museus e democratização do consumo cultural: o papel do ... · a abertura da museologia para uma...

12
Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu Catarina Ferreira Carreto Rui Carreto

Upload: others

Post on 02-Feb-2021

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Museus e democratização do consumo cultural:

    O papel do design na loja do museu

    Catarina Ferreira Carreto

    Rui Carreto

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    2

    Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    Catarina Ferreira Carreto

    Faculdade de Arquitectura – Universidade de Lisboa; designer de interiores e equipamento.

    Concluiu em 2011 o curso de Estudos Avançados em Design na Faculdade de Arquitectura da

    Universidade Técnica de Lisboa, onde se encontra também a desenvolver o doutoramento na área

    do Design e da Museologia, com o tema da dissertação “Design para a democratização do

    consumo cultural: Loja do Museu”. Tem apresentado comunicações e publicado artigos científicos

    na sua área de investigação. [email protected]

    Rui Carreto

    Faculdade de Arquitectura e Artes - Universidade Lusíada de V.N. Famalicão; designer de

    interiores. É doutorado em Design pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de

    Lisboa com a tese “Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável”.

    Tem apresentado comunicações e publicado artigos científicos na sua área de investigação. Foi

    docente no curso de Design de Interiores e Equipamento na Esart-IPCB e actualmente lecciona na

    Universidade Lusíada e no Instituto Superior Miguel Torga. [email protected]

    Resumo

    Com o desenvolvimento da vida urbana e da sociedade contemporânea a cultura do

    conhecimento e do lazer ganhou preponderância. A loja do museu tem hoje o seu lugar de

    destaque no acesso a recursos e bens culturais. Como lugar de extensão cultural do próprio

    museu é um espaço de conhecimento e cidadania que promove o direito à fruição e

    consumo de bens culturais. Esse consumo, através da fruição e da aquisição permite

    prolongar a continuidade da visita do museu e reforçar a relação dos públicos com a

    instituição. Com este enquadramento, a loja do museu desempenha um papel cada vez

    mais importante, no qual o design tem um contributo próprio a desempenhar , tanto no que

    diz respeito à inserção da loja no percurso museológico como no que se refere aos

    conteúdos nela disponibilizados. Este estudo tem como finalidade compreender e

    mailto:[email protected]

  • Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    3

    referenciar o papel do design na loja do museu, fundamentando conceitos de forma a

    contribuir para a democratização do consumo de bens culturais.

    Palavras-chave: Museus, loja do museu, democratização, consumo cultural, design

    Abstract

    With the development of urban life and contemporary society’s culture and leisure

    knowledge gained dominance. The museum shop today has its place in the access to cultural

    resources and assets. As a place of cultural extension of the museum, it is a place of knowledge

    and citizenship that promotes the right to the enjoyment and consumption of cultural goods. This

    consumption, through enjoyment and acquisition, allows the continuity of the museum visit and

    strengthen the relationship with the public institution. With this framework, the museum shop plays

    an increasingly important role, in which the design have their own contribution to play both with

    regard to the insertion shop in the museum route as in regard to the content available on it. This

    study aims to understand and reference the role of design in the museum shop, basing concepts to

    contribute to the democratization of consumption of cultural goods.

    Keywords: Museums, museum shop, democratization, cultural consumption, design.

    Com o desenvolvimento da vida urbana e da sociedade contemporânea a cultura do

    conhecimento e do lazer ganhou preponderância. Se na génese do museu apenas uma

    pequena minoria tinha acesso ao coleccionismo, como uma actividade privilegiada

    representativa de poder socioeconómico associado à riqueza, conhecimento e poder dos seus

    proprietários, no século XVIII consolidou-se enquanto instituição pública, rompendo com as

    anteriores práticas coleccionistas e transpondo conceitos da esfera privada para o paradigma

    de museu público. Esta época de transição, entre o coleccionismo tradicional privado e os

    museus institucionais abertos ao público, foi um marco importante e trouxe grandes mudanças

    ao nível da democratização do consumo cultural, transformando-o em lugar de afluência

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    4

    maciça característico de uma sociedade contemporânea1. “(…) Con el propósito de convertir el

    nuevo museo en una realidad dinámica, abierta y democrática, encargada de concienciar a la

    población de que el museo ha de estar al servicio de la sociedad y ha de contribuir a su

    desarrollo integral”2 (3).

