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Montijo não mede todo o impacto do CO2 e ameaça metas de Paris Impacto ambiental do novo aeroporto não contabiliza emissões de aviões em cruzeiro. Aumento de emissões compromete neutralidade carbónica. Pista pode inundar-se com subida do nível do mar Destaque, 2a 6

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Page 1: Montijo não mede todo o impacto do CO2 e metas de · na interligação para o aeroporto da Portela. Vimos que um documento muito importante, e que vai ajudar na tomada de decisão

Montijo não mede todo o impactodo CO2 e ameaça metas de ParisImpacto ambiental do novo aeroporto não contabiliza emissões de aviões em cruzeiro. Aumento de emissões

compromete neutralidade carbónica. Pista pode inundar-se com subida do nível do mar Destaque, 2a 6

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AEROPORTO DO MONTIJO

Com a subidado nível do mara pista vai ficarinundadaMesmo que a cota da parte sul da pista do futuro aeroportodo Montijo suba cinco metros, nos cenários mais extremosé provável que fique inundada entre 2050 e 2070

Teresa Sofia Serafim

Onze

cientistas portuguesesalertam para falhas no "Estu-do de Impacto Ambiental(EIA) do Aeroporto do Mon-

tijo e Respectivas Acessibili-dades". Num documento em

que pedem a revisão desse estudo,referem que a análise à perigosidadesísmica, ao aumento dos gases comefeito de estufa, à inundação por tsu-

nami e à subida do nível médio domar apresenta erros, omissões e

subestimação de riscos. Um dos gran-des alertas refere-se à subida do nívelmédio do mar: mesmo que a cota alti-métrica da pista seja aumentada emcinco metros - como se prevê no pro-jecto do aeroporto nos terrenos daBase Aérea N.° 6 -, nos cenários mais

gravosos é provável que esta fique

inundada na parte sul durante váriashoras por ano entre 2050 e 2070.

Como forma de contestar o EIAdivulgado em Julho, os cientistas por-tugueses elaboraram um documento- a "Contestação abaixo-assinadasobre o EIA do Aeroporto do Montijoe suas acessibilidades" -, que subme-teram na plataforma de consulta

pública ao estudo de impacto ambien-tal, aberta até 19 de Setembro e queteve mais de mil participações regis-tadas no portal Participa.

Após o parecer favorável condicio-nado ao Aeroporto do Montijo pelaAgência Portuguesa do Ambiente(APA) - mediante um conjunto de

contrapartidas no valor de 48 milhõesde euros -, o grupo de investigadoresdecidiu divulgar o documento noinício de Novembro. "Quisemos tor-

nar este documento público porquevimos que a decisão da APA não refe-re nada do que escrevemos", diz aoPÚBLICO Carlos Antunes, engenhei-ro geógrafo da Faculdade de Ciênciasda Universidade de Lisboa e um dos

signatários do documento.Nesse documento, apontam falhas

em quatro pontos: a subida do nívelmédio do mar, tsunamis, sismos e

gases com efeito de estufa. Esses

impactos foram identificados no EIA,estudo feito a pedido da ANA - Aero-

portos de Portugal, mas este trabalhonão caracteriza nem avalia devida-mente os riscos daqueles quatro pon-tos. "Também não foram apontadasmedidas para minorar o seu impacto,como se fez para outros [impactos],como com as aves", refere Carlos

Antunes, adiantando que isso só foi

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feito para a subida do nível do mar,mas, mesmo assim, não considerouse essas medidas seriam suficientes."Vimos que um documento muitoimportante, e que vai ajudar na toma-da de decisão de algo que é importan-te para o país, é omisso e tem graveserros."

O cientista refere especificamenteque esses quatro pontos não foramabordados na "Matriz Síntese de

Impactos do EIA", anexo em que se

identifica pormenorizadamente a

acção, o impacto, as medidas de miti-

gação e se avalia a eficácia destasmedidas. Estão lá as aves, a flora ouos acessos rodoviários, mas os quatropontos estão ausentes.

