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1- Espaço escolar sob a ótica pedagógica e sociológica.
1.1. Espaço Escolar
A escola é o espaço de aprendizagens, um lugar de aquisição de
conhecimentos que conduz a uma cultura de diversidades de saberes.
Sob o olhar da pedagogia e seus teóricos clássicos, o espaço
escolar é um ambiente de construção e desenvolvimento das múltiplas
dimensões do ser no aspecto social, intelectual, coletivo, espiritual, político,
humano.
Desse modo, evidencia-se o filósofo com faceta de pedagogo Jonh
Dewey que entende a escola como experiência social,segundo Beltrán (2003),
Dewey “afirmava que o objetivo da escola é ensinar a criança a viver no mundo
em que se encontra” (p.54), compreende a escola como uma instancia
exemplar da vida social em que a educação tem a função de oportunizar
situações cotidianas relacionadas à organização da sociedade, logo, a escola
não é um local preparatório para a vida social, é a própria vivencia da vida real
partindo das necessidades e experiências dos alunos somatizando com as
possibilidades de novas experiências escolares do processo de “descoberta,
indagação e experimentação associado às relações produtivas que contribuem
para a vida da coletividade” (BELTRÁN, p.56), nessa perspectiva sua proposta
educacional considerava a escola como agência de reforma social e não de
reprodução.
Por isso a escola deve ser democrática em toda sua organização
enquanto instituição, desde o espaço físico ate os conteúdos lecionados, pois a
“educação deve possibilitar a cada um ter sua felicidade realizada na medida
em que possibilita que as condições dos outros melhorem” BELTRÁN (apud
DEWEY, p.55)
A médica educadora Maria Montessori uma das referencias nos
estudos pedagógicos, parte da medicina para a pedagogia. Segundo
Maran(1977) a educadora tem como eixo central da ação pedagógica um
principio básico, a criança como um ser capaz de aprender naturalmente,
compreendendo a criança como única, racional ávida por descobertas desde
que o ambiente escolar possibilite isso.
Pontua três valores que estruturam a prática pedagógica, a criança
diferente do adulto, concreta educadora de si mesma, aprende a ser
independente a auto gerir-se; o ambiente escolar que é o conjunto de todas as
coisas que impulsiona a criança ao seu desenvolvimento, crescimento e auto
aperfeiçoamento, pois para a educadora a escola é sinônimo de ambiente
preparado, sendo assim, “a escola educa quando permite o livre
desenvolvimento da atividade da criança”MARAN( apud MONTESSORI,p.44);
e o educador sendo o canal entre a criança e o ambiente.
Sendo assim, a tríade criança, ambiente preparado e educador
inter-relacionados resultam em aprendizagem, formação do homem orientado
pela linha pedagógica de educar a pessoa, o ser humano onde a escola é o
espaço promovedor de tal filosofia, isso por que:
O ambiente preparado é fundamental para que haja aprendizagem. O ambiente preparado deve estar de acordo com as necessidades e interesses da criança. Devem respeitar as leis de desenvolvimento da criança, os “períodos sensíveis” satisfazendo seus impulsos interiores alimentando sua vida física, psíquica e espiritual. (MARAN, 1977, p 23)
Concepção positiva de Montessori descrito por Maran seu seguidor,
o espaço escolar voltado ao ambiente educador como local de exploração de
saberes estimulando aprendizagens com foco no educando enquanto
construtor.
Ainda na linha de aquisição de aprendizagem, destaca-se Jean
Piaget biólogo, mas um contribuidor da educação no que diz respeito o
desenvolvimento da inteligência humana dos processos de incorporação dos
conhecimentos. Segundo Delval (2003):
Piaget considera o desenvolvimento da inteligência e a formação do conhecimento- para ele dois processos indissociáveis como um resultado que se inicia na atividade biológica dos seres humanos e em sua capacidade de adaptação do meio. A construção da inteligência é um processo que segue as mesmas leis de funcionamento que permite aos seres vivos se manterem em equilíbrio com seu meio e sobreviver. (DELVAL,2003,p.110)
Ou seja, para Piaget o conhecimento é adquirido pela interação do
individuo com o meio, é construído, não pode ser somente entendido como
influencia do ambiente social, mas compreendida pelo viés também da
interiorização do próprio sujeito, pois o processo de tal formação se dá pelo
atrito de contato com o meio exterior ao interior. Interiormente há uma espécie
de choque entre o conhecimento já existente em relação ao novo, gerando a
visão do “ser humano em um organismo que ao agir sobre o meio e modifica-
lo, também modifica a si mesmo” (DELVAL, 2003, P.110).
Explicita o conhecimento como processo de criação em que a escola
é o local oportunizador de desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos
bem como de sua inteligência, nesse sentido a tarefa do professor “não é
ensinar mas procurar as condições para que o aluno aprenda”(p.112).Nessa
linha de raciocínio tem Vygotsk, de acordo com Rego(2002), a principal ideia
dele refere-se a relação entre individuo e sociedade, afirma que “as
características humanas não estão presentes desde o nascimento do individuo,
nem são resultados das pressões do meio externo,resulta da interação dialética
do homem e seu meio sócio cultural”(REGO,2002,p.41),considera as definições
biológicas do ser humano mas evidencia a dimensão social como propiciador
de aprendizagem por meio da interação com o outro, daí a valorização do
papel da escola para o desenvolvimento da cognição na apropriação do
conhecimento.
A escola é organizada de forma sistemática, conteúdos
programados de maneira linear, atividades com intencionalidade de promover e
verificar aprendizagens, assim, o educando ao fazer parte desse processo
formalmente sequenciado passa a desenvolver a cognição ao interagir com o
conhecimento que lhe é proposto aprendendo a ler, escrever usar o cérebro
para solução de problemas lógicos do cotidiano, logo, “O aprendizado
pressupõe uma natureza e um processo através do qual as crianças penetram
na vida intelectual daqueles que a cercam” REGO (2002, p.71 VYGOTSK,
1984, p.99).
Quanto à concepção do espaço escolar não poderia deixar de
elencar as ideias do magnífico pedagogo Paulo Freire que acredita na
educação como meio de transformação social do individuo por um viés político
e cultural. Dessa forma, de acordo com Osório e Freire(2003):
O pensamento de Freire não apenas leva em conta o sujeito como construtor do conhecimento, mas, também valoriza a importância do contexto social. A unidade dialética entre aprender e ensinar, educar e educar-se, introduz uma perspectiva sociocritica no processo de conhecer (somos mediados pelo mundo) e faz da comunicação entre sujeitos (intersubjetividade) o instrumento para a apropriação de um conhecimento ativo e critico. (OSORIO; FREIRE, 2003, p.135)
Propõe uma pedagogia critica que tem seu inicio a parti da
compreensão da realidade do educando, do contexto social considerando o
universo temático do sujeito das experiências de vida e saberes acumulados
sob uma perspectiva dialógica baseada na visão do educando propiciando pela
educação a compreensão do mundo e sua dinamicidade por uma educação
libertadora avessa ao deposito de conhecimentos, de alunos receptores
acríticos entendendo que toda ação pedagógica não é neutra.
Por isso, o ato de educar “não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua própria produção e construção”
(FREIRE,2010,p.47). Assim o educador tem relevância como um ser mediador
no ensino e aprendizagem com postura critica sobre sua pratica orientado pela
práxis junto ao pensamento político, até por que ensinar é compreender que :
A educação é uma forma de intervenção no mundo.Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.Dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou outra dessas coisas, nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideologia dominante.Neutra, “indiferente” a qualquer destas hipóteses, a da reprodução da ideologia dominante ou a de sua contestação, a educação jamais foi, é, ou pode ser.(FREIRE,2010,p.98-99)
Significa dizer que a educação não é uma porção mágica de
transformação do mundo e tampouco se deve ter um olhar pessimista, ingênuo,
mecanicista da educação enquanto processo que é complexo, por ser
constituída de dualidade e contrastes configurada pela reprodução dominante e
seu desmascaramento.
De acordo com Freire a educação tem como finalidade libertar da
realidade opressiva, injusta opondo-se a tradição autoritária do sistema escolar
por acreditar que a escola não é um espaço fechado de narrativas onde só o
professor falam,contudo, resumiu em sua declaração como secretário de
educação “a escola não é um espaço físico.É um clima de trabalho, uma
postura, um modo de ser”(OSÓRIO;FREIRE,p..141), basicamente um espaço
de troca de experiências onde ninguém sabe tudo, e não de imposição e
hierarquização.