    A dimensão social que os museus adquiriram teve reflexo no número e variedade de

    tipologias, pois foram utilizadas estratégias de difusão e de transmissão de conhecimentos

    científicos e culturais, que associavam cultura e lazer. No século XX, a implementação de vários

    museus por todo o mundo, como reflexo da dinâmica cultural de uma sociedade em constante

    evolução, surge com a responsabilidade de conservar e educar, contribuindo para a evolução da

    própria sociedade. Como instituição, o museu sempre acompanhou as necessidades evolutivas de

    uma sociedade em constante mudança, assim como a evolução da arte, criando uma relação

    directa entre ambas. A própria evolução do conceito de arte, a partir das vanguardas modernistas,

    veio romper com as formas expositivas e funções tradicionais, muito centralizadas nas colecções45.

    A abertura da museologia para uma nova museologia veio permitir uma ampliação do

    conceito de museu e a aplicação de “novas museografias”, originando novas formas e contextos

    expositivos6. O museu passa a ter uma dupla responsabilidade, a de conservação do objecto como

    um elemento do nosso património e a de qualificação da sociedade através da sua missão

    educativa. Segundo Marc Maure, o novo museu consiste num:

    “(…) sistema abierto e interactivo – escribe – supone la utilización de un nuevo

    modelo de trabajo museístico. No se trata ya de un proceso donde las operaciones de

    1 FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Museología y Museografía. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2010.; León, Aurora. El museo:

    Teoría, Praxis e Utopía. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995.

    2 T. L. “Com o propósito de converter o novo museu numa realidade dinâmica, aberta e democrática, encarregada de

    consciencializar a população de que o museu está ao serviço da sociedade e deve contribuir para o seu

    desenvolvimento”.

    3 HERNÁNDEZ, Francisca. Planteamientos Teóricos de la Museología. Gijón: Ediciones Trea, 2006. p.167

    4 CARRETO, Rui. Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável. Tese de doutoramento,

    Universidade Técnica de Lisboa, 2013.

    5 CARRETO, Rui. Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu reutilizável. Tese de doutoramento,

    Universidade Técnica de Lisboa, 2013.

    6 CARRETO, Rui; CARRETO, Catarina; CALADO, Maria. Design Como Instrumento Museográfico / Design as a

    Museographic tool. In Actas do Congresso Internacional de Pesquisa em Design, VI, Lisboa, 10-12 Outubro, 2011.

  • Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    5

    recolección, preservación y difusión son efectuadas en el museo, constituyendo un

    mundo en parte aislado de la sociedad” 7 (

    8).

    Fernández 9 completa esta posição, salientando que o funcionamento do novo museu é

    baseado na participação activa da comunidade, através do diálogo com os profissionais envolvidos.

    O museu passa a estar ao serviço da sociedade para educar e comunicar sem esquecer a

    incumbência de preservar os objectos culturais. Do “(…) «templo de las musas»”, a convertirse en

    un lugar de encuentro y un punto de referencia cultural propio de los «mass- media» (…)” 10 (11).

    “O aumento progressivo do índice de escolarização, a democratização de acesso à

    cultura e a noção de que o desenvolvimento pressupõe a articulação de várias

    valências – económica, social e cultural – são factores que se reflectem na procura e

    no crescimento dos museus” 12

    .

    Segundo Gant13, os museus converteram-se em elementos dinamizadores da sociedade,

    localizados, muitas vezes, em territórios marginais, funcionando como regeneradores para

    qualificar e atrair visitantes. Passaram por transformações conceptuais e ganharam lugar de

    destaque e de afluência, “(…) destinado ao consumo visual e hedonista do grande público” 14.

    Também a arquitectura iconográfica dos seus edifícios, se tornou uma estratégia adoptada pelos

    museus. Agora os conteúdos expositivos não são apenas a colecção que possui no interior, mas

    também o edifício se torna parte integrante da colecção, sendo vital para alguns museus, tal como

    7 T. L. “(…) um sistema aberto e interactivo – escreve – envolve a utilização de um novo modelo de trabalho museístico.

    Já não é um processo onde as operações de recolha, preservação e divulgação são realizadas no museu, em parte, para

    ser um mundo isolado da sociedade”.