Debaixo de águaO risco de inundação devido à subidado nível médio do mar é um dostemas de maior destaque na contes-

tação dos 11 cientistas. No ponto dedi-cado às alterações climáticas do resu-mo não técnico do EIA refere-se:"Face à localização do projecto, a

subida do nível médio do mar foi con-siderada o parâmetro mais crítico,devido ao risco de inundação das

instalações da estrutura aeroportuá-ria, em particular das pistas de des-

colagem e aterragem."

No EIA, assinala-se que (através demodelos para 2070) se percebeu que,no pior cenário, a cota máxima de

inundação - valor máximo que a

maré pode alcançar com a conjuga-ção de todos os efeitos como tempes-tades e subida do nível do mar - atin-

girá 3,42 metros. Como a cota previs-ta no projecto da parte sul da pista é

de cinco metros, conclui o EIA, "a

pista no aeroporto não corre o riscode ser afectada" . No projecto, prevê-se que a pista seja estendida 90metros para norte e 300 metros parasul, esta última já sobre o estuário do

Tejo.Contudo, na contestação dos cien-

tistas aponta-se um erro nos cálculosde maré máxima que poderá alcançarnaquela zona daqui a algumas déca-das. "Somando as componentes queo estudo inclui - ou seja, a máximapreia-mar, a sobreelevação da maré,o caudal fluvial e a subida do nívelmédio do mar -, o EIA contabilizou3,42 metros, mas os valores somadosdão de facto 3,99 metros. Há um errode cálculo no valor máximo que a

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maré pode alcançar em situaçãoextrema naquela zona para um cená-rio de 2050", explica Carlos Antu-nes.

O engenheiro geógrafo diz que oEIA só teve em conta um cenário naanálise da subida do nível médio domar e não avaliou a incerteza dosvalores desse cenário - afinal, não sesabe exactamente quanto irá aumen-tar o nível médio do mar. Como tal,Carlos Antunes - especialista na aná-lise de riscos naturais - aplicou dife-rentes cenários para analisar o riscode inundação devido à subida donível médio do mar: "Utilizandooutros cenários e indo até 2070, a

inundação extrema pode ir dos 3,9metros até aos 4,7 metros." Fazendouma análise ainda mais alargada detodas as probabilidades e estendendoa avaliação até 2100, pode haver situa-

ções de máximo de maré entre os

4,36 metros e os 6,12 metros. Portan-

to, o futuro aeroporto poderá ficarinundado.

Vejamos cenários de inundaçãodestacados no documento dos cien-tistas. Em cenários de inundação em

situações extremas - que incluemfactores como o máximo de maré, omáximo da sobreelevação da maré,a subida do caudal do rio, tempesta-des, efeito do vento e a subida donível médio do mar de um metro até2100 -, a cota máxima de inundaçãoserá de 4,45 metros em 2050 e de 5,65metros em 2100. Desta forma, a cotade cinco metros do projecto pode ser

alcançada pelas águas entre 2050 e2070 e a parte sul da pista ficar inun-dada.

Traçaram-se ainda cenários desubmersão em que se considerou"apenas" o efeito da maré e a subidado nível médio do mar - cenários

que são usados pela NOAA, a agênciapara os oceanos e a atmosfera dosEstados Unidos. No cenário altamen-te provável e em que o nível médiodo mar aumentará dois metros até

2100, os cinco metros da pista serão

alcançados no final do século. Já nocenário de submersão em situaçãoextrema, em que o nível do mar sobe

2,5 metros até 2100, a cota de cincometros da pista é alcançada pelainundação antes de 2100.

Tendo em conta os vários cenários

traçados pelos cientistas, sugeremcomo medida de minimização do ris-

co de inundação devido à subida do

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nível médio do mar que a cota máxi-ma seja de seis metros na parte sul da

pista. "Com cinco metros, é provávelque [a parte sul da pista] seja inundá-vel entre 2050 e 2070 [nos cenários

extremos]. Com seis metros não é

provável, para estes cenários, que a

pista fique inundada até 2070. Só a

partir do final do século é que sim",salienta Carlos Antunes. Além de a

pista ficar inundada, o mesmo pode-rá acontecer no Terminal Fluvial do

Montijo, bem como num dos nós darede de acessibilidades para Lisboa e

na interligação para o aeroporto daPortela.

