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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
NAS PAREDES DA MEMÓRIA: AS REPRESENTAÇÕES DO
MISSIONÁRIO FREI DAMIÃO DE BOZZANO EM BOQUIM/SE
(1972-1974)
Degenal de Jesus da Silva1
Maria Edeilde de Jesus Santos2
Resumo
A memória, mecanismo seletivo, lugar em que fica guardadas os acontecimentos que
mais importam ou que marcam a vida das pessoas. celeiro em que se misturam o que
queremos guardar com as lembranças que tentamos esquecer. O artigo descreve à vida e
representações de um missionário - Frei Damião de Bozzano - que passou por Boquim
no Estado de Sergipe nos idos do segundo semestre entre os anos de 1972 e 1974.
"Padim Ciço Romão", como alguns o chamavam, empreendeu a divulgar às Santas
Missões pelo nordeste. Lugar propício, afinal, berço de um povo sofredor que enxergar
na religiosidade à ajuda que tanto almejavam. Através de fontes orais construímos um
pedaço daquele cosmo, imperfeito admitamos, mas as vozes estão aí, desejosas por
mostrar o seu lado da história.
Palavras-chave: Catolicismo, Religiosidade, Representações, Santas Missões.
Indivíduos que destacam-se no cenário religioso brasileiro já não é novidade. O
nordestino ante as dificuldades ambientais, de assistência médica, de locomoção entre
1 Graduado em História pela Faculdade José Augusto Vieira - FJAV; fez pós-graduação em História do
Brasil pela Faculdade Pio Décimo - Pio X; e, mestrando em História pela Universidade Federal de
Sergipe - UFS. 2 Graduada em História pela Faculdade José Augusto Vieira - FJAV; fez pós-graduação em História do
Brasil pela Faculdade Pio Décimo - Pio X; e, aluna especial do mestrado em História da Universidade
Federal de Sergipe - UFS.
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tantas outras coisas, vê no campo religioso um meio por excelência, algo em que
possam se segurar; tirar das manifestações religiosas o que eles esperam que não terão
neste século, ou pelo menos, a solução de tais problemas não estariam aqui, mas, no
porvir, que minguariam, por compaixão, as graças vindouras.
Neste contexto, surgem diversas crendices e manifestações religiosas tendo
como inspiração a matriz - o catolicismo romano. A história desde o Brasil Colônia3 ao
século XX é banhada por uma fé que foge aos ditames da igreja de Roma.
Para que o catolicismo romano ganhasse autonomia frente aos obstáculos do
protestantismo e das intempéries dos fiéis e desvios de condutas dos clérigos, a marcha
da igreja fez-se acompanhar por um processo de sistematização e de moralização das
práticas e das representações religiosas.4 Para Pierre Bourdieu, no campo religioso:
o corpo de sacerdotes diretamente com a racionalização da religião e
deriva o principio de sua legitimidade de uma teologia erigida em
dogma cuja validade e perpetuação ele garante. o trabalho de exegese
que lhe é imposto pelo confronto ou pelo conflito de tradições mítico-
rituais diferentes, justaposta no mesmo espaço urbano, ou pela
necessidade de conferir os ritos ou mitos tornados obscuros um
sentido mais ajustados a normas éticas e à visão do mundo dos
destinatários de sua prédica, bem como a seus valores e a seus
interesses próprios de grupo letrado, tende a substituir a
sistematicidade objetiva das mitologias pela coerência intencional das
teologias, e até por filosofias.5
3 Cf. SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no
Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2009; VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados:
moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 4 BOURDIEU, Pierre."Os Progressos da Divisão do Trabalho Religioso e o Progresso de Moralização e
de Sistematização das Prática e Crenças Religiosas". In:______. Gênese e Estrutura do Campo
Religioso. 5 ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2004. p.37. 5 Idem, p.38.
