

1269-1272: São

Tomás regente da

Universidade de

Paris; redige:

De unitate intellectu

De aeternitate mundi

Page 17: Módulo iiib   ciência medieval

Buridan e Alberto da Saxónia: uma nova física nasce na Universidade de Paris

Para Aristóteles, a velocidade de um corpo em movimento violento era proporcional à força que o movia

e inversamente proporcional à resistência ao movimento:

Esta relação implicava imediatamente que o vazio (resistência nula, R=0) geraria velocidades infinitas !

Aristóteles explicava o movimento continuado dos projécteis pela propulsão exercida pelo meio (ar)

O filósofo e teólogo João Filopono de Alexandria (490-570 d.C) sugere, no seu Comentário à Física de

Aristóteles, que o movimento continuado dos projécteis se deve a uma energia impressa ao projéctil pelo

propulsor, energia essa que se esgotava ao fim de algum tempo, mesmo sem resistência ao movimento

Ibn Sīnā, ou Avicena (c. 980-1037 d.C.), desenvolve a ideia: o “mayl” é uma “inclinação” proporcional ao

peso do projéctil transferida do propulsor para este, e que é inesgotável na ausência de resistência

Jean Buridan (c.1300-1358) estabelece uma relação matemática correcta para o “impetus”:

Alberto da Saxónia (1320-1390), aluno de Buridan, desenvolve a teoria do ímpeto e explica o

movimento violento em termos muito semelhantes ao conceito moderno de inércia:

A-B: O ímpeto horizontal domina e a acção da gravidade é insignificante

B-C: A resistência abranda a velocidade (e o ímpeto horizontal)

C-D: Sem ímpeto horizontal, a gravidade gera ímpeto vertical (queda acelerada)

Ciência Medieval

17

R

FV

VMI

17

Page 18: Módulo iiib   ciência medieval

Campano de Novara e os Elementos de Euclides

Euclides de Alexandria (c. 300 a.C.) é o autor dos Elementos, o

tratado matemático e geométrico mais influente de todos os tempos

Boécio terá traduzido os Elementos, mas a tradução não sobreviveu

c. 1120, Adelardo de Bath traduz os Elementos a partir do árabe

Campano de Novara (c. 1220-1296), foi matemático, astrónomo, astrólogo

e médico; a sua obra mais famosa é a revisão da tradução de Adelardo

Foi capelão dos Papas Urbano IV, Adriano V, Nicolau IV e Bonifácio VIII

Obras de Campano de Novara:

Elementa [de Euclides], 1255–1259

Theorica planetarum 1261–1264

Computus maior, 1268

Tractatus de sphera, depois de 1268

De quadratura circuli

De quadrante

Tres circulos in astrolapsu descriptos

Tractatus de astrologia indicaria

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1818

Page 19: Módulo iiib   ciência medieval

O Tratado da Esfera de Sacrobosco

João de Holywood, "Johannes de Sacrobosco", (c. 1195 – c. 1256)

Matemático, Professor na Universidade de Paris

A sua obra mais conhecida, o Tratado da Esfera, é uma síntese do Almagesto, de Ptolomeu

Obras de Sacrobosco:

De sphera mundi, c. 1230

Foi de leitura obrigatória em todas as Universidades europeias durante quatro séculos

Usado na Aula da Esfera (Colégio de Santo Antão, Lisboa)

De arte numerandi, c. 1225–1230

Importante obra sobre os algarismos indo-árabes e os métodos árabes de computação

De anni ratione, 1235

Obra crítica sobre o calendário juliano, apontando-lhe os erros acumulados (c. de 10 dias)

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Page 20: Módulo iiib   ciência medieval

Grosseteste e a ciência experimental

Robert Grosseteste, Bispo de Lincoln (c.1168-1253)