Vimos que umdocumento muitoimportante, e que vaiajudar na tomada dedecisão de algo queé importante para o

país, é omisso e temgraves erros

Com cinco metros,é provável que[a parte sul da pista]seja inundãvel entre2050 e 2070 [noscenários extremos].Com seis metrosnão é provável,para estes cenários,que a pista fiqueinundada até 2o7o

Está-se a evitar a

medida mais difícildo ponto de vistasocial e económico:arelocalizaçãode pessoaseinfra-estruturasCarlos AntunesEngenheiro geógrafo

Relocalizar infra-estruturasAo longo da contestação também são

apontadas omissões do EIA sobre as

emissões de gases com efeito de estu-fa da aviação em voo e do seu impac-to no "Roteiro para a NeutralidadeCarbónica 2050", assim como lacu-nas na avaliação aos sismos e umasubestimação do risco elevado asso-ciado à susceptibilidade de inundaçãopor tsunami.

Para os cientistas, há um claro

incumprimento do Decreto-Lei ->

n.° 152-B/2017, que consagra a neces-sidade de avaliar o impacto que pro-jectos como os de aeroportos têmsobre o clima. "O nosso documentoevidencia um incumprimento do queestá disposto neste decreto-lei pornão apresentar um texto completodos impactos ambientais", reforçaCarlos Antunes. Os 11 cientistaspediam então que o EIA fosse rejei-tado pela APA e que houvesse umarevisão do estudo tendo em conta os

riscos apresentados na contestação,rejeição que não veio a acontecer.

O que defendem exactamente os

signatários deste documento sobre a

construção do aeroporto? CarlosAntunes responde que este documen-to é puramente "técnico, que se focasó no Estudo de Impacto Ambiental"e no cumprimento do Decreto-Lei n.0 152-B/2017. Mas, pela lógica dos ris-

cos apontados no documento, Carlos

Antunes considera: "Deveria ser nou-tro sítio, senão como se minimizamos riscos de outra forma?" Sobre as

medidas que poderiam minimizar os

riscos que a contestação apresenta, ocientista destaca que a cota de seis

metros resolvia o problema da subidado nível médio do mar, mas que, em

relação aos tsunamis, sismos e aumen-

to da emissão de gases com efeito deestufa, é mais difícil evitar esses

impactos ou terão elevados custos.Além de Carlos Antunes, assinam

este documento os investigadoresFilipe Agostinho Lisboa, João Mata,João Cabral, Luís Matias, Maria da

Graça Silveira, Nuno Afonso Dias,Pedro Costa, Pedro Soares, PedroNunes e Rui Ferreira.

"Do ponto de vista estratégico parao ordenamento e a gestão do territó-rio e dos riscos naturais, o país deve

pensar num conjunto de medidas deforma a minimizar o impacto desses

riscos. Está-se a evitar a medida maisdifícil do ponto de vista social e eco-nómico: a relocalização de pessoas e

infra-estruturas", considera Carlos

Antunes, acrescentando que essasmedidas devem ser tomadas com 50a 60 anos de antecedência. Para o

engenheiro geógrafo, têm-se levadoa cabo apenas medidas temporárias- como alimentação artificial de

praias com areia - que podem resul-tar numa fase inicial e levam as pes-soas a sentirem-se protegidas, mas

que vão trazer problemas às geraçõesfuturas.

[email protected]

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Sismos e tsunamis praticamente ignorados

Base Aérea N.° 6, para onde se prevê a construção do aeroporto do Monti jo

Teresa Sofia Serafim

Grupo de cientistas frisa

que o estudo de impactoambiental do aeroportotem lacunas na avaliação dorisco de sismos e tsunamis

Além

de falhas na avaliaçãodos riscos associados à subi-

da do nível médio do mar edo aumento dos gases comefeito de estufa, um grupode 11 cientistas portugueses

avisa que o "Estudo de ImpactoAmbiental (EIA) ao Aeroporto doMontijo e Respectivas Acessibilida-des" tem omissões na avaliação dossismos e subestima o risco elevadoassociado à susceptibilidade de inun-

dação por tsunami.Sobre os efeitos da geologia e geo-

morfologia no aeroporto do Montijo,o EIA refere que a sismicidade na áreaé elevada. Afinal, a península do Mon-

tijo é uma zona baixa constituída porum substrato geológico sedimentar

pouco ou nada consolidado, predo-minantemente arenoso, que incluilodos e argilas saturados em água.Contudo, no resumo não técnico doEIA frisa-se que "os impactos geomor-fológicos da movimentação de terrasna área do aeroporto consideram-se

negativos e pouco significativos" .