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Este é um dos objetivos das Santas Missões compreendidos por Frei Damião:
moralizar o povo e esclarecer, a um séquito católico, a diferença entre a "verdadeira
igreja" e as demais. O Frei, veio de terras longínquas, para trazer uma mensagem de
civilidade ("as boas novas"). Sua pretensão era colocar o povo nordestino nos trilhos de
Deus: aconselhar os fiéis e corrigir práticas oficiosas. O seu maior obstáculo seria a
grande dimensão territorial do nordeste; e em muitos casos, lugarejos cujas casas
estariam bem distantes umas das outras com um forte numero de analfabetos.
A nossa personagem, o missionário, Frei Damião de Bozzano, filho dos
camponeses Félix Giannotti e Maria Giannotti, nasceu no dia 5 de novembro de 1898,
em Bolzano na região do Ádige no norte da Itália. O seu nome de batismo era Pio
Giannotti. Demonstrou, na adolescência, gosto pelos estudos religiosos. Aos 12 anos
ingressou na escola Seráfica de Camigliano. Aos 19 anos, seus estudos seriam
interrompidos para servir a um propósito diferente da "missão religiosa": a guerra. Com
o surgimento da Primeira Guerra Mundial, Giannotti foi convocado para lutar nas
trincheiras contra a Iugoslávia - momentos esses, que deixaram lembranças fortes na
mente da nossa personagem.
Com o fim dos acirramentos provocados pela Primeira Guerra Mundial,
Giannotti largou o exercito e reiniciou os estudos religiosos - o seminário. Nos idos de
1921 à 1925 frequentou as aulas da Universidade Gregoriana de Roma. Lá teve lições
de teologia, direito, eclesiologia, patrologia. Diplomou-se em direito canônico, filosofia
e teologia dogmática. Em 25 de agosto de 1923, é ordenado sacerdote na Igreja São
João de Latrão. Não demoraria muito até que o frade pisasse em solo brasileiro. Quase
oito anos depois de ser ordenado (17 de maio de 1931), veio para o Brasil, fixando
residência no convento de São Felix - da ordem dos capuchinhos - em Recife. Os
nordestinos não demorariam muito em reconhecer aquele que seria aclamado como Frei
Damião ( por muitos, considerado como santo).
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Suas primeiras pregações foram em Recife no convento da Penha. Mal
dominava a língua portuguesa, por isso, tinha que decorar os sermões. Mas os fiéis
despreocupados com a estética da língua mátria, iam assistir as pregações do frei em
busca dos milagres. Milagres cuja manifestação e resultado, Frei Damião, não creditava
a sí, mas a Deus.
No Convento de São Felix chegavam muitas cartas relatando curas, milagres e
bênçãos recebidas. Obra de Deus respondia Damião, mas o fato é que sua vida era
considerada um instrumento para que os milagres acontecessem - isso ficou implícito
em suas falas e, ele não negava. Os fiéis ansiava por ver a manifestação do sagrado.6
Por mais que quisesse se afastar das representações (a margem de suas intenções)
construídas em torno de si, difícil era não usufrui os benefícios que isso lhe trazia e de
se desprender de tal imagem, pois, "cada povo representa seus heróis históricos ou
lendários de determinada maneira variável segundo os tempos", construímos sujeitos
colocando-lhe representações ao sabor das possibilidades e necessidades do momento,
"os quais está em contato, do seu caráter, da sua fisionomia, dos traços distintivos do
seu temperamento físico e moral".7
O Frade acabou sendo incorporado ao panteão de seres admirados - pelo menos
por alguns - do nordeste. Sua imagem ficou tão próxima de outro individuo daquela
região, Padim Ciço, que o frade foi assimilado em alguns casos à imagem de seu
antecessor, sendo chamado por "Meu Padim Ciço Romão"; e em outros, em momentos
de aflição de habitantes do nordeste, sua figura foi eleita como sucessor de "Padim
6 Cf. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes,
1992. 7 DURKEIM, Émile. " A Noção de Espíritos e de Deuses". In.:_________. As Formas Elementares de
Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália.Tradução. Pereira Neto; revisão José Joaquim. – São
Paulo; Ed. Paulinas, 1989. p.300.
