morte na família - walsh

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WALSH, Froma. Morte na família: sobrevivendo as perdas. Porto Alegre: Artmed, 1998. Morte na família: Sobrevivendo às perdas W223m WalshMorte na família: sobrevivendo às perdas / Froma Walsh e Monica McGoldrick: trad. Cláudia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: ArtMed. 1998. 1. Psicoterapia Perdas. I. McGoldrick, Monica. II. Título. CDU 615.851 Catalogação na publicação: Mônica Bailejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-7307-402-7 Froma Walsh, Ph.D. Professor. School of Social Service Administration & Department ofPsychiatry. Co-Director. Center for Family Health, University of Chicago, Chicago, Illnois. Monica McGoldrick, A.C.S.W., Ph.D. Director, Family Institute ofNew Jersey, Metuchen, New Jersey. Associate Professor of Clinical Psychiatr, Robert Wood Johnson Medical School, New Brunswick, New Jersey. Morte na Família: Sobrevivendo às Perdas Tradução: Cláudia Oliveira Dornelles Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Helena Centeno Hintz Psicológa clínica e psicoterapeuta de casais e família. Membro fundador e integrante da Equipe de Coordenação do DOMUS (Centro de Terapia de Casal e Família). Profèssora e supervisora do CEAPIA (Centro de Estudos. Atendimentoe Pesquisa da Infãncia e Adolescência), Porto Alegre. RS.

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  • WALSH, Froma. Morte na famlia: sobrevivendo as perdas. Porto Alegre: Artmed,

    1998.

    Morte na famlia: Sobrevivendo s perdas

    W223m WalshMorte na famlia: sobrevivendo s perdas / Froma Walsh e Monica

    McGoldrick: trad. Cludia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: ArtMed. 1998.

    1. Psicoterapia Perdas. I. McGoldrick, Monica. II.

    Ttulo.

    CDU 615.851

    Catalogao na publicao: Mnica Bailejo Canto - CRB 10/1023

    ISBN 85-7307-402-7

    Froma Walsh, Ph.D.

    Professor. School of Social Service Administration & Department ofPsychiatry.

    Co-Director. Center for Family Health, University of Chicago, Chicago, Illnois.

    Monica McGoldrick, A.C.S.W., Ph.D.

    Director, Family Institute ofNew Jersey, Metuchen, New Jersey.

    Associate Professor of Clinical Psychiatr, Robert Wood Johnson Medical School,

    New Brunswick, New Jersey.

    Morte na Famlia: Sobrevivendo s Perdas

    Traduo: Cludia Oliveira Dornelles Consultoria, superviso e reviso tcnica desta

    edio: Helena Centeno Hintz Psicolga clnica e psicoterapeuta de casais e famlia.

    Membro fundador e integrante da Equipe de Coordenao do DOMUS (Centro de

    Terapia de Casal e Famlia). Profssora e supervisora do CEAPIA (Centro de Estudos.

    Atendimentoe Pesquisa da Infncia e Adolescncia), Porto Alegre. RS.

  • Artmed

    Porto Alegre, 1998

    Obra originalmente publicada sob o titulo : Living beyond Loss

    Froma Walsh and Monica McGoldrick,1991.

    Primeira publicao em paperback, pela Norton, 1995.

    ISNB 0- 393- 70203-O

    Capa:

    Joaquim da Fonseca

    Preparao do Original:

    Maria Rita Quintella

    Sandro W. Andretta

    Superviso Editorial

    Letcia Bispo de Lima

    Composio e arte:

    Com Texto Editorao Eletrnica.

    Este livro dedicado memria daqueles que mais nos ensinaram a respeito da morte

    Por Monica

    Joseph D. McGoldrick

    Margaret R. Phiffer Bush

    Mary Gertrude Cahalane

  • John Michael Zamborsky

    Don Mc Cook

    Hughie Mc Goldrick

    Por Froma

    Mary Jo Bourassa Weisberg

    George L. Weisberg

    E ao brilhante professor que nos indicou o caminho

    Murray Bowen

    1913-1990

    Colaboradores

    BETTY CARTER, M.S.W.

    Director, Family Institute of Westcester Mount Vernon, New York.

    DAVID EPSTON

    Co-Director, Family Therapy Centre, Auckland, New Zealand.

    ELLIOT ROSEN, Ed.D

    Faculty, Family Institute Westchester, Mount Vernon, NewYork.

    Consulting Psychologist Jansen Memorial Hospice, Tuekahoe, New York.

    EVAN IMBER-BLACK, Ph.D.

    Director, Family & Group Studies.

    Professor, Department of Psychiatry, Albert Einstein College of Medicine, Bronx, New

    York.

  • EVELYN LEE, Ed.D.

    Associate Clinical Professor, Department of Psychiatry, University of California, San

    Francisco, California.

    GEORGE H. GROSSER, Ph.D.

    Former Instructor, Department of Psychiatry, Harvard Medical School, Cambridge,

    Massachusetts.

    JOHN BYNG-HALL, F. R. C. PSYCH.

    Tavistock Clinic, London, England.

    JOHN S. ROLLAND, M.D.

    Associate Professor of Clinical Psychiatry, Pritzker School of Medicine.

    Co-Director, Center for Family Health, University of Chicago, Chicago, Illinois.

    MURRAY BOWEN, M.D.

    Clinical Professor, Georgetown University Medical Center.

    Director, Georgetown University Family Center.

    NYDIA GARCIA PRETO A.C.S.W.

    Clinical Director.

    Faculty, Family Institute of New Jersey, Metuchen, New Jersey.

    NORMAN PAUL, M.D.

    Lecturer, Department of Psychiatry havard medical Scholl, Cambridge, Massachusetts.

    PAULETTE MOORE HINES, Ph. D.

    Director, Prevention Services, university of Medicine e Dentistry of New Jersey.

  • University of Mental Health Services, Piscataway, New Jersey.

    Faculty, Family Institute of New Jersey, Metuchen, New York.

    RHEA ALMEIDA, M.S.W.

    Director, Institute for family Services, Somerset, New Jersey.

    Adjunct Instructor, Rutgers Graduate School of Social Work, New Brunswick, New

    Jersey.

    SANDRA B. COLEMAN, PHD.

    Director, Behaviorial Medicine Family Practice Residency Program, Eastern Maine

    Medical Center,

    Bangor, Maine.

    STEVEN E. GUTSTEIN, Ph.D.

    Private Practice, Houston, Texas.

    Agradecimentos

    Muitas pessoas merecem um agradecimento especial por suas sugestes, diretas

    e indiretas, a este livro: Peter Sterling Mueller, um generoso e complacente mentor e

    colega de muitos anos, cujo entendimento profundo do impacto da perda nas famlias

    influenciou profundamente meu prprio trabalho; Norman Paul, cuja disposio

    corajosa de enfrentar a perda com as famlias e cujo pensamento original e generosidade

    como professor foram extremamente teis para mim ao longo de muitos anos; Murray

    Bowen, cujas brilhantes idias vo iluminar nossos caminhos futuros e cuja

    generosidade pessoal com seu tempo e com seus pensamentos sempre que o procurei

    nos ltimos 17 anos foi profundamente apreciada. Ele influenciou muito meu trabalho,

    e sua morte, no momento em que este livro estava no prelo, trouxe-me muita dor.

    Espero que meus esforos neste trabalho reflitam bem minha dvida com ele (embora,

    sem dvida nenhuma, nunca tivesse desejado este agradecimento).

    Agradeo a minha me, Helen McGoldrick, minhas irms, Neale e Morna,

  • minha tia, Mildred McGoldrick Cook, juntamente com meus amigos, Betty Carter,

    Joyce Richardson, Carol Anderson, Meyer Rothberg, Michael Rohrbaugh, Rich Simon,

    Imelda McCarthy, Nollaig Byrne, Sandy Leiblum, Jane Sufian, Charlotte Fremon

    Danielson, Nydia Preto, Paulette Hines e Evan Imber-Black, seu apoio de tantas formas

    ao longo de tantos anos, e especificamente por me ajudarem a compreender o sentido da

    vida e o sentido da morte. Tambm agradeo a Jcannine Stone e Gary Lamson, do

    UMDNJ-CMHC, de Piscataway; Henry Murphree, M.D., Diretor do Departamento de

    Psiquiatria da Robert Wood Johnson Medical School UMDNJ; e Mary Scanlon,

    Diretora de Biblio- tecas da UMI)NJ Biblioteca RWJ de Cincias da Sade, por sua

    ajuda generosa. Minha irm Neale no ofereceu somente um enorme apoio emocional,

    mas um auxlio incansvel com os aspectos tcnicos deste livro genogramas e

    trabalhos em informtica.

    Agradeo tambm a meu marido, Sophocles, e a meu filho, John, a pacincia

    pelas horas que este livro lhes roubou. Vicky Varra e a equipe da Yellow

    IX

    Brick Road proporcionaram a meu filho dois lares carinhosos e enriquecedores

    fora de casa, que foram uma grande fonte de tranqilidade para mim em meu trabalho,

    enquanto Cherie Allen, Aimee Copp e Halia Yevtushenko propiciaram o to necessrio

    apoio domstico.

    Monica McGoldrick

    difcil destacar somente alguns dos muitos colegas, amigos e membros da

    famlia que contriburam de tantas formas para minhas idias a respeito da morte e da

    perda e para o desenvolvimento deste livro. Gostaria especialmente de agradecer a

    diversos colegas da Universidade de Chicago. Margareth Waller, minha assistente de

    ensino, ofereceu um feedback valioso, e Young Chang, meu assistente de pesquisa,

    prestou uma assistncia editorial muito qualificada. Devo muito a Bertram Cohler,

    mentor, colega e amigo de longa data, que recentemente perdeu sua esposa, Ann. Jeanne

    Marsh, reitora da Escola de Administrao em Servio Social, e Bennett Leventhal,

    Chefe da Psiquiatria Infantil e da Adolescncia, apoiaram entusiasticamente a criao

    do Centro para a Sade da Famlia, que dirijo juntamente com John Rolland, para a

  • pesquisa e a formao clnica na abordagem dos desafios da vida familiar. John, meu

    marido e colega, enriqueceu enormemente minha perspectiva sobre a perda atravs de

    nossas muitas discusses, compartilhando seu prprio trabalho e suas reflexes a

    respeito de suas experincias crticas de vida.

    Nunca esquecerei daqueles amigos que me apoiaram nos momentos de perda e

    em situaes de ameaa vida. Elza Bergeron Gross, minha ex-colega de quarto nos

    Peace Corps, ficou ao meu lado nas doenas e funerais de meus pais. George Walsh ps

    seu trabalho de lado para cuidar de mim aps um acidente de carro quase fatal, lendo

    para mim toda a trilogia de Tolkien. Mary Zaglifa, compartilhando generosamente sua

    experincia, ensinou-me mais do que qualquer mdico sobre a recuperao da meningite

    e me deu coragem e humor nas horas difceis. Carol Anderson, Celia Falicov, Michele

    Scheinkman, Janet Murphy, Karen Countryman e Katherine Goldberg sempre estiveram

    ao meu lado, como, espero, estarei ao lado delas FromaWalsh

    Este livro reflete para ns duas nosso interesse comum e colaborao por mais

    de duas dcadas. Enriquecemos com nossa amizade extraordinria, que continua a

    crescer e a se aprofundar com a passagem de nosso ciclo de vida. Juntas, queremos

    agradecer a Susan Barrows seu apoio e eficincia em todos os aspectos da produo

    deste livro. Ela foi uma colega soberba. Finalmente, queremos expressar nossa

    apreciao s famlias que atendemos, aos colegas, amigos e a nossas prprias familias,

    cujas experincias de vida serviram para ilustrar os casos de adaptao familiar perda.