Ora, para os cientistas, o "EIA ape-nas aborda a avaliação da 'acção sís-

mica' de forma superficial e muitoincompleta", escreveram no docu-mento "Contestação abaixo-assinadasobre o EIA do Aeroporto do Montijoe suas acessibilidades" e submetidona plataforma de consulta pública aoestudo de impacto ambiental, quedecorreu até 19 de Setembro.

Além de considerarem que não foiconcebido um mapa específico sobre

a acção sísmica para aquela zona,Carlos Antunes (engenheiro geógrafoda Faculdade de Ciências da Univer-sidade de Lisboa e um dos signatáriosdo documento) alerta que a avaliaçãoà acção sísmica foi feita com basenum regulamento já desactualizado

(o Regulamento de Segurança e

Acções para Estruturas de Edifícios ePontes de 1983). Actualmente, já é

aplicado o conjunto de normas Euro-

código 8 - Projecto de Estruturas

para Resistência aos Sismos."Não fizeram a caracterização de

solos à luz do Eurocódigo 8 e isso éfundamental porque o tipo de solocaracteriza a intensidade do sismosentido no local e os danos causados

nesse local", esclarece Carlos Antu-nes. "Isto é determinante para se

seguir a chamada 'acção sísmica', quedepois vai condicionar o tipo de cons-

trução que terá de ser feita de acordocom o tal regulamento. "

Também não foi identificada a clas-

se de importância da construção -isto é, se está sujeita a sismos de maiorou menor intensidade. "

[O EIA] nãoidentificou devidamente os factoresfundamentais para caracterizar o tipode medidas que têm de ser imple-mentadas naquele tipo de estruturasde elevada importância", considerao investigador.

Quanto ao risco de inundação portsunami, o EIA aponta que a geração

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destes fenómenos se encontra asso-

ciada a sismos com epicentro no mar,o que faz do Norte da Base Aérea N.°6 (onde ficará o aeroporto) uma zonade "elevada susceptibilidade a estesfenómenos".

Carlos Antunes alerta que a avalia-

ção no EIA foi insuficiente: fizeram-se

apenas mapas de pequena escala,usou-se bibliografia antiga e omitiu-se

a mais recente. O cientista diz ainda

que não foi feita uma avaliação paracenários da propagação das ondas detsunami considerando a subida donível médio do mar no futuro. "Dadoo conhecimento científico, deveriater sido feita uma caracterização rigo-rosa do risco de inundação de tsuna-mi tendo como referência tanto a

situação actual como o nível médiodo mar no futuro" , nota Carlos Antu-

nes. "Como isso não foi feito, não se

pôde identificar um conjunto demedidas de minimização de impactospara esse risco." Para reduzir os efei-tos de um tsunami, seria necessário

aplicar soluções de engenharia de"elevado custo que estariam muito

para além da capacidade de investi-mento do projecto", adianta.

Estudo ambiental do Montijo não contemplaaumento de emissões de CO2

Ana Brito

0grupo de cientistas que con-testou o Estudo de ImpactoAmbiental (EIA) do novoaeroporto do Montijo fez as

contas à totalidade das emis-sões de gases poluentes que

serão libertadas com a actividade danova infra-estrutura até 2050 e nãotem dúvidas de que a análise desen-volvida pela ANA - Aeroportos ape-nas contempla "uma parte residual"das emissões que serão geradas.