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Ciço" ou, em pé de igualdade, como demonstra esta frase: “Valhei-me, Frei Damião!
Valhei-me, meu Padim Ciço!”.8
Frei Damião não nutria amores com os afazeres da parte administrativa, ou,
rotineira da igreja, " [...] nunca foi um vigário de paróquia, daí que sempre esteve isento
do peso administrativo de uma Paróquia. Nunca fez uma pastoral como se faz hoje. Era
um frade caminhante, nômade, andante ". Era um homem de ação, embora versado em
letras, preferiu ir para o meio do povo, alcançar almas de forma simples que os fiéis
entendessem.
Ele ajudou a disseminar as santas missões pelo nordeste. Para o Frei, elas eram
de extrema necessidade para o livramento das almas: “livrá-los do Demônio, que queria
afastá-los da Igreja e fazê-los abraçar outro credo”.9 Assim, as missões tinha o objetivo
de limpar as impurezas existentes na "comunidade dos fiéis"; a igreja tinha que
direcionar as ovelhas desgarradas, além de proteger do avanço do protestantismo e
outros credos.10
As missões realizadas pelo nordeste, tinha a duração de alguns dias. Por onde
passava o frade atrai multidões: casais de namorados, amigos, vizinhos, crianças,
solteiros e toda sorte de pessoas chegavam para vê-lo. A cidade transformava-se, as
pessoas afluíam até onde ele estivesse para os mais diversos intentos: toca-lhe, assistir
aos sermões, a espera de um milagre ou simplesmente por curiosidade. O comercio
local lucrava com sua chegada. Sua estadia numa região era seguida por aumento nas
vendas de comida e de objetos religiosos - ou considerados como tal.
8 DA CRUZ,João Everton. "Caminhando com Frei Damião no Sertão Nordestino: uma experiência
Missionária".In:_________.http://meuartigo.brasilescola.com/religiao/caminhando-com-frei-damiao-
no-sertao-nordestino.htm. Acessado em 26/11/2010. 9 Idem. 10 Cf. ANDRADE, Péricles. Sob o Olhar Diligente do Pastor: a Igreja Católica em Sergipe. São
Cristóvão: Editora da UFS/Fundação Oviêdo Teixeira, 2010.
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O auge das santas missões era a conversão da população à vida sacramental.
Nelas aconselhava-se e corrigia-se a falta cometida pelos fiéis: os casamentos religiosos
aconteciam, os batizados eram realizados, as confissões ministradas etc. Seu sucesso era
medido pela quantidade de sujeitos que aceitavam às práticas que levariam até o céu.
Aqueles que deixassem serem conduzidos nos trilhos de Deus, encontrariam as bênçãos
e graças no mundo vindouro, se fossem favorecido pela divindade, naquele momento
mesmo, eram atendidas as preces.
Memórias Sobre Frei Damião em Boquim/Se - as Santas Missões na terra da
laranja
Durante os anos de 1972 e 1974, geralmente, no mês de novembro, o município
de Boquim viveu momentos de satisfação com a vinda de Frei Damião para a cidade.
Durante o ano, a população se organizava para os movimentos da igreja, onde as
comunidades se juntavam para demonstrar sua fé, respeito e entusiasmo diante das
manifestações religiosas realizadas na cidade. Anualmente, acontece a Festa da
Padroeira, onde os fiéis prestam-lhes homenagens, constituídas em novenas, missas e
procissões, onde todos participam com grande devoção.