Filósofo, teólogo, matemático, astrónomo

1229/30-1235: professor no convento dos Franciscanos, em Oxford

Expõe o método experimental, no comentário aos Analíticos Posteriores

Como Aristóteles e Boécio, defende os dois sentidos do método:

Indutivo: das experiências às teorias

Dedutivo: das teorias às experiências (ex. Elementos de Euclides)

Subordinação das ciências à Matemática (“De lineis…”)

Contribuições para a Óptica (“De iride”)

Obras (aplicações práticas do método experimental):

De sphera (astronomia)

De luce

De accessu et recessu maris

De lineis, angulis et figuris *

De iride [i.e., do arco-íris] *

* Grosseteste conhecia as leis da reflexão e da refracção (via Ptolomeu, Algazel e Al-Kindi)

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Page 21: Módulo iiib   ciência medieval

Roger Bacon (c. 1214-1294), “doctor mirabilis”

Natural de Ilchester, Somerset, aos treze anos, matricula-se em Oxford

ca. 1237-1245, mestre na Universidade de Paris

ca. 1249: já mestre, terá entrado no “círculo” oxfordiano de Grosseteste

1256: torna-se frade franciscano e deixa de ensinar

1260: um novo estatuto franciscano impede que os frades ensinem sem

permissão prévia, mas Bacon será toda a vida um franciscano convicto

1265: Clemente IV, que já era amigo de Bacon, é eleito Papa

Clemente IV encomenda uma obra a Bacon, a Opus Majus (1267) →

Parte I: obstáculos à verdade

Parte II: relação entre filosofia e teologia (a base de todas as ciências)

Parte III: linguística, línguas bíblicas, gramática

Partes IV, V, VI: matemática, óptica e ciência experimental

Parte VII: filosofia moral e ética

No séc. XIX, a “tese do conflito” faz dele um “mártir” às mãos da Igreja

Bacon deverá ter estado preso ou em prisão domiciliária (1277-1279)

As razões são incertas, mas é consensual que não seriam científicas

Ciência Medieval

2121

Page 22: Módulo iiib   ciência medieval

Roger Bacon (c.1214-1294), “doctor mirabilis”

Ciência Medieval

22

«Quero agora apresentar os princípios da ciência experimental, pois sem experiência

nada pode ser suficientemente conhecido. Pois há dois modos de adquirir

conhecimento, pelo raciocínio e pela experiência. Raciocinar leva a uma conclusão e

faz-nos aceitar a conclusão, mas não torna certa a conclusão, e não remove a dúvida

de forma a que a mente possa descansar na intuição da verdade, a não ser que a

mente a descubra pelo método da experiência (via experientiae); pois muitos têm

argumentos relacionados com o que pode ser conhecido, mas porque não têm a

experiência, negligenciam os argumentos, e não só não evitam o que é danoso, como

não seguem o que é bom.

Pois se um homem que nunca viu um fogo provasse através de raciocínio adequado

que o fogo queima e fere as coisas e as destrói, a sua mente não ficaria satisfeita

com isso, nem esse homem evitaria o fogo, de forma a que ele pudesse provar pela

experiência que aquilo que o raciocínio ensinou. Mas quando ele tem a experiência

actual da combustão a sua mente torna-se certa e permanece na plena luz da

verdade. Assim, o raciocínio não chega, mas a experiência sim… O que Aristóteles

diz, então, de que a demonstração é um silogismo que nos faz conhecer, deve ser

entendido se a experiência dele acompanhar a demonstração, e não deve ser

entendido como [se tratasse da] mera demonstração.» Opus Majus, VI, I

22

Page 23: Módulo iiib   ciência medieval

Guilherme de Ockham (c.1288-c.1348)

