morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça … · 2018-10-31 · causas...
TRANSCRIPT
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
Clara Margarida Machado da Silva
Revisão Bibliográfica | Dissertação de Mestrado Integrado em Medicina
Porto, 2015
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na
raça negra
Dissertação de candidatura ao grau de mestre em Medicina, submetida ao
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto
- Artigo de Revisão Bibliográfica
Autor: Clara Margarida Machado da Silva
Endereço: Travessa das Sanjinhas, nº 47. 4510-128 Gondomar, Portugal
Categoria: Aluna do 6º Ano do Mestrado Integrado em Medicina
Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto
Rua de Jorge Viterbo Ferreira, nº 228, 4099-313 Porto, Portugal
Nº de Estudante: 200806542
Contacto Eletrónico: [email protected]
Orientador: Dr. Vasco Alves Dias
Título profissional: Assistente Hospitalar - Hospital Santo António - Centro Hospitalar do Porto
Largo do Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto, Portugal
Grau académico: Assistente voluntário da disciplina de Medicina II
Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto
Coorientador: Prof. Dr. Severo Barreiros Torres
Título profissional: Chefe de Serviço - Hospital Santo António - Centro Hospitalar do Porto
Largo do Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto, Portugal
Grau académico: Professor Associado Convidado da disciplina de Medicina II
Afiliação: Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
i
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Vasco Alves Dias, pela ajuda inestimável na escolha deste tema e pela
sua orientação. Por me motivar a tentar sempre evoluir e melhorar.
Ao Dr. Severo Torres, por me ter dado a oportunidade de realizar este trabalho
na área que sempre quis e pela sua co-orientação.
Ao Bruno, por, mesmo a milhares de quilómetros de distância, conseguir fazer-
se sentir sempre tão perto e por me apoiar incondicionalmente.
Às minhas Estrelinhas, pela força, por estes sete anos únicos e por toda a força
que me dão. Por conseguirem sempre fazer-me pensar com clareza, quando tudo
parece mais complicado e me ajudarem a encontrar uma solução.
Aos meus grandes amigos, por todos os momentos de entreajuda, todas as
dúvidas esclarecidas e todos os momentos (“fidedignos”) de descontração. Eu “nunca
vi disto”!
À minha família, por esperarem sempre mais e melhor de mim, apoiando-me a
cada passo, e por serem o meu reconforto.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
ii
Índice
Agradecimentos .................................................................................................................................. i
Resumo .............................................................................................................................................. iii
Abstract .............................................................................................................................................. iv
Abreviaturas ........................................................................................................................................ v
Introdução .......................................................................................................................................... 1
Métodos .............................................................................................................................................. 2
O “coração de atleta” ....................................................................................................................... 3
Morte súbita cardíaca no atleta jovem .......................................................................................... 4
Epidemiologia .................................................................................................................................... 4
Causas de morte súbita cardíaca em atletas jovens .................................................................. 5
Miocardiopatia hipertrófica ......................................................................................................... 5
Cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo direito ............................................................... 7
Anormalidades congénitas das artérias coronárias ............................................................... 8
Doenças da aorta .......................................................................................................................... 9
Cardiopatias valvulares ................................................................................................................ 9
Alterações da condução elétrica .............................................................................................. 10
- Síndrome Wolf-Parkinson-White ........................................................................................ 10
- Síndrome do QT longo congénito ....................................................................................... 10
- Síndrome de Brugada .......................................................................................................... 11
- Taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica ................................................. 12
Rastreio ............................................................................................................................................ 12
Avaliação clínica ......................................................................................................................... 13
O eletrocardiograma .................................................................................................................. 14
Dicotomia “coração de atleta” vs miocardiopatia hipertrófica ........................................... 16
Particularidades da raça negra .................................................................................................... 19
Alterações estruturais (ecocardiográficas) ............................................................................. 20
Alterações eletrocardiográficas ................................................................................................ 21
Alterações da repolarização ................................................................................................. 21
Dilatação auricular ................................................................................................................. 22
Novos critérios de rastreio ............................................................................................................. 23
Conclusão ......................................................................................................................................... 25
Referências bibliográficas ............................................................................................................. 26
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
iii
RESUMO
A morte súbita cardíaca é uma entidade definida como morte de causa
cardíaca, que ocorre de forma inesperada, habitualmente dentro de uma hora após o
início da sintomatologia. Apesar de a sua incidência ser muito superior em indivíduos
mais velhos, é nos indivíduos mais jovens, aparentemente saudáveis, que esta
entidade apresenta um impacto biopsicossocial mais significativo. Dentro dessa faixa
etária, a sua prevalência parece ser superior em atletas de alta competição, ou em
desportos de alta intensidade.
Este estudo discutirá a morte súbita no atleta jovem (< 35 anos): a sua
epidemiologia, principais etiologias e desafios do rastreio e prevenção, abordando as
particularidades dos indivíduos de raça negra.
Existem várias formas de rastreio das doenças que causam morte súbita no
atleta jovem. De uma forma geral, todas são suportadas num exame clínico realizado
previamente ao início da prática desportiva, sendo que na Europa, este estudo deverá
ser complementado com um eletrocardiograma interpretado por um cardiologista
experiente em cardiologia desportiva. Contudo, este rastreio pode ser um desafio,
devido às alterações estruturais cardíacas, fisiológicas, desenvolvidas com a
adaptação ao exercício físico – o “coração de atleta”. Estas podem, por vezes,
confundir-se com as manifestações de algumas doenças que causam morte súbita.
A grande maioria dos estudos sobre morte súbita cardíaca e o seu rastreio tem-
se baseado em populações de atletas caucasianos. No entanto, nas últimas décadas,
o número de atletas de raça negra tem aumentado progressivamente, havendo ainda
pouca informação quanto à influência da etnia nesta entidade. Os atletas negros
parecem desenvolver alterações mais marcadas de adaptação cardíaca, com
manifestações mais sobreponíveis às manifestações das cardiopatias causadoras de
morte súbita. Em consequência, os algoritmos de rastreio existentes perdem
especificidade, levando a investigação médica excessiva, com custos inflacionados, e
potencial prejuízo para o futuro destes atletas.
Novos critérios de rastreio, mais específicos, têm sido propostos e avaliados,
com bons resultados.
Palavras- Chave: morte súbita cardíaca; “coração de atleta”; atleta jovem; raça negra;
rastreio.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
iv
ABSTRACT
Sudden cardiac death is defined as death from cardiovascular cause that
occurs unexpectedly, usually within an hour from the start of the symptoms. Although
its incidence is much higher in the elderly, it’s in the younger and apparently healthy
population, that this entity has a more significant bio-psycho-social impact. At this age,
the prevalence of sudden cardiac death seems to be higher in competitive athletes
than in their sedentary counterparts.
This study will review the sudden cardiac death in young competitive athletes (<
35 years of age): its epidemiology, common causes, and the screening and prevalence
challenges. Specifically, it will focus on the particularities in the athletes of black
ethnicity.
Nowadays, it is possible to screen the diseases that can cause sudden cardiac
death, by obtaining an athlete’s complete medical history, physical examination and
family history before he initiates his training. In addition, the European request an
electrocardiogram for each athlete, that should be interpreted by an expert cardiologist.
Nevertheless, this screening is difficulted by the physiological structural changes that
athletes develop with intense and sustained training – the “athlete’s heart” -, changes
that sometimes can mimic the manifestations of some cardiomyopathies.
Most of the existent studies in athletes are based on series of caucasian
subjects. However, over the last few decades, the number of black competitive athletes
has been increasing, and presently there is little information about the influence of
ethnicity in these entities. The athletes of black ethnicity seem to develop greater
structural changes due to exercise, with manifestations more similar to those observed
in cardiomyopathies that cause sudden cardiac death. Because of these facts, the
screening algorithms available are unspecific, leading to unnecessary additional
investigation with greater economic costs and potential damage to the athlete’s future.
New screening criteria, with increased specificity are being proposed and
evaluated with good results.
Palavras-Chave: sudden cardiac death; “athlete’s heart”; young athlete; black
ethnicity; screening.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
v
ABREVIATURAS
MSC – Morte súbita cardíaca
ECG – Eletrocardiograma
MCH – Miocardiopatia hipertrófica
CAVD – Cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo esquerdo
HVE – Hipertrofia ventricular esquerda
FA – Fibrilação auricular
TV – Taquicardia ventricular
FV – Fibrilação ventricular
ESC – European Society of Cardiology
AHA – American Heart Association
QTc – QT corrigido
1
INTRODUÇÃO
A morte súbita cardíaca é uma entidade definida como morte de causa
cardíaca, que ocorre de forma inesperada, habitualmente dentro de uma hora após o
início da sintomatologia.
A sua incidência é maior em indivíduos mais velhos, sendo a principal etiologia
a doença coronária aterosclerótica. No entanto, apesar de ser rara em jovens
(menores de 35 anos de idade), é nesta faixa etária que ela tem grande impacto
biopsicossocial, por ocorrer maioritariamente em indivíduos aparentemente saudáveis.
Nos últimos anos, têm-se investigado formas de rastreio, de modo a identificar
precocemente os atletas em risco. No entanto, tem sido muito difícil encontrar um
método acessível, custo-efetivo e com aplicabilidade a todas as raças. Para além
disso, ainda não foi possível implementar universalmente o rastreio de pré-
participação. Alguns países, como a Itália, já o tornaram obrigatório para todos os
atletas, mas ainda há um grande caminho a percorrer em muitas nações. Atualmente,
os métodos de rastreio existentes são ainda demasiado inespecíficos, obrigando
inúmeros atletas a serem submetidos a avaliações desnecessárias, com impedimento
de praticarem a sua profissão. Tudo isto leva a consequências desastrosas, quer para
os indivíduos, quer para os seus clubes.
As investigações realizadas têm-se baseado em séries de atletas caucasianos.
No entanto, nas últimas décadas, a proporção de atletas de raça negra tem vindo a
aumentar por todo o mundo, levando à necessidade de estudar as diferenças étnicas
existentes na adaptação ao exercício, na distribuição de cardiopatias, no seu rastreio e
no diagnóstico.