Para os fiéis essas manifestações religiosas, “eram o momento alto da
religiosidade popular, onde existia o espírito receptivo nas pessoas que procuravam
interiorizar a palavra de Deus na sua essência”. As demonstrações de fé durante a
procissão eram vistas pela população nas ruas, onde tomava grande parte da massa dos
fiéis, várias pessoas vinham dos arredores da cidade para participar da procissão,
conduzindo a imagem da padroeira, pelas ruas, onde os devotos acompanhavam
fervorosamente, culminando com missa festiva.
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Contudo, a ansiedade dos devotos era grande pelas ruas da cidade, para ver o
cortejo passar com o andor da santa, muitos acompanhavam a procissão, outros ficava
em frente das casas olhando ela passavar. Portanto, grande parte da população
costumava participar dessa manifestação religiosa que acontecia todo ano na cidade.
Mas o povo tinha também o costume de participarem de outras festas, como Festas
Juninas, Natal e Ano Novo. Contudo, a festa de destaque na cidade era a tradicional
“Festa da Laranja”, onde por vários anos se destacou devido o cultivo dela na cidade.
Durante toda essa época, a cidade se organizava para a festividade, recebendo
vários visitantes para mostrar o produto da casa. A laranja na segunda metade do século
XX, se caracterizar como uma fase muito importante tanto para a cidade quanto para o
município, em função da citricultura, referencia na comercialização dentro e fora do
Brasil.
Devido a divulgação da festa da laranja, muitas pessoas só vinham para
prestigiar os shows que ocorriam durante os festejos. A cidade mantinham à tradição há
42 anos em datas móveis durante quatro dias. Conhecida nacionalmente, a festa faz
parte do calendário cultural de Boquim. Com base econômica forte, chegou a ser um
dos maiores produtores de laranjas do país.
Mediante ao desenvolvimento na agricultura, o comércio local foi um dos mais
importantes dos municípios sergipanos. Ela mantinha duas grandes pensões nessas
épocas de festividades. A sede do município chegou a ter o maior cinema da região, que
passava filmes de 35 mm e tinha capacidade para 300 espectadores, onde a população
participava de várias sessões aos finais de semana. Mas hoje a população não desfruta
mais dessa cultural local, por motivo pessoal o proprietário desativou o cinema e hoje
no espaço foi erguida uma igreja evangélica. Também, a Associação Cultural passou a
ser uma espécie de academia e escola de capoeira, a tão famosa lavandeira da fonte da
mata foi desativada e hoje a estrutura foi mudada para melhor locomoção da população.
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Nesse período o povo de Boquim contava com variável área de lazer, como a
Associação Cultural e Recreativa Boquinense, a os cidadãos tinha o hábito de fazerem
bailes, também tinha na cidade a famosa Fonte da Mata, onde inspirou o nosso poeta
maior da cidade, o famoso Hermes Fontes. Lá na fonte da Mata, também existia uma
grande lavanderia, muitas vezes, os moradores iam lavar suas roupas, vislumbrando a
visão daquela riqueza que temos em nosso município - a paisagem. Durante muito
tempo, a população carente da cidade saia de suas casas para lavar suas roupas, lavavam
por encomendas.
Na segunda metade do século XIX, surgem as missões populares pelo sertão
nordestino, onde os freis saíam de cidade em cidade pregando os seus sermões e
ministrando a palavra de Deus para os fiéis. Diante da notícia dessas missões pelo
sertão, o pároco da cidade trouxe frei Damião para pregar a Santa Missão em Boquim.
A população da cidade ficou eufórica, quando o padre anunciou, numa missa, sobre a
presença do frei em Boquim. A chegada dele, foi motivo de festa, satisfação e fé, os
fiéis receberam o frei com alegria e cantos.
Com a notícia da chegada do frei, os fiéis ficaram aglomerados nas ruas da
cidade aguardando os missionários chegar. Eles por várias horas ficaram em frente ao
colégio Santa Teresinha, em frente à matriz da igreja para aguardar o frei sair do colégio
e em seguida acompanhá-lo até a matriz.
