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WAGNER DE SOUZA LEITE MOLINA
REFORMA DAS RELAES DE TRABALHO:
BRASIL E MXICO
Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientao da Profa. Mrcia de Paula Leite.
BANCA: Profa. ngela Maria Carneiro Arajo (presidente) Prof. Dr. Iram Jcome Rodrigues Prof. Dr. Marco Aurlio Silva Santana Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corra de Moraes Prof. Dr. Jos Dari Krein Prof. Carlos Salas Paez (suplente) Prof. Eduardo de Andrade Baltar (suplente) Prof. Thomas Patrick Dwyer (suplente)
JANEIRO 2009
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Ttulo em ingls: Work relations reform: Brazil and Mexico
Palavras chaves em ingls (keywords) : rea de Concentrao: Cincias Sociais Titulao: Doutor em Cincias Sociais Banca examinadora:
Data da defesa: 27-01-2009 Programa de Ps-Graduao: Cincias Sociais
Syndicalism Labor relations Globalization
ngela Maria Carneiro Arajo, Marco Aurlio Silva Santana, Reginaldo Carmello C.de Moraes, Iram Jcome Rodrigues, Jos Dari Krein .
Molina, Wagner de Souza Leite M733r Reforma das relaes de trabalho: Brasil e Mxico / Wagner
de Souza Leite Molina. - Campinas, SP : [s. n.], 2009. Orientadora: Mrcia de Paula Leite. Coorientadora: ngela Maria Carneiro Araujo. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Sindicalismo. 2. Relaes trabalhistas. 3. Globalizao. I. Leite, Mrcia de Paula. II. Arajo, ngela Maria Carneiro. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo. (sfm/ifch)
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Comportamento Geral
Gonzaguinha
Composio: Gonzaguinha
Voc deve notar que no tem mais tutu e dizer que no est preocupado
Voc deve lutar pela xepa da feira e dizer que est recompensado
Voc deve estampar sempre um ar de alegria e dizer: tudo tem melhorado
Voc deve rezar pelo bem do patro e esquecer que est desempregado
Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?
Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?
Voc deve aprender a baixar a cabea
E dizer sempre: "Muito obrigado" So palavras que ainda te deixam dizer
Por ser homem bem disciplinado Deve pois s fazer pelo bem da Nao
Tudo aquilo que for ordenado Pra ganhar um Fusco no juzo final
E diploma de bem comportado
Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?
Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal
Cerveja, samba, e amanh, seu Z Se acabarem com o teu Carnaval?
Voc merece, voc merece Tudo vai bem, tudo legal
E um Fusco no juzo final Voc merece, voc merece
E diploma de bem comportado
Voc merece, voc merece
Esquea que est desempregado Voc merece, voc merece
Tudo vai bem, tudo legal
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AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeo a Mrcia de Paula Leite, orientadora na
medida certa, que depositou grande confiana em mim, mas que sempre esteve
acessvel e disponvel quando, no raro, precisei de ajuda;
Agradeo tambm a Carlos Salas e Mrcio Pochmann, pelas inestimveis
sugestes em minha qualificao, que me abriram novas perspectivas tericas,
que acabariam compondo o eixo central de minha argumentao;
Devo agradecer especialmente aos mexicanos, Marco Tlio e mais uma
vez, Carlos Salas, pelo decisivo apoio logstico que me foi proporcionado, em
minha breve e intensa passagem pelo Mxico;
A Enrique de la Garza, meu orientador mexicano, que guiou meu olhar
sobre os temas trabalhistas no Mxico, obviamente muito mais ricos e complexos
do que eu havia imaginado;
No me esquecerei de Angela Arajo e Reginaldo Moraes, que alm te
terem sido por meio de seus textos verdadeira fonte de inspirao, tambm
contriburam imensamente para a formao de minha banca de defesa;
Devo destacar as condies de pesquisa garantidas pelo IFCH da Unicamp:
sua estrutura fsica e apoio financeiro foram decisivos para a execuo de minhas
pesquisas e viagem de campo.
Por fim, agradeo a CAPES, que ao me prestigiar com uma bolsa de
estudos, garantiu a dedicao necessria para que este trabalho fosse bem feito.
Sem o apoio destas pessoas e instituies, minha tese de doutorado no
teria passado de um projeto.
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RESUMO
As transformaes registradas no mundo do trabalho ao longo das ltimas
dcadas tm sido acompanhadas de um amplo debate sobre a necessidade de se
reformar o aparato legal que regula as relaes de trabalho, tanto no Brasil quanto no
Mxico. Porm, o contedo destas reformas est longe de ser consensual, colocando em
campos opostos os defensores de uma simples desregulamentao dos mercados de
trabalho e os que defendem uma profunda reforma sindical, que leve ao fortalecimento da
representao dos trabalhadores e a ampliao de sua autonomia de negociao.
Entre os primeiros, predomina o diagnstico segundo o qual a inadequao do
atual sistema de regulao trabalhista deriva de sua excessiva rigidez, que impede o livre
funcionamento dos mercados, causando distores que resultam em desemprego. Esta
argumentao parte de concepes tericas liberais, que ganharam fora a partir das
dcadas de 70 e 80, num contexto de ampla reestruturao capitalista. A segunda
corrente de pensamento argumenta que esta mesma reestruturao resultou numa maior
sujeio do trabalho em relao ao capital, sendo que as reformas trabalhistas seriam
necessrias, no sentido de restabelecer certo equilbrio de foras que teria caracterizado
a fase capitalista anterior.
No entanto, nos casos brasileiro e mexicano, tal equilbrio de foras jamais foi
estabelecido, em funo das limitaes decorrentes dos processos de industrializao
destes pases, que conduzidos pelo Estado, reproduziram as assimetrias sociais desde
sempre existentes, em ambos os casos. Neste contexto que foram criados os sistemas
sindicais corporativos, estabelecidos sob a tutela do Estado, e que representam hoje um
dos muitos desafios enfrentados pelos trabalhadores, que desde os anos 1990, tm sido
submetidos a uma deteriorao das condies de trabalho, em funo dos processos de
abertura econmica que passaram a ser adotados, sob a lgica da globalizao.
Tal lgica reforada pelas reformas de cunho neoliberal que tm sido
recomendadas por organismos internacionais como panacia curativa para todos os
males econmicos, mas que implicam o abandono dos modelos de industrializao
voltadas para o mercado interno, em troca de uma insero subordinada na nova ordem
econmica mundial, marcada por diviso internacional do trabalho desfavorvel aos
paises em desenvolvimento.
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ABSTRACT
Changes in the world of labor, registered in the last few decades, have been
followed by a wide debate about the need to reform de legal apparatus which regulates
work relations in Brazil as well as in Mexico. But the content of such reform is far from
being consensual, placing in opposite fields the defenders of a simple deregulation of work
markets and those who defend a broad union reform, which would lead to the
strengthening of workers representation and the broadening of their negotiation autonomy.
Among the first dominates the diagnosis according to which the inadequacy of the
current work regulation system comes from its excessive stiffness, which prevents free
markets from working and causes distortions that lead to unemployment. Such line of
thought originates in liberal theoretical conceptions which gained momentum in the 1970s
and 1980s in a context of broad capitalist restructuring. The second line of thought argues
that this same restructuring resulted in a stronger subjection of work to capital and that the
work reforms would be necessary to restore the preexisting balance.
However, in the Mexican and Brazilian cases, such balance has never been
established due to limitations caused by the industrialization processes in these countries.
Conducted by the state, they reproduced the social unbalances which have always existed
in both cases. The corporate union systems were created in this context, established and
tutored by the state, and represent today one of the many challenges faced by the workers
who, since the 1980s, have been subject to the deterioration of work conditions due to the
economic opening processes that took place under the new globalization logic.
Such logic is reinforced by the so called neoliberal reforms which have been
recommended by multilateral international agencies as a healing panacea for all economic
evils. However, they implicate the forsaking of industrialization processes aimed at the
internal market for a subordinated insertion in the new world economic order, marked by
an international work division unfavorable to the developing countries.