Frade franciscano inglês e filósofo escolástico

Terá estudado em Oxford entre 1319 e 1321, sem completar o mestrado

Em 1323, alguém viajou de Inglaterra para a corte Papal em Avignon, para o

denunciar como herege

Em 1324, Ockham tem que se deslocar a Avignon para ser interrogado

Permanece em Avignon entre 1324 e 1328, e envolve-se em controvérsias

Em 1328, foge para Pisa com o seu superior, Miguel de Cesena, e outros

Em 1329, sob a protecção do Imperador Luís da Baviera, seguem para Munique

Excomungado por ter fugido de Avignon, Guilherme fica em Munique até à sua morte em 1347

Legado:

A “navalha de Ockham”: não se devem multiplicar as entidades para lá do necessário

A expressão é atribuída a Ockham, mas não surge na sua obra

O também chamado “princípio da economia, ou da parcimónia” é muito antigo e comum

A sua Suma de Lógica faz dele um dos mais importantes lógicos medievais

Por negar os universais, Ockham é considerado o pai do nominalismo *

Céptico acerca das causas finais: “todas as causas são imediatas”

Céptico acerca da eficácia da razão em Teologia: tendia para o fideísmo

Ciência Medieval

2323

Page 24: Módulo iiib   ciência medieval

Pierre de Maricourt (fl. 1269), “Petrus Peregrinus”

Autor do melhor exemplo de uso do método experimental no séc. XIII

Carta de Pedro Peregrino de Maricourt a Sigério de Foucaucourt,

soldado, acerca do Íman; terá sido escrita por volta de 1269

Maricourt foi o primeiro a aplicar o termo “pólo” num íman

Conteúdo:

Como identificar os pólos de um íman

Propriedades da magnetite

Efeito magnetizador da magnetite sobre o ferro

Leis da atracção e repulsão magnética

Aplicação dos conceitos a bússolas “secas” e “húmidas”

Sugestão de uma máquina de perpétuo movimento

Primeira edição impressa: 1558, Augsburgo (ed. Achilles Gasser)

William Gilbert (1554-1603) reconhece a sua dívida a Maricourt

Gilbert publica em 1600 a sua importante obra, De magnete

A medalha Petrus Peregrinus é atribuída, hoje em dia, pela European Geosciences Union (EGU) a quem

se destacar por contribuições científicas no campo do magnetismo

Ciência Medieval

2424

Page 25: Módulo iiib   ciência medieval

Os “calculadores” de Merton College, Oxford

Activos no segundo quartel do século XIV

Thomas Bradwardine (c.1290-1349)

William Heytesbury (c.1313-1372/3)

Richard Swineshead (fl. c. 1340-1354)

John Dumbleton (fl. c. 1338-1349)

Distinguiram a cinemática da dinâmica, e focaram-se a primeira

Descobriram o teorema da velocidade média, no contexto do movimento uniformemente acelerado:

Ciência Medieval

25

«As fontes até hoje publicadas provam, sem dúvida, que as principais propriedades cinemáticas dos movimentos

uniformemente acelerados, ainda [hoje] atribuídos a Galileu nos textos sobre física, foram descobertos e demonstrados

pelos académicos de Merton College… As qualidades da física Grega foram substituídas, pelo menos para os

movimentos, por quantidades numéricas que reinaram na ciência Ocidental desde então. O [seu] trabalho foi rapidamente

difundido por França, Itália, e outras partes da Europa. Quase imediatamente, Giovanni di Casale e Nicole Oresme

encontraram forma de representar os resultados geometricamente, introduzindo a ligação entre geometria e o mundo

físico que se tornou num segundo hábito característico do pensamento Ocidental...» - Clifford Truesdell

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25

Page 26: Módulo iiib   ciência medieval

Nicole Oresme, Bispo de Lisieux (c. 1320-1382)

Formula a demonstração geométrica do teorema da velocidade média

Na obra “Sobre as Configurações de Qualidades e Movimentos” (1350)

A velocidade está nas abcissas e o tempo nas ordenadas:

A área do triângulo CBA é igual à área do rectângulo AFGB

Compare-se com a mesma demonstração, feita por Galileu Galilei em 1638 →

Ao contrário de Galileu, Oresme nunca passou da demonstração geométrica

à sua aplicação a problemas reais, como ao problema dos corpos em queda

Ciência Medieval

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Nicole Oresme, Bispo de Lisieux (c. 1320-1382)

Quando em escolástica se discutiam as qualidades ou formas acidentais,

usavam-se os termos intensio vs. extensio, ou latitudo vs. longitudo

Na sua obra “Tratado da forma latitudinal”, Oresme introduz a representação

em sistemas de coordenadas ortogonais: latitudo = ordenadas, longitudo = abcissas

“Latitudo uniformis” é uma linha paralela às longitudes (abcissas)

Mostrou que o espaço percorrido por um ponto em velocidade constante

corresponde à área v x t

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t

v

)( ifif ttvxxx

27

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Buridan e Oresme sobre a rotação da Terra

Jean Buridan, no seu comentário ao De Caelo, sugere que os fenómenos

celestes podem ser explicados com a Terra parada e os céus em rotação, ou

inversamente, com a Terra em rotação e os céus parados

Sugeriu que seria mais simples se a Terra girasse, em vez dos céus

No entanto, apesar desta intuição, e devido às suas convicções físicas

(aristotélicas), rejeitou a rotação da Terra:

Oresme, comentando o De Caelo (1377), rejeita a rotação da Terra, mas dá argumentos em contrário:

1. Se a Terra rodasse, arrastaria todas as coisas terrestres com ela, incluindo o ar

2. Se a Terra rodasse, uma flecha lançada na vertical cairia na vertical (movimento composto)

3. A rotação diária da Terra far-se-ia a velocidades bem menores que as rotações celestes

Copérnico aproveitou estes argumentos na sua “Sobre as Revoluções dos Orbes Celestes” (1543)

Oresme menciona o milagre de Josué (10, 12-14): seria mais simples para Deus parar a Terra

Ciência Medieval

28

«É mais fácil mover um corpo pequeno do que [um] grande. Mas as coisas não são todas iguais, porque os corpos

terrestres, pesados, não estão adaptados ao movimento. Seria mais fácil mover água do que terra; e ainda mais fácil

mover ar; e ao ascendermos assim, os corpos celestes são, pela sua natureza, os mais fáceis de mover.»

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Page 29: Módulo iiib   ciência medieval

O grande cisma do Ocidente (1378-1417)

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O grande cisma do Ocidente (1378-1417)

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Henrique de Langenstein

Paris → Viena (1384)

A transmissão do conhecimento medieval

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Marsílio de Inghem

Paris → Heidelberg (1386)

Paulo Nicoletti de Veneza

Paris (1393?-1395?)

Oxford → Pádua (1405?-1420?)

Leva a nova física parisiense

(dinâmica do ímpeto) para Pádua

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A “biblioteca medieval” de Leonardo da Vinci (1452-1519)

Obras de Alberto da Saxónia (aluno de Jean Buridan, em Paris)

A obra De Meteora, de Themon, o Judeu (Mestre em Artes, Paris, 1349)

Obras de Jordão de Nemore (séc. XIII), autor de importantes obras científicas:

Não se sabe nada da sua nacionalidade e formação académica

As suas obras surgem pela primeira vez na Biblionomia de Ricardo de Fournival (c. 1246-70)

Elementa super demonstrationem ponderum, De ratione ponderis, Liber de ponderibus

Jordão de Nemore demonstra a lei da alavanca, e estuda os pesos em planos inclinados

Escreve vários tratados de Aritmética, Álgrebra e Geometria

Obras de Marsílio de Inghem, o professor que leva a ciência parisiense para Heidelberg (1386)

Obras do Cardeal Nicolau de Cusa (1401-1464), filósofo, teólogo, jurista, matemático e astrónomo

Ciência Medieval

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Page 33: Módulo iiib   ciência medieval

Conclusão

Traduções

Durante os séculos XII e XIII o Ocidente cristão fez a tradução da ciência e da filosofia

natural greco-árabe para latim, sem a qual não haveria grande parte do material de ensino

para os currículos preparatórios das universidades medievais.