    8 MAURE apud FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Introducción a la nueva museología. Madrid: Alianza Editorial, 2002. p.107

    9 FERNÁNDEZ, op.cit., 2002.

    10 T.L. “ (…) «templo das musas» a converter-se num lugar de encontro e um ponto de referência cultural próprio dos

    “mass-media” (…)”.

    11 HERNÁNDEZ, Francisca. Manual de Museología. Madrid: Editorial Síntesis, 2008. p.81

    12 SILVA, Isabel. Apresentação. In A cultura em acção: Impactos sociais e território, orgs. Álvaro Domingues et al., Porto:

    Edições Afrontamento, 2003. p.9

    13 GANT, Maria Luísa B. Arte, Museos y Nuevas Tecnologías. Gijón: Ediciones Trea, 2001.

    14 LIPOVETSKY, Gilles; Serroy, Jean. A Cultura-Mundo: Resposta a uma sociedade desorientada. Lisboa: Edições 70,

    2003. p.111

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    6

    é o caso do Guggenheim de Bilbao desenhado por Frank Gehry ou Museu de Arte Contemporânea

    de Niterói de Oscar Niemeyer, entre muitos outros.

    “(…) um pouco por todo o lado, a construção dos novos museus dá resposta às

    exigências de as cidades gerirem a sua imagem, de se dotarem de edifícios

    “publicitários” para construírem a sua imagem de marca e atraírem os turistas com

    lugares emblemáticos imediatamente reconhecíveis” 15

    .

    As funções dos museus ultrapassam os limites arquitectónicos e os limites das colecções,

    tornaram-se não só um espaço de cultura e de conhecimento, mas também de lazer, com oferta de

    livrarias, bibliotecas, restaurantes e lojas especializadas. Estes equipamentos actuam, ainda, como

    espaços de convívio, de descanso e de relação entre os visitantes com a própria instituição. “No

    seu interior, o museu transformou-se em lugar destinado à afluência maciça de um público activo,

    aos estímulos, à interacção e também ao consumo no seu sentido mais amplo (cafetarias,

    restaurantes, lojas, livrarias, etc.)” 16.

    “La implementación de estos servicios debemos vincularla con la planificación

    empresarial, que se ha aplicado también a los museos orientada a conseguir la eficaz

    gestión de los fundos y de las relaciones con el público para rentabilizar la institución

    (…), se pretenden crear espacios no expositivos en los que el visitante pueda asimilar

    al museo la lectura y el ocio”17

    (18

    ).

    Segundo Gant19, a subsistência das colecções apoia-se cada vez mais nas estratégias

    comerciais e culturais, pois uma boa programação e plano museográfico requerem um alto

    financiamento. “Al fin y al cabo, el arte contemporáneo auspiciaba la unión entre arte e vida, y el

    consumo forma parte de hoy de este binomio. Por ello, vivir el museo se ha convertido en buena

    15

    LIPOVETSKY, Gilles; Serroy, Jean, op.cit., 2003, p.112.

    16 MONTANER, Josep María. Museos para el siglo XXI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003. p.148

    17 T. L. "Devemos vincular a implementação destes serviços com a planificação empresarial, que também foi aplicado aos

    museus voltados para alcançar a gestão eficaz dos fundos e das relações com o público para rentabilizar a instituição (...)

    pretendem-se criar espaços não expositivos onde o visitante pode aproveitar a leitura e o lazer no museu”.

    18 GANT, op.cit., 2001, p.203-204.

    19 GANT, op.cit., 2001.

  • Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    7

    medida en una opción económica”20 (21). Deste modo, têm-se verificado novas estratégias na

    tentativa de levar a arte mais próximo das comunidades. Não só o museu criou espaços de lazer e

    de consumo como forma de atrair visitantes, como também inverteu a sua estratégia, levando a

    arte e o conhecimento a locais de consumo e de ócio, conseguindo assim alcançar um diferente

    núcleo de visitantes, não habituados a visitar museus ou exposições, ou ainda incentivar a visita à

    própria instituição.