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NDICE SUMARIO .......................................................................................................................................................10
INTRODUO GERAL................................................................................................................................11
PARTE I: O PROCESSO DE FORMAO DAS INSTITUIES TRABALHISTAS (COMPARATIVO HISTRICO) .................................................................................................................19
CAPTULO 1: ASPECTOS TERICOS DAS RELAES DE TRABALHO E O CONTEXTO DA ERA CAPITALISTA INDUSTRIAL (FORDISMO E KEYNESIANISMO) ....................................21
TEORIAS SOBRE A NATUREZA DAS RELAES DE TRABALHO........................................................................ 21 DO PLENO EMPREGO AO DESEMPREGO: UM PROBLEMA ANTIGO EM NOVO CONTEXTO... ........................... 24 AS INTERPRETAES ECONMICAS .............................................................................................................. 25
Os autores neoclssicos: laissez faire, laissez passer ........................................................................ 26 Kalecki e o consumo dos assalariados ................................................................................................... 27 Keynes: Uma anlise mais ampla........................................................................................................... 29
UMA ABORDAGEM SOCIOLGICA: O INSTITUCIONALISMO ............................................................................ 32 AS TEORIAS E O PROCESSO HISTRICO.......................................................................................................... 36 O CONTEXTO DA ERA CAPITALISTA INDUSTRIAL (FORDISMO E KEYNESIANISMO) .................................. 38
O ponto de partida mais usual: fordismo e taylorismo........................................................................... 38 A crise e suas implicaes ...................................................................................................................... 40 A emergncia do capitalismo organizado .......................................................................................... 41
CAPTULO 2: BRASIL E MXICO: O DESENVOLVIMENTISMO NACIONALISTA E AS INSTITUIES TRABALHISTAS HERDADAS.......................................................................................51
VISO PANORMICA DA INDUSTRIALIZAO LATINO-AMERICANA ............................................................ 51 OS CASOS ESPECFICOS: BRASIL E MXICO .................................................................................................. 58
Semejantes... ........................................................................................................................................... 59 ...Pero distintos ....................................................................................................................................... 60 Getlio Vargas e Lzaro Crdenas ........................................................................................................ 61 As instituies de regulao trabalhista que foram herdadas ................................................................ 65 concentrao de poder e colaboracionismo de classes .......................................................................... 68 Caractersticas de funcionamento dos velhos sistemas de regulao ................................................ 71 Mxico..................................................................................................................................................... 77 os contratos de proteo......................................................................................................................... 80
PARTE II: A ASCENSO DO CAPITALISMO FINANCEIRO E O RESGATE DO LIBERALISMO ECONMICO.................................................................................................................................................83
CAPITULO 3: A REESTRUTURAO CAPITALISTA E A GLOBALIZAO ............................85
A reestruturao produtiva e a globalizao ..................................................................................... 85 A CONDIO PS-MODERNA: REESTRUTURAO PRODUTIVA ...................................................................... 87
A Teoria da Regulao: nostalgia do fordismo ...................................................................................... 89 Os neoschumpeterianos e a destruio criadora ............................................................................... 92 A especializao flexvel: small is beautiful? ......................................................................................... 95 As correntes tericas e a Amrica Latina ............................................................................................... 98
GLOBALIZAO: CONDIO PS-MODERNA? ............................................................................................... 99 Entre os hiperglobalistas e os cticos .............................................................................................. 100 Implicaes para a anlise dos casos locais ........................................................................................ 104
CAPITAL FINANCEIRO E NEOLIBERALISMO: A ESSNCIA DO NOVO CAPITALISMO ........................................ 108 Neoliberalismo econmico: muito alm do liberalismo clssico.......................................................... 110 Uma Doutrina ....................................................................................................................................... 111 Um movimento ...................................................................................................................................... 113 Um conjunto de medidas....................................................................................................................... 114 A financeirizao do capital ................................................................................................................. 116 A nova diviso internacional do trabalho............................................................................................. 120
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CAPTULO 4 A INSERO DE BRASIL E MXICO NA ERA DO NOVO CAPITALISMO...125
A COMPETITIVIDADE: ENTRE OS CONTEXTOS LOCAIS E O CENRIO GLOBAL ............................................... 125 A COMPETITIVIDADE E OS NOVOS PADRES DE PRODUO ........................................................................ 127
O trabalho como elemento-chave da competitividade.......................................................................... 129 A insero produtiva no novo arranjo internacional: Low road e high road....................................... 130
O CONTEXTO DA ASCENSO NEOLIBERAL NA A.L. ..................................................................................... 132 O Brasil e a modernizao conservadora ........................................................................................ 138
A POLTICA DE CONCERTACIN NO MXICO: RUMO AO TLC .................................................................. 143
PARTE III: A CONTROVRSIA SOBRE AS REFORMAS DAS INSTITUIES DE REGULAO TRABALHISTA............................................................................................................................................151
CAPTULO 5: AS CONSEQNCIAS PARA O MUNDO DO TRABALHO: MUDANAS NA PRTICA.....................................................................................................................................................153
MUDANAS NA PRODUO, SEGUNDO A LGICA FINANCEIRA.................................................................... 154 A FLEXIBILIZAO: PROCESSO DE TRABALHO E CONTRATO DE TRABALHO ................................................ 156 MUDANAS NA DINMICA DOS MERCADOS DE TRABALHO ......................................................................... 159 MESMO PONTO DE PARTIDA, CAMINHOS DIFERENTES... .............................................................................. 161
O caminho brasileiro ............................................................................................................................ 162 O caminho mexicano............................................................................................................................. 169
MUDANAS ENVOLVENDO O PROCESSO DE TRABALHO .............................................................................. 176 Individualismo: mais autonomia e mais controle sobre o trabalho...................................................... 179 A segmentao dos trabalhadores: nas empresas, no pas, no mundo ................................................. 182 Trabalhadores cada vez mais qualificados. E o trabalho..................................................................... 184 Qualificao e Competncia................................................................................................................. 186
CAPTULO 6: DIFERENTES VISES SOBRE A REFORMA TRABALHISTA E AS PROPOSTAS REFORMADORAS NOS PASES INVESTIGADOS...............................................................................193
EM DISPUTA: O SENTIDO DAS REFORMAS TRABALHISTAS ........................................................................... 193 Qual reforma? Diferentes vertentes sobre o tema ................................................................................ 195 Sobre a primeira vertente ..................................................................................................................... 197 Sobre a segunda vertente ...................................................................................................................... 198 Duas vertentes se articulando: determinismo tecnolgico e liberalismo ............................................. 199 Sobre a terceira vertente....................................................................................................................... 200
AS REFORMAS EM PAUTA E AS MUDANAS EFETIVAMENTE REGISTRADAS ................................................. 203 Brasil: intentos reformistas desde FHC e a reforma sindical de Lula.................................................. 203 A reforma sindical do governo Lula ..................................................................................................... 211 Mxico: do frum de 1989 ao projeto Abascal................................................................................. 217 O Projeto Abascal ............................................................................................................................ 224
CONSIDERAES FINAIS........................................................................................................................229
BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................................................233
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SUMARIO Introduo geral Parte I: O processo de formao das instituies trabalhistas (comparativo histrico) Captulo 1: Aspectos tericos das relaes de trabalho e o contexto da era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo) Captulo 2: Brasil e Mxico: o desenvolvimentismo nacionalista e as instituies trabalhistas herdadas Parte II: A ascenso do capitalismo financeiro e o resgate do liberalismo econmico Captulo 3: A reestruturao capitalista e a globalizao Captulo 4: A insero de Brasil e Mxico na era do novo capitalismo Parte III: A controvrsia sobre as reformas das instituies de regulao trabalhista Captulo 5: As conseqncias para o mundo do trabalho: mudanas na prtica Captulo 6: Diferentes vises sobre a reforma trabalhista e as propostas reformadoras nos pases investigados Concluses e perspectivas
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Introduo Geral
O objetivo deste texto refletir sobre as mudanas nas relaes de trabalho
ocorridas no Brasil e no Mxico luz das reformas institucionais registradas
nestes pases a partir dos anos 90, em meio a um intenso processo de
reestruturao produtiva gerado a partir de um processo de financeirizao do
capital, que desde o final dos anos 60 vem alterando a lgica da acumulao
capitalista. A anlise tem a ambio de proporcionar uma clara viso sobre a
lgica que operou por detrs das mudanas ocorridas em ambos os pases,
identificando, para cada caso, algumas particularidades acerca do contexto
histrico e da conjuntura poltica e econmica em que estas se deram.
Adicionalmente, sero apresentados, em linhas gerais, os principais aspectos
trazidos pelas novas relaes de trabalho, acompanhados de algumas
consideraes sobre suas conseqncias para a subjetividade dos trabalhadores,
para o mercado de trabalho e para os movimentos de trabalhadores. Por fim, ser
introduzida uma discusso sobre o controvertido tema das reformas das relaes
de trabalho em ambos os pases, com o intuito de colocar em evidncia os
impasses e desafios enfrentados pelos que atuam nesta rea, alm das diferentes
conotaes polticas assumidas pelas concepes de reforma em torno dos quais
so estabelecidas intensas disputas. Com isso, espera-se contribuir para um
melhor entendimento sobre a natureza e o sentido das transformaes em curso
nestas sociedades, em articulao com um contexto mais amplo de reestruturao
capitalista em escala mundial.
Ao propor um levantamento sobre reformas na rea do trabalho envolvendo
inicialmente Brasil e Mxico, partiu-se da premissa de que a comparao entre
pases desenvolvidos e aqueles em vias de desenvolvimento no esclarece muito
sobre algumas das relaes fundamentais a serem investigadas: a relao entre
competitividade e as reformas envolvendo flexibilizao ou desregulamentao
das relaes de trabalho, bem como a relao entre crescimento/desenvolvimento
econmico e estas mesmas reformas. Em funo das diferenas que separam
pases desenvolvidos e em desenvolvimento, em termos de posicionamento
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econmico, insero na diviso internacional do trabalho, infra-estrutura, etc.,
qualquer comparao sobre a regulao do trabalho perde a eficcia. Para
atender aos objetivos aqui apresentados, no seria de grande valia comparar, por
exemplo, a regulao do trabalho na Sucia e no Brasil; to pouco seria til uma
comparao envolvendo o Brasil e algum outro pas dentre os mais pobres.
Assim, para fins de comparao, julgou-se mais adequado tratar de pases
de certa forma similares em matria de peso poltico regional, nvel de
desenvolvimento econmico e social, posicionamento em cadeias produtivas
internacionais, etc. Vale ressaltar que, ao estarem inseridos em posies
relativamente semelhantes no atual contexto internacional em que pases
competem entre si na atrao de investimentos externos estes pases
possivelmente enfrentam tambm constrangimentos externos de natureza
semelhante, derivados de uma configurao econmica internacional que reduz a
autonomia poltica dos estados nacionais, mas de forma desigual, conforme o
pas. Neste cenrio interdependente, identificar razes que possam explicar
diferenas entre os processos de (re) insero internacional registrados em pases
similares tarefa fundamental para o esclarecimento das questes envolvendo o
sentido das reformas que tm sido discutidas.