Condições contextuais para a Revolução Científica (cfr. Edward Grant)

No início do século XIII, em Paris, Oxford e Bolonha, foram fundadas as primeiras

universidades, pouco depois de concluída a maioria das traduções; o seu currículo

preparatório (Bacharel e Mestre em Artes) incluía Lógica, Filosofia Natural, Geometria,

Aritmética, Música e Astronomia. Os graus de Doutoramento: Direito, Medicina e Teologia.

Universidades

Nas universidades medievais, não era possível obter o grau de Doutor em Teologia sem o

grau de Mestre em Artes. Este requisito produziu gerações de teólogos-filósofos, cujo

trabalho teológico exigia uma sólida competência nas Artes. Estes teólogos-filósofos

consideravam essa formação essencial para o exercício da Teologia.

Teólogos-

filósofos

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Conclusão

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Porque falhou a Ciência noutras culturas? (cfr. Toby Huff, Edward Grant)

O problema da ciência árabe

Como é que a ciência não progrediu numa cultura tão rica em ideias científicas?

Falta de estruturas académicas autónomas e “neutras” (livres do poder político e religioso)

As “madrassas” servem o fito de preservar a tradição do Islão: a Sharia (lei), os Hadiths

(ditos do Profeta), a recitação do Corão e outras áreas do saber religioso islâmico

Os professores do Islão podiam estudar, em privado, o “saber estrangeiro” (p. ex.: a filosofia

grega), e transmiti-lo de forma particular e individual a certos alunos seus, mas não o

ensinavam de forma generalizada e sistemática

Os livros do “saber estrangeiro” podiam ser preservados nas bibliotecas das “madrassas”,

mas para uso exclusivo e privado dos professores

Nunca houve uma tradição académica de conciliação da filosofia grega com o Corão, ou de

defesa filosófica da teologia islâmica: essa conciliação era tida como impossível

Todavia, os hospitais islâmicos representaram um progresso civilizacional importante

Contexto filosófico e teológico desfavorável:

Voluntarismo de Alá: o Deus do Islão não está “limitado” pela razão (cfr. Bento XVI, 2006)

Al-Gazali (1058-1111) ou Algazel: afirma que a pesquisa da verdade filosófica ou científica é

perigosa; a única verdade sólida, fora do Corão e da tradição, é a demonstrada pela Lógica34

Page 35: Módulo iiib   ciência medieval

Conclusão

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Porque falhou a Ciência noutras culturas? (cfr. Toby Huff, Joseph Needham)

O problema da ciência chinesa

Joseph Needham (1900-1995), autor da monumental obra

“Science and Civilization in China” (27 volumes, entre 1954-2008)

A história da China medieval atesta uma série de proezas técnicas

No entanto, a China não conseguiu desenvolver uma cultura científica

Uma importante razão pode estar na falta de convicção teológica na racionalidade do Cosmos

«(…) não existia a convicção de que seres pessoais e racionais seriam

capazes de soletrar, na sua inferior linguagem terrena, o divino código

de leis que ele [o Criador] tinha decretado outrora.» - Joseph Needham

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Page 36: Módulo iiib   ciência medieval

Revisão gráfica: Maria Ana Motta

Bibliografia recomendada

Edward Grant,

Os Fundamentos da Ciência

Moderna na Idade Média

(Porto Editora, 2002)

36

Régine Pernoud,

O mito da Idade Média

(Europa-América, 1989)

Etienne Gilson,

A Filosofia na Idade

Média

(São Paulo: Martins

Fontes, 1998)

Vários,

Enciclopédia Interdisci-

plinar de Ciência e Fé

(Verbo, 2009)

36