    Em resposta a esta cultura de consumo, os museus modernizaram-se, desenvolveram e

    divulgaram-se através da publicidade das suas colecções e actividades educativas, ampliando,

    deste modo, os públicos e os motivos de visita22. Neste sentido, face à democratização do

    consumo cultural, a loja do museu tem hoje o seu lugar de destaque no acesso a recursos e bens

    culturais. Como lugar de extensão cultural do próprio museu é um espaço de conhecimento e de

    cidadania que promove o direito à fruição e consumo de bens culturais. Esse consumo, através da

    fruição e da aquisição permite prolongar a continuidade da visita do museu e reforçar a relação dos

    públicos com a instituição. Entendemos a democratização da cultura, tal como Lopes (2007) a

    entende, fundamentada na “Conceptualização descendente da transmissão cultural, próxima dos

    dispositivos da difusão (…) levando o espírito dos grandes templos culturais às mais anódinas e

    descentralizadas casas da cultura” e ainda na “Conceptualização paternalista da política cultural,

    assente (…) na ideia de que urge «elevar o nível cultural das massas» (…)” 23.

    Quando se fala em democratização da cultura, também não podemos deixar de evidenciar a

    importância da reprodutibilidade técnica, que Walter Benjamin (1892-1940) refere no seu ensaio, A

    Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica. Benjamin salienta o comércio massificado

    de conteúdos culturais a partir de réplicas, deixando salvaguardado o valor áureo ao original que

    por si só não gera valor económico, mas que, no entanto, poderá gerar indirectamente24. Neste

    sentido, a aura será sempre propriedade da obra única, mas, no caso da reprodutibilidade, esfuma-

    se na proporção da independência do objecto no seu enquadramento tradicional, ganhando

    20

    T. L. "Ao fim e ao cabo, a arte contemporânea auspiciava a união entre arte e vida, e hoje o consumo é parte deste

    binómio. Então viver o museu tornou-se em grande parte uma opção económica”.

    21 GANT, op.cit., 2001, p.205

    22 SILVA, Raquel Henriques da. Museus em acção: os Desafios necessários. In A cultura em acção: Impactos sociais e

    território, orgs. Álvaro Domingues et al., Porto: Edições Afrontamento, 2003.

    23 LOPES, João Teixeira. Da democratização à democracia cultural: uma reflexão sobre políticas culturais e espaço

    público. Porto: Profedições, 2007. p.80

    24 BENJAMIN, Walter. Sobre a Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    8

    capacidades de se multiplicar e de se aproximar a novos interlocutores no processo de

    percepção/aprendizagem. Nesta fase industrial, a cultura de massas ganha expressão e assume

    um carácter preponderante na aceitação de uma reprodução técnica exímia, de modo a criar um

    objecto/imagem mais próximo do original, retirando assim o “invólucro” à sua aura.

    Neste contexto de consumo cultural híper-estimulado e de grande afluência do público,

    museus e centros culturais trabalham para transformar as suas lojas num produto específico.

    Oferecem linhas próprias de produtos relacionados com a colecção do museu, reproduções,

    produtos novos, exclusivos, artesanato, peças de arte, design, utilitários e acessórios produzidos

    por organizações comunitárias.

    No que reporta ao consumo cultural, é de referir “O que caracteriza a sociedade de

    consumo é a universalidade da fait-divers na comunicação de massa. Toda a informação política,

    histórica e cultural é acolhida sob a mesma forma, simultaneamente anódina e miraculosa, do fait-

    divers” 25. Para o sociólogo Featherstone,

    “Usar a expressão «cultura de consumo» significa enfatizar que o mundo das

    mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da

    sociedade contemporânea. Isso envolve um foco duplo: em primeiro lugar, na

    dimensão cultural da economia, a simbolização e o uso de bens materiais como

    «comunicadores», ano apenas como utilidades, em segundo lugar, na economia dos

    bens culturais, os princípios de mercado (…) que operam dentro da esfera dos estilos

    de vida, bens culturais e mercadorias” 26

    (Featherstone 1995, 121).

