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O FENÔMENO DE CONGRUÊNCIA EM REGISTROS DE
REPRESENTAÇÃO SEMIÓTICA: ANÁLISE DE UMA ATIVIDADE
DE MODELAGEM MATEMÁTICA
Claudia Carreira da Rosa
Universidade Estadual de Londrina [email protected]
Lourdes Maria Werle de Almeida
Universidade Estadual de Londrina [email protected]
Resumo
Este texto descreve uma investigação que articula a Teoria dos Registros de Representação Semiótica e Modelagem Matemática. Nosso objetivo é investigar os Registros de Representação Semiótica, em particular, o fenômeno de congruência em conversões entre registros associados aos objetos matemáticos que emergem em atividades de Modelagem Matemática no Ensino Médio. Para tanto desenvolvemos uma proposta de ensino em duas fases. A primeira foi desenvolvida com uma turma de estudantes do primeiro ano do Ensino Médio durante as aulas de Matemática no segundo e terceiro bimestres letivos do ano de 2008, enquanto a segunda foi desenvolvida com o mesmo grupo de estudantes, cursando o segundo ano do Ensino Médio durante quatro horas consecutivas em maio de 2009. A análise revela em que medida as dificuldades para realização das conversões são decorrentes da congruência ou da não-congruência das mesmas
Palavras-chave: Educação Matemática, Modelagem Matemática, Registros de Representação Semiótica. 1. Introdução
Um aspecto importante para compreensão em Matemática é que para um
estudante reconhecer um objeto matemático1 ele precisa recorrer a uma representação
desse objeto, uma vez que “em Matemática, toda comunicação se estabelece com base
em representações” (DAMM, 1999, p.135). Além disso, é preciso também levar em
conta as diferentes representações associadas ao mesmo objeto.
1 Objeto Matemático é qualquer entidade, real ou imaginária, a qual nos referimos ou da qual falamos, na atividade matemática.
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Neste contexto, Lins (2004), coloca que a Matemática possui natureza simbólica,
ou seja, os objetos matemáticos “são conhecidos, não no que eles são, mas apenas em
suas propriedades, no que deles se pode dizer” (p. 96).
Levando em consideração esses fatos, investigamos os Registros de
Representação Semiótica, em particular, o fenômeno de congruência em conversões
realizadas entre registros associados aos objetos matemáticos que emergem em
atividades de Modelagem Matemática no Ensino Médio.
Envolvemos os estudantes em situações ricas em registros, de forma a propiciar
a eles possibilidades de realização de conversões. É com essa perspectiva que usamos a
Modelagem Matemática nesta pesquisa. Usamos o entendimento de Modelagem
Matemática já apresentado em Almeida e Brito (2005 a, p.487), como sendo “uma
alternativa pedagógica na qual fazemos uma abordagem, por meio da Matemática, de
um problema não essencialmente matemático”.
Abordamos inicialmente a Teoria dos Registros de Representação Semiótica de
Raymond Duval e a seguir tratamos da Modelagem Matemática. Descrevemos então, as
fases de uma das atividades de Modelagem Matemática desenvolvidas por estudantes do
Ensino Médio, evidenciando as conversões realizadas por eles e analisando as mesmas
em relação ao fenômeno de congruência.
2. Registros de Representação Semiótica
As representações são essenciais para o estudo dos fenômenos relacionados ao
conhecimento. Podemos dizer que representar é uma forma de “codificar” a informação.
A representação exprime idéias, de modo que podemos dizer que representa-se para
tornar algo presente.
Para que um estudante possa perceber e reconhecer um objeto matemático, ele
precisa recorrer a uma representação desse objeto. Damm (1999) coloca que “[...] não
existe conhecimento matemático que possa ser mobilizado por uma pessoa, sem o
auxílio de uma representação” (p.137). Para a autora, em Matemática,
[ ]... toda a comunicação se estabelece com base em representações; os objetos a serem representados são conceitos, propriedades, estruturas, relações que podem expressar diferentes situações, portanto para o seu ensino devemos levar em conta as diferentes formas de representação de um mesmo objeto matemático.
(DAMM, 1999, p.135).