A partir de várias entrevistas realizadas é possível perceber a devoção dos fiéis
com frei Damião. No momento da chegada do frei na cidade os devotos reuniram-se na
frente da igreja aguardando os missionários aparecerem com devoção. Durante sua
permanência na cidade, muitos acreditavam que o mesmo operava milagres. Devido
essa notícia, várias pessoas ficavam na espera dos missionários para poderem receber às
bênçãos.
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Vale ressaltar que a Santas Missões foram ministradas pelo frei Damião, apesar
de, mesmo falando baixinho, os devotos demonstravam bastante satisfação nas missas -
por ser ” um frade respeitado e amado pelo povo, pregador do evangelho e zeloso pela
doutrina”. Segundo Maria Almeida: “as vezes, em nome desse zelo, até feria as pessoas
por causa de algo que não aceitava , era 'Santo e rígido'.Quando o frei chegou na cidade,
as pessoas rezavam, assistiam as palestras, mas cada palestra tinha o horário detalhando
pelo o missionário.” Tinha horário específico paras as crianças, para os jovens, outro
para as senhoras e outro horário para os homens. Após a celebração dos sermões, os
fiéis faziam suas confissões, comungavam da ceia eucarística, participavam das
procissões matinais de penitência, rezava para Nossa Senhora e ouviam a pregação do
evangelho. "Era momento de muita paz durante as pregações do frei".11
Os enfermos iam ao encontro de Damião para obterem a restauração da saúde.
havia aqueles que não conseguiam se aproximar do missionário na igreja, em um gesto
de compaixão e imitação do exemplo de Jesus, o clérigo saia de onde estava para acudir
os despossuídos de saúde.
Durante a permanência dele na cidade, muitas pessoas viam frei Damião como
um santo, a exemplo de Dona Aliete Menezes que comentou: “Quando vi o frei pela
primeira vez", ela pensou, "será que ele vai aguentar caminhar, mas quando ele botava o
pé na estrada, eram os anjos que levavam ele. Porque menino novo, ele xotava viu, não
conseguia acompanhar ele”12. Enquanto estava na cidade, a população se aglomerava
em frente à igreja para participar das novenas, vinham vários fiéis das comunidades, a
praça ficava pequena diante de tanta demonstração de fé.
Sua presença, trouxe vários fiéis ao arrependimento, muitos aproveitaram o
momento da manifestação religiosa, para expressarem sua devoção e fé diante do frei. A
11 ALMEIDA, Maria. Entrevista concedida no dia 07 de novembro de 2010. 12 Ibidem.
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santa missão teve a função de converter o pecador a religiosidade cristã, aqueles devotos
que estavam afastados da igreja, começaram a participar da missa e ouvir as pregações.
No decorrer das missões, os devotos aproveitavam o momento pra confessar os seus
pecados e “receber Jesus na Eucaristia”13. Para Dona Josefa Meneses a cidade naqueles
dias passava por uma atmosfera mística. Ela alega ter visto as Santas Missões como
momentos de graças, em que o povo “participava com fé e amor, pois sabia que era uma
verdadeira catequese e evangelização de todos”14.
Em outro momento, Dona Maria Antônia salienta, naquela época, as santas
Missões “eram consideradas como momento de conversão, de perdão, arrependimento
dos pecados e preparação para a viagem definitiva até Deus”15. Portanto, quando o frei
chegou à cidade, os próprios fiéis eram que organizavam tudo, arrumavam o palanque
diante da igreja, para às novenas e as missas. Nessas santas missões muitas vezes
faziam novenas nas casas dos fiéis, como cita Dona Maria Antônia Dias. A mesma
comenta que as novenas que existiam naquela época eram “a novena de Santo Antônio
com dona Eulina e a Novena de São João Batista com dona Argemina”16. Durante as
novenas, foram animadas e com muita gente, a população mantinha um espírito de
oração e penitência esperando os missionários. A cada missa realizada pelo frei, à igreja
lotava.
