na gestão pública · 2020. 6. 26. · maneira de conciliar filhos com uma carreira satisfatória....

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na gestão pública: Como é ser uma liderança feminina no setor público?

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  • na gestão pública:Como é ser uma liderança feminina no setor público?

  • Para nós da Republica.org, governos importam. Acreditamos que é fundamental uma mudança no olhar que temos, como sociedade, para as pessoas que trabalham no serviço público. Impulsioná-las, valorizá-lase conectá-las, a fim de melhorar o seu trabalho é, consequentemente, melhorar a prestação de serviços à sociedade. E falar de serviço público no Brasil, é falar também das suas desigualdades e dos desafios que muitas pessoas encontram ao tentarem acessar alguns espaços, principalmente de liderança. É o caso das mulheres, ainda sub representadas em cargos de

    liderança. Quando fazem parte de outros grupos minorizados são quase inexistentes, isto é: quando são negras, indígenas, transexuais e tantas outras identidades.

    Um dos eixos da Republica.org é o reconhecimento, que tem o objetivo de valorizar e visibilizar trajetórias inspiradoras na gestão pública. Por isso, convidamos algumas gestoras brasileiras para compartilharem suas experiências, desafios e aprendizados no serviço público. Convidamos essas mulheres a responder: O que é ser uma liderança feminina no setor público?

  • IdealizaçãoJoyce TrindadeRithyele DantasDanyelle Fioravanti

    OrganizaçãoRithyele DantasDanyelle Fioravanti

    Design e diagramaçãoSophia Andreazza

  • DESAFIOS E VITÓRIAS EXPERIMENTADOS POR SERVIDORAS PÚBLICAS BRASILEIRAS

    Por Aline Inglez

    Apesar dos inúmeros avanços observados em nossa sociedade, o mundo do trabalho, de uma maneira geral, ainda é bastante desigual para homens e mulheres. Assim como também percebemos desvantagens relacionadas à questão racial e pela população LGBT, que não podem ser esquecidas. No entanto, considerando que falar de tudo isso é muita coisa, a ideia do artigo é estabelecer algumas discussões e reflexões sobre os desafios e vitórias experimentados por servidoras públicas brasileiras, especialmente as que optaram pela maternidade.

    Em tempos de Covid-19, difícil começar o texto sem abrir um breve parágrafo quanto ao que estamos vivenciando em nosso país

    e no mundo. A imposição do isolamento social e o fechamento das escolas, em especial, acabou acalorando algumas questões de longa data. Um dado que pode ser observado nas redes e que tem sido abordado pela mídia, sobre a nova situação, ao menos para o extrato privilegiado da sociedade (e muitos servidores públicos estão aqui incluídos), que pode trabalhar em regime de home office, diz respeito ao fato de homens e mulheres estarem, circunstancialmente, no mesmo barco. Muitas famílias estão confinadas, em tempo integral, com a presença de suas crianças, também impedidas de frequentar as escolas. Não sabemos os efeitos desse experimento forçado, mas é indiscutível que se trata de um fenômeno social, com potencial para

  • provocar mudanças na forma de divisão do trabalho doméstico e do cuidado com as crianças. Essa emergência sanitária, além de impactos para a saúde e economia, também pode impactar nossa sociedade de outras maneiras.

    Mas, voltando ao ponto, pensando em quanto esforço adicional, mulheres que optaram pela maternidade precisam fazer para vislumbrar uma carreira de sucesso, não é a intenção discorrer sobre receitas mágicas ou generalizar situações. Até porque, cada mulher tem particularidades em sua vida: redes de apoio (ou a falta dela), prioridades, situação socioeconômica, presença ou ausência de parceiro (a), entre outros aspectos. Mas, em comum, todas sofrem com questões relativas à auto-cobrança e ao dilema quanto à melhor maneira de conciliar filhos com uma carreira satisfatória.

    No Brasil, os primeiros normativos trabalhistas que conferiam proteção à maternidade, datam de 1932, quando foi garantido a mulheres dos setores público e privado quatro semanas de descanso, antes do parto, e outras quatro semanas de descanso, após o parto. Nesse período, era garantida metade do salário às mulheres. Embora o setor público brasileiro ainda demande avanços, quanto às condições de trabalho e benefícios oferecidos, em apoio à parentalidade, é possível observar vantagens para homens e mulheres, em relação à iniciativa privada. Um exemplo dessa diferença diz respeito às licenças maternidade e paternidade.

    A licença-maternidade é garantida pela Carta Constitucional de 1988, a todas as mulheres que efetuam contribuição previdenciária, seja ela para o regime geral de previdência, ou para o regime único, no caso das servidoras. No caso da iniciativa privada, a licença garantida é de 120 dias para as mães e de 5 dias para os pais.

    Em 2008, por meio da promulgação de um Decreto Federal, ambas as licenças são estendidas por até 180 e 20 dias, respectivamente, no caso dos servidores públicos e das empresas que decidem aderir ao Programa Empresa Cidadã. Esse é um bom exemplo de política iniciada por governos estaduais e municipais e que, de forma discricionária e fomentada por incentivos, tem sido seguida por parte da iniciativa privada.