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Duval (2004) considera que existem três tipos de representações: as mentais, que
são as concepções que uma pessoa pode ter sobre um objeto ou sobre uma situação; as
representações internas ou computacionais, caracterizadas pela execução automática de
uma tarefa; as representações semióticas, que são produções constituídas pelo emprego
de signos pertencentes a um sistema de representação, os quais têm suas dificuldades
próprias de significado e de funcionamento. O acesso aos objetos matemáticos passa
necessariamente por representações semióticas, que são externas e conscientes ao
indivíduo. Exemplos de registro de representação semiótica são a escrita em língua
natural, escrita algébrica, tabelas, gráficos cartesianos.
Segundo Duval (2003), os registros de representação semiótica são
caracterizados por três atividades cognitivas: a primeira é a formação de uma
representação identificável, ou seja, quando é possível reconhecer nesta representação
aquilo que ela representa, dentro de um sistema de signos estabelecido socialmente; a
segunda é o tratamento, que é uma transformação que se efetua no interior de um
mesmo sistema de registros2, como por exemplo, resolver um sistema de equações; a
terceira é a conversão, que é a transformação da representação de um objeto matemático
em uma outra representação deste mesmo objeto. Para Duval (2004) “ [. ..] as
conversões são transformações de representações que consistem em mudar de registro
conservando os mesmos objetos denotados: por exemplo, passar da escrita algébrica de
uma função à sua representação gráfica” (p.16).
Nesse sentido, Damm (1999) coloca que
A conversão é um passo fundamental no trabalho com representações semióticas, pois a transformação de um registro em outro, conservando a totalidade ou uma parte do objeto matemático que está sendo representado, não pode ser confundida com o tratamento. O tratamento é interno ao registro, já a conversão se dá entre os registros, ou seja, é exterior ao registro de partida.
(DAMM, 1999, p.147)
Segundo Duval (2004), na resolução de um problema, um registro pode aparecer
mais privilegiado do que o outro, mas o importante, é existir a possibilidade de
mobilizar ao menos dois registros de representação ao mesmo tempo, ou a possibilidade
de trocar constantemente de registro e enxergar nos diferentes registros o mesmo objeto
2 Neste trabalho, usaremos os termos “registro”, “registros de representação” e “representação” com o mesmo significado de “registro de representação semiótica”.
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matemático representado, ou seja, ter a coordenação entre os registros. Para o autor é a
articulação e a coordenação de pelo menos dois registros que constitui uma condição de
acesso a compreensão em matemática.
Para realização de conversões é necessário fazer articulações entre as variáveis
cognitivas que podem ser específicas do funcionamento de cada um dos sistemas de
registros. São essas variáveis que permitem determinar quais as unidades de significado
pertinentes que devem ser levadas em consideração em cada registro.
Para analisar a atividade cognitiva na realização de conversões, Duval (2003)
coloca também a relação entre a natureza dos diferentes registros de representação
semiótica.
Neste contexto, o autor classifica os registros de representação em
multifuncionais e monofuncionais e suas formas em discursiva e não-discursiva. Os
registros monofuncionais possuem tratamentos algoritimizáveis enquanto os
multifuncionais não.
Cada registro de representação favorece um tipo de tratamento. É comum,
segundo Duval (2003), a conversão ser considerada como uma associação
preestabelecida entre nomes e figuras, sendo considerada como uma das formas mais
simples de tratamento, o que não é verdade. Para o autor geralmente existe dificuldade
na realização de conversões e essas dificuldades podem influenciar diretamente na
aprendizagem do objeto matemático em estudo e podem estar ligadas com o fenômeno
de congruência das conversões. A realização de conversões, segundo Duval, pode ser
mais complexa ou menos complexa dependendo desse fenômeno.
Caracterizar conversões como ‘congruentes’ ou ‘não-congruentes’ constitui o
que chamamos de investigar o ‘fenômeno de congruência’.
Duval (2003) enuncia que para ser congruente, uma conversão deve satisfazer
três condições:
1. correspondência semântica, ou correspondência uma a uma entre os
elementos significantes: para cada elemento simples no registro de saída
tem um elemento simples correspondente no registro de chegada.
2. unicidade semântica terminal: cada unidade significante no registro de
saída tem uma única unidade significante no registro de chegada.