Por outro lado, ao realizar uma comparao entre Brasil e Mxico, a
pesquisa tratar de pases que contam com um histrico poltico/econmico muito
prximo (inclusive em matria de processo de desenvolvimento), mas que em
tempos recentes foram levados a adotar estratgias significativamente diferentes,
basicamente no que diz respeito ao modo de insero poltica e econmica
internacional: enquanto o Mxico passa a integrar um grande bloco econmico
juntamente com EUA e Canad (NAFTA), o Brasil segue com seus esforos para
se firmar como lder regional na Amrica do Sul e na tentativa de ampliar e
fortalecer um projeto alternativo de integrao para este subcontinente
MERCOSUL1 e a recm criada UNASUL2, de carter mais amplo.
1 O Mercosul, como conhecido o Mercado Comum do Sul uma unio aduaneira (livre comrcio intrazona e poltica comercial comum) de cinco pases da Amrica do Sul. Em sua formao original o bloco era composto por quatro pases: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
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Enfim, pode-se afirmar que Brasil e Mxico inserem-se em contextos
regionais suficientemente diferentes para que as semelhanas encontradas na
anlise sejam valorizadas, e ao mesmo tempo, suficientemente parecidos
(principalmente no que no que tange ao seu histrico de desenvolvimento), para
que as discrepncias registradas numa comparao sejam relevantes.
Outros fatores contriburam para a escolha destes casos como objeto de
estudo, baseados em critrios que levam em conta semelhanas fundamentais
entre os pases, a saber: a) a relativa tradio e diversificao industrial, somadas
a um peso significativo deste setor no PIB; b) o grande peso poltico e econmico
nos planos regionais; c) a presena de populaes numerosas; d) o fato de ambos
os pases serem dotados de Estados suficientemente slidos para garantir o
sentido de continuidade com o passado e para servir como quadro de referncia a
projetos plausveis de futuro.
Finalmente, cabe ressaltar que muitos aspectos das chamadas reformas
das relaes de trabalho ainda esto por ser pesquisados, principalmente no que
tange a estudos comparativos internacionais. Neste sentido, o presente trabalho
representa apenas uma pequena contribuio, ao traar um panorama geral e
contextualizado dos principais aspectos presentes no debate sobre a reforma das
relaes de trabalho nos pases investigados.
A pesquisa empreendida para a elaborao deste trabalho incluiu a anlise
de documentos oficiais dos governos brasileiro e mexicano, de documentos
sindicais e de associaes empresariais de ambos os pases, e de bases de
dados como a PNAD e a RAIS, no caso Brasileiro, e levantamentos do INEGI3, no
caso mexicano, a saber: ENIGH pesquisa nacional de renda e gastos dos
Desde 2006, a Venezuela depende de aprovao dos congressos nacionais para que sua entrada seja aprovada. Muitos sul-americanos vem o Mercosul como uma arma contra a influncia dos EUA na regio, tanto na forma da ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas quanto por meio de tratados bilaterais. 2 A Unio de Naes Sul-Americanas (UNASUL), anteriormente designada por Comunidade Sul-Americana de Naes (CSN), unir o Mercosul e Comunidade Andina de Naes (alm do Chile, da Guiana e do Suriname) e da num ambicioso projeto de integrao continental, nos moldes da Unio Europia. 3 INEGI Instituto Nacional de Estadstica y Geografia, www.inegi.org.mx, equivalente mexicano ao IBGE do Brasil.
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domiclios; ENOE pesquisa nacional de ocupao e emprego; ENESTyC
pesquisa nacional de emprego, salrios, tecnologia e capacitao no setor
manufatureiro.
O acesso aos dados foi viabilizado pela internet e, eventualmente, por meio
de visitas aos sindicatos, associaes, etc., sendo que no caso do Mxico, a
coleta de dados in loco esteve concentrada no perodo em que foi realizada uma
concentrada pesquisa de campo neste pas, nos meses de janeiro e fevereiro de
2008. Alm de pesquisa documental, o trabalho de campo incluiu entrevistas com
acadmicos, juristas, dirigentes sindicais e ativistas polticos ligados a movimentos
sociais. Tal imerso no contexto das relaes de trabalho no Mxico revelou muito
sobre a distncia entre a realidade local marcada pela grande informalidade nas
relaes de trabalho e o que sugere a anlise fria da legislao mexicana. Por
outro lado, as entrevistas realizadas revelaram a centralidade assumida pela
questo da democracia no interior das estruturas sindicais mexicanas.
Nestes e em muitos outros aspectos, a investigao realizada em campo foi
extremamente rica, tendo sido fundamental na elaborao desta tese. No entanto,
em alguns sindicatos, associaes e outras entidades mexicanas, o acesso
informao foi limitado, o que pode ser explicado, talvez, por uma tradio
corporativa centralizadora e autoritria, que ainda muito presente no pas, mas
que felizmente comea a ser abandonada. Estas dificuldades explicam algumas
lacunas deixadas nas anlises sobre o sindicalismo mexicano. Outras falhas e
omisses certamente presentes neste trabalho, so de inteira responsabilidade do
autor.
Para dar conta dos objetivos propostos, o trabalho contar, logo no
captulo 1, com um exerccio terico visando o estabelecimento de uma relao
entre as principais teorias econmicas e sociais sobre a natureza das relaes de
trabalho e sua influncia nas polticas adotadas em diferentes momentos
histricos, para em seguida tratar mais especificamente do contexto em que
emerge o chamado fordismo regulado, ou capitalismo organizado,
fundamentado pelas concepes keynesianas de intervencionismo estatal nas
atividades econmicas.
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No captulo 2, as experincias latino-americanas de industrializao so o
ponto de partida para uma anlise que busca explicar as caractersticas dos
sistemas de regulao trabalhista do Brasil e do Mxico como um reflexo das
prprias limitaes impostas industrializao destes pases, decorrentes, em
grande medida, da assimetria social que desde sempre caracterizou os dois
pases.
O captulo 3 aborda as transformaes que vem sendo registradas no
sistema capitalista desde os anos 60, buscando interpreta-las a partir do
fenmeno da financeirizao do capital, que levou ao abandono dos princpios
fundadores do capitalismo organizado exposto no primeiro captulo, passando a
informar uma reestruturao capitalista que subordinou a lgica produtiva aos
interesses financeiros voltados para os ganhos de curto prazo. Com isso, busca-
se uma explicao alternativa para a reestruturao produtiva registrada em
pases ao redor do mundo, salientando sua conformidade em relao a uma nova
diviso internacional do trabalho, e refutando as tradicionais teorias que costumam
ser utilizadas para dar inteligibilidade s transformaes ocorridas.
No captulo 4, uma viso ampla do contexto em que as transformaes
capitalistas atingiram os pases da Amrica Latina o ponto de partida para
estabelecer as condicionantes que levaram brasileiros e mexicanos a
abandonarem seus antigos projetos nacionais de industrializao voltada para
dentro, inaugurando uma era de reformas liberalizantes. A partir de uma crtica
argumentao usual sobre a competitividade, sero apresentados, os elementos
incorporados na agenda da reestruturao empresarial registrada no Brasil e no
Mxico, relacionando-os com o contexto histrico e ideolgico dos anos 1980, e
destacando suas implicaes para os temas trabalhistas. A hiptese central deste
captulo a de que os processos de reestruturao produtiva, registrados a partir
da adoo das tais reformas representariam, em ltima instncia, uma adaptao
passiva nova diviso internacional do trabalho tratada anteriormente.
No captulo 5 so analisadas as conseqncias das transformaes
econmicas registradas para os trabalhadores e seus representantes, que
apontam para a debilitao da atuao dos sindicatos, seja ela decorrente de uma
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perda do poder de barganha ocasionada pela piora nos mercados de trabalho, ou
de mudanas nas formas de organizao do trabalho e da produo que
contriburam para incutir nos trabalhadores uma lgica individualista. A hiptese
aqui a de que transformaes nas relaes de trabalho j tm ocorrido de fato,
sendo que o contedo defendido para as reformas de ordem formal coloca em
campos polticos opostos os que tm sido beneficiados por tais mudanas e os
que desejam reverter suas conseqncias.
Finalmente, no captulo 6, ser feita uma anlise sobre as diferentes
concepes tericas que fundamentam projetos de reforma trabalhista de carter
antagnico, para em seguida, iniciar uma esclarecedora exposio dos intentos
reformistas em cada pas analisado, contextualizando-os. Com isso, e diante das
anlises desenvolvidas em outros captulos, o sentido das transformaes
ocorridas nas ltimas dcadas e sua relao com as pretendidas reformas, se
tornar mais claro.
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Parte I: O processo de
formao das
instituies trabalhistas
(comparativo histrico)
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Captulo 1: Aspectos tericos das relaes de trabalho e o contexto da
era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo)
Este captulo inicial aborda algumas das principais concepes tericas
sobre o funcionamento dos mercados de trabalho e sobre a lgica de
comportamento de seus integrantes, a fim de evidenciar as relaes entre as
diferentes formas de se pensar as relaes de trabalho e as fases histricas em
que elas passaram exercer maior ou menor influncia no estabelecimento de
padres de regulao econmica e social. Em seguida, ser privilegiada a anlise
do contexto especfico em que o capitalismo industrial passou a ser organizado,
dando origem s estruturas de regulao do trabalho que hoje so apontadas
como arcaicas e anacrnicas. Em outras palavras, a proposta deste captulo
proporcionar ao leitor uma viso acerca do que est por trs do paradigma
tradicional das relaes de trabalho, sob o qual foram construdos os sistemas de
regulao que atualmente se pretende reformar.