Diante do elenco desses autores da pedagogia pode-se identificar a
convergência quanto ao espaço escolar como local adequado e destinado ao
desenvolvimento do individuo embora com abordagem pedagógica de foco
diferenciado; Dewey com a experiência social, Montessori evidenciando o
ambiente escolar preparado, Piaget com a contribuição dos processos de
conhecimentos em que a escola é o ambiente estimulador das potencialidades,
Vygotsk com a aprendizagem de cunho social e Freire com o dialogo, ação
social e proposta de uma escola “aberta”.
1.2. Mercado escolar
Uma das funções da escola como instituição educacional é de
transmitir conhecimento atestando aprendizagens por meio de diplomas, este
como suporte para ascensão social dos indivíduos. Cobra-se que a escola
ensine e o aluno aprenda, todavia, para que haja de fato ensino é necessário a
aprendizagem como produto, sendo esta consolidada por condições, métodos,
aspectos culturais/sociais, postura do professor.
Desde cedo à criança incorpora comportamentos, costumes,
vocabulário da sua origem familiar, sendo assim, o lugar familiar aponta o grau
de cultura que seus descendentes poderão obter, onde o garoto de periferia
terá dificuldades a ponto de desisti, se caso optar por ser médico, poderá
consegui, se ultrapassar obstáculos de gastos com passagens, alimentação,
livros de alto custo da área médica, indumentária, necessitará de tempo
disponível, pois geralmente o curso de medicina é integral, porém o garoto de
classe média que decida adquirir formação na área médica terá todas as
condições favoráveis de sucesso no curso.
Alunos de classes favorecidas trazem de berço uma herança
cultural, uma espécie de Capital Cultural, termo utilizado por Bourdieu usado
metaforicamente para explicar como a cultura transforma-se em moeda que as
classes dominantes utilizam sutilmente para atenuar desigualdades, sendo
assim:
A noção de capital cultural impôs-se, primeiramente, como uma hipótese indispensável para dar conta das desigualdades de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes classes sociais, relacionando o “sucesso escolar”, ou seja, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classes e frações de classe podem obter no mercado escolar, a distribuição do capital cultural entre as classes e frações de classe. Este ponto de partida implica em uma ruptura com os pressupostos inerentes, tanto a visão comum que considera o sucesso ou fracasso escolar como efeito de
“aptidões” naturais,quanto as teorias do capital humano.(BOURDIEU,2010,p.73).
O termo sugere articulação entre vida escolar e vida social
evidenciando relação entre desempenho escolar e origem social sob uma ótica
de mercado escolar reforçada pela:
Ação pedagógica que é objetivamente uma violência simbólica, num primeiro sentido, enquanto que as relações de força entre os grupos ou as classes constitutivas de uma formação social estão na base do poder arbitrário que é a condição da instauração de uma relação de comunicação pedagógica, isto é, da imposição e da inculcação de um arbitrário cultural segundo um modo arbitrário de imposição e de inculcação(educação).(BOURDIEU;PASSERON,2011,p.27)
Expressa-se uma relação de poder traduzida pela imposição de
padrões culturais de sobreposição de culturas, em que a posse desigual de
capitais desencadeia no ambiente escolar alunos favorecidos versus alunos
desfavorecidos com origens sociais subjetivas, singulares; a estas experiências
pessoais de acumulação de saberes o capital cultural é revestido por três
estados, segundo Pierre Bourdieu.Inicialmente uma criança que se desenvolve
em meio leitura de clássicos da literatura em geral, filha de pais letrados,
convive em um ambiente cuja comunicação é ajustada a norma culta, herda um
vocabulário polido, rebuscado que será parte integrante do seu ser
naturalmente é denominado estado incorporado pois “a acumulação de capital
cultural exige uma incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de
inculcação e de assimilação,custa tempo que deve ser revestido pessoalmente
pelo investidor”(BOURDIEU,2010,p.74)
Assim como, alunos que não tiveram contato através da família com
o capital cultural em forma de materialidade, livros, computadores, acesso a
lugares como museus, teatros, concertos, viagens, terão dificuldades na
trajetória educacional ao domínio da linguagem escolar, que seria o estado
objetivado, “assim os bens culturais podem ser objeto de uma apropriação
material, que pressupõe o capital econômico, e de uma apropriação simbólica
que pressupõe o capital cultural” (BOURDIEU, 2010, p.77). Basicamente para a
construção do capital cultural também se faz necessário investimento
econômico que logo se transformará em conhecimento certificado de fato, por
títulos, diplomas por meio do estado institucionalizado, afinal, “com o diploma
essa certidão de competência cultural que confere a seu portador um valor
convencional constante e juridicamente garantido no que diz respeito à cultura”
(BOURDIEU, 2010, p.78).Concomitante ao capital cultural o acúmulo de
contatos, amizades, relações socialmente estabelecida por um individuo com
determinado grupo poderá ser proveitoso, benéfico na sua vida social e
profissional o qual denomina-se de Capital Social que é “a vinculação a um
grupo, em conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades
comuns passives de serem percebidas pelo observador pelos outros ou por
eles mesmos,mas são unidos por ligações permanentes e
úteis”(BOURDIEU,2010,p.67), correlacionando a cultura refletida sobre as
condições de vida dos indivíduos.
Bourdieu considera o individuo enquanto herdeiro de uma bagagem
culturalmente adquirida, por isso, filhos de pais diplomados terão mais chances
de ascender na carreira escolar por possuir a cultura que a escola demanda,
em contra partida, filho de pais analfabetos possuem cultura adversa à escola
que lhes causam estranhamento e consequentemente dificuldades refletidas no
rendimento escolar, a esse aspecto Apple reitera:
“As escolas exercem papéis importantes na criação das condições necessárias para a acumulação de capital (elas ordenam, selecionam e certificam um corpo discente hierarquicamente organizado),e para a legitimação elas mantêm uma ideologia meritocrática imprecisa e, portanto, legitimam as formas ideológicas necessárias para a recriação da desigualdade.(APPLE,2001,p.29)
Michael Apple compreende a educação pelo viés econômico por
relação de contradição, detectando dois grupos/classes na perspectiva
educacional, o grupo de conhecimentos “oficial” contrapondo o grupo de
conhecimento” popular” discutindo a importância do papel da escola na
produção bem como na atribuição do conhecimento nos aspectos reprodutivos
embutidos nas praticas curriculares que levam alunos que cresceram em
contextos diferenciados, pensarem que as dificuldades por eles encontradas
seria ausência de inteligência, onde:
O tipo de conhecimento considerado como legitimo na escola, o qual atua como um completo filtro para estratificar grupos de alunos, está conectado as necessidades especificas de nosso tipo de formação social.As escolas produzem conhecimento de um tipo particular, portanto, ao mesmo tempo que recriam categorias de desajustamento, que estratificam os alunos, a criação de desajustamentos e a produção de capital cultural estão indissoluvelmente conectados.(APPLE,2001,p.37)
Formação social baseada na seleção realizada pela escola de
conhecimentos seletos em detrimento de outros mascarados pelo e no principio
da universalidade, estratificando alunos pelos seus capitais contribuindo para a
conservação das classes, dominantes e dominadas, contrapondo o olhar da
pedagogia sobre a escola que considera o espaço escolar como local de
aprendizagem, cujo objetivo é de desenvolvimento do individuo e não
classifica-lo, um ambiente preparado oferecido de igual forma para todos
fazendo alusão a educadora Montessori.
1.3 Meritocracia
O acesso à educação é um direito inerente básico do individuo,
contudo, não significa dizer que todos que frequentam a escola serão bem
sucedidos, já que esta cobra valores globais independente da particularidade
plural de seu público. Partindo desse raciocínio a escola não é uma instituição
desvinculada da organicidade social, mas é integrada a ela, por isso contribui
na lógica de incorporação do modo de produção capitalista sendo um
mecanismo de reprodução do sistema capitalista, no tocante:
A Educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu no seu todo ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário a maquina produtiva em expansão do sistema, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa a gestão da sociedade, seja na forma “internalizada”(isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas.(MÉSZAROS,2008,p.35)
Mészaros aponta que a educação é disposta como mercadoria, mas
acredita que esta não deve qualificar para o mercado, parafraseia um
pensamento de Pracelso, pensador do século XVI reafirmando que a
“aprendizagem é nossa vida” por permear todas as fases de vida do ser
humano, sendo isto, verdade é necessário reivindicar uma educação para a
consciência, a fim de formar indivíduos político, ou seja, uma educação além
do capital.