    No entanto, para Slater “(…) a cultura de consumo (…) está ligada a valores, práticas,

    e instituições fundamentais que definem a modernidade ocidental, como opção, o

    individualismo e as relações de mercado” 27. Neste contexto, o sociólogo Bauman refere que

    “(…) a sociedade pós-moderna envolve os seus membros primariamente em sua condição de

    consumidores, e não de produtores (…)” 28. Enquanto a produção de cultura segue normas

    25

    BENJAMIN, op.cit., 1992, p.25

    26FEATHERSTONE, Mike. Cultura do consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. p.121

    27 SLATER, Don. Consumer Culture and Modernity. Cambridge: Polity Press, 1997. p.17

    28 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2001. p.90

  • Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    9

    estritas, a vida organizada em torno do consumo “(…) é orientada pela sedução, por desejos

    sempre crescentes e queres voláteis (…)” 29.

    Dentro desta abordagem, chamamos a atenção para o carácter do consumo “(…) como

    um processo autodirigido e criativo, em que os ideais culturais estão necessariamente

    implicados” 30. Campbell considera que se o consumismo moderno se caracteriza pela

    importância que o desejo e a emoção têm na constituição das subjectividades e pelo seu

    carácter individualista, isso ocorreu devido a uma mudança na concepção das fontes de

    prazer, onde o hedonismo tradicional cedeu espaço ao hedonismo moderno, com o papel

    decisivo que o romantismo desempenhou neste processo.

    Consumir é uma actividade que se constitui parte da nossa vida quotidiana e os

    lugares onde decidimos fazê-lo reflectem o nosso estilo de vida, a nossa cultura e os nossos

    interesses. Deste modo, estabelecemos uma relação com aquilo que nos identifica e o

    ambiente ou contextualização dos espaços de consumo cultural. Cada vez mais, a ida à loja

    do museu faz parte integrante do percurso cultural. A situação actual apresenta-nos um

    cenário ecléctico e segmentado. As lojas de museus têm vindo a introduzir inovações nos

    projectos com novas tecnologias de comunicação que revalorizam o significado dos materiais

    e dos conteúdos disponibilizados, criando espaços de cultura e lazer, mas, acima de tudo, de

    aprendizagem e interacção.

    A loja do museu tem vindo a ganhar importância e dimensão social, onde o museu se

    prolonga, através de criações directa ou indirectamente relacionadas com colecções e actividades.

    Indispensável na organização das instituições museológicas, depende, em muitos aspectos, da

    intervenção disciplinar do design, desde a sua organização espacial interna e ao modo de

    apresentação expositiva, passando pela criação de objectos culturais de design e pelas estratégias

    de gestão do design. A tendência para fazer intervir o design é cada vez mais frequente, em que a

    loja do museu se transforma e especializa, recorrendo às práticas do design para agregar valor aos

    seus produtos e espaço, auxiliando-se, também, nas lógicas das museografias contemporâneas.

    Neste campo de trabalho, o design intervém por meio de diferentes práticas no processo de

    concepção do espaço e do produto, nos quais salientam os domínios do design de interiores,

    design de equipamento, design de comunicação, design de produto e gestão do design. Sendo

    que, cada área intervém com as suas especificidades em resposta a um conceito comum de loja.

    29

    BAUMAN, op.cit., 2001, p.90

    30 CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do capitalismo moderno. São Paulo: Rocco, 2001.p.285

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    10

    O design destes espaços comerciais encontra-se em contínua evolução, seguindo as

    tendências e as aspirações dos consumidores. Para Mesher31, estes espaços estão na vanguarda

    do design de interiores contemporâneo e estão em constante actualização e transformação, de

    forma a atrair os consumidores.

    “Diseñar interiores comerciales es un proceso complejo, que comienza con el análisis

    de una marca y de su identidad. El objetivo del interiorista es atraer, entusiasmar y

    seducir al consumidor mediante la creación de una experiencia con la que se pueda

    identificar”32

    (33

    ).

    Para apresentação e exposição de conteúdos culturais, os designers têm de satisfazer as

    necessidades intelectuais e físicas dos seus clientes/visitantes. Estas directrizes conceptuais, são

    traduzidas e aplicadas pelas técnicas projectuais do design de interiores e, consequentemente, do

    merchandising e do visual merchandising. Os designers devem trabalhar de forma coordenada de

    modo a criar uma envolvência estimulante, que incentive ao consumo cultural, nomeadamente à

    fruição de conteúdos e à compra, recorrendo a princípios do design.