    Em entrevista recente à Folha de São Paulo, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, sugeriu a extensão da licença-maternidade pelo período de um ano, o que garantiria a prolongação do tempo de amamentação. No entanto, especialistas afirmam que mudanças como essa, podem acabar tendo um impacto negativo nas oportunidades de trabalho para as mulheres. Uma das alternativas, nesse sentido, seria a adoção de uma modelo semelhante ao praticado na Suécia, por exemplo, em que pais e mães contam com a possibilidade de compartilhar parte do benefício. Na realidade, já existe um Projeto de Emenda Constitucional, de autoria da senadora Eliziane Gama (Cidadania- MA), que tramita com

  • a proposta da substituição da licença-gestante por uma licença parental compartilhada, que teria a duração de 180 dias. Essa medida seria mais um passo importante da sociedade brasileira, na busca por maior igualdade de gênero nas relações de trabalho.

    O Estado deve estar permanentemente comprometido na promoção de uma sociedade mais justa e igualitária, tendo assim a missão de implementar políticas públicas com esse objetivo. Nesse sentido, o setor público tem a missão de se apresentar como o maior exemplo a ser seguido pelo restante da sociedade, tomando a dianteira em ações afirmativas e garantindo a diversidade e a representatividade nos cargos públicos. O concurso público também pode ser considerado um instrumento a esse serviço, já que viabiliza o ingresso de servidores sem distinção de raça, credo, gênero, ou qualquer outro fator além do conhecimento e capacidade técnica. Ou seja, não oferece qualquer espaço para a discriminação - embora as oportunidades educacionais e de capacitação profissional que antecederam a aprovação possam permanecer objeto de discussão.

    Mas, para além disso, nós, servidoras públicas, devemos ter clareza quanto ao papel e à importância de todo o espaço conquistado, considerando que sua ampliação tem o potencial de refletir no restante da sociedade. Não é o objetivo dos órgãos governamentais a obtenção do lucro, por isso mesmo, o setor público pode (e deve) ser um espaço privilegiado para a experimentação e o

    desenvolvimento de novas políticas de promoção de um ambiente de trabalho mais equânime, para homens e mulheres, levando em conta também a parentalidade como um aspecto natural da vida e da sociedade.

    A possibilidade do compartilhamento de uma licença parental parece ser um grande sol, brilhando no final do túnel. Assim como já existe um Projeto de Lei proposto pelo Ministério Público do Trabalho, governos estaduais e municipais poderiam tomar a dianteira em proposições relativas a esse modelo de licença. Casos exitosos tendem a ser seguidos e podem influenciar a aprovação da legislação no âmbito federal e sua adoção pelo restante da sociedade. O mundo do trabalho precisa enxergar a parentalidade de uma outra forma e o setor público pode assumir o protagonismo, nessa direção. Inclusive, é importante lembrar aqui que a parentalidade, por meio da adoção e de novas tecnologias em reprodução humana, pode ser exercida, nos dias de hoje, em múltiplos formatos - e não apenas por casais heteroafetivos, exigindo a respectiva evolução normativa. No entanto, ressalto aqui a importância do envolvimento das mulheres nessa luta, que deve ser nossa, em primeiro lugar. As mulheres devem apoiar umas às outras nesse processo de conscientização e mudança de toda uma cultura, da compreensão que que um filho pode ser ou não uma escolha, mas que não

  • signifique renúncias ou sobrecarga para elas. Tomando a licença, aqui, de mencionar situações particulares, mas que, certamente, podem refletir a realidade de muitas de nós, compartilho duas experiências que me marcaram irremediavelmente. A primeira, logo no início de minha carreira no serviço público estadual, aconteceu quando ouvi de outra mulher, que era mãe (assim como eu) e a superintendente do setor, que filho não era problema, era solução. Não entendi muito bem, à época, o significado daquela afirmação. Anos mais tarde, já ocupando uma função de liderança, me deparei com a mesma situação, em papéis invertidos. Não hesitei em apoiar a seleção de uma servidora muito capacitada, mãe de duas crianças pequenas e já afastada do mercado havia algum tempo. O resultado não poderia ter sido melhor, para ela, para a equipe e para a população atendida.

    Não deve haver dúvidas quanto ao poder que uma mulher tem de influenciar a vida de outras mulheres e que ações individuais podem, sim, contribuir para a mudança de toda uma cultura. Nesse sentido, a discussão quanto à necessidade de mais mulheres em postos de liderança deve ser permanente, pois a tendência é que essa ampliação de espaço promova também um ambiente de trabalho mais igualitário. E, como já colocado, o setor público deve dar o exemplo, ampliando a ocupação de cargos de chefia e de funções estratégicas por mulheres, de forma institucional e sistêmica. Mais mulheres em posições da alta gestão tendem a afetar positivamente na formulação de políticas de promoção de um ambiente mais igualitário e mais justo, no setor público e fora dele.

