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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Luciana de Campos Cheres
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A
POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES
PERDIDAS
CURITIBA
2010
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A
POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES
PERDIDAS
CURITIBA
2010
Luciana de Campos Cheres
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A
POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES
PERDIDAS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Thaís G. Pascoaloto Venturi.
CURITIBA
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Luciana de Campos Cheres
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE: A
POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO ADVINDA DAS CHANCES
PERDIDAS
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _____ de ________________________ de 2010.
______________________________________________
Curso de Direito Universidade Tuiuti do Paraná
Orientadora: Prof.ª Thaís G. Pascoaloto Venturi Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas
Prof. ___________________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas
Prof. ___________________________________________________ Universidade Tuiuti do Paraná – Departamento de Ciências Jurídicas
Dedico este trabalho aos tesouros do meu
coração: meu filho Gabriel, meu marido
Jader, meus pais, Arion e Lucia, e meu
irmão, Arion Júnior.
Agradecimentos
A Deus, pelas oportunidades recebidas na vida, bem como pela própria
existência, pontuada de acontecimentos felizes.
A meus amados pais, Lucia e Arion, pelo carinho, pelo exemplo, pela
dedicação, pela cumplicidade e pela confiança; pela infância maravilhosa que me
proporcionaram e pela verdadeira amizade presente até hoje, que sempre me dá a
certeza do porto seguro, e a possibilidade de regresso nos momentos de cansaço.
A meu querido marido, Jader, que sempre esteve ao meu lado, auxiliando,
pesquisando junto, lutando junto e comemorando junto cada etapa vencida; sempre
foi acima de tudo, um amigo, o cúmplice de todas as horas.
A meu mui amado filho Gabriel, tesouro de minha alma, que não só soube
compreender a ausência materna, como também apoiava da forma que a pouca
idade lhe permitia.
A toda minha família que de uma forma ou de outra contribuiu para a
conclusão deste trabalho, como meu irmão e cunhada e também meus sogros,
todos auxiliando nos cuidados e atenção ao Gabriel nos momentos que sua mãe
precisava estudar.
Aos colegas e amigos que de uma forma ou de outra auxiliaram, incitando
ânimo para prosseguir. Em especial à minha amiga Mari, que sempre apoiou e
contribuiu muito na conclusão do curso, ajudando a vencer obstáculos e relevar
aborrecimentos, mostrando que uma amizade nascida nas salas de aula pode ser
verdadeira e perene.
A minha especial orientadora, professora Thaís Venturi, que além de estar
sempre presente, do início ao fim deste trabalho, mostrou-se antes de tudo uma
amiga, dando forças nos momentos de dificuldade e acalentando os ânimos nos
momentos de ansiedade.
Aos demais professores que, com carinho e atenção, deram o suporte
necessário para a conclusão desta pesquisa.
A norma, com efeito, não poderá estrangular a vida,
antes deverá afeiçoar-se a esta, para que não se
cristalize nos formalismos estéreis. O direito, como
hoje se observa, vai se modelando à luz das
realidades ásperas do mundo contemporâneo. E as
suas matrizes eis que se forjam nos obscuros
desvãos da inquietação popular. Sois, pois, senhores
advogados, intérpretes desses dramas surdos que
germinam em todas as camadas sociais.
(Jorge Lacerda - ex Governador em Santa Catarina)
RESUMO O presente trabalho analisa a responsabilidade civil pela perda de uma chance, partindo da responsabilidade civil, vislumbrando sua evolução histórica, prosseguindo até o estudo desta nova espécie de dano. Analisa os aspectos relevantes do instituto, a forma de indenização, bem como a natureza jurídica da teoria, tema de grandes controvérsias, pois repercute no quantum debeatur. Destarte, analisa, ainda, a flexibilização do nexo causal, quando configurada a causalidade parcial. Parte para o estudo da responsabilidade civil por perda de chance do médico e do advogado, cuja interrupção do processo aleatório pode configurar a perda de chance de cura ou sobrevivência ou a perda de uma demanda respectivamente. Analisa a aplicabilidade da teoria, partindo de um breve estudo do direto comparado, com enfoque em França e Itália, maiores influenciadores do instituto e precursores em julgados sobre o assunto. Finalmente atenta para julgados pátrios, verificando a forma como nosso pretório encara as chances perdidas, a evolução e a aceitação do instituto. Neste diapasão, verifica a possibilidade de aceitação da indenização por perda de chance em nosso direito pátrio, no qual não há guarida legal para as oportunidades frustradas, mas princípios amplamente defendidos, como o da reparação integral dos danos, justificadora da tutela da vítima - ainda que tais interesses sejam oportunidades acalentadas, mas com possibilidades sérias e reais de êxito. Palavras-chave: perda de chance; indenização; vítima; dano; oportunidade.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8
2 RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................................ 13
2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .......................................................................... 13
2.2 EVOLUÇÃO HISTÕRICA ............................................................................... 16
2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................ 19
2.3.1 Dano ............................................................................................................ 21
2.3.2 Conduta ....................................................................................................... 22
2.3.3 Nexo causal ................................................................................................. 22
2.3.3.1 Pressuposto da responsabilidade civil ...................................................... 23
2.3.3.2 Teorias aplicáveis ao nexo causal ............................................................ 26
2.3.3.2.1 Teoria da equivalência das condições ................................................... 26
2.3.3.2.2 Teoria da causalidade adequada .......................................................... 28
2.3.3.2.3 Teoria do dano direto e imediato ........................................................... 29
2.3.3.3 Considerações finais sobre o nexo causal ............................................... 31
3 TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................................................... 33
3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS .......................................................................... 33
3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO INSTITUTO ................................................. 40
3.3 DA FORMA DE INDENIZAÇÃO ..................................................................... 46
3.4 DA NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE .......................... 50
3.5 DA FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL .................................................... 56
3.6 DO NEXO CAUSAL NA PERDA DE UMA CHANCE...................................... 58
4 CATEGORIAS PROFISSIONAIS E A IMPUTAÇÃO DE RESPO NSABILIDADE
PELA PERDA DE UMA CHANCE ....................................................................... 63
4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA
CHANCE ............................................................................................................... 64
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE DE CURA OU
DE SOBREVIVÊNCIA .......................................................................................... 69
4.2.1 Responsabilidade civil médica ..................................................................... 69
4.2.2 Responsabilidade civil médica pela perda de uma chance ......................... 71
4.2.3 Julgados atuais ............................................................................................ 76
5 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE ............................................................................................................... 81
5.1 APLICABILIDADE NO DIREITO COMPARADO ............................................ 81
5.1.1 França .......................................................................................................... 82
5.1.1 Itália ............................................................................................................. 85
5.2 ANÁLISE JURISPRUDÊNCIAL PÁTRIA ........................................................ 90
5.3 JUSTIFICATIVAS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE ............................................................................................................... 104
6 CONCLUSÃO .................................................................................................... 111
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 116
8
Se alguma vez, sob o império de forças antijurídicas, declina o sentimento do justo, a humanidade supera a crise e retoma o seu caminho, procurando sempre o ideal da justiça, que se radica indefectivelmente na consciência humana (Caio Mário)
1 INTRODUÇÃO
A ordem jurídica, a fim de manter o equilíbrio social, reprime condutas ilícitas
e protege o lícito. É a incessante busca do justo com a repressão do injusto. Nesta
esteira, impõe-se ao causador de um dano – responsável pela quebra de um
equilíbrio – o dever de responder pela lesão perpetrada a outrem ou a seu
patrimônio.
Desta feita, nosso Código Civil brasileiro, através do comando de seu artigo
186, impõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito”. Continua no artigo 187, enfatizando que “Também comete ato
ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites
impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Prosseguindo na esteira da responsabilização, determina, em seu artigo 927, caput,
que “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo.”
No direito comparado também há a previsão da responsabilização do agente
causador de um dano. Note-se que o Código Civil francês, em seu artigo 1382, já
determina que quem agiu com culpa, causando um dano a outrem, terá o dever de
reparar: “Tout fait quelconque de l’homme qui cause à autrui un dommage, oblige
celui par la faute duqueil il est arrivé, à le réparer.” Já o Código Civil italiano, em seu
artigo 2043, também prevê o dever de se ressarcir o dano injusto: “Qualunque fatto
doloso o colposo, che cagiona ad altri um danno ingiusto, obbliga colui che ha
commesso il fatto a risarcire il danno.”
9
De toda sorte, tanto em nosso sistema jurídico quanto no direito comparado,
o intuito é proteger a vítima do dano injusto, imputando ao responsável pelo ilícito o
dever de reparar o prejuízo causado, restabelecendo a harmonia social.
Como bem explica Sílvio de Salvo Venosa, “Em princípio, toda atividade que
acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar.” (VENOSA,
2005). De tal sorte, compete ao causador do ilícito – reprimido pelo nosso
ordenamento jurídico – oferecer uma resposta à vítima do dano, considerando-se,
naturalmente, aspectos relevantes de cada caso na fixação do valor indenizatório.
Todavia, tais aspectos variam de acordo com a época vivenciada pela
sociedade, considerando suas transformações, evoluções e mudanças na maneira
de pensar. Destarte, as constantes modificações sociais impõem reformas na
maneira de se pensar a teoria da responsabilidade civil. A nova realidade social,
especialmente instituída com a Constituição Federal de 1988, que prima pela
dignidade da pessoa humana (art.1°, III) e a solida riedade social (art.3°, I),
premissas contempladas como princípios fundamentais, bem como a inviolabilidade
da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, com consequente direito
de indenização pelo dano material e moral proveniente de sua violação (art.5°, X),
exigem novas abordagens sobre a responsabilização.
Se hoje o foco principal encontra-se na vítima do ilícito, enquanto que novas
formas de dano surgem incessantemente e na mesma velocidade dos avanços
tecnológicos (como, por exemplo, danos advindos de difusão virtual de imagem,
clonagem de cartões ou invasão de dados por hackers), evidente que a dogmática
tradicional não dará conta de oferecer a resposta à vítima do dano; necessário e
inconteste que a responsabilidade civil acompanhe a evolução dos tempos.
10
Neste diapasão, hoje se pensa na indenização do dano puramente moral, na
responsabilidade por fato de outrem, na responsabilização diferenciada para
relações consumeristas, e no exercício de atividade perigosa como fundamento da
responsabilidade civil.
Na mesma esteira, surgem novas abordagens da responsabilidade civil, que
pode vir a ter um caráter punitivo-pedagógico enquanto inibidora de novas condutas
delituosas no mesmo sentido, podendo, de tal sorte, ser meio de majoração do
quantum debeatur.
E seguindo a evolução dos tempos, eis que o direito francês nos apresenta a
responsabilitè civil pour la perte d’une chance, que, recebida com cautela por nossa
doutrina, considera a chance perdida como um dano e, como tal, indenizável.
Desta sorte, mesmo em se considerando um evento futuro e incerto, e “não
havendo um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente
da legítima expectativa que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um
prejuízo.” (BIONDI, 2008)
Desta feita, a violação do direito de outrem – fundamento da
responsabilidade civil - se caracteriza pelo próprio embaraço na verificação de uma
possibilidade de ganho ou exclusão de prejuízo. Tal oportunidade – a chance numa
acepção jurídica – incorporar-se-á no patrimônio do indivíduo, sendo que a violação
desta chance ensejará o dever de indenizar.
Todavia, como bem pontua Eduardo Abreu Biondi, “não se trata de
indenização sobre a vantagem não alcançada. Pois como o futuro é incerto, não há
meios idôneos para provar qual seria o resultado final.” (BIONDI, 2008)
Talvez por se firmar no entendimento de que dano hipotético não é
ressarcível, há muita resistência por parte de nossos tribunais na aplicação da teoria
11
da responsabilidade civil pela perda de uma chance como fundamento do dever de
indenizar. Da mesma forma ainda gera celeuma a sua classificação: há autores que
entendem essa espécie de dano como integrante do dano moral; outros enxergam
apenas danos patrimoniais resultantes da interrupção da álea; ainda há quem
considere a perda da chance como uma forma de lucros cessantes, enquanto alguns
julgados simplesmente rechaçam tal forma de indenização por acharem impossível
de se vislumbrar um dos elementos da responsabilidade civil – o nexo causal.
Divergências à parte, o presente estudo pretende fazer uma sucinta
abordagem de um tema com pouca doutrina e incipiente na aplicabilidade prática
advinda de jurisprudências pátrias, mas que não pode ser ignorado pelos estudiosos
da responsabilidade civil, posto que é mais uma forma de se oferecer à vítima de um
ato lesivo uma resposta ao dano experimentado – o da interrupção de um processo
aleatório que poderia resultar em benefício ou impedir um prejuízo.
Como bem explica Sérgio Savi,
A chance implica necessariamente em uma incógnita – um determinado evento poderia se produzir (...), mas a sua ocorrência não é passível de demonstração. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos que poderiam dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se o resultado útil esperado teria ou não se realizado.1
Todavia, a simples chance de se auferir vantagem ou evitar desvantagem
pode ser considerada como integrante do patrimônio da vítima, de forma que a
interrupção do curso normal dos acontecimentos enseja o dever de indenizar do
responsável pela não verificação cabal do evento que se tornou futuro e incerto. Em
torno dessas premissas gravitarão as possibilidades de indenização.
Por fim, como elucida Rosamaria Lopes, pela necessidade de se oferecer às
pessoas uma proteção mais ampla de seus direitos e garantias individuais, 1 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 110.
12
paulatinamente doutrina e jurisprudência nacionais passam a aceitar e adotar a
teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico.2
E a aplicação desta nova teoria, do surgimento à aplicabilidade em nossos
tribunais, da classificação à quantificação do dano serão objeto do breve estudo que
segue.
2 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
13
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Temos que a ordem jurídica prima pela manutenção da ordem e harmonia
social, sendo que para tal desiderato reprime ilícitos e protege o lícito, imputando ao
causador do ato danoso (ou ilícito) o dever de responder.
A responsabilidade civil vem justamente da noção de responder, oriundo do
verbo latino respondere, que por sua vez contém a raiz latina spondeo,
correspondente, no direito romano, à vinculação do devedor à obrigação assumida
nos contratos verbais3. Ou, segundo Álvaro Villaça Azevedo, remonta à antiga
"obrigação contratual do direito quiritário, romano, pela qual o devedor se vinculava
ao credor nos contratos verbais, por intermédio de pergunta e resposta (spondesne
mihi dare Centum? Spondeo, ou seja, prometes me dar um cento? Prometo)".4
Destarte, a responsabilidade civil corresponde a uma vinculação aos atos
praticados, derivada das noções de obrigação e contraprestação. Juridicamente é “o
dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro
dever jurídico. (...)”. (CAVALIERI FILHO, 2002)
Já o termo “responsabilidade civil” empregado para este dever de responder
por danos causados, em que pese suscitar controvérsias, Rui Stoco pondera que
Apesar de grande parte da doutrina afirmar que o vocábulo “responsabilidade” pode ser inadequado por se prestar a ambiguidades, Zanobini afirma que tal termo serve “para indicar uma situação toda especial daquele que, por qualquer título, deva arcar com as consequências de um fato danoso”.5
3 DINIZ, Maria Elena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 33
4 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 1999. P. 276
5 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurispru dencial. 2 ed. São Paulo: RT, 1995. pág. 45 Zanobini: Corso di diritto administrativo. 6 ed. 1950, v. I, p. 269.
14
Tais consequências advindas do evento danoso nem sempre são
suportadas pelo próprio causador do ilícito. Se quem viola direito alheio e causa
dano a terceiros, comete ilícito, segundo se extrai da leitura do art. 186, CC, a
consequência lógica será a reparação (art. 927, CC).
Ressalte-se, entretanto, que como nosso Código Civil prevê a
impossibilidade de alguns indivíduos exercerem pessoalmente os atos da vida civil
(art.3°, CC), estes também não serão responsabiliza dos pelo eventual ilícito - exceto
em casos de emancipação previstos no art. 5°, parág rafo único, Código Civil ou
ainda quando seus responsáveis não tiverem condições de fazê-lo e o menor
dispuser de meios para tanto6.
Desta feita, a fim de não deixar a vítima sem resposta, nosso sistema prevê
a responsabilidade indireta, advinda de fato de outrem que não o próprio causador
do ilícito. São as hipóteses elencadas nos cinco incisos do artigo 932 do Código Civil
– culpa in eligendo, in vigilando e in cutodiando.
Destarte, a responsabilidade funda-se no dever geral de não prejudicar
outrem, expresso pelo Direito Romano através da máxima neminem laedere. Assim,
aquele que causa um dano, pratica um ilícito e quebra a harmonia social, devendo,
portanto, responder pelos atos praticados. Segundo ensinamento de Pontes de
Miranda,
Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato lesivo, pois que diminuímos, contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe elevamos o passivo das obrigações, o que é genericamente o mesmo. (..) O que se induz da observação dos fatos é que em todas as sociedades o que se tem por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento.7
6 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações. Responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 7. 3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2 ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1966. Tomo LIII
15
No mesmo sentido, Hans Kelsen, proporciona uma melhor compreensão
acerca da responsabilidade civil, ao ensinar que o indivíduo é obrigado a não causar
a outrem qualquer prejuízo com sua conduta, mas, no caso de, com esta, provocar
um dano, terá que indenizar pelo prejuízo. Na sua concepção, há dois deveres:
como um dever principal – não causar prejuízo, e como dever subsidiário – ressarcir
os prejuízos causados. Portanto, o dever de ressarcir prejuízos não é uma sanção,
mas toma o lugar do dever principal violado, o de não causar prejuízo a outrem.8
Já conforme lição de Maria Helena Diniz, atualmente a responsabilidade
civil possui uma dupla função: a de garantir o direito do lesado à segurança e servir
de sanção civil, reparando o dano sofrido ao mesmo tempo em que pune o lesante e
desestimula novas práticas no mesmo sentido.9
O que resta inconteste é que a responsabilidade civil busca oferecer uma
resposta à vítima na proporção do agravo sofrido, sendo que hodiernamente
prevalece o entendimento de que o foco da responsabilidade civil não mais se
encontra na figura do causador do ilícito, mas sim na vítima, na medida em que
busca fundamento em princípios constitucionais para a defesa do lesado e a
reparação integral do prejuízo experimentado.
E assim temos a Responsabilidade Civil como a entendemos hoje, um
fenômeno jurídico de recomposição de danos, cujos paradigmas fundam-se nos
ideais de justiça de um povo, variáveis conforme a época.
Neste diapasão, naturalmente que a atual concepção de responsabilidade
civil passou por modificações ao longo da história até se chegar ao entendimento
8 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fones, 1998. 9 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.p. 9
16
contemporâneo, sempre se amoldando aos contextos sociais vigentes em
determinado período a fim de se atingir a harmonia e o equilíbrio social.
Destarte, havendo a necessidade da constante “revisita à origem de cada
instituto, isto é, ao seu ponto de partida”10 para se compreender o presente, faz-se
necessário um breve estudo acerca da evolução por que passou a responsabilidade
civil. Desenvolvimento este não marcado por momentos estanques em que apenas
vigorava um entendimento de responsabilização. Afinal, como o próprio ser humano,
a história é dinâmica e mutável, premissa que o Direito tenta acompanhar a fim de
atender aos clamores sociais.
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Apesar de muitos preceitos legais traduzirem a forma de pensar de um povo,
repleto de uma logicidade que leva a crer que nem haveria necessidade de
disciplinamento de condutas naquele sentido, a verdade é que vivemos em um
gradual e ininterrupto processo de desenvolvimento.
Nada é estanque, nem tampouco pode ser dividido em etapas quando se
fala em evolução histórica, mas didaticamente facilita a compreensão assinalar o
desenvolvimento de qualquer instituto partindo das raízes de sua formação e de
fatos que ocorreram até que se chegasse ao entendimento atual de qualquer
disciplina.11
Apesar de vir arraigado ao senso de justiça e consciência coletiva do ser
humano a imputação de responsabilidade a um causador de dano e consequente
10 VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf 11
VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf
17
resposta àquele que suportou o ilícito perpetrado por outrem, pode-se dizer que o
instituto da Responsabilidade Civil é relativamente recente.
Se nosso sistema atribui ao Estado o poder-dever de solucionar litígios,
impedindo-se, desta feita, o exercício arbitrário das próprias razões, tal preceito
acabou tendo um relevante papel no surgimento da Responsabilidade Civil como é
entendida hoje. Note-se, entrementes, que mesmo a Justiça Privada já tentava
oferecer à vítima do ilícito uma resposta nas mesmas proporções do dano causado.
A própria lei de talião, ainda que pareça bárbara e desumana para os padrões
atuais, trouxe a ideia de reparação, a noção de que o causador de um dano não
poderia ficar impune, enquanto a vítima suportava sozinha as consequências de um
evento danoso ao qual não deu causa.
Nos primórdios da civilização, que considerava o indivíduo não
isoladamente, mas como parte de um grupo, importando apenas a coletividade,
vigorava a pura vindicta. A ideia de dano estava vinculada à noção de pecado, cuja
ruptura da ordem social causada pelo cometimento de ato danoso só poderia ser
restaurada através de um sacrifício.12
Com a Lei de Talião (1.730 a. C.), a ofensa perpetrada tinha como resposta
uma lesão ao agente na mesma proporção do dano por ele causado – “olho por
olho, dente por dente”. É a reação individual ou vingança privada, com mínima
intervenção do poder público – basicamente para declarar quando e como a vítima
poderia ter o direito de retalição.13
Já a Lei das XII Tábuas (450 a. C.) - inscritas em doze tabletes de madeira
afixadas nos Fórum romano a fim de que todos pudessem lê-las e conhecê-las –
12 VENTURI, Thaís G. Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-peda gógica no direito brasileiro . Disponível na internet: http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/1884/3767/2/A%20responsabilidade%20civil%20e%20sua%20fun%c3%a7%c3%a3o%20punitivo-pedag%c3%b3gica%20no%20Direito%20brasileiro.pdf 13
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.11
18
impunha-se “como uma reação do lesado contra a causa contra a causa aparente do
dano.” (DINIZ, 2007)
No século III a. C. surgiu Lex Aquillia de damno, que implementou a noção
de culpa e a reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do ofensor
respondesse pela lesão causada. É o divisor de águas, segundo o eminente
doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, que ensina que a punição da culpa por danos
injustamente provocados surgiu com a interpretação da Lex Aquilia realizada pelo
sistema romano.14
Em 21 de março de 1.804 entra em vigor o Código Napoleônico, de grande
repercussão, e que distinguiu a culpa contratual da delitual, disseminando nas
legislações mundiais a ideia de que a responsabilidade civil se funda na culpa.15
Segundo Maria Helena Diniz, a teoria da responsabilidade civil só se
estabeleceu por obra da doutrina, que acabou por influenciar o Código Civil francês,
que, por sua vez, serviu de base para as demais legislações que estabeleceram a
culpa por fundamento.16
Todavia, nas palavras da ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz, apenas a
noção de culpa se mostrou insuficiente para cobrir todos os prejuízos, obrigando a
responsabilidade civil a uma evolução também com relação ao fundamento,
considerando, desta feita, o risco, ampliando a indenização de danos independente
da imputação de culpa.17
Destarte, a concepção clássica da responsabilidade civil, fundada na culpa,
passou a não dar conta de todas as situações de dano, surgindo uma nova espécie
de responsabilidade – a objetiva, sem culpa, baseada na teoria do risco. Como bem
14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 15 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil
16 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 12 17 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P 12
19
cita Carlos Roberto Gonçalves, “Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve suportar
os incômodos (ou riscos)”. (GONÇALVES, 2007)
Atualmente ambas as responsabilidades – objetiva e subjetiva – são
contempladas pelo nosso ordenamento jurídico, e visam, como o próprio Direito,
manter a harmonia do sistema social. Daí sua presença a justificar o dever de
indenizar tanto no ilícito contratual quanto no “ilícito aquiliano ou absoluto”.