    Frorna Walsh e Monica McGoldrick

    X

    Prefcio

    H dois anos, um amigo meu faleceu abruptamente. Ele morreu na Argentina e,

    na verdade, eu sequer fora informado de sua breve enfermidade antes de sua morte. Ele

    era, cronologicamente falando, meu amigo mais antigo fora da famlia: tnhamos sido

    co1egas de jardim de infncia. Os labirintos de nossas respectivas trajetrias de vida

    permaneceram distanciados por trs dcadas, mas, h mais ou menos vinte anos,

    recuperamos a velha intimidade. Trocvamos cartas ocasionais; entretanto, como

    vivamos a 6000 milhas um outro, somente nos vamos umas duas vezes por ano,

  • sempre que nossas vidas nmades nos colocavam a uma distncia razovel. Em cada

    ocasio, levvamos mais do alguns minutos para reacender o vnculo, para nos

    sentirmos novamente em casa na velha, confortvel, confiante e calorosa amizade.

    Sua morte me privou de muitas coisas valiosas: ele era um repositrio de minha

    identidade (Oi, Carlos!) e de minha histria (Voc se lembra quando...), alm de

    uma fonte valiosa de estmulo emocional (Que bom te ver), de feedback social

    (Quando voc fez X, eu me senti ...) e de preocupao com minha sade (Voc

    parece cansado. Voc est cuidando bem de sua sade?). A relao era recproca e,

    assim, ofereceu-me a experincia tranqilizadora de ser tambm o repositrio de sua

    identidade e histria, bem como um recurso para sua estimulao emocional, feedback

    e preocupao. Foi uma amizade duradoura com um rico fundo de lembranas comuns

    que podiam ser despertados por qualquer um de ns; algumas reminiscncias talvez

    um cenrio trivial compartilhado somente por ns dois vo permanecer adormecidas

    em mim a partir de sua morte, pois no haver ningum para ativ-las. Ele era amigo de

    muitos de meus amigos, e sua ausncia implicar a inevitvel perda da conexo que eu

    mantinha com eles por meio dele e que se demonstrava a cada vez que falvamos sobre

    os amigos, combinvamos encontr-los e assim por diante. A dor de uma perda torna

    mais evidente a felicidade que possuamos.Estendo-me nesta experincia complexa

    porque, por mais insubstituvel que esta relao possa ser, a maioria de seus atributos

    no era peculiar a ela;

    XI

    certo que ningum pode compartilhar comigo aquelas lembranas de Herr Sultzberger,

    nosso aterrorizante professor de Msica do jardim de infncia, mas posso listar algumas

    amizades gratificantes, duradouras e ntimas alm dessa, todas nicas, todas lembradas

    com carinho, todas intrnseca e individualmente no-essenciais para minha

    sobrevivncia. A tempestade causada pela morte de meu amigo paradigmtica do

    efeito de algumas das muitas perdas que sofremos ao longo de nossas vidas, e das quais

    geralmente emergimos inteiros, embora de alguma forma modificados.

    O vcuo de identidade, de histria e continuidade, de estimulao emocional,

    de feedback social, de preocupao com a sade, de validao, de responsabilidade

    produzido pela perda de um dos elos que constituem nosso self-em-contexto uma

  • experincia universal. Para alguns, a perda de uma relao preciosa a morte de um

    dos pais, de um velho amigo, de um mascote fiel; para outros pode ser um atributo

    fsico ou uma parte do corpo uma pele jovem e lisa que comea a enrugar, ou um

    membro perdido em um acidente; pode ser o desaparecimento de uma projeo feita no

    futuro a sbita conscincia de que um sonho jamais ser realizado ou no passado

    quando descobrimos que uma figura idealizada de nossa infncia era corrupta.

    Outros so destitudos de um objeto querido ou propriedade valiosa nosso primeiro

    carro foi roubado, um incndio queimou todos os nossos lbuns de fotografias; ou vem

    valores que lhes so caros desaparecerem o exrcito de nosso pas invade um pas

    estrangeiro, ou Kennedy assassinado. E tantos entre ns passam por mudanas de

    contexto emigramos, deixando para trs cones, marcadores e amigos. As perdas so

    o fantasma de todas as propriedades, materiais ou imateriais.

    Qual o processo pelo qual nos curamos desta experincia de sofrimento, pelo

    qual esta intolervel ausncia se torna tolervel, pelo qual este vazio existencial

    preenchido? E mesmo se despirmos essas perguntas de toda a sua carga de drama e nos

    detivermos no destino de uma perda menor, a pergunta ainda permanece intrigante.

    Qual o papel das introjees e das outras pessoas familiares, amigos, conhecidos

    no processo de luto? E onde acontece a cura? No territrio ntimo do imaginrio

    individual? Na arena consensualmente validada do modo como as coisas so contadas e

    a realidade construda? Na complexa galeria de espelhos do mundo interpessoal? E,

    dentro deste mundo, o processo est na trama interativa ntima e intensa de nossa

    famlia imediata ou no tecido mais amplo de nossa rede social?

    Ela ocorre em todos esses lugares, ou, mais precisamente, a experincia

    totalmente singular para cada indivduo-em-contexto, e a conceitualizao do processo

    uma funo dos construtos do narrador/observador: os modelos so as redes ideolgicas

    que apreendem, organizam e atribuem sentido ao que est l fora. As experincias, por

    mais quentes que possam ser quando so sentidas, so esfriadas pelo efeito mediador da

    linguagem, o qual, por sua vez, organizado por modelos conceituais implcitos ou

    explcitos.

    O quente e o frio exaltam um ao outro neste livro. Enquanto estive imerso nestas

    pginas, descobri-me vivenciando emoes intensas evocadas pelos temas e

    personagens que habitam seus captulos, alm de um rico prazer esttico ao visitar os

  • multiplos modelos pelos quais os processos so discutidos pelas organizadoras, Froma

    Walsh e Monica McGoldrick, e pelos diversos colaboradores desta obra. Por vezes, eu

    gravitava em direo a uma poltrona aconchegante, onde, aninhado em uma colcha

    quase pesada demais, e com Mahler propiciando a ambientao adequada, lia partes

    deste livro como um romance.

    XII

    Houve captulos, no tenho dvidas, nos quais EU era o personagem principal

    pelo menos essa era minha impresso , enquanto outros aludiam a um ou outro de

    meus pacientes provavelmente intrigados agora com por que tantas lgrimas, por que

    tantos rituais.

    Este livro foi para mim tanto uma aventura de autodescoberta quanto uma

    experincia profissional enriquecedora e desafiante. Ele expandiu minha capacidade de

    pensar e, assim, de falar e, ento, de observar e, ento, de agir e, portanto, de refletir a

    respeito de um dos temas universais da experincia humana. Eu no poderia desejar

    uma melhor jornada para o leitor.

    Carlos E.

    Sluzki, M.D.

    Chairman,Department of Psychiatry

    Berkshire Medical Center

    XIII

    Algumas Reflexes Pessoais sobre a Perda

    Ano passado foi o vigsimo aniversrio da morte de minha me. Seu

    falecimento, claro, no encerrou nosso relacionamento, e eu nunca deixei de sentir sua

    falta. Eu queria encontrar uma maneira significativa de comemorar sua perda. Seus dons

    de pianista e organista e o amor pela msica que tnhamos em comum me fizeram

    recordar os sinos do carrilho da Capela Rockefeller do meu campus na Universidade

    de Chicago. Marquei um concerto simples de sinos para a noite do aniversrio. Meu

  • marido, John, minha filha, Claire, e eu subimos at o topo da torre dos sinos, onde est

    o rgo do carrilho, e observamos a vista da cidade enquanto os sinos dobravam

    harmoniosamente no ar revgorante da noite.

    Eu no estava em absoluto preparada para a prolongada doena de minha me,

    que aconteceu em meados de meus 20 anos. Perfeitamente enquadrada na descrio de

    Erikson do adulto jovem normal, eu tinha sado de casa, estava desenvolvendo com

    sucesso minha prpria carreira e prestes a assumir o compromisso do casamento. Como

    muitos de meus pares, eu estava em um intenso programa de estudos de graduao, a

    2000 milhas da casa de meus pais. Somente mais tarde minha formao em

    desenvolvimento humano veio me proporcionar uma perspectiva normativa til dos

    imperativos inerentemente incompatveis do ciclo de vida (os quais descrevi em meu

    captulo sobre a vida adulta na obra As mudanas no ciclo de vida familiar. Porto

    Alegre: ArtMed, 1995). Naquela poca, meu conflito foi intensificado por minha

    conscincia e pelo comentrio de minha me de que eu estava muito ocupada como

    profissional ajudando famlias no setting clnico, mas sequer estava por perto quando

    minha prpria famlia precisava de apoio, conflito este agravado por minha posio de

    filha nica. Antes e depois da morte de minha me, fui elogiada por meus colegas de

    profisso e supervisores por minha fora, resilincia e bom funcionamento, pois

    no deixei de cumprir nenhuma das exigncias de meu prosso de formao. Meus

    novos sogros, impossibilitados de irem ao funeral e desejosos de nos poupar de uma

    interao dolorosa, nunca mencionaram a morte de minha me em nossos encontros.

    XV

    A negao de nossa cultura do impacto da perda, combinada com o mito de que

    os adultos jovens so desapegados de seus pais, contribuiu para a minimizao da

    importncia de minha ligao e minha perda. As questes no-resolvidas ficaram

    ocultas, emergindo em meus outros relacionamentos, at que resolvi ir em busca de meu

    prprio trabalho de famlia de origem, facilitado em parte por Jeanette Kranier e por

    muitas conversas com Monica sobre nossas famlias. A partir dessa experincia aprendi

    a aconselhar meus alunos e outros a reservarem um tempo em suas vidas frenticas e

    compromissos excessivos para o que pode ser a ltima oportunidade de passar algum

    tempo com um ente querido que est morrendo, ou, aps uma morte, a acharem tempo e

  • espao para o apoio familiar mtuo e a ateno pa suas prprias questes relativas

    perda.