A veneração chegou a tal nível que muitos devotos o viam como santo operador
de milagres. Dona Antônia, vai além, pois considera o frei como “representante de
Cristo que chegava a Boquim para ensinar as verdades esquecidas pelo povo”17. Devido
a Frei Damião ser comparado a um santo, houve alguns milagres que foram atribuídos a
13 MENEZES, Josefa Miguel de. Entrevista concedida no dia 17 de outubro de 2010. 14 Idem. 15 ANDRADE, Maria Antônia Dias. Entrevista concedida no dia 23 de novembro de 2010. 16 Idem 17 ANDRADE,Maria Antônia Dias. Entrevista concedida no dia 23 de novembro de 2010.
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ele, os próprios fiéis comentam que foi ele quem concebeu, diante da palavra de Deus,
um desses milagres. Uma das entrevistadas, dona Caetana da Silva, comentou:
Recebi uma benção do frei Damião: o filho tinha um problema de
saúde muito sério, muito sério mesmo. O menino ficava batendo com
a cabeça direto, e com isso começava a sangrar. Nesse tempo tudo era
muito 18difícil, foi quando teve uma santa Missão na cidade, mesmo
morando em povoado, eu consegui trazer ele até o frei Damião.
Quando cheguei com ele na casa do padre João Batista, o frei estava
recebendo umas pessoas e conversando com elas, foi quando eu entrei
com ele no braço e sentei. Ai, o frei perguntou: 'o que eu queria', eu
respondia a ele:' queria que ele rezasse na cabeça do meu filho', e fui
explicando a ele a situação né, foi quando ele colocou a mão na
cabeça dele e rezou lá uma oração né, só ele sabe o que rezou né, ele
botou a mão na cabeça ai depois fez o sinal da cruz na testa dele, ficou
passando a mão na cabeça dele, depois deu um tapinha na costa e
disse que nunca mais você vai bater sua cabecinha, foi a última vez,
nunca mas vai acontecer isso, ele tem uma memória excelente, ele não
tinha condição de estudar, depois disso, ele estudou, hoje está
formado, e problema na cabeça dele graças a Deus não tem, eu recebi
essa graças através da minha fé.
Houve outros relatos de milagres atribuídos à santa missão de frei Damião, como
podemos constatar:
Segundo dona Josefa Durval, frei Damião salvou ela e uma criança que
esperava:
Quando estava esperando Raimunda, passei muito mal, quando tive
ela andei morrendo, ela atravessou na barriga e ainda tinha que ter em
casa, depois foi que mandaram a ambulância para me buscar, porque
morava na fazenda dos pilões, ai mandaram a ambulância para me
buscar e na hora que a ambulância chegou, ai a menina nasceu
atravessada, mas quase que morria, ai quando fiquei eu sair de
gravidez de Teresinha ,já fiquei com medo, pelas minhas contas ,já
tinha mas de 9 meses e eu fiquei doida, doida e doida, ai minha
madrinha Lurdes troxe eu para frei Damião benzer, ai tinha uma santa
missão, ai madrinha Lurdes troxe eu para frei Damião benzer, ai eu fui
18 SILVA, Maria Caetana da. Entrevista concedida no dia 24 de agosto de 2010.
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ele ficou hospedado na casa de Padre João. Ai madrinha Lurdes
morava pertinho, ainda mora né, ai agora mora perto do convento das
freiras, mas a casa de Padre João era pegada com a de madrinha
Lurdes. Ai troxe eu levou lá aonde tava frei Damião, ai ele rezou na
minha cabeça, na minha barriga, ai disse, olhe não tenha medo quando
você dê 3 dores, a menina nasce, ai eu fiquei mangando até do padre,
ai eu disse oxé ele deve está broco, quando eu dê 3 dor a menina
nasce, ai eu disse a madrinha Lurdes, o missionário disse quando eu 3
dor a menina ia nascer, ela disse, vai ser assim mesmo. Oxé de
Raimunda quase morro e de Teresinha é que vou ter assim ligeiro,
mas foi dito certo, a mesma coisa que ele disse oxé quando interou um
1 mês eu tive ela, ai deu uma dor 5 hora da manhã, deu 1 depois deu 2,
nas 3 a menina nasceu.A mesma coisa que ele disse, ai se a gente já
tinha fé nele ,ficamos com mais fé. Portanto devido a fé que a fiel
teve, diante das palavras de Deus, fez com que salvasse sua vida e de
sua filha, ao mesmo tempo que sua devoção cresceu mais diante do
frei Damião19.