O objetivo deste estudo será discutir a morte súbita cardíaca no atleta jovem: a
sua epidemiologia, principais etiologias e desafios do rastreio e prevenção. Iremos
ainda abordar as particularidades dos indivíduos de raça negra, tais como
mecanismos de adaptação ao exercício físico, suas manifestações, diferentes
prevalências de causas de morte súbita e os desafios singulares do rastreio nesta
raça.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
2
MÉTODOS
Para a realização desta monografia foi pesquisada informação em bases de
dados eletrónicas: Pubmed (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), Medline
(http://www.nlm.nih.gov/bsd/pmresources.html), Medscape (www.medscape.com) e
biblioteca virtual da Universidade do Porto (biblioteca.up.pt); bem como em revistas e
jornais médicos.
A pesquisa foi realizada maioritariamente em Inglês, mas também em
Português e Espanhol. Foram selecionados os artigos originais de investigação, bem
como uma minoria de artigos de revisão bibliográfica e case-report, publicados entre
1990 e o presente ano. Contudo, foram ainda utilizados alguns artigos de anos
anteriores, por se encontrarem referenciados nos artigos selecionados.
As principais palavras-chave utilizadas foram: “morte súbita cardíaca”, “atletas
jovens”, “raça negra” e “coração de atleta”. Foram ainda pesquisadas outras palavras-
chave, como “rastreio”, “etiologia”, “alterações eletrocardiográficas”, “miocardiopatia
hipertrófica” e “atletas negros”. Todas as palavras-chave foram pesquisadas em
diferentes associações entre si.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
3
O “CORAÇÃO DE ATLETA”
O exercício físico intenso, regular e prolongado (superior a 5/6 horas por
semana), promove o desenvolvimento de alterações adaptativas fisiológicas nos
atletas, principalmente ao nível do sistema cardiovascular. Cerca de 50% dos atletas
de alta competição apresentam algum grau de remodelação cardíaca.(2) As alterações
que constituem o denominado “coração de atleta” incluem alargamento das câmaras
cardíacas, hipertrofia ventricular esquerda (HVE), alterações da condução elétrica e
alterações da função cardíaca, que podem manifestar-se, quer no eletrocardiograma
(ECG), quer no ecocardiograma. O grande desafio reside no facto de estas
modificações poderem mimetizar as alterações encontradas em algumas cardiopatias,
como a miocardiopatia hipertrófica (MCH). Estas modificações permitem um aumento
do enchimento ventricular, com um aumento significativo da fração de ejeção. Assim,
mesmo a frequências cardíacas muito elevadas, como as que são atingidas durante o
exercício, ocorre um aumento do débito cardíaco, não só pelo aumento da frequência
cardíaca, mas também por aumento da fração de ejeção. (3-5)
As manifestações do “coração de atleta” variam quer quantitativamente, quer
qualitativamente, com inúmeros fatores: a modalidade de exercício praticada, o
género, a idade, a área de superfície corporal e, como recentemente se tem
descoberto, com a etnia. (3-5)
Habitualmente, estas alterações adaptativas são ligeiras e facilmente
identificáveis como benignas por um cardiologista experiente em cardiologia
desportiva. Contudo, alguns atletas desenvolvem alterações mais exuberantes,
tornando o diagnóstico e a diferenciação entre o fisiológico e o patológico um desafio.
O exemplo mais frequente é a dicotomia hipertrofia ventricular do atleta vs
miocardiopatia hipertrófica. (2, 4-9)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
4
MORTE SÚBITA CARDÍACA NO ATLETA JOVEM
O exercício físico moderado, quando praticado de forma regular, está
associado a menor probabilidade de doença cardiovascular, nomeadamente
cardiopatia isquémica, e a melhoria da sobrevida a longo prazo, sendo recomendado à
população em geral.(3, 10-12)
Paradoxalmente, o risco de morte súbita cardíaca parece ser superior em
atletas jovens de alta competição, que praticam exercício físico intenso e prolongado,
quando comparados com uma população mais sedentária da mesma faixa etária. Um
estudo italiano revelou um risco de MSC nos atletas de alta competição 2,8(11) vezes
superior ao da população geral. (3, 10-12)
Pensa-se que o exercício físico, per se, não promova o desenvolvimento de
cardiopatia, mas sim que possa atuar como trigger de morte súbita, em pessoas com
doença cardiovascular subjacente, previamente insuspeita. Cardiopatias como
miocardiopatia hipertrófica, cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo direito (CAVD),
ou anormalidades congénitas das artérias coronárias, por exemplo, originam uma
predisposição aumentada de arritmias ventriculares ameaçadoras à vida. Estas
arritmias podem ser precipitadas mais facilmente em condições de exercício físico
intenso (aumento da frequência cardíaca, aumento das necessidades metabólicas,
hipertermia, aumento do tónus vagal em repouso, etc.). (3, 10-13)
EPIDEMIOLOGIA
Nos atletas jovens, a MSC é um evento raro. No entanto, a sua incidência é
controversa, pois varia com a idade, o género, a raça e a localização geográfica. Para
além disso, os estudos existentes diferem na sua metodologia, limitando as
comparações e a extrapolação para a população em geral. Em atletas americanos, a
incidência de MSC varia dos 2,3 aos 4,4 por 100000, por ano.(3, 14) Já em Itália, na
região do Veneto, reportou-se uma incidência global de 3,6 por 100000 atletas, por
ano, sendo superior no sexo masculino (2,6 por 100000 atletas, por ano), do que no
feminino (1,1 por 100000 atletas, por ano).(3, 11, 14-16)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
5
Nas últimas décadas, tem-se observado um aumento progressivo do número
de atletas de alta competição de raça negra. A MSC parece ser mais frequente nesta
etnia, com uma incidência de 5,6/100000, por ano nos Estados Unidos da América.(3,
16)
CAUSAS DE MORTE SÚBITA CARDÍACA EM ATLETAS JOVENS
As doenças que mais frequentemente causam MSC em atletas jovens são a
miocardiopatia hipertrófica e a cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo direito,
variando com a localização geográfica. Num estudo americano, 56% das mortes em
atletas jovens foram devido a doença cardiovascular, sendo a MCH a principal
etiologia (36% dos casos).(17) No norte de Itália, a principal causa de MSC em atletas
jovens foi a CAVD, com uma prevalência de 22%, muito superior aos 2% de
prevalência da MCH, neste país.(11)
A MCH parece ser igualmente a principal etiologia de MSC nos atletas de raça
negra. Contudo, estes atletas têm taxas mais altas de morte, comparativamente aos
atletas caucasianos com a mesma patologia (20% vs 10%).(3, 14, 17) Assim, levanta-se a
questão desta doença poder ter uma expressão mais maligna neste grupo étnico.
Além destas causas, existem outras, menos comuns, como as anormalidades
congénitas nas artérias coronárias, as alterações da artéria aorta (muitas vezes
associadas à síndrome de Marfan), as cardiopatias valvulares, e as alterações da
condução elétrica no coração: síndrome de Wolf-Parkinson-White, síndrome do QT
longo, síndrome de Brugada, etc.
MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA
A miocardiopatia hipertrófica é uma doença cardíaca estrutural, comum, com
uma prevalência de 0,2% na população geral e de 0,07 a 0,08% em atletas.(3, 18) Deve-
se maioritariamente a mutações num dos múltiplos genes dos sarcómeros, com
transmissão hereditária autossómica dominante, variabilidade genotípica e penetrância
variável, mas existe uma proporção considerável de mutações de novo. É definida por
espessura da parede ventricular ≥ 15 mm, em um ou mais segmentos do ventrículo
esquerdo, habitualmente assimétrica, sem dilatação do ventrículo, medida por
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
6
qualquer método imagiológico, que ocorre na ausência de outras causas de aumento
da pós-carga e de hipertrofia, como hipertensão arterial ou doença valvular. No
entanto, pode apresentar-se com espessuras da parede ventricular menores (13 – 14
mm).(3, 14, 19, 20)
Os atletas com miocardiopatia hipertrófica têm um risco acrescido,
comparativamente aos pares sedentários, de desenvolver taquicardias ventriculares
(TV) ou fibrilação ventricular (FV), com consequente risco de morte súbita. Os casos
de morte súbita devidos a MCH são mais comuns em desportos de alta intensidade e
curta duração, como o futebol, ou o basquetebol, no entanto são raros em desportos
de maior resistência, como nos maratonistas, ou ciclistas.(3, 14) Julga-se que este facto
se possa dever a um número menor de atletas com MCH praticantes destes
desportos, por seleção natural, uma vez que a incapacidade de aumento do débito
cardíaco por muito tempo, nestes doentes, não lhes permite praticar estas
modalidades.(3, 14, 20, 21)
A apresentação fenotípica desta entidade varia consoante a extensão e a
localização da hipertrofia, que é habitualmente assimétrica e mais frequente no septo
interventricular e no ápex. A história natural da doença pode cursar com diferentes
anomalias, como taquiarritmias, obstrução ao fluxo do ventrículo esquerdo, movimento
anterior da válvula mitral, regurgitação mitral, disfunção diastólica, isquemia do
miocárdio, e, mais tardiamente, disfunção sistólica. As manifestações clínicas mais
comuns são a dispneia de esforço, síncope inexplicada, dor torácica, ou mesmo MSC,
que pode ser a apresentação inicial da doença. Ao exame objetivo, é comum a
deteção de pulso bífido e sopro sistólico. (3, 14, 19, 22-24)
O exame auxiliar de diagnóstico mais importante no rastreio inicial destes
pacientes é o eletrocardiograma, dado o seu baixo custo e acessibilidade. Deve ser
realizado a todos os doentes com suspeita de MCH. Mais de 90% dos atletas com
MCH apresentam alterações eletrocardiográficas, que incluem: critérios de voltagem
do QRS de hipertrofia ventricular esquerda; ondas Q patológicas; alterações da
repolarização; inversão da onda T; depressão do segmento ST; e bloqueio de ramo
esquerdo. Muitas destas manifestações são sobreponíveis às alterações observadas
no “coração de atleta”. Recomenda-se ainda a realização de monitorização
eletrocardiográfica em ambulatório de 48 horas a todos os doentes, na avaliação
inicial, com o objetivo de detetar possíveis taquiarritmias.(3, 12, 18, 20, 21, 24-29)
O ecocardiograma pode complementar o eletrocardiograma, com melhor
sensibilidade e especificidade, sendo o método basilar no diagnóstico e abordagem da
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
7
MCH. Deve ser realizado precocemente a todos os doentes, em repouso e durante
manobras de Valsalva. Este método permite avaliar a espessura da parede ventricular,
habitualmente assimétrica, devendo observar-se todos os segmentos do ventrículo
esquerdo. Permite ainda avaliar o diâmetro telediastólico ventricular, o tamanho e
volume da aurícula esquerda e os índices de função diastólica. (3, 18, 20, 21, 24-27, 30) A
ressonância magnética cardíaca é um método ainda mais sensível e específico,
permitindo a obtenção de informação mais detalhada sobre a morfologia cardíaca, a
função ventricular e as características do miocárdio. Recomenda-se que seja