Teorias sobre a natureza das relaes de trabalho
Diante das profundas transformaes que vm afetando o mundo do
trabalho em tempos recentes, muitos tericos tentam proporcionar alguma
inteligibilidade aos acontecimentos, provocando a origem de tantas mudanas e
buscando traar perspectivas sobre o futuro do trabalho. No entanto, o tradicional
universo do trabalho tem sido alterado em ritmo to intenso, e com conseqncias
to devastadoras, que a dvida e a insegurana predominam, no obstante a
grande quantidade de literatura produzida sobre o assunto. Como apontado por
Ladislau Dowbor (2001):
H hoje um nmero significativo de pesquisas sobre emprego e
desemprego, estudos de dinmicas econmicas setoriais e regionais, nunca
tivemos tantas cifras. Tambm nunca estivemos to confusos. Quando as
transformaes atingem um ritmo e uma profundidade de maiores
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propores, os prprios conceitos, as ferramentas de anlise que dispomos,
tendem a tornar-se inadequados, e o volume de nmeros no ajuda.
(DOWBOR, 2001. p. 2)
Em funo do que foi mencionado acima, entender a natureza das novas
relaes de trabalho seria condio sine qua non para a explicao dos problemas
que atualmente so enfrentados em diferentes partes do globo, como a
precarizao do trabalho, o desemprego e a insegurana de renda, que parecem
ser, at aqui, as conseqncias mais incmodas (e socialmente mais visveis) da
reestruturao capitalista. Neste sentido, compreender em profundidade as
mudanas envolvendo as relaes de trabalho assume um carter de urgncia,
diante da necessidade de se criar uma resposta aos problemas enfrentados. Tais
mudanas poderiam ser abordadas a partir de dois aspectos:
o primeiro trata do processo de trabalho e est relacionado com as
inovaes em matria de gesto/organizao da atividade laboral, muitas
vezes associadas com o emprego de novas tecnologias. A reestruturao
produtiva surge aqui como temtica de fundo;
o segundo se concentra na nova dinmica dos mercados de trabalho, a
partir de uma viso macro. O desemprego e as causas apontadas para
explic-lo surgem como temtica inevitvel.
A anlise empreendida neste trabalho privilegia o segundo aspecto. O
destaque dado a esta temtica se justifica primeiramente pelo fato de que a
adoo de reformas trabalhistas, em sentido amplo, sempre apresentada como
antdoto para o mal estar social causado pelo desemprego e pela informalidade.
Uma segunda justificativa se d em funo do pleno emprego ter deixado de ser o
objetivo primordial das polticas econmicas em geral, ao contrrio do que ocorreu
no perodo ps-guerra, quando as estruturas de regulao trabalhista foram
consolidadas em grande parte dos pases industrializados. Da a importncia de
uma reviso das diferentes teorias (sobretudo econmicas) que buscam explicar a
dinmica dos mercados de trabalho, sendo que este ser o ponto de partida para
a compreenso das lgicas que predominaram em diferentes momentos do
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capitalismo, desde sua fase concorrencial, passando pela era do chamado
capitalismo organizado 4, at a sua atual fase.
Cabe a observao de que o problema central deste trabalho no reside
propriamente nos fenmenos do desemprego e da informalidade , mas est ligado
ao fato de estes serem apontados e com muita freqncia como sendo o
resultado de uma inadequao dos sistemas que regulam as relaes de trabalho
diante dos novos paradigmas produtivos adotados em busca de maior
competitividade. sabido, no entanto, que diferentes teorias procurando explicar
os fenmenos citados acima, conduzem a opes distintas (ou mesmo opostas),
tanto em matria de poltica econmica, quanto em relao aos papis atribudos
ao Estado na organizao social. Esta observao leva a um questionamento
fundamental: seria possvel a formulao de um novo sistema de regulao das
relaes de trabalho que no estivesse atrelado a determinadas opes polticas,
econmicas e sociais? Que fosse to somente uma deciso tcnica,
completamente dissociada de uma certa concepo de sociedade?
sob este questionamento que uma investigao sobre as teorias do
desemprego e seu papel na construo e posterior desconstruo do
compromisso fordista assume relevncia. Na elaborao deste trabalho, admitiu-
se o pressuposto de que toda e qualquer formulao sobre sistemas de regulao
trabalhista est, sim, associada a uma opo ideolgica, sem que seja possvel
separar uma coisa da outra.
Faz-se necessrio assinalar, ainda, que a discusso a ser desenvolvida
neste primeiro captulo j incorpora um certo posicionamento terico, na medida
em que se prope a discutir as relaes de trabalho na sociedade a partir das
noes de emprego e desemprego. A opo pelo uso destas noes se ope
atual tendncia de dar ao trabalho uma conotao de ocupao/atividade
4 Entende-se por este termo como sendo o sistema capitalista regulado por normas e instituies, tanto no mbito das finanas internacionais (acordo de Bretton Woods, de 1944, em que foi criado o FMI) quanto no mbito das relaes entre capital e trabalho(construo de legislaes trabalhistas locais) ou at do funcionamento dos mercados de bens (presena do planejamento econmico estatal). Em essncia, o objetivo destas instncias reguladoras seria diminuir o carter instvel dos sistemas econmicos de mercado. Sobre isto, destacam-se as anlises feitas por Galbraith, em seu famoso trabalho O Novo estado Industrial(1988).
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autnoma, negando sua relao de dependncia frente a um contratante que
detm a propriedade dos meios de produo, sendo que justamente esta
dependncia que justifica a necessidade de uma regulamentao capaz de
garantir certos direitos aos trabalhadores, que seriam o elo mais fraco no bojo das
relaes de produo.
Do pleno emprego ao desemprego: Um problema antigo em novo
contexto...
O desemprego um tema que tem ganhado espao no cotidiano das
pessoas, nos meios de comunicao, nos discursos de polticos, empresrios,
sindicalistas, e no meio acadmico. Este tema ressurgiu a partir da segunda
metade dos anos 70, com a abertura da crise do fordismo e as conseqncias dos
novos arranjos produtivos. O resultado mais visvel das transformaes analisadas
no tpico anterior seria atualmente um desemprego de carter crnico e estrutural,
segundo relatrios produzidos por importantes organismos internacionais5,
presente tanto nas economias mais desenvolvidas quanto na periferia do sistema.
Diferentes interpretaes deste fenmeno apontam para respostas igualmente
distintas, que oscilam entre o otimismo de autores como Domenico de Masi, Alvin
Tofler e at Peter Drucker, at o pessimismo caracterstico de boa parte dos
autores de esquerda, passando por uma ampla gama de estudos buscando
evidenciar as caractersticas atuais do mercado de trabalho (Castels, 1999;
Harvey, 1993; Sennett, 2004). De fato, o novo contexto do desemprego possui
caractersticas especficas que levam muitos analistas a vislumbrar possibilidades
como a de uma sociedade sem empregos (Rifkin 1996), ou uma sociedade
voltada para o lazer e o cio produtivo (De Masi, 1999). Alguns apontam para a
superao do capitalismo, por meio da emergncia de uma sociedade de
empreendedores autnomos (Drucker, 1993), enquanto outros admitem como
mais provvel uma soluo via polticas de renda mnima a serem conduzidas pelo
5 Neste sentido, ver relatrios peridicos publicados pela da OIT sob o ttulo: Word Employment Report.
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Estado (Hirst & Thompsom, 2001), sem contar aqueles que enxergam o
socialismo como nica alternativa (Mezros, 2003).
Apesar desta riqueza de idias presente em grande parte da literatura
sobretudo em relao construo de cenrios futuros so relativamente
poucos os trabalhos que se dedicam a analisar com maior profundidade as causas
sistmicas do desemprego atual. Os trabalhos que se lanam a esta tarefa
costumam ser, pela prpria natureza do tema, oriundos inicialmente da cincia
econmica, mas tambm dividem espao com anlises sociolgicas. A seguir, o
leitor encontrar uma rpida explanao sobre as diferentes interpretaes da
teoria econmica sobre o desemprego, seguida de um breve retrospecto sobre a
abordagem alternativa, trazida fundamentalmente pela sociologia do trabalho. A
ltima seo deste captulo busca avaliar a maior ou menor influncia exercida por
estas concepes tericas, ao longo das diferentes fases da histria capitalista
recente.
As interpretaes econmicas
Diferentes trabalhos sobre as causas do desemprego em economias
capitalistas industrializadas comearam a ser produzidos a partir da dcada de 80,
devido ao persistente desemprego que j preocupava alguns pases europeus,
mas de uma forma geral, pode-se afirmar que tais trabalhos apenas atualizam os
conceitos desenvolvidos anteriormente pela economia poltica clssica e seus
crticos. Basicamente, estes conceitos partem de trs grandes abordagens: a
keynesiana, a kaleckiana e a neoclssica6 todas elas tm em comum a
preocupao de decifrar as relaes que ocorrem entre o desemprego e os
salrios (reais e nominais), mas partem de premissas distintas, a comear pelo
pressuposto envolvendo a prpria flexibilidade dos salrios. Inicialmente ser
6 Tendo como base o trabalho de AMADEO, E. e ESTEVO, M.. A teoria econmica do
desemprego. So Paulo: Hucitec, s.d.
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apresentada a abordagem neoclssica, e logo em seguida, as crticas de Kalecki e
Keynes.