A educação para além do capital, segundo a lógica do autor seria
um pensamento educacional baseado na superação da moldagem do
capitalismo e suas ramificações como o lucro, individualismo, competição,
alienação, da dissecção da internalização que corresponde a inculcação e
adestramento dos indivíduos recebido de forma inconsciente frente à ideologia
do capitalismo, o que não significa uma mera reforma do sistema, pois:
Não se pode realmente escapar da “formidável prisão” do sistema escolar estabelecido, reformando-o, simplesmente. Pois o que existia antes de tais reformas será certamente restabelecido, mais cedo ou mais tarde, devido ao absoluto fracasso em desafiar por meio de uma mudança institucional isolada, a lógica autoritária global do próprio capital. O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente é todo o sistema de internalização com todas as suas dimensões visíveis e ocultas. Romper com a lógica do capital na área da educação equivale, portanto, substituir as formas onipresentes e profundamente enraizadas de internalização mistificadora por uma alternativa concreta abrangente. (MÉSZAROS, 2008, p.46/47).
A superação da internalização do capital é feita pela “atividade da
contrainternalização coerente e sustentada, que não esgota na negação”
(p.56), mas na transformação emancipatória da educação pela tomada de
consciência do processo capitalista e suas relações de poder:
Portanto, seja em relação a “manutenção”, seja em relação a “mudança” de uma dada concepção de mundo, a questão fundamental é a necessidade de modificar, de uma forma duradoura, o modo de internalização historicamente prevalente. Romper a lógica do capital no âmbito da educação é absolutamente inconcebível sem isso. E mais importante, essa relação pode e deve ser expressa também de uma forma concreta. Pois através de uma mudança radical no modo de internalização agora opressivo que sustenta a concepção dominante do mundo, o domínio do capitão pode ser e será quebrado. (MÉSZAROS,2008,p.52/53)
O domínio do capital na educação quebrar-se-á quando houver uma
educação que propicie aos indivíduos um olhar compreensivo dos mecanismos
da sociedade mercantil que permita reconhecer que o sistema capitalista traz
desigualdades velada pela ideologia “ que todos são iguais perante a lei”, livres
para construir seus bens pelo esforço individual.
Nesse contexto que surge a palavra Meritocracia de acordo com
Barbosa tem micro destaque conceitual na sociedade brasileira, escassez de
pesquisas seguida de inconsciência da sociedade civil em discutir a questão.
Pontua o termo como “uma das mais importantes ideologias e a principal
critério de hierarquização social da sociedade modernas, que permeia todas as
dimensões de nossa vida social no âmbito publico”(p.21)
Apresenta a meritocracia em duas dimensões, inicialmente, a
negativa refere-se ao “conjunto de valores que rejeita toda e qualquer forma de
privilégios hereditário e corporativo que valoriza e avalia as pessoas
independentemente de suas trajetórias e biografias pessoais”(BARBOSA,p.22),
sob esse raciocínio a meritocracia é um consenso ,ou seja, avalia-se com única
finalidade aferir competências desconsiderando posição social, enquanto a
dimensão afirmativa tem como critério “desempenho das pessoas, ou seja, o
conjunto de talentos, habilidades e esforços de cada um”(BARBOSA,p.22),
nesta dimensão não é consensual por considerar diversas formas de avaliar
por desempenho.
Explicita que a meritocracia em sua vertente afirmativa na sociedade
contemporânea é uma espécie de conquista positiva para o homem moderno
pela característica de individualização baseado na ideia que cada um recebe
segundo seu esforço construindo uma tipologia de homem autônomo,
competitivo, criativo esforçado aos moldes da versão thatcheriana produto da
ideologia neoliberal baseada no lema “o mundo não deve nada a
ninguém”(BARBOSA, 2006), em que “o primeiro passo prático das
meritocracias, portanto, é garantir igualdade de condições para a competição, e
o segundo é estabelecer processos de avaliação que permitam a identificação
precisa de hierarquias de desempenho”(BARBOSA,.p.34).
Igualdade de condições que desconsidera experiências pessoais
com foco em testar e mensurar. Pergunta-se até que ponto o mérito suplantará
a trajetória social?
Barbosa, ainda coloca que como princípio organizativo da sociedade
atual, dita igualitária de indivíduos livres há uma espécie de sistema de direitos
que é a Constituição no qual assegura que todos comungam da condição de
liberdade e igualdade por isso não é levado em conta aspectos social já que
todos nascem livres para conquistar seus ideais, daí a relação facetada de
igualdade e meritocracia, existente em uma:
Relação clara entre sociedades modernas, complexas e igualitárias e a vigência de uma ideologia meritocrática. O fato de uma sociedade hierarquizar seus membros para determinados fins, tomando como base seus atributos e talentos pessoais, não faz dela uma sociedade igualitária. Ou seja, ela não vai considerar sempre os indivíduos como tabulas rasas e diferenciá-los entre si apenas por meio de seus respectivos desempenhos, desconhecendo os atributos adquirido ou por nascimento ou por status. (BARBOSA,2006,p.32)
O sistema meritocratico é uma exigência da sociedade democrática
sobre o principio de oportunidades de todos, cuja intencionalidade real é
selecionar evidenciando os melhores para as mais altas posições. Existe uma
diferença entre sistema meritocratico e ideologia meritocratica; a meritocracia
como critério lógico de ordenação social hierarquiza os indivíduos a parti de
seu talento ou esforço pessoal para especifico domínio social somente,
enquanto a meritocracia como ideologia assegura os lugares de destaque para
os melhores, ou seja.
Num universo social fundado numa ideologia meritocrática, as únicas hierarquias legítimas e desejáveis são aquelas baseadas na seleção dos melhores. Prestígio honra, status e bens materiais devem ser concedidos àqueles selecionados como melhores. (BARBOSA, 2008, p31)
Mais quem são os melhores?Quais são seus capitais culturais?
Quem seleciona? A inserção da meritocracia no Brasil sempre foi por ação de
Estado, desde a primeira constituição de 1824, que estabelecia “Todo cidadão
pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra
diferença que não seja por seus talentos e virtudes” (BARBOSA, p.49).
Assegurava e pontuava um critério meritocrático de acordo com o
universo de saberes e desempenho do individuo, haja vista, posteriormente e
atualmente no Brasil;
A legitimação da diferença de resultados entre as pessoas é interpretada como desigualdade ontológica entre indivíduos, e não como diversidade de resultados. Ela suscita perguntas como “por que ele não eu”? “O que ele tem que eu não tenho”? É uma diferença que se define por faltas e carências que parecem indicar uma diferença não de desempenho, mas de natureza entre pessoas.Consequentemente, torna-se impossível a atribuição institucional legitima de recompensas a indivíduos com realizações diferenciadas. (BARBOSA, p.62)
A meritocracia na concepção brasileira faz referência a diferenças de
natureza enquanto “ser”, individuo. O desempenho atrelado à avaliação é um
poder arbitrário, desigual, excludente, seletivo, recebido com resistência.
Segundo Barbosa, isso se dá em virtude do fator cultural desde a
colonização do país, o qual o meio de sobrevivência sempre foi feito a parti da
exploração do outro, escravo, a ideia que se tinha do trabalho braçal era
indigna, louvacionavam a ociosidade enquanto na ótica norte-americana existia
uma relação mútua entre homem/trabalho/riqueza/dignidade (p.66/67), desta
feita na sociedade norte-americana “as desigualdades naturais e de
desempenho, estas sim são consideradas substantivas, pois delas resultam
produtos individuais diferentes, sendo legitimas essas distinções para fins de
reconhecimento e hierarquização social (BARBOSA, p.65), as diferenças são
transformadas em resultados positivos sob responsabilidade de todo
organicidade social.E no Brasil as habilidades desiguais é de responsabilidade
do individuo em que as “desigualdades naturais são interpretadas,
exclusivamente, como oriundas das condições sociais dos indivíduos e não
como conteúdo distintos de uma mesma forma”(BARBOSA,p.65), sendo
estigmatizado de incompetente por não atingir as exigências, o perfil de homem
que a aristocracia impõe.
Capitulo 2
2- O Sistema avaliativo e a noção de campo e habitus de Bourdieu
2.1.Pedagogia e o sistema avaliativo
Universalmente a escola é o espaço de aprendizagem e ensino com
sujeitos definidos, ações determinadas e resultados esperados, isso porque a
organização pedagógica metodológica é pautada por concepções de valor
implicitamente. Então pergunta-se, qual é o objetivo da educação?
Segundo as Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Básica, a
educação deve (DCN’S, 2013, p.16) “fundamenta-se na ética e nos valores da
liberdade, na justiça social, na pluralidade, na solidariedade, cuja finalidade é o
pleno desenvolvimento dos seus sujeitos”; concepção que contempla a
heterogeneidade, aspectos sociais/culturais, o desenvolvimento físico,
cognitivo, corroborando, o espaço escolar é considerado como uma
“organização temporal que deve desprende-se da rigidez, segmentação,
uniformização a fim de que os estudantes indistintamente possam adequar
seus tempos de aprendizagens de modo menos homogêneo e idealizado”
(DCN’S, 2013, p.16), definição que descreve uma instituição harmônica,
igualitária com suas regras mais amenas considerando e reconhecendo a
diversidade dos alunos, contudo, o real distancia-se do ideal, por isso, qual é a
função real da escola?