realizado, sempre que possível, a todos os doentes, como parte da sua avaliação
inicial. Pode ainda realizar-se a análise genética da mutação existente, que é um
exame muito específico. No entanto, um resultado negativo não exclui o diagnóstico.(3,
18, 20, 21, 24-27, 30)
CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÉNICA DO VENTRÍCULO DIREITO
Esta doença tem uma prevalência variável, consoante a área demográfica. No
norte de Itália, foi descrita uma prevalência global de MSC causada por CAVD de
11%. Quando se analisaram apenas os atletas jovens, essa prevalência subiu para os
22%.(11, 12) Por outro lado, nos Estados Unidos da América, esta condição é raramente
diagnosticada. Esta discrepância pode ser o resultado de uma variabilidade genética
da população, ou simplesmente de um subdiagnóstico da doença. (11, 12)
A cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo direito é uma doença genética,
com uma prevalência de 1/1000 na população geral, sendo mais comum em homens
do que em mulheres (proporção de 3:1)(3, 14, 31, 32) Embora possa ser causada por
mutações espontâneas, cerca de metade dos casos desta patologia têm uma
transmissão hereditária autossómica dominante, com penetrância incompleta, de
mutações nos genes que codificam proteínas dos desmossomas. A doença
caracteriza-se por substituição de miócitos ventriculares por tecido fibroadiposo na
parede livre do ventrículo direito. Pode também afetar o ventrículo esquerdo, mas
poupa habitualmente o ápex. Estas alterações cursam frequentemente com dilatação
do ventrículo direito, áreas de discinésia da parede, aneurismas e redução da função
sistólica, predispondo a arritmias cardíacas (taquicardia ventricular e fibrilação
ventricular), e morte súbita. O exercício físico pode exacerbar estas alterações
fisiopatológicas da doença, tendo sido identificado um risco 5 vezes superior de MSC
em atletas com CAVD, quando comparados com pacientes sedentários.(3, 11, 14, 32)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
8
A doença manifesta-se clinicamente com palpitações, síncope inexplicada, ou
sintomas de insuficiência cardíaca. Ao eletrocardiograma, os doentes apresentam
muitas vezes um padrão de bloqueio completo ou incompleto de ramo direito e
inversão da onda T nas derivações de V1-V3. Podem ainda apresentar onda épsilon e
arritmias ventriculares com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo. O
ecocardiograma, numa fase inicial da doença, pode ser normal. Apenas na doença
mais avançada se podem observar alterações marcadas da contractilidade miocárdica,
ou aneurismas do ápex ventricular. Assim, frequentemente é necessário recorrer à
ressonância magnética cardíaca para diagnosticar precocemente esta doença. Este
exame imagiológico permite distinguir com alguma precisão o tecido muscular
cardíaco, do tecido fibroadiposo. (3, 14, 21, 26, 27, 32-34)
Em 2010 foram criados critérios de diagnóstico major e minor para a CAVD,
que incluem sintomas, história familiar, alterações no ECG em repouso, alterações
imagiológicas (ao ecocardiograma e ressonância magnética) e caracterização tecidular
da parede ventricular. (3, 14, 21, 26, 27, 33, 34)
ANORMALIDADES CONGÉNITAS DAS ARTÉRIAS CORONÁRIAS
Este grupo de doenças causa MSC em 12 a 33% dos atletas jovens, sendo no
entanto uma patologia rara na população geral.(3, 14, 35, 36) As malformações mais
comuns são a origem da artéria coronária esquerda no seio de Valsalva direito e a
origem da artéria coronária direita no seio de Valsalva esquerdo. Isto significa que as
artérias passam pelo tronco pulmonar e pela raiz da aorta num ângulo mais agudo, o
que pode condicionar uma compressão das mesmas, com consequente isquemia
miocárdica. Este efeito pode ser exacerbado durante o exercício físico, uma vez que
os grandes vasos se encontram mais dilatados. Outras causas de isquemia nestes
doentes são as anormalidades do óstio das artérias coronárias e o espasmo coronário
devido a disfunção endotelial.
Apesar de habitualmente serem assintomáticos, alguns doentes podem
apresentar dor torácica e/ou síncope associadas ao esforço, bem como MSC, que
pode ser a primeira manifestação da doença. O diagnóstico é feito com angio-
tomografia ou angio-ressonância, porque dificilmente se consegue induzir a isquemia
miocárdica com provas de sobrecarga, quer de exercício, quer farmacológicas. O
tratamento cirúrgico pode corrigir as malformações.(3, 14, 26, 27, 35-37)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
9
DOENÇAS DA AORTA
Dentro das doenças da aorta, a patologia mais comum é a dilatação
aneurismática da aorta, associada habitualmente à síndrome de Marfan, uma doença
do colagénio autossómica dominante, de penetrância variável. A sua prevalência
global é de 1/5000 e causa cerca de 3% das MSC que ocorrem nos atletas jovens.(3)
Esta patologia cursa com inúmeras alterações osteoarticulares, mas também
vasculares. Os doentes desenvolvem necrose cística da túnica média da parede
aórtica, originando uma debilidade da parede que predispõe a dilatação aneurismática.
O aumento da pressão arterial, provocado pelo exercício físico intenso, pode agravar
estas lesões, aumentando progressivamente a dilatação aórtica e o risco de disseção
ou rutura, que pode levar a hemorragia maciça e morte. Esta patologia é
habitualmente silenciosa e de difícil diagnóstico, sendo muitas vezes descoberta post-
mortem, após uma rutura súbita. Por este motivo, nos doentes com síndrome de
Marfan, esta manifestação deve ser rastreada precocemente, recomendando-se
reavaliações frequentes.(26, 27, 38)
O ecocardiograma é um exame de rastreio importante, pois é barato, acessível
e permite avaliar o grau de dilatação da aorta ascendente (local frequentemente
afetado na síndrome de Marfan), bem como averiguar sobre a existência de prolapso
da válvula mitral, alteração comum nestes doentes. Este exame permite ainda o
seguimento dos doentes, monitorizando a sua evolução. No entanto, quando se deteta
a alteração ao ecocardiograma, deve sempre pedir-se uma angio-tomografia do tórax,
pois este é o exame mais indicado para avaliar com rigor toda a extensão da aorta.
CARDIOPATIAS VALVULARES
Dentro da patologia valvular, a doença mais relevante como causa de MSC em
atletas jovens é a estenose aórtica, devido a uma válvula aórtica bicúspide congénita.
Esta é uma causa muito rara de MSC, no entanto, é importante tê-la em mente, por se
tratar de uma doença facilmente identificável apenas com a anamnese e exame
objetivo cardiovascular. Se a estenose for ligeira ou moderada, sem compromisso da
função, é permitido aos atletas praticarem desportos de intensidade moderada,
devendo ser reavaliados periodicamente.(3, 27)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
10
ALTERAÇÕES DA CONDUÇÃO ELÉTRICA
As alterações da condução elétrica do coração, congénitas ou adquiridas,
podem predispor o doente a taquiarritmias malignas, fibrilação ventricular e morte.
Dentro destas patologias, a etiologia mais frequente de morte súbita é a síndrome de
Wolf-Parkinson-White, sendo a síndrome do QT longo, a síndrome de Brugada e a
taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica causas igualmente importantes,
mas menos prevalentes.
- SÍNDROME WOLF-PARKINSON-WHITE
Esta é uma síndrome de pré-excitação ventricular, causada por uma via
acessória anterógrada auriculoventricular, que leva a taquicardia por fenómenos de
reentrada auriculoventricular, originando TV ou FV. A prevalência da pré-excitação
ventricular é de 0,1 a 0,3%, sendo semelhante em atletas e não-atletas.(3, 39) Não é
uma doença familiar, no entanto 3 a 4% dos casos estão associados a uma
transmissão hereditária autossómica dominante.(3, 39) Esta síndrome pode associar-se
a FA com resposta ventricular rápida, que é mais grave do que a FA isoladamente.
Nestes indivíduos, mais estímulos auriculares podem passar ao ventrículo pela via
acessória existente, podendo precipitar FV, com risco acrescido de MSC.(3, 26, 27)
Os doentes são habitualmente assintomáticos, podendo por vezes queixar-se
de palpitações, síncope ou dor torácica. As alterações no ECG que fazem o
diagnóstico são: onda delta, intervalo PR <0,12 s e prolongamento do complexo QRS
(> 0.11 s).(3, 40, 41) Após o diagnóstico e avaliação das propriedades elétricas da via
acessória, a sua ablação por cateter pode ser curativa, permitindo o retorno à
atividade física em apenas 3 meses. (3, 21, 27, 29, 40, 42-44)
- SÍNDROME DO QT LONGO CONGÉNITO
Esta doença genética tem uma prevalência de 1 em cada 2000 a 5000 pessoas
e resulta de mutações em canais de saída de potássio ou de entrada de sódio.(17)
Apenas cerca de 2% das MSC em atletas nos Estados Unidos da América foram
causadas por esta patologia. (17) As alterações iónicas encontram-se dispersas pelos
miócitos, levando a um prolongamento da repolarização de forma heterogénea, com
aumento do cálcio intracelular, o que aumenta o risco de atividade deflagrada, com
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
11
pós-despolarizações precoces e predisposição para TV polimórfica (torsade de
pointes). (3, 14, 26, 27)
Existem 3 variantes genotípicas desta síndrome. A síndrome do QT longo do
tipo 1 é a mais comum, manifestando-se com prolongamento do intervalo QT, que não
encurta com o exercício nem com o aumento da frequência cardíaca. É mais comum
em homens, sendo o exercício físico o principal desencadeante de taquiarritmias
malignas e morte súbita. A síndrome do QT longo do tipo 2 caracteriza-se por ondas T
bífidas, e as suas manifestações são precipitadas pelo stress emocional. A síndrome
do QT longo do tipo 3 é a mais rara, a mais atípica e a que tem pior prognóstico,
sendo as taquiarritmias desencadeadas durante o sono. (3, 14, 21, 26, 27, 29)
As suas manifestações clínicas incluem síncope, palpitações e MSC. O
diagnóstico deve ser suspeitado em atletas, quando o intervalo QTc (QT corrigido) é
superior a 440 ms nos homens ou 460 ms nas mulheres, na ausência de causas
adquiridas de prolongamento do QT (fármacos, por exemplo).(12) O diagnóstico é feito
com base em sistemas de score de probabilidade, que incluem sintomas, história
familiar, alterações eletrocardiográficas e evidência de torsade de pointes. (3, 14, 21, 26, 27,
29)
- SÍNDROME DE BRUGADA
Esta doença genética de transmissão autossómica dominante tem uma
prevalência estimada de 1 em cada 2000 a 5000 indivíduos.(3) Deve-se a mutações em
canais de sódio semelhantes às da síndrome do QT longo do tipo 3, que levam a uma
diminuição do potencial de ação no trato de saída do ventrículo direito, com maior
risco de TV polimórfica ou FV, e, consequentemente, possível síncope ou MSC. (3, 14, 26,
27)
Os doentes podem ser assintomáticos, com defeitos na condução elétrica
subclínicos, ou apresentar repolarização precoce com síncope, palpitações e
taquicardia ventricular polimórfica ou fibrilação ventricular. Ao ECG apresentam
tipicamente um padrão de bloqueio incompleto do ramo direito associado a uma
elevação convexa do segmento ST > 2 mm, com descida abrupta e onda T invertida.
