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  • WAGNER DE SOUZA LEITE MOLINA

    REFORMA DAS RELAES DE TRABALHO:

    BRASIL E MXICO

    Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientao da Profa. Mrcia de Paula Leite.

    BANCA: Profa. ngela Maria Carneiro Arajo (presidente) Prof. Dr. Iram Jcome Rodrigues Prof. Dr. Marco Aurlio Silva Santana Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corra de Moraes Prof. Dr. Jos Dari Krein Prof. Carlos Salas Paez (suplente) Prof. Eduardo de Andrade Baltar (suplente) Prof. Thomas Patrick Dwyer (suplente)

    JANEIRO 2009

  • 2

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA

    BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

    Ttulo em ingls: Work relations reform: Brazil and Mexico

    Palavras chaves em ingls (keywords) : rea de Concentrao: Cincias Sociais Titulao: Doutor em Cincias Sociais Banca examinadora:

    Data da defesa: 27-01-2009 Programa de Ps-Graduao: Cincias Sociais

    Syndicalism Labor relations Globalization

    ngela Maria Carneiro Arajo, Marco Aurlio Silva Santana, Reginaldo Carmello C.de Moraes, Iram Jcome Rodrigues, Jos Dari Krein .

    Molina, Wagner de Souza Leite M733r Reforma das relaes de trabalho: Brasil e Mxico / Wagner

    de Souza Leite Molina. - Campinas, SP : [s. n.], 2009. Orientadora: Mrcia de Paula Leite. Coorientadora: ngela Maria Carneiro Araujo. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.

    1. Sindicalismo. 2. Relaes trabalhistas. 3. Globalizao. I. Leite, Mrcia de Paula. II. Arajo, ngela Maria Carneiro. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo. (sfm/ifch)

  • 4

    Comportamento Geral

    Gonzaguinha

    Composio: Gonzaguinha

    Voc deve notar que no tem mais tutu e dizer que no est preocupado

    Voc deve lutar pela xepa da feira e dizer que est recompensado

    Voc deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado

    Voc deve rezar pelo bem do patro e esquecer que est desempregado

    Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal

    Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?

    Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal

    Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?

    Voc deve aprender a baixar a cabea

    E dizer sempre: "Muito obrigado" So palavras que ainda te deixam dizer

    Por ser homem bem disciplinado Deve pois s fazer pelo bem da Nao

    Tudo aquilo que for ordenado Pra ganhar um Fusco no juzo final

    E diploma de bem comportado

    Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal

    Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?

    Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal

    Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?

    Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal

    E um Fusco no juzo final Voc merece, voc merece

    E diploma de bem comportado

    Voc merece, voc merece

    Esquea que est desempregado Voc merece, voc merece

    Tudo vai bem, tudo legal

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar, agradeo a Mrcia de Paula Leite, orientadora na

    medida certa, que depositou grande confiana em mim, mas que sempre esteve

    acessvel e disponvel quando, no raro, precisei de ajuda;

    Agradeo tambm a Carlos Salas e Mrcio Pochmann, pelas inestimveis

    sugestes em minha qualificao, que me abriram novas perspectivas tericas,

    que acabariam compondo o eixo central de minha argumentao;

    Devo agradecer especialmente aos mexicanos, Marco Tlio e mais uma

    vez, Carlos Salas, pelo decisivo apoio logstico que me foi proporcionado, em

    minha breve e intensa passagem pelo Mxico;

    A Enrique de la Garza, meu orientador mexicano, que guiou meu olhar

    sobre os temas trabalhistas no Mxico, obviamente muito mais ricos e complexos

    do que eu havia imaginado;

    No me esquecerei de Angela Arajo e Reginaldo Moraes, que alm te

    terem sido por meio de seus textos verdadeira fonte de inspirao, tambm

    contriburam imensamente para a formao de minha banca de defesa;

    Devo destacar as condies de pesquisa garantidas pelo IFCH da Unicamp:

    sua estrutura fsica e apoio financeiro foram decisivos para a execuo de minhas

    pesquisas e viagem de campo.

    Por fim, agradeo a CAPES, que ao me prestigiar com uma bolsa de

    estudos, garantiu a dedicao necessria para que este trabalho fosse bem feito.

    Sem o apoio destas pessoas e instituies, minha tese de doutorado no

    teria passado de um projeto.

  • 6

    RESUMO

    As transformaes registradas no mundo do trabalho ao longo das ltimas

    dcadas tm sido acompanhadas de um amplo debate sobre a necessidade de se

    reformar o aparato legal que regula as relaes de trabalho, tanto no Brasil quanto no

    Mxico. Porm, o contedo destas reformas est longe de ser consensual, colocando em

    campos opostos os defensores de uma simples desregulamentao dos mercados de

    trabalho e os que defendem uma profunda reforma sindical, que leve ao fortalecimento da

    representao dos trabalhadores e a ampliao de sua autonomia de negociao.

    Entre os primeiros, predomina o diagnstico segundo o qual a inadequao do

    atual sistema de regulao trabalhista deriva de sua excessiva rigidez, que impede o livre

    funcionamento dos mercados, causando distores que resultam em desemprego. Esta

    argumentao parte de concepes tericas liberais, que ganharam fora a partir das

    dcadas de 70 e 80, num contexto de ampla reestruturao capitalista. A segunda

    corrente de pensamento argumenta que esta mesma reestruturao resultou numa maior

    sujeio do trabalho em relao ao capital, sendo que as reformas trabalhistas seriam

    necessrias, no sentido de restabelecer certo equilbrio de foras que teria caracterizado

    a fase capitalista anterior.

    No entanto, nos casos brasileiro e mexicano, tal equilbrio de foras jamais foi

    estabelecido, em funo das limitaes decorrentes dos processos de industrializao

    destes pases, que conduzidos pelo Estado, reproduziram as assimetrias sociais desde

    sempre existentes, em ambos os casos. Neste contexto que foram criados os sistemas

    sindicais corporativos, estabelecidos sob a tutela do Estado, e que representam hoje um

    dos muitos desafios enfrentados pelos trabalhadores, que desde os anos 1990, tm sido

    submetidos a uma deteriorao das condies de trabalho, em funo dos processos de

    abertura econmica que passaram a ser adotados, sob a lgica da globalizao.

    Tal lgica reforada pelas reformas de cunho neoliberal que tm sido

    recomendadas por organismos internacionais como panacia curativa para todos os

    males econmicos, mas que implicam o abandono dos modelos de industrializao

    voltadas para o mercado interno, em troca de uma insero subordinada na nova ordem

    econmica mundial, marcada por diviso internacional do trabalho desfavorvel aos

    paises em desenvolvimento.

  • 7

    ABSTRACT

    Changes in the world of labor, registered in the last few decades, have been

    followed by a wide debate about the need to reform de legal apparatus which regulates

    work relations in Brazil as well as in Mexico. But the content of such reform is far from

    being consensual, placing in opposite fields the defenders of a simple deregulation of work

    markets and those who defend a broad union reform, which would lead to the

    strengthening of workers representation and the broadening of their negotiation autonomy.

    Among the first dominates the diagnosis according to which the inadequacy of the

    current work regulation system comes from its excessive stiffness, which prevents free

    markets from working and causes distortions that lead to unemployment. Such line of

    thought originates in liberal theoretical conceptions which gained momentum in the 1970s

    and 1980s in a context of broad capitalist restructuring. The second line of thought argues

    that this same restructuring resulted in a stronger subjection of work to capital and that the

    work reforms would be necessary to restore the preexisting balance.

    However, in the Mexican and Brazilian cases, such balance has never been

    established due to limitations caused by the industrialization processes in these countries.

    Conducted by the state, they reproduced the social unbalances which have always existed

    in both cases. The corporate union systems were created in this context, established and

    tutored by the state, and represent today one of the many challenges faced by the workers

    who, since the 1980s, have been subject to the deterioration of work conditions due to the

    economic opening processes that took place under the new globalization logic.

    Such logic is reinforced by the so called neoliberal reforms which have been

    recommended by multilateral international agencies as a healing panacea for all economic

    evils. However, they implicate the forsaking of industrialization processes aimed at the

    internal market for a subordinated insertion in the new world economic order, marked by

    an international work division unfavorable to the developing countries.

  • 8

    NDICE SUMARIO .......................................................................................................................................................10

    INTRODUO GERAL................................................................................................................................11

    PARTE I: O PROCESSO DE FORMAO DAS INSTITUIES TRABALHISTAS (COMPARATIVO HISTRICO) .................................................................................................................19

    CAPTULO 1: ASPECTOS TERICOS DAS RELAES DE TRABALHO E O CONTEXTO DA ERA CAPITALISTA INDUSTRIAL (FORDISMO E KEYNESIANISMO) ....................................21

    TEORIAS SOBRE A NATUREZA DAS RELAES DE TRABALHO........................................................................ 21 DO PLENO EMPREGO AO DESEMPREGO: UM PROBLEMA ANTIGO EM NOVO CONTEXTO... ........................... 24 AS INTERPRETAES ECONMICAS .............................................................................................................. 25

    Os autores neoclssicos: laissez faire, laissez passer ........................................................................ 26 Kalecki e o consumo dos assalariados ................................................................................................... 27 Keynes: Uma anlise mais ampla........................................................................................................... 29

    UMA ABORDAGEM SOCIOLGICA: O INSTITUCIONALISMO ............................................................................ 32 AS TEORIAS E O PROCESSO HISTRICO.......................................................................................................... 36 O CONTEXTO DA ERA CAPITALISTA INDUSTRIAL (FORDISMO E KEYNESIANISMO) .................................. 38

    O ponto de partida mais usual: fordismo e taylorismo........................................................................... 38 A crise e suas implicaes ...................................................................................................................... 40 A emergncia do capitalismo organizado .......................................................................................... 41

    CAPTULO 2: BRASIL E MXICO: O DESENVOLVIMENTISMO NACIONALISTA E AS INSTITUIES TRABALHISTAS HERDADAS.......................................................................................51