(CAVALIERI FILHO, 2002)
E assim, outros entendimentos acerca da responsabilidade civil foram
surgindo a fim de se amoldar às novas necessidades sociais e responsabilizar
aquele que acaba por romper um equilíbrio ao causar um dano. Daí a Teoria da
Garantia, surgida na França e fixada no interesse da vítima do dano aquiliano ou
moral, bem como o desenvolvimento do instituto dos punitive damages, nascido nos
Estados Unidos e que buscava majorar o valor da indenização imputada ao
causador do dano com o principal intuito de coibir novas condutas no mesmo
sentido. Nesta esteira, surge a responsabilidade civil pela perda de uma chance,
responsabilitè civil pour perte d’une chance, tema do presente estudo.
2.3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Por comportar peculiaridades adiante exploradas, para melhor entendimento
da responsabilidade civil pela perda de uma chance é necessário um breve estudo
acerca dos elementos formadores da tradicional concepção da responsabilidade
civil.
Segundo nos ensina o eminente doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, “a
responsabilidade é a sombra da obrigação” (CAVALIERI FILHO, 2002), sendo que a
responsabilidade adviria da violação da obrigação, definida pelo autor como um
20
dever jurídico originário. Desta feita, a responsabilidade civil seria um dever jurídico
sucessivo ou secundário - o de reparar o dano, ou indenizar.18
Temos que o vocábulo indenizar remonta à noção de tornar indene, restituir
o indivíduo ao status quo ante, o que leva à ideia do restituto in integrum.19 Todavia,
nem sempre é possível recolocar o lesado à situação anterior à do dano, sobretudo
em se tratando de danos extrapatrimoniais, o que não poderia isentar o causador do
ilícito do dever de responder – dever sucessivo. Daí a necessidade da compensação
pecuniária enquanto amenizadora do dano experimentado.
Portanto, face tais análises, chegamos à conclusão ainda esposada por
Cavalieri Filho, qual seja, de que só haverá responsabilidade se houver violação do
dever jurídico preexistente – ainda que oriundo da máxima neminem laedere –,
sendo que para se chegar ao responsável, carece de uma identificação do dano
experimentado advindo da violação de dever jurídico e de quem o descumpriu.20
Da análise de tais premissas chegamos ao que a doutrina classifica como
elementos essenciais da responsabilidade civil: conduta do agente, nexo causal e
dano.21 Em linhas gerais, o dano seria o prejuízo experimentado; o nexo causal seria
o liame que ligaria o dano à conduta do agente; a conduta do agente seria a violação
perpetrada por este do dever jurídico primário, ou seja, o cometimento do ilícito.
Com base nesses elementos, Cavalieri conclui que, “a partir do momento em
que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano,
está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar.”
(CAVALIERI FILHO, 2002)
18 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 22 19
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 7 20 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 23 21
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P. 37/38
21
Todavia, conforme alhures mencionado, a responsabilidade subjetiva
pautada na culpa (que vigorou por muito tempo como fundamento único para o
dever de indenizar) não é suficiente para atender a toda a variedade de prejuízos
indenizáveis. Assim é que não se pode compreender a prática do ilícito vinculada
unicamente à noção de culpa para que deflua o dever de reparação. Como bem
complementado por Cavalieri, “o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta
humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento
subjetivo ou psicológico”. (CAVALIERI FILHO, 2002)
Como muito bem sintetizado pelo mestre Sílvio Rodrigues, a conduta
comissiva ou omissiva do agente ensejadora do dever de indenizar deflui não
apenas de ato próprio, como também de terceiro que esteja sob a responsabilidade
do agente, além de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste.22
2.3.1 Dano
A ocorrência do dano - que segundo Cavalieri é “o grande vilão da
responsabilidade civil”, posto poder “haver responsabilidade sem culpa, mas não
pode haver responsabilidade sem dano” (CAVALIERI FILHO, 2002) - é a lesão a
bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão.23
Desta sorte, o dano é um prejuízo experimentado pela vítima, “resultante de
ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja
coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada”. (NORONHA, 2003)
Não havendo responsabilidade sem prejuízo, o dano é
elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses expressamente
22 RDRIGUES, Sílvio. Direito civil. Responsabilidade civil. Vol 4. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 14 23 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Responsabilidade civil. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. P.38
22
previstas, seja de ato ilícito, ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.24
Desta sorte, ainda que haja um ilícito perpetrado, se deste ilícito não resultar
um dano à pessoa, não haverá de se falar em responsabilidade civil e dever de
indenizar. É o primeiro pressuposto da responsabilidade civil a ser verificado -
havendo um prejuízo a bem juridicamente tutelado, haverá o dever de reparar.
Destarte, “Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente”.
(GONÇALVES, 2007)
2.3.2 Conduta
O art. 186 do Código Civil refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou
omissão, venha a causar dano a outrem. Temos, portanto, a conduta, caracterizada
pela atitude comissiva ou omissiva do agente – neste último caso quando havia um
dever de praticar algum fato cuja inércia resultou num dano.
Como bem explica Sérgio Cavalieri, a ação consiste num “comportamento
positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada
em alguém, e assim por diante”. E prossegue o autor, ao explicar a omissão:
“caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma conduta devida”. (CAVALIERI
FILHO, 2002)
Conduta é, pois, o fato humano, a ação ou omissão causadora do dano.
2.3.3. Nexo causal
Além do dano e da conduta ilícita do agente, deverá haver entre ambos uma
necessária relação de causa e efeito. E a esta relação de causa e efeito entre
24 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 128.
23
conduta e resultado dá-se o nome de nexo causal,25 cujo conceito “não é jurídico;
decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a
conduta e o resultado.” (CAVALIERI FILHO, 2002)
Destarte, “é preciso que esteja certo que, sem este fato, o dano não teria
acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é
preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorr eria. ” (STOCO, 1995)
O estudo do nexo causal merece uma atenção especial por ter uma
relevância maior quando se trata de responsabilidade civil pela perda de uma
chance, conforme será abordado em capítulos subsequentes.
2.3.3.1 Pressuposto da responsabilidade civil
O nexo causal configura um dos pressupostos da responsabilidade civil, ao
lado do dano e da conduta e consiste no “elo que liga o dano ao fato gerador, é o
elemento que indica quais são os danos que podem ser considerados como
conseqüência do fato verificado.” (NORONHA, 2003). Nas palavras de Rui Stoco, “O
nexo causal se torna indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido
causado pela culpa do sujeito.” (STOCO, 1995)
Assim, para que haja o dever de indenizar, não basta o ilícito perpetrado
pelo agente nem tampouco o dano; é “indispensável que se constate a existência
desse liame causal” (CRUZ, 2005), ou seja, “do elemento referencial entre a conduta
do agente e o resultado” (LISBOA, 2009). Portanto, ao lado do dano e da ação ou
omissão do agente, está o nexo causal para que se configure a responsabilidade
civil.
Todavia, ainda que exsurja uma aparente simplicidade na determinação do
elemento que liga a conduta do agente ao resultado danoso, 25CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros,2002. P. 58
24
... é o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil e o mais difícil de ser determinado. Aliás, sempre que um problema jurídico vai ter na indagação ou na pesquisa da causa, desponta a sua complexidade maior.26
Desta sorte, nossa doutrina tem dedicado significativos estudos ao nexo
causal, posto tratar-se de “noção aparente fácil, mas que, na prática, enseja
algumas perplexidades” (CAVALIERI FILHO, 2009), sendo “talvez o requisito que
mais dificuldades suscita.” (NORONHA, 2003)
O nexo causal reveste-se de singular importância, sobretudo na análise de
casos concretos e consequente julgamento. “Fazer juízo sobre nexo causal é
estabelecer, a partir de fatos concretos, a relação de causa e efeito que entre eles
existe (ou não existe)”. (CAVALIERI FILHO, 2009) A relevância do nexo causal é
bem tratada pelo insigne doutrinador Sérgio Cavalieri Filho, que completa: “A
incorreta visualização do nexo causal pode levar à distorção de rumos, fazendo
alguém responder pelo que não fez.” (CAVALIERI FILHO, 2009)
Assim é que vários efeitos nos levam a questionar sua verdadeira causa -
qual o vínculo que liga de fato a conduta ao evento danoso. Inúmeros são os
exemplos, e para mencionar um, valemo-nos de ilação do mestre Fernando
Noronha:
A situação é a seguinte: um sujeito fica gravemente ferido entre lataria de
veículo, em acidente de trânsito, sendo socorrido por outro no instante em que o
carro se incendeia, causando queimaduras nos dois indivíduos. Ambos são levados
ao hospital e submetidos a tratamento por semanas, sendo que um deles adquire
infecção hospitalar que o obriga a se submeter a novos tratamentos. Ao receber alta,
26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. P. 76
25
em consequência de tais eventos, o indivíduo fica com sequelas incapacitantes para
o trabalho. Tempos depois tem uma recaída em decorrência das lesões sofridas.
O autor ainda oferece novas situações que poderiam ter ocorrido a qualquer
um dos dois envolvidos, como a perda de realização de negócio lucrativo em virtude
do internamento, um ataque cardíaco da esposa ao ter a notícia do acidente, ou
ainda, sendo supostamente um deles um artista famoso a caminho de uma
apresentação, a interposição de ação por fãs pelo grande atraso de seu ídolo.27
De fato, várias situações levam à indagação da causa que justificaria a
imputação de responsabilidade, e se seria eficiente para exigir reparação de todos
os desgastes sofridos e danos suportados.
Gisela Sampaio da Cruz complementa que
O nexo causal suscita, ainda, tantas outras controvérsias que estão longe de serem pacificadas. Questiona-se, por exemplo, se o causador do dano pode eximir-se da obrigação de indenizar, provando que o prejuízo teria ocorrido de qualquer forma, em virtude de outra causa – o que equivale a perguntar se tem relevância negativa a causa virtual ou hipotética.28
Assim é que várias teorias são criadas a fim de responder tais indagações,
suscitando observação neste sentido de Gisela Sampaio da Cruz: “... a verificação
do nexo de causalidade depende, antes de qualquer juízo, da teoria que se adote –
que não é senão fruto de uma decisão política.”29
E são as teorias tradicionais sobre nexo de causalidade que tentam
responder às indagações acima suscitadas sobre imputação de responsabilidade e
causa eficiente do dano – próximo tópico do presente estudo, que, ressalte-se,
abordará tão somente as teorias de maior relevância em nossa doutrina.
27 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 587-588. 28 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P. 9. 29 Ibidem, p. 9.
26
2.3.3.2 Teorias aplicáveis ao nexo causal
As teorias da causalidade examinam os fatores determinantes para a
ocorrência do dano, as condições que devem ser consideradas causas do dano.
Para Fernando Noronha, os fatores determinantes são causas, enquanto que os
demais serão meras condições, todavia, em sua essência, causas e condições não
têm natureza diversa.30
Importante destacar que, como bem lembra o aplaudido mestre Sérgio
Cavalieri Filho, as teorias surgidas a fim de solucionar problemas que a análise do
vínculo causal comporta, não oferecem respostas prontas, mas sim um caminho a
ser seguido, um “raciocínio lógico” em busca da melhor solução. Em última análise,
todas as teorias hão de ser consideradas no caso concreto para uma resposta
razoável, deixando espaço para atuação do magistrado, considerando a aplicação
dos inolvidáveis princípios consagrados pelo nosso sistema jurídico e pautados no
bom senso e equidade.31
2.3.3.2.1 Teoria da equivalência das condições
Como o próprio nome sugere, na teoria da equivalência das condições todos
os eventos que se verificaram para a causa do dano são considerados causas
equivalentes. Assim, ao fornecer um grande leque de agentes responsáveis, tal
teoria, preconizada pelo alemão Von Buri, do século XIX, acaba por favorecer a
vítima.32
30
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 588-589 31 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 46-47. 32 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 22.
27
Para a teoria da equivalência das condições, ou teoria da equivalência dos
antecedentes,33 teoria da causalidade naturalística34, ou ainda conditio sine qua
non35, “todas as condutas conduzem ao prejuízo, de vez que, na cadeia causal,
suprimido um dos antecedentes, não se verifica o resultado danoso.” (CAVALIERI
FILHO, 2009)
Assim, a causa é a circunstância, condição necessária ou condição sem a
qual (conditio sine qua non) o resultado danoso não aconteceria. Todas as forças
que participaram para o evento danoso serão consideradas como causas, sem
diferenças entre causa principal, causas secundárias ou condições.36
A teoria da equivalência das condições é objeto de severas críticas “pelo fato
de conduzir a uma exasperação da causalidade e uma regressão infinita do nexo
causal” (CAVALIERI FILHO, 2009), atribuindo “ao dano uma gama enorme de
causas, algumas delas absolutamente remotas” (SILVA, 2009), podendo “levar a
resultados inteiramente equivocados” (NADER, 2009).
Assim é que, com a aplicação da referida teoria, a série causal poderia ser
infinita, com causas irrelevantes, como a responsabilização do fabricante de veículo
pelo atropelamento de pedestre.37 Face todo o exposto, praticamente encontra-se
superada a teoria da equivalência de condições.
33 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 261. 34 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 589 35 CAVALIERI FILHO, p. 109, SILVA, p. 22, NORONHA, p. 589. 36 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 261 37 Ibidem, p. 262
28
2.3.3.2.2 Teoria da causalidade adequada
Para a teoria da causalidade adequada, criada por Von Kries, o antecedente,
além de necessário, deve ser adequado para a produção do resultado.38
Destarte, “A necessariedade da causa para o evento danoso deve ser
apurada mediante o critério da probabilidade.”39 Assim é que a maior probabilidade
de produzir o resultado será considerada a causa determinante do dano40 ao
estabelecer uma “relação necessária” entre o fato gerador e o evento danoso.41
Desta feita, “as causas, além de necessárias, devem estar revestidas de um
critério de adequação”, preponderando “o caráter qualitativo da condição necessária”
(SILVA, 2009). Assim é que “somente se considera como causadora do dano a
condição por si só apta a produzi-lo.” (GONÇALVES, 2007)
Rafael Peteffi da Silva ainda remonta ao aspecto temporal, afirmando que o
agente que deverá responder pelo evento danoso não será o que teve a última
chance de evitá-lo, mas aquele que teve a melhor e mais eficiente oportunidade.
Portanto, o tempo não revela a responsabilidade pelo dano, mas sim a proximidade
lógica.42
A teoria da causalidade adequada, surgida no final do século XIX, goza, até
hoje de prestígio entre doutrinadores nacionais e estrangeiros, além de ampla
utilização pela jurisprudência.43
38 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 48. 39 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil. Obrigações e responsabilid ade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 262 40 NADER, Paulo. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 7. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 110. 41 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 596. 42 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 24-25 43 Ibidem, p. 25.
29
2.3.3.2.3 Teoria do dano direto e imediato
A teoria do dano direto e imediato – ou “teoria da causa próxima” (NADER,
2009), “teoria da interrupção do nexo causal” (CRUZ, 2005), ou ainda “teoria da
relação causal imediata” (LISBOA, 2009) – exige que, entre a conduta e o dano, haja
uma relação de causa e efeito direta e imediata.
Desta forma, para a teoria em foco cada agente responde pelos danos que
resultarem direta e proximamente de sua conduta.44 Assim, causa jurídica seria
apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem interferência de outra
condição sucessiva.45
Nosso aclamado civilista Carlos Roberto Gonçalves entende que a teoria
acolhida pelo Código Civil atual é a do dano direto e imediato:
Das várias teorias sobre o nexo causal, nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403. Dispõe, com efeito, o mencionado dispositivo legal: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”. Não é, portanto, indenizável o chamado “dano remoto”, que seria consequência indireta do inadimplemento...46
Pela teoria do dano direto e imediato, “uma causa somente pode ser
considerada direta e imediata se, sem ela, o dano não ocorrer.” (SILVA, 2009) Nas
palavras de Gisela Sampaio da Cruz, “A causa direta e imediata nem sempre é a
mais próxima do dano, mas, sim, aquela que necessariamente o ensejou”, sendo
que “o aparecimento de outra causa é que rompe o nexo causal” (CRUZ, 2005).
A mencionada doutrinadora comunga da mesma opinião de Carlos Roberto
Gonçalves – de que a teoria do dano direto e imediato seria a acolhida por nosso
44 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações. Parte especial. Responsabil idade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva 2007. P. 84. 45
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.50. 46 Ibidem, p. 84-85.
30
ordenamento jurídico, tendo em vista o disposto no art. 403, CC. Ambos os autores
entendem que tal teoria seria o desejável meio termo, um amálgama das teorias
anteriores, e por isso mais razoável. (CRUZ, 2005; GONÇALVES, 2007)
Há de se destacar ainda o consagrado civilista Agostinho Alvim, um dos
grandes mentores da teoria do dano direto e imediato e defensor da ideia de que
nosso Código adotou a teoria do dano direto e imediato. Entende que o nexo causal
é rompido não só quando o credor ou o terceiro é autor da causa próxima do novo
dano, mas também quando a causa próxima é o fato natural. Desta forma, uma
causa só poderá ser considerada direta e imediata se, sem ela, o dano não
ocorrer.47
Todavia, em que pese ter respeitável adesão e inclusive jurisprudência
acolhendo a teoria do dano direto e imediato como a vigorante em nosso
ordenamento, tal posição ainda não é majoritária. José de Aguiar Dias, Caio Mário
da Silva Pereira, Fernando Noronha, Sérgio Cavalieri Filho, Roberto Senise Lisboa,
Paulo Nader e Rafael Peteffi da Silva, apenas para citar alguns, aliam-se à corrente
que entende que nosso Código Civil adotou a teoria da causalidade adequada.
Alegam não ser a teoria do dano direto e imediato a acolhida pelo nosso sistema, e
que a forte adesão a esta corrente doutrinária se deve a uma interpretação literal do
dispositivo legal:
Se houver situações em que se possa afirmar com segurança que o pensamento do legislador às vezes vai além da letra da lei (...) esta será seguramente uma delas. O defeito de linguagem, que o dispositivo evidencia, falando em “efeito direto e imediato” (art. 403), atraiçoa o espírito da lei.48
47 ALVIM, Agostinho, Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5 ed. São Paulo:Saraiva, 1980. P. 367. 48 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 594
31
Os doutrinadores que rechaçam a interpretação literal do dispositivo legal
que suscita divergências quanto à teoria legitimamente agasalhada pelo nosso
ordenamento apresentam situações hipotéticas possíveis e que justificariam a
aplicação da teoria da causalidade adequada:
Se um profissional tem um veículo que é absolutamente necessário para o seu trabalho e se ele é danificado num acidente, o aluguel de outro veículo, que ele tiver de fazer para continuar trabalhando, não é efeito direto e imediato do acidente, mas ninguém duvidará da necessidade de ser incluído entre os danos (no caso, emergentes) suscetíveis de ressarcimento.49
Em que pese na acepção original, a expressão causalidade direta e imediata
excluísse a reparação “do chamado dano indireto ou remoto, resultando em potente
filtro de ressarcibilidade, tal abordagem gerava, em certos casos, enorme injustiça”.
(SCHREIBER, 2007)
Daí a brilhante conclusão de Rafael Peteffi da Silva, de que uma
interpretação literal do disposto no art. 403, CC ao mencionar expressamente “direto
e imediato” seria a negação de reparação de danos indiretos ou remotos, dentre os
quais os amplamente reconhecidos pela jurisprudência pátria, “danos por ricochete”,
cuja aplicação se extrai do disposto no art. 948, II, do Código Civil 2002.50
2.3.3.3 Considerações finais sobre o nexo causal
Os elementos estudados no presente capítulo – dano, conduta e nexo
causal – são tidos como essenciais à configuração da responsabilidade civil.
Entrementes, considerando-se a gama de possíveis prejuízos existentes atualmente
– como, por exemplo, filmagens realizadas com webcam e difundidas na internet em
tempo real e o modismo britânico happy slapping51 -, faz-se necessário, em alguns
49 Ibidem, p. 594-595. 50
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 31 51 “happy slapping” – agressão filmada por câmeras instaladas em celulares e transmitidas a inúmeros usuários. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil . São Paulo: Atlas, 2007.
32
casos, uma flexibilização na aplicação dos pressupostos da responsabilidade civil a
fim de se proteger a vítima do dano injusto.
Nesta esteira, temos que a responsabilidade civil pela perda de uma chance
comporta uma forma especial responsabilidade que, em certos casos, necessitará
relativizar o nexo causal, mas que ainda assim carecerá da apreciação de certas
especificidades e requisitos, adiante explorados, a fim de que seja caracterizada.
33
3. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
3.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Cediço que o dano – prejuízo, ofensa, diminuição de patrimônio ou,
simplesmente, “lesão a bem jurídico” (CAVALIERI FILHO, 2002) – deve ser
ressarcido pelo seu causador a fim de se restabelecer a harmonia e equilíbrio social,
indenizando-se a vítima do ilícito perpetrado. Nesta esteira, surge uma nova espécie
de dano ressarcível, explicado por Sérgio Savi:
A perda de uma chance séria e real é hoje considerada uma lesão a uma legítima expectativa suscetível de ser indenizada d a mesma forma que a lesão a outras espécies de bens ou qualquer outro direito subjetivo tutelado pelo ordenamento .52 (grifo nosso)
Todavia, a indenização à legítima expectativa frustrada foi por muito tempo
rechaçada por nossa doutrina e jurisprudência; isso com base no fato de que o que
não aconteceu, não pode ser objeto de certeza. Assim, ao se exigir da vítima a
prova cabal de que auferiria o benefício esperado ou não experimentaria certo
malefício se não fosse a interferência externa do “causador do prejuízo”, nossos
tribunais afastavam o cabimento de uma indenização.
Não há de se olvidar, entrementes, que conforme legado da tradição
romano-germânica, ferir a máxima neminem laedere acarreta no dever de se
oferecer uma resposta a quem sofreu um dano. Tal prerrogativa aliada ao fato de
que “não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da
ocorrência do fato danoso” (SAVI, 2009), justifica e ampara a aplicabilidade da teoria
da responsabilidade civil por perda de chance.