(3, 14, 21, 29, 45)
A síndrome de Brugada é definida pela clínica (síncope, por exemplo), na
presença de um padrão de ECG típico, sem evidência de cardiopatia estrutural, com
risco aumentado de FV e MSC. Apesar de estas alterações acontecerem
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
12
maioritariamente em repouso, os atletas portadores desta doença encontram-se em
risco acrescido de MSC. Os atletas, devido ao seu grande condicionamento físico,
têm habitualmente um tónus vagal em repouso aumentado, sendo que este aumento
promove o desenvolvimento de taquiarritmias ventriculares. Por outro lado, a
hipertermia, que pode ser atingida durante o exercício, é também um fator precipitante
de taquiarritmias nestes doentes. (3, 14, 21, 29, 45)
- TAQUICARDIA VENTRICULAR POLIMÓRFICA CATECOLAMINÉRGICA
A taquicardia ventricular polimórfica catecolaminérgica (TVPC) é uma
canalopatia hereditária, rara, com uma prevalência estimada de 1 em 10000
indivíduos.(46) Esta patologia é secundária a mutações em canais de cálcio, cuja
transmissão pode ser autossómica dominante ou autossómica recessiva, consoante o
tipo de mutação. Os canais mutados permitem um aumento exacerbado do cálcio
intracelular mediado pela estimulação adrenérgica. Estas alterações potenciam a
atividade deflagrada e pós-despolarizações tardias, predispondo a TV bidirecional, TV
polimórfica, ou FV recorrente, despoletadas principalmente pelo exercício ou emoções,
com risco de MSC. Habitualmente, as manifestações iniciam-se na adolescência e
podem incluir síncopes e palpitações recorrentes, precipitadas pelo exercício ou
stress. O eletrocardiograma em repouso é frequentemente normal, no entanto a prova
de esforço pode desencadear as taquiarritmias.(3, 14, 26, 27, 47-49)
Os beta-bloqueadores podem ajudar a prevenir a MSC nestes doentes,
contudo o prognóstico da doença é reservado, com uma taxa de mortalidade que varia
de 35 a 50% até aos 35 anos. (3, 14, 26, 27, 47-49)
RASTREIO
Sabendo-se que a atividade física intensa predispõe a riscos mais elevados de
MSC, no contexto de uma cardiopatia subjacente, parece lógico haver uma forma de
identificar precocemente esses doentes, com um rastreio de pré-participação nas
competições/treinos.(10, 12, 29, 50-57)
A European Society of Cardiology (ESC) recomenda que todos os atletas
sejam avaliados por um médico que realize uma anamnese completa, um exame físico
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
13
e um ECG de 12 derivações. Esse ECG deve ser avaliado por um cardiologista
experiente em medicina desportiva.(10, 12, 29, 50-57)
A American Heart Association (AHA) recomenda que o rastreio seja realizado a
todos os atletas de competição, através de uma anamnese completa, complementada
apenas com um exame físico. Os americanos, apesar de reconhecerem a utilidade do
ECG, questionam a sua custo-efetividade, uma vez que a sua população de atletas é
substancialmente maior, quando comparada, por exemplo, com a população-alvo
italiana. (10, 12, 29, 50-57)
AVALIAÇÃO CLÍNICA
No que diz respeito à componente da anamnese e exame físico do rastreio de
pré-participação, as correntes não diferem muito, pesquisando sinais e sintomas
cardiovasculares e história familiar de doença cardiovascular ou MSC (Tabelas I e II).
(10, 12, 29, 50-57)
TABELA I. Rastreio de morte súbita cardíaca no desporto para todos os participantes até 35 anos de
idade, no início das atividades de competição (adaptado das guidelines da ESC) (12, 57)
HISTÓRIA MÉDICA
História pessoal
História familiar
EXAME FÍSICO
Geral Auscultação cardíaca
Pulsos radiais e femorais Frequência e ritmo
Estigmas de síndrome de Marfan Sopro: sistólico/diastólico
Tensão arterial Click sistólico
MÉTODOS COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO
ECG de 12 derivações (após o início da puberdade)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
14
O ELETROCARDIOGRAMA
A grande maioria dos atletas de alta competição apresenta alterações ao
eletrocardiograma, que habitualmente traduzem apenas variações do normal, devido à
adaptação fisiológica do “coração de atleta” ao exercício físico intenso. Contudo,
atletas que sejam portadores de doenças cardíacas podem também manifestar
alterações no ECG, que são muitas vezes sobreponíveis às alterações fisiológicas.
Assim, o rastreio e a diferenciação dos dois tipos de alterações eletrocardiográficas
TABELA II. Adaptado das recomendações da AHA, em 12 elementos, para o rastreio cardiovascular
de pré-participação dos atletas de competição.(57, 58)
HISTÓRIA MÉDICA*
- História pessoal
1. Dor/desconforto torácico com o exercício
2. Síncope ou pré-síncope inexplicada†
3. Dispneia/fadiga excessiva relacionada com o exercício
4. Antecedentes de sopro cardiaco
5. Hipertensão arterial
- História familiar
6. Morte prematura (súbita e inesperada, ou outra), antes dos 50 anos, devido a doença cardíaca
em ≥ 1 familiar
7. Incapacidade por doença cardíaca em familiar próximo < 50 anos
8. Conhecimento de determinadas doenças cardíacas na família: cardiomiopatia hipertrófica, ou
dilatada; síndrome do QT longo, ou outras canalopatias; síndrome de Marfan; ou arritmias
clinicamente importantes
EXAME FÍSICO
9. Sopro cardíaco‡
10. Pulsos femorais, para excluir coarctação da aorta
11. Estigmas físicos de síndrome de Marfan
12. Tensão arterial medida na artéria braquial (sentado)₤
*Verificação pelos pais/representantes legais, no caso de menor de idade.
†Especialmente, quando relacionada com o exercício e que se julgue ser não vasovagal.
‡Auscultação deve ser feita em decúbito dorsal e em pé (ou com manobras de Valsalva), especificamente para
identificar sopros de obstrução dinâmica do trato de saída do ventrículo esquerdo.
₤Preferencialmente medida nos dois braços.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
15
são especialmente difíceis nos atletas de alta competição. (10, 12, 21, 29, 50-57, 59) O desafio
é ainda maior na interpretação dos ECG’s de atletas muito jovens, em idades pré-
puberes (< 14-16 anos), pois a diferenciação entre a normalidade e a patologia pode
ser ainda mais difícil. Os adolescentes apresentam frequentemente um padrão juvenil
persistente ao ECG, com inversão da onda T nas derivações precordiais anteriores
(V1 – V4), que mimetiza algumas manifestações de cardiopatias.(21, 52) Estes são os
motivos pelos quais os ECG’s do rastreio cardiovascular devem ser sempre
interpretados por um cardiologista experiente em cardiologia desportiva. (10, 12, 21, 29, 50-57,
59)
Deste modo, baseando-se na prevalência das alterações eletrocardiográficas,
na sua relação com o exercício físico, no risco cardiovascular associado, e na
consequente necessidade de investigação adicional, a ESC definiu dois grupos de
alterações no eletrocardiograma (Tabela III). O grupo 1 enumera as alterações
comuns em atletas, que podem atingir uma prevalência de até 80%,(12) e que não têm
valor patológico associado. Atletas que apresentem alguma destas alterações
isoladamente, sem história pessoal ou familiar, nem exame físico positivos, não devem
ficar alarmados, não têm necessidade de prosseguir a investigação e ser-lhes-á
permitido continuar a treinar e competir. Por outro lado, as alterações incluídas no
grupo 2 estão presentes em menos de 5% dos atletas. (12) Estas manifestações já
devem motivar investigação adicional, principalmente na presença de sintomas,
exame físico com alterações, ou presença de história familiar de doença cardíaca, ou
morte súbita. (10, 12, 29, 50-57)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
16
DICOTOMIA “CORAÇÃO DE ATLETA” VS MIOCARDIOPATIA HIPERTRÓFICA
O “coração de atleta” manifesta-se habitualmente por alterações adaptativas
ligeiras. Contudo, em certos indivíduos com alterações mais marcadas, estas podem
mimetizar manifestações de determinadas cardiopatias. Assim, por vezes, a
diferenciação entre o fisiológico e o patológico torna-se um verdadeiro desafio. O
exemplo mais frequente é a dicotomia hipertrofia ventricular do atleta vs hipertrofia
ventricular esquerda da MCH. (2-9)
Cerca de 2% dos atletas masculinos apresentam uma espessura da parede
ventricular esquerda entre 13 e 15 mm, que pode simplesmente traduzir uma HVE do
atleta fisiológica. Por outro lado, apesar de a MCH ser definida por uma espessura da
parede ventricular esquerda ≥ 15 mm, muitos doentes apresentam paredes menos
espessas, sobreponíveis às observadas no “coração de atleta". Assim, nos casos em
que os atletas se inserem na denominada “zona cinzenta” do diagnóstico, é necessário
prosseguir com a investigação. A ESC definiu inúmeros critérios, para facilitar o
diagnóstico diferencial entre a MCH e a HVE do “coração de atleta” (Tabela IV).