    VISO PANORMICA DA INDUSTRIALIZAO LATINO-AMERICANA ............................................................ 51 OS CASOS ESPECFICOS: BRASIL E MXICO .................................................................................................. 58

    Semejantes... ........................................................................................................................................... 59 ...Pero distintos ....................................................................................................................................... 60 Getlio Vargas e Lzaro Crdenas ........................................................................................................ 61 As instituies de regulao trabalhista que foram herdadas ................................................................ 65 concentrao de poder e colaboracionismo de classes .......................................................................... 68 Caractersticas de funcionamento dos velhos sistemas de regulao ................................................ 71 Mxico..................................................................................................................................................... 77 os contratos de proteo......................................................................................................................... 80

    PARTE II: A ASCENSO DO CAPITALISMO FINANCEIRO E O RESGATE DO LIBERALISMO ECONMICO.................................................................................................................................................83

    CAPITULO 3: A REESTRUTURAO CAPITALISTA E A GLOBALIZAO ............................85

    A reestruturao produtiva e a globalizao ..................................................................................... 85 A CONDIO PS-MODERNA: REESTRUTURAO PRODUTIVA ...................................................................... 87

    A Teoria da Regulao: nostalgia do fordismo ...................................................................................... 89 Os neoschumpeterianos e a destruio criadora ............................................................................... 92 A especializao flexvel: small is beautiful? ......................................................................................... 95 As correntes tericas e a Amrica Latina ............................................................................................... 98

    GLOBALIZAO: CONDIO PS-MODERNA? ............................................................................................... 99 Entre os hiperglobalistas e os cticos .............................................................................................. 100 Implicaes para a anlise dos casos locais ........................................................................................ 104

    CAPITAL FINANCEIRO E NEOLIBERALISMO: A ESSNCIA DO NOVO CAPITALISMO ........................................ 108 Neoliberalismo econmico: muito alm do liberalismo clssico.......................................................... 110 Uma Doutrina ....................................................................................................................................... 111 Um movimento ...................................................................................................................................... 113 Um conjunto de medidas....................................................................................................................... 114 A financeirizao do capital ................................................................................................................. 116 A nova diviso internacional do trabalho............................................................................................. 120

  • 9

    CAPTULO 4 A INSERO DE BRASIL E MXICO NA ERA DO NOVO CAPITALISMO...125

    A COMPETITIVIDADE: ENTRE OS CONTEXTOS LOCAIS E O CENRIO GLOBAL ............................................... 125 A COMPETITIVIDADE E OS NOVOS PADRES DE PRODUO ........................................................................ 127

    O trabalho como elemento-chave da competitividade.......................................................................... 129 A insero produtiva no novo arranjo internacional: Low road e high road....................................... 130

    O CONTEXTO DA ASCENSO NEOLIBERAL NA A.L. ..................................................................................... 132 O Brasil e a modernizao conservadora ........................................................................................ 138

    A POLTICA DE CONCERTACIN NO MXICO: RUMO AO TLC .................................................................. 143

    PARTE III: A CONTROVRSIA SOBRE AS REFORMAS DAS INSTITUIES DE REGULAO TRABALHISTA............................................................................................................................................151

    CAPTULO 5: AS CONSEQNCIAS PARA O MUNDO DO TRABALHO: MUDANAS NA PRTICA.....................................................................................................................................................153

    MUDANAS NA PRODUO, SEGUNDO A LGICA FINANCEIRA.................................................................... 154 A FLEXIBILIZAO: PROCESSO DE TRABALHO E CONTRATO DE TRABALHO ................................................ 156 MUDANAS NA DINMICA DOS MERCADOS DE TRABALHO ......................................................................... 159 MESMO PONTO DE PARTIDA, CAMINHOS DIFERENTES... .............................................................................. 161

    O caminho brasileiro ............................................................................................................................ 162 O caminho mexicano............................................................................................................................. 169

    MUDANAS ENVOLVENDO O PROCESSO DE TRABALHO .............................................................................. 176 Individualismo: mais autonomia e mais controle sobre o trabalho...................................................... 179 A segmentao dos trabalhadores: nas empresas, no pas, no mundo ................................................. 182 Trabalhadores cada vez mais qualificados. E o trabalho..................................................................... 184 Qualificao e Competncia................................................................................................................. 186

    CAPTULO 6: DIFERENTES VISES SOBRE A REFORMA TRABALHISTA E AS PROPOSTAS REFORMADORAS NOS PASES INVESTIGADOS...............................................................................193

    EM DISPUTA: O SENTIDO DAS REFORMAS TRABALHISTAS ........................................................................... 193 Qual reforma? Diferentes vertentes sobre o tema ................................................................................ 195 Sobre a primeira vertente ..................................................................................................................... 197 Sobre a segunda vertente ...................................................................................................................... 198 Duas vertentes se articulando: determinismo tecnolgico e liberalismo ............................................. 199 Sobre a terceira vertente....................................................................................................................... 200

    AS REFORMAS EM PAUTA E AS MUDANAS EFETIVAMENTE REGISTRADAS ................................................. 203 Brasil: intentos reformistas desde FHC e a reforma sindical de Lula.................................................. 203 A reforma sindical do governo Lula ..................................................................................................... 211 Mxico: do frum de 1989 ao projeto Abascal................................................................................. 217 O Projeto Abascal ............................................................................................................................ 224

    CONSIDERAES FINAIS........................................................................................................................229

    BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................233

  • 10

    SUMARIO Introduo geral Parte I: O processo de formao das instituies trabalhistas (comparativo histrico) Captulo 1: Aspectos tericos das relaes de trabalho e o contexto da era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo) Captulo 2: Brasil e Mxico: o desenvolvimentismo nacionalista e as instituies trabalhistas herdadas Parte II: A ascenso do capitalismo financeiro e o resgate do liberalismo econmico Captulo 3: A reestruturao capitalista e a globalizao Captulo 4: A insero de Brasil e Mxico na era do novo capitalismo Parte III: A controvrsia sobre as reformas das instituies de regulao trabalhista Captulo 5: As conseqncias para o mundo do trabalho: mudanas na prtica Captulo 6: Diferentes vises sobre a reforma trabalhista e as propostas reformadoras nos pases investigados Concluses e perspectivas

  • 11

    Introduo Geral

    O objetivo deste texto refletir sobre as mudanas nas relaes de trabalho

    ocorridas no Brasil e no Mxico luz das reformas institucionais registradas

    nestes pases a partir dos anos 90, em meio a um intenso processo de

    reestruturao produtiva gerado a partir de um processo de financeirizao do

    capital, que desde o final dos anos 60 vem alterando a lgica da acumulao

    capitalista. A anlise tem a ambio de proporcionar uma clara viso sobre a

    lgica que operou por detrs das mudanas ocorridas em ambos os pases,

    identificando, para cada caso, algumas particularidades acerca do contexto

    histrico e da conjuntura poltica e econmica em que estas se deram.

    Adicionalmente, sero apresentados, em linhas gerais, os principais aspectos

    trazidos pelas novas relaes de trabalho, acompanhados de algumas

    consideraes sobre suas conseqncias para a subjetividade dos trabalhadores,

    para o mercado de trabalho e para os movimentos de trabalhadores. Por fim, ser

    introduzida uma discusso sobre o controvertido tema das reformas das relaes

    de trabalho em ambos os pases, com o intuito de colocar em evidncia os

    impasses e desafios enfrentados pelos que atuam nesta rea, alm das diferentes

    conotaes polticas assumidas pelas concepes de reforma em torno dos quais

    so estabelecidas intensas disputas. Com isso, espera-se contribuir para um

    melhor entendimento sobre a natureza e o sentido das transformaes em curso

    nestas sociedades, em articulao com um contexto mais amplo de reestruturao

    capitalista em escala mundial.

    Ao propor um levantamento sobre reformas na rea do trabalho envolvendo

    inicialmente Brasil e Mxico, partiu-se da premissa de que a comparao entre

    pases desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento no esclarece muito

    sobre algumas das relaes fundamentais a serem investigadas: a relao entre

    competitividade e as reformas envolvendo flexibilizao ou desregulamentao

    das relaes de trabalho, bem como a relao entre crescimento/desenvolvimento

    econmico e estas mesmas reformas. Em funo das diferenas que separam

    pases desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos de posicionamento

  • 12

    econmico, insero na diviso internacional do trabalho, infra-estrutura, etc.,

    qualquer comparao sobre a regulao do trabalho perde a eficcia. Para

    atender aos objetivos aqui apresentados, no seria de grande valia comparar, por

    exemplo, a regulao do trabalho na Sucia e no Brasil; to pouco seria til uma

    comparao envolvendo o Brasil e algum outro pas dentre os mais pobres.

    Assim, para fins de comparao, julgou-se mais adequado tratar de pases

    de certa forma similares em matria de peso poltico regional, nvel de

    desenvolvimento econmico e social, posicionamento em cadeias produtivas

    internacionais, etc. Vale ressaltar que, ao estarem inseridos em posies

    relativamente semelhantes no atual contexto internacional em que pases

    competem entre si na atrao de investimentos externos estes pases

    possivelmente enfrentam tambm constrangimentos externos de natureza

    semelhante, derivados de uma configurao econmica internacional que reduz a

    autonomia poltica dos estados nacionais, mas de forma desigual, conforme o

    pas. Neste cenrio interdependente, identificar razes que possam explicar

    diferenas entre os processos de (re) insero internacional registrados em pases

    similares tarefa fundamental para o esclarecimento das questes envolvendo o

    sentido das reformas que tm sido discutidas.