52
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 111
34
Assim é que vem crescendo, especialmente em doutrina e jurisprudência
pátrias, a indenização pelo prejuízo advindo do simples fato de se interromper um
processo aleatório que poderia resultar em benefício ou ausência de prejuízo a
quem se socorre nesta forma de responsabilização para justificar o cabimento de
uma indenização.
Rafael Peteffi da Silva nos traz o século XIX como o marco do surgimento da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, em 17 de julho de 1889, quando a
Corte de Cassação francesa imputou a um oficial ministerial o dever de indenizar
advindo de sua atuação culposa, extinguindo as possibilidades de êxito na
demanda.53
Todavia, foi a partir de julgados da década de 1960 que a teoria passou a
estar presente em julgados e ganhar maior destaque, havendo quem afirme ser
nesta época o nascedouro do instituto:
A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) guarda certa relação com o lucro cessante uma vez que a doutrina francesa, onde a teoria teve origem na década de 60 do século passado, dela se utiliza nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor.54
Eduardo Abreu Biondi, na mesma linha de Cavalieri, afirma que a
responsabilidade civil pela perda de uma chance surgiu na França em meados de
1965, a fim de se imputar responsabilidade a médico pela perda de chance de cura
de seu paciente. Foi quando a Corte de Cassação Francesa responsabilizou um
médico que teria proferido diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances
de cura da doença que lhe acometia.55
53 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 10. 54 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 74. 55 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil.
35
Assim é que a teoria da perda de uma chance tomou impulso através da
perte d’une chance de survie ou guérison56, respaldando-se a indenização por erro
médico na “perda de uma chance de cura ou de sobrevivência”. E assim a França
tornou-se a responsável pela difusão desta nova espécie de dano reconhecido e
passível de indenização apesar da incerteza do resultado final.
E como o Direito acompanha as mudanças e avanços sociais, não havia
mais como ignorar e deixar sem resposta acontecimentos até então considerados
como fatalidades, acaso do destino ou Act of God57 (SAVI, 2009), deixando à vítima
o encargo de suportar os prejuízos resultantes de eventos que fugiam às suas
forças.
Ora, se a legislação nacional estabelece que aquele que provoca dano a
outrem fica obrigado de ressarci-lo (art. 186, c/c art. 927, CC), estando implícito nos
dispositivos atinentes à responsabilidade o princípio da reparação integral dos
danos, não há como ignorar que há um prejuízo quando se perde uma oportunidade
bastante razoável de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo.
E é justamente com base no princípio da reparação integral dos danos que,
ao dispor sobre o tema, alguns estudiosos sobre o tema58 respaldam a aplicabilidade
da teoria da perda de uma chance. Tais autores fundamentam sua tese nos artigos
186, 402, 927, 948 e 949 do Código Civil - que acolhem a possibilidade de
reparação de qualquer dano injusto causado à vítima -, bem como na cláusula geral
de responsabilidade estampada no art. 5°, V da Cons tituição Federal.
Sérgio Savi e Maria Helena Bodin de Moraes ainda baseiam-se no princípio
da dignidade da pessoa humana como escopo da reparação de todos os prejuízos
56 ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Lumen Juris 2009. P. 8 57 Sérgio Savi explica, citando Josserand, que os acidentes de causa desconhecida eram atribuídos a uma divindade, configurando um damnum fatale, coisas de Deus - Act of God, do destino ou dos inimigos do rei, devendo-se deixar as coisas em paz. 58 Neste sentido: Sérgio Savi, Rosamaria Lopes, Eduardo Biondi e Raimundo Melo.
36
injustamente causados ao indivíduo, que, via de consequência, acaba por servir de
respaldo à imputação de responsabilidade ao agente que impede que o indivíduo
realize uma expectativa legítima ou não experimente certo prejuízo. E termina Sérgio
Savi, ao comentar o Princípio da reparação integral dos danos: “o mais importante
princípio da responsabilidade civil ressurge mais forte, mais eficaz, principalmente
pelo fato de encontrar sua nova sede na Constituição Federal.” (SAVI, 2009)
E é nesta esteira que se fundam alguns julgados pátrios que admitem a
aplicabilidade da responsabilização pela chance pedida com base na reparação de
qualquer dano injusto causado à vítima, com respaldo nos artigos 186, 402, 927, 948
e 949 do Código Civil.
Convém destacar que, numa acepção jurídica, chance significa
“probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda” (SAVI, 2009); “é a
probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo.” (BIONDI, 2008).
Nesta seara é que se admite que a chance passa a integrar o patrimônio do
indivíduo, cuja perda acarreta num dano passível de indenização. Daí que o que se
busca indenizar com a aplicação desta teoria não é a vantagem não auferida, mas
sim a chance perdida de obtê-la .
Tal premissa resta muito clara aos defensores da responsabilidade civil pela
perda de uma chance: “não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas
sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem”. (SAVI, 2009)
A título de ilustração sobre as chances perdidas,
Imaginons un étudiant victime d’un accident de la circulation qui l’empêche de présenter ses examens. Pourra t’il encore poursuivre l’indemnisation d’une année d’étude perdue, dès lors qu’il ne pourra jamais prouver avec certitude qu’il aurait réussi ses examens? Vu cette incertitude, il faut bien
37
reconnaître que son dommage relève davantage de la perte d’une chance de réussir plus que de la perte d’une année d’étude.59
Rafael Peteffi da Silva, ao discorrer sobre a responsabilidade civil pela perda
de uma chance, também menciona alguns exemplos de prejuízos experimentados
pela oportunidade perdida: o do cavalo de corrida que é impedido de correr, o da
gestante que, acometida de embolia, morre no parto por negligência do médico, e da
atitude culposa do advogado que perde o prazo de apresentar um recurso,
impedindo que seu cliente tenha a matéria reexaminada pelas instâncias superiores.
E prossegue em suas análises:
... será sempre possível observar, em casos de responsabilidade pela chance perdida, uma ‘aposta’ perdida por parte da vítima. Tal aposta é uma possibilidade de ganho; é a vantagem que a vítima esperava auferir, como a procedência da demanda judicial, a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos, ou a sobrevivência no caso do parto.60
Destarte, o que se perde é a própria “aposta”, a possibilidade de ganho, e
sobre ela gravitarão as possibilidades de indenização.
Neste diapasão, há de se ter em mente que
A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.61
59
Imagine um aluno vítima de um acidente de trânsito que o impede de apresentar os seus exames. Pode ainda pedir compensação por um ano perdido de estudo, uma vez que nunca poderá provar com certeza que ele passaria nos exames? Dada esta incerteza, temos de reconhecer que sua lesão é mais uma oportunidade perdida para conseguir do que a perda de um ano de estudo. (tradução livre) CARNOY, Gille. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable? Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html
60 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 12
61 Ibidem, p. 13
38
Todavia, a chance indenizável há de preencher certos requisitos. Nossa
doutrina e jurisprudência rechaçam a indenização de danos hipotéticos, incertos:
Com isso se estabelece que o dano hipotético não justifica a reparação. Por isso que não há que distinguir, para efeito de responsabilidade, entre dano atual e dano futuro. Todos os autores concordam em que a distinção a fazer, nesse sentido, é tão-somente se o dano é ou não certo.62
Nesta esteira, conforme ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa,
como anota a doutrina com insistência, o dano deve ser real, atual e certo. Não se indeniza, como regra, por dano hipotético ou incerto. A afirmação deve ser vista hoje cum granum salis, pois, ao se deferir uma indenização por perda de chance, o que se analisa, basicamente, é a potencialidade de uma perda, o prognóstico do dano certo...63
Assim, não é a interrupção de qualquer processo aleatório que justificará a
imposição de indenização. A chance há de ser séria e real, como bem pontua Sérgio
Savi, seguido pelos demais estudiosos do tema. E prossegue afirmando que “Na
maioria dos casos, a chance somente será considerada séria e real quando a
probabilidade de obtenção da vantagem esperada for superior a 50% (cinquenta por
cento).” (SAVI, 2009) Ou ainda, conforme ensinamento de Rafael Peteffi da Silva,
“para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida
deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva.” (SILVA,
2009)
Outro ponto salientado pelos doutrinadores Savi e Silva é que o que se
indeniza, conforme apontado acima, é a chance perdida, e não a vantagem
frustrada. Assim, “a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor
da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima.” (SILVA, 2009)
62 STOCO, Rui. . Responsabilidade Civil – Interpretação jurisprudenc ial . 2 ed. revista e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. P. 439. 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 271
39
Desta feita, além de ter de haver uma chance perdida, uma interrupção de
um processo aleatório que poderia resultar em benefício ou impedir um prejuízo, as
chances em questão hão de ser sérias e reais, mas o resultado da indenização não
poderá coincidir com a vantagem esperada caso o curso normal dos acontecimentos
se processasse.
Há ainda alguns estudiosos que trazem os tradicionais elementos da
responsabilidade civil, adaptados a esta nova forma de imputação de
responsabilidade, afirmando que
para subsistir o dever de indenizar devem estar presentes os seguintes requisitos: uma conduta (ação ou omissão); um dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo (e não pela vantagem perdida, em si, porque é hipotética); e um nexo de causalidade entre os primeiros.64
Todavia, prevalece a noção de que, por se tratar de uma teoria nova, a
responsabilidade civil pela perda de uma chance possui requisitos sui generis
presentes apenas no vislumbre das chances perdidas:
evidente perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo; a existência da expectativa séria e real da obtenção de um resultado útil; e a observação do critério de probabilidade no sentido de que uma vez inexistente a conduta do agente, a vítima conseguiria conquistar a vantagem esperada.65
O que resta inconteste é que a vítima da perda de uma chance não poderá
requerer em juízo uma indenização equivalente ao benefício esperado se a
oportunidade não fosse perdida por interferência do agente causador do dano. Isso
porque tal benefício encontra-se no campo da incerteza, restando à vítima
64 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 65 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
40
requerer indenização pela expectativa séria e real que fora frustrada – e sobre
tais premissas é que gravitarão as possibilidades de indenização.
Finalmente, após tecer breves comentários sobre a responsabilidade civil pela
perda de uma chance, convém destacar que “mesmo não havendo um dano certo e
determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa
que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um prejuízo.” (BIONDI, 2008)
E essa legítima expectativa frustrada, ou chance, ou ainda oportunidade é
que gera grandes debates doutrinários e jurisprudenciais, posto que ainda há muitos
pontos controvertidos e não pacificados sobre o instituto.
3.2 ASPECTOS RELEVANTES DO INSTITUTO
Analisando as chances perdidas como um prejuízo advindo da oportunidade
malograda, Sérgio Savi preleciona que se a indenização do dano pela frustração de
possível vitória é inadmissível ante a incerteza de tal fato, inconteste é que há uma
possibilidade de vitória antes da ocorrência do evento danoso.66
Tal evento danoso, que independe do resultado final, consiste na perda da
oportunidade de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo67, sendo que a
privação da chance será passível de indenização quando considerada um dano
injusto.68
E é nesta seara de prejuízo indenizável que grande parte da doutrina trata a
perda de uma chance - uma forma de lesão específica: “La perte d'une chance de
66SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 67
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 4 68
Ibidem, p. 109
41
bénéficier d'un élément favorable ou d'éviter un événement défavorable constitue un
préjudice spécifique appelé perte de chance.”69
A contemplação da perda de uma chance através da modalidade de prejuízo
específico ou dano autônomo é a mais mencionada pelos doutrinadores que se
aventuram neste tema ainda incipiente no direito pátrio70. Talvez porque as
considerações existentes sobre o tema em nossa doutrina sejam breves
comentários sobre o instituto, mormente em forma de artigos ou mais um capítulo de
um livro com breves comentários.
Os dois estudiosos nacionais que desenvolveram obras específicas acerca
da responsabilidade civil pela perda de uma chance, Rafael Peteffi da Silva e Sérgio
Savi vislumbram que há duas modalidades de responsabilidade civil pela perda de
uma chance: “A primeira utilizando um tipo de dano autônomo, representado pelas
chances perdidas, e a segunda embasada na causalidade parcial que a conduta do
réu representa em relação ao dano final” (SAVI, 2009) Todavia, Savi esclarece em
sua obra que se dedicará ao estudo tão somente da primeira modalidade – a da
perda de uma chance como dano autônomo.
Rafael Peteffi da Silva acompanha o entendimento de que há hipóteses de
aplicação da teoria da perda de uma chance alicerçadas numa noção de dano
autônomo e outras de causalidade parcial do dano final. Nesta esteira,
(...) para se reconhecer a autonomia pretendida pela perda das chances é necessário que o ato danoso do ofensor retire de vez todas as chances que possuía a vítima, ou seja, interrompa o processo aleatório antes de chegar ao seu fim. De fato, se o processo aleatório seguir seu curso normal até o final, a conduta do réu somente poderá ser vislumbrada como uma possível causa concorrente para a causação do dano final.71
69 “A perda de uma oportunidade de desfrutar de um elemento favorável ou evitar um evento adverso é uma lesão específica denominada perda de chance.” Le cas particulier de la perte de chance . Disponível no site: http://www.contrexpert.com/pertedechancepe.htm 70 Neste sentido: Sérgio Savi, Regina Tavares da Silva e Raimundo Simão de Melo, dentre outros. 71 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 105
42
Tal concepção de causalidade parcial, segundo o autor, tem sido
amplamente utilizada, posto, a seu ver, ser um “equívoco (...) se considerar todas as
espécies de responsabilidade pela perda de uma chance como hipóteses de dano
autônomo.” (SILVA, 2009)
Seguindo tais preceitos, vislumbra-se que em certos casos haverá de se
verificar a eficácia de cada causa para o evento final – o dano. A chance perdida,
neste diapasão, seria apenas uma das causas para a ocorrência do dano final. E é
assim que
(...) nos casos de perda de uma chance, a falha do agente, ou a falha médica ou do advogado, não constitui uma conditio sine qua non para o aparecimento do dano. A vantagem esperada pela vítima pode ser totalmente perdida, exclusivamente devido a outras causas, como o desenvolvimento da doença ou a jurisprudência vacilante em determinada matéria.72
Considerando elementos possíveis e fatores prováveis, e não uma única
causa que efetive o dano, é que esta corrente doutrinária propõe o que Rafael
Peteffi da Silva chama de flexibilização do ônus da prova da conditio sine qua non.73
Isso porque a teoria da perda de chance respaldada na causalidade parcial
tem estreita relação com a causalidade alternativa (presunções causais), sendo que
a ação do agente responsável pela interrupção da álea não configura uma condição
essencial, indispensável, sem a qual o dano não se verificará.74
A título de ilustração, pode ser citado o exemplo do advogado que não
interpõe um recurso tempestivamente, impedindo que a causa seja reavaliada em
instâncias superiores. Ora, a não interposição do recurso pelo causídico não é
condição elementar para a sucumbência de seu cliente; não há nesta hipótese uma
72 Ibidem, p. 56 73 Ibidem, p. 56 e 79 74 Ibidem, p. 48.
43
causa única (conditio sine qua non) para o insucesso da demanda. Todavia, não há
como negar que uma possibilidade de reforma na sentença foi perdida pela desídia
do advogado, configurando a perda de uma chance respaldada numa causalidade
parcial.
Fernando Noronha, por uma vez, não trabalha os conceitos de causalidade
parcial e dano autônomo. Simplesmente considera a perda de uma chance dividida
em duas categorias assim definidas: como um dano presente, que consiste na
frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido, e o dano pela
frustração da chance de obter uma vantagem futura.75
Em ambos os casos havia uma hipótese de auferir benefício ou evitar
prejuízo que foi frustrada pela intervenção de um agente externo. A ação deste
agente ora contribui para a ocorrência do dano efetivamente experimentado – que
nos remete à causalidade parcial de Rafael Peteffi da Silva, ora frustra uma legítima
expectativa de angariar um benefício – a modalidade clássica de dano autônomo
para Silva e Savi.
Sérgio Savi entende que a causalidade parcial normalmente se vislumbra na
responsabilidade civil por perda de uma chance de cura ou de sobrevivência76,
sendo mais comum as hipóteses de perda de uma chance na modalidade de “um
dano independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter
uma vantagem ou de evitar um prejuízo.” (SAVI, 2009)
Nesta seara, considerando a chance perdida como um dano específico, o
autor prossegue que “desde os clássicos até os contemporâneos, a grande maioria
admite que, se se tratar de chance (oportunidade) séria e real, a mesma passa a ter
valor econômico e, portanto, a ser passível de indenização.” (SAVI, 2009).
75 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 664. 76 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 5
44
Neste diapasão, não caberá à vítima requerer uma compensação
equivalente ao benefício esperado, mas sim uma indenização pela própria
oportunidade perdida:
Na Perda de uma Chance o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, vislumbramos que o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.77 (...) os argumentos contrários a responsabilidade civil pela perda de uma chance, surgem a partir de uma noção equivocada do instituto, pois ele não objetiva a integral restituição dos danos, mas sim, a reparação pela real oportunidade perdida78
E de fato, este tem sido o entendimento dos defensores da aplicação da
teoria da perda de uma chance: “que não se busca o ressarcimento pela vantagem
perdida, mas sim pela perda da oportunidade de conquistar aquela vantagem ou
evitar um prejuízo, totalmente desvinculada do resultado final.” (BIONDI, 2008)
Outro não é o posicionamento da doutrina francesa:
Mais, si la chance perdue apparaissant sérieuse, cette perte constitue un préjudice, qui doit être réparé. Mais la réparation ne peut être que partielle, la victime ne peut obtenir la totalité de l’avantage espéré, car la chance perdue n’était pas certaine de se réaliser. La réparation sera proportionnelle selon la probabilité de l’avantage espéré.79
77 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
78 PIGNATA, Carlos Alberto. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/
79 “Mas, se a possibilidade perdida aparece séria, es ta perda constitui um prejuízo, que deve ser repara do. Mas a reparação pode ser apenas parcial, a vítima não pod e obter a totalidade da vantagem esperada, porque a possibilidade perdida não era certa realizar-se. A reparação será proporcional de acordo com a probabilidade da vant agem esperada.” Perte de chance (fr) Un article de Jurispedia, le droit partagé. Disponível na internet : http://fr.jurispedia.org/index.php/Perte_de_chance_(fr)
45
Nesta esteira, “Perda de uma chance é, portanto, uma expectativa quase
certa do que se poderia ganhar, não devendo o juiz analisar o mérito da causa, mas
sim, a perda da oportunidade que a pessoa sofreu”80, posto que “uma coisa é a
perda da vantagem esperada; outra é a perda da chance de obter a vantagem ou de
evitar um prejuízo. É esta última hipótese que pode justificar o pedido de
indenização.”81
Todavia, em que pese a força das argumentações favoráveis acerca da
responsabilidade pela perda de uma chance, há de se mencionar a posição de Rui
Stoco, que, diferente da tendência atual de se considerar a expectativa frustrada
como um dano, mostra-se contrário ao instituto: “A teoria que se convencionou
chamar de “perda de uma chance” teve origem na França, em 1965, mas não tem
encontrado muitos adeptos”. (STOCO, 2007)
Para o doutrinador, a teoria da perda de uma chance apresenta muitas
dificuldades, como a de se avaliar o dano advindo da chance perdida, bem como se
respalda numa avaliação estatística de probabilidade a fim de se estimar o dano – o
que, segundo sua ótica, seria inaceitável.
Prossegue analisando a perda de uma chance de vencer a demanda por
negligência do advogado. Neste aspecto, diz que não há como se perscrutar o
íntimo do magistrado para saber qual seria sua decisão, caso a ação fosse a termo,
bem como se mostra desarrazoado pleitear uma indenização - seria presumir que a
ação, caso fosse julgada, levaria à vitória. Enfim, considera que as chances perdidas
tratam-se de danos hipotéticos não demonstrados e sem concreção. E finaliza:
80 Revista Âmbito Jurídico. Disponível no site: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/6086.pdf
81 MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785
46
Por fim, a maior heresia será admitir que o profissional, em uma obrigação contratual de meios, seja responsabilizado pelo resultado. Seria, data venia, a suma contraditio.82
Pelas altercações do mencionado jurista, percebe-se que a compreensão da
teoria da perda de uma chance está fundada no entendimento de que o instituto tem
natureza jurídica de lucros cessantes. Todavia, como insistentemente apregoado por
Savi e Peteffi da Silva, o que busca se indenizar não é a vantagem não
experimentada, mas sim a frustração da expectativa, que deverá estar fundada em
chances sérias e reais de êxito, das quais se fará um cálculo de probabilidades até
se chegar ao valor indenizatório.
Entrementes, há de se registrar que a aplicação da teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance enquanto ensejadora do dever de
indenizar ainda é de pouca aplicabilidade na jurisprudência pátria, posto encontrar
óbices alhures mencionados e bem destacados por Rui Stoco, como a dificuldade de
ser caracterizada, o equívoco em se pleitear judicialmente a própria vantagem não
auferida, e ainda a existência de um ponto bastante controvertido – a forma de
indenização.
3.3 DA FORMA DE INDENIZAÇÃO
Conforme visto ao longo do presente estudo, a chance de se alcançar um
resultado útil há de ser séria e real, não cabendo indenização a danos meramente
hipotéticos.83 Assim, “Não se admitem as expectativas incertas ou pouco prováveis,
que são repudiadas pelo nosso direito.” (BIONDI, 2008)
82 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 512. 83 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
47
Todavia, ainda que se vislumbrem os requisitos necessários à configuração
da perda de uma chance, há de se ter em mente que “a chance de vitória terá
sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização.”
(SAVI, 2009)
Tal premissa encontra-se relativamente pacificada, posto os estudiosos do
assunto mencionarem que um erro comumente perpetrado em demandas desta
natureza é o pleito de ressarcimento da própria vitória almejada.84
Superadas tais questões, ainda há divergências acerca das probabilidades.
Enquanto Sérgio Savi afirma que “a chance perdida somente será indenizável nos
casos em que se produza a prova de que a possibilidade de conseguir a vantagem
esperada era superior a 50%”, Rafael Peteffi da Silva afirma que “um dos perigos de
se admitir esse tipo de aplicação seria a admissão de uma causalidade parcial.”
(SILVA, 2009)
Partindo-se da premissa de que se está diante de fato cuja prova de que
lograria êxito em suas perspectivas não fosse a atuação do agente é de difícil
configuração,
(...) a aplicação da indenização deve-se utilizar de um critério de probabilidade ao estabelecer o valor devido à vítima, fazendo uma avaliação do grau da álea da chance de alcançar o r esultado no momento em que ocorreu o fato , pois esta chance possui um valor pecuniário, e isso não pode ser negado, mesmo sendo de difícil quantificação, portanto é o valor econômico desta chance que deverá ser indenizado.85 (grifo nosso)
E é sobre a álea que o mestre Sílvio de Salvo Venosa preleciona que
É preciso prever, nesse campo, o curso normal dos acontecimentos. Por esse prisma, a hipóteses devem ficar sempre nos limites do razoável e no
84 Neste sentido: SAVI, SILVA, VENOSA, PIGNATA, BIONDI e LOPES. 85 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
48
que pode ser materialmente demonstrado. Os danos futuros devem ser razoavelmente avaliados quando conseqüência de um dano presente.86
Entrementes, ainda que se considere, como ensina Savi, que a expectativa
legítima integra o patrimônio do indivíduo, configurando um bem patrimonial e
economicamente valorável87, outro “problema ligado à responsabilidade civil pela
perda de uma chance se refere ao quantum debeatur, por ser de difícil aferição a
condenação do valor a ser pago a título de indenização.” (LOPES, 2007)
Para solucionar tal impasse, Rafael Peteffi da Silva sugere que, quando o
processo aleatório chegou ao final, com a perda definitiva da vantagem esperada,
caberia uma fórmula geral de quantificação assim representada:
X – Y 1 – Y
X= chance de se evitar o dano final;
Y= chance diminuída após a conduta do réu
Destarte, “a verdadeira chance perdida é igual a “X” menos “Y”, dividido por
1 menos “Y” (SILVA, 2009).