Tabela III. Classificação das alterações no eletrocardiograma de 12 derivações de um
atleta pela ESC(12)
Grupo 1:
Alterações comuns e
relacionadas com o exercício
Grupo 2:
Alterações incomuns e não
relacionadas com o exercício
Bradicardia sinusal Inversão da onda T
Bloqueio auriculoventricular de 1º grau Depressão do segmento ST
Bloqueio de ramo direito incompleto Ondas Q patológicas
Repolarização precoce Dilatação da aurícula esquerda
Critérios isolados de voltagem de QRS
para hipertrofia ventricular esquerda Dilatação da aurícula direita
Desvio do eixo para a esquerda
Desvio do eixo para a direita
Pré-excitação ventricular
Bloqueio completo de ramo esquerdo
Bloqueio completo de ramo direito
Prolongamento do intervalo QTc (> 440
ms em homens e > 460 ms em mulheres)
Encurtamento do intervalo QTc (< 380 ms)
Repolarização precoce do tipo Brugada
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
17
Destes critérios fazem parte a história pessoal de sintomas cardiovasculares típicos e
história familiar positiva, bem como outras alterações, que frequentemente estão
associadas à MCH, e que são inconsistentes com a adaptação fisiológica. (7-9, 13, 20, 60)
Tabela IV. Critérios clínicos que favorecem o diagnóstico de MCH em atletas de alta competição com espessura da parede do ventrículo esquerdo de 12-15 mm (Adaptado das Guidelines da ESC)(60)
Critérios Características Nível de Evidência
A. Demográficos
História familiar de MCH em parente(s) de 1º grau B
Género feminino B
História familiar de MSC ≤ 40 em parente(s) de 1º grau C
Sintomas cardiovasculares (síncope inexplicada, dispneia desproporcional ao exercício, dor torácica, palpitações)
C
B. Eletrocardiográficos
Ondas Q anormais em pelo menos duas derivações de II, III, aVF (na ausência de hemibloqueio esquerdo anterior), V1-V4, I, aVL, V5-V6.
B
Ondas T invertidas em duas ou mais derivações dos grupos II, III, aVF e/ou I, aVL, V5-V6.
B
Ondas T invertidas V2-V4 (> 16 anos)a B
Ondas T negativas gigantes em duas derivações contíguas (> 5mm) B
Ondas T invertidas nas derivações V2-V4 (< 16 anos) B
Arritmias ventriculares complexas em Holter 24h ou > 2000 contrações ventriculares prematuras em 24h
B
C. Estruturais
Hipertrofia assimétrica do septo interventricular (espessura do septo à parede posterior ≥ 1,5
B
Movimento sistólico anterior completo da válvula mitral B
Diâmetro telediastólico do ventrículo esquerdo < 45 mm B
Realce tardio do gadolínio na ressonância magnética cardíaca C
Gradiente intraventricular em repouso C
Movimento sistólico anterior incompleto da válvula mitral B
Hipertrofia ventricular esquerda do septo anterior ou da parede posterior ≥ 12 mm
B
Aurícula esquerda > 45 mm C
Hipertrofia ventricular direita (espessura subcostal do ventrículo direito > 5 mm)
C
Criptas miocárdicas identificadas na ressonância magnética cardíaca C
D. Funcionais
Padrão de influxo mitral E<A (< 20 anos) B
Análise doppler tecidular: Ea < 9 cm/seg C
Análise doppler tecidular: Sa < 9 cm/seg C
BNP aumentado C
Ea 10-13 cm/seg C
Strain radial diastólico< 7 cm/seg C
VO2máx < 50 mL/Kg/min ou <120% do VO2 previsto (incomum em atletas de resistência
C
Torsão do ventrículo esquerdo aumentada C
E. Descondicionamento físico
Sem resposta após 3 meses de descondicionamento B
F. Genéticos
Doença causada por mutações nos sarcómeros B
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
18
O exame mais utilizado para distinguir a MCH da HVE do “coração de atleta” é
o ecocardiograma. Para além de possibilitar a medição da espessura da parede do
ventrículo esquerdo e do septo, podem ainda medir-se as dimensões das câmaras
cardíacas, assim como a sua capacidade de enchimento. Na primeira, um diâmetro
transverso telediastólico do ventrículo esquerdo > 55 mm é mais sugestivo de
adaptação fisiológica, uma vez que a hipertrofia ventricular da MCH está
habitualmente associada a uma diminuição da cavidade ventricular (< 45 mm). Apenas
em estadios muito avançados da doença, já com disfunção sistólica, alguns doentes
apresentam um ventrículo esquerdo > 55 mm. Pellicia et al.(61) demonstrou que cerca
de metade dos atletas olímpicos italianos apresentavam um aumento da cavidade do
ventrículo esquerdo (> 55 mm), sendo que 14% demonstrava uma dilatação extrema,
com uma cavidade do ventrículo esquerdo > 60 mm. Associada à dilatação do
ventrículo esquerdo, 20% dos atletas apresentava ainda dilatação da aurícula
esquerda (≥ 40 mm). Nenhum dos atletas manifestava sintomas de disfunção sistólica,
nem incidência aumentada de arritmias supraventriculares. Após meses de repouso
sem treinos, as alterações regrediram na grande maioria dos atletas. (2, 20, 60, 61)
O enchimento ventricular é também importante no diagnóstico diferencial,
sendo avaliado através de ecocardiograma com Doppler. Os índices diastólicos de
enchimento são frequentemente anormais nos doentes com MCH, independentemente
de estes apresentarem, ou não, insuficiência cardíaca concomitante, ou obstrução do
trato de saída. Apesar de valores normais de enchimento ventricular serem mais
sugestivos de “coração de atleta”, estes não excluem o diagnóstico de MCH.(7-9, 13, 20)
Como vimos, o género também influencia a adaptação ao exercício físico. Na
verdade, atletas femininas de alta competição raramente apresentam uma espessura
do ventrículo esquerdo > 11 mm. Assim, uma hipertrofia ventricular marcada numa
mulher não deve ser subestimada como manifestação do “coração de atleta”, devendo
sugerir sempre um alteração patológica.(8, 13, 60)
Apesar da importância e utilidade comprovadas da ecocardiografia, esta
também tem algumas limitações: é operador-dependente; nem sempre se consegue
uma boa janela acústica; não se consegue visualizar a parede do ventrículo esquerdo
na sua totalidade e, por vezes, não permite avaliar com rigor a massa ventricular. A
hipertrofia segmentar do septo posterior ou do ápice é, por vezes, subestimada pelo
ecocardiograma. Por estes motivos, a ressonância magnética cardíaca é um método
ainda mais sensível e específico, uma vez que permite visualizar todo o ventrículo
esquerdo, definir com precisão a localização das áreas de hipertrofia distribuídas pelo
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
19
ventrículo (principalmente as áreas não-contíguas), e medir a massa cardíaca. A
ressonância magnética cardíaca com realce tardio do gadolínio, permite ainda detetar
alterações microvasculares e áreas de fibrose miocárdica, que habitualmente se
sobrepõem às áreas de hipertrofia ventricular mais marcada. A presença de fibrose
miocárdica é muito sugestiva de MCH, estando presente em até 80% dos doentes. No
entanto, é altamente invulgar no “coração de atleta”. A sua presença foi identificada
como sendo um preditor independente de mortalidade. Assim, a ressonância
magnética cardíaca é um exame indubitavelmente útil no diagnóstico e seguimento da
MCH, devendo ser realizado precocemente a todos os doentes. Adicionalmente,
aparenta ser um bom método para estratificar o prognóstico da doença, com a
utilização do realce tardio de gadolínio. No entanto são necessários mais estudos para
que possa ser validado.(19, 20, 52, 56, 62, 63)
Quando a dúvida acerca do diagnóstico persiste, devemos sugerir ao atleta um
período de 3 meses de descondicionamento, com avaliações imagiológicas seriadas.
Habitualmente, a hipertrofia fisiológica regride cerca de 2 a 5 mm, sendo que a
hipertrofia da MCH não regride, podendo mesmo evoluir. No entanto, para um atleta
de alta competição em pleno estágio ou campeonato, 3 meses de evicção dos treinos
pode levantar muitos problemas, quer psicológicos, quer profissionais, ou económicos.
Existe alguma pressão por parte dos atletas e dos próprios clubes para uma utilização
de métodos complementares de diagnóstico excessiva que substitua a prova de
descondicionamento, e que, a médio e longo prazo pode ser prejudicial para o atleta.
(7-9, 13, 20, 60)
PARTICULARIDADES DA RAÇA NEGRA
Ao longo dos anos, muito se tem estudado acerca da adaptação cardíaca ao
exercício físico nos atletas e da sua maior predisposição a eventos de MSC. No
entanto, a grande maioria dos estudos realizados tem por base séries de atletas
caucasianos. Só muito recentemente se começou a investigar a influência da etnia,
quer na adaptação fisiológica, quer no risco de MSC, assunto de extrema relevância,
devido ao aumento exponencial do número de atletas negros de alta competição nas
últimas décadas.(2, 28, 64)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
20
Estudos ecocardiográficos realizados em indivíduos hipertensos demonstraram
que os doentes de raça negra apresentavam um maior índice de massa do ventrículo
esquerdo, com uma hipertrofia ventricular mais marcada, quando comparados com
indivíduos caucasianos da mesma idade, sexo e com os mesmos perfis tensionais.
Com estas conclusões, percebeu-se que talvez as alterações na pré e na pós-carga
produzidas pelo exercício físico intenso e continuado pudessem igualmente induzir
uma adaptação cardíaca de maior magnitude nos atletas negros, comparativamente
aos pares caucasianos. Assim, investigou-se a adaptação fisiológica ao exercício em
atletas negros e mostrou-se que estes apresentavam uma maior prevalência, quer de
alterações eletrocardiográficas (alterações da repolarização, etc), quer de HVE
observável no ecocardiograma. (28, 64, 65)
ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS (ECOCARDIOGRÁFICAS)
No que diz respeito às manifestações ecocardiográficas, uma maior proporção
de atletas negros desenvolve uma espessura da parede do ventrículo esquerdo ≥ 13
mm (18%) e ≥ 15 mm (3%), em oposição aos atletas caucasianos, cuja prevalência é
de 4% e 0, respetivamente.(28) Nos estudos descritos, nenhum dos atletas saudáveis,
caucasianos ou negros, apresentava uma espessura de parede ventricular > 16 mm.