O EIA "só contempla as emissões

terrestres, ou seja, as emissões dainfra-estrutura aeroportuária, do trá-

fego rodoviário e fluvial de e para o

aeroporto, e das emissões das aero-naves na descolagem e aterragem",sublinhou ao PÚBLICO um dos signa-tários da contestação, o investigadorem energia e ambiente no InstitutoDom Luiz, da Faculdade de Ciênciasda Universidade de Lisboa, PedroNunes. De fora ficam "as emissões deGEE [gases de efeito de estufa] pro-duzidas na fase de cruzeiro, que são

o grosso das emissões", e que deve-riam ter sido incluídas na análise de

impacto ambiental, que acaba assim

por não fazer "um balanço de emis-sões globais" de GEE do aeroporto deLisboa "antes e depois" do Montijo,segundo se lê na "Contestação ao'EIA do Aeroporto do Montijo e suas

Acessibilidades'", assinada por espe-cialistas de várias áreas.

A conclusão é que o EIA do aero-

porto do Montijo (que se espera quetraga a Portugal mais 7,8 milhões de

passageiros em 2022 e 17,2 milhõesem 2050, e a cuja construção a Agên-cia Portuguesa do Ambiente já emitiuum parecer favorável condicionado)"não está conforme" o diploma queenquadra a avaliação de impactoambiental dos projectos públicos e

privados susceptíveis de produziremefeitos significativos no ambiente,porque "há riscos [ambientais e cli-

máticos] que não foram contempla-dos", frisou Pedro Nunes.

Além disso, o investigador entende

que a "completa omissão do EIA"

sobre as emissões da aviação em fasede voo "compromete o cumprimen-to" do Roteiro para a NeutralidadeCarbónica (RNC2OSO). Pedro Nunesdefende que o Governo deveria con-tabilizar os impactos da aviação civilno plano para descarbonizar o país(o documento foi submetido às

Nações Unidas para dar cumprimen-to ao Acordo de Paris).

"Projecto comprometedor""A omissão" no EIA do Montijo damaioria das emissões de GEE origina-das pela aviação "encobre que se

trata de um projecto comprometedordo alcance da meta nacional de neu-tralidade carbónica para 2050" e"evidencia uma clara violação de

cumprimento do disposto no Decre-to-Lei n.° 152-B/2017 por não apresen-tar o estudo dos respectivos impactosclimáticos", lê-se na contestação .

O RNC projecta emissões totais decerca de dez milhões de toneladas deCO2 em 2050, quando se espera queo país atinja a neutralidade (omomento em que as emissões emiti-das podem ser anuladas por aquelasque se evitam ou retiram da atmosfe-

ra), mas não contabiliza a aviaçãointernacional. Só "o conjunto Portela+ Montijo representará cerca de 34%dessas emissões e o sector da aviaçãocivil cerca de 68%", refere o docu-

mento. Isto significa que sobrariam

pouco mais de três milhões de tone-ladas para acomodar a restante acti-vidade económica, nomeadamenteos sectores da agricultura, indústriae resíduos (esperando-se que os

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transportes estejam praticamentedescarbonizados e a electricidadeseja renovável), o que é "totalmente

impossível", diz Pedro Nunes. "Seincluirmos a aviação, não creio queas emissões possam ficar abaixo das

15, 16 megatoneladas" em 2050,acrescenta.

Reconhecendo que o Acordo deParis não inclui as emissões da avia-

ção internacional e do sector naval

(pede aos Estados estratégias paradiminuir emissões a nível nacional),e que estas "estão numa espécie delimbo e têm sido tratadas à parte", o

especialista defende que "têm de

começar a ser contabilizadas no

inventário de emissões dos países" .

No caso português, Pedro Nunesentende que "é um imperativo fazê-

lo", quando o Governo "dá priorida-de à questão climática e até mudoude nome" (o Ministério do Ambientedeixou de ser do Ambiente e da Tran-

sição Energética e passou a ser doAmbiente e da Acção Climática).

Nos cálculos dos especialistas, em2017 o tráfego aéreo de transporte de

passageiros já representava 6% dototal de emissões em Portugal, umnível que é "o dobro do valor da União

Europeia" e reflecte uma economiamuito dependente do turismo".