    Por outro lado, ao realizar uma comparao entre Brasil e Mxico, a

    pesquisa tratar de pases que contam com um histrico poltico/econmico muito

    prximo (inclusive em matria de processo de desenvolvimento), mas que em

    tempos recentes foram levados a adotar estratgias significativamente diferentes,

    basicamente no que diz respeito ao modo de insero poltica e econmica

    internacional: enquanto o Mxico passa a integrar um grande bloco econmico

    juntamente com EUA e Canad (NAFTA), o Brasil segue com seus esforos para

    se firmar como lder regional na Amrica do Sul e na tentativa de ampliar e

    fortalecer um projeto alternativo de integrao para este subcontinente

    MERCOSUL1 e a recm criada UNASUL2, de carter mais amplo.

    1 O Mercosul, como conhecido o Mercado Comum do Sul uma unio aduaneira (livre comrcio intrazona e poltica comercial comum) de cinco pases da Amrica do Sul. Em sua formao original o bloco era composto por quatro pases: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

  • 13

    Enfim, pode-se afirmar que Brasil e Mxico inserem-se em contextos

    regionais suficientemente diferentes para que as semelhanas encontradas na

    anlise sejam valorizadas, e ao mesmo tempo, suficientemente parecidos

    (principalmente no que no que tange ao seu histrico de desenvolvimento), para

    que as discrepncias registradas numa comparao sejam relevantes.

    Outros fatores contriburam para a escolha destes casos como objeto de

    estudo, baseados em critrios que levam em conta semelhanas fundamentais

    entre os pases, a saber: a) a relativa tradio e diversificao industrial, somadas

    a um peso significativo deste setor no PIB; b) o grande peso poltico e econmico

    nos planos regionais; c) a presena de populaes numerosas; d) o fato de ambos

    os pases serem dotados de Estados suficientemente slidos para garantir o

    sentido de continuidade com o passado e para servir como quadro de referncia a

    projetos plausveis de futuro.

    Finalmente, cabe ressaltar que muitos aspectos das chamadas reformas

    das relaes de trabalho ainda esto por ser pesquisados, principalmente no que

    tange a estudos comparativos internacionais. Neste sentido, o presente trabalho

    representa apenas uma pequena contribuio, ao traar um panorama geral e

    contextualizado dos principais aspectos presentes no debate sobre a reforma das

    relaes de trabalho nos pases investigados.

    A pesquisa empreendida para a elaborao deste trabalho incluiu a anlise

    de documentos oficiais dos governos brasileiro e mexicano, de documentos

    sindicais e de associaes empresariais de ambos os pases, e de bases de

    dados como a PNAD e a RAIS, no caso Brasileiro, e levantamentos do INEGI3, no

    caso mexicano, a saber: ENIGH pesquisa nacional de renda e gastos dos

    Desde 2006, a Venezuela depende de aprovao dos congressos nacionais para que sua entrada seja aprovada. Muitos sul-americanos vem o Mercosul como uma arma contra a influncia dos EUA na regio, tanto na forma da ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas quanto por meio de tratados bilaterais. 2 A Unio de Naes Sul-Americanas (UNASUL), anteriormente designada por Comunidade Sul-Americana de Naes (CSN), unir o Mercosul e Comunidade Andina de Naes (alm do Chile, da Guiana e do Suriname) e da num ambicioso projeto de integrao continental, nos moldes da Unio Europia. 3 INEGI Instituto Nacional de Estadstica y Geografia, www.inegi.org.mx, equivalente mexicano ao IBGE do Brasil.

  • 14

    domiclios; ENOE pesquisa nacional de ocupao e emprego; ENESTyC

    pesquisa nacional de emprego, salrios, tecnologia e capacitao no setor

    manufatureiro.

    O acesso aos dados foi viabilizado pela internet e, eventualmente, por meio

    de visitas aos sindicatos, associaes, etc., sendo que no caso do Mxico, a

    coleta de dados in loco esteve concentrada no perodo em que foi realizada uma

    concentrada pesquisa de campo neste pas, nos meses de janeiro e fevereiro de

    2008. Alm de pesquisa documental, o trabalho de campo incluiu entrevistas com

    acadmicos, juristas, dirigentes sindicais e ativistas polticos ligados a movimentos

    sociais. Tal imerso no contexto das relaes de trabalho no Mxico revelou muito

    sobre a distncia entre a realidade local marcada pela grande informalidade nas

    relaes de trabalho e o que sugere a anlise fria da legislao mexicana. Por

    outro lado, as entrevistas realizadas revelaram a centralidade assumida pela

    questo da democracia no interior das estruturas sindicais mexicanas.

    Nestes e em muitos outros aspectos, a investigao realizada em campo foi

    extremamente rica, tendo sido fundamental na elaborao desta tese. No entanto,

    em alguns sindicatos, associaes e outras entidades mexicanas, o acesso

    informao foi limitado, o que pode ser explicado, talvez, por uma tradio

    corporativa centralizadora e autoritria, que ainda muito presente no pas, mas

    que felizmente comea a ser abandonada. Estas dificuldades explicam algumas

    lacunas deixadas nas anlises sobre o sindicalismo mexicano. Outras falhas e

    omisses certamente presentes neste trabalho, so de inteira responsabilidade do

    autor.

    Para dar conta dos objetivos propostos, o trabalho contar, logo no

    captulo 1, com um exerccio terico visando o estabelecimento de uma relao

    entre as principais teorias econmicas e sociais sobre a natureza das relaes de

    trabalho e sua influncia nas polticas adotadas em diferentes momentos

    histricos, para em seguida tratar mais especificamente do contexto em que

    emerge o chamado fordismo regulado, ou capitalismo organizado,

    fundamentado pelas concepes keynesianas de intervencionismo estatal nas

    atividades econmicas.

  • 15

    No captulo 2, as experincias latino-americanas de industrializao so o

    ponto de partida para uma anlise que busca explicar as caractersticas dos

    sistemas de regulao trabalhista do Brasil e do Mxico como um reflexo das

    prprias limitaes impostas industrializao destes pases, decorrentes, em

    grande medida, da assimetria social que desde sempre caracterizou os dois

    pases.

    O captulo 3 aborda as transformaes que vem sendo registradas no

    sistema capitalista desde os anos 60, buscando interpreta-las a partir do

    fenmeno da financeirizao do capital, que levou ao abandono dos princpios

    fundadores do capitalismo organizado exposto no primeiro captulo, passando a

    informar uma reestruturao capitalista que subordinou a lgica produtiva aos

    interesses financeiros voltados para os ganhos de curto prazo. Com isso, busca-

    se uma explicao alternativa para a reestruturao produtiva registrada em

    pases ao redor do mundo, salientando sua conformidade em relao a uma nova

    diviso internacional do trabalho, e refutando as tradicionais teorias que costumam

    ser utilizadas para dar inteligibilidade s transformaes ocorridas.

    No captulo 4, uma viso ampla do contexto em que as transformaes

    capitalistas atingiram os pases da Amrica Latina o ponto de partida para

    estabelecer as condicionantes que levaram brasileiros e mexicanos a

    abandonarem seus antigos projetos nacionais de industrializao voltada para

    dentro, inaugurando uma era de reformas liberalizantes. A partir de uma crtica

    argumentao usual sobre a competitividade, sero apresentados, os elementos

    incorporados na agenda da reestruturao empresarial registrada no Brasil e no

    Mxico, relacionando-os com o contexto histrico e ideolgico dos anos 1980, e

    destacando suas implicaes para os temas trabalhistas. A hiptese central deste

    captulo a de que os processos de reestruturao produtiva, registrados a partir

    da adoo das tais reformas representariam, em ltima instncia, uma adaptao

    passiva nova diviso internacional do trabalho tratada anteriormente.

    No captulo 5 so analisadas as conseqncias das transformaes

    econmicas registradas para os trabalhadores e seus representantes, que

    apontam para a debilitao da atuao dos sindicatos, seja ela decorrente de uma

  • 16

    perda do poder de barganha ocasionada pela piora nos mercados de trabalho, ou

    de mudanas nas formas de organizao do trabalho e da produo que

    contriburam para incutir nos trabalhadores uma lgica individualista. A hiptese

    aqui a de que transformaes nas relaes de trabalho j tm ocorrido de fato,

    sendo que o contedo defendido para as reformas de ordem formal coloca em

    campos polticos opostos os que tm sido beneficiados por tais mudanas e os

    que desejam reverter suas conseqncias.

    Finalmente, no captulo 6, ser feita uma anlise sobre as diferentes

    concepes tericas que fundamentam projetos de reforma trabalhista de carter

    antagnico, para em seguida, iniciar uma esclarecedora exposio dos intentos

    reformistas em cada pas analisado, contextualizando-os. Com isso, e diante das

    anlises desenvolvidas em outros captulos, o sentido das transformaes

    ocorridas nas ltimas dcadas e sua relao com as pretendidas reformas, se

    tornar mais claro.

  • 19

    Parte I: O processo de

    formao das

    instituies trabalhistas

    (comparativo histrico)

  • 21

    Captulo 1: Aspectos tericos das relaes de trabalho e o contexto da

    era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo)

    Este captulo inicial aborda algumas das principais concepes tericas

    sobre o funcionamento dos mercados de trabalho e sobre a lgica de

    comportamento de seus integrantes, a fim de evidenciar as relaes entre as

    diferentes formas de se pensar as relaes de trabalho e as fases histricas em

    que elas passaram exercer maior ou menor influncia no estabelecimento de

    padres de regulao econmica e social. Em seguida, ser privilegiada a anlise

    do contexto especfico em que o capitalismo industrial passou a ser organizado,

    dando origem s estruturas de regulao do trabalho que hoje so apontadas

    como arcaicas e anacrnicas. Em outras palavras, a proposta deste captulo

    proporcionar ao leitor uma viso acerca do que est por trs do paradigma

    tradicional das relaes de trabalho, sob o qual foram construdos os sistemas de

    regulao que atualmente se pretende reformar.