Diante desse fato muitos fiéis acreditavam no poder que frei Damião tinha, por
onde passava pregava sempre a palavra de Deus e deixavam todos bastante satisfeitos
com o seu sermão. Como ele era considerado servo de Deus, Dona Maria Senhora de
Menezes via o frei como: "Apóstolo de Deus" , como qualquer sacerdote, "porque o
sacerdote tem a missão de permanecer sempre na paróquia, evangelizando, celebrando a
santa missa e o frei Damião era um frei missionário, pregando de cidade em cidade
aonde o espírito santo lhe manda-se".20
Ao retornar à igreja, várias mulheres devotas se abraçaram diante de todos, e
pediam perdão a Deus pelos seus pecados. No tocante ao sermão de frei Damião, as
pessoas vinham de longe só para se confessar com ele. Outros nem entendiam “o que
ele falava, mas vinham só para ficar perto dele, na expectativa da escuta da palavra de
Deus”21.
19 DURVAL, Josefa Santos. Entrevista concedida no dia 24 de outubro de 2010. 20 MENEZES, Maria Senhora Miguel de Menezes. Entrevista concedida no dia 15 de outubro de 2010. 21 Idem.
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Nessa época, muitos fiéis que moravam juntos aproveitaram a presença do frei
na cidade para se casarem - houve vários casamentos, batizados, crismas e comunhões.
A quantidade de quantos pessoas regularizou-se, perante a igreja, não consta no livro de
tombo da paróquia, só existe o registro afirmando que a população esperava o momento
da chegada do frei para se casarem.
A imagem como apostolo de cristo se torna mais evidente quando os fiéis
começam a comentar dos poderes miraculosos do frei Damião em expulsar os
Demônios. Lembrando que, os discípulos (como está no evangelhos) tinham o poder de
curar (feito que já era-lhe atribuído), e expulsar os demônios. Esta entidade, assim como
ventos maléficos, lobisomens e outros mais, fazem parte do arsenal cultural dos
nordestinos. 22
Sobre esse fato Dona Maria Antônia comenta: ”Claro. Não só frei Damião como
qualquer padre de 'boa vida' pode expulsar demônios".23 Seguindo nessa linha de
pensamento, dona Maria Senhora acrescenta: “eu acredito, porque o senhor Jesus deu
poder a todo o sacerdote e ao discípulo de expulsar os demônios”24.
Contudo, boa parte da população acreditava que Damião expulsava demônios,
por devoção, fé e oração. Diante dos fatos, alguns fiéis comentam sobre isso, uma
dessas fiéis é a senhora Josefa Miguel de Menezes, que fala: ”Não só frei Damião como
tantos outros sacerdotes, pelo poder que ele recebeu de Deus, quando o padre é
ordenado; ele recebe um poder diferente dos católicos fiéis como nós, ele tem uma coisa
diferente da gente”25.
22 Isso aparece nos depoimentos de dona Maria Antônia Dias Andrade, Maria Oliveira de Almeida, Aliete
Miguel de Menezes e Josefa Miguel de Menezes. 23 ANDRADE, Maria Antônia Dias. Entrevista concedida no dia 23 de novembro de 2010. 24 MENEZES, Maria Senhora Miguel de. Entrevista concedida no dia 15 de outubro de 2010. 25 MENEZES, Josefa Miguel de. Entrevista concedida no dia 15 de outubro de 2010.