    Aline Inglez é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Possui graduação em psicolo-gia e pós-graduação em psicologia jurídica, ambas pela UERJ, e mestrado e doutorado na área de polí-ticas públicas, pela ENSP/FIOCRUZ. Atuou na Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Políticas para Mulheres e Idosos/RJ como Superintendente de Promoção dos Direitos Humanos e como Subsecretária de Direitos Humanos, Justiça e Cidadania, entre 2016 e 2018. Mais recentemente, foi Assessora Especial, na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos/RJ, e Assessora de Assuntos Estratégicos, na Secretaria de Estado da Casa Civil e Governança/RJ. Fez parte da primeira coorte do Programa Columbia Women’s Leadership Network in Brazil, como bolsista do Instituto República e, atu-almente, é estagiária do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, da Escola Superior de Guerra. Aline também é líder da Rede República.

  • LIDERANÇAS FEMININAS NEGRAS NO SERVIÇO PÚBLICO

    Por Angélica Kely de Abreu

    Desde de que fui convidada a escrever este texto uma questão brotou na minha mente, pulsante: “ué, eu sou uma liderança feminina negra?” O termo liderança vem com muita responsabilidade, assusta e estranha. A partir desse estranhamento a trajetória de minha vida projetou-se pela escuridão de meus olhos fechados.

    Não pretendo ratificar um discurso meritocrático sobre minha ascensão sociocultural e econômica. Até porque eu sou uma exceção. Sou um ponto fora da curva, infelizmente. A diferença entre uma mulher negra no serviço público e uma mulher negra no trabalho doméstico é uma linha tênue: oportunidade. Sou uma mulher de sorte. Com uma carreira permeada por oportunidades. A mim só coube aproveitá-las.

    Tenho a esperança de vivermos em

    tempos nos quais a sorte não será tão importante diante de possibilidades múltiplas e isonômicas instrumentalizadas por políticas públicas de igualdade de gênero e racial.Enquanto elas não veem, convido-os a entender como é uma liderança feminina negra no serviço público, apesar de não me enxergar enquanto liderança. Venham! Puxem a cadeira e tomem um café. Vamos dar tom a minha subjetividade.

    Sou filha de lavradores migrantes. Mineiros retirantes do campo em Minas Gerais rumo à cidade: à Cidade do Aço (Volta Redonda, no interior do Rio de Janeiro). De lavradores tornaram-se caseiros em um sítio, carregando nos braços quatro filhos. Digo ter vivido dois mundos separados por uma cerca e uma escada. No alto, a casa colonial com seis suítes, piscina, sauna, churrasqueira e biblioteca, ah...como era fabulosa essa

  • biblioteca. Na parte baixa, uma casa de dois quartos, um banheiro, sala e cozinha sob a telha de amianto, sem biblioteca, mas com uma leitora curiosa como só. Uma casa perfumada por sabores, cheiros, movimento e som. Com uma cumplicidade e alegria indescritível entre as mulheres ali habitantes. Percebi prematuramente a característica imensurável do riso, não há dinheiro que compre.

    A minha mãe, Geralda, é precursora de uma mulher negra no serviço público. Nunca esteve inserida na gestão pública, explicitamente não. Ela fora a base, a fã, a incentivadora, a torcida, a certeza de que em algum momento sua filha caçula inserir-se-ia em um órgão público. Era um status imenso. Olhem só! Aqui estou. Graças a um mundo possível apresentado a mim e à rezas de minha mãe.

    No entanto, nem tudo são flores. Há um custo nesta inserção. Ser mulher, negra, jovem, periférica é entender como esses marcadores da diferença muitas vezes a estereotipa no relance do olhar do outro. Há um imenso peso nisso. Sinto-me em diversos momentos estrangeira nas instituições pelas quais transito. E lido com isso priorizando o lado profissional, técnico e deixando guardado a Angélica-menina enquanto tateio o ambiente. Além disso, há uma auto cobrança absurda. Sempre defendi internamente a urgência em ser a melhor: a mais responsável, a mais diligência, a mais estudiosa,

    a mais atenta, a sem o direito de errar. O que causa sofrimento e adoecimento psíquico. Esse é o ponto negativo da inserção de uma mulher negra em uma administração pública não isenta dos mecanismos sociais de opressão como sexismo e racismo.

    Por outro lado, estar aqui movimenta toda a pirâmide social como defende Angela Davis. É recolher o eco da voz da minha mãe (e de muitas mulheres negras) como poetisa Conceição Evaristo. Ser uma mulher negra na administração pública é promover uma burocracia representativa. Ou seja, no convívio com servidores e com o público cria-se uma mudança no imaginário social quanto ao perfil do ocupante daquele cargo, eis a imensa relevância na efetivação das cotas no serviço público instituídas pela Lei 12.990/14, com sua função precípua pedagógica de cutucar o racismo institucional. Além de permitir trocas mútuas de aprendizagem entre amigos de trabalho com perfis socioeconômicos distintos, através da reciprocidade cotidiana confluem lutas, admiração, respeito, apesar de em um primeiro contato causar estranhamento. Entendo, portanto, ser uma mulher negra na administração pública é um movimento de troca de saberes, da diversidade dos rostos, peles, olhares, é a união humanitária entre os distintos: “eu sou porque nós somos”, Ubuntu!