    Teorias sobre a natureza das relaes de trabalho

    Diante das profundas transformaes que vm afetando o mundo do

    trabalho em tempos recentes, muitos tericos tentam proporcionar alguma

    inteligibilidade aos acontecimentos, provocando a origem de tantas mudanas e

    buscando traar perspectivas sobre o futuro do trabalho. No entanto, o tradicional

    universo do trabalho tem sido alterado em ritmo to intenso, e com conseqncias

    to devastadoras, que a dvida e a insegurana predominam, no obstante a

    grande quantidade de literatura produzida sobre o assunto. Como apontado por

    Ladislau Dowbor (2001):

    H hoje um nmero significativo de pesquisas sobre emprego e

    desemprego, estudos de dinmicas econmicas setoriais e regionais, nunca

    tivemos tantas cifras. Tambm nunca estivemos to confusos. Quando as

    transformaes atingem um ritmo e uma profundidade de maiores

  • 22

    propores, os prprios conceitos, as ferramentas de anlise que dispomos,

    tendem a tornar-se inadequados, e o volume de nmeros no ajuda.

    (DOWBOR, 2001. p. 2)

    Em funo do que foi mencionado acima, entender a natureza das novas

    relaes de trabalho seria condio sine qua non para a explicao dos problemas

    que atualmente so enfrentados em diferentes partes do globo, como a

    precarizao do trabalho, o desemprego e a insegurana de renda, que parecem

    ser, at aqui, as conseqncias mais incmodas (e socialmente mais visveis) da

    reestruturao capitalista. Neste sentido, compreender em profundidade as

    mudanas envolvendo as relaes de trabalho assume um carter de urgncia,

    diante da necessidade de se criar uma resposta aos problemas enfrentados. Tais

    mudanas poderiam ser abordadas a partir de dois aspectos:

    o primeiro trata do processo de trabalho e est relacionado com as

    inovaes em matria de gesto/organizao da atividade laboral, muitas

    vezes associadas com o emprego de novas tecnologias. A reestruturao

    produtiva surge aqui como temtica de fundo;

    o segundo se concentra na nova dinmica dos mercados de trabalho, a

    partir de uma viso macro. O desemprego e as causas apontadas para

    explic-lo surgem como temtica inevitvel.

    A anlise empreendida neste trabalho privilegia o segundo aspecto. O

    destaque dado a esta temtica se justifica primeiramente pelo fato de que a

    adoo de reformas trabalhistas, em sentido amplo, sempre apresentada como

    antdoto para o mal estar social causado pelo desemprego e pela informalidade.

    Uma segunda justificativa se d em funo do pleno emprego ter deixado de ser o

    objetivo primordial das polticas econmicas em geral, ao contrrio do que ocorreu

    no perodo ps-guerra, quando as estruturas de regulao trabalhista foram

    consolidadas em grande parte dos pases industrializados. Da a importncia de

    uma reviso das diferentes teorias (sobretudo econmicas) que buscam explicar a

    dinmica dos mercados de trabalho, sendo que este ser o ponto de partida para

    a compreenso das lgicas que predominaram em diferentes momentos do

  • 23

    capitalismo, desde sua fase concorrencial, passando pela era do chamado

    capitalismo organizado 4, at a sua atual fase.

    Cabe a observao de que o problema central deste trabalho no reside

    propriamente nos fenmenos do desemprego e da informalidade , mas est ligado

    ao fato de estes serem apontados e com muita freqncia como sendo o

    resultado de uma inadequao dos sistemas que regulam as relaes de trabalho

    diante dos novos paradigmas produtivos adotados em busca de maior

    competitividade. sabido, no entanto, que diferentes teorias procurando explicar

    os fenmenos citados acima, conduzem a opes distintas (ou mesmo opostas),

    tanto em matria de poltica econmica, quanto em relao aos papis atribudos

    ao Estado na organizao social. Esta observao leva a um questionamento

    fundamental: seria possvel a formulao de um novo sistema de regulao das

    relaes de trabalho que no estivesse atrelado a determinadas opes polticas,

    econmicas e sociais? Que fosse to somente uma deciso tcnica,

    completamente dissociada de uma certa concepo de sociedade?

    sob este questionamento que uma investigao sobre as teorias do

    desemprego e seu papel na construo e posterior desconstruo do

    compromisso fordista assume relevncia. Na elaborao deste trabalho, admitiu-

    se o pressuposto de que toda e qualquer formulao sobre sistemas de regulao

    trabalhista est, sim, associada a uma opo ideolgica, sem que seja possvel

    separar uma coisa da outra.

    Faz-se necessrio assinalar, ainda, que a discusso a ser desenvolvida

    neste primeiro captulo j incorpora um certo posicionamento terico, na medida

    em que se prope a discutir as relaes de trabalho na sociedade a partir das

    noes de emprego e desemprego. A opo pelo uso destas noes se ope

    atual tendncia de dar ao trabalho uma conotao de ocupao/atividade

    4 Entende-se por este termo como sendo o sistema capitalista regulado por normas e instituies, tanto no mbito das finanas internacionais (acordo de Bretton Woods, de 1944, em que foi criado o FMI) quanto no mbito das relaes entre capital e trabalho(construo de legislaes trabalhistas locais) ou at do funcionamento dos mercados de bens (presena do planejamento econmico estatal). Em essncia, o objetivo destas instncias reguladoras seria diminuir o carter instvel dos sistemas econmicos de mercado. Sobre isto, destacam-se as anlises feitas por Galbraith, em seu famoso trabalho O Novo estado Industrial(1988).

  • 24

    autnoma, negando sua relao de dependncia frente a um contratante que

    detm a propriedade dos meios de produo, sendo que justamente esta

    dependncia que justifica a necessidade de uma regulamentao capaz de

    garantir certos direitos aos trabalhadores, que seriam o elo mais fraco no bojo das

    relaes de produo.

    Do pleno emprego ao desemprego: Um problema antigo em novo

    contexto...

    O desemprego um tema que tem ganhado espao no cotidiano das

    pessoas, nos meios de comunicao, nos discursos de polticos, empresrios,

    sindicalistas, e no meio acadmico. Este tema ressurgiu a partir da segunda

    metade dos anos 70, com a abertura da crise do fordismo e as conseqncias dos

    novos arranjos produtivos. O resultado mais visvel das transformaes analisadas

    no tpico anterior seria atualmente um desemprego de carter crnico e estrutural,

    segundo relatrios produzidos por importantes organismos internacionais5,

    presente tanto nas economias mais desenvolvidas quanto na periferia do sistema.

    Diferentes interpretaes deste fenmeno apontam para respostas igualmente

    distintas, que oscilam entre o otimismo de autores como Domenico de Masi, Alvin

    Tofler e at Peter Drucker, at o pessimismo caracterstico de boa parte dos

    autores de esquerda, passando por uma ampla gama de estudos buscando

    evidenciar as caractersticas atuais do mercado de trabalho (Castels, 1999;

    Harvey, 1993; Sennett, 2004). De fato, o novo contexto do desemprego possui

    caractersticas especficas que levam muitos analistas a vislumbrar possibilidades

    como a de uma sociedade sem empregos (Rifkin 1996), ou uma sociedade

    voltada para o lazer e o cio produtivo (De Masi, 1999). Alguns apontam para a

    superao do capitalismo, por meio da emergncia de uma sociedade de

    empreendedores autnomos (Drucker, 1993), enquanto outros admitem como

    mais provvel uma soluo via polticas de renda mnima a serem conduzidas pelo

    5 Neste sentido, ver relatrios peridicos publicados pela da OIT sob o ttulo: Word Employment Report.

  • 25

    Estado (Hirst & Thompsom, 2001), sem contar aqueles que enxergam o

    socialismo como nica alternativa (Mezros, 2003).

    Apesar desta riqueza de idias presente em grande parte da literatura

    sobretudo em relao construo de cenrios futuros so relativamente

    poucos os trabalhos que se dedicam a analisar com maior profundidade as causas

    sistmicas do desemprego atual. Os trabalhos que se lanam a esta tarefa

    costumam ser, pela prpria natureza do tema, oriundos inicialmente da cincia

    econmica, mas tambm dividem espao com anlises sociolgicas. A seguir, o

    leitor encontrar uma rpida explanao sobre as diferentes interpretaes da

    teoria econmica sobre o desemprego, seguida de um breve retrospecto sobre a

    abordagem alternativa, trazida fundamentalmente pela sociologia do trabalho. A

    ltima seo deste captulo busca avaliar a maior ou menor influncia exercida por

    estas concepes tericas, ao longo das diferentes fases da histria capitalista

    recente.

    As interpretaes econmicas

    Diferentes trabalhos sobre as causas do desemprego em economias

    capitalistas industrializadas comearam a ser produzidos a partir da dcada de 80,

    devido ao persistente desemprego que j preocupava alguns pases europeus,

    mas de uma forma geral, pode-se afirmar que tais trabalhos apenas atualizam os

    conceitos desenvolvidos anteriormente pela economia poltica clssica e seus

    crticos. Basicamente, estes conceitos partem de trs grandes abordagens: a

    keynesiana, a kaleckiana e a neoclssica6 todas elas tm em comum a

    preocupao de decifrar as relaes que ocorrem entre o desemprego e os

    salrios (reais e nominais), mas partem de premissas distintas, a comear pelo

    pressuposto envolvendo a prpria flexibilidade dos salrios. Inicialmente ser

    6 Tendo como base o trabalho de AMADEO, E. e ESTEVO, M.. A teoria econmica do

    desemprego. So Paulo: Hucitec, s.d.

  • 26

    apresentada a abordagem neoclssica, e logo em seguida, as crticas de Kalecki e

    Keynes.