A escola enquanto instituição é subordinada ao Estado no qual
segue diretrizes gerais preconizadas por este, sendo assim, percebe-se uma
espécie de tradição educacional no que tange os componentes organizativos
nas escolas a parti de uma sequencia didática obedecida em: ensino,
conteúdos, (possível) aprendizagem e avaliação, esta ultima sob o olhar do
professor, já que no âmbito escolar o sujeito do processo avaliativo sempre é o
aluno, então, o objetivo do espaço escolar é a aprendizagem?
Luckesi (2001, P.17) a esse respeito diz “a nossa prática educativa
escolar passou a ser direcionada por uma pedagogia do exame”, em que a
escola ensina, ou melhor, “treina” os educandos para resolver provas de
vestibulares, propondo um ensino direcionado, baseado em conteúdos seguido
de avaliação, porém, “nem tudo que é ensinado é avaliado, nem tudo que é
avaliado foi devidamente ensinado”, explicita Perrenoud (1999)
A escola está associada a notas, aprovações, reprovações,
desempenho a parti de avaliações que são aferidos conhecimentos com
finalidade de classificar alunos em aceitos e não aceitos, excelente, bom.
regular acompanhado por notas respectivas 10,9 e 7, prática fundamentada
pelo ritual avaliativo das escolas em geral “após um período de aulas e
exercícios escolares, denominado unidade de ensino, os professores procedem
a atos e atividades que compõem o que é denominado avaliação da
aprendizagem escolar”(LUCKESI, 2001, p. 67).
Sob esse ângulo de avaliação escolar atrelada a classificações e
hierarquizações, Zabala pontua:
Os professores, as administrações, os pais e os próprios alunos se referem a avaliação como instrumento ou processo para avaliar o grau de alcance de cada menino e menina em relação a determinados objetivos previstos nos diverso níveis escolares.Basicamente, a avaliação é considerada como instrumento sancionador e qualificador, em que o sujeito da avaliação é o aluno e somente o aluno, e o objeto da avaliação são as aprendizagens realizadas segundo certos objetivos mínimos para todos. (ZABALA,1998,p.195)
O autor coloca que o foco da avaliação é o aluno pela tradição
escolar avaliadora cuja “avaliação” é considerada um instrumento de
aprovação, admissão no qual seleciona alunos para continuar ou não a
escolarização, desse modo, a escola hierarquiza os alunos por graus de
conhecimentos em “bons de leitura”, “melhores em ciência”, “fracos em
matemática” resultando em aprovações, reprovações e evasões. Ainda
Perrenoud reitera nessa linha de certificação, dizendo:
A avaliação é tradicionalmente associada na escola, a criação de hierarquias de excelência.Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida no absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos.(PERRENOUD,1999,p.11)
Apesar de que se diga pedagogicamente que o ato de avaliar é
diagnostico, a verdade se distancia na pratica, quando são notas registradas no
histórico escolar estereotipando o aluno para toda a vida, por isso, que Zabala
(2007,p.199) acredita que “quando o ponto de partida é a singularidade de
cada aluno é impossível estabelecer níveis universais”, considerando isto há
superação do processo de avaliar por competências possibilitando a
participação do aluno como sujeito de sua aprendizagem.
Portanto avaliar na perspectiva pedagógica não é sinônimo de
exames representados por semanas avaliativas registrado em calendário
escolar com objetivos de testar aprendizagens, ao contrario:
Avaliar é o ato de diagnosticar uma experiência, tendo em vista reorientá-la para produzir o melhor resultado possível; por isso, não é classificatória nem seletiva, é diagnostica e inclusiva.O ato de avaliar tem seu foco na construção dos melhores resultados possíveis, enquanto o ato de examinar está centrado no julgamento de aprovação ou reprovação.(LUCKESI,2002,p.05)
Acredita-se na avaliação como diagnóstica, onde a atribuição do
valor visa compreender o estágio de aprendizagem do aluno a parti de
decisões que favoreçam o processo de aprendizagem para o progresso
educacional e não reprovação ou estagnação.
Em consonância com a concepção anterior, Hoffmann entende que
avaliar não é julgar referindo-se ao termo como “um conjunto de procedimentos
didáticos que se estendem por um longo tempo e em vários espaços escolares,
de caráter processual visando a melhoria do objeto avaliado”
(HOFFMANN,2012,p.13), evidenciando que os instrumentos avaliativos não
devem ser confundidos por “avaliação” quando se é citado “procedimento
didático”, estes são instrumentos que integram o processo,logo, avaliar exige
um fazer pedagógico voltado para o desenvolvimento do sujeito avaliado sob
uma postura de ação-reflexão-ação de quem avalia, o professor.
A parti das concepções pedagógicas em torno da avaliação escolar
discutida neste estudo, a figura do educador é ressaltada no que tange sua
atuação como avaliador, se é praticante de uma pedagogia classificatória ou da
pedagogia do diagnóstico, que dependerá do seu olhar sobre a educação e da
incorporação do seu oficio, se atua como critico de sua pratica ou é um
integrante da pedagogia do fingimento; se compreende a educação como meio
propiciador de um cabedal para leitura de mundo que impulsiona o aluno a uma
experiência de reflexão, já que “uma das tarefas precípuas da pratica
educativo-progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica,
insatisfeita, indócil”(FREIRE,2010,p.32) em que o desabrochamento da
criticidade florescerá da vivencia contextualizada, voltada para a valorização
da cultura individual de cada aluno como individuo proveniente de uma
organicidade particular.
2.2. Crítica sociológica ao sistema escolar segundo Bourdieu
Se para a pedagogia a escola é um espaço democrático de ensino
com foco na aprendizagem do aluno, local educativo de desenvolvimento do
individuo. Para Bourdieu a escola perpetua desigualdades funciona como um
lugar de hierarquização social de valores dominantes através da violência
simbólica instrumentalizada pela ação pedagógica.
Isso porque cada um de nós possui um habitus que está relacionado
ao seu lugar de vivência a um campo, equivalente ao seu meio de
pertencimento. Cada pessoa é um se único, cresce e se constrói enquanto
sujeito social pelos processos de socialização em uma organicidade particular
onde adquire interiorizações a parti das estruturas externas do meio que são
reproduzidas internamente são estas interiorizações que determinam o gosto,
as preferências, opiniões, visão de mundo denominado de habitus que é:
Esse principio unificador e gerador de todas as práticas e, em particular, destas orientações comumente descritas como “escolhas” da “vocação”, e muitas vezes considerados efeitos da “tomada de consciência”, não é outra coisa senão o habitus, sistema de disposições inconscientes que constituem o produto da interiorização das estruturas objetivas e que enquanto lugar geométrico dos determinismo objetivos e de uma determinação do futuro objetivo e das esperanças subjetivas, tende a produzir praticas e por esta via, carreira objetivamente ajustadas as estruturas objetivas.(BOURDIEU,2007,p.201/202)
É uma espécie de encarnação das estruturas sociais adquirida de
forma inconsciente como se tomassem posse de nós principiando um modo de
agir, perceber, apreciar, julgar em que dentro desse agir há uma classificação
que é a particularidade de cada um, desse modo, o habitus é a somatização de
aspectos objetivos (sociedade) e aspectos subjetivos(individuo), é um principio
gerador de práticas e ao mesmo tempo sistema de classificação de tais
práticas ligado a um campo como define a cima Bourdieu.
Pierre Bourdieu entende a organização da sociedade por campos,
que são espaços orientados por características peculiares em que seu
funcionamento é regido por leis próprias, relacionado a uma forma dominante
de capital, assim cada campo é dotado de praticas especificas correspondente
a um habitus. O campo religioso prima por dogmas e doutrina enquanto o
campo jornalístico volta-se para verdades relativas para desconstrução de
verdades absolutas buscando versões para uma mesma noticia já o campo
educacional é orientado por uma cultura erudita, letrada, conteúdos que exige o
domínio dos alunos, por isso:
Compreender a gênese social de um campo é apreender aquilo que faz a necessidade especifica da crença que o sustenta do jogo de linguagem que nele se joga, das coisas materiais e simbólicas em jogo que nele se geram, é explicar, tornar necessário, subtrair ao absurdo do arbitrário e do não motivado os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não como geralmente se julga, reduzir ou destruir.(BOURDIEU, 2007,p.69)
A constituição do individuo se dá pela incorporação das estruturas
sociais por experiências cumulativas na família e comunidade; a essas
construções geradoras de praticas coletivas e individuais é o habitus adquirido
no campo, local de especificidades correspondente a um capital especifico,
sendo assim, quem possui o capital exigido de um determinado campo é
participante deste por comungar da mesma filosofia em que:
Cada uma das posições típicas no campo correspondente, uma forma típica de relação entre a fração dominante- dominada. Em termos mais precisos, é através da relação que as categorias de agentes vinculados a cada uma destas posições mantêm com o mercado e através da relação que se define o grau como o que se enfatiza objetivamente a pertinência ou a exclusão e paralelamente a forma da experiência que cada categoria de agente. (BOURDIEU, 2007, p.193)
Então, cada agente possui uma posição especifica no interior de
cada campo que depende do grau de apropriação de capital exigido no campo.