    Angélica Kely de Abreu é advogada, pesquisadora sobre políticas públicas de igual-dade racial, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense

  • Sou coordenadora de um departamento no governo federal e, recentemente, vivenciei uma situação que infelizmente ainda gera bastante desconforto para muitas mulheres.Uma servidora da minha equipe veio até a minha mesa e me perguntou bem discretamente se eu possuía algum absorvente para lhe dar. Na hora, tentando não chamar a atenção das pessoas ao nosso redor, procurei no cantinho mais escondido da minha bolsa, onde costumo guardar (para não dizer esconder) esse item essencial. Logo que achei um, comecei a pensar em como lhe entregar sem que ninguém percebesse, como se estivéssemos prestes a cometer um crime. Nesse exato momento, ficou claro para mim o quanto a menstruação, algo intrínseco à própria condição feminina, ainda é um tabu em nossa sociedade.

    A partir daquele momento, percebi que, como coordenadora, eu tinha como obrigação fazer com que todas as mulheres do meu departamento (incluindo eu mesma) conseguisse

    sentir orgulho da sua própria natureza feminina. Assim, passei a estruturar um ciclo de debates semanais com as demais mulheres da minha equipe, como forma de criar um espaço que nos permitisse discutir abertamente sobre temas relacionados ao feminino, compartilhar nossas percepções e aprender umas com as outras.Atualmente o maior desafio que enfrento como líder no setor público consiste em apoiar mulheres ao meu redor a superar seus medos e a se desvencilhar de padrões negativos atrelados ao forte machismo estrutural ainda presente na sociedade brasileira que as levam a replicar alguns comportamentos, encorajando-as a se apropriar do seu poder pessoal.

    No livro “Faça Acontecer”, Sheryl Sandberg compartilha alguns estudos relacionados ao comportamento da mulher no contexto profissional e seus resultados nos mostram que grande parte delas ainda consideram normal que cargos de chefia sejam ocupados apenas por homens; não se sentem encorajadas a defender

    RECONHECER AS DIFERENÇAS: O PONTO DE PARTIDA PARA QUE AS MULHERES CONQUISTEM MAIS ESPAÇOS DE LIDERANÇAPor Camila Penido

  • sua opinião com medo de se indispor com a/o chefe e colegas; e têm a sensação de que, quanto menos femininas forem, mais chances terão de serem ouvidas.

    Na prática, desenvolver ações que procurem apoiar as mulheres a adotar comportamentos que a favoreçam é algo muito mais complexo, porque, apesar de nós nos assemelhamos em diversos aspectos, também somos diferentes em vários outros que precisam ser considerados quando lutamos pela igualdade de gênero.

    Segundo o IBGE, as mulheres já representam 55% no funcionalismo federal, estadual e municipal, o que nos mostra que o desafio de paridade de gênero no ingresso do setor público já foi superado. No entanto, à medida que se ascende hierarquicamente no serviço público brasileiro, são encontradas cada vez menos mulheres ocupando cargos de liderança e aquelas que já conquistaram esses espaços, são majoritariamente brancas.

    A escritora Djamila Ribeiro atenta para a importância de não se perceber a mulher de maneira homogênea e de se identificar as diferenças existentes entre nós, considerando outras intersecções, como raça, identidade de gênero, orientação sexual e outras. Em seu livro “Lugar de Fala”, ela reforça que “o não reconhecimento de que partimos de lugares diferentes, posto que experenciamos gênero de modo diferente, leva à legitimação de um discurso excludente, pois não visibiliza outras formas de ser mulher no mundo”.

    Enquanto a ocupação de espaços de liderança no setor público ainda não reflete a heterogeneidade da população brasileira, é essencial que as mulheres que já ocupam instâncias decisórias, procurem acessar o universo das outras mulheres ao seu redor, a partir do lugar de fala de cada uma delas.

    Na posição de liderança feminina, é preciso investir energia para que mais mulheres possam se sentir confortáveis em assumir o topo de suas carreiras e participar de instâncias decisórias, de modo que pautas imprescindíveis saiam da invisibilidade e soluções mais realistas sejam propostas aos inúmeros problemas complexos presentes em nosso país. Contudo, o primeiro passo para se fazer isso consiste em parar de universalizar a categoria mulher, reconhecendo que nós experimentamos o gênero de formas distintas.

    Esse não é um processo fácil, pois questiona o status quo e gera bastante desconforto. Mas também, ao longo dele, é possível perceber algo incrível: a potência de uma mulher quando ela se conecta ao seu poder pessoal e decide simplesmente ser ela mesma. A partir de então, elas naturalmente sentem a necessidade e a importância de auxiliar demais mulheres, no trabalho, no âmbito familiar, em suas comunidades, e, consequentemente, expande a presença de novas formas de pensar dentro do heterogêneo universo feminino.

    Camila Penido Gomes é graduada em administração pública pela Fundação João Pinheiro e pós-graduada em gestão de projetos pela Fundação Dom Cabral. Em 2018, con-cluiu o Master em Liderança Pública pelo Centro de Liderança Pública e, desde então, escreve para o Blog do MLG no Estadão. Ela atua no serviço público há 10 anos e é líder da Rede República. Atualmente pertence à carreira da Agência Nacional do Petróleo (ANP), onde é Coordenadora de Armazenamento e Segurança dos Dados Técnicos.