    Os autores neoclssicos: laissez faire, laissez passer

    Para a teoria neoclssica (Walras, 1983), o desemprego causado por

    desequilbrios no mercado de trabalho, que podem ocorrer em funo de

    quaisquer empecilhos colocados ao seu livre funcionamento. Tais empecilhos so

    em geral atribudos ao de instituies que, ao agirem no sentido oposto das

    tendncias determinadas pela oferta e demanda, acabam impedindo que o

    mercado se auto-ajuste. Para chegar a estas concluses, os neoclssicos partem

    de quatro premissas bsicas sobre o funcionamento da economia:

    1o as firmas sempre agem em busca da maximizao de seus lucros;

    2o elas apresentam rendimentos marginais decrescentes ao ampliarem a

    produo;

    3o a oferta de trabalho, por parte dos trabalhadores, aumenta na medida em

    que sobem seus salrios reais;

    4o o nvel de demanda agregada um dado exgeno (independe dos nveis

    salariais).

    Assim, do ponto de vista neoclssico, uma situao de desemprego estaria

    associada a uma elevao nos salrios reais pagos, que ao comprometer a

    lucratividade das firmas faria com que as mesmas diminussem a demanda por

    trabalhadores, ao mesmo tempo em que estes estariam dispostos a dedicar mais

    tempo ao trabalho (ampliando sua oferta), justamente em funo da remunerao

    elevada. Neste caso, a soluo para o problema seria rapidamente alcanada

    atravs do mercado, que diante de uma oferta de trabalho superior demanda,

    conduziria necessariamente a uma queda nos salrios (que induziria

    trabalhadores e firmas a reajustarem, respectivamente, oferta e demanda de

    trabalho), conduzindo a um novo equilbrio entre as foras de mercado. A mesma

    lgica valeria para a situao oposta, na qual um salrio real abaixo do ponto de

    equilbrio levaria ao crescimento da demanda por trabalho por parte das firmas,

  • 27

    frente a uma diminuio da oferta entre os trabalhadores, o que resultaria em uma

    elevao salarial suficiente para que o mercado se reajustasse, com salrios

    maiores.

    interessante notar que, dentro da lgica neoclssica, os aumentos do

    salrio numa situao de pleno emprego seriam determinados pelo aumento

    da quantidade de trabalho demandada pelas firmas, o que s ocorreria em duas

    hipteses: a) aumento do nvel de preos, causado pela elevao da demanda

    agregada no mercado de bens (o que provocaria a reduo do salrio real); e b)

    elevao da produtividade do trabalho. Dentro desta lgica, eventuais aumentos

    no salrio nominal (em funo da ao de sindicatos, por exemplo) seriam

    compensados pelo aumento do nvel de preos praticados pelas firmas no

    mercado de bens, o que manteria o salrio real inalterado. Porm, a relao entre

    salrios e preos no seria vlida no sentido oposto, ou seja: diminuies no

    salrio nominal no afetariam os preos, dada a ausncia de relao entre os

    nveis salariais e a demanda agregada de bens e servios (conforme a 4

    premissa da teoria neoclssica);desta forma, redues no salrio nominal

    implicariam reduo tambm no salrio real. (Dornbush & Fisher, 1995)

    Em suma, para a teoria neoclssica, a economia tenderia ao pleno emprego

    numa situao de livre mercado, sendo que qualquer aumento no salrio nominal

    que no fosse determinado pela ao do prprio mecanismo de mercado teria

    como conseqncias a inflao ou o desemprego (na impossibilidade de se

    ajustar preos).

    As abordagens crticas teoria neoclssica rejeitavam pelo menos os dois

    ltimos de seus pressupostos fundamentais, sendo que a crtica tecida por

    Kalecki, mais contundente, tambm rejeitaria a segunda premissa.

    Kalecki e o consumo dos assalariados

    A teoria kaleckiana (Kalecki apud: Amadeo e Estevo, s.d.) inova em

    vrios aspectos, a comear pela associao estabelecida entre nveis salariais e

  • 28

    demanda agregada de bens, sendo que neste sentido, introduzida a hiptese de

    que os trabalhadores tm uma propenso ao consumo maior do que a registrada

    entre os capitalistas. Esta hiptese permite uma inverso da lgica neoclssica,

    pois no modelo econmico kaleckiano, o produto da economia determinado, de

    um lado, pelo nvel demandado de investimentos (que surge aqui como varivel

    exgena), e de outro, pela demanda por bens de consumo na qual a

    participao dos trabalhadores decisiva. Assim, segundo a lgica kaleckiana,

    aumentos no salrio real teriam como conseqncia o aumento da demanda, em

    funo do incremento da procura por bens de consumo por parte dos

    trabalhadores. Isto levaria a uma ampliao do nvel de produo e,

    conseqentemente, da demanda por trabalho.

    No entanto, esta lgica depende especificamente do que ocorre no

    processo de formao dos preos, que se daria a partir da fixao de uma

    margem sobre o custo varivel da produo. Tais custos seriam formados, entre

    outros fatores, pelo salrio nominal negociado previamente entre firma e

    trabalhadores. Este salrio no seria, portanto, to flexvel como previsto na teoria

    clssica, e seu valor real seria determinado pelo resultado do processo de

    formao de preos, mais do que pela variao do seu valor nominal.

    Por fim, Kalecki tambm rejeita a premissa de que o aumento da produo

    das firmas ocorra com rendimentos marginais decrescentes. Para o autor, os

    rendimentos marginais de cada aumento produtivo so constantes. Isto implica

    numa participao tambm constante dos salrios na diviso da renda nacional,

    independentemente do nvel de produo, alm de reforar a lgica segundo a

    qual um aumento da demanda agregada leva a um crescimento do produto (pois

    ao aumentarem sua produo, as firmas mantm sua lucratividade constante)

    Uma diferena importante entre as interpretaes neoclssica e kaleckiana

    reside no fato de a primeira tratar o desemprego como um problema

    microeconmico, enquanto a segunda o trata como uma questo

    macroeconmica, assim como ocorre na abordagem keynesiana. Porm nesta

    ltima abordagem, a relao entre salrio real e nvel de produto no positiva, o

  • 29

    que a distancia das concepes kaleckianas e a aproxima, neste ponto mas

    apenas neste da teoria neoclssica.

    Keynes: Uma anlise mais ampla

    A anlise keynesiana sobre o desemprego um tema complexo, tanto em

    funo das diferentes interpretaes e crticas que vem recebendo ao longo de

    mais de quatro dcadas, quanto pelo fato de no configurar um todo monoltico

    dentro de sua obra. Ademais, a anlise desenvolvida pelo autor em seus trabalhos

    extrapola os limites das demais, ao inserir formalmente a dimenso monetria em

    seus modelos.

    A noo keynesiana de desemprego presente na literatura moderna7 pode

    ser considerada uma variante do caso kaleckiano, mas pressupondo que

    trabalhadores e capitalistas possuem a mesma propenso para o consumo; e

    tendo nos salrios nominais (e no gasto autnomo nominal relacionado com estes)

    os determinantes do produto.

    Para as modernas interpretaes keynesianas, uma queda nos salrios

    nominais no deve gerar mais empregos, pois esta reduo salarial reduz tambm

    a demanda agregada, acarretando uma queda no nvel de preos, que por sua vez

    poderia ser at mais intensa do que a registrada nos salrios nominais. O

    resultado disso seria uma elevao dos salrios reais, mas com queda no nvel de

    atividade econmica e de emprego. Assim, o nvel de produto da economia estaria

    positivamente relacionado com o salrio nominal e com os gastos nominais, mas

    no com os salrios reais. A mensagem sugerida por esta anlise a de que

    polticas macroeconmicas de incentivo demanda agregada (juntamente com a

    determinao de salrios nominais adequados) seriam mais eficientes no

    incremento da produo e do emprego do que a receita neoclssica de reduo

    de custos via salrios reais, num mbito microeconmico.

    7 Este texto considera como modernas interpretaes keynesianas, os trabalhos de Robert Solow, Joseph E. Stiglitz e Amartya Sen, entre outros.

  • 30

    Entretanto, na anlise feita por Keynes em seu Tratado sobre a moeda

    (1930 apud: Amadeo e Estevo, s.d.), uma queda nos salrios nominais seria

    capaz de aumentar o emprego, pois em seu modelo convencional, os salrios no

    seriam determinantes dos gastos nominais. A lgica da argumentao

    desenvolvida no Tratado gira em torno do chamado efeito Keynes, e incorpora

    anlise o aspecto monetrio.

    Toda a argumentao tem como ponto de partida uma suposta elevao da

    taxa de juros, ocasionada em funo de algum desequilbrio monetrio. Com a alta

    nos juros, cai o consumo e o investimento, aumentando a propenso dos agentes

    a poupar. Com o consumo menor, caem os preos e a rentabilidade das firmas,

    mas no os salrios (que para o autor so inicialmente rgidos). Em funo disso,

    as firmas passam a produzir menos, gerando menos empregos. A partir do

    momento em que os salrios passam a ser reduzidos (para compensar a queda

    nos preos), a rentabilidade das firmas comea a ser restabelecida, e estas voltam

    a empregar. Alm disso, salrios e preos em nveis mais baixos fazem com que a

    demanda por moeda para fins de transao tambm se reduza, o que levar a

    uma queda na taxa de juros. Esta taxa de juros menor estimula consumo e

    investimento, e desestimula a poupana. A intensidade desta queda na taxa de

    juros vai determinar a rapidez com que o sistema ir retornar ao equilbrio. Aqui

    neste caso, a queda nos salrios o principal mecanismo de ajuste, ao promover

    o restabelecimento da lucratividade das firmas e a queda nas taxas de juros. Isto

    aproximaria Keynes da teoria neoclssica, ao identificar na rigidez dos salrios

    queda um elemento capaz de adiar o re-equilbrio do sistema.

    A leitura do Tratado gera uma tendncia a identificar em Keynes uma

    postura na qual o desemprego seria sim, uma decorrncia da rigidez salarial. No

    entanto, as consideraes feitas pelo autor em sua Teoria Geral do emprego, juros

    e da moeda so capazes de reverter esta tendncia.