    Minha experincia com a morte de minha me me ensinou a agir de forma

    diferente com relao a meu pai. Com o mpeto adicional do filme I Never Sang for

    my Father , mostrado em um Simpsio do Instituto da Famlia de Georgetow parei de

    adiar os esforos que sempre tinha querido fazer para melhorar nos relacionamento e

    conhec-lo melhor. A orientao valiosa de Murray Bowen uma viagem de uma ponta

    outra do pas com Monica prepararam o caminho. Meu relacionamento com ele tinha se

    aprofundado muito quando, alguns anos antes, ele tinha recebido um diagnstico de

    cncer e uma previso de apenas alguns meses de vida. Meu comprometimento no era

    menor a 1000 milhas de distncia, com um novo cargo de reitora, um casamento e um

    beb de 10 meses. Ironicamente, eu estava enfrentando a mesma situao de morte de

    um dos avs, coincidindo com o nascimento de um filho que Monica e eu tnhamos

    investigado em projetos de pesquisa clnica. Tnhamos observado o estresse inerente s

    tarefas conflitantes do ciclo de vida: cuidar de um pai que est morrendo e fazer seu luto

    justaposto s exigncias da maternidade e ao apego a um filho nascido na mesma poca.

    Em contraste com as famlias com bom funcionamento que vivenciavam uma perda e

    um nascimento coincidentes, as famlias mais disfuncionais no conseguiam fazer o

    luto. Quando me vi subitamente envolvida no mesmo dilema, a pesquisa reforou

    minha percepo da importncia crucial de dedicar ateno questes da perda,

    equilibrando os dois conjuntos de exigncias. Coloquei o trabalho de lado e mobilizei

    recursos em casa para poder ficar com meu pai, acompanhar suas hospitalizaes,

    desocupar seu apartamento e organizar seus pertences, coloc-lo em uma residncia

    com cuidados especializados e organizar seu funeral um conjunto exaustivo de

    desafios para uma filha nica sem parentes vvendo prximos. A certeza de que meu

    filho estava sendo bem cuidado em minha ausncia aliviou as dificuldades inerentes.

    Embora sofrendo com a perda de meu pai, e estava em paz com nosso relacionamento e

    grata por aqueles longos dias que passava sentada em silncio ao lado de sua cama.

    Fiquei triste, e at mesmo com raiva por algum tempo, porque o irmo de meu

    pai no veio v-lo em seus ltimos dias, nem me deu seu apoio. Mas depois me dei

    conta de que as sbitas palpitaes cardacas que o fizeram cancelar sua viagem (e

    desapareceram logo depois do funeral) devem ter expressado a dor em seu corao pela

    perda iminente do ltimo irmo que lhe restava, uma vez que o terceiro havia sido

  • assassinado a tiros, alguns anos antes, em um assalto empresa que ambos

    administravam juntos. Ainda mais insuportvel havia sido a recente doena e morte de

    sua jovem nora, com um impacto devastador sobre seu filho (um veterano do Vietn) e

    trs netos pequenos, que ele amava muito. Superamos tais problemas e renovamos

    nossa intimidade.

    XVI

    Minha filha aprendeu pela primeira vez sobre a morte e a perda na maravilhosa

    histria Cliarlottes Web, em uma fita de vdeo que ganhou de Monica, que sua

    madrinha, em seu quarto aniversrio. A histria, a que assistimos muitas, muitas vezes,

    motivou belas conversas a respeito da relao especial entre a aranha e o porco, a

    normalidade da morte no ciclo da vida, a tristeza da perda e a importncia de conservar

    as lembranas e formar novos laos.

    Tambem aprendi muito com todas as vezes em que eu mesma estive prxima da

    morte, forando-me a confrontar o terror de minha prpria mortalidade e me

    surpreendendo com uma maior (e, por vezes, desconfortvel) clareza de viso. Tais

    experincias, juntamente com a perda dos seres amados, fizeram-me mais consciente de

    quo precioso o tempo, aguaram meu sentido de prioridade, diminuram minha

    tolerncia a bobagens e catalisaram mudanas no curso de minha vida, afirmando

    valores e ligaes humanas mais profundas.

    Froma Walsh

    Embora fssemos irlandeses, minha famlia cresceu tentando ser WASP*(1) e,

    talvez por esta razo, parecia ter uma atitude sem frescuras, de evitao quanto

    morte. Quando eu estava no segundo grau, meu professor predileto morreu de

    melanoma. A famlia dele e a minha eram amigas ntimas, mas tnhamos recm nos

    mudado e por isso no fomos ao funeral. Eu no tive chance de elaborar essa

    experincia com a famlia dele, seus amigos e os meus. Em 1961, logo aps ter

    retornado de meu primeiro ano na faculdade, minha bab morreu, aps um derrame.

    Ningum tinha me contado que ela estava morrendo, e eu no cheguei a v-la antes de

    morrer. Ela tinha me criado desde o nascimento, tranado meu cabelo todos os dias,

    conhecido os segredos de minha infncia e me ensinado tudo o que sabia por 17 anos,

  • mas eu fui protegida de v-la antes de morrer. Seu funeral foi presidido por um padre

    que no a conhecia, e ns no fomos ao enterro. Por meses eu ficava imaginando que a

    via na rua. Somente visitei sua sepultura 27 anos depois, quando pedi que sua sobrnha

    me levasse at l e finalmente soube qual era seu nome do meio.

    Em abril de 1964, meu namorado da faculdade morreu em um acidente de carro.

    Seu melhor amigo e eu, ambos devastados pela experincia, decidimos no ir ao funeral

    ele foi sepultado muito longe, ns no conhecamos sua famifia e ningum nos

    estimulou a ir. Eu levei dois anos para ir. at sua cidade natal, de Allentown, na

    Pennsylvania, e visitar seu tmulo. Minha fantasia era de que eu ia encontrar um

    pequeno cemitrio rural e caminhar entre as lpdes at encontrar a dele. Mas eu no

    teria tanta sorte, o que descobri ao chegar l e me deparar com uma grossa lista

    telefnica com numerosas igrejas listadas.

    *(1) N.de T. . White Anglo Saxon Protestant: protestantes brancos e anglosaxes, a

    classe dominante nos Estados Unidos.

    XVII

    Telefonei para a me dele, que agiu como se estivesse me esperando o tempo

    todo e soubesse exatamente do que eu precisava. Ela veio ao meu encontro

    imediatamente e me mostrou o local do acidente no caminho at o cemitrio. Ela me

    contou a histria da morte dele e me deixou a ss por algum tempo em frente ao tmulo,

    antes de me levar para sua casa, onde conheci outros membros da famlia. Ela at

    mesmo se desculpou depois por no ter me preparado para o choque dc conhecer o

    irmo de meu namorado morto, que era extremamente parecido com ele. Essa

    experincia serviu para que eu elaborasse algo que tinha sido uma obsesso por dois

    anos. Dei-me conta da diferena crtica que faz sentir-se enlutado e compartilhar o luto.

    Quando minha av morreu, em 1966, s fui informada de seu falecimento duas

    semanas depois e, por isso, no fui ao funeral, apesar de morar muito prxima. Em

    maro de 1971, Mamie, minha tia favorita, morreu de velhice em uma clnica geritrica

    em Staten lsland. Ela tinha sido o Papai Noel da minha infncia, chegando para nos

    visitar com sacolas de livros e balas. Ela, mais do que ningum, era a historiadora da

    famlia. Ela nos falava de seus irmos Din, Tim, Tom, Dan e Jack, e principalmente de

  • meu av Neil. E ela nos contava a respeito de nossos muitos primos, que amava como a

    seus filhos, e sobre o que eles andavam fazendo. Ela tambm falava com freqncia de

    sua prpria morte, e sempre dizia: Quero que meu cortejo saia da Casey, e quero estar

    de culos, para poder ver quem vai estar l. Eu fui a primeira a chegar na casa

    funerria de Casey* (1) para o velrio. Ela no estava de culos, e pedi ao responsvel

    que os buscasse. Ela sabia como era importante que as pessoas viessem para

    compartilhar e fazer parte do luto. Era um pedido essencial, que devia ser honrado.

    Minha famlia parece ter mudado muito sua atitude em relao morte desde

    aqueles primeiros anos. Quando meu pai morreu, em 1978, compartilhei sua morte com

    minha me. Eu fiquei sozinha com ele durante as horas anteriores ao seu falecimento e,

    no momento de sua morte, quis certificar-me de que a janela estava aberta para que seu

    esprito pudesse sair, de acordo com a antiga superstio irlandesa. Minha me, minhas

    irms e os amigos da famlia estavam envolvidos em planejar uma despedida que

    refletisse o que ele significava para todos ns. As idias deste livro se desenvolveram

    em mim por 30 anos a partir dessas experincias formativas.

    Monica McGoldrick

    *(1) N. de T. Nos pases anglo-saxes, os el rios, so realizados em casas funerrias

    especializadas, e de l o fretro levado em cortejo para o cemitrio, diferentemente da

    tradio brasileira de velar o corpo nas capelas dos cemitrios.

    XVIII

    Sumrio

    1 A PERDA E A FAMILIA: UMA PERSPECTIVA SISTEMICA........................27

    Froma Walsh e Monica McGoldrick

    2 UM TEMPO PARA CHORAR: A MORTE E O CICLO DE VIDA

    FAMILIAR.....................................................................................................................56

    Monica McGoidrick e Frorna Walsh

    3 ECOS DO PASSADO: AJUDANDO AS FAMLIAS A FAZEREM O LUTO DE

    SUAS PERDAS............................................................................................................. 76

  • 4. A REAO DA FAMLIA MORTE ...............................................................105

    Murray Bowen

    5. O LUTO OPERACIONAL E SEU PAPEL NA TERAPIA FAMILIAR CONJUNTA

    ................................................................................................................118

    Norman L. Paul e George H. Grosser

    6. O LEGADO DA PERDA .......................................................................................129

    Monica McGoldrick

    7. OS ROTEIROS FAMILIARES E A PERDA ........................................................153

    John Byng-Hall

    8. AJUDANDO FAMLIAS COM PERDAS ANTECIPADAS............................. 166

    John S. Rolland

    9. A PERDA AMBGUA ...........................................................................................187

    Pauline Boss

    10. O LUTO EM DIFERENTES CULTURAS.........................................................199

    Monica McGoldrick, Rhea Almeida, Paulette Moore Hines, Elliott Rosen, Nydia Garcia

    Preto e Evellyn Lee

    11. OS RITUAIS E O PROCESSO DE ELABORAO.......................................229

    Evan Imber-Black

    12. NOVAS E ESTRANHAS FORMAS DE ABORDAR A CULPA.....................246

    David Epston

    13. SUICDIO DE ADOLESCENTES: A PERDA DA RECONCILIAO........263

  • Steven E . Gutstein

    14. PADRES INTERGERACIONAIS DE PERDA TRAUMTICA:

    MORTE E DESESPERO EM FAMLIAS DE DROGADICTOS........................ 282

    Sandra B. Coleman

    15. A MORTE NA FAMLIA DO TERAPEUTA ...................................................295

    Betty Carter

    NDICE REMISSIVO ................................................................................................307

    Introduo

    O tema da morte o ltimo tabu no campo da terapia de famlia. Nossa teoria,

    pesquisa e prtica confrontararn problemas intimidantes como a esquizofrenia, o abuso

    de substncias, a violncia familiar e o incesto, e, ainda assim, raramente abordamos o

    tpico da perda. De todas as experincias da vida, a morte impe os desafios adaptativos

    mais dolorosos para a famlia como sistema e para cada um de seus membros

    individualmente, com ressonncias em todos os seus outros relacionamentos. A negao

    da morte em nossa sociedade aumenta esta dificuldade. A sociedade americana lida

    muito mal com a morte, negando seu impacto, removendo os moribundos de seus lares

    e comunidades e no sendo capaz de ofercer suportes culturais para ajudar as famlias

    em seu processo de adaptao perda. Ao mesmo tempo, os avanos da Medicina cada

    vez mais colocam as famlias frente a decises sem precedentes relativas vida e

    morte. Apesar disso, o campo da terapia familiar, assim como o da sade mental e a

    sociedade mais ampla na qual esto inseridos, tm dedicado escassa ateno perda.