Já Sílvio Savi propõe outra fórmula para se chegar ao quantum debeatur: “o
juiz, para encontrar o valor da indenização, deverá partir do dano final e fazer incidir
sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada.”
(SAVI, 2009) Assim,
VI = VRF x Y
VI = valor da indenização da chance perdida;
VRF = valor do resultado final;
Y = percentual de probabilidade de obtenção do resultado final.
86 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 4. 5 ed. São Paulo: Atlas, 205. P. 271/272. 87 SAVI, Sílvio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo:Atlas, 2009. P. 31
49
Tais fórmulas servem de subsídio ao jurista na fixação do quantum devido a
título de indenização, haja vista nosso ordenamento não contemplar as chances
perdidas especificamente como forma de responsabilidade civil. Contudo,
o jurista, se valendo do critério da analogia pode adaptar a legislação vigente ao caso concreto desde que respeitadas a proporcionalidade e a adequação. Isso porque, a vítima tem direito a ver o seu prejuízo reparado por aquele que lhe deu causa.88
Assim é que, havendo a previsão de reparação integral de danos pelo nosso
ordenamento jurídico, os defensores desta nova forma de imputação de
responsabilidade ao sujeito que interrompe um processo aleatório que poderia ser
benéfico à vítima ou lhe tira as chances de um provável benefício defendem que o
dano advindo dessa oportunidade perdida não pode ficar sem resposta.
Portanto, o juiz, ao analisar as chances perdidas e sua possível indenização,
deverá lançar mão das probabilidades, eficaz até mesmo na eliminação dos
elementos aleatórios do prejuízo, posto partir de dados científicos:89
A jurisprudência que aceita a perda de uma chance apenas apresenta o problema da certeza de forma mais clara, pois tenta resolvê-lo com base em dados científicos, negado-se a indenizar os elementos aleatórios do prejuízo, os quais são eliminados por meio de um cálculo de probabilidades. 90
Lançando mão das probabilidades o juiz chegará ao arbitramento do valor
devido a título de indenização. “Para isso, levará em conta, com base nos fatos
provados nos autos e na sua convicção, as possibilidades reais de atingimento, pelo
autor da ação, do resultado esperado.”91
88 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance 89 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 60. 90 Ibidem, p 60 91 MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785
50
Destarte, "A quantificação do dano deverá ser feita por arbitramento, de
forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o
percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada."92
Assim é que as meras expectativas ficam fora da contemplação de
indenização por chance perdidas. Estas, desde que sérias e reais, conforme
amplamente demonstrado pela doutrina, serão quantificadas ao livre arbítrio do
julgador, que analisando as efetivas chances de sucesso, chegará ao quantum
debeatur.
Todavia, como bem lembra o mestre Venosa, “O bom-senso deve reger as
decisões, sob pena de gerar enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo
ordenamento jurídico pátrio.” (VENOSA, 2005)
3.4. DA NATUREZA JURÍDICA DA PERDA DE UMA CHANCE
Segundo José Carlos Moreira Alves, definir a natureza jurídica de um
instituto consiste em estabelecer seu enquadramento dentro de uma das categorias
dogmáticas admitidas no sistema jurídico.93 Tratando especificamente da natureza
jurídica da perda de uma chance, Rafael Peteffi da Silva a define como “a correta
inserção das chances perdidas dentro de uma das categorias dogmáticas do
ordenamento jurídico”.94
Grandes debates ainda persistem com relação à natureza jurídica da perda
de uma chance. As categorias mais pontuadas pelos doutrinadores residem na
classificação das chances perdidas como espécie de dano moral, de lucros
cessantes ou danos emergentes, havendo ainda quem defenda uma natureza
jurídica atípica própria do instituto.
92 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance . 2 ed. São Paulo:Atlas, 2009. P. 113 93 ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia. São Paulo: Saraiva, 1973. 94 SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 155
51
Os pioneiros no Brasil a tratar da natureza jurídica da perda de uma chance
a vislumbravam como espécie de lucro cessante. Relembrando o conceito de lucros
cessantes, nas palavras do aclamado mestre Caio Mário da Silva Pereira,
“corresponde a tudo aquilo que a vítima deixou “razoavelmente” de ganhar em
virtude da inexecução da obrigação, consoante a própria locução do art. 402 do
texto codificado.” (PEREIRA, 2009)
Trazendo tal conceito à responsabilidade civil, os lucros cessantes
corresponderiam ao valor que a vítima deixou de auferir com a interferência externa
do causador do dano. Assim é que Paulo Nader entende que “A perda de chance,
quando concreta, real, enquadra-se na categoria de lucros cessantes, ou seja,
danos sofridos pelo que se deixou de ganhar ou pelo que não se evitou perder.”
(NADER, 2009)
Segundo Sérgio Savi, Sérgio Novais Dias também não reconhece o valor
das chances perdidas em si só consideradas, tratando-as como espécie de lucros
cessantes. Para aquele autor, o erro em se considerar as chances perdidas como
forma de lucro cessante é a exigência – ainda que relativa – de que, não fosse a
interferência do agente, a vítima experimentaria um resultado favorável.95
Sendo os lucros cessantes, segundo o douto Procurador Regional do
Trabalho, Raimundo Simão de Melo, a perda do lucro esperável, estaria inserido na
quase certeza, bastando ser quantificado, o que não ocorre com a expectativa
frustrada: “A dificuldade na quantificação do lucro cessante existe, mas é bem menor
do que na situação de perda de uma chance, diante da incerteza de obtenção do
resultado esperado.”96
95 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 44 96MELO, Raimundo Simão. Indenização pela perda de uma chance. Disponível no site: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785
52
Na concepção de Melo, a responsabilidade civil pela perda de uma chance
"se trata de uma terceira espécie intermediária de dano, entre o dano emergente e o
lucro cessante."97 Seria, desta feita, uma “terceira e sui generis espécie”. (MELO,
2007)
Sílvio de Salvo Venosa segue o mesmo raciocínio, entendendo ser a perda
de chance uma terceira modalidade de dano, a meio caminho entre o dano
emergente e o lucro cessante. (VENOSA, 2005)
Rafael Peteffi da Silva, por sua vez, diferencia a aplicação clássica da perda
de uma chance, que significa o reconhecimento de um dano específico, da perda de
uma chance no instituto da causalidade parcial – e aí não revestido de caráter
danoso próprio, mas como mais uma causa que concorreu para o dano final.98
Ao discorrer sobre a perda de uma chance na modalidade de dano
específico, o autor corrobora o entendimento de que a chance pode ser considerada
uma propriedade incluída no patrimônio da vítima, que por fato do ofensor que retira
a álea da vantagem, caracterizaria as chances como um dano específico distinto do
dano final.99
Sérgio Savi, que conforme esclarecimento na introdução de sua obra optou
discorrer apenas sobre a “teoria clássica” do instituto - modalidade de dano
autônomo das chances perdidas -, entende que a legítima expectativa integra o
patrimônio da vítima. Destarte, a frustração causada pelo agente caracterizaria um
dano emergente: “o dano decorrente da perda da chance deve ser considerado, em
nosso ordenamento, um dano emergente e não lucro cessante.” (SAVI, 2009)
Neste mesmo sentido, Rosamaria Lopes:
97 Ibidem 98 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 88 99 Ibidem, p. 88
53
Na perda de uma chance o dano é tido como dano emer gente e não como lucros cessantes , isso quer dizer que no momento do ato ilícito essa chance já se fazia presente no patrimônio do sujeito passivo desta relação jurídica, sendo algo que ela efetivamente perdeu no momento do ilícito e não algo que ela deixou de lucrar.100 (grifo nosso)
De fato, ao se considerar a chance perdida como uma espécie de lucro
cessante, fica difícil a configuração do dever de indenizar, haja vista a necessidade
da certeza, o que não se vislumbra nas expectativas frustradas. Entrementes, este
ainda é o posicionamento de alguns tribunais, que rechaçam a possibilidade de
indenizar o que poderia ser considerado um “dano hipotético”.
Por outro lado,
Ao se inserir a perda da chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda de obter o resultado útil esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial).101 (grifo nosso)
E é nesse mesmo sentido que os demais estudiosos do tema se
manifestam, enfatizando o fato de que a chance perdida – e não a vantagem
esperada e por isso hipotética – é que será indenizada, posto ser um dano
autônomo aquele que se refere à oportunidade perdida.
Neste sentido, não poderá ser confundido com lucros cessantes, pois
no lucro cessante, se perde a vantagem e os benefícios materiais, enquanto que na perda de uma chance o que ocorre é a perda de uma oportunidade, uma frustração em se obter alguma vantagem ou benefício, que pode ser tanto material ou não.102
100 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance 101 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.112 102
Revista Âmbito Jurídico. Disponível no site: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/6086.pdf
54
Por fim, há de se ressaltar a existência de outra posição referente à natureza
jurídica da perda de uma chance: daqueles que defenderiam ser esta uma
subespécie de dano moral.
Roberto Senise Lisboa nos traz uma sucinta e clara definição de dano moral:
“Dano moral, em sentido lato ou amplo, também conhecido por dano
extrapatrimonial, é o prejuízo causado a algum direito personalíssimo da vítima.”
(LISBOA, 2008)
Destarte, para que as chances perdidas possam configurar um dano moral,
há de existir uma “lesão a um bem integrante da personalidade” (CAVALIERI, 2002),
porém, como bem explica Rafael Peteffi da Silva, nossa jurisprudência, por diversas
vezes impõe uma reparação a título de danos morais como “um subterfúgio para
escapar das grandes dificuldades técnicas que a quantificação do dano patrimonial
poderia acarretar.” (SILVA, 2009)
A título de ilustração, o autor menciona uma demanda julgada pelo Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, que consistia num pedido de indenização por pessoa
jurídica contra seu antigo procurador, que perdera prazo para recorrer de sentença
em reclamatória trabalhista103. O relator afirmou estar caracterizado o dano moral
advindo do próprio fato, todavia, como bem lembra Rafael Peteffi da Silva, à pessoa
jurídica só ocorre lesão na honra objetiva. Destarte, a perda do prazo para
interposição de recurso, “não causa máculas na reputação que uma pessoa jurídica
goza em relação a terceiros”, além de que, por se tratar de relação contratual,
dificilmente de seu inadimplemento emerge um dano moral. (SILVA, 2009)
Sérgio Savi vai mais longe, trazendo algumas decisões que, julgando
procedente o pleito de responsabilidade civil pela perda de uma chance, condenam
103 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível n° 2003.001.19138. Apelante: Se bastião Carneiro da Silva. Apelado: Rápido Monteiro Ltda. Relator: Des. Ferdinaldo Nascimento, julgado em 07 de outubro de 2003.
55
a outra parte em indenização por danos morais . Como se as expectativas
frustradas nada mais fossem que um agregador ao dano extrapatrimonial,
inverificáveis danos patrimoniais advindos da legítima chance perdida. (SAVI, 2009)
O que nossos doutrinadores não afastam é a possibilidade de que a legítima
expectativa, séria e real de se obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, pode
acarretar em danos de ambas as naturezas – patrimonial e extrapatrimonial. O que
não se admite é configuração das chances perdidas inserida na natureza jurídica de
dano moral, como se fosse uma subespécie de lesão a direitos personalíssimos.
Grandes debates ainda persistem com relação à natureza jurídica da perda
de uma chance. Por outro lado, o que parece pacificado dentre os estudiosos do
tema é que a oportunidade perdida, desde que séria e real, merece ser indenizada,
até porque nosso sistema busca a reparação integral dos prejuízos.
Neste sentido é que
seja como dano emergente, lucro cessante ou até mesmo dano moral –, torna-se possibilitada a interpretação de que, havendo uma oportunidade perdida, desde que séria e real, ela integrará o patrimônio da vítima, possuindo valor econômico, e, assim, podendo ser indenizada.104
Portanto, ao se considerar as efetivas modificações da responsabilidade
civil, que, fundando-se num paradigma socialista alicerçado no princípio da
dignidade humana, passou a não mais considerar como seu principal desiderato a
condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada, é que
se prevê que o que se busca é uma abrangente forma de reparação às vítimas de
ilícitos. 105
104 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 105
LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
56
3.5 DA FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL
Conforme visto alhures, o dever de reparar depende “da relação de causa e
efeito entre a conduta e o resultado”. (CAVALIERI FILHO, 2009) Contudo, ainda que
a definição de nexo causal pareça simples, na sua aferição inúmeras dificuldades
práticas são constatadas106 - daí as teorias que vêm explicar o nexo causal e quais
as causas competentes a fazer surgir o dever de indenizar.
Há de se ressaltar ainda que, além de se considerar uma necessária relação
de causa e efeito para que haja o dever de reparar, nosso ordenamento jurídico tem
dado maior importância e destaque à figura do ofendido, que quando se fala em
responsabilidade civil, é seu foco principal. Daí princípios hodiernamente
consagrados na responsabilidade civil, como o da reparação integral dos danos.
Nesta esteira, mais importante que a culpa, que o dano, que o nexo causal,
está a vítima – fato que passou a relativizar muitos conceitos antes consagrados e
que também contribuiu para o surgimento da responsabilidade objetiva. Nesse
contexto é que o nexo causal foi flexibilizado, efetivando-se princípios constitucionais
e não se exigindo mais da vítima, diante de certas circunstâncias, a prova cabal e
absoluta da relação de causalidade.107
Sobre o nexo causal, Gisela Sampaio da Cruz preleciona:
O conceito de relação causal, além de se revestir de um aspecto filosófico, apresenta dificuldades de ordem prática, porque na maioria das vezes o evento danoso está cercado de condições que se multiplicam, dificultando a identificação da causa do dano.108
Diante de tal premissa é que nossos tribunais não adotam mais um
tratamento rigoroso e dogmático, posto o foco atual se concentrar na vítima do
106 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. P. 51 107
CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P.17. 108 Ibidem, p. 18.
57
dano109. Assim é que nas decisões judiciais “Interferem (...) fatores os mais variados,
de cunho mais político, moral e ideológico do que técnico, e que tornam
verdadeiramente imprevisível o resultado de certas demandas”. (SCHREIBER, 2007)
Ademais, conforme ensinamento do ilustre mestre Fernando Noronha, a
prova do nexo causal pode ser indireta – através de presunções simples naturais ou
de fato. Prossegue o autor ensinando que as presunções simples baseiam-se em
ensinamentos da vida, o que ocorre na vida real. Tais presunções ainda possuem
respaldo no permissivo legal estampado no art. 335, CPC, que determina ao juiz a
aplicação de regras de experiência pautadas no que comumente acontece.110
De toda a sorte, privilegia-se o sujeito do infortúnio, a vítima do dano. E a
relativização do nexo causal surge com o intuito de oferecer uma resposta a quem
sofreu um evento danoso, atribuindo-se extremada importância à vítima.
Tal postura tem dividido nossa doutrina e jurisprudência. De um lado, há
quem entenda que em certos casos é impossível exigir-se da vítima uma prova
absoluta do nexo causal, devendo-se relativizar a necessidade deste elemento da
responsabilidade civil em prol de quem experimentou o prejuízo. De outro lado, há
quem entenda que com tal postura, haverá um descomunal alargamento do dano
reparável pela erosão de mais um filtro de reparação 111:
Não resta dúvida de que o nexo causal não logrou substituir a culpa como barreira de contenção ao ressarcimento dos danos. E mais: à semelhança do que ocorreu com a prova da culpa, a prova do nexo causal parece tendente a sofrer, no seu papel da filtragem da reparação, uma erosão cada vez mais visível. O resultado desta tendência é a realização do pior temor dos juristas da Modernidade: a extraordinária expansão do dano ressarcível.112
109 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da eros ão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2009. P. 61. 110
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P.612-613. 111 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da eros ão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2009. P.75. 112 Ibidem, p. 75.
58
Assim é que, seja em prol do “imperativo social da reparação” (SCHREIBER,
2007), seja “com vistas a permitir a efetivação do princípio da reparação integral”
(CRUZ, 2005), incontestável é que tem havido uma flexibilização de conceitos antes
rígidos em benefício daquele que sofreu um dano injusto.
Tais ponderações levam a mais um impasse: no que tange à
responsabilidade civil pela perda de uma chance, haveria uma relativização do
pressuposto do nexo causal, ou este seria indispensável à aferição desta nova
espécie de dano?
3.6 DO NEXO CAUSAL NA PERDA DE UMA CHANCE
Na esteira dos danos indenizáveis, surge a perda de uma chance,
respaldada em princípios consagrados como o da reparação integral dos danos. Sua
aplicabilidade e aceitabilidade ainda não são pacíficas, visto que nem mesmo a
natureza jurídica do instituto resta cristalina. De fato, o tema em foco gera grande
polêmica, com fortes respaldos tanto para a caracterização de um dano ressarcível,
como também de mera possibilidade - esta não contemplada pelo Direito.
Mesmo quem vislumbra a perda de uma chance como um prejuízo que
merece reparação, divergem quanto à justificativa para o nascimento do dever de
indenizar. Como bem explica Rafael Peteffi da Silva,
Alguns autores associam o aparecimento da responsabilidade pela perda de uma chance à utilização menos ortodoxa do nexo de causalidade, ora se manifestando em forma de causalidade parcial, ora em forma de presunção de causalidade (...). Outra corrente ainda mais numerosa acredita que a teoria da perda de uma chance constitui perfeito exemplo de ampliação do conceito de dano reparável, mantendo a aplicação ortodoxa do nexo causal.113
113
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.7.
59
Destarte, seja em se considerando a ampliação do conceito de dano, seja
através de uma concepção menos ortodoxa do nexo causal, flexibilizando-se a sua
demonstração, impende atentar a esta teoria que, focada na vítima do ilícito, procura
compensá-la pela perda de uma legítima expectativa – quer seja de benefício, quer
seja de se evitar malefício.
A compreensão acerca da necessidade da prova do nexo causal ainda não é
unânime, havendo quem entenda ser exigível mesmo em se tratando de interrupção
da álea, enquanto outros entendem que o instituto só pode ser aplicável quando da
relativização no vislumbre de tal pressuposto: “Une incertitude sur l’existence d’un
lien causal ne peut être masquée par le recours à la notion de perte d’une
chance”.114
Assim é que a doutrina se divide entre aqueles que entendem que a teoria
da responsabilidade civil pela perda de uma chance não necessita de noção de nexo
causal alternativo para ser validado115 dos que partem de uma relativização do
pressuposto de responsabilidade civil em questão:
a teoria da perda de uma chance, admite a relativização deste conceito, permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o nexo causal da forma prevista na legislação extravagante, ou melhor, no Código Civil Brasileiro. Isto é, esta nova teoria RELATIVIZA o ideal do nexo de causalidade adotado pelo diploma supracitado.116
Carlos Eduardo Vinaud Pignata, em seu artigo “Responsabilidade civil pela
perda de uma chance”, assim se manifesta:
114 “A incerteza sobre a existência de um nexo de causalidade não pode ser mascarada pela utilização do conceito de perda de uma chance”. CARNOY, Gilles. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable ? Cass. 1er avril 2004. Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html
115 Ibidem, p. 76.
116 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance . Disponível na internet:
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
60
A perda de uma chance surge em função de um redirecionamento dos requisitos formadores da responsabilidade civil e da chamada Erosão dos Filtros da Reparação. Esse deslocamento tira a culpa e o nexo de causalidade do centro das atenções e passa a conceber mecanismos reparatórios mais fluidos e voltados a tutela dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana.117
Para Rafael Peteffi da Silva, a maneira de se encarar o nexo causal na teoria
da perda de chance depende da espécie de chance perdida. Quando a perda de
uma chance configurar um dano autônomo, importante a verificação do nexo causal
da forma como tradicionalmente se aplica. Por outro lado, quando configurar um
conceito de causalidade parcial, estar-se-á diante de uma flexibilização do nexo
causal, cuja prova não será indispensável.
Rosamaria Novaes Freire Lopes entende que na teoria da responsabilidade
civil pela perda de uma chance há uma relativização dos elementos que circundam a
responsabilidade civil. Todavia, tal entendimento não goza de grande prestígio.
Mesmo em nossos tribunais, a tendência é se buscar o liame causal para o
surgimento do dever de indenizar as chances perdidas. Grande parte da doutrina
também entende ser o nexo causal um dos elementos para a configuração da
responsabilidade civil pela perda de chance:
para subsistir o dever de indenizar devem estar presentes os seguintes requisitos: uma conduta (ação ou omissão); um dano, caracterizado pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo (e não pela vantagem perdida, em si, porque é hipotética); e um nexo de causalidade entre os primeiros.118
Paulo Nader, ainda que não desenvolva elucubrações acerca do assunto,
deixa transparecer a necessidade de que, no dano representado pelas chances
117 PIGNATA, Carlos Eduardo Vinaud. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: Carlos Eduardo Vinaud Pignata - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/
118 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet:
www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil
61
frustradas, verifique-se o nexo causal enquanto elemento da responsabilidade civil:
“Este (o dano) se materializa devido à ação ou omissão culposa do agente, isto é,
entre o dano que não se estancou e a conduta houve um nexo de causa e
efeito .” (grifo nosso) (NADER, 2009)
Todavia, nossa doutrina, em sua maioria, adota entendimento diverso
quando se trata da perda da chance de cura ou sobrevivência, ou seja, a
responsabilidade civil na atividade médica.119 De fato, tal tema, por exigir uma
abordagem distinta - já que o médico normalmente não causa o dano verificado,
mas faz com que o paciente perca uma possibilidade - merece um tratamento
diferenciado.
Nestes casos, como assevera Rafael Peteffi da Silva, há a necessidade de
uma flexibilização do nexo causal, posto que não há como se caracterizar a atuação
negligente do médico como condição (conditio sine qua non) para a ocorrência do
dano:
(...) seria uma injustiça que a vítima restasse sem qualquer reparação devido a essa dificuldade de prova de nexo de causalidade, mesmo estando comprovada uma falha médica que guarda relação com o dano final. Além disso, ao seria interessante, em relação ao escopo pedagógico da responsabilidade civil, que os médicos deixassem de indenizar todas as falhas que contribuíram para o dano, que não se constituem em condições “but for”. Seria uma licença irrestrita para a ocorrência de falhas de menor porte.120
Comunga da mesma posição o mestre Sérgio Cavalieri Filho:
Em última instância, o problema gira em torno do nexo causal entre a atividade médica (ação ou omissão) e o resultado danoso consistente na perda da chance de sobrevivência ou cura. A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser
119 Neste sentido: Peteffi da Silva, Cavalieri Filho, Grácia Rosário e Savi, embora este último não se estenda na abordagem do tema. 120
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 65.