Dos atletas negros pertencentes à “zona cinzenta” de diagnóstico, nenhum
apresentava outras manifestações, como disfunção diastólica, obstrução do trato de
saída do ventrículo esquerdo, ou dilatação da aurícula esquerda, que pudessem
sugerir MCH. (2, 28, 64-67)
Ao observar-se o tamanho da cavidade do ventrículo esquerdo, os atletas
negros, mesmo com hipertrofia ventricular esquerda, apresentavam um diâmetro
transverso telediastólico normal ou aumentado, à semelhança dos atletas caucasianos
saudáveis, com índices de função diastólica normais. No entanto, o diâmetro da
cavidade da aurícula esquerda parece ser ligeiramente maior na etnia africana, bem
como o diâmetro da raiz da artéria aorta. (2, 28, 62, 64-68)
Quando comparamos a raça negra e a raça caucasiana, as diferenças na
adaptação cardíaca parecem manifestar-se apenas na hipertrofia ventricular e não no
aumento ou diminuição das câmaras cardíacas, com a exceção da dilatação da
aurícula esquerda.(61, 66, 69) Os atletas negros aparentam ter uma predisposição para o
desenvolvimento de HVE, em resposta ao aumento da pré e pós-carga associado à
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
21
prática de exercício físico intenso. Provavelmente, esta adaptação mais marcada é
influenciada por múltiplos fatores: hemodinâmicos (aumento da tensão arterial),
endócrinos (aumento das catecolaminas), e mesmo genéticos. Pensa-se que os
fatores genéticos tenham um papel mais importante do que conhecemos atualmente,
pois os restantes fatores, isoladamente, não variam significativamente entre os atletas
de diferentes etnias, de forma a poderem explicar a magnitude das variações na
adaptação observadas. (2, 28, 62, 64-68)
Uma das limitações de alguns estudos realizados é a área de superfície
corporal dos atletas. Este é um dos fatores que influencia o “coração de atleta” e, em
determinados desportos, a área de superfície corporal dos atletas é muito superior ao
normal (> 2 m2).(4, 28) Os atletas com área de superfície corporal mais elevada
apresentam um aumento global das dimensões auriculares e ventriculares, quer
direitas, quer esquerdas, sem aumento marcado do diâmetro telediastólico ventricular
(apenas 4% com diâmetro > 60 mm).(4) Comparando atletas de diferentes etnias, com
a mesma área de superfície corporal, os atletas negros apresentam maiores
dimensões cardíacas do que os restantes, bem como maior hipertrofia ventricular.(4, 64,
67, 70, 71)
ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS
ALTERAÇÕES DA REPOLARIZAÇÃO
As alterações globais da repolarização são mais frequentes nos indivíduos de
raça negra do que nos caucasianos. Cerca de 25% dos atletas de raça negra
apresentam inversão da onda T em V1-V4, frequentemente precedida por uma
elevação convexa do segmento ST.(72, 73) Estas alterações são um critério major de
diagnóstico na CAVD em caucasianos. No entanto, nenhum dos atletas negros
estudados com esta manifestação preencheu qualquer critério de diagnóstico adicional
para CAVD, e as alterações referidas regrediram após descondicionamento. Assim,
estes achados eletrocardiográficos são considerados uma variante do normal padrão
de repolarização nos atletas de raça negra, consequência da adaptação ao exercício,
e, na ausência de sintomas, alterações ao exame físico, ou história familiar, não
carecem de mais investigação.(1-3, 12, 21, 28, 29, 45, 72-74)
As inversões da onda T nas derivações inferiores (II, III e aVF) e/ou laterais (DI,
aVL, V5 e V6) são globalmente incomuns em atletas, sendo a sua prevalência
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
22
aproximadamente 2%. Nos negros, a sua prevalência é ligeiramente maior (8-10%,
sendo 6% nas derivações inferiores e 4% nas laterais), não deixando, no entanto, de
ser uma alteração incomum.(73) Assim, atletas que apresentem inversão da onda T nas
derivações inferiores e/ou laterais necessitam sempre de investigação adicional para
excluir cardiopatia. No caso específico da MCH, quase 80%(21, 72) dos doentes negros
apresentam inversão da onda T nas derivações laterais. (1-3, 12, 21, 28, 29, 45, 72-74)
Apesar das alterações da repolarização serem comuns nesta etnia, a
depressão do segmento ST é um achado eletrocardiográfico raro, tal como sucede nos
atletas caucasianos, que se associa a um risco aumentado de fibrilação ventricular,
motivando sempre investigação adicional.
DILATAÇÃO AURICULAR
A valorização da dilatação auricular num ECG de um atleta de alta competição
é controversa. Foi descrito que a exclusão deste critério das alterações do Grupo 2
dos critérios da ESC, em doentes assintomáticos, sem história familiar positiva de
morte cardíaca prematura, ou alterações ao exame objetivo, levará a uma diminuição
considerável dos falsos positivos de 13 para 7,5%. Isto permitirá um aumento da
especificidade do rastreio de 90 para 94%, à custa de um prejuízo mínimo da
sensibilidade de 91 para 89,5%.(75) Consequentemente, diminuirá os custos do rastreio
de cardiopatias em atletas, bem como aumentará os ganhos sociais e profissionais
dos atletas.(12, 21, 29, 75)
No caso dos atletas de raça negra, este ganho de especificidade será ainda
mais significativo, uma vez que a dilatação da aurícula esquerda é significativamente
mais prevalente em atletas saudáveis negros do que em caucasianos (8,6% vs 2,8%),
bem como a dilatação da aurícula direita (6,35% vs 0,3%, respetivamente).(2) Mesmo
em contexto de patologia, quando se comparam doentes com MCH de diferentes
etnias, os indivíduos negros têm uma prevalência maior de dilatação da aurícula
esquerda do que os caucasianos (44% vs 10-21%,(21) respetivamente).(2, 21, 45)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
23
NOVOS CRITÉRIOS DE RASTREIO
A adaptação cardíaca fisiológica e as diferenças étnicas desta adaptação
representam um desafio para o rastreio de cardiopatias estruturais em atletas,
especialmente quando os critérios existentes são aplicados à raça negra.
Atualmente, os critérios definidos para o rastreio de cardiopatias por ECG em
atletas jovens têm aumentado a sua especificidade. No entanto, continuam a
evidenciar algumas limitações, como o facto de obterem altas taxas de falsos positivos
(10 a 20%) e de se basearem quase exclusivamente em estudos realizados em atletas
caucasianos.(76-78) Esta baixa especificidade tem um grande impacto a nível social,
profissional e económico na vida dos atletas, provocando ansiedade, medo,
discriminação e mesmo desqualificação dos treinos e competições, com perda dos
seus rendimentos económicos.
Sabendo que a população de atletas negros de alta competição está a
aumentar cada vez mais e que estes manifestam mais comummente alterações
marcadas ao ECG, frequentemente sobreponíveis a critérios diagnósticos de
cardiopatia na população geral, é premente a investigação e o aperfeiçoamento dos
critérios de rastreio nesta etnia.
Sheikh et al.(1) descreveram que, de acordo com os critérios de rastreio da
ESC, uma maior percentagem de atletas negros apresentaria uma alteração de risco,
em comparação com os atletas caucasianos (40,4% vs 16,2%).(1) Assim, criaram uma
definição de ECG anormal com 3 grupos (Figura 2), em oposição aos 2 grupos
existentes nos critérios da ESC. No primeiro grupo incluíram as alterações que
correspondem a variantes do normal relacionadas com o exercício, em doentes
assintomáticos e com anamnese negativa, correspondendo ao grupo 1 da ESC.
Posteriormente dividiram as alterações do Grupo 2 da ESC: no segundo grupo
reuniram as alterações consideradas borderline; no terceiro grupo permaneceram as
restantes alterações consideradas incomuns e não relacionadas com o exercício.
Segundo estes novos critérios, uma alteração isolada do segundo grupo (borderline)
não necessita de investigação adicional, conquanto o atleta não apresente clínica ou
história familiar positiva. No entanto, se o atleta apresentar um ECG com duas ou mais
alterações desse grupo, deverá ser avaliado como se pertencesse ao terceiro grupo,
com pesquisa mais minuciosa de cardiopatia. (1)
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
24
Figura 2. Novos critérios de interpretação de ECG em atletas, propostos por Sheikh et al.(1)
Estes critérios melhorados aumentaram significativamente a especificidade
para o diagnóstico de cardiopatia, em relação aos critérios da ESC, tendo-se obtido
uma subida ainda mais expressiva no que diz respeito aos atletas negros: a
especificidade subiu de 73,8% para 94,1% nos atletas caucasianos, e de 40,3% para
84,2% nos pares negros. Este ganho em especificidade não diminuiu a sensibilidade,
que se manteve igual para ambos os critérios (60% nos atletas caucasianos, 70% nos
negros).(1)
Gru
po
1:
Va
ria
nte
s d
o n
orm
al
rela
cio
na
da
s c
om
o e
xe
rcíc
io
Bradicardia sinusal
Bloqueio AV 1º grau
BRD incompleto
Repolarização precoce
Critérios de voltagem do QRS para HVE isolada
Gru
po
2:
alt
era
çõ
es
bo
rde
rlin
e
Dilatação auricular esquerda
Dilatação auricular direita
Desvio do eixo para a esquerda
Desvio do eixo para a direita
HVD
Inversão da onda T V1-V4 em atletas negros G
rup
o 3
: A
lte
raç
õe
s n
ão
re
lac
ion
ad
as
c
om
o e
xe
rcíc
io Depressão do segmento ST
Ondas Q patológicas
Pré-excitação ventricular
Inversão da onda T para além de V1 em atletas caucasianos
Inversão da onda T para além de V4 em atletas negros
BCRE ou BCRD
QTc ≥ 470 ms em homens ou ≥ 480 ms em mulheres
Repolarização precoce do tipo Brugada
Arritmias auriculares ou ventriculares
≥ 2 contrações ventriculares precoces por 10 segundos de traçado ECG
Se isolado Se 2 ou
mais
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
25
CONCLUSÃO
A morte súbita cardíaca em atletas jovens é uma entidade que, apesar de rara,
tem um grande peso na sociedade. Estes casos devem-se a cardiopatias silenciosas
insuspeitas em atletas, cujo exercício precipita frequentemente as suas manifestações,
podendo a morte súbita ser a sua apresentação inicial. Assim, percebe-se a relevância
da criação de um programa de rastreio que seja tanto sensível, quanto específico.