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3. ordem que compõe cada uma das representações: diz respeito à forma de
apresentação de cada uma das representações.
Para o autor, quando uma destas três condições descritas acima não está
satisfeita a conversão é não-congruente.
Neste contexto, baseados em Duval, Flores e Moretti (2008), afirmam que a
congruência nas conversões conduz a passagem de uma à outra de forma mais evidente.
“Se for o contrário, o processo será extremamente difícil e delicado” (p.27).
Duval (2004) estabelece uma relação entre o fenômeno de congruência nas
conversões e o sucesso dos estudantes na realização de uma atividade matemática.
Nessa relação, o autor evidencia a dificuldade da conversão de um registro de
representação para outro quando a conversão é não-congruente. Para o autor, quando a
conversão é congruente, os problemas são rapidamente resolvidos pelos alunos
enquanto que quando a conversão é não-congruente, a taxa de êxito dos alunos é baixa.
Além disso, segundo Duval (2004) as dificuldades que se tem pela não-
congruência da conversão podem se agravar com o desconhecimento dos registros de
representação. Se o objeto matemático em estudo não corresponde ao nível de
escolaridade que o estudante possui, executar tarefas que envolvem conversões pode ser
muito complexo e até impossível de se realizar.
Com base nos fatores colocados por Duval (condições de congruência, natureza
dos registros e conhecimento das características do objeto matemático) estabelecemos
níveis de congruência para uma conversão. São eles:
1. Nível de congruência alto: Uma conversão é deste nível se:
• As três condições de congruência de Duval estão satisfeitas;
• Os registros de representação de saída e de chegada possuem a mesma
natureza (ambos monofuncionais ou ambos multifuncionais) e possuem
a mesma forma, (ambos discursivos ou ambos não-discursivos).
(Exemplo: conversão de um registro tabular para um registro algébrico,
ambos são monofuncionais e de forma discursiva);
• Os estudantes que realizam a conversão de algum modo “compreendem”
o objeto matemático em estudo (não é viável usar um objeto
matemático quando os estudantes nunca tiveram a oportunidade de ter
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contato com algumas características do mesmo). Consideramos que o
estudante possui um conhecimento básico para o nível cognitivo em
que está.
De forma geral, consideramos que uma conversão é congruente com nível de
congruência alto quando a mesma corresponde a uma atividade de codificação.
2. Nível de congruência médio alto: uma conversão deste nível se
• As três condições de congruência de Duval estão satisfeitas;
• Os registros de representação de saída e de chegada possuem a mesma
natureza (ambos monofuncionais ou ambos multifuncionais) mas não
possuem a mesma forma, (um discursivo e o outro não discursivo);
• Os estudantes para realizar a conversão precisam usar conhecimentos
básicos como para realizar uma atividade de codificação. Não é
necessário ‘grandes’ conhecimentos matemáticos por parte dos
estudantes.
3. Nível de congruência médio baixo: uma conversão é deste nível se
• As três condições de congruência de Duval estão satisfeitas;
• Os registros de representação de saída e de chegada possuem a mesma
natureza (ambos monofuncionais ou ambos multifuncionais) e possuem
a mesma forma, (ambos discursivos ou ambos não-discursivos);
• Os estudantes para realizar a conversão precisam usar conhecimentos
mais avançados e em maior variedade. Não é somente realizar uma
atividade de codificação.
4. Nível de congruência baixo: uma conversão é deste nível se:
• As três condições de congruência de Duval estão satisfeitas;
• Os registros de representação de saída e de chegada não possuem a
mesma natureza (ambos monofuncionais ou ambos multifuncionais) ou/e
não possuem a mesma forma, (ambos discursivos ou ambos não-
discursivos);
• Os estudantes para realizar a conversão precisam usar conhecimentos
mais avançados e não somente realizar uma atividade de codificação.
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Consideramos que a conversão é não-congruente quando não satisfaz a pelo
menos uma das condições colocadas por Duval. Com base nessas condições, definimos
os níveis de não-congruência.
1. Nível de não-congruência baixo: não satisfaz a apenas uma das três
condições de Duval.
2. Nível de não-congruência médio: não satisfaz a duas das três condições de
Duval.