    Na Teoria Geral, a anlise sobre o tema feita em duas etapas distintas: a

    primeira pressupe salrios como dado fixo mas apenas para efeito de

    simplificao e se constitui numa anlise esttica; na segunda, tambm

    chamada de anlise dinmica ou histrica, os salrios so flexveis. nesta

  • 31

    segunda etapa que o autor elabora sua crtica anlise neoclssica, apontando as

    limitaes desta abordagem ao desconsiderar os efeitos sobre a demanda

    agregada a partir de uma reduo salarial. Eles seriam:

    a) A transferncia de renda dos assalariados para outros grupos, e dos

    empresrios para os rentistas (em funo da queda dos preos). Os efeitos

    deste processo sobre o nvel de emprego dependeriam das propenses ao

    consumo dos diferentes tipos de renda, mas o efeito lquido, segundo o

    autor, tenderia a ser contracionista;

    b) O aumento do investimento, desde que haja expectativas de reverso

    futura da queda salarial. Se as expectativas no apontarem para esta

    reverso, o resultado a queda do investimento;

    c) Queda na taxa de juros, em funo da diminuio da demanda por

    moeda (devido aos salrios menores), o que estimularia o investimento.

    Entretanto, se a deflao (mencionada no primeiro item) provocar fuga dos

    ativos reais, em funo da elevao da taxa de juros real, ocorrer um

    aumento da demanda por moeda. O efeito lquido ser, ento,

    contracionista;

    d) Tendncia positiva em relao ao que o autor chamou de animal spirits

    do empresariado. Por outro lado, poderia ocorrer uma elevao dos

    movimentos contestatrios por parte dos sindicatos;

    e) Processos de falncia envolvendo as firmas endividadas, em funo da

    queda nos preos. Entre os credores, o efeito seria financeiramente

    positivo, mas diante de uma onda de falncias, tais ganhos poderiam no

    se concretizar;

    f) Aumento das exportaes e diminuio das importaes (no caso de uma

    economia aberta), em funo da queda dos preos internos, e na hiptese

    de que a taxa de cmbio permanea fixa. Neste caso, os efeitos seriam

    expansionistas.

  • 32

    Outros impactos seriam ainda catalogveis, mas estes seriam os mais

    importantes, de acordo com o autor, que conclui suas anlises indicando os

    efeitos gerados na taxa de juros e no nvel de investimentos como sendo os mais

    representativos para os analistas que crem na capacidade do sistema de auto

    ajustar-se. No entanto, se a conseqncia expansionista mais importante se d

    por meio do aumento da quantidade de moeda, parece mais razovel buscar estes

    efeitos por meio de uma poltica monetria expansionista, e no pela reduo

    salarial e todos os seus efeitos ambguos.

    Ademais, o prprio Keynes no via com bons olhos uma poltica de salrios

    flexveis:

    O principal resultado [da poltica de salrios flexveis] seria causar uma

    grande instabilidade dos preos, talvez to violenta a ponto de tornar

    irrelevantes os clculos capitalistas... (Keynes, 2006, 268)

    Diante do exposto, pode-se concluir que na a anlise de Keynes da Teoria

    Geral, a rigidez dos salrios no seria a causa do desemprego. Por outro lado, a

    flexibilidade salarial seria at indesejvel devido ao seu potencial de gerar

    instabilidade ao sistema.

    Uma abordagem sociolgica: o Institucionalismo

    Pode-se dizer, com alguma simplificao, que as teorias econmicas

    buscam explicar o desemprego como sendo uma decorrncia do funcionamento

    dos mercados (de trabalho ou de bens). Para tal, variveis como taxa de juros,

    nvel de investimento, consumo, preos, salrios, lucros etc. surgem como fatores

    mais ou menos relacionados - conforme a corrente terica considerada mas

    sempre num contexto de mercado. A teoria sociolgica, a partir dos anos 50 (Kerr

    apud PRIES, 2000), passa a buscar uma nova explicao para os processos

  • 33

    envolvendo a capacitao, o recrutamento e a contratao (bem como a

    remunerao) de trabalhadores. Esta nova abordagem significou uma ruptura em

    relao noo econmica que colocava o mercado como grande mediador da

    relao capital-trabalho (ainda que se admitisse que o funcionamento deste fosse

    influenciado por fatores externos).

    Nesta nova concepo, a noo de livre concorrncia dos trabalhadores

    num mercado de trabalho homogneo a primeira a ser abandonada, cedendo

    espao a uma noo hierarquizada dos postos de trabalho, na qual certos

    segmentos de trabalhadores competem por diferentes postos de trabalho dentro

    de uma mesma empresa, em condies tambm diferenciadas. Esta mesma

    heterogeneidade caracterizaria as prticas e normas empresariais (sobretudo das

    grandes empresas) em relao fora de trabalho. Assim, as formas de

    capacitao e remunerao, bem como os critrios para o preenchimento de

    vagas e ascenso hierrquica seriam diferentes em cada empresa. A

    segmentao do trabalho dentro das empresas e as diferenas existentes entre as

    empresas seriam por si s capazes de tornar a antiga noo de mercado de

    trabalho muito menos til do que se supunha at ento.

    Desta forma, as regras institucionais de certas empresas, bem como as

    que regem certos segmentos profissionais (sejam estas regras formais ou no)

    teriam, em muitos casos, capacidade explicativa superior lgica mercadolgica

    de oferta e demanda. Neste sentido, uma srie de fatores institucionais poderia

    ser apresentada como explicao para a existncia de maior ou menor

    desemprego em diferentes regies e/ou segmentaes do mercado de trabalho.

    Tais fatores poderiam estar relacionados com o aparato normativo de certas

    profisses, na medida em que estes possibilitassem a formao de reservas de

    mercado. De outro modo, regras internas referentes ao preenchimento de postos

    de trabalho poderiam influenciar a presena de nveis de desemprego distintos

    conforme o segmento de trabalho em questo, apontando para a existncia de

    dois mercados de trabalho distintos.

    Em relao s distines entre estes mercados, seria possvel classific-

    las de duas formas, de acordo com sua natureza:

  • 34

    - Uma delas seria a distino entre os mercados interno e externo. No

    primeiro caso estariam os postos de trabalho que costumam ser preenchidos por

    trabalhadores oriundos da prpria organizao (e j adaptados a certas normas

    especficas e ao que se chamou genericamente de cultura da empresa). No

    segundo caso, o preenchimento de vagas seria aberto aos trabalhadores

    empregados em outras firmas ou mesmo desempregados, mas dentro de

    segmentos de trabalhadores especficos, conforme as caractersticas de cada

    vaga.

    - Outra distino seria entre os mercados primrio e secundrio de

    trabalho. Neste caso, teramos um sistema dual no qual o mercado primrio

    corresponderia aos postos de trabalho mais estveis e bem remunerados, em

    empresas de grande porte, e nos quais a noo de carreira profissional dentro da

    organizao passa a ser um elemento importante, enquanto o mercado

    secundrio seria instvel, caracterizado por ocupaes menos qualificadas e para

    as quais a noo de carreira deixa de ser algo que faz sentido.

    interessante notar que esta ltima distino foi apontada em momentos

    muito distintos como uma tendncia inerente ao modo de produo vigente.

    Temos esta distino presente em textos como o de Galbraith (1988) ou de

    Doeringer & Piore (1971), que tratavam de um contexto em que ainda

    predominava o fordismo, mas tambm em trabalhos como o de Wood (1989),

    que analisava as tendncias trazidas pela reestruturao produtiva, j num

    contexto de acumulao flexvel, e destacava o que naquele momento era

    chamado de tendncia de clivagem da fora de trabalho.

    Outro aspecto a ser destacado diz respeito s crticas recebidas por estas

    classificaes, notadamente a segunda. Uma delas argumentava que ambas as

    distines (entre mercados internos e externos e entre primrios e secundrios)

    no prescindiam da lgica do mercado. Na verdade, segundo autores como Lester

    Thurow (1975), os mercados internos e primrios estariam conectados aos

  • 35

    grandes mercados externo e secundrio por meio dos mesmos princpios de oferta

    e demanda analisados pela teoria econmica clssica, e no representariam,

    portanto, uma ruptura em relao s teorias econmicas. Outra crtica seria

    direcionada ao determinismo tecnolgico presente na distino entre os

    mercados primrio (caracterizado pelo trabalho de grande contedo tcnico, no

    interior de grandes firmas) e o secundrio (menos qualificado, em firmas menores

    e por sua vez menos avanadas tecnologicamente)

    Em relao a estas crticas, pode-se argumentar que a suposio de que

    grandes esferas de mercado estejam conectadas (no caso, trata-se da conexo

    entre os mercados interno/primrio e externo/secundrio) no as torna menos

    heterogneas. Assim, os mercados de trabalho seriam multi-segmentados, tanto

    no sentido profissional (segmentao de ofcios) e organizacional (segmentao

    de empresas), sendo que apenas uma parcela dos trabalhadores estaria

    participando efetivamente de um segmento obediente s leis de mercado e no

    condicionado por regras institucionais especficas.

    As teorias sociolgicas da segmentao dos mercados de trabalho passam

    ento a representar um contraponto cada vez mais forte em relao noo

    economicista baseada na homogeneidade e racionalidade de agentes econmicos

    individuais (trabalhadores e firmas). Este contraponto passa a ocupar posio de

    destaque na medida em que os modos predominantes de organizao produtiva

    (e social) caminham em direo fase regulamentada da era fordista. Assim, o

    estudo mais aprofundado das diferentes formas de segmentao do mercado de

    trabalho segue tanto pelo enfoque profissional quanto pelo organizacional, que

    acabam originando dois importantes ramos da sociologia do trabalho: a sociologia

    das profisses e a sociologia das organizaes. Alm destas, outras

    condicionantes sociais da dinmica do mercado de trabalho passam a ser

    investigadas, como os atributos vinculados a raa, gnero e idade, sendo que

    cada um destes novos ramos da sociologia colaboram para tornar ainda mais

    problemtica a explicao do funcionamento do mercado de trabalho a partir da

    noo de concorrncia entre indivduos iguais num ambiente de livre mercado. Em

  • 36

    outras palavras: o que a economia interpretava como exceo, passa a se revelar

    pelo olhar da sociologia como sendo a regra.