Atualmente, existem ainda muitas limitações no que diz respeito à
implementação universal de um rastreio de pré-participação desportiva. Muitos países
ainda não definiram uma estratégia de rastreio, independentemente de este incluir, ou
não, um eletrocardiograma. Outra dificuldade do rastreio é o facto de os esquemas
atuais serem ainda muito inespecíficos, originando altas taxas de falsos positivos e
uma utilização excessiva de métodos complementares de diagnóstico. Se, por um
lado, a falta de implementação de um rastreio pode conduzir a eventos de MSC, com
consequências catastróficas para a sociedade; por outro, o sobrediagnóstico também
pode prejudicar a vida social e profissional dos atletas, assim como acarretar um
enorme custo financeiro para os clubes e os serviços de saúde.
Os critérios de rastreio existentes até à data foram criados com base em
estudos de atletas caucasianos. Apesar disso, são aceitavelmente sensíveis para
todas as populações. No entanto, a sua falha de especificidade é particularmente
importante nas populações-alvo de raça negra. Esta é uma questão de enorme
relevância, uma vez que a população de atletas de raça negra tem vindo a aumentar
progressivamente por todo o mundo, nas últimas décadas. Estes atletas manifestam
inúmeras diferenças, quer no desenvolvimento do “coração de atleta”, quer no
diagnóstico de cardiopatias, aparentando ter um risco aumentado de morte súbita
cardíaca em determinadas patologias.
Os estudos realizados e atletas negros são ainda escassos, baseando-se em
séries muito limitadas, com números de amostra reduzidos. Atendendo à atualidade e
importância deste tema, é premente que se realizem mais estudos, avaliando a
influência da etnia, quer africana, quer outras, na adaptação cardíaca ao exercício
físico e nas diferenças do rastreio de cardiopatias nestes atletas.
Seria ainda muito importante continuar a investigar os novos critérios de
rastreio propostos por Sheikh et al., estudando a sua implementação em grandes
populações heterogéneas de atletas, de modo a confirmar a validade dos seus
resultados.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Sheikh N, Papadakis M, Ghani S, Zaidi A, Gati S, Adami PE, et al. Comparison of
electrocardiographic criteria for the detection of cardiac abnormalities in elite black and white
athletes. Circulation. 2014;129(16):1637-49.
2. Papadakis M, Wilson, MG, Ghani, S, Kervio G, Carre, F, Sharma, S. Impact of athnicity
upon cardiovascular adaptation in competitive athletes: relevance to preparticipation screening.
British journal of sports medicine. 2012;46(Suppl I):i22-i8.
3. Chandra N, Bastiaenen R, Papadakis M, Sharma S. Sudden cardiac death in young
athletes: practical challenges and diagnostic dilemmas. Journal of the American College of
Cardiology. 2013;61(10):1027-40.
4. Riding NR, Salah O, Sharma S, Carre F, O'Hanlon R, George KP, et al. Do big athletes
have big hearts? Impact of extreme anthropometry upon cardiac hypertrophy in professional
male athletes. British journal of sports medicine. 2012;46 Suppl 1:i90-7.
5. Lauschke J, Maisch B. Athlete's heart or hypertrophic cardiomyopathy? Clinical
research in cardiology : official journal of the German Cardiac Society. 2009;98(2):80-8.
6. Pluim BM, Zwinderman AH, van der Laarse A, van der Wall EE. The athlete's heart. A
meta-analysis of cardiac structure and function. Circulation. 2000;101(3):336-44.
7. Maron BJ, Pelliccia A, Spirito P. Cardiac disease in young trained athletes. Insights into
methods for distinguishing athlete's heart from structural heart disease, with particular emphasis
on hypertrophic cardiomyopathy. Circulation. 1995;91(5):1596-601.
8. Maron BJ. Distinguishing hypertrophic cardiomyopathy from athlete's heart: a clinical
problem of increasing magnitude and significance. Heart (British Cardiac Society).
2005;91(11):1380-2.
9. Maron BJ. Distinguishing hypertrophic cardiomyopathy from athlete's heart
physiological remodelling: clinical significance, diagnostic strategies and implications for
preparticipation screening. British journal of sports medicine. 2009;43(9):649-56.
10. Corrado D, Schmied C, Basso C, Borjesson M, Schiavon M, Pelliccia A, et al. Risk of
sports: do we need a pre-participation screening for competitive and leisure athletes? European
heart journal. 2011;32(8):934-44.
11. Corrado D, Basso C, Rizzoli G, Schiavon M, Thiene G. Does sports activity enhance the
risk of sudden death in adolescents and young adults? Journal of the American College of
Cardiology. 2003;42(11):1959-63.
12. Corrado D, Pelliccia A, Heidbuchel H, Sharma S, Link M, Basso C, et al.
Recommendations for interpretation of 12-lead electrocardiogram in the athlete. European heart
journal. 2010;31(2):243-59.
13. Maron BJ. Sudden death in young athletes. The New England journal of medicine.
2003;349(11):1064-75.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
27
14. Papadakis M, Sharma, S. Sudden cardiac death. Medicine. 2010;38:9.
15. Corrado D, Basso C, Pavei A, Michieli P, Schiavon M, Thiene G. Trends in sudden
cardiovascular death in young competitive athletes after implementation of a preparticipation
screening program. Jama. 2006;296(13):1593-601.
16. Harmon KG, Asif IM, Klossner D, Drezner JA. Incidence of sudden cardiac death in
National Collegiate Athletic Association athletes. Circulation. 2011;123(15):1594-600.
17. Maron BJ, Doerer JJ, Haas TS, Tierney DM, Mueller FO. Sudden deaths in young
competitive athletes: analysis of 1866 deaths in the United States, 1980-2006. Circulation.
2009;119(8):1085-92.
18. Maron BJ. Hypertrophic cardiomyopathy: a systematic review. Jama.
2002;287(10):1308-20.
19. Stroumpoulis KI, Pantazopoulos IN, Xanthos TT. Hypertrophic cardiomyopathy and
sudden cardiac death. World journal of cardiology. 2010;2(9):289-98.
20. Elliott PM, Anastasakis A, Borger MA, Borggrefe M, Cecchi F, Charron P, et al. 2014
ESC Guidelines on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy: the Task Force
for the Diagnosis and Management of Hypertrophic Cardiomyopathy of the European Society of
Cardiology (ESC). European heart journal. 2014;35(39):2733-79.
21. Drezner JA, Ashley E, Baggish AL, Borjesson M, Corrado D, Owens DS, et al.
Abnormal electrocardiographic findings in athletes: recognising changes suggestive of
cardiomyopathy. British journal of sports medicine. 2013;47(3):137-52.
22. Montagnana M, Lippi G, Franchini M, Banfi G, Guidi GC. Sudden cardiac death in
young athletes. Internal medicine (Tokyo, Japan). 2008;47(15):1373-8.
23. Gersh BJ, Maron BJ, Bonow RO, Dearani JA, Fifer MA, Link MS, et al. 2011 ACCF/AHA
guideline for the diagnosis and treatment of hypertrophic cardiomyopathy: a report of the
American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines. The Journal of thoracic and cardiovascular surgery. 2011;142(6):e153-203.
24. Shirley KW AT. Sudden cardiac death in young athletes. Clin Pediatr Emerg Med.
2005(6(4)):194-9.
25. Wever-Pinzon OE, Myerson M, Sherrid MV. Sudden cardiac death in young competitive
athletes due to genetic cardiac abnormalities. Anadolu kardiyoloji dergisi : AKD = the Anatolian
journal of cardiology. 2009;9 Suppl 2:17-23.
26. Longo F, Kasper, Hauser, Jameson Loscalzo. Harrison Principles of Medicine 18th
Edition.18th Edition.
27. Longo F, Kasper, Hauser, Jameson Loscalzo. Harrison Principles of Medicine 19th
Edition.19th Edition.
28. Chandra N, Papadakis, M., Sharma, S. Cardiac adaptation in athletes of black ethnicity:
differentiating pathology from physiology. Heart (British Cardiac Society). 2012.
29. Uberoi A, Stein R, Perez MV, Freeman J, Wheeler M, Dewey F, et al. Interpretation of
the electrocardiogram of young athletes. Circulation. 2011;124(6):746-57.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
28
30. Cardim N, Galderisi M, Edvardsen T, Plein S, Popescu BA, D'Andrea A, et al. Role of
multimodality cardiac imaging in the management of patients with hypertrophic cardiomyopathy:
an expert consensus of the European Association of Cardiovascular Imaging Endorsed by the
Saudi Heart Association. European heart journal cardiovascular Imaging. 2015;16(3):280.
31. Corrado D, Thiene G. Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia:
clinical impact of molecular genetic studies. Circulation. 2006;113(13):1634-7.
32. Basso C, Thiene G, Corrado D, Angelini A, Nava A, Valente M. Arrhythmogenic right
ventricular cardiomyopathy. Dysplasia, dystrophy, or myocarditis? Circulation. 1996;94(5):983-
91.
33. Avramides D, Protonotarios N, Asimaki A, Matsakas E. Arrhythmogenic right ventricular
cardiomyopathy/dysplasia. Hellenic journal of cardiology : HJC = Hellenike kardiologike
epitheorese. 2011;52(5):452-61.
34. Marcus FI, McKenna WJ, Sherrill D, Basso C, Bauce B, Bluemke DA, et al. Diagnosis of
arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia: proposed modification of the Task
Force Criteria. European heart journal. 2010;31(7):806-14.
35. Kumpf M, Sieverding L, Gass M, Kaulitz R, Ziemer G, Hofbeck M. Anomalous origin of
left coronary artery in young athletes with syncope. BMJ (Clinical research ed).
2006;332(7550):1139-41.
36. Angelini P. Coronary artery anomalies: an entity in search of an identity. Circulation.
2007;115(10):1296-305.
37. Basso C, Maron BJ, Corrado D, Thiene G. Clinical profile of congenital coronary artery
anomalies with origin from the wrong aortic sinus leading to sudden death in young competitive
athletes. Journal of the American College of Cardiology. 2000;35(6):1493-501.
38. Alizad A, Seward JB. Echocardiographic features of genetic diseases: part 4.
Connective tissue. Journal of the American Society of Echocardiography : official publication of
the American Society of Echocardiography. 2000;13(4):325-30.