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Frei Damião jamais gostava que alguém lhe faltasse com respeito. Na maioria
das vezes que isso acontecia, as pessoas sofriam as consequências dos atos no mesmo
instante, era fração de minutos - assim acredita a entrevistada. Narra-nos Dona Maria
Elder sobre um episódio:
Houve um episódio que aconteceu na feira, uma manhã uma menina
passou por ele, e chamou de corcunda, ele só virou o rosto por cima
do ombro e disse Deus te abençoe ai a menina caiu. A menina caiu
mesmo durinha lá, só levantou quando ele foi lá e botou a mão na
menina, agora o porquê também não sei, se ele também possuía além
da religiosidade , se ele possui alguma coisa nós não ficamos
sabendo26.
Diante disso, a população sempre comentava sobre o episódio ocorrido na
cidade, mas mesmo assim ninguém nunca descobriu sobre essa proteção que o frei tinha
que na maioria das vezes as pessoas eram castigadas sem ao menos ele tocá-las.
Tiveram outros fatos que as pessoas presenciaram, mas não quiseram comentá-los.
Considerações Finais
As práticas devocionais estão estritamente ligadas ao campo religioso brasileiro.
Mais do que isso. A fé é condição inerente aos seres humanos, pois as expressões de
religiosidade revelam as diferentes visões de mundo, os sonhos, desejos da sociedade. A
fé também vivenciada sobre a sociedade constrói grupos e separam tantos outros e
carrega os sonhos e as perspectivas para dias melhores.
Esse artigo discutiu a preparação e repercussão das duas santas missões que o
capuchinho mais popular realizou na Terra da Laranja. Tudo foi acompanhado pelo
olhar atento das beatas que o acompanharam nos dias impetuosos. Tudo foi visto e
guardado nas memórias individuais de mulheres e homens que viviam na cidade no
alvorecer daquela década.
26 SANTO, Maria Elder do Espírito. Entrevista concedida no dia 30 de outubro de 2010.
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Essas memórias se tornaram em bem coletivo. As crenças supersticiosas e o
mistério alimentaram as lembranças e construíram um imaginário rico e diversificado.
Na crença popular do povo de Boquim, santos e demônios conviviam na naqueles dias
de Santas Missões.
Para além desta devoção comum, a padroeira e a frei Damião, denotamos que
cada indivíduo possui sua particularidade de entender a presença do frade na região.
Cada trama apresentada pelos entrevistados exibiu um modo de ser, viver e perceber o
missionário Damião.
Bibliografia
ANDRADE, Péricles. Sob o Olhar Diligente do Pastor: a Igreja Católica em
Sergipe. São Cristóvão: Editora da UFS/Fundação Oviêdo Teixeira, 2010.
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BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. 5 ed. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 2004.
CRUZ, João Everton da . "Caminhando com Frei Damião no Sertão Nordestino: uma
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Elementares de Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália.Tradução. Pereira
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Acessado em 18-08-2010.
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VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Fontes Orais Consultadas
ALMEIDA, Maria. Entrevista concedida no dia 07 de novembro de 2010
ANDRADE, Maria Antônia Dias. Entrevista concedida no dia 23 de novembro de
2010. MENEZES, Josefa Miguel de. Entrevista concedida no dia 17 de outubro de 2010
MENEZES, Aliete Miguel de. Entrevista concedida no dia 15 de outubro de 2010
SANTO, Maria Elder do Espírito. Entrevista concedida no dia 30 de outubro de
2010. SANTOS, Josefa Durval. Entrevista concedida no dia 24 de outubro de 2010.
SILVA, Maria Caetana Da. Entrevista concedida no dia 24 de agosto de 2010.
Livro de tombo da Igreja Matriz Senhora Santana, 1972.p.58
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