Os autores neoclssicos: laissez faire, laissez passer
Para a teoria neoclssica (Walras, 1983), o desemprego causado por
desequilbrios no mercado de trabalho, que podem ocorrer em funo de
quaisquer empecilhos colocados ao seu livre funcionamento. Tais empecilhos so
em geral atribudos ao de instituies que, ao agirem no sentido oposto das
tendncias determinadas pela oferta e demanda, acabam impedindo que o
mercado se auto-ajuste. Para chegar a estas concluses, os neoclssicos partem
de quatro premissas bsicas sobre o funcionamento da economia:
1o as firmas sempre agem em busca da maximizao de seus lucros;
2o elas apresentam rendimentos marginais decrescentes ao ampliarem a
produo;
3o a oferta de trabalho, por parte dos trabalhadores, aumenta na medida em
que sobem seus salrios reais;
4o o nvel de demanda agregada um dado exgeno (independe dos nveis
salariais).
Assim, do ponto de vista neoclssico, uma situao de desemprego estaria
associada a uma elevao nos salrios reais pagos, que ao comprometer a
lucratividade das firmas faria com que as mesmas diminussem a demanda por
trabalhadores, ao mesmo tempo em que estes estariam dispostos a dedicar mais
tempo ao trabalho (ampliando sua oferta), justamente em funo da remunerao
elevada. Neste caso, a soluo para o problema seria rapidamente alcanada
atravs do mercado, que diante de uma oferta de trabalho superior demanda,
conduziria necessariamente a uma queda nos salrios (que induziria
trabalhadores e firmas a reajustarem, respectivamente, oferta e demanda de
trabalho), conduzindo a um novo equilbrio entre as foras de mercado. A mesma
lgica valeria para a situao oposta, na qual um salrio real abaixo do ponto de
equilbrio levaria ao crescimento da demanda por trabalho por parte das firmas,
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frente a uma diminuio da oferta entre os trabalhadores, o que resultaria em uma
elevao salarial suficiente para que o mercado se reajustasse, com salrios
maiores.
interessante notar que, dentro da lgica neoclssica, os aumentos do
salrio numa situao de pleno emprego seriam determinados pelo aumento
da quantidade de trabalho demandada pelas firmas, o que s ocorreria em duas
hipteses: a) aumento do nvel de preos, causado pela elevao da demanda
agregada no mercado de bens (o que provocaria a reduo do salrio real); e b)
elevao da produtividade do trabalho. Dentro desta lgica, eventuais aumentos
no salrio nominal (em funo da ao de sindicatos, por exemplo) seriam
compensados pelo aumento do nvel de preos praticados pelas firmas no
mercado de bens, o que manteria o salrio real inalterado. Porm, a relao entre
salrios e preos no seria vlida no sentido oposto, ou seja: diminuies no
salrio nominal no afetariam os preos, dada a ausncia de relao entre os
nveis salariais e a demanda agregada de bens e servios (conforme a 4
premissa da teoria neoclssica);desta forma, redues no salrio nominal
implicariam reduo tambm no salrio real. (Dornbush & Fisher, 1995)
Em suma, para a teoria neoclssica, a economia tenderia ao pleno emprego
numa situao de livre mercado, sendo que qualquer aumento no salrio nominal
que no fosse determinado pela ao do prprio mecanismo de mercado teria
como conseqncias a inflao ou o desemprego (na impossibilidade de se
ajustar preos).
As abordagens crticas teoria neoclssica rejeitavam pelo menos os dois
ltimos de seus pressupostos fundamentais, sendo que a crtica tecida por
Kalecki, mais contundente, tambm rejeitaria a segunda premissa.
Kalecki e o consumo dos assalariados
A teoria kaleckiana (Kalecki apud: Amadeo e Estevo, s.d.) inova em
vrios aspectos, a comear pela associao estabelecida entre nveis salariais e
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demanda agregada de bens, sendo que neste sentido, introduzida a hiptese de
que os trabalhadores tm uma propenso ao consumo maior do que a registrada
entre os capitalistas. Esta hiptese permite uma inverso da lgica neoclssica,
pois no modelo econmico kaleckiano, o produto da economia determinado, de
um lado, pelo nvel demandado de investimentos (que surge aqui como varivel
exgena), e de outro, pela demanda por bens de consumo na qual a
participao dos trabalhadores decisiva. Assim, segundo a lgica kaleckiana,
aumentos no salrio real teriam como conseqncia o aumento da demanda, em
funo do incremento da procura por bens de consumo por parte dos
trabalhadores. Isto levaria a uma ampliao do nvel de produo e,
conseqentemente, da demanda por trabalho.
No entanto, esta lgica depende especificamente do que ocorre no
processo de formao dos preos, que se daria a partir da fixao de uma
margem sobre o custo varivel da produo. Tais custos seriam formados, entre
outros fatores, pelo salrio nominal negociado previamente entre firma e
trabalhadores. Este salrio no seria, portanto, to flexvel como previsto na teoria
clssica, e seu valor real seria determinado pelo resultado do processo de
formao de preos, mais do que pela variao do seu valor nominal.
Por fim, Kalecki tambm rejeita a premissa de que o aumento da produo
das firmas ocorra com rendimentos marginais decrescentes. Para o autor, os
rendimentos marginais de cada aumento produtivo so constantes. Isto implica
numa participao tambm constante dos salrios na diviso da renda nacional,
independentemente do nvel de produo, alm de reforar a lgica segundo a
qual um aumento da demanda agregada leva a um crescimento do produto (pois
ao aumentarem sua produo, as firmas mantm sua lucratividade constante)
Uma diferena importante entre as interpretaes neoclssica e kaleckiana
reside no fato de a primeira tratar o desemprego como um problema
microeconmico, enquanto a segunda o trata como uma questo
macroeconmica, assim como ocorre na abordagem keynesiana. Porm nesta
ltima abordagem, a relao entre salrio real e nvel de produto no positiva, o
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que a distancia das concepes kaleckianas e a aproxima, neste ponto mas
apenas neste da teoria neoclssica.
Keynes: Uma anlise mais ampla
A anlise keynesiana sobre o desemprego um tema complexo, tanto em
funo das diferentes interpretaes e crticas que vem recebendo ao longo de
mais de quatro dcadas, quanto pelo fato de no configurar um todo monoltico
dentro de sua obra. Ademais, a anlise desenvolvida pelo autor em seus trabalhos
extrapola os limites das demais, ao inserir formalmente a dimenso monetria em
seus modelos.
A noo keynesiana de desemprego presente na literatura moderna7 pode
ser considerada uma variante do caso kaleckiano, mas pressupondo que
trabalhadores e capitalistas possuem a mesma propenso para o consumo; e
tendo nos salrios nominais (e no gasto autnomo nominal relacionado com estes)
os determinantes do produto.
Para as modernas interpretaes keynesianas, uma queda nos salrios
nominais no deve gerar mais empregos, pois esta reduo salarial reduz tambm
a demanda agregada, acarretando uma queda no nvel de preos, que por sua vez
poderia ser at mais intensa do que a registrada nos salrios nominais. O
resultado disso seria uma elevao dos salrios reais, mas com queda no nvel de
atividade econmica e de emprego. Assim, o nvel de produto da economia estaria
positivamente relacionado com o salrio nominal e com os gastos nominais, mas
no com os salrios reais. A mensagem sugerida por esta anlise a de que
polticas macroeconmicas de incentivo demanda agregada (juntamente com a
determinao de salrios nominais adequados) seriam mais eficientes no
incremento da produo e do emprego do que a receita neoclssica de reduo
de custos via salrios reais, num mbito microeconmico.
7 Este texto considera como modernas interpretaes keynesianas, os trabalhos de Robert Solow, Joseph E. Stiglitz e Amartya Sen, entre outros.
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Entretanto, na anlise feita por Keynes em seu Tratado sobre a moeda
(1930 apud: Amadeo e Estevo, s.d.), uma queda nos salrios nominais seria
capaz de aumentar o emprego, pois em seu modelo convencional, os salrios no
seriam determinantes dos gastos nominais. A lgica da argumentao
desenvolvida no Tratado gira em torno do chamado efeito Keynes, e incorpora
anlise o aspecto monetrio.
Toda a argumentao tem como ponto de partida uma suposta elevao da
taxa de juros, ocasionada em funo de algum desequilbrio monetrio. Com a alta
nos juros, cai o consumo e o investimento, aumentando a propenso dos agentes
a poupar. Com o consumo menor, caem os preos e a rentabilidade das firmas,
mas no os salrios (que para o autor so inicialmente rgidos). Em funo disso,
as firmas passam a produzir menos, gerando menos empregos. A partir do
momento em que os salrios passam a ser reduzidos (para compensar a queda
nos preos), a rentabilidade das firmas comea a ser restabelecida, e estas voltam
a empregar. Alm disso, salrios e preos em nveis mais baixos fazem com que a
demanda por moeda para fins de transao tambm se reduza, o que levar a
uma queda na taxa de juros. Esta taxa de juros menor estimula consumo e
investimento, e desestimula a poupana. A intensidade desta queda na taxa de
juros vai determinar a rapidez com que o sistema ir retornar ao equilbrio. Aqui
neste caso, a queda nos salrios o principal mecanismo de ajuste, ao promover
o restabelecimento da lucratividade das firmas e a queda nas taxas de juros. Isto
aproximaria Keynes da teoria neoclssica, ao identificar na rigidez dos salrios
queda um elemento capaz de adiar o re-equilbrio do sistema.
A leitura do Tratado gera uma tendncia a identificar em Keynes uma
postura na qual o desemprego seria sim, uma decorrncia da rigidez salarial. No
entanto, as consideraes feitas pelo autor em sua Teoria Geral do emprego, juros
e da moeda so capazes de reverter esta tendncia.