62
curada. (...) A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade.121
Para Fernando Noronha, a prova do nexo de causalidade entre o fato
jurídico e o suposto dano deverá ser feita , mas dependerá da concepção (conditio
sine qua non, causalidade necessária, causalidade adequada) que se adota quanto
ao nexo causal. O jurista prossegue afirmando ser suficiente demonstrar-se que um
fato antijurídico interrompeu o processo que estava em curso e que poderia levar ao
resultado pretendido.122
Assim é que grandes debates doutrinários são travados, não havendo
unanimidade quando o assunto é a possibilidade de se conceder indenização pela
interrupção de um processo aleatório que poderia resultar em benefício ou evitar
prejuízo – a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
121
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 379-380. 122
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P.674.
63
4 CATEGORIAS PROFISSIONAIS E A IMPUTAÇÃO DE RESPONS ABILIDADE
PELA PERDA DE UMA CHANCE
Normalmente a responsabilização pela interrupção de um processo aleatório
que poderia resultar em vantagem o evitar prejuízo independem da categoria
profissional do agente. Se lhe é imputada a paralisação da álea que havia
despertado na vítima expectativas legítimas de não sofrer evento desfavorável ou de
experimentar um benefício, o agente poderá ser responsabilizado.
Fernando Noronha trabalha ainda a noção da perda de chance advinda da
quebra do dever de informar, afirmando que aquele que tinha o dever de prestar
certa informação e se omite, gerando um prejuízo, deverá ser responsabilizado pela
perda de uma chance.
Sérgio Cavalieri Filho menciona ainda a responsabilidade dos dentistas, cuja
regra é obrigação de resultado, o que facilita a comprovação da culpa e
consequente dever de indenizar.
Todavia, merece destaque no estudo da perda de chance a profissão do
médico, repleta de controvérsias e julgados bastante interessantes, e a profissão do
advogado, enquanto ligada ao Direito e sua boa aplicação. Tanto médico quanto
advogado têm uma obrigação de meio, e não de resultado, mas ainda assim
poderão ser responsabilizados por causarem a perda de chance a seus
contratantes.
Daí a afirmação de José Guilherme Xavier Milanezi em seu artigo Da
responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance123, de que “a teoria da
123MILANEZI, José Guilherme Xavier. Da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance. Disponível na internet:: http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e justica/news/270942/?noticia=DA+RESPONSABILIDADE+CIVIL+DO+ADVOGADO+PELA+PERDA+DE+UMA+CHANCE
64
perda de uma chance é uma tentativa recente de formular parâmetros à
responsabilidade civil dos profissionais colimados à obrigação de meio”.
4.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE
O advogado, essencial à justiça, tem obrigação contratual e de meio – não
de resultado, posto que o sucesso na demanda muitas vezes independe da boa
condução do caso.
É de mister importância a profissão do advogado, tanto que a Constituição
Federal inclui a Advocacia como uma das funções essenciais da Justiça, ao lado do
Ministério Público e da Defensoria Pública, sendo ao advogado assegurada a
inviolabilidade por seus atos e manifestações, nos limites da lei (art. 2°, § 3°,
Estatuto da Advocacia e a OAB). Assim, a invocação de imunidade estará adstrita às
restrições legais, e “pressupõe o exercício regular e legítimo da advocacia”.
(STOCO, 2007)
Todavia, como contratado na prestação de serviços, ao advogado incumbem
diligências que garantam o bom desempenho de seu mister. Daí a regra expressa
no art. 12 do Código de Ética e Disciplina da OAB:
Art. 12. O advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo os feitos, sem motivo justo e comprovada ciência do constituinte.
Quando contratado, o cliente assinará um mandato para que o causídico
represente seus interesses, sendo que do mandato advirão responsabilidades:
As principais obrigações do mandatário, proveniente do próprio contrato, são as de atuar em nome do mandante com cuidado, cautela e atenção,
65
repassando-lhe as vantagens que auferidas em seu nome e, ao final de sua representação legal, prestar contas dos atos praticados.124
Como prestador de serviços que é, segundo Sérgio Cavalieri Filho, o
advogado se submete aos princípios elencados no Código de Defesa do
Consumidor, especialmente os princípios da boa-fé, do sigilo profissional, da
transparência e da informação.125
E foi justamente pela falta de informação ao constituinte que causídico foi
condenado pela perda de chance em acórdão pioneiro reconhecendo a aplicação do
instituto ao caso concreto no Brasil.126
Tratava-se de um caso em que advogado havia intentado demanda
pleiteando pensão previdenciária à sua cliente em função da morte do cônjuge, e
deixou de impulsionar o processo e de informar à cliente sobre o extravio dos autos
do processo. A decisão do relator Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior,
reconheceu que se tratava de perda de chance, não como perda da aposta, mas
como perda da chance de alcançá-la.
O acórdão restou assim ementado:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance.
As decisões judiciais imputando ao advogado a responsabilidade pela perda
de chance são mais comuns em casos de perda do prazo de recorrer. Nestes casos,
é inconteste que não haveria certeza de sucesso se o caso fosse submetido à
124 XAVIER, Rafael Alencar. Breves comentários sobre a responsabilidade civil do profissional advogado. Disponível na internet: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=7124&
125 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 389. 126 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 591064837. Relator Des. Ruy Rosado de Agu iar Júnior, julgado em 29/08/1991.
66
análise do juízo ad quem, todavia, também é inegável que uma chance de sucesso
foi subtraída do cliente pela desídia do casuístico.
Todavia, na análise da teoria clássica da responsabilidade civil pela perda de
uma chance, as chances perdidas configuram um dano independente, consistente
na frustração de benefício acalentado pela vítima: “Um determinado fato interrompeu
o curso normal dos eventos que poderiam dar origem a uma fonte de lucro, de tal
modo que não é mais possível descobrir se o resultado útil esperado teria ou não se
realizado”. (SAVI, 2009)
Portanto, “a simples interrupção do processo aleatório no qual se encontrava
a vítima é suficiente para caracterizar um dano reparável: a perda de uma chance”.
(SILVA, 2009)
E foi nesse sentido recente decisão do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma negligente, o prazo para a inte rposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pe lo mandante, o advogado frusta (sic) as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, por tanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tam pouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ.
67
- Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.127
Destarte, a presente decisão aplicou o entendimento esposado pelos
defensores da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma
chance128, qual seja, de que as chances precisam ser sérias e reais, e de que a
indenização deve ser “da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da
própria vantagem”. (CAVALIERI FILHO, 2009)
Neste diapasão, para que haja a responsabilização do advogado, “o erro do
advogado deve ser grosseiro, inescusável, e a alegada chance não pode ser mera
possibilidade em abstrato, exigindo-se que o grau de probabilidade seja alto,
factível”.129
De fato, quando as chances de que um recurso seja provido sejam por
demais remotas, não se está diante do requisito “chances sérias e reais”, de tal sorte
que a indenização, segundo entendimento esposado por Sérgio Savi, há de ser
afastada. É o que se extrai de sua análise de julgado emanado pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo:130
Ora, se a Câmara julgadora fez uma reanálise do processo em que o advogado negligente perdeu o prazo recursal e chegou à conclusão de que, ainda que o recurso tivesse sido regularmente processado, as chances de o mesmo ser provido eram muito remotas. Em função desta conclusão, o relator entendeu ser impossível indenizar o dano material decorrente da perda da chance.131
Assim é que se procede a uma análise probabilística de êxito da demanda
acaso o recurso fosse interposto - nos mesmos moldes da concepção tradicional de
127 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1079185. Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 11/11/2008. 128 Neste sentido: Savi, Silva, Cavalieri Filho, Noronha, Lopes, Pignata e Biondi. 129 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 25696. Processo 0461774-5. Relator Rogério Ribas, julgado em 23/11/2009. 130 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n° 179.675-4/6. Relator Des. Sebastião Carlos Garcia , julgado em 16/09/2004. 131 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 59.
68
perda de chance. Desta sorte, havendo boas chances de que, acaso interposto, o
recurso seria julgado procedente pelo tribunal, é possível a responsabilização do
advogado pela perde de seu cliente lograr êxito na demanda, quando reanalisada
por instâncias superiores.
Por outro lado, há quem entenda inaceitável a indenização por perda de
chance devida ao cliente pelo advogado em razão na não interposição de recurso.
Neste sentido, Rui Stoco é peremptório:
Não há como admitir que outrem substitua o juiz natural da causa para perscrutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de valor a destempo sobre a “possibilidade” de qual seria sua decisão, caso a aça fosse julgada e chegasse ao seu termo.
E prossegue:
Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir que essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável.132
Entrementes é mais numerosa a corrente adepta da possibilidade de
responsabilização do advogado pela perda de uma chance, como Sérgio Savi,
Rafael Peteffi da Silva, Sérgio Cavalieri Filho, dentre outros. Há apenas de se
ressalvar que “Para que o procurador seja responsabilizado, deve haver prova de
sua desídia do trato com o cliente e seus interesses”.133
Destarte, o mínimo que se espera do advogado no exercício de seu mandato
é “La diligence du ‘bom père de famille” (AVRIL, 1981), diligência esperada, aliás,
em quaisquer atividades, sejam elas de meio ou de resultado. E quando o advogado
132 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: RT, 2007. P. 512.
133 BORTOLUZZI, Bibiana Carollo. A perda da chance e a responsabilização do advogado . Disponível a internet: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8250
69
emprega na sua atuação o zelo e o comprometimento que a atividade – essencial à
administração da Justiça – exige, menores serão o número de demandas intentadas
contra o “defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade
pública, da Justiça e da paz social”. (art. 2° do C ódigo de Ética e Disciplina da OAB).
4.2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE DE CURA OU
DE SOBREVIVÊNCIA
A seguir será realizada uma breve abordagem sobre a responsabilidade civil
do médico pela perda de uma chance, dada sua relevância e singularidades.
Todavia, será uma sucinta análise sobre aspectos gerais do tema, desconsideradas
peculiaridades de alguns casos, como a responsabilidade médica empresarial ou a
obrigação de resultado de algumas atividades médicas.
4.2.1 Responsabilidade civil médica
Ao se falar em obrigação médica, está-se diante de uma responsabilidade
contratual, cujo contrato, segundo Cavalieri, tem natureza jurídica sui generis, posto
o médico não ser tão somente um prestador de serviços, como ainda assumir uma
posição de conselheiro e protetor do enfermo e seus familiares.134
Via de regra, a responsabilidade médica é de meio, e não de resultado:
... a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão,além de lógica, tem o apoio de todos os autores, nacionais e estrangeiros (Aguiar Dias, Caio Mário, Sílvio Rodrigues, Antônio Montenegro), e é também consagrada pela jurisprudência.135
134
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. P. 317. 135 Ibidem, p. 317.
70
Destarte, não havendo a assunção de um resultado incontestavelmente
favorável ao paciente, caberá à vítima demonstrar a culpa do médico –
responsabilidade subjetiva: “A imperícia, a imprudência ou a negligência, estando
presentes em um ato médico que cause dano a um paciente, caracterizam a
presença de culpa. Mas essa culpa tem que ser provada pelo paciente, é seu o ônus
da prova”. (SOUZA, 2001)
A prova da desídia médica é necessária porque nunca há certeza de cura ou
sobrevivência:
O erro é inerente à atividade do médico no seu exercício profissional, visto a medicina ser regida por fenômenos biológicos, todos eles revestidos de um certo grau de aleatoriedade, sendo necessário que a medicina com suas limitações conviva com estes.136
Assim, o médico deverá empregar no exercício de sua função toda
diligência, zelo, prudência, esforçando-se e usando de todos os meios possíveis
para a cura. Todavia, ainda que seu objetivo seja a cura, esta não é o objeto do
contrato, o que seria admitir uma onipotência do médico.137
Tais premissas são as aplicáveis quando se trata de responsabilidade civil
médica. Entrementes, ao se enfocar a atividade sob o prisma da perda de uma
chance, certos conceitos merecerão uma abordagem diferencial, pois as chances
perdidas estão ligadas a um conceito de álea; a única certeza é a frustração das
expectativas legitimamente acalentadas.
136 SOUZA, Neri Tadeu Camara. ASPECTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO . Disponível na internet: http://www.afm.org.br/artigo84.htm 137 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. Doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo RT, 2007. P. 556.
71
4.2.2 Responsabilidade civil médica pela perda de uma chance
Conforme visto ao longo do presente estudo, foram justamente as decisões
francesas em matéria médica que impulsionaram o desenvolvimento do instituto em
foco.
O marco inaugural da responsabilidade médica por perda de chance se deu
em 1965, quando, por diagnóstico equivocado, o médico retirou as chances de cura
da vítima138 – daí a denominação la perte d’une chance de survie ou guérison:
Este novo enfoque da clássica teoria da responsabilidade civil foi uma criação jurisprudencial francesa, que significa a perda de uma chance de cura. Alguns doutrinadores traduzem somente a perda de uma chance de cura, limitando sua aplicação somente para os casos de responsabilidade médica. 139
E quando o assunto é a perda de cura ou sobrevivência, poderá haver uma
presunção de culpa :
A presença da teoria da “perte d’une chance”, em um atendimento médico-hospitalar, na sua avaliação em juízo, pode se dizer que fica bem caracterizada quando, mesmo que não se possa dizer com toda certeza que um paciente venha a se recuperar de uma determinada doença, seja possível se admitir que o paciente teve a perda de uma chance de se curar integralmente, ou até mesmo parcialmente, da sua doença, ou mesmo evoluiu para óbito, por não ter o médico empregado todos os meios de investigação e terapêutica, inclusive com o concurso de outros especialistas, à sua disposição para o tratamento da mesma. A culpa, no caso, se caracterizaria pelo fato de não terem sido dadas ao paciente todas as “chances” (investigação e tratamento, incl usive especializados) de se recuperar de sua moléstia. Po de, neste caso, pois, presumir, o julgador, estar a culpa presente no agir - conduta - do profissional médico , podendo, assim, haver decisão judicial de conceder uma indenização ao paciente, embora até possa vir a ser, na sentença, de menor monta o seu valor pecuniário.140 (grifo nosso)
138
BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civi
139 Ibidem
140 SOUZA, Neri Tadeu Camara. Erro médico e perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/4155.pdf e http://jusvi.com/artigos/26825
72
Mais uma vez fica evidente que a responsabilidade neste caso está adstrita
à chance perdida, e não à cura ou sobrevivência – dano que se pretendia evitado.
Destarte, o médico será responsável se não empregar todos os meios a seu alcance
para que o paciente fosse curado ou sobrevivesse.
Convém destacar que, conforme lição de Peteffi da Silva e Fernando
Noronha, as chances perdidas na seara médica têm conotação diferenciada, posto
que aqui o processo aleatório chegou a final, restando um dano inesperado – como
a morte ou a invalidez:
No caso médico, o processo que poderia ter sido aleatório já não é mais, pois se sabe com certeza qual o resultado: a morte ou a invalidez do paciente, isto é, a única dúvida que resta nesse caso é a relação de causalidade entre a falha do profissional e o dano final...141
Portanto, aqui não se trata de uma perspectiva de ganho que foi frustrada
por ação externa, mas um resultado efetivamente desfavorável experimentado pela
vítima:
A perda de chances de cura ou de sobrevida coloca-se numa perspectiva bem diversa. Aqui o doente está inválido ou mesmo é falecido; o processo desenrolou-se até seu último estágio e conhece-se o prejuízo final e sua importância. A única incógnita é, na realidade, a relação de causalidade entre este prejuízo e o ato ilícito do médico; não se sabe com certeza suficiente qual é a verdadeira causa do prejuízo: (se) este ato ilícito ou a evolução (a complicação) natural da doença.142
Neste diapasão, variantes hão de ser consideradas: “uma determinada
terapêutica é normalmente eficaz, mas não é possível afirmar que o tratamento
implicaria, inexoravelmente, a cura do paciente”. (SILVA, 2009)
141 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 87. 142 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 678.
73
Assim é que a conduta do médico pode não ser a única razão do dano
sofrido pela vítima, que poderá sofrer a concorrência de outros fatores. Daí a
afirmação de Sérgio Savi de que a responsabilidade médica pela perda de uma
chance de cura ou sobrevivência normalmente se enquadra na modalidade de
causalidade parcial.143
Dentro dessa concepção de causalidade parcial,
ao invés de considerar as chances perdidas como um dano autônomo, estar-se-iam utilizando as chances perdidas apenas como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada).144
Corroborando a relativização do nexo causal, Neri Tadeu Camara Souza
preleciona que
Por não ter o médico dado todas as chances ao paciente para se recuperar de uma doença, nossos julgadores aceitam que há nexo causal entre a lesão ao paciente e o agir culposo do médico, sendo pois este responsabilizado pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos por outrem e advindos deste seu agir.145
Na esteira de fatos submetidos a uma causalidade parcial, não há uma
relação causal cabalmente comprovada entre a atitude do ofensor e o prejuízo final
experimentado. Ou seja, a atitude médica em muitos casos não é a conditio sine qua
non para a ocorrência do dano.146
Daí as palavras de Grácia Cristina Moreira do Rosário em sua obra A perda
da chance de cura na responsabilidade civil médica: “É cediço que comprovar,
cabalmente, o nexo de causalidade, no que se refere à teoria da perda da chance de
143 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 5. 144 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 50. 145
SOUZA, Neri Tadeu Camara. Aspectos da responsabilidade civil do médico. Disponível na internet: http://www.afm.org.br/artigo84.htm 146 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 51.
74
cura é árduo, por isso a necessidade de mitigar a comprovação da causa da lesão”.
(ROSÁRIO, 2009)
E mesmo nos casos de perda de chance na modalidade de causalidade
parcial, segundo Peteffi da Silva, far-se-á um cálculo de probabilidades147,
mantendo-se os requisitos para a configuração de perda de chance: oportunidades
sérias e reais, e não meras expectativas vãs de cura. Destarte, verificar-se-á a
probabilidade de cura da vítima - caso o médico diagnosticasse corretamente a
doença a tempo, por exemplo – e a partir de então será calculado o valor devido a
título de indenização pela perda de uma chance.
Daí as afirmações de Neri Camara: “A chance tolhida com a culpa do
profissional, entretanto, deve ser séria, viável, plausível e não meramente eventual”.
(SOUZA, 2007)
Diversamente da retórica de Sérgio Savi - que considera que as chances
somente serão consideradas sérias e reais quando superiores a 50% (cinquenta por
cento) de se realizarem - Rafael Peteffi da Silva entende que a indenização deverá
gravitar sobre a percentagem de êxito perdida, ainda que inferior a 50%: “o autor de
indenização que prova que o réu retirou menos da metade das chances de obtenção
da vantagem esperada não pode ser condenado pelo dano final”. (SILVA, 2009)
E prossegue:
... não seria interessante, em relação ao escopo pedagógico da responsabilidade civil, que os médicos deixassem de indenizar todas as falhas que contribuíram para o dano, que não se constituem em condições “but for”, Seria uma licença irrestrita para a ocorrência de falhas de menor porte.148
147 Ibidem, p. 51. 148 Ibidem, p. 65
75
Por outro lado, ao mencionar hipóteses em que as chances de cura são
superiores a 50%, Peteffi da Silva afirma que nesses casos o problema relacionado
ao nexo causal desaparece, havendo a possibilidade de condenação pela
integralidade do dano, considerando-se o caráter pedagógico da responsabilidade
civil.149
Sempre haverá nesses casos a dificuldade para se medir a extensão do
dano e consequentemente o quantum debeatur, contudo, conforme lição de Sergio
Savi, tal dificuldade “jamais poderá ser utilizada como fundamento para os que
eventualmente sejam contra a indenização das chances perdidas em nosso
ordenamento”. (SAVI, 2009)
Finalmente, o que se percebe é que há muitas divergências na
responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou de sobrevivência,
sobretudo com relação à comprovação do nexo causal:
No que concerne à perda da chance de cura, para deflagrar a responsabilidade civil do médico faz-se necessário um liame objetivo que oferte a chance desejada ao aguardado pelo enfermo. A chance há de ser séria e realizável, sendo indispensável a determinação da identidade do nexo causal ligado à conduta ilícita do agente, com o causa obrigatória à realização do evento danoso . A perda da chance só será possível quando der lugar à reparação da lesão procedente de uma oportunidade perdida devida a um erro médico.150 (grifo nosso)
Para Rafael Peteffi da Silva, entretanto, exigir a comprovação do nexo
causal representa um equívoco que pode gerar resultados nefastos:
... a confusão das chances perdidas com a vantagem esperada (dano final) pela vítima pode fazer com que aquelas não sejam reparadas porque não existe nexo de causalidade certo e direto entre esta e a ação ou omissão do agente, isto é, somente se indenizariam as chances perdidas caso fosse praticamente certo que a vítima alcançaria a vantagem esperada. Ora, esse
149 Ibidem, p, 65. 150 ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. A perda da chance de cura na responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. P. 165.
76
tipo de entendimento inutiliza a categoria dogmática das chances perdidas, que desempenhariam a mesma função dos lucros cessantes.151
Tais divergências se mostram evidentes, e se a doutrina ainda não tem um
posicionamento unânime com relação ao tema, nossos julgados acerca da
responsabilidade médica por perda de chances também se mostra vacilante.
4.2.3 Julgados atuais
A título de ilustração, convém uma demonstração do posicionamento atual
de nossos tribunais quando se deparam com pleitos fundados em perda de chance
advinda de responsabilidade médica:
O primeiro julgado a ser analisado foi emanado pelo Superior Tribunal de
Justiça em dezembro de 2009. Tratava-se de ação intentada por filho de vítima fatal
de erro médico, que havia passado em concurso público – o que lhe renderia e ao
filho uma condição financeira melhor -, mas não chegou a tomar posse porque o erro
médico não só retirou da mãe as chances de sobrevivência, como também
impediram que o filho tivesse um futuro melhor:
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ERRO MÉDICO - DEVER DE INDENIZAR - REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – SUMULA 7 DO STJ - PENSIONAMENTO - RAZOABILIDADE DA PRETENSÃO - TERMO FINAL - ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM OS PRECEDENTES DESTA CORTE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A obrigação de indenizar, na espécie, está assentada em fatos e provas, aspectos estes que não podem ser revistos na via estreita do especial, consoante Súmula 07 desta Corte. 2. A Corte de origem, a partir dos elementos de convicção existentes nos autos, conclui que a vítima só não tomou posse no concurso para qual foi nomeada, justamente porque veio a falecer, por culpa do ora agravante. 3. Há de ser referendada a compreensão no sentido de que: "A probabilidade de que determinado evento aconteceria ou não aconteceria, não fosse o ato de outrem, deve ser sé ria, plausível, verossímil, razoável. E, no caso concreto, a chance de que a vítima destinaria ao filho menor parcela de seus ganhos é bastante razoável, e isso é suficiente para gerar a obrigação de repar ar a perda".