  • “DE UM PASSADO ENRAIZADO NA DOR, EU ME LEVANTO”

    Por Monalyza Alves

    Começo este artigo pedindo a benção e licença aos velhos e os mais novos, conforme a ancestralidade nos ensina. Àsé!

    Escrever sobre “O que é ser uma liderança feminina no setor público?” na perspectiva da ascensão da Mulher Negra e os desafios para a efetiva promoção da Igualdade Racial é um desafio. Entretanto, farei o exercício de pontuar aspectos relevantes, e sobretudo de “escurecer” que toda mulher negra é uma líder, e por isso, a não ascensão da mulher negra é uma lástima coletiva.

    Todos sabemos que em nosso país passamos por mais de 300 anos de escravidão. Portanto, pensar que hoje 132 anos após a “abolição”,

    teríamos alinhado as assimetrias que são impostas às mulheres e homens negros, seria no mínimo ilusório. O Estado Brasileiro em sua construção quanto nação, negou veementemente o lugar das mulheres e dos homens negros. Foram anos (que ainda persistem) de opressão e descaso. Ao entender o abismo, de 115 anos, entre a Lei Áurea e a institucionalização da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR, compreendemos que ainda há muito o que ser feito!

    Fazer esta análise no mês de março onde duas datas nos chamam a atenção - os dias 08 e o 21. Se faz importante destacar que a luta do 08 de março por mulheres brancas,

  • em busca de melhores condições de trabalho, não englobava as mulheres negras que não tinham sequer o direito de ser sujeito. A segunda data, Dia Internacional contra a Discriminação Racial, surge para que não nos esqueçamos de um massacre, ocorrido durante uma manifestação pacífica pelo direito de ir e vir.

    Falar sobre promoção da Igualdade Racial no Brasil, é falar sobre correção, inclusão, igualdade de direitos e oportunidades. Falar da ascensão das mulheres negras nos espaços de liderança é Promoção da Igualdade Racial. Ambas precisam ser entendidas e aplicadas pelos mais diferentes setores do serviço público e privado.Não obstante, avanços como a Lei de Cotas para o acesso ao Serviço Público (Lei nº 12.990/2014), e às universidades (Lei nº 12.711/2012), são iniciativas que marcam o pontapé inicial. Os números apresentados pelo IBGE, evidenciam o abismo entre homens e mulheres. Mulheres Negras ganham 44,4% menos do que homens brancos. Nas posições de liderança a população preta representa 29,9% em relação ao brancos - 68,6%, com o mesmo perfil de escolaridade.

    No que tange ao serviço público federal, segundo dados do último relatório do Sistema de Gestão de Pessoas do Governo Federal (SIGEPE), podemos aferir os números separados por gênero, idade,

    seguridade social e escolaridade. Entretanto não consta no relatório o quesito raça/cor e nem sua interseção com as demais questões. Há não informação, é um exemplo da invisibilidade dada às questões relacionadas ao quesito raça/cor. Tal ação impede aos interessados de identificar onde estão as negras e negros nos altos escalões do serviço público.

    Ao analisarmos a estrutura do Governo do Estado do Rio de Janeiro, das 26 secretarias de Estado apenas 03 são comandadas por Mulheres, todas brancas. Segundo dados do Caderno de Recursos Humanos da GESPERJ, homens representam 108.447 mil servidores e mulheres representam 81.224 mil servidoras. E assim, como o Boletim do Governo Federal não são apresentados os dados referentes ao quesito raça/cor.

    Diante dos fatos, respondendo a questão “O que é ser uma liderança feminina no setor público?”, compartilho da mesma reflexão abordada por Sueli Carneiro: “de que mulher estamos falando?”. Ao falarmos das mulheres negras, nos encontramos na base do serviço público, somos: professoras, enfermeiras, copeiras, garis, merendeiras, assessoras e assistentes. Não vejo demérito nisso, mas sempre me perguntei: “Até quando?”. Fato é que estamos cada dia mais especializadas e competentes no que fazemos, porém,

  • não estamos em posição de liderança. E nos casos de ascensão, temos que lidar com as atribuições que nossos cargos impõem e lidar com intervenções e intercorrências que nos engessam.

    Por fim, é válido ressaltar que estamos invisibilizadas e não paradas! Mesmo em cargos de base somos lideranças. Sabe por quê? Sempre fomos líderes. Uma mulher negra quando se mexe/ou se levanta, move toda a estrutura, nos ensinou Angela Davis. Somos líderes nos nossos Ilê’s, comunidades, bairros, famílias. Nossas realidades de luta, nos formaram em mediadoras de conflito, diplomadas e guerreiras!

    Iniciativas como a da Republica.org através da campanha “Onde estão os negros no serviço público?” são exemplos que nos ajudam a vislumbrar uma ascensão e reconhecimento de nós mulheres negras como lideranças. Concluo, sugerindo que para melhorar o cenário precisamos que as ações afirmativas sejam encaradas como transformadoras. Uma empresa, seja ela pública ou privada, que acredita na promoção da igualdade racial será gerida de forma eficiente e produzirá maiores benefícios para seu público e população. E com isso, mesmo com um passado enraizado na dor, nós MULHERES NEGRAS NOS LEVANTAREMOS!