No campo escolar é cobrada aquisição de conteúdos de todas as disciplinas
ministradas por meio da avaliação que é a prova transformada em notas,
quando maior a nota que geralmente é 10, maior ascensão de sucesso escolar
em contra partida quando menor for à nota mais o individuo se distancia do
habitus do campo escolar.
Nessa lógica, o sistema escolar é um campo com suas idealizações,
valores, filosofia, modelo de homem que contribui para o favorecimento de
diferenças de cunho social, classifica por desempenho, avalia posturas,
atitudes por uma ótica padronizada, onde os mais propícios ao sucesso são
comumente os herdeiros de famílias privilegiadas com posição econômica
elevada, partindo desse principio que:
A cultura da elite é tão próxima da cultura escolar que as crianças originárias de um meio pequeno burguês não podem adiquirir senão penosamente o que é herdado pelos filhos de classes cultivadas: o estilo, o bom gosto, o talento, em síntese, essas atitudes e aptidões que só aparecem naturais e naturalmente exigíveis dos membros da classe cultivada, por que constituem a “cultura” dessa classe.Não recebendo de suas famílias nada que lhes possa servir em sua atividade escolar a não ser uma espécie de boa vontade cultural vazia, os filhos de classe médias são forçados a tudo receber da escola, e sujeitos ainda por cima a ser repreendido pela escola por suas condutas por demais “escolares”(BOURDIEU,2010,p.55)
A escola é o espaço de saberes globais, caracterizada por ensino,
métodos, critério de avaliação no qual trata o indivíduo como se não fosse
único em seu saber, anula os conhecimentos dos alunos quando exige
conhecimentos de todos desconsiderando as trajetórias sociais funcionando
como um campo de reprodução de valores dominantes da cultura letrada
reafirmada pela classificação de alunos, enquanto uns já estão preparados,
naturalizados em tal cultura e outro não possui este privilégio, por isso:
O indivíduo que tem um nível de instrução mais elevado tem as maiores chances de ter crescido em um meio culto. Ora, nesse domínio, o papel da incitação difusas propiciada pelo meio familiar é particularmente determinante.Se a ação indireta da escola (produtora dessa disposição geral diante de todo tipo de bem cultural que define a atitude “culta”) é determinante, a ação direta, sob a forma de ensino artístico ou dos diferentes tipos de incitação à prática (visitas organizadas, etc) permanece fraca: deixando de dar a todos, através de uma educação metódica, aquilo que alguns devem ao seu meio familiar.(BOURDIEU,2010,p.60/61)
A escola não coloca em balança as diferentes culturas dos alunos
que provém de meios sociais desiguais evidenciando a importância de cada
uma, ao contrário oportuniza vantagem para quem já tem vantagem, destaca
os melhores alunos em detrimento dos maus alunos pelo discurso do mérito de
‘quem estuda certamente conseguirá aprovação escolar’ disseminado por um
mecanismo invisível que não é sentido, mas é imposto violentamente que é a
violência simbólica justificada pela:
Ideologia do “dom”, chave do sistema social que contribui para encerrar os membros das classes desfavorecidas no destino que a sociedade lhe assinala, levando-os a perceberem como inaptidões naturais o que não é se não efeito de uma condição inferior, e perssuadindo-os de que eles devem o seu destino social (cada vez
mais estreitamente ligado ao seu destino escolar) a medida que a sociedade as racionaliza a sua natureza individual e a sua falta de dons.O sucesso excepcional de alguns indivíduos que escapam ao destino coletivo dá uma aparência de legitimidade a seleção escolar e dá credito ao mito da escola libertadora junto aqueles próprios indivíduos que ela eliminou fazendo crer que o sucesso é uma simples questão de trabalho e de dom.(BOURDIEU,2010,p.59)
Segundo Bourdieu a ideia de dons/aptidão/mérito é impetrada pela
escola por violência simbólica por meio da ação pedagógica, é justamente a
violência simbólica com sua “função política de instrumento de imposição ou de
legitimação da dominação que contribuem para assegurar a dominação de uma
classe sobre outra contribuindo para domesticação dos dominados como
segundo a expressão de Weber”(BOURDIEU,2007,p.11), que mascara o mérito
como fator de ascensão desprezando a influência da história social do
indivíduo com discurso impecavelmente articulado pela :
Ação pedagógica que implica o trabalho como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para produzir uma formação durável, isto é, um habitus em produto da interiorização dos princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da ação pedagógica e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado. (BOURDIEU; PASSERON, 2011, p.53)
A escola pela ótica Bourdiessiana é um espaço de lutas de certa
forma inconsciente daqueles que não possuem os meios de aquisição do
habitus escolar que são os capitais no seu estado incorporado, objetivado e
institucionalizado frente aos que detém socialmente estes meios por isso são a
classe dominante com toda chance de sucesso educacional por dialogar no
mesmo nível cultural com o sistema escolar.
Capitulo 3
3-Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM): uma critica a equidade e
diversidade padronizada fundamentada em Pierre Bourdieu.
3.1 Histórico ENEM:
O ENEM foi instituído no governo de Fernando Henrique Cardoso
(FHC) em 1988 por meio da Portaria Ministerial n° 438 de 28 de maio de 1998,
em seu artigo 1°:
Art. 1º Instituir o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, como procedimento de avaliação do desempenho do aluno, tendo por objetivos: I – conferir ao cidadão parâmetro para autoavaliação, com vistas à continuidade de sua formação e à sua inserção no mercado de trabalho; II – criar referência nacional para os egressos de qualquer das modalidades do
ensino médio;
III – fornecer subsídios às diferentes modalidades de acesso à educação superior; IV – constituir-se em modalidade de acesso a cursos profissionalizantes pós-
médio
Objetivava avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação
básica, buscando contribuir para a melhoria da qualidade desse nível de
escolaridade.
Entretanto no governo de Luís Inácio da Silva em 2006 houve uma
remodelagem no foco do exame apontando indícios de acesso ao ensino
superior por meio do ENEM a outros programas governamentais ,segundo a
Portaria n°7, de 19 de janeiro, inciso iv: Art. 2º Constituem objetivos do Enem:
[...] IV - possibilitar a participação e criar condições de acesso a programas
governamentais. O Enem nesse período configurava-se por uma prova de 63
questões de caráter interdisciplinar realizada em um dia.
A partir de 2009 passou a ser utilizado como mecanismo de seleção
para o ingresso no ensino superior. Foram implementadas mudanças no
Exame que contribuem para a democratização das oportunidades de acesso às
vagas oferecidas por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), bem
como, acesso ingresso em diversos programas do governo Federal como o,
PROUNI (Programa universidade para todos) , PRONATEC e CIENCIAS SEM
FRONTEIRAS também por financiamento estudantil FIES, esses programas
são as portas que o Enem propicia.Há essas alterações definiu-se também
novas referencias na estrutura da prova pelo órgão responsável pela aplicação
do exame (INEP) constituída de quatro áreas do conhecimento, sendo quatro
provas com 180 questões seguindo o padrão interdisciplinar com realização em
dois dias.
De acordo com a Diretriz do novo Enem (Matriz de referencia)/Inep
no item 8 que discorre sobre a estrutura do exame;
item 8.2 “O exame será constituído de redação em língua
portuguesa e quatro provas objetivas contendo cada uma 45 questões de
múltipla escolha”:
item 8.3 As quatros provas objetivas e a redação avaliarão as
seguintes áreas de conhecimentos do Ensino Médio e os respectivos
componentes curriculares:
Ciências Humanas e suas tecnologias
(História, Geografia, Filosofia e Sociologia)
Ciências Humanas e suas tecnologias
(Química Física e Biologia)
Linguagens, códigos e suas tecnologias e redação.
(Língua portuguesa, literatura, língua estrangeira, artes,
educação física e tecnologias da informação)
Embora a proposta do Enem seja aversão à aprendizagem
mecânica primando por uma aprendizagem construída ao longo da vida
educacional pauta-se em conteúdos curricular descrito acima, com questões
longas obedecendo à linguagem formal com muitas questões, um sistema de
avaliação que exige habilidade leitora, compreensão rápida que nem todos
possuem a nível de Brasil .