    Curiosamente, at a publicao deste livro, no havia um nico livro sobre o

    impacto da morte na famlia em toda a literatura especializada, ou, de forma mais

    ampla, no campo da sade mental.*(1) Os poucos artigos de orientao sistmica que

    contribuem para nosso entendimento da perda esto espalhados em jornais e textos com

    mltiplos tpicos, no sendo vistos nem integrados pela maior parte dos estudantes e

  • profissionais de terapia familiar. Nas disciplinas de sade mental e cincias sociais, a

    ateno morte e ao luto carece de uma perspectiva sistmica, e a famlia vista como

    um pano de fundo que estimula ou dificulta a recuperao dos indivduos frente perda.

    Devido a este foco to estreito no indivduo que sofre e em sua relao direta com o

    membro da famlia falecido, o impacto familiar da perda deixa de ser investigado,

    incluindo os efeitos imediatos e de longo prazo sobre os pais, os filhos,os irmos, a

    famlia extensa e outros que podem at mesmo no ter conhecido o morto, mas que so

    tocados por suas relaes com os sobreviventes.

    *(1) Enquanto este livro eslava sendo impresso, foi publicado excelente texto de Elliott

    Rosen sobre famlias que enfrentam doenas terminais, intitulado families facing death:

    family dynamics of terminal illness.

    XXI

    Alm disso, a teoria e a prtica tm se fundamentado em premissas suposies

    no comprovadas a respeito do luto normal, em contraste com o anormal,

    patologizando as experincias que no se encaixam nos padres do primeiro.

    necessrio que reconheamos a importncia dos processos familiares na mediao do

    impacto da perda, na promoo do controle e do crescimento ou na contribuio para a

    disfuno. Este entendimento requer a valorizao da diversidade nas respostas

    individuais, familiares e culturais perda.

    Alm disso, a teoria e a pesquisa sobre o desenvolvimento tm se concentrado

    predominantemente nas conseqncias da perda dos pais na infncia (principalmente a

    da me, havendo uma tendncia a ignorar a perda do pai). A perda de um dos pais ou de

    um irmo na vida de um adulto jovem permanece particularmente inexplorada.

    Precisamos examinar o impacto diferencial da perda nos vrios estgios do ciclo de vida

    da famlia, para membros em diversos papis e relacionamentos e para a famlia como

    unidade funcional.

    Embora a teoria dos sstemas familiares tenha introduzido um novo paradigma

    para o entendimento da rede de relaes na famlia, o impacto sistmico da perda

    permaneceu em grande parte inexplorado. Com a ascendncia dos modelos estruturais e

    estratgicos de terapia familiar, a ateno passou a concentrar-se nos processos

  • transacionais do aqui e agora, e nas co-construes da realidade. O fato inescapvel

    da morte, as relaes com os membros mortos ou moribundos e suas ressonncias

    atravs do sistema como um todo ficaram de fora do quadro das investigaes e

    observaes. Jay Haley expressou-se sucintamente: Eu no acredito em fantasmas.

    Mesmo quando a importncia de uma morte especfica notada, nossa teoria carece de

    um referencial para compreender o impacto devastador que certas perdas podem ter nos

    processos familiares, e confere pouco sentido aos problemas que podem surgir pela

    incapacidade de uma famlia de fazer o luto de suas perdas.

    Somente uns poucos pioneiros da terapia familiar abordaram o impacto familiar

    da perda. H 25 anos, Norman Paul descreveu pela primeira vez os efeitos do luto nao

    resolvido sobre os outros relacionamentos, especialmente na disfiino conjugal.

    Murray Bowen, aproximadamente na mesma poca, chamou a ateno para o impacto

    perturbador da morte ou da ameaa de perda no equilbrio funcional de uma famlia,

    descrevendo a onda de choque emocional que reverbera por todo o sistema familiar por

    muito tempo aps a perda de um membro importante.

    Nosso interesse no tema da perda e o desenvolvimento deste livro caminham

    paralelamente ao crescimento de nossa relao como amigas e colegas por mais de 20

    anos. No incio dos anos 70, envolvidas em projetos separados de pesquisa familiar em

    diferentes partes do pas, compartilhvamos nossos insights e hipteses a respeito dos

    padres intergeracionais de luto no resolvido que observvamos no trabalho com

    famlias de pacientes esquizofrnicos, com outros distrbios graves e com famlias de

    filhos normais. Ao longo dos anos, influenciadas pelas idias seminais de Paul e Bowen

    sobre a perda e pelos trabalhos de muitos dos que contriburam para este livro,

    continuamos a discutir nossos casos clnicos e de pesquisa, assim como a avanar

    nossas prprias formulaes e intervenes sistmicas.

    XXII

    Recentemente, tem ocorrido um grande nmero de progressos na teoria, na

    pesquisa e na prtica clnica em torno da perda nas famlias, mas com pouco contato

    entre os inovadores. Para reunir os lderes de nosso campo para uma troca frutfera, ns,

    juntamente com Norman Paul, organizamos um Colquio Internacional sobre a Perda e

    a Famlia em julho de 1988, em Ballymaloe, na Irlanda. Foi uma reunio

  • excepcionalmente estimulante. Entre muitas apresentaes de especialistas, ns (Monica

    e Froma) decidimos trazer nosso dilogo para um nvel mais pessoal. Em vez de

    apresentarmos nossos trabalhos, decidimos usar nosso tempo para explorarmos nossa

    prpria mortalidade. Pedimos aos participantes, organizados em pequenos grupos, para

    se concentrarem no seguinte: explorem suas fantasias e temores a respeito de suas

    prprias mortes. Considerem as seguintes perguntas: Quanto tempo voc espera viver?

    Como voc imagina sua morte? Que tipo de ritos funerrios voc gostaria que fossem

    realizados quando voc morrer? Que heranas voc deixaria? A experincia foi

    extraordinariamente significativa. Ao confrontarmos as questes universais da

    mortalidade e da perda, a hierarquia e as fronteiras comumente construdas entre o

    especialista e o cliente/paciente/ famlia se apagaram. Mais do que isso, fomos

    todos tocados pelo poder dos legados de perda em nossas prprias famlias e ambientes

    culturais, e pela relevncia de diferentes questes, dependendo de nossos estgios no

    ciclo de vida familiar.

    A Conferncia internacional sobre a Perda galvanizou nosso interesse comum no

    desenvolvimento de um livro a respeito da perda desde uma perspectiva sistmica.

    Como a conferncia, a idia deste livro foi gerada por um mpeto de reunir os melhores

    trabalhos na rea da perda e famlias, incluindo artigos clssicos de Paul e Bowen

    publicados h muito tempo, e trabalhos novos que representam o que h de mais

    inovador no desenvolvimento da teoria, na pesquisa e na prtica clnica. Embora quase

    todos os autores deste livro tenham apresentado seus textos na Conferncia

    Internacional da Irlanda, ele no uma compilao dos trabalhos do congresso ou de

    seus desdobramentos, os quais teriam produzido um tomo volumoso. Tentamos

    selecionar as idias sistmicas mais importantes e os esforos de pesquisa mais

    relevantes para a prtica clnica.

    Este livro o primeiro a examinar o impacto da perda sobre o sistema familiar e

    a considerar tanto os processos normativos como os disfuncionais em relao a cada

    passagem no ciclo da vida das famlias e a seu contexto cultural. Embora muito j tenha

    sido escrito sobre a perda com um foco individual ou dual, os textos desta obra

    examinam a perda enquanto um fenmeno familiar multifacetado propagando-se por

    todo o mbito familiar e transmitindo-se para a prxima gerao.

    Os captulos deste livro, embora abordem aspectos diferentes da perda, tem em

    comum uma perspectiva sistmica, com certas premissas bsicas. A famlia vivencia e

  • reage perda como um sistema de relaes, no qual todos os membros participam de

    interaes mutuamente reforadoras. A perda tem

    XXII

    implicaes para como a famlia vai se adaptar a experincias posteriores e para

    indivduos no diretamente relacionados ao membro que morreu. Os padres postos em

    ao quando da morte de um membro da famlia tm tanto um impacto imediato como

    ramificaes a longo prazo no desenvolvimento familiar, no curso do ciclo de vida e por

    muitas geraes.

    Nosso interesse no impacto familiar da perda reflete uma perspectiva evolutiva

    multigeracional. Mais do que entender os eventos que cercam uma morte como causas

    patolgicas de distrbios, ns os vemos como transies normativas no ciclo de vida

    familiar, que carregam um potencial de crescimento e desenvolvimento, bem como de

    perturbaes momentneas ou disfunes a longo prazo. Entendemos que a resposta

    familiar perda to crtica na adaptao quanto morte. As famlias influenciam o

    modo como o evento vivenciado e seus reflexos a longo prazo. Concentrando-se nos

    processos familiares, os clnicos podem promover uma adaptao saudvel perda e

    fortalecer a unidade familiar para enfrentar os outros desafios da vida. Tendo em

    comum uma perspectiva multigeracional da perda, tomamos o cuidado de dedicar

    ateno aos legados das perdas passadas no sistema familiar em todas as avaliaes e

    intervenes clnicas. Igualmente importante o fato de nossa considerao da perda

    levar em conta a diversidade cultural nos processos de luto.

    Neste livro, os autores trazem reas especiais de conhecimento e uma variedade

    de abordagens de interveno para lidar com diversas questes relevantes para os

    profissionais, tais como o suicdio de adolescentes, as heranas intergeracionais e a

    morte na famlia do terapeuta. A perda de um filho, de um dos pais, de um cnjuge e de

    um irmo explorada. Diretrizes e tcnicas clnicas teis so oferecidas para a avaliao

    e interveno com famlias que antecipam uma perda, para aquelas recentemente

    enlutadas e para membros de famlias que vivenciam complicaes de longo prazo.