Em 2030, "o Montijo irá significar

0,8 milhões de toneladas de CO2 e

cerca de 2% das emissões totais em

Portugal, enquanto a Portela signifi-cará 8% e o conjunto da aviação civilnacional será já cerca de 20%, o queé um valor muito elevado", afirmaPedro Nunes.

Em 2050, as emissões associadasao Montijo serão 10% do total nacio-nal (um milhão de toneladas) e a Por-tela representará o dobro (somandoos dois 6,4 milhões de toneladas). A

aviação civil representará mais de60% (12,8 milhões de toneladas).

[email protected]

Soluções alternativas ao Montijo? ICNFdiz que já se pronunciara sobre Alcochete

Patrícia Carvalhoe Francisco Alves Rito

Persistem dúvidas sobre aforma como se ultrapassoua aparente inexistênciade localizações alternativasao novo aeroporto

Abatalha está em cima da

mesa, já incluiu uma queixaà Comissão Europeia e foiremetida aos tribunais. Deum lado, associaçõesambientalistas e especialis-

tas em Direito Ambiental defendem

que a avaliação de impacto ambiental(AIA) do projectado aeroporto noMontijo tinha, obrigatoriamente, deincluir a análise de soluções alterna-tivas. Do outro, o Instituto da Conser-

vação da Natureza e das Florestas

(ICNF), que alertara, numa AIA parao mesmo projecto que foi encerradasem ser concluída, em 2018, que, porestar em causa a proximidade dezonas protegidas no âmbito da RedeNatura 2000, qualquer estudo de

impacto ambiental deveria ser objec-to de "avaliação de incidênciasambientais" que, juridicamente, con-

templa "o exame de soluções alterna-tivas". Contudo, o ICNF não esclare-

ce, agora, se mudou de opinião nestamatéria. Lembra, ainda assim, que jáemitira um parecer sobre outra solu-

ção que afectaria as mesmas áreas

classificadas, o entretanto abandona-do aeroporto de Alcochete.

"Essa é uma desculpa esfarrapa-da", diz sobre esta matéria Carla Gra-

ça, da Zero - Associação Sistema

Terrestre Sustentável. Desde logoporque o processo de Alcochete é

anterior e independente do actual,mas também porque, naquele caso,foi feito exactamente aquilo que a

Zero defende e que diz não ter sido

agora cumprido. "Quando estava emcausa o campo de tiro de Alcochete,a AIA foi precedida de uma avaliaçãoambiental estratégica, que compara-va a solução Ota com Alcochete. Ago-

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ra, a única coisa que tivemos foi umaavaliação muito prévia a várias bases

aéreas, apenas para dizerem que nãoeram alternativas. Não houve umaverdadeira avaliação ambiental estra-

tégica que, de acordo com a legisla-ção, devia incluir também a operaçãodo aeroporto de Lisboa", defende. Foida Zero que partiu a queixa contra onovo aeroporto à Comissão Europeia,que, por enquanto, não quer comen-tar o processo.

Para já ainda não foi divulgada a AIA

que deu origem à Declaração de Impac-to Ambiental (DIA) favorável, emboracondicionada a medidas de mitigaçãode riscos ambientais que custarão 48milhões de euros, segundo fez saber a

Agência Portuguesa do Ambiente(APA), que coordenou o processo. Mashouve um processo anterior, encerrado

em Julho de 2018 pelo promotor, depoisde se ter concluído que existiam váriasdesconformidades no Estudo de

Impacto Ambiental (EIA), em que é

conhecida a posição do ICNF. Nessa

altura, o ICNF indicava, nas "linhasorientadoras" para a realização do

EIA, que um projecto deste géneropoderia afectar a Zona Especial de

Protecção [ZPE] do Estuário do Tejo,"devendo nesse caso ser objecto de

avaliação de incidências ambientaisno que se refere aos objectivos de

conservação da ZPE". Ora, essa "ava-

liação de incidências ambientais"inclui, no seu âmbito, "o exame de

soluções alternativas".O PÚBLICO questionou o instituto

sobre se manteve esta posição no pro-cesso da actual AIA e se confirmava

que não tinha sido feita uma avaliaçãode soluções alternativas, mas a res-

posta do ICNF foi esquiva. "Não obs-

tante, do ponto de vista do processode AIA n.° 3280 [o actual] , se ter pro-cedido à avaliação de um projectoconcreto com uma solução concreta,importará referir que na mesma