O Enem é orientado por eixos cognitivos comuns as áreas de
conhecimento de acordo com o portal do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas (INEP EIXOS COGNITIVOS), no item “conteúdos de provas”:
I. Domínio de linguagem: dominar a norma culta da língua
portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e cientifica das
línguas espanholas e inglesas.
II. Compreensão de fenômenos: Construir e aplicar conceitos das
áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos naturais, de
processos históricos geográficos, da produção tecnológica e das manifestações
artísticas.
III. Enfrentar situações problemas: selecionar, organizar, relacionar,
interpretar dados e informações representados de diferentes formas para tomar
decisões e enfrentar situações-problema.
IV. Construção de argumentos: relacionar informações,
representadas em diferentes formas e conhecimentos disponíveis em situações
concretas para construir argumentação consistente.
V. Elaboração de proposta: recorrer aos conhecimentos
desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção solidária
na realidade, respeitando os valores humanos considerando a diversidade
sociocultural.
No anexo IV da Matriz de referencia do Enem/Inep referencia a
redação subsidiada por cinco competências:
I. Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua
portuguesa.
II. Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das
várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites
estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa.
III. Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,
opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
IV. Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos
necessários para a construção da argumentação.
V. Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos.
Uma prova com requisitos exigíveis cuja avaliação não deixa de ser
conteudista permeada por domínios atrelados a formalização escolar.
No artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96 evidencia
diretrizes para o currículo do ensino médio, vale destacar o inciso II o qual
afirma que esta etapa da educação deverá adotar “ Metodologias de ensino e
de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes”(p.96). Será que o
sistema de ensino tem apresentado a avaliação como uma etapa auxiliadora na
aprendizagem do aluno ou como algo punitivo e qualificador, e quanto o Enem
tem sido um instrumento de democratização a fim de oportunizar acesso a
todos sem distinção ou instrumento de padronização de competências
sancionador com obrigação de domínio dos diversos conteúdos das quatro
áreas de conhecimento?
Afinal “os alunos não são indivíduos abstratos que competem em
condições igualitárias na escola, mas atores socialmente constituídos que
trazem em larga bagagem social e cultural diferenciada” (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2002, P.03)
O Enem é uma prova optativa acontece anualmente, em sua
primeira edição alcançou “157 mil estudantes inscritos”, e em seu quarto ano,
em 2001, “o exame alcançou a primeira marca expressiva: 1,6 milhão de
inscritos e de 1,2 milhão de participantes”, ano passado “2014 foram cerca de
8,7 milhões” (PORTAL BRASIL, 2013)
No ano corrente excepcionalmente segundo o atual ministro Renato
Janine Ribeiro o Enem será realizado nos dias 24 e 25 de outubro. Entre as
novidades deste ano estão “o horário de aplicação das provas, se dará
somente meia hora após o fechamento dos portões, os candidatos terão das
12h a 13 h para chegarem aos locais de prova; além disso, o cartão de
confirmação que era enviado pelos correios deverá ser acessado e impresso
pelo candidato no site do Enem, como medida de economia em 18 milhões,diz
Ribeiro ,e por fim o aumento da taxa de inscrição de 35,00 para 63,00 e a
revogação do direito da isenção do exame para aqueles que não
comparecerem no dia da prova” (PORTAL EBC, 2015).
3.2 Crítica a equidade
A Constituição Federal de 1988, no capitulo I - dos direitos e deveres
individual e coletivo, no artigo 5°, garante o principio de igualdade a todos:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade(...) (BRASIL, 2008,p. 5)
Assegura a equidade em nível geral buscando promover o bem de
todos independente de origem/raça/cor.Ainda garante em seu artigo 205 a
educação como direito de todos e dever do estado no capitulo III, da Educação,
Cultura e Desporto, seção I:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2008, p.136).
Explicita claramente o papel do Estado como bem feitor em garantir
oportunidades educacionais igualitárias. Atualmente essas oportunidades estão
ligadas a ampliação de portas de acesso a educação básica em especifico o
ingresso ao nível superior pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) cujo
objetivo é “ acesso a educação superior, tanto em programas do ministério da
educação como SISU, SISUTEC(sistema de seleção unificada técnico e
profissional), Ciências sem Fronteiras(bolsas de estudos no exterior),PROUNI
(programa universidade para todos) quanto em financiamento estudantil FIES “
(INEP)
O ENEM é um sistema de avaliação unificado aplicado nas cincos
regiões do Brasil no qual avalia desempenho dos estudantes nas quatro áreas
de conhecimento fundamentado pelo discurso de democratização da educação
e ascensão por mérito. Nas palavras do ex ministro Aloizio Mercadante em
24/01/12 fica claro essa ótica, declara : “O Enem é a vital porta de acesso que
tende igualar a distribuição de oportunidades que o ensino superior dá aos
jovens” (REDE DE COMUNICADORES, 2012).
Como igualar oportunidades desconsiderando as diferenças de
vivencia regional e experiências de vida particular de cada região? Que
equidade é essa promovida pelo governo que não leva em conta os capitais
culturais e habitus de milhões de alunos de todo o Brasil, pois na medida em
que o Enem avalia por padronização de conhecimentos nesse momento divide,
estratifica, lógica reafirmada as palavras do ex-ministro da educação Henrique
Paim “O Enem além de ser uma porta de acesso a educação superior, é uma
régua que se define para o país inteiro, coloca os melhores estudantes nas
melhores universidades do Brasil1”( PORTAL UFAL, 2014).
A nomenclatura “melhores” tem sido perpetuado e atrelado a
esforço, virtudes e dons, o sistema avaliativo Enem configura-se nesta
perspectiva, até por que:
A igualdade que pauta a prática pedagógica serve como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito as desigualdades reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou melhor exigida. Toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios. (BOURDIEU, 2010,p. 53)
O Enem é uma realidade latente de acesso ao ensino superior como
produto de uma seleção que acontece ao longo do percurso escolar camuflado
por justificativas ideológicas que atribuem a responsabilidade de fracasso ao
aluno. Avaliação de caráter classificatório voltada para o aluno e não sobre si
mesma correspondendo a uma prática avaliativa antipedagógica de literal
constatação.
Em que a relevância do exame concentra-se na evidência de
quantidades de saberes e não no aluno enquanto sujeito, no domínio das 120
exigências e habilidades distribuídas em quatro áreas de conhecimento sendo
em Linguagens 9 áreas de competência e 30 exigências de habilidades,
Matemática e sua tecnologias 8 áreas correspondendo a 30
habilidades,Ciências da natureza 6 contemplando 30 habilidades (INEP
MATRIZ DE REFERÊNCIA). Vale destacar algumas dessas competências e
habilidades referenciada pela diretriz do Enem/Inep a fim de compreender se
tal universalização do saber considera as condições sociais de todos ou
favorece a poucos.
1 Entrevista realizada em 31/10/2104 pela jornalista Simoneide Araujo com Henrique Paim na época ministro da educação pelo portal da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Extraído do site:http://www.ufal.edu.brpaim, em 19 . jan. 2014.
Competência de área 2, habilidade 14 de Linguagens, códigos e
suas tecnologias pontua, “Reconhecer o valor da diversidade artística e das
inter-relações de elementos que se apresentam nas manifestações de vários
grupos sociais e étnicos”
Como? Se a escola é voltada para valorização de uma arte, a
rebuscada, teatro, Musica Popular Brasileira que nada tem de popular, livros
clássicos em detrimento a arte de rua dita marginal como o grafite e Hip hop
proveniente da favela.
Em Ciências da natureza e suas tecnologias, competência de área
8 , habilidade 28 estabelece “ associar características adaptativas dos
organismos com seu modo de vida ou com seus limites de distribuição com
diferentes ambientes em especial em ambientes brasileiro” E por que não
ambientes regionais? A fim de contemplar a diversidade cultural do aluno, seu
espaço de vivencia.
Competência de área 5, habilidade 24 de Ciências humanas e suas
tecnologias referencia “ relacionar democracia e cidadania na organização das
sociedades”
Paradoxal citar democracia em uma sociedade desigual dividida por
aspectos econômicos e sociais onde a cidadania é relacionada à alfabetização
e ao voto.