151 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Altas, 2009. P. 225.
77
4. Nesse contexto, não merce (sic) acolhida a tese de que o filho possuía apenas expectativa de direito a receber percentual dos rendimentos líquidos da mãe. 5. É firme o entendimento de que o termo final da pensão devida ao filho menor em decorrência da morte do pai, seja a idade em que os beneficiários completem vinte e cinco anos de idade, quando se presume terem concluído sua formação, incluindo-se a universidade. 6. agravo regimental não provido.152 (grifo nosso)
Neste caso, o nexo causal se fazia evidente, não havendo necessidade de
uma flexibilização por parte do tribunal superior, que concluiu que “a vítima só não
tomou posse no concurso para qual foi nomeada, justamente porque veio a falecer,
por culpa do ora agravante”.
Já o acórdão de junho de 2009 não foi favorável à indenização pela perda de
uma chance, restando assim ementado:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO - MORTE DE PACIENTE DECORRENTE DE COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA – OBRIGAÇÃO DE MEIO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO - ACÓRDÃO RECORRIDO CONCLUSIVO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE - FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE - TEORIA DA PERDA DA CHANCE - APLICAÇÃO NOS CASOS DE PROBABILIDADE DE DANO REAL, ATUAL E CERTO, INOCORRENTE NO CASO DOS AUTOS, PAUTADO EM MERO JUÍZO DE POSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entr e a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade s ubjetiva; II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o afastamento da condenação do profissional da saúde; III - A chamada "teoria da perda da chance", de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável ; IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo
152 Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.222.132 - RS (2009/0165707-5). RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON, julgado em 03 de dezembro de 2009
78
inadmissível, pois, a responsabilização do médico c om base na aplicação da "teoria da perda da chance "; V - Recurso especial provido.153
Neste caso o que se vislumbra é a aplicação da forma clássica de
responsabilidade civil médica: considera que é uma relação contratual de meio, de
responsabilidade subjetiva, sendo ainda indispensável a demonstração do nexo
causal.
Passando-se à análise de decisão proferida pelo tribunal paranaense, temos
que recente julgado proferido em dezembro de 2009, entendeu que havia perda de
chance, mas que esta configurava um dano moral :
DECISÃO: ACORDAM os Magistrados integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao apelo do Município, desprover o recurso adesivo da autora, e manter a sentença em reexame necessário, na forma do voto relatado. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATENDIMENTO MÉDICO PRESTADO EM PRONTO SOCORRO MUNICIPAL. VÍTIMA DE POLITRAUMATISMO E TRAUMATISMO CRANIANO QUE É DEIXADA EM OBSERVAÇÃO POR QUASE 6 (SEIS) HORAS. EXAME CLÍNICO IMPRECISO. OMISSÃO NA REALIZAÇÃO DE EXAME RADIOLÓGICO. DEMORA NO ENCAMINHAMENTO DA VÍTIMA A HOSPITAL COM INFRAESTRUTURA PARA ATENDIMENTO. FALECIMENTO. PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO DEVIDA À MÃE DA VÍTIMA. DANO MORAL. ARBITRAMENTO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. CABIMENTO. PENSÃO MENSAL EQUIVALENTE A 1/3 DO SALÁRIO DA VÍTIMA ATÉ QUE ESTA COMPLETASSE 65 ANOS. PRECEDENTES. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO.154
Em outra decisão recente emanada pelo TJPR, também houve o
reconhecimento da perda de uma chance, contudo, cabível a indenização a título de
danos morais:
153 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1104665/ RS. RELATOR: Ministro MASSAMI UYEDA, julgado em 09/06/2009. 154 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão n° 33192. P rocesso 0593737-1. Relatora Dulce Maria Cecconi, julgado em 15/12/2009.
79
DECISÃO: Acordam os dois Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em não prover a apelação, nos termos deste julgamento. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PERDA DE UMA CHANCE . CULPA DO MÉDICO AO ESCOLHER TERAPÊUTICA CONTRÁRIA AO CONSENSO DA COMUNIDADE CIENTÍFICA. DEVER DE DISPENSAR AO PACIENTE A MELHOR TÉCNICA E TRATAMENTO POSSÍVEL. CHANCES OBJETIVAS E SÉRIAS PERDIDAS. ERRO TAMBÉM NO ACOMPANHAMENTO PÓS-OPERATÓRIO. DANO MORAL . INDENIZAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO ADEQUADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.155
Aqui também a indenização devida pela chance perdida de sobrevivência
limitou-se ao dano extrapatrimonial, o que vai de encontro à defesa de Sérgio Savi
de que a perda de uma chance configura um dano autônomo e subespécie de dano
emergente.
Todavia, em que pese a defesa de Peteffi da Silva acerca da indenização
advinda da responsabilidade civil do médico pela perda de chance de cura ou
sobrevivência, o autor entende que há de prevalecer o entendimento de que as
chances devem ser mais que meras hipóteses. Neste sentido, julgado do TJPR:
DECISÃO: Acordam os dois Desembargadores e o Juiz Relator Convocado da Décima Câmara Cível, por unanimidade de votos, em não prover a apelação, nos termos deste julgamento. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO NA AVALIAÇÃO DO RESULTADO DE TOMOGRAFIA IMEDIATAMENTE CORRIGIDO ANTES DO INÍCIO DO PROCEDIMENTO CIRURGICO. MORTE DA PACIENTE CAUSADA POR TRAUMATISMO QUE NÃO EXIGIA IMEDIATO TRATAMENTO CIRURGICO. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA Para a responsabilização da clínica de radiologia e do médico que avaliou o resultado de tomografia, dando-lhe inicialmente uma interpretação errônea mas prontamente retificada e de modo a evitar a intervenção cirúrgica em local inadequado do crânio da vítima, seria necessário que desse erro resultasse a perda de uma chance , impedindo o neurocirurgião de realizar o procedimento médico não ponto exato da região do trauma. Faltando esse requisito, ou seja, falecendo a vítima de um trauma que não exigia imediata intervenção cirúrgica, não se poderá falar em perda de uma chance e de responsabilidade médica. Apelação não provida.
Note-se que neste caso, lançando-se mão do cálculo de probabilidades
defendido por Savi e Peteffi da Silva, não haveria uma chance considerável de a
155 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão n° 16600. P rocesso 0415873-4. Relator Albino Jacomel Guerios, julgado em 04/06/2009.
80
vítima sair curada, posto o trauma ocorrido não exigir cirurgia. Destarte, não se
verifica no caso um erro médico, nem tampouco uma chance séria e real de cura,
pautada em probabilidades de sucesso que fossem frustradas pela desídia médica.
81
5 A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA D E UMA CHANCE
Muito se discute acerca da imputação de responsabilidade ao agente que
frustra uma expectativa legítima da vítima, posto não haver em nosso ordenamento
jurídico previsão alguma de responsabilidade por chances perdidas. Naturalmente
que um discurso mais positivista será categórico ao repudiar tal forma de
indenização, bem como aqueles que entendem que se trata de mais uma “erosão
dos filtros de reparação”, constituindo em mais uma forma de se recorrer à “loteria
de indenizações”.156
Por outro lado, vem crescendo o entendimento de que, se seguirmos
princípios consagrados, como o da reparação integral dos danos, aquele que perde
uma chance séria e real de auferir um benefício ou evitar um prejuízo, merece uma
reparação.
Tendo em vista tais premissas, no presente capítulo será abordada a
aplicabilidade prática do instituto “responsabilidade civil pela perda de uma chance”.
Inicialmente verificar-se-á sua aplicação no direito comparado, para em seguida
fazer-se uma breve abordagem sobre nossas jurisprudências pátrias e alguns
julgados que fazem alusão à perda de chance para, finalmente, apontar os
argumentos que justificam o cabimento de responsabilização pela simples
interrupção da álea.
5.1 APLICABILIDADE NO DIREITO COMPARADO
No presente item, à luz de ensinamentos de Rafael Peteffi da Silva e Sérgio
Savi, será abordada a evolução da responsabilidade civil pela perda de uma chance
156 SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007. P. 3.
82
em França e Itália, países precursores na admissão da teoria e que muito
contribuíram para a forma que nossa doutrina e jurisprudência pátria encaram o
novel instituto.
5.1.1 França
Conforme já visto, a responsabilidade civil pela perda de uma chance
nasceu na França – Responsabilitè civil pour la perte d’une chance, onde o tema
ganhou destaque, tanto por parte da doutrina, quanto da jurisprudência. Na França é
que se passou a defender a existência de um dano desvinculado do resultado final
almejado157, consistente nas oportunidades perdidas.
Os debates surgidos na França no século XIX possibilitaram uma atenção
maior para o tema, influenciando a Corte de Cassação a conceder indenização pela
perda de uma chance, sobretudo a partir do século XX:
Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem que não pôde se realizar. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.158
A partir de julgados de perte d’une chance de survie ou guérison que a teoria
passou a ter maior destaque. Destarte, com o grande número de demandas
embasadas na perda de uma chance de cura ou de sobrevivência por erros médicos
é que o instituto começou a receber maior atenção dos aplicadores do Direito.
Daí a constatação de Eduardo Abreu Biondi:
157 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. 158 Ibidem, p. 3.
83
Este novo enfoque da clássica teoria da responsabilidade civil foi uma criação jurisprudencial francesa, que significa a perda de uma chance de cura. Alguns doutrinadores traduzem somente a perda de uma chance de cura, limitando sua aplicação somente para os casos de responsabilidade médica.159
E foi o grande número de casos de chances perdidas por erro médico que
deu origem à corrente mais aceita pela doutrina francesa - a de que há duas
modalidades de chances perdidas: a aplicação clássica da teoria, que vislumbra as
chances perdidas como um dano específico, e a perda de uma chance em matéria
médica, baseada numa causalidade parcial.160
Neste sentido, explicação de Rafael Peteffi da Silva:
... a análise das chances perdidas não será mais uma suposição em direção ao futuro e a um evento aleatório cujo resultado nunca se saberá, mas uma análise de fatos já ocorridos, pois é absolutamente certo que o paciente restou inválido ou morto.161
Inegável a contribuição francesa, que, além de precursora da aplicação da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, ainda auxiliou na compreensão da
diferença entre as chances perdidas de se obter uma vantagem, das chances
perdidas de se evitar um prejuízo efetivamente experimentado.162
Assim é que, quer seja se exigindo a prova do nexo causal entre conduta e
dano, quer seja se admitindo uma relativização da demonstração do liame de
causalidade163, fato é que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma
chance vem ganhando cada vez mais espaço.
159 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil . Disponível na internet: www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil 160 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 84. 161 Ibidem, p. 84. 162 Ibidem 163
Ibidem.
84
Rafael Peteffi da Silva ainda expõe que a jurisprudência francesa é bastante
criativa, apresentando um leque variado de hipóteses de condenação por perda de
chance: oportunidade perdida de sair vencedor em jogo de azar ou competição
esportiva, perda de chance por quebra do dever de informar, perda de chance de
ganhar demanda judicial por falha de advogado, perda de chance em matéria
empresarial, dentre outros casos.164
O autor segue citando inúmeros casos da aplicação da teoria na sua forma
clássica, qual seja, a interrupção do curso normal dos acontecimentos, que poderia
resultar num benefício à vítima. Como, por exemplo, a condenação de empresa de
perfume que produziu perfume de cheiro desagradável, impedindo a revendedora de
obter lucros substanciais (11/01/2002). Ou ainda a condenação do contador a pagar
os fiadores da dívida da empresa por ter “maquiado” o seu balanço, impedindo-os de
“limitar o seu risco financeiro” (24/09/2003). Como também a condenação da
Confederação Francesa de Vela, que, contrariando seu próprio regulamento,
impediu uma dupla de velejadores franceses de participar das competições
classificatórias para jogos das Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, tolhendo-lhes a
chance de vitória.165
Todavia, apesar de surgido na França, o instituto em questão ainda gera
discussões mesmo no país de origem, tanto em doutrina quanto em jurisprudência.
A título de ilustração, o comentário sobre o julgado de agressão de companheiro
contra a mulher, cujo pleito se fundou na premissa de que a falta de segurança do
Estado fez a companheira perder uma chance de ser protegida das investidas do
agressor, uma vez que já o havia denunciado inúmeras vezes, requerendo proteção
estatal:
164 Ibidem, p. 155. 165 Ibidem, p. 159-160.
85
Cette horrible agression est survenue en 1980. La victime s’est vue indemniser par un arrêt de 1996, cassé en 1998. Elle obtint à nouveau gain de cause en 2001, mais tout a été anéanti en 2004. Après ces 24 années de procédure, elle reste avec ses seules séquelles et, probablement, l’auteur des faits a retrouvé la liberté grâce à la loi Lejeune …166
Destarte, nem mesmo no país precursor na aplicação da responsabilidade
civil por perda de chance, não resta pacífica a forma de se encarar as oportunidades
perdidas ou de se responsabilizar o agente que frustrou as chances da vítima de
angariar proveito ou de evitar prejuízo.
De qualquer forma, fica a contribuição francesa para o Direito, que acabou
por influenciar vários outros sistemas jurídicos enquanto pioneira na imputação de
responsabilidade a quem foi responsável pela frustração de oportunidades por parte
da vítima.
5.1.2 Itália
O direito italiano, por sua vez, via com cautela os julgados franceses
baseados na teoria da perda de uma chance, afirmando que as oportunidades
perdidas não poderiam ser indenizáveis, posto se tratarem de “mero interesse de
fato” (SAVI, 2009).
Segundo o procurador regional do trabalho, Raimundo Simão de Melo, o
primeiro caso aceito pela Corte de Cassação italiana ocorreu em 1983, quando
determinada empresa convocou trabalhadores para participarem de teste seletivo na
contratação de motoristas. Todavia, após se submeterem aos exames médicos,
alguns candidatos foram impedidos de participar das demais provas de direção e de
166“Esta horrível agressão ocorreu em 1980. A vítima viu-se compensar por um acórdão de 1996, quebrado em 1998. Obteve de novo ganho de causa em 2001, mas foi destruído em 2004. Após estes 24 anos de procedimento, permanece unicamente com as suas sequelas e, provavelmente, o autor dos fatos reencontrou a liberdade graças à lei Lejeune…(lei sobre liberdade condicional)”. CARNOY, Gilles. La perte d’une chance est-elle encore indemnisable? Cass. 1er avril 2004. Disponível na internet: http://www.businessandlaw.be/article693.html
86
cultura elementar, indispensáveis à admissão, perdendo, portanto, a chance de
serem admitidos.167
Antes de se chegar a tal julgado, contudo, comporta passar pelas análises
de Sérgio Savi e os doutrinadores italianos precursores no vislumbre diferenciado
das chances perdidas. Menciona o autor que o primeiro estudioso italiano que
analisou de forma correta as chances perdidas, considerando-as um dano
emergente e independente do resultado final, foi Adriano De Cupis, com sua obra Il
Danno: Teoria Generale Della Responsabilità Civile, em 1966.168
Na mencionada obra, o autor cita alguns exemplos, como do cavalo que
deixou de correr por culpa do jóquei, do quadro de grande pintor, que não chegou a
tempo para a exposição e do advogado que deixou de apresentar recurso no prazo
correto. Em tais casos “La vittoria è assolutamente incerta”, contudo, não há como
negar uma possibilidade de vitória antes da ocorrência do evento danoso.169
Sérgio Savi cita trecho da obra de Adriano De Cupis, o qual considera “um
divisor de águas para a admissibilidade da teoria da responsabilidade civil por perda
de uma chance no Direito Italiano” (SAVI, 2009):
A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não de um lucro cessante em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.170
De Cupis trouxe grandes contribuições para o correto entendimento da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, na visão de Sérgio Savi, autor que
167 MELO, Raimundo Simão de. Inden ização pela perda de uma chance. 22/04/2007. Disponível na internet: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.as p?id=1785
168 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 10. 169 Ibidem, p.10. 170 Ibidem, p. 11.
87
se aprofundou na leitura italiana da responsabilidade civil por perda de uma chance.
Dentre tais premissas, o autor cita o entendimento italiano de que a perda de chance
se trata de dano emergente, e não lucro cessante, como a doutrina italiana vinha
defendendo; que o dano se refere à perda da vitória, e não da própria vitória
pretendida; que a chance terá sempre valor menor que a própria vitória futura, fato
que refletirá no montante da indenização; que simples esperanças aleatórias não
são passíveis de indenização, mas tão somente as chances sérias e reais.171
Contudo, apesar da grande contribuição de De Cupis, a doutrina italiana, na
visão de Savi, só passou a ter uma adequada compreensão da teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance com a publicação do artigo do
professor da Università di Milano, Maurizio Bocchiola - Perdita di uma chance e
certezza del danno, em 1976.172
Bocchiola manteve as considerações de De Cupis, afirmando que o que não
aconteceu não pode ser objeto de certeza absoluta; a certeza consiste no fato de
que uma possibilidade foi perdida, sendo que desta forma sempre será uma
hipótese, privada de completa verificação.173
Daí as palavras de Bocchiola, citadas na obra de Sérgio Savi:
É inútil esperar para saber se haverá ou não um prejuízo, porque o seu concretizar-se não depende absolutamente de qualquer acontecimento futuro e incerto. A situação é definitiva e não poderá ser modificada. Um determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos, que poderia dar origem a uma fonte de lucro, de tal modo que não é mais possível descobrir se a chance teria ou não se realizado.174
Assim é que, influenciada por decisões francesas e sobretudo pelos
ensinamentos de Adriano De Cupis e Maurizio Bocchiola é que a Corte di
171 Ibidem, p. 11-12. 172 Ibidem, p. 12. 173 Ibidem, p. 14. 174 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.p. 13.
88
cassazione julgou o leading case (primeiro caso) favorável à indenização pela perda
de uma chance – a perda da chance dos trabalhadores de participar das provas de
cultura elementar e direção após realizarem os exames exigidos pelo processo
seletivo para a contratação de motoristas (pág. 66).175
De tal sorte que, paulatinamente a Corte italiana passou a aceitar o
cabimento da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance:
Cass. Sez. Lav. 12 giugno 2003, n.9472 , secondo cui “ i l lavoratore avente d ir i t to a l l ’assunzione obbl igator ia, a i sensi del la legge 2 apr i le 1968, n.482, che s ia s tato er roneamente avv iato a l lavoro dai competent i uf f ic i min ister ia l i e non s ia stato immediatamente ed automaticamente re iscr i t to nel le re lat ive l is te a seguito del precedente erroneo avv iamento, ha d ir i t to a l r isarc imento del danno a lu i der ivato dal la mancata re iscr izione e dal la conseguente perd i ta d i chances, posto che i l concet to d i perd ita d i guadagno, d i cu i a l l ’ar t . 1223 c .c. , s i r i fer isce a quals iasi ut i l i tà economicamente valutabi le e anche ad una s i tuazione cui è col legato un reddi to probabi le” .176
Ou ainda:
Cass. 21 lug l io 2003, n.11322 e Cass. 11 dicembre 2 003, n.18945 , che hanno affermato che la chance d i conseguire un determinato bene non è una mera aspettat iva d i fa t to, ma un ’ent i tà patr imonia le suscet t ib i le d i autonoma valutazione g iur id ica ed economica .177
Nesta esteira, aos poucos a Corte italiana passou a admitir que as chances
perdidas configurariam uma entidade patrimonial passível de valoração, constituindo
175 Ibidem, p. 25. 176 Cass. Sez. Lav. 12 junho 2003, n.9472, segundo o qual ‘o trabalhador tem direito à contratação exigida pela lei 2 abril 1968, n. 482, que foi erroneamente suprimido do trabalho pelo competente ministério e não foi imediata e automaticamente reintegrado nas relativas listas seguindo a precedente errônea de supressão, tem direito ao ressarcimento dos danos causados a ele da falha e consequente perda de chances de reintegração, posto que o conceito de perda de salário, do art. 1223 c.c., se refere a qualquer utilidade econômica valorável e também a uma situação que é ligada a um ganho provável’ TREMANTE, Luigi. Danno da attivitá amministrativa illegittima e perd ita di chance. Disponível na internet: http://www.iussit.it/aArtcOq/perditachance.Mag5.htm 177 Cass. 21 julho 2003, n.11322 e Cass. 11 dezembro 20 03, n. 18945, que foi afirmado que a chance de conseguir um determinado bem não é uma mera expectativa de fato, mas uma entidade patrimonial suscetível de autonomia valorativa jurídica e econômica. TREMANTE, Luigi. Danno da attivitá amministrativa illegittima e perd ita di chance . Disponível na internet: http://www.iussit.it/aArtcOq/perditachance.Mag5.htm
89
um dano autônomo, ideal defendido pelos adeptos da teoria clássica da
responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Daí a decisão de 12/12/2001, na qual a Corte di Cassazione pacificou o
entendimento de que o dano da perda de chance é um dano autônomo e indenizável
de forma direta. Destarte, da afirmação de que a chance seria mera expectativa de
fato, e, portanto, um dano hipotético não indenizável, a corte italiana passou a
admitir a possibilidade de se indenizar a chance perdida.178
E tal entendimento ainda vem sendo utilizado na jurisprudência italiana. A
título de ilustração e para finalizar, trecho de recente decisão, do último dia 04 de
março, na qual a Corte di Cassazione condenou empresa por utilizar equivocados
critérios de seleção de candidatos, desconsiderando currículo e profissionalismo de
candidato, fato que fez o trabalhador perder as chances de ser contratado:
Ha diritto al risarcimento del danno da perdita di chance il lavoratore che ha perso il concorso interno e non ha quindi ottenuto la promozione perché i criteri di valutazione dei candidati, usati dall’impresa, sono stati scorretti, nel senso che non hanno tenuto conto del curriculum e della professionalità dei partecipanti.179
Assim é que a doutrina italiana passou a admitir a chance perdida como um
dano indenizável, e mais, que o reconhecimento das chances perdidas
corresponderia a uma proteção à própria personalidade humana, baseada em
valores constitucionalmente expressos:
Infine a conclusione del lavoro svolto non resta che evidenziare come la chance rappresenti oggi una forma di tutela della personalità umana. Questo valore è espresso nella carta fondamentale all’articolo. 2 e segna il
178 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.p.33 179 “Há direito a uma indenização por perda de chance de um trabalhador que perdeu a concorrência interna e, portanto, não obteve promoção, porque os critérios de avaliação dos candidatos, utilizado pela empresa, estavam incorretos, pois não levaram em conta a currículo e profissionalismo dos participantes.” Cassazione.net. Disponível na internet: http://www.cassazione.net/risarcita-la-perdita-di-chance-se-il-concorso-interno-non-tiene-conto-del-curriculum-p1349.html
90
passaggio da una concezione settoriale dell’ordinamento ad una concezione unitaria dello stesso sulla base dei valori espressi dalla costituzione. 180
Finalmente, o que se observa é que doutrina e jurisprudência francesas e
italianas influenciaram muitos sistemas jurídicos no que tange à observação da
teoria da perda de uma chance. Inclusive o Brasil, que passou a atentar a esse novo
instituto.