    ANGELOU, Maya. “Still I Rise” (Ainda assim eu me levanto)”. Portal Geledés, 2018. Disponível clicando aqui. Acesso em: 20 de março de 2020. Inspirado no Poema “Still I Rise” (Ainda assim eu me levanto) da Drª Maya Angelou. Maya Angelou, figura extraordinária das letras norte-americanas, foi porta-voz dos anseios e da revolta dos negros. Amiga de Martin Luther King e de Malcolm X, a vida inteira dedicou-se à militância pelos direitos civis de seu povo. Nascendo em Saint Louis – Missouri, partindo de uma infância miserável e cheia de tropeços no Sul profundo, educou-se, para consa-grar-se a duas causas: a seu povo e à poesia. Viajou pelo país fazendo campanhas onde fosse necessário; posteriormente percorreria também a África, sempre denunciando a injustiça. Artista polivalente, fez teatro, cinema, televisão, dança. Autora de livros de memórias e assessora de presidentes, soube empunhar a poesia como arma de luta pela emancipação.

    Desigualdades Sociais por Cor e Raça no Brasil. In Estudos e Pesquisas Informação Demográfica e Socio-econômica n.41. IBGE, 2019. Disponível clicando aqui.

    Acesso em: 18 de mar.2020.

    BRASIL. Boletim Estatístico de Pessoal e Informa-ções Organizacionais / Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público Vol.21 n.249 (Jan 2017) - Brasília: MP, 1996 –– V. 01. Dis-ponível clicando aqui. Acesso em: 18 de março de 2020.

    CADERNO DE RECURSOS HUMANOS. Gestão de Pes-soas do Estado do Rio de Janeiro, Jan.2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 20 de mar.2020.

    CARNEIRO, Sueli. “Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero”. Portal Geledés, 2011. Disponí-vel clicando aqui. Acesso em: 20 de março de 2020.

    Àsé - Termo iorubá que significa “energia”, “poder”, “for-ça” pode se referir tanto aos assentamentos de orixás que ficam nos pejis (altares de candomblé) quanto à força mágica que sustenta os terreiros de candomblé.

    Monalyza Alves, 36 anos é mulher negra. Especialista em Po-lítica Pública em Direitos Humanos pelo IPPDH – Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos do MERCOSUL, Produ-tora Cultural, graduanda em História pela Universidade Veiga de Almeida. De 2013 a 2020 atuou na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. No último ano foi Superintendente de Promoção da Igualdade Racial, setor onde de 2008 a 2011 foi assessora. Dos projetos que coordenou merece destaque a os projetos Justiça Comunitária e Casa de Direitos (Cidade de Deus). Foi conselheira do Conselho Estadu-al de Segurança Pública – CONSPERJ nos anos de 2015-2016 e Vice-Presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas - CEDIND. Em 2019, foi selecionada, entre 1000 mulheres do Brasil, para participar do “Programa Marielle Franco de Acele-ração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras”, realizado pelo Fundo Baobá em parceria com a Ford Founda-tion, Open Society, Foundations, Instituto Ibirapitanga e a W.K. Kellogg Foundation.

    https://www.geledes.org.br/maya-angelou-ainda-assim-eu-me-levantohttps://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdfhttp://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/servidor/publicacoes/boletim_estatistico_pessoal/%20%202017/bep-dezembro-2017http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3aWCC42000006703https://www.geledes.org.br/enegrecer-o-feminismo-situacao-da-mulher-negra-na-america-latina-partir-de-uma-perspectiva-de-genero/%20https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorubáhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Igba_orixáhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Orixáhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Pejihttps://pt.wikipedia.org/wiki/Altarhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Candombléhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Magiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Templos_afro-brasileiros#Terreiro

  • O QUE SIGNIFICA A EXPRESSÃO “TETO DE VIDRO” PARA MULHERES LÍDERES?

    Por Ana Lescaut

    Recentemente participei de uma conversa sobre a mulher no mercado do trabalho e lá conheci o conceito de Teto de Vidro, que quero compartilhar com vocês.

    Entre as manifestações da segregação de gênero no mercado de trabalho está a segregação hierárquica. Este fenômeno conhecido como teto de vidro, caracteriza-se pela menor velocidade com que as mulheres ascendem na carreira, o que resulta em baixa participação de mulheres nos cargos comando das organizações e, consequentemente, nas altas esferas do poder, do prestígio e das remunerações. É observado mesmo quando as mulheres são dotadas de características produtivas idênticas ou superiores às de seus

    congêneres do sexo masculino. Essa barreira sutil, aparentemente invisível aos olhos de todos, influência nas oportunidades de carreira ao gênero feminino, bem como na progressão profissional.

    No funcionalismo público as mulheres são maioria. Enquanto no mercado em geral ocupam 4 de cada 10 vagas, no serviço público estão em 6 de cada 10 postos de trabalho. A cada R$ 100 recebidos por funcionários públicos homens, as funcionárias públicas mulheres ganham R$ 75. A disparidade salarial também resulta do fato de mulheres ocuparem cargos que pagam menos. ( IPEA , 2020)

    Estudos realizados pela ENAP, FGV, IPEA e

  • outros constataram o fenômeno na administração pública federal, ao analisarem a participação feminina nos cargos em comissão do grupo direção e assessoramento superiores (os DAS) ao longo dos anos.