39. Timmermans C, Smeets JL, Rodriguez LM, Vrouchos G, van den Dool A, Wellens HJ.
Aborted sudden death in the Wolff-Parkinson-White syndrome. The American journal of
cardiology. 1995;76(7):492-4.
40. Saxena A, Chang CJ, Wang S. Wolff-Parkinson-White syndrome in athletes. Current
sports medicine reports. 2006;5(5):254-7.
41. Keating L, Morris FP, Brady WJ. Electrocardiographic features of Wolff-Parkinson-White
syndrome. Emergency medicine journal : EMJ. 2003;20(5):491-3.
42. Ehtisham J, Watkins H. Is Wolff-Parkinson-White syndrome a genetic disease? Journal
of cardiovascular electrophysiology. 2005;16(11):1258-62.
43. Pelliccia A, Fagard R, Bjornstad HH, Anastassakis A, Arbustini E, Assanelli D, et al.
Recommendations for competitive sports participation in athletes with cardiovascular disease: a
consensus document from the Study Group of Sports Cardiology of the Working Group of
Cardiac Rehabilitation and Exercise Physiology and the Working Group of Myocardial and
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
29
Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology. European heart journal.
2005;26(14):1422-45.
44. Maron BJ, Zipes DP. 36th Bethesda Conference: eligibility recommendations for
competitive athletes with cardiovascular abnormalities. Journal of the American College of
Cardiology. 2005;45:2-64.
45. Wilson MG, Chatard JC, Carre F, Hamilton B, Whyte GP, Sharma S, et al. Prevalence
of electrocardiographic abnormalities in West-Asian and African male athletes. British journal of
sports medicine. 2012;46(5):341-7.
46. Haugaa KH, Leren IS, Berge KE, Bathen J, Loennechen JP, Anfinsen OG, et al. High
prevalence of exercise-induced arrhythmias in catecholaminergic polymorphic ventricular
tachycardia mutation-positive family members diagnosed by cascade genetic screening.
Europace : European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the
working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the
European Society of Cardiology. 2010;12(3):417-23.
47. Gonzalez-Melchor L, Villarreal-Molina T, Iturralde-Torres P, Medeiros-Domingo A.
[Sudden cardiac death in individuals with normal hearts: an update]. Archivos de cardiologia de
Mexico. 2014;84(4):293-304.
48. Watanabe H, Knollmann BC. Mechanism underlying catecholaminergic polymorphic
ventricular tachycardia and approaches to therapy. Journal of electrocardiology.
2011;44(6):650-5.
49. Pflaumer A, Davis AM. Guidelines for the diagnosis and management of
Catecholaminergic Polymorphic Ventricular Tachycardia. Heart, lung & circulation.
2012;21(2):96-100.
50. Maron BJ, Thompson PD, Puffer JC, McGrew CA, Strong WB, Douglas PS, et al.
Cardiovascular preparticipation screening of competitive athletes: addendum: an addendum to
a statement for health professionals from the Sudden Death Committee (Council on Clinical
Cardiology) and the Congenital Cardiac Defects Committee (Council on Cardiovascular Disease
in the Young), American Heart Association. Circulation. 1998;97(22):2294.
51. Corrado D, Pelliccia A, Bjornstad HH, Vanhees L, Biffi A, Borjesson M, et al.
Cardiovascular pre-participation screening of young competitive athletes for prevention of
sudden death: proposal for a common European protocol. Consensus Statement of the Study
Group of Sport Cardiology of the Working Group of Cardiac Rehabilitation and Exercise
Physiology and the Working Group of Myocardial and Pericardial Diseases of the European
Society of Cardiology. European heart journal. 2005;26(5):516-24.
52. Sen-Chowdhry S, McKenna WJ. Sudden cardiac death in the young: a strategy for
prevention by targeted evaluation. Cardiology. 2006;105(4):196-206.
53. Chandra N, Papadakis M, Sharma S. Preparticipation screening of young competitive
athletes for cardiovascular disorders. The Physician and sportsmedicine. 2010;38(1):54-63.
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
30
54. Steinvil A, Chundadze T, Zeltser D, Rogowski O, Halkin A, Galily Y, et al. Mandatory
electrocardiographic screening of athletes to reduce their risk for sudden death proven fact or
wishful thinking? Journal of the American College of Cardiology. 2011;57(11):1291-6.
55. Corrado D, Basso C, Schiavon M, Pelliccia A, Thiene G. Pre-participation screening of
young competitive athletes for prevention of sudden cardiac death. Journal of the American
College of Cardiology. 2008;52(24):1981-9.
56. Angelini P, Vidovich MI, Lawless CE, Elayda MA, Lopez JA, Wolf D, et al. Preventing
sudden cardiac death in athletes: in search of evidence-based, cost-effective screening. Texas
Heart Institute journal / from the Texas Heart Institute of St Luke's Episcopal Hospital, Texas
Children's Hospital. 2013;40(2):148-55.
57. Chaitman BR. An electrocardiogram should not be included in routine preparticipation
screening of young athletes. Circulation. 2007;116(22):2610-4; discussion 5.
58. Ng B, Maginot KR. Sudden cardiac death in young athletes: trying to find the needle in
the haystack. WMJ : official publication of the State Medical Society of Wisconsin.
2007;106(6):335-42.
59. Migliore F, Zorzi A, Michieli P, Perazzolo Marra M, Siciliano M, Rigato I, et al.
Prevalence of cardiomyopathy in Italian asymptomatic children with electrocardiographic T-
wave inversion at preparticipation screening. Circulation. 2012;125(3):529-38.
60. Elliott PM, Anastasakis A, Borger MA, Borggrefe M, Cecchi F, Charron P, et al. 2014
ESC Guidelines on diagnosis and management of hypertrophic cardiomyopathy web addenda:
the Task Force for the Diagnosis and Management of Hypertrophic Cardiomyopathy of the
European Society of Cardiology (ESC). European heart journal. 2014.
61. Pelliccia A, Maron BJ, Spataro A, Proschan MA, Spirito P. The upper limit of physiologic
cardiac hypertrophy in highly trained elite athletes. The New England journal of medicine.
1991;324(5):295-301.
62. Zhang L, Mmagu O, Liu L, Li D, Fan Y, Baranchuk A, et al. Hypertrophic
cardiomyopathy: Can the noninvasive diagnostic testing identify high risk patients? World
journal of cardiology. 2014;6(8):764-70.
63. La Gerche A, Baggish AL, Knuuti J, Prior DL, Sharma S, Heidbuchel H, et al. Cardiac
imaging and stress testing asymptomatic athletes to identify those at risk of sudden cardiac
death. JACC Cardiovascular imaging. 2013;6(9):993-1007.
64. Sheikh N, Papadakis M, Carre F, Kervio G, Panoulas VF, Ghani S, et al. Cardiac
adaptation to exercise in adolescent athletes of African ethnicity: an emergent elite athletic
population. British journal of sports medicine. 2013;47(9):585-92.
65. Mayet J, Shahi M, Foale RA, Poulter NR, Sever PS, Mc GTSA. Racial differences in
cardiac structure and function in essential hypertension. BMJ (Clinical research ed).
1994;308(6935):1011-4.
66. Basavarajaiah S, Boraita A, Whyte G, Wilson M, Carby L, Shah A, et al. Ethnic
differences in left ventricular remodeling in highly-trained athletes relevance to differentiating
Morte súbita cardíaca no atleta jovem – particularidades na raça negra
31
physiologic left ventricular hypertrophy from hypertrophic cardiomyopathy. Journal of the
American College of Cardiology. 2008;51(23):2256-62.
67. Basavarajaiah S, Wilson M, Whyte G, Shah A, McKenna W, Sharma S. Prevalence of
hypertrophic cardiomyopathy in highly trained athletes: relevance to pre-participation screening.
Journal of the American College of Cardiology. 2008;51(10):1033-9.
68. Maron BJ, Carney KP, Lever HM, Lewis JF, Barac I, Casey SA, et al. Relationship of
race to sudden cardiac death in competitive athletes with hypertrophic cardiomyopathy. Journal
of the American College of Cardiology. 2003;41(6):974-80.
69. Pelliccia A, Culasso F, Di Paolo FM, Maron BJ. Physiologic left ventricular cavity
dilatation in elite athletes. Annals of internal medicine. 1999;130(1):23-31.
70. Choo JK, Abernethy WB, 3rd, Hutter AM, Jr. Electrocardiographic observations in
professional football players. The American journal of cardiology. 2002;90(2):198-200.
71. Magalski A, Maron BJ, Main ML, McCoy M, Florez A, Reid KJ, et al. Relation of race to
electrocardiographic patterns in elite American football players. Journal of the American College
of Cardiology. 2008;51(23):2250-5.
72. Papadakis M, Carre F, Kervio G, Rawlins J, Panoulas VF, Chandra N, et al. The
prevalence, distribution, and clinical outcomes of electrocardiographic repolarization patterns in
male athletes of African/Afro-Caribbean origin. European heart journal. 2011;32(18):2304-13.
73. Wilson MG, Sharma S, Carre F, Charron P, Richard P, O'Hanlon R, et al. Significance
of deep T-wave inversions in asymptomatic athletes with normal cardiovascular examinations:
practical solutions for managing the diagnostic conundrum. British journal of sports medicine.
2012;46 Suppl 1:i51-8.
74. Zaidi A, Ghani S, Sharma R, Oxborough D, Panoulas VF, Sheikh N, et al. Physiological
right ventricular adaptation in elite athletes of African and Afro-Caribbean origin. Circulation.
2013;127(17):1783-92.
75. Gati S, Sheikh N, Ghani S, Zaidi A, Wilson M, Raju H, et al. Should axis deviation or
atrial enlargement be categorised as abnormal in young athletes? The athlete's
electrocardiogram: time for re-appraisal of markers of pathology. European heart journal.
2013;34(47):3641-8.
76. Sharma S, Ghani S, Papadakis M. ESC criteria for ECG interpretation in athletes: better
but not perfect. Heart (British Cardiac Society). 2011;97(19):1540-1.
77. Baggish AL, Hutter AM, Jr., Wang F, Yared K, Weiner RB, Kupperman E, et al.
Cardiovascular screening in college athletes with and without electrocardiography: A cross-
sectional study. Annals of internal medicine. 2010;152(5):269-75.
78. Weiner RB, Hutter AM, Wang F, Kim JH, Wood MJ, Wang TJ, et al. Performance of the
2010 European Society of Cardiology criteria for ECG interpretation in athletes. Heart (British
Cardiac Society). 2011;97(19):1573-7.