3. Nível de não-congruência alto: não satisfaz às três condições de Duval.
Para Duval (2003) a realização de conversões congruentes e não-congruentes
pode sinalizar para o fato da apreensão do objeto matemático em estudo, pois, para o
autor, a compreensão do objeto matemático está relacionada com a mobilização de ao
menos dois registros de representação simultaneamente, ou com a possibilidade de
trocar de registro de representação a todo o momento.
3. Modelagem matemática e o contexto dos Registros de Representação Semiótica
Para Skovsmose (2001), “em um processo de Modelagem Matemática, ocorre
uma transição entre linguagens diferentes”. A primeira transição é a da linguagem
natural para uma linguagem sistemática, que ocorre quando uma situação da realidade é
transformada em informações. A segunda é a transição da linguagem sistemática para
linguagem matemática, que ocorre quando as informações são transformadas, por meio
de hipóteses simplificadas em um modelo matemático.
Nesse sentido, a transição de uma linguagem a outra é o que na teoria de Duval
se constitui uma conversão. Essa transição entre a linguagem natural e a linguagem
matemática “torna presente” o problema matemático a ser resolvido e pode ser
associado com as representações semióticas, que segundo Duval (2004), são produções
constituídas pelo emprego de signos pertencentes a um sistema de representação, os
quais tem suas dificuldades próprias de significado e funcionamento.
Neste trabalho, assumimos o entendimento de modelagem já apresentado em
Almeida e Brito (2005 a), como sendo uma alternativa pedagógica na qual fazemos uma
abordagem, por meio da Matemática, de um problema não essencialmente matemático.
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De modo geral, as atividades de Modelagem Matemática envolvem várias
etapas. A primeira começa quando o indivíduo se depara com uma situação-problema
que deseja investigar. Depois, segue a identificação das características e variáveis que
influenciam diretamente no problema, é a segunda etapa, a de simplificação de
variáveis. Após, vem a etapa onde são introduzidos os conceitos matemáticos formais e
as notações, esta etapa é a etapa de abstração, que envolve a seleção dos objetos
matemáticos necessários para representar a situação em estudo. A próxima etapa
envolve a manipulação com as representações dos objetos matemáticos a fim de se obter
um modelo. Finalmente, a última etapa é a validação do modelo e interpretação da
resposta encontrada, levando em consideração a situação-problema inicial.
As atividades de Modelagem Matemática podem ser introduzidas às aulas de
matemática usando os três momentos propostos por Almeida & Dias (2004):
• Em um primeiro momento o professor desenvolve com os estudantes um
trabalho de Modelagem Matemática já estruturado, cabe aos estudantes a
resolução do problema e o professor orientar o trabalho de resolução.
• No segundo momento o professor traz para sala de aula uma situação-problema
já estruturada no contexto não matemático e informações sobre a mesma. Neste
caso cabe aos estudantes, em grupo, a seleção das variáveis, a formulação das
hipóteses, a dedução do modelo, a validação e a interpretação das respostas
encontradas diante da situação real e ao professor colaborar com trabalho.
• No terceiro momento, também em grupos, os estudantes desenvolvem uma
atividade de Modelagem Matemática desde a escolha do problema até a
obtenção de uma resposta para o mesmo. O professor atua como colaborador do
trabalho.
Assim, segundo Almeida e Dias (2004),
[. ..] na medida em que o aluno vai realizando as atividades nos
diferentes momentos [. ..] a sua compreensão acerca do processo de Modelagem, da resolução dos problemas em estudo e da reflexão sobre as soluções encontradas vai se consolidando.
(ALMEIDA E DIAS 2004, p.26)
Ao trabalhar com atividades de Modelagem Matemática em sala de aula, o
professor proporciona ao estudante a oportunidade de ele próprio decidir o caminho a
percorrer, tornando assim o problema a ser resolvido algo particular. Isso, por sua vez,
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implica em resultados diferenciados variando de estudante para estudante. Esse fato
significa que o estudante tem certa liberdade para interpretar o problema e encontrar
“uma Matemática adequada” para resolver o “seu” problema. Logo, para o mesmo
problema pode-se usar de conteúdos matemáticos diferenciados.