    Em suma, a abertura a novos públicos, a diversificação de diferentes tipos de museus,

    assim como a evolução do paradigma museológico e museográfico permitiu que o design

    interviesse nos diferentes campos. O museu ganha lugar de destaque, de identidade e de afluência

    na sociedade contemporânea. A arquitectura e o design dos museus dinamizam os locais onde se

    encontram localizados, transformando-se em pontos de referência para várias cidades do mundo

    com importante impacto económico. O design tem um papel preponderante e fundamental na

    democratização do consumo cultural na loja do museu. O carácter multidisciplinar e holístico que

    possui, permite ao design actuar nas várias especificidades inerentes à concepção e

    funcionamento de uma loja de museu. Deve contribuir para criação de um espaço cultural inclusivo

    ao acesso de todos, disponibilizando o contacto directo a objectos e conteúdos culturais a um

    público vasto. O design tem de contribuir para a criação de uma nova sociedade cultural através

    das suas práticas, estabelecendo diferentes valores e hábitos de consumo culturais. Fidelizar

    clientes e motivar posteriores visitas, de forma a agregar receitas na loja para usufruto do museu

    nas suas actividades museológicas, museográficas, educativas, entre outras. Desta forma, o

    31

    MESHER, Lynne. Diseño de espacios comerciales. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2011.

    32 T. L. “ Desenhar interiores comerciais é um processo complexo, que começa com a análise de uma marca e sua

    identidade. O objectivo de designer de interiores é atrair, entusiasmar e seduzir o consumidor mediante a criação de uma

    experiência com a qual ele se possa identificar”.

    33 MESHER, op.cit., 2011, p.7.

  • Museus e democratização do consumo cultural: O papel do design na loja do museu

    11

    design pode contribuir para a democratização do consumo cultural através da loja do museu, que

    pode ser um local de memória, de sensações e de contacto com a cultura.

    Referências bibliográficas

    BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2008.

    BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Liquida. São Paulo: Jorge Zahar, 2001.

    BENJAMIN, Walter. Sobre a Arte, Técnica, Linguagem e Política. Lisboa: Relógio D’Água, 1992.

    CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do capitalismo moderno. São Paulo: Rocco, 2001.

    CARRETO, Rui; CARRETO, Catarina; CALADO, Maria. Design Como Instrumento Museográfico

    / Design as a Museographic tool. In Actas do Congresso Internacional de Pesquisa em Design,

    VI, Lisboa, 10-12 Outubro, 2011.

    CARRETO, Rui. Design para a mobilidade expositiva: O museu móvel como museu

    reutilizável. Tese de doutoramento, Universidade Técnica de Lisboa, 2013.

    FEATHERSTONE, Mike. Cultura do consumo e Pós-Modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995.

    FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Introducción a la nueva museología. Madrid: Alianza Editorial, 2002.

    FERNÁNDEZ, Luís Alonso. Museología y Museografía. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2010.

    GANT, Maria Luísa B. Arte, Museos y Nuevas Tecnologías. Gijón: Ediciones Trea, 2001.

    HERNÁNDEZ, Francisca. Planteamientos Teóricos de la Museología. Gijón: Ediciones Trea,

    2006.

    HERNÁNDEZ, Francisca. Manual de Museología. Madrid: Editorial Síntesis, 2008.

    LEÓN, Aurora. El museo: Teoría, Praxis e Utopía. Madrid: Ediciones Cátedra, 1995.

    LOPES, João Teixeira. Da democratização à democracia cultural: uma reflexão sobre políticas

    culturais e espaço público. Porto: Profedições, 2007.

    MESHER, Lynne. Diseño de espacios comerciales. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2011.

    MONTANER, Josep María. Museos para el siglo XXI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.

    SILVA, Isabel. Apresentação. In A cultura em acção: Impactos sociais e território, orgs. Álvaro

    Domingues et al., Porto: Edições Afrontamento, 2003. 7-8

  • Catarina Ferreira Carreto, Rui Carreto

    12

    SILVA, Raquel Henriques da. Museus em acção: os Desafios necessários. In A cultura em acção:

    Impactos sociais e território, orgs. Álvaro Domingues et al.,. Porto: Edições Afrontamento, 2003.

    9-13

    SLATER, Don. Consumer Culture and Modernity. Cambridge: Polity Press, 1997.