    Esta disparidade na distribuição de altos cargos entre homens e mulheres também ocorre no âmbito das administrações públicas estaduais e municipais. Em 2016 o relatório do observatório de Gênero apontava a ocupação de cargos de secretários de governo na seguinte proporção: 16,48% de secretárias mulheres nos estados e 19,85% de secretárias municipais nas capitais.

    Essa realidade não mudou.

    Na administração Municipal Carioca dos 41 cargos de secretários municipais, diretores ou presidentes de empresas públicas ou autarquias, apenas 25% são ocupados por mulheres. Quatro anos após a pesquisa, esse número evoluiu menos de 6%. A Secretaria de Saúde, por exemplo, teve sua primeira secretária 43 anos após a criação do Município, cuja nomeação tem pouco mais de um ano. A Guarda Municipal, criada há cerca de 20 anos, tem hoje a primeira mulher a ocupar o cargo de Inspetora Geral.Furar essa barreira invisível é o desafio de tantas mulheres

    competentes. A discussão traz à tona diversas questões: o conflito cotidiano de conciliar vida profissional e pessoal; o reconhecimento das competências necessárias à ocupação, principalmente, de cargos de direção; a introjeção, por parte das próprias mulheres, de normas comportamentais seculares, como a indução à formação em carreiras “tipicamente” femininas e, extrinsecamente, a forma de seleção para ocupação dos cargos de DAS.

    Para Meyerson e Fletcher (2000, p. 136), as barreiras são estruturais, pois “não é o teto que está segurando o progresso das mulheres, é toda a estrutura das organizações em que trabalhamos: o alicerce, as vigas, as paredes, o próprio ar”. As barreiras não estão só no topo, mas em toda a trajetória da carreira feminina. As dificuldades e o preconceito são uma realidade no ambiente profissional.

    No último dia 10, a Professora Cornélia Hulla, da Hertie School of Governance, em sua palestra sobre gestão de pessoas no serviço público, na CEPERJ, citou o resultado de uma pesquisa realizada que comprovou que empresas com mais diversidade de gênero tem 15% a mais de produtividade. A temática de gênero tem tanto impacto social e econômico que é crescente a discussão e a

  • criação de políticas específicas. A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) – em seu Artigo 11, prevê, dentre outras coisas, que os Estados signatários tomem medidas adequadas para assegurar o direito às mesmas oportunidades de emprego, incluindo a aplicação dos mesmos critérios de seleção nas questões de emprego. A ONU estabeleceu um ODS específico para o tema. Universidades têm criado programas específicos de formação de lideranças femininas.

    Por estar em “idade fértil” fui preterida para ocupação de um cargo há muitos anos e posteriormente exonerada em licença maternidade. Conheço muitas mulheres que vivenciaram a mesma realidade, outras que lutam diariamente para serem reconhecidas e respeitadas

    em suas funções de liderança em ambientes predominantemente masculinos.

    O número reduzido de mulheres em cargos de decisão dificulta a implementação de políticas e medidas que estimulem uma maior participação feminina nas instâncias superiores da administração pública.

    Hoje, faço parte dessa minoria que está em cargos de decisão, que tem voz para trazer o tema à discussão e de contribuir para formação de lideranças femininas no âmbito municipal.

    Furei o teto de vidro.

    FontesAtlas do Estado Brasileiro, Ipea;

    Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro, Banco Mundial;

    Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) 2018.Economia e Sociedade. Daniela Verzola Vaz , Campinas, v. 22, n. 3 (49), p. 765-790, dez. 2013.

    Mulheres e Homens em Ocupação de Cargos de Direção e Assessoramento Superior (Das) na Carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), IPEA 2012.

    Ana Lescaut é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Ges-tão Estratégica de Recursos Humanos, Gestão em Saúde, e graduada em Ad-ministração de Empresas, atua há 25 anos na administração pública municipal com Planejamento de RH, Gestão Institucional e Desenvolvimento de Pessoas. Preside o Instituto Fundação João Goulart.

    http://www.ipea.gov.br/atlasestado/http://documents.worldbank.org/curated/en/449951570645821631/pdf/Gestão-de-Pessoas-e-Folha-de-Pagamentos-no-Setor-Público-Brasileiro-o-Que-Os-Dados-Dizem.pdf

  • DA RESSIGNIFICAÇÃO INTERNA À MUDANÇA CULTURAL: RUMO A MAIOR OCUPAÇÃO DAS MULHERES NA LIDERANÇA PÚBLICA.

    Por Paola Figueiredo

    Neste mês de março em que, mundialmente, celebra-se os avanços e conquistas das mulheres, convidamos algumas gestoras públicas brasileiras para responder a seguinte pergunta: Como é ser uma liderança feminina no setor público?

    Março chega de uma forma diferente.

    No Brasil e no mundo, as mulheres que atuam diretamente com impacto público representam uma parcela importante na gestão dos governos, mas ainda somos poucas em funções de liderança. Esse fenômeno vem à tona em um momento em que os direitos das mulheres e suas vozes têm ganhado destaque nos cenários nacional e mundial.