De modo geral, atividades de Modelagem de envolvem diferentes representações
de um objeto matemático. Gráficos, relações funcionais, tabelas, figuras geométricas
são exemplos dessas representações. O conjunto de ações realizadas pelo estudante
desde a definição da situação-problema até a interpretação dos resultados obtidos gera a
necessidade do uso os conteúdos curriculares, possibilitando a introdução de conteúdos
novos3 e revisão de conteúdos velhos4.
4. Uma atividade de Modelagem Matemática no Ensino Médio
Planejamos e desenvolvemos uma proposta de ensino fazendo uso da
Modelagem Matemática, em duas fases, sendo a primeira fase desenvolvida de maio a
setembro de 2008 e a segunda fase desenvolvida em maio de 2009. A proposta foi
desenvolvida com estudantes de um colégio público em uma cidade no interior do
Paraná. Na primeira fase os alunos cursavam o primeiro ano do Ensino Médio e na
segunda fase cursavam o segundo ano do Ensino Médio.
Para o envolvimento dos estudantes desta turma com atividades de Modelagem
Matemática, nos fundamentamos nas etapas da Modelagem Matemática e usamos os
três momentos propostos por Almeida & Dias (2004) descritos no item três deste texto.
Descrevemos aqui uma das dez atividades de Modelagem Matemática desenvolvidas
pelos estudantes. Essa atividade foi desenvolvida na primeira fase de acordo com o
terceiro momento da Modelagem Matemática e na segunda fase foi desenvolvida de
acordo com o segundo momento da Modelagem Matemática, conforme definimos na
seção anterior.
3 Usamos o termo “novos” para nos referir a conceitos matemáticos ainda não estudados. 4 Usamos o termo “velho” para nos referir a conceitos matemáticos já estudados.
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4.1 Desenvolvimento da atividade na primeira fase
O interesse pelo tema surgiu a partir de uma reportagem assistida pelos
estudantes na televisão sobre a reciclagem de lixo orgânico, que era a idéia inicial para o
trabalho. À procura de dados na internet, encontraram a reportagem “Reciclagem, um
bem não muito praticado” que faz um paralelo entre a reciclagem de garrafas pet em
outros paises e no Brasil. O senso da reciclagem de PET no Brasil (2006/2007)
disponibilizado pela ABIPET- Associação Brasileira de Embalagens PET- apresenta
dados atualizados da evolução da reciclagem de garrafas PET no Brasil nos últimos
anos conforme mostra a tabela 1. Segundo o jornal Express, em 1994 oitenta mil
toneladas de garrafas pet foram produzidas no Brasil e para 2008 a previsão seria que
seriam 700 mil toneladas produzidas.
Tabela 1: Dados usados pelo grupo
ANO RECICLAGEM PET (unidades)
ÍNDICE (%)
1994 13.000 18,80
1996 22.000 21,00
1998 40.000 17,90
2000 67.000 26,27
2002 105.000 35,00
2004 173.000 48,00
2006 194.000 51,30
Fonte: ABIPET
A partir dos dados mostrados na tabela 1, os estudantes calcularam o número de
garrafas pet fabricadas no Brasil neste período e definiram as questões do problema a
investigar; “Quantas garrafas pet forma recicladas no Brasil durante o ano de 2008?”
“Considerando o número de garrafas recicladas em 2008, qual percentual do número
de garrafas pet produzidas em 2008 ele representa?
Começaram então a definição das variáveis: número de garrafas pet recicladas
(R) (variável dependente); (t) tempo (variável independente). Esta foi a primeira
conversão realizada, que denominaremos conversão 1. Ocorreu da linguagem natural
para a linguagem matemática. A conversão 1 não satisfaz as condições (2) e (3) de
Duval. Não possui unicidade terminal, uma vez que podemos encontrar outra forma de
representar as variáveis em relação a variável dependente e a variável independente e
não possui a ordem que compõe as representações, pois ao mudarmos as variáveis, a
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ordem também mudaria. Portanto a conversão 1 é não-congruente com nível de não-
congruência médio.
Para formulação das hipóteses, os alunos estudaram o comportamento dos dados
com o passar dos anos e fizeram o registro gráfico, conforme mostra a figura 1 e a
figura 2 respectivamente.