5.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL PÁTRIA
O primeiro acórdão brasileiro a mencionar a responsabilidade civil pela
perda de uma chance foi proferido pelo então ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior,
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 1990, todavia para não reconhecer
a aplicabilidade do instituto.181
Tratava-se de ação de indenização em função de erro médico que, ao
operar paciente com miopia em grau quatro resultou numa hipermetropia em grau
dois, além de cicatrizes na córnea que resultaram em névoa no olho operado. O
entendimento prolatado foi de que, sendo possível estabelecer um nexo causal entre
a atitude culposa do médico e o dano final, não havia que se falar em indenização
da chance perdida.182
Cirurgia seletiva para correção de miopia, resultando névoa no olho operado e hipermetropia. Responsabilidade reconhecida, apesar de não se tratar, no caso, de obrigação de resultado e de indenização por perda de uma chance.183
180 “Finalmente, na conclusão da obra que permanece é o de destacar como a chance de hoje representa uma forma de proteção da personalidade humana.
Esse valor é expresso no artigo 2 da Carta Fundamental e marca a transição de uma visão setorial para uma concepção unitária da própria ordem, com base em valores expressos na Constituição.” ROSA, Antonio de. Il Danno da Perdita di chance. Disponível na internet: http://studiogiuridico.it/tesi/chancebreve.htm
181 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 48. 182 Ibidem, p. 48. 183 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 5° Câmar a Cível, Apelação Cível n° 598069996. Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990.
91
Posteriormente, em 29/08/1991, Ruy Rosado de Aguiar Júnior deparou-se
com mais um caso em que se pleiteava indenização pela perda de uma chance,
desta vez por desídia de advogado, que, mesmo sabendo que os autos do processo
iniciado em 1975 haviam se extraviado, não informou o fato à sua constituinte, nem
tampouco providenciou a restauração dos autos. Nesse caso foi concedida a
indenização pela perda de uma chance, mas não foram fixados parâmetros para a
quantificação da indenização, remetida a liquidação184:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda de uma chance.185
E assim, pouco a pouco foram surgindo novas demandas se pleiteando a
indenização pelas chances perdidas em nosso direito pátrio, merecendo destaque
um julgamento que ficou famoso entre os estudiosos do tema, e que aplica a
imputação de responsabilidade civil pela perda de uma chance considerando as
análises probabilísticas de sucesso: o caso do Show do Milhão.
A ementa restou assim consignada:
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.186
184
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 49. 185 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 5° Câmar a Cível, Apelação Cível n° 591064837. Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 29/08/1991. 186 Superior Tribunal de Justiça – Recurso Especial n° 788.459. Recorrente: BF Utilidades Domésticas Lda. Recorrido: Na Lúcia Serbeto de Freitas Matos. Relator: Min. Fernando Gonçalves, julgado em 08 de novembro de 2005.
92
Da análise do relatório do caso, verifica-se que a autora da ação havia
participado do programa “Show do Milhão”, do SBT, comandado por Sílvio Santos, o
qual consistia num concurso de perguntas e respostas em que o prêmio máximo
consistia em R$1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro.
A autora lograra êxito até a penúltima questão, para a qual lhe havia sido
concedido o prêmio no valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). A última
pergunta – “pergunta do milhão” – valia o prêmio máximo, mas se a resposta
estivesse errada, a participante não teria direito ao valor até então acumulado.
A última questão era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos
índios de quanto do território Brasileiro?” As opções eram: (1) 22% (2) 2% (3) 4% (4)
10%.
Todavia, nossa Constituição não delimita um percentual do território nacional
destinado aos índios, não havendo, desta feita, uma resposta exata.
A ré embasou-se no art. 231, CF, que reconhece aos índios os direitos sobre
as terras que ocupam cabendo à União demarcá-las. Assim, se a autora soubesse a
área do território nacional e a quantidade de terras ocupadas tradicionalmente pelos
indígenas, teria como responder a questão.
Todavia, como destacou o Juízo da 1° Vara Especiali zada de Defesa do
Consumidor de Salvador, a Constituição Federal não faz menção a um percentual
de terras destinado aos índios, “nem poderia fazê-lo, eis que, até hoje a União na
concluiu o processo de levantamento e demarcação do território indígena, havendo,
inclusive, até os dias atuais, tribos ainda desconhecidas vivendo nos grotões das
selvas brasileiras”.
Assim é que, por não haver resposta correta à pergunta formulada, a
participante do programa optou por não responder à pergunta do milhão,
93
salvaguardando o prêmio de R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Desta feita, foi
ajuizada demanda pleiteando-se indenização por danos materiais advindos da perda
do prêmio máximo e por danos morais pela frustração de um sonho acalentado por
tanto tempo.
Em primeira instância - Juízo da 1° Vara Especializ ada de Defesa do
Consumidor de Salvador - a ré foi condenada, por danos materiais, ao pagamento
dos R$500.000,00 (quinhentos mil reais), valor que ganharia se tivesse respondido a
assertiva entendida pelo programa como correta.
A ré apelou, mas teve provimento negado pela Primeira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, mantendo-se a condenação no montante de
R$500.000,00 (quinhentos mil reais).
Ao recorrer ao STJ, a ré sustentou que a condenação no importe relativo ao
prêmio máximo era descabida já que a participante fez opção por não responder à
última pergunta, não ocorrendo, portanto, qualquer dano capaz de justificar o
ressarcimento a título de lucros cessantes. Alegou ainda que, mesmo na hipótese de
Ana Lúcia ter respondido à pergunta, haveria apenas simples possibilidade de êxito,
devendo a ação ser julgada improcedente ou, sucessivamente, ser reduzido o valor
da indenização para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), quantia que
melhor traduziria a oportunidade perdida.
Daí é que, lançando mão de um cálculo de probabilidades, o STJ entendeu
que, como haviam quatro alternativas, a chance de lograr êxito correspondia a 25%
dos 500 mil que a resposta correta valia, ou seja, 125.000,00 (cento e vinte e cinco
mil reais).
Conforme ressaltado pelos defensores da aplicação da responsabilidade civil
pela perda de uma chance, o valor da indenização devida pelo agente que
94
ocasionou o dano da frustração de oportunidade deverá ser menor que a vantagem
efetivamente esperada caso o evento se processasse até o final: “... a indenização
pela chance perdida será sempre inferior ao montante que a parte receberia se a
oportunidade de um ganho não tivesse sido perdida e o ganho tivesse se verificado”.
(SAVI, 2009)
Neste mesmo sentido, crítica de Rafael Peteffi da Silva, às decisões de
primeiro e segundo graus, que condenaram a ré ao pagamento de indenização no
valor de R$500.000,00 (quinhentos mil reais):
Com efeito, a sentença concedeu reparação correspondente à integralidade a vantagem perdida pela vítima, ou seja, R$500.000,00, como se a vítima não estivesse em um processo aleatório e como se fosse absolutamente certo que esta acertaria a questão. O mesmo caminho foi trilhado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, que confirmou a sentença aludida.187
Destarte, Sérgio Savi e Rafael Peteffi da Silva, estudiosos brasileiros que
mais se aprofundaram no estudo da responsabilidade civil pela perda de uma
chance, aplaudem a decisão do Superior Tribunal de Justiça, mas cada qual,
respectivamente, com suas ressalvas:
O acórdão é, em nosso sentir, quase impecável e, sem dúvida, merecedor de nossos aplausos pela forma técnica em que elaborado. Os critérios, limites e a forma de aplicação da teoria defendidos neste livro foram acolhidos quase integralmente. O único reparo que entendemos cabível e que implicaria a modificação do julgado, diz com os limites para a aplicação da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.188
O presente acórdão tem importância cabal, pois ratifica o entendimento do Tribunal com a responsabilidade de dar a última palavra em matéria civil infraconstitucional de aceitação da teoria da perda da chance. Apesar de a decisão ser digna de aplausos, acreditamos que a quantificação do dano poderia sofrer majoração. (...) mesmo levando e conta o elevado grau de complexidade da “pergunta do milhão”, a indenização poderia ter ficado um pouco acima dos 25% concedidos pelo julgamento final.189
187 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 202 188 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009. P. 80. 189 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 202-203.
95
Entrementes, apesar de cada autor fazer sua ressalva – Savi por entender
que as chances sérias e reais precisam estar acima de 50% de possibilidade de se
concretizarem, e Silva por entender que a autora da ação mostrou conhecimento
acima da média, o que justificaria uma indenização um pouco maior que a
equivalente a 25% -, fato é que ambos consideram a decisão proferida pelo STJ
como um marco na jurisprudência nacional quando se fala em análise da teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance.
Cumpre observar, todavia, que nossos tribunais ainda estão num processo
incipiente de análise da teoria em foco, muitos enxergando a perda de uma chance
como apenas um agregador ao dano moral, fato severamente criticado por Sérgio
Savi e Rafael Peteffi da Silva. Como pondera Peteffi da Silva,
Com efeito, alguns julgados brasileiros parecem estar confundindo as hipóteses em que a perda de uma chance deve ser considerada como integrante da categoria de danos extrapatrimoniais com as hipóteses em que a chance perdida é um dano com evidente valor de mercado e, portanto, de natureza patrimonial.190
Ambos os doutrinadores admitem que da chance perdida poderá decorrer
danos patrimoniais e morais, todavia o que não admitem é que as chances perdidas
sejam consideradas como sendo uma espécie de dano unicamente moral: “O que
não se pode admitir é considerar o dano causado pela perda de chance como sendo
um dano exclusivamente moral.” (SAVI, 2009)
Daí as severas críticas de Rafael Peteffi da Silva a alguns julgados que
consideram que as chances perdidas configuram tão somente um dano moral, como
entendimento emanado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que restou
assim ementado:
190 Ibidem, p. 209
96
RESPONSABILIDADE CIVIL. INFORMAÇÕES DESABONATÓRIAS SOBRE A CONDUTA DO AUTOR. PERDA DA CHANCE. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. DANO MATERIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. I – Indubitável que a ré é responsável pelos atos de seu preposto que, por ordem ou não de seus superiores, forneceu informações inverídicas sobre a conduta do autor, informações estas, determinantes para a não contratação deste por outras empresas. II – Dano material afastado. Ausência de comprovação. III – Danos morais. Manutenção do quantum. Apelos improvidos.191
Tratava-se de ação proposta por ex-empregado da empresa ré, baseado em
informações desabonatórias e inverídicas que a ré fornecia a outros possíveis
empregadores, tendo sido decidido pelo TJRS que a perda de chance de obter
vagas em outras empresas encontrava-se na esfera de danos unicamente morais,
não havendo que se falar em dano material:
Quanto aos danos materiais, tenho que estes incorreram. Embora seja evidente o prejuízo sofrido pelo autor em razão das informações prestadas quanto a sua pessoa, tenho que não se pode presumir que este conseguiria o emprego nas empresas mencionadas, e, muito menos, lá permaneceria trabalhando por muito tempo. Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda da chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de obter a vag a. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos da nos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes. Não vislumbro possibilidade de condenar a ré ao pagamento dos salários que o autor perceberia caso conseguisse o emprego, pois, tal fato não passa de uma presunção, não acompanhada da prova necessária para a condenação da empresa ré por danos materiais. Desta forma, diante da não comprovação dos danos materiais, afasto a sua incidência. (grifo nosso)
Nota-se que a perda da chance foi acolhida, mas tal prejuízo restou
compreendido como um dano que se encontrava na esfera dos danos morais.
Contudo, como bem observa Peteffi da Silva, “é evidente que a pessoa que perde
191 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n° 70003568888. Apelante: Assis Oliveira Lem os. Apelado: Planiduto Ar-condicionado Ltda. Relator: Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura, julgado em 27 de novembro de 2002.
97
uma possibilidade de conseguir trabalho remunerado sofre uma inexorável
diminuição do seu patrimônio”. (SILVA, 2009)
Tal julgado, que entendeu, assim como muitas decisões atuais sobre perda
de chance, que esta se encaixa num dano de natureza tão somente moral, acarretou
em algumas elucubrações de Rafael Peteffi da Silva que merecem ser transcritas:
Observa-se que o referido julgado está em desacordo com a melhor aplicação da teoria da perda de uma chance. O magistrado bem destacou que não havia nexo de causalidade seguro entre a conduta da ré (informações inverídicas) e a perda da vantagem esperada (emprego). Sua posição resta clara quando ressalta a impossibilidade de reparar os salários que o autor perceberia, caso conseguisse o emprego, visto que esta indenização corresponderia à reparação do dano final.192
O que ambos os estudiosos nacionais que mais se dedicaram ao estudo da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, Savi e Silva destacam, é que as
chances perdidas podem resultar em danos de natureza patrimonial e moral, mas
não podem ser encarados como uma subespécie de dano extrapatrimonial.
Outra análise jurisprudencial interessante consignada na obra de Rafael
Peteffi da Silva, foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, ao
julgar demanda proposta por pessoa jurídica em face de seu advogado, que perdeu
oportunidade de recorrer de sentença em reclamatória trabalhista, entendeu que as
chances perdidas pela não interposição do recurso tempestivamente, configuravam
dano de natureza moral.193
Como bem pondera o autor, quando se trata de dano moral, à pessoa
jurídica só é possível sofrer lesão à honra objetiva, sendo que a perda de prazo para
192 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 210. 193 Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação cível n° 2003.001.19138. Apelante: Sebastião Carneiro da Silva. Apelado: Rápido Monteiro Ltda. Relator: Des. Ferdinaldo Nascimento, julgado em 07 de outubro de 2003.
98
interposição de recurso por advogado não representa uma mácula na reputação que
a pessoa jurídica goza em relação a terceiros.194
Nesse diapasão, reputa-se oportuno transcrever algumas ementas de
decisões emanadas pelo nosso Tribunal de Justiça do Paraná:
DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores que integram a Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em não conhecer o agravo retido, e conhecer e negar provimento as apelações interpostas pelas partes, nos termos do voto do Relator. EMENTA: APELANTE (1): DOMINGOS ALCIDES VANZAN. APELANTE (2): DEMÉTRIO BEREHULKA. APELADOS: OS MESMOS. RELATOR: DES. DOMINGOS JOSÉ PERFETTO AGRAVO RETIDO AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO QUANTO À SUA APRECIAÇÃO EXEGESE DO ARTIGO 523, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL RECURSO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL (1) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO PELO CANCELAMENTO DE DEMANDA CULPA CARACTERIZADA DANOS MATERIAIS NÃO CONFIGURADOS AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ÔNUS QUE INCUMBIA AO AUTOR DANO MORAL MAJORAÇÃO INVIABILIDADE CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE MANUTENÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO APELO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL (2) AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO NÃO OCORRÊNCIA AJUIZAMENTO DA AÇÃO DENTRO DO LAPSO TEMPORAL DE TRÊS ANOS INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 206, § 3º, INCISO V EXTIRPAÇÃO DOS DANOS MORAIS IMPOSSIBILIDADE RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO CULPA CARACTERIZADA - DANOS MORAIS DEVIDOS PELA PERDA DE UMA CHANCE SENTENÇA ESCORREITA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.195 (grifamos) DECISÃO: ACORDAM, os Senhores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso de apelação e negar provimento ao recurso adesivo, nos termos do voto do Desembargador Relator. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS, LUCROS CESSANTES CUMULADA COM DANO MORAL - ADVOGADO - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA NO EXERCÍCIO DE SUA ATIVIDADE - NEGLIGÊNCIA E DESÍDIDA CONSTATADAS NO EXERCÍCIO DO OFÍCIO - AÇÃO QUE FOI INTERPOSTA EM FACE DO SUJEITO PASSIVO ERRADO E ACABOU EXTINTA SEM JULGAMENTO DE MÉRITO POR FALTA DE EMENDA Á PETIÇÃO INICIAL - ATO ILÍCITO QUE OCASIONOU A PRESCRIÇÃO DO DIREITO DO AUTOR - DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO - DANOS MATERIAIS NÃO DEVIDOS - IMPOSSIBILIDADE DE AVALIAÇÃO E COMPROVAÇÃO - DANOS MORAIS DEMONSTRADOS PELA PERDA DA CHANCE DE VER SEU PEDIDO APRECIADO PELO PODER JUDICIÁRIO - QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - SENTENÇA REFORMADA
194 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 213. 195 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 20023. Processo 0626389-8. Relator: Domingos José Perfecto, julgado em 21/01/2010.
99
RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO ADESIVO DESPROVIDO.196 (grifo nosso) DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer de ambos os recursos, dar parcial provimento ao Recurso de Apelação e negar provimento ao Recurso Adesivo, nos termos do voto acima relatado. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO TRABALHISTA - CULPA CARACTERIZADA - OBRIGAÇÃO DE MEIO E NÃO DE RESULTADO - LUCROS CESSANTES NÃO CABÍVEIS - DANOS EMERGENTES NÃO COMPROVADOS - DANOS MORAIS DEVIDOS - PERDA DE UMA CHANCE - MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO - ATENÇÃO ÀS FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MANUTENÇÃO. 1. A obrigação assumida no exercício da advocacia é de meio e não de resultado, razão pela qual o causídico não tem o dever de indenizar a mera expectativa de direito do cliente. Porém, exsurge o dever de indenizar quando evidenciada a desídia do profissional, sendo cabível a indenização por danos morais, em decorrência da perda de uma chance . 2. O valor do dano moral deve corresponder à finalidade de compensar a vítima pelos momentos de angústia e aborrecimentos sofridos. Ao ofensor, serve a repressão e prevenção, desestimulando novos ilícitos. 3. Os honorários advocatícios são fixados para remunerar o advogado em face do trabalho desenvolvido, razão pela qual o percentual estipulado em sentença revela-se ajustado ao caso concreto. Conformidade ao art. 20, § 3º, CPC. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO ADESIVA - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO TRABALHISTA - CULPA CARACTERIZADA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DA APELADA NÃO CONFIGURADA. 1. A advocacia é função constitucionalmente reconhecida como essencial à justiça, exigindo-se daquele que a exerce atenção, diligência e técnica para com seus clientes - inclusive em hipótese de mera consulta jurídica. 2. No presente caso, os depoimentos testemunhais, não elididos por qualquer prova em contrário, demonstraram que o advogado agiu com culpa grave, ocasionando o perecimento dos direitos da cliente. Dever de indenizar pela perda de uma chance está plenamente configurado. 3. O exercício regular do direito de ação não caracteriza litigância de má fé, pois, para tanto, devem restar configurados os requisitos previstos no artigo 17 do Código de Processo Civil - o que não ocorre no presente caso. RECURSO ADESIVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.197 (grifo nosso)
O que estes acórdãos emanados de nosso TJPR têm em comum é a
configuração das chances perdidas como espécie de dano de natureza
extrapatrimonial. De fato, ainda é de difícil caracterização a teoria da perda de uma
196
Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 18762. Processo 0527372-5. Relator: José Augusto Gomes Aniceto, julgado em 23/07/2009. 197
Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 16500. Processo 0580250-4. Relator: Rosana Amara Girardi Fachin, julgado em 18/06/2009.
100
chance, criando algumas dificuldades quanto aos critérios utilizáveis quando o tema
em julgamento refere-se às oportunidades frustradas.
Para Rafael Peteffi da Silva, muitas vezes nossos tribunais impõem
indenização pelas chances perdidas a título de dano moral a fim de se valer de “um
subterfúgio para escapar das grandes dificuldades técnicas que a quantificação do
dano patrimonial poderia acarretar”. (SILVA, 2009)
Outra questão que gera algumas dificuldades em nossos tribunais é a
visualização da problemática do nexo causal, anteriormente tratada no presente
estudo. Savi e Silva entendem que há duas modalidades de perda de chance: a) a
modalidade clássica, referente à noção de dano autônomo, sendo necessária a
comprovação do nexo causal entre conduta e resultado; e b) a noção de causalidade
parcial, mormente utilizada em casos de perda de chance de cura ou sobrevivência,
sendo que a atitude culposa do médico não configura conditio sine qua non para a
configuração do resultado.
Neste sentido, nota-se que nossa jurisprudência transita ora num
entendimento de que é obrigatória a configuração do nexo causal, ora de que o nexo
causal não pode estar claro.
Na decisão trabalhada nas folhas 71-72, que foi a pioneira na análise das
chances perdidas na jurisprudência brasileira (Apelação Cível 598069996, Des. Ruy
Rosado de Aguiar Júnior), o julgado afastou a condenação pelas chances perdidas
porque estava nítido o nexo causal entre a conduta culposa do médico e o resultado
danoso que foi a hipermetropia de grau 2 e névoa no olho operado:
É preciso esclarecer, para efeito de cálculo de indenização, que não se trata de perda de uma chance, a que em certa passagem se referiu o apelante. Na perda da chance, não há laço de causalidade entre o resultado e a culpa do agente (François Chabas, “La perte d’une Chance em Droit Français” – palestra na faculdade de Direito, 23.5.90): “On remarque, dans ces affaires,
101
les traits communs qui sont les caractéristiques du problème: 1. Une faute de l’agent. 2. Um enjeu total perdu et qui pourrait être lè préjudice. 3. Une absence de preuve du lien de causalité entre la perte de cet enjeu et faute, parce que, par définition, cet enjeu est aleatoire. C’est une caractéristique essentielle de la question.”198
Note-se que neste caso a indenização pelas chances perdidas não foi
concedida porque restava clara a atitude culposa do médico resultando num dano à
paciente, ou seja, estava comprovado o nexo causal, o que não seria possível
quando se vislumbra as chances perdidas.
Todavia, no julgado recentemente proferido pelo TJPR, a perda de uma
chance fora afastada exatamente pela falta de comprovação do nexo de
causalidade:
DECISÃO: ACORDAM os integrantes da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. EMENTA: Responsabilidade civil - Ação de indenização por dano material e moral - Afirmada omissão do Estado (Polícia Militar) e de hospital particular, consistente em realizar o transporte e o atendimento de criança ferida por ataque de cães no interior do local onde residia - Inexistência dos requisitos da responsabilidade civil - Ausência de nexo de causalidade - Vítima que veio a óbito em decorrência da gravidade das lesões. Teoria da responsabilização por perda de uma chance ("perte d'une chance"), ou frustração de expectativa - Inaplicabilidade ao caso, diante da irreversibilidade do quadro clínico da criança - Falta de prova de que existia probabilidade real de que a chance perdida seria bem-sucedida. Indenização indevida . Sentença mantida. Recurso desprovido. A indenização, por aplicação da teoria da responsabil ização pela perda de uma chance, somente é devida quando ficar demons trado que a conduta do agente causador da lesão foi exclusiva o u preponderante na produção do dano .199 (grifo nosso)
Observa-se que tais julgados encontram-se diametralmente opostos, posto
que um afasta a possibilidade de indenização pela perda de chance porque restava
claro o nexo de causalidade entre conduta e dano, enquanto que no segundo
acórdão as chances perdidas são descaracterizadas pela ausência de liame causal. 198 “Podemos perceber, nestes casos, os traços comuns que são as características do problema: 1. Uma falta do agente. 2. Uma chance perdida que poderia ser o dano. 3. Uma ausência de prova do nexo de causalidade entre a perda desta chance e a falta, porque por definição, esta chance é aleatória. É uma característica essencial da questão.” Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 598069996. Relator: Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, julgado em 12/06/1990. 199
Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 33870. Processo 0581160-9. Relator: Rabello Filho, julgado em 04/08/2009
102
Rafael Peteffi da Silva constata que a não imputação de responsabilidade
pela perda de uma chance pela ausência de nexo causal certo e direto entre a ação
ou omissão do agente e a vantagem esperada trata-se de uma nefasta confusão200:
“Ora, esse tipo de entendimento inutiliza a categoria dogmática das chances
perdidas, que desempenhariam a mesma função dos lucros cessantes”. (SILVA,
2009)
Para o autor, o ideal é recorrer-se a um cálculo de probabilidades a fim de
verificar se a chance de se auferir vantagem ou evitar um prejuízo era de fato séria e
real. De tal sorte, deverá o magistrado negar-se a indenizar “elementos aleatórios do
prejuízo” recorrendo às probabilidades, pois, se não se valer das estatísticas, terá de
fazer presunções, mais arbitrárias e fracas que o próprio livre convencimento do
julgador.