    Observamos, nos últimos tempos um novo levante de mulheres, que

    sabem exatamente o que querem – e o que não querem. Isso parece transbordar por todos os seus poros, afinal, pautar uma mudança cultural que respeite a igualdade de gênero se torna iminente.

    No Brasil, algo nos chama atenção: nosso país possui o menor índice da América Latina de distribuição de poder para o gênero feminino. Qual o nó górdio do nosso machismo arraigado centenariamente que não nos deixa avançar neste processo?

    Mulher fala de política

    Os dados do Observatório de Igualdade de Gênero das Nações Unidas apontam as brasileiras em cargos de liderança ocupando o 28º lugar em 2019, dos 35 países da América Latina, Caribe e Península Ibérica. Pela União Parlamentar Internacional, estamos na posição

  • 131 de 194 países, comparando as estatísticas de mulheres em parlamentos nacionais, conforme observam dos Santos e Thomé em Women and Political Power in Brasil, 2020.

    Tudo é muito recente. Passamos a votar em 1932. Nestes tempos da Bertha Lutz, tivemos a primeira mulher a ocupar uma cadeira no parlamento, chamada Carlota Pereira de Queiroz, em 1934. De lá pra cá, pouco avanço... e alguns motivos que nos acompanham desde as primeiras lutas pelo sufrágio universal.

    Este ano de 2020 é singular para nós, mulheres, na história. Mais organizadas, através de diferentes movimentos e independente de partidos políticos, almejamos um salto quântico a estes dados. Mas, vamos além da participação política. Almejamos ocupação de cargos de liderança dentro ou fora da Administração Pública. Nossa voz e nossas representações são cada vez mais exigidas.

    Não é o poder pelo prestígio. É o poder de decisão. Não é nos posicionar pelo poder. É nos posicionar pela transformação.

    Mudar o que está posto tem, sim, que ser uma regra. Não nos cabe continuar seguindo nossas vidas neste caminho da exceção.

    Sou uma dentre milhares: os caminhos à nossa ressignificação

    A luta por nossos direitos civis e políticos é algo que passamos diariamente. Uma mudança cultural, para acontecer, precisa encontrar pessoas onde ecoar. Mulher, o que impede que esse desejo aflore em ti?

    Essa herança colonialista do machismo estrutural tem forte presença ainda hoje. Diversas ações intentam por esticar a todo custo os indicadores dos 10 a 15% de mulheres no poder – tanto político, quanto dos altos cargos da gestão pública ou privada, mas algo não permite isto aconteça. O que nos retrai neste sentido?

    Não se trata de engessar nas relações de causa-efeito, mas precisamos desmistifica-las, pôr o dedo na ferida. Enquanto nos

  • dispusermos no absenteísmo do “não tenho nada com isso” como justificativa de nossa inércia, não avançaremos e continuaremos com esse embargo na garganta de uma falta que “sabe-se lá de onde vem”.

    Precisamos falar da diferença entre os gêneros no trabalho não remunerado, que aumenta à medida em que diminui a escolaridade da mulher; do maior índice de desemprego entre as mulheres; dos menores salários em comparação aos dos homens; das taxas desiguais de ocupações de mulheres e homens por setores da economia; da interseccionalidade de raça e classe, dos menores índices ao falarmos das negras no mercado de trabalho; da baixa participação das mulheres nas ciências.

    Por tudo isso, devemos nos permitir, ao longo desse processo, respeitar o nosso tempo. O tempo de desamarrar cada nó preso de nossas almas. Uma mudança cultural é também e acima de

    tudo, subjetiva. A psique feminina foi, historicamente, silenciada. Como, então, liberar espaço para abri-la?

    Aprendemos “correndo com lobos” que existem portas que precisam ser descobertas para somente depois serem abertas. Esse processo é ao mesmo tempo, individual e coletivo. Nós, mulheres, precisamos nos encontrar, umas com as outras, em sinergia, pela cura d’alma. Ou achas que não tens nada a ver com o enredo que narramos por aqui?

    Entendemos que os homens também fazem parte disso, mas nós precisamos, primeiramente, umas das outras. Ao reconhecer os resquícios do patriarcado que existe em nós, avançamos rumo à transformação. Por isso eu digo: Sou uma dentre milhares. Ao me ver, enxergo a todas nós, e este é o exercício de nossa ressignificação. Vamos juntas?

    Paola Figueiredo é Gestora e idealizadora do Projeto Lidera Mulher. Vice Presidente do Instituto de Previdência de São Gonçalo. Fellow da Columbia Women Leadership Network in Brazil (CGC/Columbia University). Líder do Master em Liderança Pública e líder da Rede República. Antropóloga, com 20 anos de atuação no serviço público. Premiada pelo Projeto Lidera Mulher como Melhor Projeto por Município e Melhor Pro-jeto do Eixo de Ambiente de Negócios pelo Sebrae/RJ e entre os 5 finalistas do Prêmio Case CLP 2018. Coordenadora e idealizadora da Rede Mulheres Públicas.

  • na gestão pública:

    https://republica.org