Figura 1: Análise dos dados da tabela 1
Figura 2: Registro gráfico realizado pelo grupo- 1ª fase
Consideramos como conversão 2 a passagem do registro tabular (tabela 1) para o
registro gráfico (figura 2).
A partir da visualização gráfica dos dados e das relações encontradas o grupo
definiu suas hipóteses:
garrafas
garrafas
garrafas
garrafas
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1. 1994=tempo1, 1996=tempo 2 ... 2004=tempo 6
2. nR
R∆ é praticamente constante
3. A curva lembra uma função exponencial
Com essas hipóteses começaram a dedução do modelo. Os registros dos
estudantes estão na figura 3.
Figura 3: Registro algébrico realizado pelo grupo- 1ª fase
Ao encontrar a representação algébrica para o modelo, os estudantes realizaram
a conversão 3, sendo esta do registro gráfico para o registro tabular.
As conversões 2 e 3 são congruentes, pois satisfazem às três condições de Duval,
ambas são entre registros de mesma natureza (monofuncionais), mas com formas
diferentes, uma vez que o registro gráfico possui forma não-discursiva enquanto o
registro tabular e o registro algébrico possuem forma discursiva. Para realização da
conversão 2 os estudantes somente precisavam “marcar” os pontos da tabela no sistema
cartesiano, ou seja, a atividade estava muito próxima de uma codificação. A conversão
3 exigiu “mais matemática” os estudantes usaram índices, variações, potenciação,
interpretaram a curva mostrada no gráfico, usaram substituição numérica, trabalharam
com o erro. Portanto a conversão 2 possui nível de congruência médio alto e a
conversão 3 nível de congruência baixo.
Após substituírem valores para 0R e K no modelo genérico encontrado (figura
3) chegaram ao modelo que representava a situação inicial, ttR )6745,1(84,7)( = e então
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encontraram que o número estimado de garrafas pet para o ano de 2008 seria de
aproximadamente 484.590 garrafas.
Para responder a segunda questão do problema inicial, os estudantes utilizaram
de regra de três, como mostra a figura 4.
Figura 4: Tratamento usado para responder a segunda questão – 1ª fase
Ao responder as questões com base no problema inicial, os estudantes
realizaram conversão, no caso, do registro algébrico para o registro em língua natural
(conversão 4).
A conversão 4 não satisfaz as três condições de Duval. Não possui a
correspondência semântica entre as unidades significativas, pois em nenhum lugar no
registro algébrico é possível reconhecer a representação em língua natural usada. Não
existe a unicidade terminal entre os registros de saída e de chegada, uma vez que os
estudantes poderiam ter escrito suas conclusões de outra forma usando outras palavras,
e devido a esse fato não podemos garantir que prevalecerá a ordem. Há necessidade de
interpretar o registro de saída que está numa linguagem matemática para chegar ao
registro de chegada que está em língua natural. Assim a conversão 4 é uma conversão
não-congruente com nível de não-congruência alto.
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4.2 Desenvolvimento da atividade na segunda fase
Não houve variações nas conversões realizadas no desenvolvimento da atividade
na segunda fase. Os estudantes definiram as variáveis da mesma forma que o grupo da
primeira fase (variável dependente a reciclagem e variável independente o tempo).
Na formulação das hipóteses usaram também o registro gráfico como ponto de
partida. Para deduzir o modelo (registro algébrico) é que houve diferença no
desenvolvimento da atividade do grupo da primeira fase. Os estudantes consideraram
como registro algébrico genérico da função exponencial o registro tABR .= .
Substituíram pontos da tabela inicial (tabela 1) para encontrar os valores de A e B. Na
primeira tentativa usaram o quinto e o sétimo ponto (tabela 1) e encontraram o registro
algébrico tR )121,1(197.87= , que segundo a validação que fizeram não representava
bem a situação inicial.
Para segunda tentativa de encontrar o modelo algébrico para função exponencial
partiram do mesmo registro genérico da função exponencial usada anteriormente,
mudando os pontos substituídos. Usaram o segundo e sexto ponto da tabela (tabela 1) e
encontraram a representação algébrica mostrada na figura 5. Validaram e concluíram
que o registro algébrico da função representava bem a situação inicial.