    Nos captulos 1 e 2, Froma Walsh e Monica McGoldrick apresentam uma

    orientao sistmica e uma perspectiva do ciclo de vida sobre a perda. No captulo 3,

    Monica McGoldrick elabora diretrizes para a avaliao e a interveno clnicas

    produzidas a partir deste referencial em seu trabalho com a perda. Os captulos 4 e 5

    apresentam as idias fundamentais de Murray Bowen e Norman Paul em seus agora

    clssicos artigos iniciais. No texto seguinte, Monica McGoldrick oferece uma

  • explicao fascinante dos legados multigeracionais da perda em diversas famlias

    proeminentes. A seguir, John Byng-Hall, cujo persistente trabalho sobre os processos de

    transmisso intergeracional foi de grande interesse para ns duas, propicia um rico

    exemplo de seu trabalho clnico sobre os roteiros familiares e a perda. Tambm

    influenciado pelo conceito de roteiros em seu trabalho a respeito dos sistemas de

    crenas das famlias, John Rolland contribui com um texto sobre o tpico negligenciado

    da perda antecipatria, baseado em seu modelo evolutivo dos sistemas familiares com

    doenas crnicas e fatais. Intimamente relacionada a isto est a situao de perda

    ambgua, descrita no artigo seguinte por Pauline Boss, cujas pesquisas representam um

    marco no delineamento dos efeitos prejudiciais da ambigidade que cerca a perda no

    funcionamento familiar e o controle das experincias de perda.

    XXIV

    O importante tema da diversidade cultural do luto requer muitas perspectivas.

    Monica e suas colegas Nydia Garcia-Preto, Paulette Moore Hines, Evelyn Lee, Rhea

    Almeida, juntamente com Elliott Rosen, resumem seu trabalho sobre as diferenas

    culturais nas crenas a respeito da perda e nas prticas de luto. A seguir, Evan Imber-

    Black aplica suas ricas idias sobre a importncia dos rituais que marcam as transies

    familiares para os problemas especficos da perda. Depois. David Epston, que trabalha

    em freqente colaborao com Michael White, nos estimula com suas intervenes

    inovadoras sobre a perda a partir de sua perspectiva comum de recriao das narrativas

    familiares.

    Steven Gutstein oferece uma abordagem criativa e efetiva da rede familiar no

    suicdio de adolescentes, um tema no qual tem trabalhado por muitos anos. O captulo

    de Sandra Coleman apresenta uma perspectiva de suas importantes pesquisas, em

    conjunto com vrios colegas ao longo dos anos, que investigam os padres

    intergeracionais traumticos de perda em famlias de usurios de substncias e sua

    ligao com o comportamento autodestrutivo da adio. Finalmente, guardamos para o

    final um maravilhoso texto de Betty Carter, apresentado em um Simpsio de

    Georgetown h muitos anos, que relata seus esforos para lidar com questes de sua

    famlia de origem em torno da morte iminente de seu pai.

    Este livro pretende proporcionar um texto til para profissionais que trabalham

    com membros de famlias lidando com a ameaa da perda, com as conseqncias

    imediatas de uma morte e com os efeitos a longo prazo de uma perda passada. A

    perspectiva e as intervenes familiares sistmicas com a perda devem se mostrar

  • valiosas na formao e na prtica de uma grande gama de profissionais, incluindo (1)

    terapeutas de famlia, assistentes sociais, psiclogos e psiquiatras; (2) mdicos de

    famlia, enfermeiras e outros profissionais de sade que trabalham em hospitais, asilos e

    ambulatrios; (3) religiosos, conselheiros pastorais e pessoal de casas funerrias. Ele

    tambm vai servir apropriadamente como um texto bsico para cursos universitrios que

    abordem a morte, o morrer e o impacto da perda.

    Existem sinais de que nossa sociedade e nosso campo de atuao esto

    comeando a confrontar questes familiares cruciais a respeito da morte e da perda. Este

    livro no apenas oportuno; a investigao destas questes j devida h muito tempo.

    O medo da morte o nosso terror mais profundo, e a morte de um ente querido nossa

    tristeza mais profunda. Devemos desafiar o tabu que silenciou o campo da terapia de

    famlia e os outros profissionais em torno do tema da morte, obscurecendo nosso

    reconhecimento das questes da perda e bloqueando nossa comunicao com as

    famlias e nossa capacidade de ajud-las. Esperamos que este livro sirva para quebrar

    este ltimo tabu.

    XXV

    1. A Perda e a Famlia:Uma Perspectiva Sistmica

    FROMA WALSH e MONICA MCGOLDRICK

    Por toda a histria e em todas as culturas, os rituais de luto facilitaram no

    apenas a integrao da morte, mas tambm as transformaes dos sobreviventes. Cada

    cultura, a seu modo, oferece assistncia comunidade dos sobreviventes para que sigam

    adiante com suas vidas. Em Hong Kong, quando as pessoas deixam um funeral chins,

    elas recebem um envelope contendo trs itens: um pedao de pano branco, para secar as

    lgrimas; uma bala, para lembr-las da doura da vida e para ser dividida com outros

    sobreviventes; e uma moeda, como smbolo do antigo costume de reembolsar parentes e

    amigos pela viagem para o funeral, para que eles no sofressem ainda mais perdas.

    A partir de uma perspectiva familiar sistmica, a perda pode ser vista como um

    processo transacional que envolve o morto e os sobreviventes em um ciclo de vida

    comum, que reconhece tanto a finalidade da morte como a continuidade da vida. Atingir

    o equilbrio neste processo a tarefa mais difcil que uma famlia deve enfrentar em sua

    vida. Este captulo vai apresentar uma viso sistmica da perda, considerando o impacto

    da morte de uma pessoa sobre a famlia enquanto unidade funcional, com ressonncias

    imediatas e de longo prazo para cada um de seus membros e para todos os

    relacionamentos. Embora reconheamos a diversidade das respostas culturais,

  • individuais e familiares perda (ver McGoldrick, Almeida, Hines, Preto, Rosen & Lee,

    captulo 10), consideramos os processos familiares como determinantes cruciais da

    adaptao saudvel ou disfuncional perda. Vamos identificar as principais tarefas

    familiares que, em nossa experincia, promovem o processo de elaborao da perda e

    retomada da vida. Vamos examinar variveis cruciais que podem tanto facilitar a

    adaptao ou complicar o processo e contribuir para disfunes imediatas ou a longo

    prazo. Estes fatores dizem respeito forma da morte, famlia e rede social, ao

    momento da perda no ciclo da vida familiar e ao contexto sociocultural da perda.

    Nas sociedades ocidentais antes do presente sculo, as pessoas morriam em casa

    e mesmo as crianas no eram protegidas da viso e dos cheiros da morte.

    27

    Como ainda prevalece nas comunidades pobres do mundo todo, as famlias

    tinham que lidar com a precariedade da vida, com a morte que atingia tanto os jovens

    quanto os idosos. Com as altas taxas de mortalidade para bebs, crianas e mulheres

    durante o parto, juntamente com uma expectativa de vida muito mais baixa (em mdia

    47 anos em 1900, nos EUA), era raro crescer sem vivenciar uma morte na famlia

    imediata. A morte de um dos pais muitas vezes desfazia as famlias nucleares e as

    reorganizava de outras formas, produzindo redes complexas de relaes completas, de

    meio parentesco e de parentesco no-sangneo, alm de vastos sistemas de parentesco

    extensos (Scott & Wishy, 1982).

    Portanto, a nostlgica imagem americana da famlia normal como intacta um

    mito (Walsh, 1983a); nossa negao da morte contribui para sua manuteno. Em nosso

    tempo, passamos a esconder a morte, tornando o processo de adaptao perda ainda

    mais difcil. Em contraste com as culturas tradicionais, nossa sociedade carece de

    suportes culturais para ajudar as famlias a integrarem o fato da morte vida que

    continua (Aries, 1974, 1982; Becker, 1973; Mitford, 1978). As distncias geogrficas

    separam os membros das famlias nos momentos de morte e de morrer. A prtica e a

    tecnologia mdica complicaram o processo, removendo a morte da realidade cotidiana,

    ao mesmo tempo em que confrontam as famlias com decises sem precedentes

    relativas a prolongar ou terminar a vida. Mais recentemente, as famlias comearam a se

    organizar em esforos para resgatar para si o processo do morrer.

    A morte, obviamente, no a nica perda. A separao conjugal ou o divrcio, a

    troca de emprego ou casa, a diminuio do funcionamento em decorrncia de uma

    doena crnica ou o nascimento de um filho deficiente tambm envolvem perdas,

  • inclusive as de nossos sonhos e expectativas. Qualquer mudana em nossas vidas,

    incluindo aquelas desejadas, como o casamento ou a aposentadoria, requer uma perda.

    Levemos desistir ou alterar certas relaes, papis, planos e possibilidades para termos

    outras. E todas as perdas requerem um luto, que reconhea a desistncia e transforme a

    experincia, para que possamos internalizar o que essencial e seguir em frente.

    Qualquer que seja a forma e as circunstncias, o luto deve ser experimentado.

    Investigaes recentes feitas por Wortman e Silver (1989) e sua anlise de um amplo

    campo de pesquisas confirmam que as respostas de luto variam enormemente. Ao

    mesmo tempo, estudos epidemiolgicos descobriram que a morte de um membro da

    famlia aumenta a vulnerabilidade doena e morte prematura dos membros

    sobreviventes da famlia (Osterweis, Solomon & Green, 1984), em especial para

    cnjuges vivos ou pais que perderam um filho recentemente (Huygen, van de Hoogen,

    van Eijk & Smits, 1989). Alm disso, as crises evolutivas da famlia foram ligadas ao

    aparecimento de sintomas em um de seus membros (Hadley, Jacob, Mliones, Caplan &

    Spitz, 1974). Em vista das profundas conexes entre OS membros de uma famlia, no

    surpreendente que o ajustamento perda por morte seja considerado mais difcil do que

    qualquer outra mudana na vida (Holmes & Rahe, 1967).

    Contudo, em nossa reviso da vasta literatura clnica e de pesquisa a respeito da

    perda, impressionou-nos a negligncia com o foco familiar. Houve

    28

    contribuies importantes para nosso entendimento do processo de morrer (Kbler-

    Ross, 1969; Worden, 1982), e esforos para distinguir entre o luto normal e o

    patolgico nos sobreviventes individuais, desde o tratado de Freud sobre o luto e a

    melancolia (1917) at os inovadores estudos de I3ecker (1973), Bowlby (1961, 1980),

    Engel (1961, 1975), Glick, Weiss e Parkes (1974), Lindemann (1944), Parkes (1972,

    1975) e Pollock (1961). Entretanto, particularmente nas contribuies com uma

    perspectiva psicanaltica, a considerao da famlia ficou estreitamente limitada

    relao dual entre um indivduo sintomtico e o parente morto (por exemplo, Pinkus,

    1974; Schiff, 1977; Viorst, 1986). No melhor dos casos, observada a reao de outros,

    solidrios ou no, experincia desta pessoa enlutada (por exemplo, Wortman & Silver,

    1989). Supe-se que os membros assintomticos da famlia estejam se ajustando

    normalmente, sem uma avaliao do sistema de interao. Alm disso, a teoria e a

    pesquisa sobre o desenvolvimento, concentradas predominantemente nos efeitos da

  • perda dos pais na infncia para o desenvolvimento individual (por exemplo, Furman,

    1974), negligenciaram o impacto da perda nos diferentes estgios do ciclo de vida

    familiar, para vrios membros e para a famlia como uma unidade funcional (ver

    McGoldrick & Walsh, captulo 2).