A dinâmica do Enem é organizada a fim de hierarquizar alunos
frente suas diversidades culturais por impor um conjunto de habilidades e
competências comuns para todos. Para tanto coloca os alunos como vilões
atribuindo-lhes incapacidades, desinteresses, desajustamentos de
aprendizagens faz isso com seus métodos, programas curriculares sutilmente,
cumprindo o ato de conservar socialmente pelo nível de conhecimento
cientifico adquirido pelos alunos somente do espaço escolar gerando
portadores de uma cultura elitizada e portadores de uma cultura inferior, dessa
forma:
Se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal a qual obedece todo sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios.Com efeito, para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos do ensino que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferentes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema escolar é levados a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura. (BOURDIEU, 2010, p.53)
Desempenho, habilidades, exigências, hierarquizações são adjetivos
que delimitam o perfil do aluno para o exame desconsiderando que somos
falantes da mesma língua, mas não falamos a mesma linguagem, não
utilizamos os mesmos meios de comunicação para nos expressarmos, não
adquirimos conhecimentos de uma única e mesma fonte, não frequentamos
mesmos lugares, não compartilhamos de códigos em comum, nem todos
participam da cultura erudita fora da escola enfim não comungamos do mesmo
capital cultural e tampouco somos dotados de habitus iguais.
Por que então exigir saberes globais que é o oposto da proposta de
diversidade? Aquele individuo que possui mais experiências sociais próximas
da escola tem maior acumulo de capital cultural e certeza de sucesso! Ou será
que o garoto pobre é enxergado na escola como “nerd”? Há disseminação de
discursos em transformar privilégio sociais em naturais, haja vista:
A ‘inteligência’, o ‘talento’ ou o ‘dom’, são os títulos de nobreza da sociedade burguesa que a escola consagra e legitima ao dissimular o fato de que as hierarquias escolares que ela produz por uma ação de inculcação e de seleção aparentemente neutra, reproduzem as hierarquias sociais no duplo sentido do termo, por esta via, o sistema de ensino não cumpre apenas uma função ideológica, mas de fato concede a sanção de seus veredictos a uma das formas mais encobertas e mais eficazes do privilégio de classe, aquilo que se poderia denominar o privilégio de uma forte aceleração ( BOURDIEU, 2007, p.241)
Indaga-se nesse estudo, se o Enem como sistema avaliativo é
pautado de fato pela equidade de acesso ao ensino superior? Desta forma,
cabe ilustrar a pior média de desempenho no Enem no ano de 2013, segundo o
Jornal Folha de São Paulo2 “ Três das dez escolas com os piores resultados no
ENEM 2013 estão o Maranhão, no povoado de Cachimbos município de Jatobá
( a 433 km de São Luis) é a ultima das 14.715 no ranking: a escola Aluisio
Azevedo”(FOLHA DE S.PAULO, 2013) Será novidade? Vamos ser realistas! O
que se tem presenciado é o mais baixo nível de ensino aqui e em muitas
regiões do país, não precisa nem ser pesquisador para admitir tal crueldade,
pois já estar em demasiado evidência, como diz o professor de inglês desta
escola maranhense Reijunior Santos Soares, “ Temos uma estrutura precária
falta de material, de orientação e gestão, essa é a realidade daqui” (FOLHA DE
S. PAULO, 2013) .Considero que democratizar a educação é oferecer
subsídios de estruturação física, material, instrumentalização pedagógica,
professores com formação sólida, legislação de pratica e não só de fala, gestão
de ensino democrática, conteúdos, metodologias para o aluno e também
considerar sua especificidade de localidade seja bairro, cidade, estado, país
pautando praticas e procedimentos correspondente as condições socioculturais
destes, não dá para homogeneizar a avaliação do processo educativo por que
estamos falando de gente e gente diferente.
Ainda a matéria encerra pontuando a nota média da escola no
exame “foi de 397,03 corresponde a pouco mais da metade do desempenho da
melhor escola no ENEM, o colégio Objetivo Integrado de São Paulo(esfera
privada) com média de 737,152 com maior número de escolas com melhores
resultados contabilizando 77; [ainda] entre as 100 piores escolas 44 estão no
nordeste com 15 escolas nesta lista o Piauí é o estado com maior número de
escolas com menor desempenho, em seguida Maranhão 9, Ceara 7, Sergipe 5,
Rio grande do Norte 4 e Bahia 4.” (FOLHA DE S.PAULO, 2013)
Ora diante de tal disparidade entre região sudeste e nordeste no
exame, pergunta-se: Por que a diferença de resultados? Será que os alunos de
São Paulo são melhores estudantes que devem por merecimento próprio
ingressar nas ‘melhores’ universidades? O que quer dizer a expressão ‘melhor
universidade’? Os alunos do Maranhão não são inteligentes? Há diferença
2 Divulgação realizada e tabulada pelo jornal Folha de São Paulo tendo como fonte o MEC (Ministério da Educação). Disponível em: < http://www.folha.uol.piores_escolas_enem > em 19. Abr.2105.
entre a educação da escola pública e privada?Qual a finalidade de classificar
escolas em piores ou melhores?É correto classificar alunos estereotipando por
notas? A diferença de resultados se dá por apropriação de informações a
meios culturais (internet ,TV a cabo, celular) diferenciadas entre os alunos?
Há dissimulação em mérito escolar o que são de fato heranças
culturais no qual:
Compreende-se que para desempenhar-se completamente dessa função de conservação social, o sistema escolar deva apresentar a ‘hora da verdade’ do exame como sua verdade da equidade escolar, portanto formalmente irrepreensível que o exame opera e assume, dissimula a realização da função de sistema escolar, obnubilando pela oposição entre os aceitos e os recursados a relação entre os candidatos e todos os que o sistema excluiu de fato do número dos candidatos, e dissimulando assim os laços entre o sistema escolar e a estrutura das relações de classes. (BOURDIEU; PASSERON, 2011, p 195)
Assim a definição de aprovados e reprovados via exame nacional do
ensino médio inicia antes mesmos da efetivação da prova pois é pensado para
um determinado perfil econômico cultural relacionando o insucesso ao mérito
ocultando a questão de desigualdade de oportunidades de um arbitrário
dominante.
3.3 Padronização
O Enem é caracterizado como uma das mudanças mais
significativas no aspecto educacional nos últimos tempos por ser uma prova
diferente dos vestibulares tradicionais cuja proposta volta-se para solução de
problemas sobre o cotidiano, o aluno é avaliado por conceitos que saibam
aplicar no dia a dia em uma perspectiva interdisciplinar combatendo a
“decoreba”, contudo tem como parâmetro básico padronizar saberes através de
uma serie de habilidades e competências descritas no capitulo anterior com o
discurso de garantir iguais condições de participação entre estudantes de
qualquer região do país sob o principio de neutralidade.
Vale mencionar um dos requisitos padronizados e cobrados na
redação cuja organização é dada a parti de uma situação problema de ordem
política, social e cultural com produção de texto dissertativo argumentativo por
competência precípua “Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da
língua portuguesa”. Porém mais uma vez ao privilegiar a norma culta da língua
portuguesa promove distinção entre os que possuem uma trajetória social
configurada por capital cultural rebuscado e os que possuem uma cultura de
vivencia em ambientes poucos escolarizados, de linguagem e comportamento
popular que não são norteados por regras gramaticais ou “bons modos” de
etiqueta, são excluídos por serem destituídos de condições sociais e históricas
exigidos para a produção redacional do exame, desta feita:
Uma das funções do sistema de ensino seria assegurar o consenso das diferentes funções acerca de uma definição minimal do legitimo e do ilegítimo, dos objetivos que merecem ou não ser discutidos, do que se pode ignorar, do que pode e deve ser admirado. (BOURDIEU apud GONÇALVES; GOLÇALVES, 2011, p.69)
Nesse sentido o Enem avalia de maneira que exclui os incluídos
segundo a expressão de Vasconcellos(2011), tem proposta de contemplar a
diversidade dos alunos do Brasil por homogeneização de conhecimentos assim
não leva em conta as variações de linguagem inerente ao individuo impondo
como legitimo o que o sistema de ensino determina.