Figura 5: 2º modelo encontrado pelo grupo – 2ª fase
O grupo na segunda fase não respondeu a segunda questão do problema inicial,
pois segundo eles “houve falta de tempo”, embora a resposta dada para primeira questão
não condiz com o que a mesma perguntava.
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Figura 6: Validação e resposta dada pelo grupo para questão do problema inicial – fase 2
Como as conversões realizadas nessa fase para esta atividade não se alterou em
relação a primeira fase com exceção do tratamento usado para obter o registro algébrico
do modelo procurado, a análise do fenômeno de congruência é equivalente a análise
feita para o desenvolvimento da atividade na primeira fase.
Em relação ao conteúdo matemático, verificamos que o grupo sabia as
características principais do objeto matemático em estudo (função exponencial), uma
vez que as conversões foram realizadas sem a necessidade de nossa interferência,
embora os tratamentos usados na segunda fase, principalmente no registro algébrico,
foram mais econômicos do que os usados pelos estudantes na primeira fase.
5. Considerações finais
Para Duval (2003) atividades de conversão põem em evidência o fenômeno de
congruência e não-congruência. Segundo o autor uma conversão pode ser mais
complexa ou menos complexa de acordo com esse fenômeno. Em nossa pesquisa,
estabelecemos níveis de congruência e níveis de não-congruência para análise das
conversões apresentadas nas atividades realizadas por estudantes do Ensino Médio e
concluímos que o fenômeno de congruência, de fato, influenciou a realização das
conversões pelos estudantes, sendo as conversões congruentes realizadas com maior
êxito.
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Verificamos que o registro gráfico somente era utilizado quando não tinham
mais recursos e sempre que necessário usavam o registro tabular para intermediar essa
conversão. Também percebemos na atividade descrita neste texto o uso privilegiado da
linguagem algébrica e do registro tabular o que converge para o argumento já
apresentado por Duval (2003) de que “[...] em uma resolução de problema um registro
pode aparecer explicitamente privilegiado, mas deve existir sempre a possibilidade de
passar de um registro ao outro”.
Constatamos que na realização de conversões congruentes com nível de
congruência alto e médio alto os estudantes não apresentaram dificuldades enquanto que
nas conversões não-congruentes ou congruentes com nível de congruência baixo os
estudantes demonstraram dificuldades na realização das mesmas, além de ter sido
nessas o número maior de erros cometidos, e que sem nossa interferência
provavelmente teria causado o insucesso das conversões.
Segundo Duval (2004) o tempo de resposta ao realizar uma conversão
congruente é muito menor do que ao realizar uma não-congruente, além de aumentar
consideravelmente o tratamento realizado. Na nossa pesquisa confirmamos também esta
observação do autor e concluímos que a dificuldade na realização de conversões
depende do nível de congruência da mesma.
Outro fator que está diretamente ligado ao fenômeno de congruência numa
conversão é o conhecimento dos registros por parte de quem realiza a conversão. Para
Duval (2004) as “dificuldades que se tem pela não-congruência de uma conversão,
podem se agravar pelo desconhecimento de um dos registros de representação” (p. 60).
Neste sentido, na nossa pesquisa, o sucesso de algumas conversões realizadas na
segunda fase pode ser associado a esse aspecto uma vez que os estudantes já estavam
familiarizados com a realização de conversões, bem como os objetos matemáticos
desenvolvidos.
Nesse contexto, consideramos importante a realização de conversões e a
coordenação entre os registros para a aprendizagem em Matemática. Sabemos que essas
atividades cognitivas, em geral não são espontâneas. Com isso, este trabalho apresenta
a Modelagem Matemática como uma alternativa pedagógica que possibilita a realização
dessas atividades.
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As atividades de Modelagem Matemática imprimem, aos poucos, uma nova
postura nos estudantes diante de situações propostas, uma postura mais reflexiva em
relação ao objeto matemático e em relação à situação problema.
Verificamos essa mudança de postura nos estudantes no decorrer da pesquisa,
principalmente na segunda fase em relação à primeira fase. Isso ficou evidenciado na
posição que eles tomaram frente a atividade de Modelagem Matemática sugerida na
segunda fase. Durante toda aula, questionaram uns aos outros, propuseram caminhos
diferentes e mostraram uma postura muito independente.
6. Referências Bibliográficas
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