região e com relevância para as mes-mas áreas classificadas - ZPE doEstuário do Tejo e Reserva Natural doEstuário do Tejo - havia sido subme-tido a avaliação do ICNF um projectoalternativo, 'Novo Aeroporto de Lis-boa' em Alcochete, que mereceu da

mesma forma parecer favorável con-dicionado", respondeu, por escrito,a assessoria do instituto.

O ICNF recusa também que se pos-sa falar de uma eventual "mudançade opinião" , uma vez que o processoanterior foi encerrado pelo promotorantes de ser concluído, pelo que "nãofoi emitido parecer final do ICNF".Questionado ainda sobre o alerta de

especialistas que apontam para a pos-sibilidade de a DIA poder vir a serinvalidada por, entre outros aspectos,não ter sido feita uma avaliaçãoambiental estratégica ao projecto, oICNF recusa-se a comentar e remeteas respostas para a APA. O PÚBLICO

questionou a Agência Portuguesa doAmbiente sobre esta matéria, masnão obteve resposta.

"Gravidade extrema"Para a professora de Direito doAmbiente Carla Amado Gomes, o

processo de AIA do aeroporto é de

"gravidade extrema", tendo havido"total desrespeito pelas normas"comunitárias e da legislação nacionalsobre a matéria. A docente da Facul-dade de Direito da Universidade deLisboa não tem dúvidas de que o estu-do tinha de incluir a Avaliação deIncidências Ambientais e que há obri-

gação legal de um exame de "todas"as alternativas, não apenas das"razoáveis". "Com o [actual] Regimede Rede Natura a ser mais exigente,não falando em 'alternativas razoá-veis' mas, pressupõe-se, em todas, oTribunal de Justiça da União Europeiaafirma sempre que um projecto só

pode ser viabilizado sem mais se não

apresentar riscos significativos parao ambiente e, caso os revele, só emnome de um superior interesse públi-co e após um estudo exaustivo de

alternativas", diz.De acordo com Carla Amado

Gomes, o estudo de alternativas noâmbito da avaliação de incidências é

"um elemento obrigatório do EIA",cuja falta "gera rejeição liminar domesmo", com Rita Siza

[email protected]

Lisboa avaliaexpansão da Portela

ACâmara

de Lisboa querque sejam feitos estudossobre a possível expansãodo Aeroporto Humberto

Delgado (Portela), assim comosobre os impactos actuais do

tráfego aéreo na saúde públicae no ambiente. Na proposta,que reuniu contributos detodas as forças políticas quecompõem o executivo e foi

aprovada ontem porunanimidade, a autarquia pedeao Governo o Plano de

Expansão da CapacidadeAeroportuária de Lisboa e

compromete-se a promoverum "estudo de avaliação dosdiversos impactos do projectode expansão".

Nos últimos anos, o númerode passageiros que aterrou naPortela aumentousignificativamente — este anodeverá ultrapassar os 30milhões. A autarquia entende

que estes números"demonstram o carácterverdadeiramente central do

aeroporto na economia dacidade, da região e do país —

nomeadamente ao nível doturismo — e da cada vez mais

imperiosa urgência deaumento da capacidadeaeroportuária de Lisboa". Oexecutivo lembra que a

Portela é, "na prática", um

"aeroporto provisório", o quefez com que "o complexoaeroportuário tenha sido alvode vários investimentos de

adaptação, sempreparcelares, minimalistas e

sempre desintegrados de umavisão consistente de médioprazo". Sem tecer nenhuma

consideração, a autarquiaafirma que, a concretizar-se a

opção Portela+Montijo, tal

"significará para Lisboa uma

mudança essencial: o

aeroporto deixará de assumir

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um carácter provisório". E

que, por isso, "é indispensávelavaliar os impactos actuais efuturos daí decorrentes".C.F.M.