Fernando Noronha comunga do ideal de se recorrer às probabilidades, ao
afirmar que “o valor da chance perdida é aferido através de um cálculo das
probabilidades, que houvesse, de se concretizar o resultado em expectativa”.
(NORONHA, 2003)
Neste sentido, julgado do TJPR:
DECISÃO: ACORDAM os Senhores Magistrados integrantes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DA RÉ, E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO AUTOR, nos termos do voto do relator. EMENTA: Ementa: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTRAVIO DE OBRA DE ARTE NO TRANSPORTE PARA UM EVENTO CULTURAL. 1)- AGRAVO RETIDO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ACOLHIMENTO APENAS EM CASO DE GARANTIA PRÓPRIA. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. RECURSO DESPROVIDO. 2)- APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU EM PARTE DO PEDIDO. CONTRATO DE TRANSPORTE. OBRAS DE ARTE QUE DEIXARAM DE CHEGAR A TEMPO DE CONCORRER A PRÊMIOS EM MOSTRA CULTURAL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA ENTIDADE
200 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas,2009. P. 225.
103
REALIZADORA DO EVENTO. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL SOMENTE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. INDENIZAÇÃO DEVIDA NÃO SÓ PELO VALOR DO CONTRATO (REMESSA E EMBALAGEM), MAS TAMBÉM QUANTO AOS INSUMOS GASTOS PARA CONFECÇÃO DA OBRA DE ARTE. CONCURSO QUE EXIGIA OBRA INÉDITA. IMPRESTABILIDADE DESTA APÓS A OCORRÊNCIA DA MOSTRA. INDENIZAÇÃO AINDA PELA "PERDA DE UMA CHANCE". DOUTRINA DA "PERTE D`UNE CHANCE". ACOLHIMENTO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUTOR COM PROBABILIDADE EFETIVA DE FINDAR O CONCURSO ENTRE OS TRÊS MELHORES TRABALHOS. INDENIZAÇÃO CALCULADA DE ACORDO COM A CHANCE MATEMÁTICA DE ÊXITO. MAJORAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS E MANUTENÇÃO DOS DANOS MORAIS. FIXAÇÃO RAZOÁVEL. JUROS E CORREÇÃO TRATADOS DE FORMA CORRETA. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA, APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA E APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA EM PARTE. 1- A denunciação da lide se condiciona à existência de garantia própria entre litisdenunciante e litisdenunciado, ou seja, é preciso que o direito de regresso existente entre um e outro seja decorrente de transmissão de direito por disposição legal ou contratual expressa; 2- Ainda que recuperado o bem transportado, comprovada sua imprestabilidade por não ter chegado ao destino a tempo, é devida indenização pelo valor gasto com sua confecção e não só com o que foi gasto com o transporte; 3- Comprovado que o requerente contava com condições reais de lograr êxito em evento futuro a que fora alijado por ato ilícito ou quebra de contrato, a ele é devida i ndenização pela "perda da chance", calculada com base na probabilid ade matemática que dispunha da ocorrência do evento lucrativo. 201 (grifo nosso)
Nota-se que a decisão supramencionada está de acordo com o que Sérgio
Savi, Rafael Peteffi da Silva e Fernando Noronha entendem como a melhor
aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Resta
consignado na ementa que, para ser devida a indenização, as chances de lograr
êxito devem ser reais, e que o valor devido a tal título será calculado com base em
probabilidades matemáticas de se auferir o benefício esperado antes da interrupção
da álea.
Destarte, o que exsurge inconteste da análise de casos concretos julgados
pelos nossos tribunais pátrios com relação às chances perdidas é que não há
unanimidade. Quer seja com relação à caracterização das chances perdidas, ou
quanto à natureza jurídica do instituto, ou ainda com relação ao quantum debeatur
devido a título de indenização, quer seja com relação à verificação do nexo de
201 Tribunal de Justiça do Paraná. Acórdão 22822. Processo 0471982-0. Relator: Rogério Ribas, julgado em 18/11/2008.
104
causalidade entre conduta comissiva ou omissiva e resultado, a verdade é que a
questão não resta pacificada, nem tampouco cristalina.
Como pontua Sérgio Cavalieri Filho,
A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, ora pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade.202
Assim é que, pouco a pouco, a teoria da responsabilidade civil pela perda de
uma chance, ainda que titubeante, vai ganhando espaço em nossos julgados
pátrios, sendo gradativamente ponderada e analisada nos casos concretos.
5.3 JUSTIFICATIVAS PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA
CHANCE
Conforme visto, França e Itália muito têm contribuído para a difusão da
teoria em estudo, aplicando em muitos julgados a imputação de responsabilidade
civil pela perda de uma chance.
Embora não haja nas legislações mencionadas um dispositivo específico
que trate da reparação de danos causados pelas oportunidades perdidas, ambos os
países se fundam em regras gerais de responsabilidade advindas de ato culposo.203
Nosso ordenamento jurídico também não prevê a responsabilidade civil pela
perda de uma chance, todavia, os defensores da aplicação do instituto fundam-se no
dever geral de não causar dano a outrem, somado ao princípio da dignidade da
pessoa humana, que foca mais a vítima que o causador do dano, aliado ao princípio
da reparação integral dos danos.
202 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 78. 203 Neste sentido, artigo 1.382 do Código Civil Francês, e 2.043 do Código Civil Italiano, que, em linhas gerais sugerem que danos ocasionados com culpa dão ensejo à reparação.
105
Neste sentido, Savi menciona que a dignidade da pessoa humana
estampada no art. 1°, III, da Constituição Federal, aliada à concepção da sociedade
justa e solidária defendida pelo art. 3°, I, de nos sa Lei Maior, levam ao implícito
princípio constitucional da reparação integral dos danos, “verdadeiro princípio de
justiça que deverá sempre nortear a atividade do intérprete quando da necessidade
de se aferir o que deve ser objeto de reparação na responsabilidade civil”. (SAVI,
2009)
Assim é que, com respaldo em dispositivos constitucionais, nossa doutrina e
jurisprudência vêm admitindo a responsabilização daquele que, pela interrupção da
álea, impede que uma possibilidade de ganho se efetive, ou que contribui para que
um prejuízo se consume, diminuindo do sujeito as chances de evitá-lo.
Nas palavras de Paulo Nader:
Ao elevar a dignidade da pessoa humana a um dos fundamentos do Estado brasileiro, a Constituição Federal aguçou a sensibilidade dos juristas quanto à necessidade de se tutelar os direitos da personalidade, ampliando-se a tipologia dos danos indutores da indenização.204
Sérgio Savi, também amparado em preceitos constitucionais, defende a
responsabilização pela perda de chance:
Se a Constituição Federal estabelece que a reparação deve ser justa, eficaz e, portanto, plena, não há como se negar a necessidade de indenização dos casos em que alguém perde uma chance ou oportunidade em razão de ato de outrem. Negar a indenização nestes casos equivaleria à infringência dos postulados do póspositivismo (sic), como a hermenêutica principiológica, a força normativa da Constituição Federal e a necessidade de releitura dos institutos tradicionais de Direito Civil à luz da tábua axiológica constitucional.205
204 NADER. Paulo. Curso de direito civil. Responsabilidade civil. Vol. 7. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 71. 205 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P 99.
106
Desta feita, estando nosso sistema social mais inclinado a proteger a vítima
do dano injusto do que a castigar comportamentos negligentes206, o reconhecimento
das chances perdidas como espécie de dano a ser reparado, seria o corolário lógico
da reparação integral de danos. Assim,
mesmo não havendo um dano certo e determinado, existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa que ela possuía em angariar um benefício ou evitar um prejuízo. Logo, para que exista a possibilidade de reparação civil das chances perdidas, deve-se enquadrá-las, como se danos fossem.207
E para Carlos Eduardo Vinaud Pignata, a flexibilização de alguns elementos
da responsabilidade civil se dá justamente com o intuito de salvaguardar a vítima,
garantindo-lhe a tutela de seus direitos:
A perda de uma chance surge em função de um redirecionamento dos requisitos formadores da responsabilidade civil e da chamada Erosão dos Filtros da Reparação. Esse deslocamento tira a culpa e o nexo de causalidade do centro das atenções e passa a conceber mecanismos reparatórios mais fluidos e voltados a tutela dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana.208
Nesta esteira, fundamenta Rosamaria Novaes Freire Lopes,
Na Perda de uma Chance o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, vislumbramos que o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo.209
206 CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil . Rio de Janeiro: Renovar, 2005. P. 17. 207 BIONDI, Eduardo Abreu. Teoria da perda de uma chance na responsabilidade c ivil , de 04/01/2008. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3988/Teoria-da-perda-de-uma-chance-na-responsabilidade-civil
208PIGNATA, Carlos Eduardo Vinaud. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: Carlos Eduardo Vinaud Pignata - http://www.arcos.org.br/artigos/responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance/
209 LOPES, Rosamaria Novaes Freire. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. Disponível na internet: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3861/Responsabilidade-civil-pela-perda-de-uma-chance
107
Destarte, “a reparação da pert d’une chance fundamenta-se numa
probabilidade e numa certeza: a probabilidade de que haveria o ganho e a certeza
de que da vantagem perdida resultou um prejuízo” (SILVA, 2004)
Todavia, em que pese a atual doutrina manifestando-se favorável à
indenização pelas chances perdidas, fato é que o instituto ainda é incipiente no
Brasil, gerando dúvidas e controvérsias.
Savi e Silva, maiores estudiosos nacionais do presente tema, afirmam que o
fato de o Brasil apresentar maior resistência à aplicação da teoria da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, se comparado a países como
França e Itália, deve-se ao fato de nosso antigo Código Civil trazer uma enumeração
casuística de bens protegidos dentre os artigos 1.537 a 1.553.210
Desta feita, a atuação do magistrado, quando da análise da
responsabilidade civil, ao avaliar o grau de responsabilidade e verificar a culpa,
estaria adstrito aos bens protegidos elencados entre os artigos 1.537 e 1.553:
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)
Desta sorte, tal enumeração limitaria o poder dos juízes, o que ao se verifica,
por exemplo, no Código Civil francês, precursor na aplicação da teoria em foco.
Todavia, ao defender a aplicação da teoria da responsabilidade civil pela
perda de uma chance, Sérgio Savi funda-se da cláusula geral de responsabilidade,
que prevê a indenização de qualquer prejuízo experimentado pela vítima. Para o
210 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas,2009. P. 16.
108
autor, tal premissa justificaria o dever de indenizar ao responsável pelas chances
perdidas pela vítima. Cita, a fim de corroborar sua tese, decisão emanada pelo
Superior Tribunal de Justiça, no REsp 57.529-DF211:
No caso dos autos, estão reconhecidos os pressupostos de fato ara o reconhecimento da responsabilidade da transportadora: houve o extravio da bagagem mencionada pela autora, que por isso deixou de participar da concorrência que se realizava naquele dia. Apenas que a eg. Câmara julgou inexistir o direito à reparação quando há somente a perda de uma chance, situação não prevista em lei. Penso eu que tal decisão causa ofensa ao disposto no artigo 159 do Ccivil, cláusula geral que contempla inclusive a hi pótese da perda de uma real oportunidade de obtenção de uma certa vant agem. Não se indeniza a vantagem de quem venceria a concorrência, mas a perda da oportunidade de concorrer, que é um fato provado, causador de prejuízo de não concorrer, e por isso, incluído no âmbito do ar tigo 159 do CC , pois foi causado por culpa da transportadora.212 (grifo nosso)
O voto em comento entendeu que, em que pese não haver em nosso
ordenamento um dispositivo específico que contemple a perda de uma chance, a
reparação se encontra compreendida no amplo universo do art. 159, CC.
Savi prossegue na enumeração de outros artigos, além do referido 159, que
confirmariam o princípio da reparação integral dos danos, como o art. 402, 948, 949,
todos do Código Civil, além dos já mencionados dispositivos constitucionais que
contemplariam a reparação integral do dano com base na dignidade da pessoa
humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (arts. 1°, III c/c 3°, I,
CF).
Nesta esteira, conforme demonstrado ao longo do presente estudo, a
evolução da responsabilidade civil mudou o foco das atenções do julgador, do ato
ilícito para a proteção da vítima de danos injustos. Destarte, sendo as chances
211 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P 98. 212 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 57.529-DF, Quarta Turma. Relator Ministro Fontes de Alencar, julgado em 07/11/1995.
109
perdidas contempladas como um dano injusto, daí exsurge o indubitável dever de
indenizar.213
Portanto, parte daí a defesa de muitos estudiosos do tema sobre o dever de
reparar advindo da frustração da oportunidade almejada: “Acentua-se que a
oportunidade de ganho ou de se evitar um prejuízo, por si só, já é incorporada no
patrimônio jurídico do indivíduo, sendo assim, a sua violação ensejará indenização”.
(BIONDI, 2008)
Nota-se até mesmo pela conceituação que muitos doutrinadores - como os a
seguir citados, Sérgio Cavalieri e Fernando Noronha - trazem acerca da perda de
uma chance, que há uma noção de ilícito perpetrado pelo agente que acaba por
causar um dano à vítima – o dano da oportunidade frustrada:
Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.214 Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou.215
Percebe-se, pelos conceitos supramencionados, que nossa doutrina vem
entendendo a oportunidade perdida como um dano a ser reparado, na medida em
que existia no patrimônio da vítima uma legítima expectativa (séria e real), frustrada
por ato de outrem. E tal expectativa – e não a vantagem esperada – é que será
indenizada, considerando-se as reais chances de efetivação do resultado almejado.
213 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P. 101. 214 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.75. 215215 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do direito das obrigações. Introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 665.
110
Crescente a admissibilidade de indenização advinda das chances perdidas,
os defensores desta teoria ponderam a reparação na certeza do dano: “a
possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a
chance, o dano é, portanto, certo.” (SAVI, 2009)
111
6 CONCLUSÃO
A ninguém é permitido lesar outrem, comportamento inadequado e em
desacordo com a máxima neminem laedere. Daí a responsabilidade civil, que visa
reprimir condutas ilícitas e sobretudo oferecer uma resposta à vítima do dano, posto
ser ela o foco central da responsabilidade civil.
Nesta esteira, verifica-se a evolução da responsabilidade civil, com novas
perspectivas e formas de responsabilização a fim de oferecer uma resposta ao
lesado. Neste eixo, novos danos passam a ser considerados pelo nosso
ordenamento jurídico, como o dano extrapatrimonial, cuja dificuldade de parâmetros
na fixação do quantum devido já não serve de justificativa para a falta de reparação.
Os avanços não estagnaram; assim é que surge a responsabilidade objetiva
- independente de culpa. Se antes cabia à vítima do evento danoso a comprovação
da culpa em sentido amplo (culpa em sentido estrito e dolo) do causador da lesão,
passou-se, em alguns casos, considerar que independente da intenção ou
negligência, imprudência ou imperícia, imperioso oferecer uma resposta àquele que
sofreu as consequências dos atos de outrem que lhe causaram um dano -
patrimonial ou extrapatrimonial.
Com tantas evoluções, natural a possibilidade de responsabilização do
próprio Estado – que reinara soberano sem oferecer respostas aos lesados por suas
ações ou omissões, sendo as consequências de seus atos danosos suportadas
pelas vítimas, posto se encontrarem ao lado do caso fortuito ou de força maior.
Dadas as novas facetas da Responsabilidade Civil, foi-lhe conferido um
status pedagógico na medida em que procurava não somente oferecer uma resposta
112
à vítima, como também mostrar a toda a sociedade que tal conduta foi reprovada e
sancionada, ao mesmo tempo que punia o contraventor e lhe inibia a reincidência.
Daí o surgimento dos Punitive Damages e de La Perte D’une Chance, institutos
ainda incipientes no Brasil mas que dão à Responsabilidade Civil um certo caráter
pedagógico.
Tendo em vista tais premissas, o direito francês, que, como nosso sistema
jurídico, determina o dever de reparar àquele que causa dano a outrem, passou a
analisar que a frustração de uma chance séria e real de experimentar uma vantagem
ou evitar um prejuízo também careceria de uma resposta.
Daí o surgimento da responsabilitè civil pour la perte d'une chance,
passando-se a encarar as chances perdidas como uma espécie de dano, ora visto
numa categoria de dano autônomo, ora considerado dentro de uma causalidade
parcial – sempre tendo em vista o oferecimento de uma resposta à vítima.
Tal ressarcimento – das oportunidades frustradas – apenas há pouco tempo
passou a ser considerada por nossa doutrina e jurisprudência pátrias, mas ainda
gera celeumas e muitas dúvidas. Há quem rechace a condenação pela frustração da
oportunidade porque esta sempre ficará no campo da incerteza, todavia, os
defensores da teoria entendem que, se a chance for séria e real – jamais meramente
hipotética – a reparação é devida. Contudo, mesmo em se tratando de chances
sérias e reais, não há unanimidade, posto haver quem considere que tal requisito
somente estará preenchido se estas ultrapassarem a marca de 50% (cinquenta por
cento).
Também gera controvérsias a natureza jurídica do instituto, ora vista como
dano emergente, ora como lucro cessante, uma subespécie de dano moral, ou ainda
detentor de uma natureza sui generis. A configuração da natureza jurídica do
113
instituto se reveste de singular importância ao refletir no montante devido a título de
indenização. Daí a análise realizada de nossos pretórios e a forma como encaram
as chances perdidas, bem como o arbitramento do valor indenizatório, quando
acolhida a tese de chance perdida.
Destarte, no presente estudo partiu-se da abordagem da responsabilidade
civil, sua evolução, pressupostos e uma análise das teorias aplicáveis ao nexo
causal, posto se revestir de singular importância no estudo das chances perdidas.
Em seguida foi analisada a teoria da perda de uma chance, instituto de
aplicação ainda incipiente e contraditória, mas que vem ganhando cada vez mais
espaço. Aqui se destacou o que nossa melhor doutrina defende: o que se indeniza
não é a vantagem esperada, que sempre ficará no campo da incerteza, mas a
chance perdida. Daí é que, através de um cálculo de probabilidades e da análise dos
requisitos ensejadores da indenização, procura-se oferecer uma resposta à vítima
que viu frustrada uma legítima oportunidade de auferir benefício ou evitar prejuízo.
E foi com relação ao prejuízo efetivamente experimentado, mas que poderia
ser evitado com uma atitude mais diligente, que se estudou a responsabilidade do
médico e do advogado pela perda de uma chance. Assim, se o advogado tivesse
agido com a diligência que o mandato exige, seu cliente poderia não sair
sucumbente numa demanda. Já o médico, se tivesse empregado os meios
necessários, poderia ter dado à vítima uma chance de cura ou sobrevivência.
Destarte, através de doutrina e jurisprudência, foi analisada a responsabilidade
desses profissionais que normalmente exercem uma função de meio, e não de
resultado, mas que ainda assim, poderão ser responsabilizados pela perda de uma
chance – quer seja de vitória numa demanda, quer seja de cura ou sobrevivência.
A partir de então se analisou o direito comparado - ordenamentos franceses
114
e italianos, maiores influenciadores da teoria em foco e que oferecem maior número
de julgados e doutrinas sobre as chances perdidas. A partir de então se estudou a
aplicabilidade do instituto em nossos tribunais, donde se concluiu que há muitas
controvérsias na verificação das chances sérias e reais, mormente quando se
verifica uma causalidade parcial na conduta do agente, e não uma conditio sine qua
non para a verificação do dano.
Ainda do estudo de decisões de nossos pretórios, observou-se que a
natureza jurídica das chances perdidas ainda restam muito controvertidas, fato que
invariavelmente influenciará na decisão e na valoração do dano. Esta, por sua vez,
também é avaliada com cautela pelos julgadores, posto algumas decisões serem
remetidas para a liquidação do dano.
Finalmente foram abordadas as justificativas para a aplicação da
responsabilidade civil pela perda de uma chance, donde se concluiu que os
doutrinadores que defendem a indenização pela interrupção de um processo
aleatório que poderia resultar em benefício ou ausência de um prejuízo, fundam-se
na premissa de que a expectativa séria e real passa a integrar o patrimônio da
vítima, sendo que sua perda acarretará num dano carecedor de reparação.
Apesar da ausência de uma legislação específica neste sentido, seus
defensores fundam-se no princípio da reparação integral dos danos, bem como o
princípio da dignidade humana, buscando ainda respaldo na redação do Código
Civil, que garante à vítima do dano injusto uma reparação.
Face todo o exposto, conclui-se que, ressalvados os requisitos ensejadores
da reparação civil pela perda de uma chance, a expectativa séria e real está inserida
no patrimônio da vítima, merecendo uma resposta dentro de um cálculo de
probabilidades quando injustamente frustrada.
115
Todavia, há de se destacar que o que se indeniza é a chance, e não a
vantagem não auferida – pela paralisação do processo aleatório, esta restará
inverificável, no campo do hipotético. Esta premissa deve nortear a atividade do
julgador a fim de evitar injustiças.
Assim é que, o que os defensores da teoria da perda de chance pretendem
é justamente a responsabilização de um dano ocorrido pela simples interrupção de
um processo aleatório que poderia resultar em benefício à vítima. Esta vantagem
está revestida de álea, incerteza.
Pela pesquisa realizada, percebe-se que a tendência atual, tanto de doutrina
quanto de jurisprudência, é o reconhecimento de que, com base em princípios
consagrados e na tutela dos direitos da vítima do dano, não há a necessidade de um
dispositivo legal que mencione expressamente o dano advindo da perda de chance
e o dever de repará-lo. A oportunidade séria e real de obtenção de vantagem ou a
expectativa de não sofrer dano constituem um bem que integra o patrimônio da
vítima e que deverá ser protegido, ainda que sob auspícios de princípios e ausentes
regras expressas nesse sentido.
116
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