    De modo geral, o campo da sade mental falhou em apreciar o impacto da perda

    sobre a famlia como um sistema de interao. Uma resposta individual que pude ser

    funcional ou disfuncional para uma pessoa tem conseqncias para os outros

    membros da famlia e relacionamentos que s podem ser apreciadas atravs de um

    exame do sistema. Uma ateno insuficiente tem sido dada aos efeitos imediatos e de

    longo prazo para os irmos, pais, filhos e para a famlia extensa. Os legados da perda

    encontram expresso em padres continuados de interao e influncia mtuas entre os

    sobreviventes e entre as geraes (ver McGoldrick, captulo 6). A dor da morte toca

    todas as relaes dos sobreviventes com os outros, alguns dos quais podem nem mesmo

    ter conhecido a pessoa que morreu.

    UMA PERSPECTIVA SISTMICA DA PERDA

    notvel que em toda a literatura do campo da terapia de famlia no haja um

    nico livro sobre a perda. Embora a teoria dos sistemas familiares tenha introduzido um

    novo paradigma para o entendimento das relaes familiares, o significado particular da

    perda foi abordado por apenas alguns tericos sistmicos, mais notavelmente Murray

    Bowen e Norman Paul. Em seu clssico trabalho de 1976 (captulo 4 deste volume),

    Bowen afirmou de forma ousada sua posio sobre o papel da morte nas famlias, um

    tema sobre o qual ele j pensava h 30 anos:

    O pensamento direto a respeito da morte, ou o pensamento indireto a respeito de

    manter-se vivo e evitar a morte, ocupa mais do tempo do homem do que qualquer outro

    tema O principal entre todos os temas tabus a morte. Uma grande porcentagem das

    pessoas morre s, presa em seus prprios pensamentos,

    29

    que no podem comunicar para os outros. Existem a pelo menos dois processos em

    operao. Um o processo intrapsquico do self, o qual sempre envolve alguma

    negao da morte. O outro o sistema fechado de relaes: as pessoas no podem

    comunicar os pensamentos que tm, para no incomodarem a famlia ou os outros.

    Bowen descreveu o impacto perturbador da morte ou da ameaa de perda sobre

    o equilbrio funcional de uma famlia, entendendo a intensidade da reao emocional

    enquanto governada pelo nvel de integrao emocional da famlia no momento da

  • perda e pela importncia funcional do membro perdido. Uma famlia mais integrada

    pode mostrar mais reaes explcitas no momento, mas se adaptar rapidamente, em

    contraste com uma famlia menos integrada, que pode demonstrar pouca reao

    imediata mas responder posteriormente com problemas fsicos ou emocionais. Bowen

    descreveu a onda de choque emocional que pode reverberar por todo o sistema familiar

    muito depois da perda de um membro importante da famlia:

    [Uma] rede de tremores secundrios subterrneos pode ocorrer em qualquer

    ponto do sistema familiar extenso nos meses ou anos que seguem a eventos emocionais

    srios em urna famlia. Ela ocorre mais freqentemente aps a morte ou a ameaa de

    morte de um membro significativo da famlia, mas pode ocorrer aps outros tipos de

    perda. Ela no est diretamente relacionada s reaes usuais de sofrimento ou luto das

    pessoas prximas quela que morreu. Ela opera em uma rede subterrnea de

    dependncia emocional entre os membros da famlia. A dependncia emocional

    negada, os eventos srios aparentam no ser relacionados, a famlia procura camuflar

    qualquer conexo entre os eventos e h uma vigorosa reao de negao emocional, na

    qual ningum tenta relacionar os eventos entre si.

    Bowen sustentava que o conhecimento da onda de choque oferece informaes

    vitais para a terapia, sem as quais a seqncia de eventos pode ser tratada como

    desconectada. Da mesma forma, ele considerava essencial avaliar a configurao

    familiar total, a posio de funcionamento do membro morto ou prestes a morrer e o

    nvel geral de adaptao da famlia vida, para ajudar seus membros antes ou aps uma

    morte.

    Normal Paul foi o outro pioneiro da terapia de famlia a reconhecer o impacto

    profundo da perda nas famlias (Paul, 1967, 1980; Paul & Grosser, 1965; ver captulo

    5). Paul descobriu que, independentemente da averso morte e ao sofrimento, sua

    fora ser expressa de qualquer maneira. O sofrimento pela perda de um pai, irmo por

    outro membro importante da famlia, quando no reconhecido e no recebe a devida

    ateno, pode precipitar a rejeio do cnjuge ou de um filho. Isto pode ocorrer logo

    aps ou muito tempo depois da perda, como quando uma criana alcana a idade que o

    pai tinha no momento em que ela ocorreu. Em alguns casos, o trauma do sofrimento

    pode bloquear a intimidade ou interferir no comportamento sexual, sob a forma de

    retrao ou disfuno sexual, casos extraconjugais ou mesmo envolvimento

    30

  • incestuoso (Paul & Paul, 1982, 1989). Ele v a tarefa teraputica como a de trazer o

    sofrimento abortado tona, para que ele possa ser elaborado como parte da experincia

    normal de vida da famlia. Com Betty Paul, sua valiosa colaboradora, Norman Paul

    devotou sua carreira clinica ao desenvolvimento de formas de confrontar o luto no

    reconhecido e lidar com seus efeitos nos relacionamentos subseqentes. Suas maiores

    inovaes foram com as confrontaes e replay com fitas de udio e vdeo, e com

    projees justapostas da imagem de um cliente com uma foto de um pai morto. Em

    confrontaes cruzadas, gravaes de experincias de terapia com alta carga emocional

    de outras famlias proporcionam uma sano para que as famlias considerem e

    compartilhem seus prprios sentimentos inacessveis ou inaceitveis de perda. Outros

    estmulos estressores, como poemas, cartas, clips de filmes ou literatura, podem ser

    usados para trazer os sentimentos dolorosos para a superfcie (Paul, 1976; Paul & Paul,

    1982, 1989). Tanto Bowen quanto Paul, em abordagens teraputicas diferentes,

    enfatizaram a importncia de aceitar a perda e modificar os padres associados a ela.

    A despeito destes avanos inovadores, houve poucas contribuies para a

    literatura familiar com uma viso sistmica da perda. Herz (1980, 1989) ampliou as

    idias de Bowen, discutindo fatores-chave para a adaptao familiar. Ns mesmas

    articulamos uma perspectiva sistmica da histria e da perda (McGoldrick & Walsh,

    1983), bem como os padres normativos e as complicaes da morte em diferentes fases

    do ciclo da vida (Walsh & McGoldrick, 1987; ver captulo 2). Contudo, poucos

    pesquisadores trouxeram uma perspectiva sistmica para o estudo da morte e da perda,

    especialmente Coleman e Stanton sobre o luto no resolvido em famlias de usurios de

    drogas (Coleman & Stanton, 1978; Stanton, 1977; ver Coleman, captulo 14). Apenas

    uns poucos trabalhos clnicos em publicaes sobre a famlia abordaram as ramificaes

    sistmicas da perda, notadamente os artigos de Welldon (1971), Howe e Robinson

    (1975), Wihiamson (1978), Reily (1978), Hare-Mustin (1979) e Kuhn (1981). Um livro

    til para famlias que enfrentam uma morte iminente acaba de ser publicado por Rosen

    (1990).

    Em nossa viso, a desateno da terapia familiar perda anda de mos dadas

    com a negao da morte em nossa cultura (Becker, 1973; McGoldrick & Walsh, [983).

    Ambas so problemticas para as famlias que lidam com uma perda. Como nossa

    sociedade trata o sofrimento como um assunto particular, os clnicos, assim como os

    outros de fora da famlia, tendem a evitar fazer perguntas a respeito do impacto da

    perda, reforando a comunidade invisvel dos enlutados (Rosaldo, 1989). Paul

  • comentou sobre a relutncia dos terapeutas, bem como a dos clientes, em confrontarem

    o tpico da perda:

    De todos os diferentes tpicos considerados representativos dos processos

    familiares normais, aquele que vivenciado como o menos normal e o mais anormal o

    processo de luto. O problema aqui que ele geralmente considerado normal na

    literatura, mas encontra resistncia consciente e inconsciente quando realmente ocorre

    em uma pessoa. O principal paradoxo que, embora exista

    31

    uma constante sombra de morte na vida de todos, todos esto alimentando a idia de sua

    prpria imortalidade. (Paul & Paul, 1982, p. 229)

    Paul adverte que a averso de um clnico morte e ao sofrimento pode

    prejudicar sua capacidade de diagnosticar e tratar um problema sistmico familiar

    corretamente enquanto ligado ao luto, resultando em uma concentrao pouco til em

    sintomas secundrios.

    A negligncia da perda na terapia de famlia foi aumentada pela ciso que

    ocorreu no desenvolvimento do campo a respeito da importncia relativa do indivduo

    versus o sistema familiar, do contedo versus o processo, e da histria versus o

    aqui-e-agora para o entendimento e o tratamento das disfunes familiares (Madanes &

    Haley, [977). Com a mudana paradigmtica para uma orientao sistmica, o foco

    sobre o indivduo, as questes de contedo e as influncias do passado passou a ser

    considerado por muitos como no-sistmico e associado a modelos tradicionais de

    psicoterapia mais reducionistas (Fisch, Weakland & Segel, 1982). A medida que os

    terapeutas estratgicos e estruturais deslocaram seu foco para os padres

    organizacionais e processos de comunicao da famlia que podiam ser observados na

    interao corrente, as questes de perda foram consideradas insignificantes para o

    entendimento da manuteno do problema e irrelevantes para a mudana do sistema. A

    perda era repudiada Como sendo meramente urra questo de contedo, envolvendo

    sentimentos e reaes intrapessoais a eventos, particularmente no passado; por isso, era

    relegada ao domnio da psicanlise. Mais recentemente, os tericos construtivistas

    desvalorizaram ainda mais o significado dos eventos vitais (presumivelmente incluindo

    a morte) argumentando que a realidade nunca pode ser conhecida, que todas as

    experincias so co-construdas subjetiva- mente e que, portanto, qualquer tentativa de

    descobrir ocorrncias factuais equivocada e irrelevante para as vises atuais (ver

    Hoffman, 1990).

  • Infelizmente, estas falsas polarizaes impediram muitos de apreciar a

    importncia crtica da perda para as famlias e para a terapia de famlia. Quando a

    avaliao e a interveno clnicas esto limitadas aos padres transacionais existentes

    entre os membros presentes em uma entrevista ou que vivem sob o mesmo teto num

    dado momento, as relaes que foram perdidas (passado) ou as ameaas de perda

    (futuro) permanecem fora de considerao, embora possam ter uma influncia direta nas

    perturbaes atuais da famlia. A perda no simplesmente um evento discreto; ao

    contrrio, ela envolve um processo transacional ao longo do tempo, com a abordagem

    da morte em suas conseqncias. A perturbao individual aps uma perda no se deve

    somente ao sofrimento, mas tambm resultado de mudanas no realinhamento do

    campo emocional da famlia (Kuhn, 1981). A perda modifica a estrutura familiar e

    geralmente requer a reorganizao do sistema como um todo. Talvez o mais importante,

    o sentido de uma morte especfica e das respostas individuais a ela sejam moldados pelo

    sistema de crenas da famlia, o qual, por sua vez, modificado por todas as

    experincias de perda (Reiss & Oliveri, 1980). Se quisermos apreciar a diversidade e a

    complexidade dos processos de perda, precisamos atentar para o interjogo dos

    indivduos em seus contextos familiar e social;

    32

    para o processo ( o contedo, para a histria, bem como para o aqui-e-agora e para as

    circunstncias factuais de uma morte bem como para seu significado para a famlia.