Na Teoria Geral, a anlise sobre o tema feita em duas etapas distintas: a
primeira pressupe salrios como dado fixo mas apenas para efeito de
simplificao e se constitui numa anlise esttica; na segunda, tambm
chamada de anlise dinmica ou histrica, os salrios so flexveis. nesta
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segunda etapa que o autor elabora sua crtica anlise neoclssica, apontando as
limitaes desta abordagem ao desconsiderar os efeitos sobre a demanda
agregada a partir de uma reduo salarial. Eles seriam:
a) A transferncia de renda dos assalariados para outros grupos, e dos
empresrios para os rentistas (em funo da queda dos preos). Os efeitos
deste processo sobre o nvel de emprego dependeriam das propenses ao
consumo dos diferentes tipos de renda, mas o efeito lquido, segundo o
autor, tenderia a ser contracionista;
b) O aumento do investimento, desde que haja expectativas de reverso
futura da queda salarial. Se as expectativas no apontarem para esta
reverso, o resultado a queda do investimento;
c) Queda na taxa de juros, em funo da diminuio da demanda por
moeda (devido aos salrios menores), o que estimularia o investimento.
Entretanto, se a deflao (mencionada no primeiro item) provocar fuga dos
ativos reais, em funo da elevao da taxa de juros real, ocorrer um
aumento da demanda por moeda. O efeito lquido ser, ento,
contracionista;
d) Tendncia positiva em relao ao que o autor chamou de animal spirits
do empresariado. Por outro lado, poderia ocorrer uma elevao dos
movimentos contestatrios por parte dos sindicatos;
e) Processos de falncia envolvendo as firmas endividadas, em funo da
queda nos preos. Entre os credores, o efeito seria financeiramente
positivo, mas diante de uma onda de falncias, tais ganhos poderiam no
se concretizar;
f) Aumento das exportaes e diminuio das importaes (no caso de uma
economia aberta), em funo da queda dos preos internos, e na hiptese
de que a taxa de cmbio permanea fixa. Neste caso, os efeitos seriam
expansionistas.
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Outros impactos seriam ainda catalogveis, mas estes seriam os mais
importantes, de acordo com o autor, que conclui suas anlises indicando os
efeitos gerados na taxa de juros e no nvel de investimentos como sendo os mais
representativos para os analistas que crem na capacidade do sistema de auto
ajustar-se. No entanto, se a conseqncia expansionista mais importante se d
por meio do aumento da quantidade de moeda, parece mais razovel buscar estes
efeitos por meio de uma poltica monetria expansionista, e no pela reduo
salarial e todos os seus efeitos ambguos.
Ademais, o prprio Keynes no via com bons olhos uma poltica de salrios
flexveis:
O principal resultado [da poltica de salrios flexveis] seria causar uma
grande instabilidade dos preos, talvez to violenta a ponto de tornar
irrelevantes os clculos capitalistas... (Keynes, 2006, 268)
Diante do exposto, pode-se concluir que na a anlise de Keynes da Teoria
Geral, a rigidez dos salrios no seria a causa do desemprego. Por outro lado, a
flexibilidade salarial seria at indesejvel devido ao seu potencial de gerar
instabilidade ao sistema.
Uma abordagem sociolgica: o Institucionalismo
Pode-se dizer, com alguma simplificao, que as teorias econmicas
buscam explicar o desemprego como sendo uma decorrncia do funcionamento
dos mercados (de trabalho ou de bens). Para tal, variveis como taxa de juros,
nvel de investimento, consumo, preos, salrios, lucros etc. surgem como fatores
mais ou menos relacionados - conforme a corrente terica considerada mas
sempre num contexto de mercado. A teoria sociolgica, a partir dos anos 50 (Kerr
apud PRIES, 2000), passa a buscar uma nova explicao para os processos
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envolvendo a capacitao, o recrutamento e a contratao (bem como a
remunerao) de trabalhadores. Esta nova abordagem significou uma ruptura em
relao noo econmica que colocava o mercado como grande mediador da
relao capital-trabalho (ainda que se admitisse que o funcionamento deste fosse
influenciado por fatores externos).
Nesta nova concepo, a noo de livre concorrncia dos trabalhadores
num mercado de trabalho homogneo a primeira a ser abandonada, cedendo
espao a uma noo hierarquizada dos postos de trabalho, na qual certos
segmentos de trabalhadores competem por diferentes postos de trabalho dentro
de uma mesma empresa, em condies tambm diferenciadas. Esta mesma
heterogeneidade caracterizaria as prticas e normas empresariais (sobretudo das
grandes empresas) em relao fora de trabalho. Assim, as formas de
capacitao e remunerao, bem como os critrios para o preenchimento de
vagas e ascenso hierrquica seriam diferentes em cada empresa. A
segmentao do trabalho dentro das empresas e as diferenas existentes entre as
empresas seriam por si s capazes de tornar a antiga noo de mercado de
trabalho muito menos til do que se supunha at ento.
Desta forma, as regras institucionais de certas empresas, bem como as
que regem certos segmentos profissionais (sejam estas regras formais ou no)
teriam, em muitos casos, capacidade explicativa superior lgica mercadolgica
de oferta e demanda. Neste sentido, uma srie de fatores institucionais poderia
ser apresentada como explicao para a existncia de maior ou menor
desemprego em diferentes regies e/ou segmentaes do mercado de trabalho.
Tais fatores poderiam estar relacionados com o aparato normativo de certas
profisses, na medida em que estes possibilitassem a formao de reservas de
mercado. De outro modo, regras internas referentes ao preenchimento de postos
de trabalho poderiam influenciar a presena de nveis de desemprego distintos
conforme o segmento de trabalho em questo, apontando para a existncia de
dois mercados de trabalho distintos.
Em relao s distines entre estes mercados, seria possvel classific-
las de duas formas, de acordo com sua natureza:
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- Uma delas seria a distino entre os mercados interno e externo. No
primeiro caso estariam os postos de trabalho que costumam ser preenchidos por
trabalhadores oriundos da prpria organizao (e j adaptados a certas normas
especficas e ao que se chamou genericamente de cultura da empresa). No
segundo caso, o preenchimento de vagas seria aberto aos trabalhadores
empregados em outras firmas ou mesmo desempregados, mas dentro de
segmentos de trabalhadores especficos, conforme as caractersticas de cada
vaga.
- Outra distino seria entre os mercados primrio e secundrio de
trabalho. Neste caso, teramos um sistema dual no qual o mercado primrio
corresponderia aos postos de trabalho mais estveis e bem remunerados, em
empresas de grande porte, e nos quais a noo de carreira profissional dentro da
organizao passa a ser um elemento importante, enquanto o mercado
secundrio seria instvel, caracterizado por ocupaes menos qualificadas e para
as quais a noo de carreira deixa de ser algo que faz sentido.
interessante notar que esta ltima distino foi apontada em momentos
muito distintos como uma tendncia inerente ao modo de produo vigente.
Temos esta distino presente em textos como o de Galbraith (1988) ou de
Doeringer & Piore (1971), que tratavam de um contexto em que ainda
predominava o fordismo, mas tambm em trabalhos como o de Wood (1989),
que analisava as tendncias trazidas pela reestruturao produtiva, j num
contexto de acumulao flexvel, e destacava o que naquele momento era
chamado de tendncia de clivagem da fora de trabalho.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito s crticas recebidas por estas
classificaes, notadamente a segunda. Uma delas argumentava que ambas as
distines (entre mercados internos e externos e entre primrios e secundrios)
no prescindiam da lgica do mercado. Na verdade, segundo autores como Lester
Thurow (1975), os mercados internos e primrios estariam conectados aos
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grandes mercados externo e secundrio por meio dos mesmos princpios de oferta
e demanda analisados pela teoria econmica clssica, e no representariam,
portanto, uma ruptura em relao s teorias econmicas. Outra crtica seria
direcionada ao determinismo tecnolgico presente na distino entre os
mercados primrio (caracterizado pelo trabalho de grande contedo tcnico, no
interior de grandes firmas) e o secundrio (menos qualificado, em firmas menores
e por sua vez menos avanadas tecnologicamente)
Em relao a estas crticas, pode-se argumentar que a suposio de que
grandes esferas de mercado estejam conectadas (no caso, trata-se da conexo
entre os mercados interno/primrio e externo/secundrio) no as torna menos
heterogneas. Assim, os mercados de trabalho seriam multi-segmentados, tanto
no sentido profissional (segmentao de ofcios) e organizacional (segmentao
de empresas), sendo que apenas uma parcela dos trabalhadores estaria
participando efetivamente de um segmento obediente s leis de mercado e no
condicionado por regras institucionais especficas.
As teorias sociolgicas da segmentao dos mercados de trabalho passam
ento a representar um contraponto cada vez mais forte em relao noo
economicista baseada na homogeneidade e racionalidade de agentes econmicos
individuais (trabalhadores e firmas). Este contraponto passa a ocupar posio de
destaque na medida em que os modos predominantes de organizao produtiva
(e social) caminham em direo fase regulamentada da era fordista. Assim, o
estudo mais aprofundado das diferentes formas de segmentao do mercado de
trabalho segue tanto pelo enfoque profissional quanto pelo organizacional, que
acabam originando dois importantes ramos da sociologia do trabalho: a sociologia
das profisses e a sociologia das organizaes. Alm destas, outras
condicionantes sociais da dinmica do mercado de trabalho passam a ser
investigadas, como os atributos vinculados a raa, gnero e idade, sendo que
cada um destes novos ramos da sociologia colaboram para tornar ainda mais
problemtica a explicao do funcionamento do mercado de trabalho a partir da
noo de concorrncia entre indivduos iguais num ambiente de livre mercado. Em
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outras palavras: o que a economia interpretava como exceo, passa a se revelar
pelo olhar da sociologia como sendo a regra.