    As teorias e o processo histrico

    Esta seo ter como objetivo a construo de um panorama geral sobre a

    ascenso e o declnio das diferentes concepes sobre mercado de trabalho no

    decorrer do processo histrico do sculo XX. Vale ressaltar que este perodo pode

    ser tambm identificado como o de ascenso e declnio do prprio regime fordista.

    Mas neste caso, deve-se levar em considerao que o prprio fordismo teve

    diferentes fases, sendo que cada uma delas foi marcada por um certo conjunto de

    idias predominantes, entre as quais as mencionadas em sees anteriores.

    Primeiramente, tem-se a fase do fordismo enquanto arranjo produtivo, mas

    no enquanto regime de produo social. Nesta fase, os trabalhadores so

    produtores mximos e consumidores mnimos, ou seja: no existe ainda a

    construo social do chamado compromisso fordista, no qual a produo

    massificada deve contar com mecanismos capazes de assegurar tambm o

    consumo massificado. Nesta fase, as idias liberais (corrente neoclssica) ainda

    so predominantes. A noo de Estado correspondente a estas idias a de

    estado mnimo, garantidor da propriedade privada e pouco atuante na conduo

    da economia. Entre os empresrios, ainda prevalece a chamada lei de Say, na

    qual toda oferta gera automaticamente sua demanda. Os salrios so baixos e o

    consumo viabilizado pelo menor custo das mercadorias produzidas nas grandes

    fbricas tayloristas-fordistas. Esta estratgia logo encontra seus limites e o

    capitalismo fordista enfrenta sua primeira grande crise, para ento ser

    transformado em um capitalismo fordista regulamentado.

    A crise em questo tem como smbolo a queda nas bolsas, em 1929. O

    perodo seguinte ao colapso financeiro foi marcado por forte recesso em escala

    mundial, que mergulhou o sistema em profunda crise e agravou as condies de

    trabalho e renda da j numerosa classe operria. Diante da crise generalizada,

    novas teorias ganham fora, tanto na tarefa de explicao da crise quanto na

  • 37

    proposio de alternativas. neste momento que as teses Kaleckiana e

    Keynesianas passam a ter grande influncia. O papel do Estado na organizao

    das atividades econmicas e na manuteno da estabilidade, atravs de polticas

    anticclicas passa a ganhar corpo. Junto com este estado encorpado e em

    decorrncia disso ganham proeminncia as teses weberianas de Estado

    burocrtico, enquanto as antigas concepes neoclssicas de mercado de

    trabalho cedem espao para o Institucionalismo. A burocracia passa a ser

    necessria tambm fora do Estado, em empresas cada vez maiores e cada vez

    mais complexas em matria de administrao.

    neste cenrio de transformao que os movimentos de trabalhadores

    organizados em torno de seus sindicatos (tambm cada vez maiores) ganha

    importncia na construo de um pacto capaz de proteger a economia de

    oscilaes fortes e geradores de novas crises. da mescla entre o Estado

    keynesiano crescentemente burocratizado e do capital (cada vez mais)

    monopolista e dos grandes sindicatos (que comeam a ser reconhecidos pelo

    governo como legtimos representantes de um grupo social fundamental) que

    surgem as legislaes trabalhistas, e o prprio Estado de Bem Estar Social.

    O mercado de trabalho regulado corresponderia, portanto, fase regulada

    do capitalismo fordista, na qual um compromisso pblico institucionalizado seria

    responsvel pela adequao entre oferta e demanda, nos moldes da Teoria da

    regulao, analisada no captulo 3 desta tese.

    Com a crise do fordismo, as idias neoclssicas vo ressurgir como

    resposta necessidade empresarial de reduo de custos, num momento em que

    novos concorrentes internacionais vo estar associados com a ascenso do

    capital financeiro numa nova conjuntura capitalista. Neste ponto, a financeirizao

    e a securitizao do capital sero decisivos no declnio do iderio keynesiano-

    weberiano predominante at ento. Com o capital financeiro no comando, o

    prprio objetivo prioritrio da poltica econmica deixar de ser o pleno emprego e

    passar a ser o controle da inflao.

  • 38

    O contexto da era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo)

    Na concluso do captulo anterior, foi exposta, ainda que de forma sucinta,

    a articulao entre certas teorias scio-econmicas sobre relaes de trabalho e

    perodos diferenciados dentro do modo de produo capitalista. Tal periodizao

    do capitalismo corresponde mais claramente ao que foi vivenciado nos pases

    capitalistas centrais, no se encaixando adequadamente na realidade dos pases

    latino-americanos, mas fornece aos analistas do processo de formao do

    chamado capitalismo perifrico uma inteligibilidade acerca do papel atribudo a

    certas instituies, que uma vez consolidadas no capitalismo mais avanado,

    sero parcialmente reproduzidas em pases como Brasil e Mxico, de maneira a

    se adaptarem realidade desta periferia8.

    A prpria anlise empreendida neste captulo est incutida de noes que

    so caras ao paradigma do capitalismo organizado, que costuma ser identificado

    com o perodo compreendido entre o final da segunda guerra mundial at os anos

    60. So noes como: Estado Nacional (com forte conotao burocrtica),

    demanda agregada (nacional), escala produtiva e padronizao, planejamento...

    A interao entre estas noes e o aparato institucional que foi sendo

    moldado nos pases capitalistas avanados ser exposta nas prximas pginas,

    tendo como objetivo a compreenso da lgica que estava por trs dos projetos de

    desenvolvimento pensados (embora nem sempre implementados) nos pases

    latino-americanos.

    O ponto de partida mais usual: fordismo e taylorismo

    8 Este processo de formao institucional de carter adaptativo, tendo como inspirao modelos importados, uma caracterstica muito debatida entre estudiosos do desenvolvimento tardio, e ocupa lugar importante nas teorias apoiadas na relao de dependncia (econmica, poltica e social) existente entre pases desenvolvidos e os que foram chamados de subdesenvolvidos. Destacam-se, no Brasil, a obra intitulada O capitalismo tardio, de Joo Manuel Cardoso de Melo e o j clssico Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina, de Enzo Falleto e Fernando Henrique Cardoso.

  • 39

    As contradies internas do regime capitalista, detalhadamente analisadas

    na obra de Karl Marx, deram origem a uma srie de tenses sociais envolvendo a

    fora de trabalho e o capital. Estas tenses j se manifestavam desde uma

    primeira fase do modo de produo capitalista identificada com o predomnio do

    chamado capitalismo concorrencial, fase tambm denominada como perodo

    pr fordista, mas se tornaram mais agudas aps as transformaes geradas a

    partir da difuso de novas prticas na gesto do processo de trabalho, conhecidas

    como o que se convencionou chamar de taylorismo9 e fordismo 10.

    Na primeira etapa do capitalismo, trabalhadores de elevada qualificao detinham

    significativo poder de barganha diante dos proprietrios do capital, ainda

    relativamente numerosos, capites de indstrias de moderado porte. Ao final do

    sculo XIX, j havia uma tendncia de maior concentrao industrial, mas no

    acompanhada de uma grande transformao no perfil da fora de trabalho, que

    continuava a ser, em grande medida, composta por trabalhadores-artesos

    relativamente autnomos em relao forma de execuo de seu prprio

    trabalho, e muitas vezes organizados em sindicatos de ofcio.

    Com a difuso das prticas fordistas, a autonomia dos trabalhadores

    comea a ser drasticamente reduzida, aumentando o controle do Capital sobre a

    fora de trabalho. Por outro lado, a banalizao das atividades exercidas pelos

    operrios no bojo da administrao cientfica de Taylor reduziu a barganha

    individual dos trabalhadores, na medida em que estes se tornavam facilmente

    substituveis. Iniciou-se, assim, um processo de superexplorao da fora de

    trabalho, num contexto em que os controles hierrquicos sobre o operariado

    passavam a ser mais severos, ao mesmo tempo em que a organizao coletiva

    9 O termo taylorismo remete Frederick Taylor, autor considerado o pai da administrao cientfica, e que se dedicou ao estudo dos tempos e movimentos realizados por trabalhadores em suas atividades cotidianas, de maneira a permitir a absoro do conhecimento tcito presente nestes trabalhadores-artesos, e transforma-lo em tcnicas objetivas de gesto do trabalho. Tais tcnicas seriam ento utilizadas no sentido de acelerar o processo produtivo, alm de viabilizar a diviso deste processo em pequenas tarefas simples e repetitivas, exeqveis por qualquer pessoa. 10 O termo fordismo remete Henry Ford, conhecido criador da linha de produo, na qual os trabalhadores ocupam postos de trabalho fixos, mas que so atendidos por um linha mvel, que traz, incessantemente, novos objetos a serem trabalhados. No que se refere diviso do trabalho, a organizao fordista segue estritamente os princpios de Taylor.

  • 40

    destes era duramente reprimida. neste cenrio que os anseios mais especficos

    dos trabalhadores da era fordista vo sendo represados, de forma a alimentar o

    crescimento de sindicatos operrios, de natureza distinta daqueles antigos

    sindicatos corporativos dos artesos de outrora. Diante dos controles repressivos

    exercidos pelo capital, tais sindicatos surgiam como organizaes subterrneas,

    e contavam com a adeso de mais e mais trabalhadores na medida em que as

    condies de trabalho se deterioravam.