    Para ajudar as famlias frente perda, os terapeutas devem reavaliar a histria

    familiar, substituindo as premissas deterministas de causalidade por uma perspectiva

    evolucionista. Assim como o contexto social, o contexto temporal oferece uma matriz

    de sentidos na qual se insere todo o comportamento. Embora uma famlia no possa

    mudar seu passado, as mudanas no presente e no futuro ocorrem em relao a ele. De

    fato, como comentou Hoffman (1981),

    Um problema pode permanecer congelado at que os padres ligados ao seu

    estabelecimento original sejam modificados. O uso de Bowen da histria sugere

    enfaticamente que no o revisitar do passado, mas o refazer do presente, o que conta.

    (p. 249)

    Ns propomos que as famlias precisam estar em equilbrio ou em harmonia com

    seu passado, no em uma luta para recaptur-lo, escapar dele ou esquec-lo. Vemos a

    terapia como um auxlio s famlias para que recuperem seu senso de continuidade e

    movimento desde o passado em direo ao futuro.

  • Elas podem fazer isso modificando as crenas inseridas em suas vises do

    passado que as impedem de progredir. Ajud-las a reconstruir sua histria e colocar suas

    perdas em uma perspectiva mais funcional uma parte essencial para ajud-las a mudar

    suas relaes com o passado e o futuro.

    ADAPTAO FAMILIAR PERDA

    O modelo do ciclo de vida familiar de Carter e McGoldrick (1989) oferece um

    referencial que leva em considerao as influncias recprocas de diversas geraes

    medida que elas avanam no tempo e se aproximam e reagem perda (ver McGoldrick

    & Walsh, captulo 2). A morte traz desafios adaptativos comuns, exigindo uma

    reorganizao imediata e a longo prazo e mudanas nas definies de identidade e

    objetivos da famlia. A capacidade de aceitar a perda est no mago de todas as

    habilidades dos sistemas familiares saudveis, em contraste com as famlias

    severamente disfuncionais, que demonstram padres de m adaptao ao lidarem com

    perdas inevitveis, unindo-se na fantasia e na negao para desfocar a realidade e

    insistir na atemporalidade e na perpetuao de laos nunca desfeitos (Lewis, Beavers,

    Gossett & Phillips, 1976).

    Adaptao no significa resoluo, no sentido de uma aceitao completa e

    definitiva da perda. Ao contrrio, ela envolve a descoberta de maneiras de colocar a

    perda em perspectiva e seguir em frente com a vida. A festejada noo psicanaltica de

    elaborar a perda para alcanar uma resoluo completa no se aplica experincia da

    maioria dos indivduos e de suas famlias (Wortman & Silver, 1989). A adaptao no

    tem uma escala ou seqncia fixa, bem como perdas traumticas ou significativas

    podem nunca ser totalmente resolvidas. Os mltiplos sentidos de qualquer morte so

    transformados durante todo o

    33

    ciclo de vida, medida que so vivenciados e integrados com as experincias vitais,

    incluindo, obviamente, outras perdas.

    As Tarefas Adaptativas da Famlia

    Embora seja um equvoco impor expectativas ou estgios, seqncias ou escalas

    fixas a processos to complexos como o luto, dada a diversidade dos estilos familiares e

    individuais de enfrentamento, acreditamos que existem tarefas adaptativas cruciais, as

    quais, se no forem realizadas, deixam as famlias vulnerveis disfuno. Baseadas em

    pesquisas e experincia clinica, podemos identificar duas tarefas familiares principais

  • que tendem a promover a adaptao imediata e a longo prazo para os membros das

    famlias e a fortalecer a famlia enquanto unidade funcional.

    1. O reconhecimento compartilhado da realidade da morte e a experincia

    comum de perda. Todos os membros da famlia, a seu prprio modo, devem confrontar

    a realidade de uma morte que a atinge. Bowen (captulo 4) chama nossa ateno para a

    importncia do contato com a realidade da morte e, em particular, para a incluso das

    crianas:

    Eu incentivo os membros da famlia a visitarem os que esto morrendo sempre

    que possvel, e a encontrarem algum modo de incluir as crianas, se a situao permitir.

    Nunca vi uma criana ferida pela exposio morte. Elas so feridas apenas pela

    ansiedade dos sobreviventes. As tentativas bem intencionadas de proteger as crianas ou

    os membros vulnerveis da perturbao potencial de participar destes eventos as

    isolam da experincia e dos riscos comuns, dificultando seu processo de luto.

    O reconhecimento da perda facilitado pela informao clara e pela

    comunicao aberta sobre os fatos e circunstncias da morte. A incapacidade de aceitar

    a realidade da morte pode levar um membro da famlia a evitar o contato com os outros

    ou ter raiva daqueles que esto progredindo em seu processo de luto. Antigos conflitos e

    rompimentos entre irmos podem freqentemente; ser remontados ao leito de morte de

    um dos pais, ou ao seu tmulo.

    Os rituais funerrios (Imber-Black, captulo 11) e as visitas ao tmulo (Williamson,

    l978) tm uma funo vital ao proporcionarem uma confrontao direta com a realidade

    da morte e uma oportunidade de prestar uma ltima homenagem, compartilhar o

    sofrimento e receber conforto da rede de apoio; dos sobreviventes. Compartilhar a

    experincia da perda, seja de que modo for, crucial para a boa adaptao da famlia. O

    seguinte exemplo sublinha o valor que tem para todos a incluso de um membro

    vulnervel da famlia no processo de luto:

    Sam Marcus, de 74 anos, estava confinado em uma casa geritrica h 5 anos,

    aps sofrer danos cerebrais severos ao ser atropelado por um carro. Sua mulher

    34

    e suas filhas tinham se ajustado, com o tempo, perda do marido e pai que tinham

    conhecido, e conseguiram gradualmente lidar com suas profundas mudanas de

    personalidade, ocasionais exploses violentas e, o mais doloroso para elas, sua recente

    incapacidade de reconhec-las. Antecipando sua maior degenerao e morte, as filhas

    foram tomadas de surpresa quando a me, embora aparentasse boa sade, morreu

  • repentinamente. As irms queriam muito que o pai participasse do funeral, embora os

    mdicos se recusassem a liber-lo, temendo um comportamento perturbador, e

    insistissem que ele no compreendia que a esposa tinha morrido e somente ficaria

    confuso com a experincia. Para inclu-lo, as irms decidiram realizar o velrio na casa

    geritrica (para o desagrado do agente funerrio, que dobrou o preo pela

    inconvenincia). Quando o pai foi trazido na cadeira de rodas, elas sentaram ao seu

    lado, embora ele no desse nenhum sinal de reconhec-las. Quando as irms se

    levantaram e falaram sobre a morte e a vida de sua me, as lgrimas correram pelo rosto

    do pai. Depois, eles ficaram sentados juntos em silncio, de mos dadas.

    A comunicao entre a famlia vital no curso do processo de perda. Embora

    tendo em mente que os indivduos, as famlias e as culturas variam no grau em que a

    expresso aberta dos sentimentos valorizada ou funcional, existem fortes evidncias

    de pesquisa sobre o bom funcionamento familiar de que a comunicao clara e direta

    facilita a adaptao familiar e fortalece a famlia como uma rede de apoio para seus

    membros (Walsh, 1982). Um clima de confiana, resposta emptica e tolerncia a

    diversas reaes crucial. O processo de luto tambm envolve tentativas de colocar a

    perda em uma perspectiva significativa, que se encaixe coerentemente no resto das

    experincias vitais da famlia e em seu sistema de crenas. Isto requer que se lide com

    as implicaes negativas da perda, incluindo a perda dos sonhos para o futuro.

    As famlias podem vivenciar uma gama de sentimentos, dependendo do sentido

    singular do relacionamento e de sua perda para cada membro e das implicaes da

    morte para a unidade familiar. Fortes emoes podem vir tona em diferentes

    momentos, incluindo sentimentos confusos e ambivalentes de raiva, desapontamento,

    desamparo, alvio, culpa e abandono, os quais esto presentes em um certo grau nas

    relaes familiares. O antroplogo Rosaldo (1989) escreve sobre suas reaes morte

    sbita, acidental, de sua esposa, tambm uma proeminente antroploga, quando ela

    escorregou enquanto eles caminhavam em uma trilha de montanha e caiu em um

    precipcio ngreme:

    Imediatamente aps encontrar seu corpo, fiquei enfurecido. Como ela podia me

    abandonar? Como ela podia ler sido to burra de cair? Tentei chorar. Eu soluava, mas a

    raiva bloqueava as lgrimas. Mais tarde, poderosos estados emocionais viscerais

    tomaram conta de mim. Experimentei a profunda dor cortante da tristeza, quase alm do

    suportvel, o frio cadavrico de me dar conta da finalidade da morte, o tremor que

  • comeava em meu abdmen e se espalhava pelo corpo, o lamento fnebre que comeou

    contra minha vontade, e freqentes soluos de pranto.

    35

    Raramente tais emoes so expressas to diretamente em nossa cultura, onde

    compartilhar sentimentos negativos intensos tende a produzir desconforto e

    distanciamento nos outros. Alm disso, a perda do controle ao vivenciarmos

    sentimentos to avassaladores pode assustar os membros da famlia e outros, que podem

    bloquear a comunicao da experincia.

    Quando levamos em considerao as mltiplas, flutuantes e freqentemente

    conflitantes respostas de todos os membros de um sistema familiar, podemos apreciar a

    imensa complexidade do processo de luto de qualquer famlia. E necessria a tolerncia

    para com as respostas diversas dentro das famlias, e para a possibilidade de que alguns

    membros estejam em desacordo com os outros, dadas as diferenas de significado dos

    relacionamentos e os estilos de enfrentamento individuais. Quando um cnjuge vivo

    tambm o pai de uma criana pequena, a expresso emocional pode ser bloqueada pelas

    responsabilidades de ser pai solteiro, com os filhos e os parentes bem intencionados

    conspirando para manter o nico pai sobrevivente forte e funcionando.

    Quando o luto parental bloqueado, um filho tem mais probabilidade de se

    tornar sintomtico.