As teorias e o processo histrico
Esta seo ter como objetivo a construo de um panorama geral sobre a
ascenso e o declnio das diferentes concepes sobre mercado de trabalho no
decorrer do processo histrico do sculo XX. Vale ressaltar que este perodo pode
ser tambm identificado como o de ascenso e declnio do prprio regime fordista.
Mas neste caso, deve-se levar em considerao que o prprio fordismo teve
diferentes fases, sendo que cada uma delas foi marcada por um certo conjunto de
idias predominantes, entre as quais as mencionadas em sees anteriores.
Primeiramente, tem-se a fase do fordismo enquanto arranjo produtivo, mas
no enquanto regime de produo social. Nesta fase, os trabalhadores so
produtores mximos e consumidores mnimos, ou seja: no existe ainda a
construo social do chamado compromisso fordista, no qual a produo
massificada deve contar com mecanismos capazes de assegurar tambm o
consumo massificado. Nesta fase, as idias liberais (corrente neoclssica) ainda
so predominantes. A noo de Estado correspondente a estas idias a de
estado mnimo, garantidor da propriedade privada e pouco atuante na conduo
da economia. Entre os empresrios, ainda prevalece a chamada lei de Say, na
qual toda oferta gera automaticamente sua demanda. Os salrios so baixos e o
consumo viabilizado pelo menor custo das mercadorias produzidas nas grandes
fbricas tayloristas-fordistas. Esta estratgia logo encontra seus limites e o
capitalismo fordista enfrenta sua primeira grande crise, para ento ser
transformado em um capitalismo fordista regulamentado.
A crise em questo tem como smbolo a queda nas bolsas, em 1929. O
perodo seguinte ao colapso financeiro foi marcado por forte recesso em escala
mundial, que mergulhou o sistema em profunda crise e agravou as condies de
trabalho e renda da j numerosa classe operria. Diante da crise generalizada,
novas teorias ganham fora, tanto na tarefa de explicao da crise quanto na
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proposio de alternativas. neste momento que as teses Kaleckiana e
Keynesianas passam a ter grande influncia. O papel do Estado na organizao
das atividades econmicas e na manuteno da estabilidade, atravs de polticas
anticclicas passa a ganhar corpo. Junto com este estado encorpado e em
decorrncia disso ganham proeminncia as teses weberianas de Estado
burocrtico, enquanto as antigas concepes neoclssicas de mercado de
trabalho cedem espao para o Institucionalismo. A burocracia passa a ser
necessria tambm fora do Estado, em empresas cada vez maiores e cada vez
mais complexas em matria de administrao.
neste cenrio de transformao que os movimentos de trabalhadores
organizados em torno de seus sindicatos (tambm cada vez maiores) ganha
importncia na construo de um pacto capaz de proteger a economia de
oscilaes fortes e geradores de novas crises. da mescla entre o Estado
keynesiano crescentemente burocratizado e do capital (cada vez mais)
monopolista e dos grandes sindicatos (que comeam a ser reconhecidos pelo
governo como legtimos representantes de um grupo social fundamental) que
surgem as legislaes trabalhistas, e o prprio Estado de Bem Estar Social.
O mercado de trabalho regulado corresponderia, portanto, fase regulada
do capitalismo fordista, na qual um compromisso pblico institucionalizado seria
responsvel pela adequao entre oferta e demanda, nos moldes da Teoria da
regulao, analisada no captulo 3 desta tese.
Com a crise do fordismo, as idias neoclssicas vo ressurgir como
resposta necessidade empresarial de reduo de custos, num momento em que
novos concorrentes internacionais vo estar associados com a ascenso do
capital financeiro numa nova conjuntura capitalista. Neste ponto, a financeirizao
e a securitizao do capital sero decisivos no declnio do iderio keynesiano-
weberiano predominante at ento. Com o capital financeiro no comando, o
prprio objetivo prioritrio da poltica econmica deixar de ser o pleno emprego e
passar a ser o controle da inflao.
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O contexto da era capitalista industrial (fordismo e keynesianismo)
Na concluso do captulo anterior, foi exposta, ainda que de forma sucinta,
a articulao entre certas teorias scio-econmicas sobre relaes de trabalho e
perodos diferenciados dentro do modo de produo capitalista. Tal periodizao
do capitalismo corresponde mais claramente ao que foi vivenciado nos pases
capitalistas centrais, no se encaixando adequadamente na realidade dos pases
latino-americanos, mas fornece aos analistas do processo de formao do
chamado capitalismo perifrico uma inteligibilidade acerca do papel atribudo a
certas instituies, que uma vez consolidadas no capitalismo mais avanado,
sero parcialmente reproduzidas em pases como Brasil e Mxico, de maneira a
se adaptarem realidade desta periferia8.
A prpria anlise empreendida neste captulo est incutida de noes que
so caras ao paradigma do capitalismo organizado, que costuma ser identificado
com o perodo compreendido entre o final da segunda guerra mundial at os anos
60. So noes como: Estado Nacional (com forte conotao burocrtica),
demanda agregada (nacional), escala produtiva e padronizao, planejamento...
A interao entre estas noes e o aparato institucional que foi sendo
moldado nos pases capitalistas avanados ser exposta nas prximas pginas,
tendo como objetivo a compreenso da lgica que estava por trs dos projetos de
desenvolvimento pensados (embora nem sempre implementados) nos pases
latino-americanos.
O ponto de partida mais usual: fordismo e taylorismo
8 Este processo de formao institucional de carter adaptativo, tendo como inspirao modelos importados, uma caracterstica muito debatida entre estudiosos do desenvolvimento tardio, e ocupa lugar importante nas teorias apoiadas na relao de dependncia (econmica, poltica e social) existente entre pases desenvolvidos e os que foram chamados de subdesenvolvidos. Destacam-se, no Brasil, a obra intitulada O capitalismo tardio, de Joo Manuel Cardoso de Melo e o j clssico Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina, de Enzo Falleto e Fernando Henrique Cardoso.
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As contradies internas do regime capitalista, detalhadamente analisadas
na obra de Karl Marx, deram origem a uma srie de tenses sociais envolvendo a
fora de trabalho e o capital. Estas tenses j se manifestavam desde uma
primeira fase do modo de produo capitalista identificada com o predomnio do
chamado capitalismo concorrencial, fase tambm denominada como perodo
pr fordista, mas se tornaram mais agudas aps as transformaes geradas a
partir da difuso de novas prticas na gesto do processo de trabalho, conhecidas
como o que se convencionou chamar de taylorismo9 e fordismo 10.
Na primeira etapa do capitalismo, trabalhadores de elevada qualificao detinham
significativo poder de barganha diante dos proprietrios do capital, ainda
relativamente numerosos, capites de indstrias de moderado porte. Ao final do
sculo XIX, j havia uma tendncia de maior concentrao industrial, mas no
acompanhada de uma grande transformao no perfil da fora de trabalho, que
continuava a ser, em grande medida, composta por trabalhadores-artesos
relativamente autnomos em relao forma de execuo de seu prprio
trabalho, e muitas vezes organizados em sindicatos de ofcio.
Com a difuso das prticas fordistas, a autonomia dos trabalhadores
comea a ser drasticamente reduzida, aumentando o controle do Capital sobre a
fora de trabalho. Por outro lado, a banalizao das atividades exercidas pelos
operrios no bojo da administrao cientfica de Taylor reduziu a barganha
individual dos trabalhadores, na medida em que estes se tornavam facilmente
substituveis. Iniciou-se, assim, um processo de superexplorao da fora de
trabalho, num contexto em que os controles hierrquicos sobre o operariado
passavam a ser mais severos, ao mesmo tempo em que a organizao coletiva
9 O termo taylorismo remete Frederick Taylor, autor considerado o pai da administrao cientfica, e que se dedicou ao estudo dos tempos e movimentos realizados por trabalhadores em suas atividades cotidianas, de maneira a permitir a absoro do conhecimento tcito presente nestes trabalhadores-artesos, e transforma-lo em tcnicas objetivas de gesto do trabalho. Tais tcnicas seriam ento utilizadas no sentido de acelerar o processo produtivo, alm de viabilizar a diviso deste processo em pequenas tarefas simples e repetitivas, exeqveis por qualquer pessoa. 10 O termo fordismo remete Henry Ford, conhecido criador da linha de produo, na qual os trabalhadores ocupam postos de trabalho fixos, mas que so atendidos por um linha mvel, que traz, incessantemente, novos objetos a serem trabalhados. No que se refere diviso do trabalho, a organizao fordista segue estritamente os princpios de Taylor.
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destes era duramente reprimida. neste cenrio que os anseios mais especficos
dos trabalhadores da era fordista vo sendo represados, de forma a alimentar o
crescimento de sindicatos operrios, de natureza distinta daqueles antigos
sindicatos corporativos dos artesos de outrora. Diante dos controles repressivos
exercidos pelo capital, tais sindicatos surgiam como organizaes subterrneas,
e contavam com a adeso de mais e mais trabalhadores na medida em que as
condies de trabalho se deterioravam.