Entretanto, há o outro lado da moeda quando um aluno pobre
socialmente excluído consegue ser aprovado com louvor no Enem superando
expectativas, contrariando estatísticas provando que com esforço se consegue
vencer na vida como o caso do aluno João Vitor Claudiano dos Santos “O nerd
que acertou 95% do ENEM” (PORTAL O POVO, 2014)
Dada à relevância de tal feito e significativa repercussão em diversos
jornais do país de elevada notoriedade, interessa destacar aqui trechos da
matéria e da fala do estudante:
“Criado pela mãe, a aposentada Ana Maria Santos, moradora do
bairro Vila União, o 4° dos cincos irmãos, João Vitor será o primeiro da família
no ensino superior; João completa: Sou um garoto que não conheceu o pai que
sempre sofreu bullying por ser nerd por causa do cabelo, do sapato, da minha
magreza. O estudo não combateu minha timidez, mas me ajudou a ser
feliz”(PORTAL O POVO, 2014)
Fica claro que a escola ainda continua a ser a única via de acesso à
cultura para as camadas desfavorecidas haja vista que “João Vitor sempre foi
estudante da escola pública e frequentador assíduo da biblioteca de sua escola
Governador Adauto Bezerra em Fortaleza (CE), onde assegura que a sua ficha
de biblioteca vai na 2° folha e ultrapassou mais de 40 livros lidos e afirma
“minha estratégia foi me adaptar a leitura, ler livros grandes com linguagem
rebuscada” (PORTAL O POVO, 2014). Traduzindo, não possuindo o habitus do
sistema escolar João busca adquiri-lo incessantemente na biblioteca, os
códigos que a escola demanda, sendo assim:
A cultura erudita em sua qualidade de código comum é o que permite a todos os detentores destes códigos, associar o mesmo sentido as mesmas palavras aos mesmos comportamentos e as mesmas obras, pode-se compreender por que a escola, incumbida de transmitir esta cultura, constitui o fator fundamental do consenso cultural nos termos de uma participação de um senso comum entendido como condição da comunicação. (BOURDIEU, 2007, p. 207)
Para se estabelecer comunicação no campo escolar o que seria o
processo de ensino e aprendizagem é necessário que haja mínima condição de
comunicação denominada por Bourdieu de consenso cultural como descrito a
cima em suas palavras, como falar a mesma língua possuir previamente as
mesmas palavras do acervo fundamental da escola.
Ainda a matéria coloca: “A recente conquista é assisti a luta entre a
timidez do garoto acostumado aos livros do que a grandes conversas e o
orgulho de quem está vendo o esforço recompensado; quanto a isso o
estudante revela dormia em média quatro horas por dia para garantir o bom
desempenho” (PORTAL O POVO, 2015).
Destaca-se neste trecho a frase esforço recompensado apontando
que João Vitor não é um herdeiro da cultura formalizada reafirmada pelas
quatro horas de sono que dormia todos os dias sendo oito horas o ideal, ou
seja, para alcançar o “êxito” necessitou abdicar de suas horas de sono levando
a constatação que para uns a aprendizagem é uma conquista permeado de
desafios enquanto para outros é uma herança em que “as crianças oriundas
dos meios mais favorecidos não devem ao seu meio somente hábitos
utilizáveis nas tarefas escolares, herdam também saberes, gostos e um bom
gosto”(BOURDIEU, 2010, p.45)
Corroborando a questão meritocrática de resultados obtidos como
consequência do esforço individual citado em João Vitor cabe evidenciar o
discurso da presidenta Dilma Rousseff realizado em 25/06/14 durante
cerimônia de lançamento da segunda etapa do programa Ciências sem
Fronteiras que qualifica estudantes de área especifica como engenharia,
computação, medicina, física cursar parte do ensino superior fora do Brasil
para o desenvolvimento tecnológico do país ; expressa: “Eu gostaria de
sinalizar que o ciências sem fronteiras faz parte de uma das portas do caminho
que é aberto pelo Enem.Esse é um caminho de oportunidades para estudantes
de ensino superior no Brasil[..] O Enem é um processo que mostra o
aproveitamento de cada um dos alunos, para fazer jus ao Ciências sem
fronteiras há um critério meritocrático, tem de ter tido 600 pontos no Enem, com
isso, não importa a classe social da pessoa se ela se esforçou ela será
contemplada com uma bolsa no Ciências sem fronteira.” (PLANALTO, 2014)
O governo estimula a diversidade de estudantes no Enem mais não
levam em conta questões de moradia, experiências sociais, pais analfabetos ou
letrados, capital cultural. A essa postura de classificação social Bourdieu em
uma entrevista a Loyola em 2002 na França verbaliza: “A escola diz que uma
criança é boa em matemática sem ver que há cinco matemáticos em sua
arvore genealógica, ou então diz que é ruim em línguas sem ver que provém
de um meio de imigrantes3.”, transforma em mérito questões culturais através
de aferição de aprendizagens.
3 Entrevista realizada na França em 2002, por Maria Andrea Loyola, professora titular de antropologia da Universidade do Rio de Janeiro,.Entrevista exibida em 06/12/2000 pelo canal universitário do Rio de Janeiro(UTV), extraído do site: <http://www.youtube.com.watch?v=oddyhoo, em 18.ago.2014.
O Enem perpassa pela leitura de quantificar para dividir no auge do
atual lema do governo “Pátria educadora”, lançado no discurso de posse da
presidenta Rousseff em 1/1/15, assim discursa: “Gostaria de anunciar agora o
novo lema do meu governo. Ele é simples, é direto, e é mobilizador [...]Trata-se
de lema com duplo significado, ao bradarmos ‘Brasil, pátria educadora’
estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades[...]Só a
educação liberta um povo e lhe abre as portas de um futuro
próspero.Democratizar o conhecimento significa universalizar o acesso a um
ensino de qualidade em todos os níveis da creche a pós-graduação.Significa
também levar a todos os segmentos da população dos mais marginalizados,
aos negros, as mulheres e a todos os brasileiros a educação de
qualidade”(CÂMARA, 2015)
Concomitante ao slogan “Pátria educadora”, o atual ministro da
educação Renato Janine manifestou-se sobre o lema durante uma entrevista
ao Grupo RBS, expõe: “Defendo o slogan, a pátria já foi muito mal utilizada,
empregada de forma autoritária, agora é hora de recuperarmos para nós”, nós
quem? Uma conjuntura?
Quando perguntado sobre o Enem, se é a favor do modelo de
avaliação e como pode ser aprimorado, responde: “O Enem trouxe alguns
avanços significativos, serve para ver como foi o ensino médio, para dizer a
sociedade inteira onde o ensino médio está bom ou ruim, todos aos alunos e
suas famílias tem que saber se aquela escola vale a pena ou não; fora disso
também se criou via de acesso a universidade com grandes êxitos. [Quanto a
aprimoração] você tem todo um instrumento de avaliação que tem que mudar
com muita frequência estou falando em tese [frisa] por que chega uma hora
que as pessoas trabalham o instrumento e não a realidade, o Enem se tornou o
fim em si, você passa ter colégio que prepara para o Enem ,cursinhos focado
nisso4”(GRUPO RBS, 2015)
4 Entrevista realizada em 09/04/2015 pela jornalista Carolina Bahia ao Grupo RBS com o atual ministro Renato Janine Ribeiro.Disponível em: :< http://www.clicrbs.com.br.diariocatarinense> Acesso em : 28.abr. 2015.
A primeira parte da verbalização do ministro chama atenção na
seguinte colocação “todos os alunos e suas famílias tem que saber se aquela
escola vale a pena”.E precisa divulgar dados para tal constatação? Está mais
que denunciado a precariedade de condições de funcionamentos das escolas
públicas!Não vale a pena é esse “discursinho” de metas, programas, pesquisas
e nada de resultados, resultados que beneficiem o ser humano enquanto
individuo um sistema de avaliação digno, justo e igual para o plural.
Na segunda parte percebe-se um reconhecimento discreto do
ministro Janine em “o Enem se tornou o fim em si”, admite que com o advento
do Enem, hoje se ensina direcionado por objetivos do exame, as escolas
treinam alunos baseados em tais competências são simulados semanais ao
seu molde a fim de condicionar os alunos , aulas planejadas segundo o critério
do enem convergente a isso tem os cursinhos preparatórios com verdadeiro
arsenal de treinos, treinos e mais treinos rumo a aprovação, é importante
pontuar que quem frequenta esses cursinhos são alunos de classe econômica
favorecida ,e geralmente o empenho desprendido em proporcionar o possível
de conteúdos ao critério do Enem acontece nas escolas privadas.
Portanto “Pátria educadora” para o governo é educar todos os
segmentos da sociedade do país “marginalizados, negros, mulheres” (diz a
presidenta) , através da universalização do saber? Então esta ratifica que todos
os alunos do Brasil estão ao padrão de conhecimentos exigido pelo Enem
importando dedicação para obtenção de êxito, assim “o sistema de ensino
contribui para manter a defasagem entre a cultura produzida pelo campo
intelectual e a cultura escolar ‘banalizada’ racionalizada pelo e para a
necessidade de inculcação”( BOURDIEU, 2007,p.123).
Inculcação mantida e estabelecida por meio do Enem como sistema
avaliativo com discurso orquestrado meritocratico onde quem deseja beneficiar-
se com acesso ao ensino superior deve merecer como diz Vasconcellos (2011)
“A escola burguesa foi feita para não funcionar! fracasso não é fracasso, mas
busca de qualidade (o que seria do ensino se todos fossem aprovados?),
seleção social através da escola não é seleção social é preparação para a
vida”, (VASCONCELLOS,2011,p.6) É a retroalimentação da ótica medíocre de
inclusão generalizante atribuída ao merecimento por avaliação desleal e cruel
que se diz pensada para todos quando é para poucos.
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