    Em famlias nas quais certos sentimentos, pensamentos e lembranas so

    proibidos por lealdades familiares ou tabus sociais, o bloqueio da comunicao pode

    contribuir para o comportamento sintomtico, ou os sentimentos podem ficar ocultos e

    reaparecerem em outros contextos, desconectados de sua origem. Quando os

    sentimentos so insuportveis ou inaceitveis, eles podem ser delegados e expressos de

    modo fragmentado por diferentes membros (Reilly, 1978). Um membro pode expressar

    toda a raiva pela famlia, enquanto outro fica em contato apenas com a tristeza; um

    demonstra apenas alivio, o outro fica entorpecido. Quando a famlia incapaz de tolerar

    sentimentos, um membro que expresse o indizvel pode virar o bode expiatrio ou ser

    excludo. Alm disso, o choque e a dor de uma perda traumtica podem despedaar a

    coeso familiar, deixando os membros isolados e sem apoio em seu sofrimento,

    arriscando conseqncias disfuncionais, como no seguinte caso:

    A Sra. Campbell buscou a ajuda da clnica psiquitrica infantil em decorrncia

    de problemas escolares de sua filha de li anos. A terapeuta descobriu que os problemas

    tinham sido identificados pela escola um ano antes, mas haviam piorado no ms

  • anterior, logo aps o filho mais velho, de 18 anos, ter sido a vtima inocente de um

    tiroteio entre gangues. O pai comeou a beber muito, distanciando-se da famlia. O

    outro filho mais velho, de 17 anos, levou o dio da famlia para as ruas, buscando

    vingana peio assassinato. Dois outros filhos do meio no demonstraram nenhuma

    reao, ficando fora do caminho e comportando-se como meninos de ouro. A me, em

    sua dor, voltou sua ateno para os problemas preexistentes da filha. A terapia familiar

    proporcionou um contexto para o trabalho de luto da famlia, ao mesmo tempo em que

    reparou sua fragmentao e promoveu uma rede mais coesa de apoio e cura mtuos. Foi

    especialmente importante envolver os irmos que estavam bem, os quais estavam

    segurando sua dor e confuso para no sobrecarregarem ou perturbarem ainda mais os

    pais. Em uma entrevista de acompanhamento, seis meses depois, a filha

    36

    estava indo bem na escola e a famlia relatou que a experincia de se reunirem para

    compartilhar o sofrimento tinha fortalecido sua capacidade de lidar com outros

    problemas.

    2. A reorganizao do sistema familiar e o reinvestimento em outras relaes e

    projetos de vida. A morte de um membro da famlia perturba o equilbrio familiar e os

    padres estabelecidos de interao. O processo de recuperao envolve um

    realinhamento das relaes e a redistribuio dos papis necessrios para compensar a

    perda e prosseguir com a vida familiar. Promover a coeso e a flexibilidade no sistema

    familiar crucial para sua reestabilizao. A convulso e a desorganizao

    experimentadas como conseqncia imediata de uma perda podem levar as famlias a

    fazerem movimentos precipitados para novas casas ou casamentos. Este novo

    deslocamento pode piorar as coisas. Algumas famlias podem tentar se aferrar

    rigidamente a antigos padres, que no so mais funcionais, para minimizar a sensao

    de perda e perturbao na vida familiar.

    A Sra. Robbins procurou ajuda devido a problemas de comunicao entre ela e sua

    filha de 16 anos, Donna, que andava tristonha e distante. A famlia consistia na me e

    trs filhas. O Sr. Robbins, morto em um acidente de carro seis anos antes, tinha sido

    muito amado por sua famlia. A perda foi agravada quando a filha de 16 anos na poca,

    Pam (que tinha sido a mais ligada ao pai), fugiu com o namorado algumas semanas

    depois da morte dele, cortando todos os contatos com a famlia. Pouco tempo depois,

    Nick, um antigo amigo da famlia, tinha persuadido a Sra. Robbins a se mudar para a

    cidade dele para comear urna vida nova. Ele a ajudou a encontrar um emprego e um

  • apartamento ao lado do dele. A filha mais velha, ento com 18 anos, tornou-se sua

    ajudante e arruinou um emprego para ajudar a sustentar a famlia, deixando de lado seus

    planos de ir para a faculdade.

    A despeito da mudana, a Sra. Robbins se determinou a conduzir a vida familiar corno

    se seu marido ainda fosse o chefe da casa, e a criar as filhas dele corno ele mesmo

    teria feito. Juntas, elas mantinham a expectativa ilusria de que ela deveria viver como

    se fosse os dois pais ao mesmo tempo, e de que elas deviam continuar a vida familiar

    corno antes da morte do pai. Embora a me agora trabalhasse em tempo integral para

    sustentar a famlia, ela dolorosamente preparava os pratos preferidos do pai, servindo-os

    a cada noite na hora determinada pelos horrios dele para a janta. Nick juntava-se a elas

    corno um convidado incmodo. Os piqueniques e feriados familiares eram celebrados

    exatamente como tinham sido com o Sr. Robbins. Com a explorao do terapeuta, as

    meninas admitiram que j estavam crescidas para muitas daquelas atividades, e somente

    fingiam se divertir com elas. J adolescentes, elas queriam passar mais lempo com os

    amigos, mas sentiam que seria desleal com os dois pais expressar algum

    descontentamento. A me reconheceu sua exigncia de tentar manter a famlia como se

    estivesse ainda intacta. A terapia ento se concentrou em ajud-las a fazer o luto de sua

    perda e a modificarem suas tradies para se

    37

    encaixarem melhor s suas necessidades evolutivas em mutao e sua estrutura como

    famlia com somente um dos pais.

    O processo de luto bastante varivel, e com freqncia dura muito mais do que

    as prprias pessoas esperam (Wortman & Silver, 1989). Cada nova estao, feriado e

    aniversrio podem evocar a perda. A idealizao excessiva do morto, a sensao de

    deslealdade ou o medo catastrfico de outra perda podem bloquear a formao de outros

    relacionamentos e compromissos. Os membros da famlia podem se recusar a aceitar

    um novo membro, vendo-o como um substituto do morto, se a perda no estiver bem

    integrada, como no caso das Robbins:

    medida que a terapia progredia, as meninas comearam a expressar queixas a

    respeito de Nick: Aquele homem do apartamento ao lado passa muito tempo l em

    casa. Ele um idiota. Ele no chega nem perto do homem que nosso pai foi Aps

    ter passado muito rapidamente para uma nova relao, seu status permaneceu ambguo

    por quase seis anos. Embora mantivessem apartamentos separados, Nick dormia no

    quarto da me, todas as noites colocando um colchonete ao lado de sua cama, e todas as

  • manhs guardando-o. Este ritual clandestino expressava a ambivalncia persistente em

    seu relacionamento. Aps a morte de seu marido, a Sra. Robbins tinha encontrado apoio

    e consolo em Nick, e a mudana propiciou urna fuga bem vinda de seu ambiente

    cotidiano, que a lembrava constantemente da perda. Contudo, ela nunca se sentiu

    perfeitamente bem em relao a um verdadeiro compromisso com ele, e estava

    deprimida, acima de seu peso e insatisfeita com o emprego. A terapia passou por uma

    fase de sesses de casal, que revelaram a relutncia de Nick em se comprometer

    realmente com ela e suas filhas, decorrente de um divrcio e um rompimento amargo

    com seus prprios filhos. Ao se dar conta de que a relao deles estava em um beco

    sem sada, ela decidiu termin-la.

    Com esta perda, a Sra. Robbins viu-se sonhando diariamente com seu falecido

    marido, inundada por sentimentos de saudade. Uma srie de sesses individuais revisou

    seu casamento e o sentido da perda dele para ela. Utilizando fotografias e urna cadeira

    vazia, ela teve duas conversas que desejava ter tido com ele: a primeira para dizer

    adeus antes de sua morte e a segunda, no presente, para inform-lo do que havia

    acontecido com as filhas e com ela desde a morte dele e de sua necessidade de agora

    tocarem a vida adiante, conservando sempre sua memria querida. Ela perguntou

    terapeuta se podia ficar com as fitas daquelas sesses, e posteriormente disse que sentia

    que uni peso tremendo tinha sido retirado de sua mente: Eu no vou ter mais que

    carregar todos aqueles sentimentos na cabea, porque os tenho todos gravados,

    A terapia de famlia com a perda requer a mesma engenhosidade e flexibilidade

    que a famlia precisa ter para responder aos vrios membros e subsistemas medida que

    suas questes vo aparecendo. Quando ocorrem mudanas em uma parte do sistema,

    elas geram mudanas para as outras. A

    38

    opo de fazer sesses individuais, de casal ou com a unidade familiar guiada por uma

    viso sistmica do processo de perda.

    Com a famlia Robbins, a fase final da terapia envolveu uma reunio da me

    com as filhas. Elas organizaram caixas velhas no sto e decidiram ficar com certas

    recordaes e se desfazer de outras. Para o aniversrio da morte do marido, a sra.

    Robbins escreveu um obiturio que havia sido solicitado, mas incapaz que fora, de

    escrever na poca da perda dele. Isto estimulou as filhas a escreverem poemas e fazerem

    desenhos em memria do pai. Com grande entusiasmo, elas reuniram estes trabalhos em

    um livreto, que mandaram para parentes e amigos. A terapeuta orientou a me em seus

  • esforos para reencontrar a filha distante, Pam, que finalmente veio visit-las. Nos anos

    seguintes, a famlia manteve a terapeuta informada de importantes passagens familiares,

    como o novo apartamento e o emprego mais satisfatrio da me e a ida das filhas para a

    faculdade.

    Fatores que Influenciam a Adaptao Familiar Perda

    Diversos fatores influenciam o impacto de uma morte e a natureza e a durao

    da resposta de uma famlia. A partir dos trabalhos de Bowen (1976) e Herz (1980,

    1989), e de pesquisas sobre o funcionamento familiar (Walsh, 1982), podemos

    identificar diversos padres que tendem a complicar a adaptao familiar perda e

    criam um risco maior de disfuno. Se quisermos entender por que algumas perdas

    podem ser devastadoras para certos indivduos e suas famlias, devemos avaliar

    cuidadosamente estas variveis e abord-las em qualquer plano de interveno.

    A FORMA DE MORTE. Morte repentina ou prolongada. As mortes repentinas

    ou aps uma doena prolongada so especialmente estressantes para as famlias e

    demandam mecanismos de enfrentamento diferentes (ver Rolland, captulo 8). Quando

    uma pessoa morre inesperadamente, os membros da famlia carecem de tempo para

    antecipar e se preparar para a perda, para lidar com assuntos inconclusos ou, cm muitos

    casos, at para dizer adeus.

    Quando o processo do morrer prolongado, os recursos financeiros e de

    prestao de cuidados da famlia podem se esgotar, e as necessidades dos outros

    membros so colocadas em suspenso. O alvio com o fim do sofrimento do paciente e

    da tenso da famlia costuma vir carregado de culpa. Alm disso, as famlias esto cada

    vez mais enfrentando o penoso dilema de manter ou no, e por quanto tempo, os

    esforos de manuteno da vida, com enormes custos, para manter um membro da

    famlia indefinidamente em estado vegetativo ou com dores crnicas, sem virtualmente

    nenhuma esperana de recuperao. A controvrsia a respeito da tica mdica, das

    crenas religiosas, dos direitos do paciente/famlia e de processos criminais se estende

    s perguntas mais fundamentais de quando a vida acaba e quem deve determinar este

    fim. Estas perguntas podem ser angustiantes para famlias divididas entre os desejos do

    paciente

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    do direito de morrer com dignidade e a tica md