    A crise e suas implicaes

    As dificuldades enfrentadas pelas indstrias em momentos de crise de

    superproduo eram sentidas sobretudo por seus operrios, atravs de redues

    salariais, intensificao do trabalho e lock-outs, que traziam tona a questo da

    instabilidade de suas rendas relacionada com as crises tanto como

    conseqncia destas quanto como sua causa essencial. Com a grande depresso

    dos anos 1930, o desemprego e a insatisfao geral dos trabalhadores se

    traduziram em maior atividade sindical, ao passo que o capital, afetado por uma

    crise de grandes propores, passava a sentir a presso exercida pelo conjunto

    da sociedade, que passava a question-lo.

    neste contexto de crise que as organizaes sindicais e o movimento

    operrio como um todo, emergem como uma fora legtima, capaz de influenciar a

    opinio pblica e ganham o reconhecimento do prprio Estado. A partir deste

    momento de transio, as reivindicaes dos trabalhadores passaram a ser

    paulatinamente incorporadas em acordos formais, estabelecidos por meio de

    negociaes entre empresrios e sindicatos, mediados pelo governo. O contedo

    destes acordos variava conforme o setor e as empresas envolvidas na

    negociao11, mas girava em torno de uma srie de direitos que so a base para a

    construo dos sistemas de regulao das relaes de trabalho existentes

    atualmente. de suma importncia salientar que tais sistemas de regulao foram

    11 Neste sentido, o acordo firmado entre a FORD MOTOR COMPANY e seus trabalhadores, em 1941, considerado um marco, inclusive pela importncia simblica da empresa, tendo servido de modelo para vrios outros acordos em outras indstrias.

  • 41

    erigidos no somente visando a resoluo dos conflitos surgidos entre capital e

    trabalho, mas tambm como uma forma de prevenir novas crises do sistema

    capitalista. Neste sentido, no s a relao de trabalho passou a ser alvo de

    regulao, mas todo o sistema, como exposto a seguir.

    A emergncia do capitalismo organizado

    Quando Galbraith (1988) publicou uma de suas mais conhecidas obras, O

    novo Estado industrial, o mundo j vivenciava a fase madura dofordismo,

    entendido aqui como um modo de acumulao que alia a fabricao de bens

    padronizados em larga escala ou simplesmente produo em massa- a um

    padro de consumo tambm massificado, que vinha sendo amplamente difundido

    desde os EUA at a Europa reconstruda. Este modelo de acumulao funcionava

    tambm como um modelo de desenvolvimento econmico e social, que as elites

    de pases em franco processo de industrializao (como Brasil e Mxico, entre

    outros) buscavam reproduzir.

    A este tpico, cabe a tarefa de identificar pontualmente os elementos que

    levaram consolidao do estado de coisas que o autor mencionado acima

    interpretava como caractersticas de uma nova era capitalista, na qual a tradicional

    noo de valores calcada no livre mercado e na livre iniciativa j no correspondia

    nova realidade das economias, em que as foras de mercado vinham sendo

    suplantadas por um sistema coordenado pelo Estado, em associao com

    grandes conglomerados industriais.

    A grande depresso econmica dos anos 1930, perodo marcado por um

    certo desencantamento em relao aos valores liberais, desencadeou um

    processo de reformulao institucional, que no deixava de ser uma adaptao a

    uma realidade que antecedia crise, reflexo da prpria dinmica assumida pelos

    ramos mais modernos da indstria daquela poca. Neste ponto reside um

    importante argumento, a ser destacado: muitas das instituies criadas ao longo

    das dcadas subseqentes grande depresso atendiam necessidades

    colocadas pela grande empresa capitalista, embora tambm trouxessem em seu

  • 42

    bojo muitas conquistas impostas pela ao organizada dos trabalhadores.

    Ademais - e no menos importante deve-se enfatizar que neste novo arcabouo

    institucional incluem-se os organismos internacionais, que passam a exercer

    crescente papel na organizao da economia capitalista, em mbito internacional,

    tendo como objetivo geral, segundo Sebastio Velasco e Cruz (2004) assegurar a

    expanso (capitalista) evitando comoes sociais que estiveram na origem do

    fascismo e do comunismo. Pode-se dizer que este era um objetivo tanto das

    instituies internacionais quanto daquelas de carter nacional com destaque

    para as de cunho trabalhista. Isto posto, resta explicitar os vnculos existentes

    entre a mencionada ascenso da coordenao Estatal (em detrimento do livre

    funcionamento dos mercados) e o atendimento de demandas especficas da

    prpria empresa capitalista. A origem destes vnculos estaria em dois fenmenos:

    o fordismo-taylorismo e a tendncia concentrao industrial caracterstica de

    uma nova fase do sistema capitalista, identificada por muitos como capitalismo

    monopolista.

    fordismo-taylorismo

    Os ganhos de produtividade gerados pelas prticas da moderna

    administrao cientfica de Taylor e o advento da linha de produo fordista

    traziam consigo o embrio de uma ruptura com o liberalismo. Isto se deve a uma

    srie de fatores:

    A prpria dinmica de funcionamento da linha de produo tornava a

    atividade produtiva mais rgida, mais sensvel falhas;

    Para que a indstria fordista funcionasse a contento, seria necessrio um

    grande compromisso por parte dos trabalhadores, que deveriam ser dotados de

    grande disciplina. Surge da a necessidade de um novo modelo de contratao da

    mo-de-obra, que prev uma remunerao baseada em horas trabalhadas, com a

  • 43

    exigncia de assiduidade no trabalho, respeito a horrios pr-estabelecidos,

    respeito a certas normas de comportamento, etc.; Os contratos por tempo

    indeterminado ganham espao.

    Por outro lado, o fornecimento estvel de matria-prima tornava-se crucial.

    Oscilaes nos mercados de insumos passariam a representar um risco

    cada vez maior para o bom andamento da produo, na medida em que a escala

    produtiva fosse sendo ampliada. Com a produo massificada, ganhava

    importncia o planejamento, sendo que aos poucos, a imprevisibilidade

    caracterstica inerente ao sistema de mercado se transformaria em algo

    essencialmente nocivo ao bom funcionamento dos negcios.

    A escala de produo ainda que garantisse uma ampliao dos mercados,

    (ao permitir o barateamento das mercadorias), no resolvia a questo do

    consumo, que teria de crescer no longo prazo;

    A produo em massa no garantia, por si s, o consumo massificado,

    como se fazia acreditar pela mxima conhecida como Lei de Say, sendo que a

    grande crise eclodida em 1929 foi, em parte, conseqncia de uma superoferta de

    bens explicada fundamentalmente por esta crena generalizada entre os

    capitalistas. Uma vez quebrada a confiana no consumo automtico, permanecia

    a questo envolvendo a necessidade de garantir que, no futuro, um consumo

    crescente e em larga escala pudesse ser mantido de maneira segura o suficiente

    para que as grandes indstrias pudessem inseri-lo como dado em seus horizontes

    de planejamento.

    O elo entre a grande escala produtiva e a intensificao do fenmeno da

    concentrao industrial pode ser algo considerado evidente. Mas seus

    desdobramentos levaram necessidade de se construir instncias reguladoras do

    capitalismo, num processo que deve ser mais bem esclarecido.

  • 44

    capitalismo monopolista

    Estado Nacional em defesa dos interesses de suas indstrias. Se

    atualmente no pode ser considerado algo raro, nos dois primeiros quartis do

    sculo XX isto ocorria de maneira intensa e como se sabe, muitas vezes por meio

    da violncia fsica. Mas os objetivos das iniciativas imperialistas12 visavam quase

    sempre o acesso a mercados consumidores e matrias-primas. No entanto, o

    perodo ps-segunda guerra foi marcado por uma crescente articulao entre os

    setores pblico e privado, que extrapolava a noo clssica de imperialismo.

    Tratava-se de garantir a estabilidade de grandes mercados de matrias-primas e

    de fatores de produo atravs da atuao governamental, por meio de uma

    variada gama de instrumentos, entre os quais podem ser includas as linhas

    especiais de crdito, subsdios concedidos produo, polticas de preos, etc. A

    prpria regulao do mercado de trabalho, por meio de uma legislao capaz de

    fixar certos parmetros para o exerccio da livre negociao entre as partes, pode

    ser vista tambm como um esforo estabilizador de preos no caso o preo da

    mercadoria trabalho. Por outro lado, o planejamento da atividade produtiva, antes

    prerrogativa exclusiva do capitalista, passou a ser dividido com o setor pblico por

    meio de rgos especficos, sem contar os casos em que o prprio setor passou a

    atuar como produtor. Esta associao entre Estado e grande capital industrial

    visava garantir um ambiente propcio expanso dos negcios, o que em tempos

    de produo massificada significava reduzir o risco de grandes perdas originadas

    da instabilidade dos mercados. Ao garantir este ambiente favorvel, os governos

    nacionais colaboravam de uma nova forma para a competitividade internacional de

    suas indstrias, o que caracterizaria uma verso moderna de imperialismo, mas

    que o capitalista John K. Galbraith identificou como sendo a formao do novo

    estado industrial.

    12 Seguindo a caracterizao proposta por Lnin, em seu Imperialismo, fase superior do capitalismo, entende-se como imperialismo a expanso do capitalismo por meio da ao decisiva dos Estados nacionais em defesa de interesses de grupos capitalistas privados. Esta ao teria entre seus objetivos a conquista e ampliao de zonas de influncia em mbito internacional.

  • 45

    Desde o perodo analisado neste tpico, tambm conhecido como a poca

    de ouro do capitalismo, e passando pelas ltimas trs dcadas marcadas pela

    reabilitao do liberalismo econmico o aspecto monopolista do capital

    prevaleceu (e foi at reforado). Mas a dinmica deste capital foi

    significativamente alterada, num processo que levou ao declnio da grande

    indstria e seu modelo baseado na produo / consumo padronizados e em larga

    escala. A crise do modelo industrial fordista e os novos paradigmas produtivos

    que dela resultaram sero objeto de anlise no captulo 5, que discorre justamente

    sobre este processo de reestruturao produtiva. Porm, o aspecto decisivo desta

    transformao ocorrida na essncia do capitalismo no reside propriamente na

    reestruturao produtiva, embora esta t