A crise e suas implicaes
As dificuldades enfrentadas pelas indstrias em momentos de crise de
superproduo eram sentidas sobretudo por seus operrios, atravs de redues
salariais, intensificao do trabalho e lock-outs, que traziam tona a questo da
instabilidade de suas rendas relacionada com as crises tanto como
conseqncia destas quanto como sua causa essencial. Com a grande depresso
dos anos 1930, o desemprego e a insatisfao geral dos trabalhadores se
traduziram em maior atividade sindical, ao passo que o capital, afetado por uma
crise de grandes propores, passava a sentir a presso exercida pelo conjunto
da sociedade, que passava a question-lo.
neste contexto de crise que as organizaes sindicais e o movimento
operrio como um todo, emergem como uma fora legtima, capaz de influenciar a
opinio pblica e ganham o reconhecimento do prprio Estado. A partir deste
momento de transio, as reivindicaes dos trabalhadores passaram a ser
paulatinamente incorporadas em acordos formais, estabelecidos por meio de
negociaes entre empresrios e sindicatos, mediados pelo governo. O contedo
destes acordos variava conforme o setor e as empresas envolvidas na
negociao11, mas girava em torno de uma srie de direitos que so a base para a
construo dos sistemas de regulao das relaes de trabalho existentes
atualmente. de suma importncia salientar que tais sistemas de regulao foram
11 Neste sentido, o acordo firmado entre a FORD MOTOR COMPANY e seus trabalhadores, em 1941, considerado um marco, inclusive pela importncia simblica da empresa, tendo servido de modelo para vrios outros acordos em outras indstrias.
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erigidos no somente visando a resoluo dos conflitos surgidos entre capital e
trabalho, mas tambm como uma forma de prevenir novas crises do sistema
capitalista. Neste sentido, no s a relao de trabalho passou a ser alvo de
regulao, mas todo o sistema, como exposto a seguir.
A emergncia do capitalismo organizado
Quando Galbraith (1988) publicou uma de suas mais conhecidas obras, O
novo Estado industrial, o mundo j vivenciava a fase madura dofordismo,
entendido aqui como um modo de acumulao que alia a fabricao de bens
padronizados em larga escala ou simplesmente produo em massa- a um
padro de consumo tambm massificado, que vinha sendo amplamente difundido
desde os EUA at a Europa reconstruda. Este modelo de acumulao funcionava
tambm como um modelo de desenvolvimento econmico e social, que as elites
de pases em franco processo de industrializao (como Brasil e Mxico, entre
outros) buscavam reproduzir.
A este tpico, cabe a tarefa de identificar pontualmente os elementos que
levaram consolidao do estado de coisas que o autor mencionado acima
interpretava como caractersticas de uma nova era capitalista, na qual a tradicional
noo de valores calcada no livre mercado e na livre iniciativa j no correspondia
nova realidade das economias, em que as foras de mercado vinham sendo
suplantadas por um sistema coordenado pelo Estado, em associao com
grandes conglomerados industriais.
A grande depresso econmica dos anos 1930, perodo marcado por um
certo desencantamento em relao aos valores liberais, desencadeou um
processo de reformulao institucional, que no deixava de ser uma adaptao a
uma realidade que antecedia crise, reflexo da prpria dinmica assumida pelos
ramos mais modernos da indstria daquela poca. Neste ponto reside um
importante argumento, a ser destacado: muitas das instituies criadas ao longo
das dcadas subseqentes grande depresso atendiam necessidades
colocadas pela grande empresa capitalista, embora tambm trouxessem em seu
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bojo muitas conquistas impostas pela ao organizada dos trabalhadores.
Ademais - e no menos importante deve-se enfatizar que neste novo arcabouo
institucional incluem-se os organismos internacionais, que passam a exercer
crescente papel na organizao da economia capitalista, em mbito internacional,
tendo como objetivo geral, segundo Sebastio Velasco e Cruz (2004) assegurar a
expanso (capitalista) evitando comoes sociais que estiveram na origem do
fascismo e do comunismo. Pode-se dizer que este era um objetivo tanto das
instituies internacionais quanto daquelas de carter nacional com destaque
para as de cunho trabalhista. Isto posto, resta explicitar os vnculos existentes
entre a mencionada ascenso da coordenao Estatal (em detrimento do livre
funcionamento dos mercados) e o atendimento de demandas especficas da
prpria empresa capitalista. A origem destes vnculos estaria em dois fenmenos:
o fordismo-taylorismo e a tendncia concentrao industrial caracterstica de
uma nova fase do sistema capitalista, identificada por muitos como capitalismo
monopolista.
fordismo-taylorismo
Os ganhos de produtividade gerados pelas prticas da moderna
administrao cientfica de Taylor e o advento da linha de produo fordista
traziam consigo o embrio de uma ruptura com o liberalismo. Isto se deve a uma
srie de fatores:
A prpria dinmica de funcionamento da linha de produo tornava a
atividade produtiva mais rgida, mais sensvel falhas;
Para que a indstria fordista funcionasse a contento, seria necessrio um
grande compromisso por parte dos trabalhadores, que deveriam ser dotados de
grande disciplina. Surge da a necessidade de um novo modelo de contratao da
mo-de-obra, que prev uma remunerao baseada em horas trabalhadas, com a
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exigncia de assiduidade no trabalho, respeito a horrios pr-estabelecidos,
respeito a certas normas de comportamento, etc.; Os contratos por tempo
indeterminado ganham espao.
Por outro lado, o fornecimento estvel de matria-prima tornava-se crucial.
Oscilaes nos mercados de insumos passariam a representar um risco
cada vez maior para o bom andamento da produo, na medida em que a escala
produtiva fosse sendo ampliada. Com a produo massificada, ganhava
importncia o planejamento, sendo que aos poucos, a imprevisibilidade
caracterstica inerente ao sistema de mercado se transformaria em algo
essencialmente nocivo ao bom funcionamento dos negcios.
A escala de produo ainda que garantisse uma ampliao dos mercados,
(ao permitir o barateamento das mercadorias), no resolvia a questo do
consumo, que teria de crescer no longo prazo;
A produo em massa no garantia, por si s, o consumo massificado,
como se fazia acreditar pela mxima conhecida como Lei de Say, sendo que a
grande crise eclodida em 1929 foi, em parte, conseqncia de uma superoferta de
bens explicada fundamentalmente por esta crena generalizada entre os
capitalistas. Uma vez quebrada a confiana no consumo automtico, permanecia
a questo envolvendo a necessidade de garantir que, no futuro, um consumo
crescente e em larga escala pudesse ser mantido de maneira segura o suficiente
para que as grandes indstrias pudessem inseri-lo como dado em seus horizontes
de planejamento.
O elo entre a grande escala produtiva e a intensificao do fenmeno da
concentrao industrial pode ser algo considerado evidente. Mas seus
desdobramentos levaram necessidade de se construir instncias reguladoras do
capitalismo, num processo que deve ser mais bem esclarecido.
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capitalismo monopolista
Estado Nacional em defesa dos interesses de suas indstrias. Se
atualmente no pode ser considerado algo raro, nos dois primeiros quartis do
sculo XX isto ocorria de maneira intensa e como se sabe, muitas vezes por meio
da violncia fsica. Mas os objetivos das iniciativas imperialistas12 visavam quase
sempre o acesso a mercados consumidores e matrias-primas. No entanto, o
perodo ps-segunda guerra foi marcado por uma crescente articulao entre os
setores pblico e privado, que extrapolava a noo clssica de imperialismo.
Tratava-se de garantir a estabilidade de grandes mercados de matrias-primas e
de fatores de produo atravs da atuao governamental, por meio de uma
variada gama de instrumentos, entre os quais podem ser includas as linhas
especiais de crdito, subsdios concedidos produo, polticas de preos, etc. A
prpria regulao do mercado de trabalho, por meio de uma legislao capaz de
fixar certos parmetros para o exerccio da livre negociao entre as partes, pode
ser vista tambm como um esforo estabilizador de preos no caso o preo da
mercadoria trabalho. Por outro lado, o planejamento da atividade produtiva, antes
prerrogativa exclusiva do capitalista, passou a ser dividido com o setor pblico por
meio de rgos especficos, sem contar os casos em que o prprio setor passou a
atuar como produtor. Esta associao entre Estado e grande capital industrial
visava garantir um ambiente propcio expanso dos negcios, o que em tempos
de produo massificada significava reduzir o risco de grandes perdas originadas
da instabilidade dos mercados. Ao garantir este ambiente favorvel, os governos
nacionais colaboravam de uma nova forma para a competitividade internacional de
suas indstrias, o que caracterizaria uma verso moderna de imperialismo, mas
que o capitalista John K. Galbraith identificou como sendo a formao do novo
estado industrial.
12 Seguindo a caracterizao proposta por Lnin, em seu Imperialismo, fase superior do capitalismo, entende-se como imperialismo a expanso do capitalismo por meio da ao decisiva dos Estados nacionais em defesa de interesses de grupos capitalistas privados. Esta ao teria entre seus objetivos a conquista e ampliao de zonas de influncia em mbito internacional.
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Desde o perodo analisado neste tpico, tambm conhecido como a poca
de ouro do capitalismo, e passando pelas ltimas trs dcadas marcadas pela
reabilitao do liberalismo econmico o aspecto monopolista do capital
prevaleceu (e foi at reforado). Mas a dinmica deste capital foi
significativamente alterada, num processo que levou ao declnio da grande
indstria e seu modelo baseado na produo / consumo padronizados e em larga
escala. A crise do modelo industrial fordista e os novos paradigmas produtivos
que dela resultaram sero objeto de anlise no captulo 5, que discorre justamente
sobre este processo de reestruturao produtiva. Porm, o aspecto decisivo desta
transformao ocorrida na essncia do capitalismo no reside propriamente na
reestruturao produtiva, embora esta t