Índice história do direito português · 2020. 6. 6. · perspetiva de que cada um receba, à luz...
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Sebenta HDP – DNB 2015/2016
Índice História do Direito Português Período Pluralista (1140 a 1415) .................................................................................................... 5
JUSTIÇA ...................................................................................................................................... 5
DIREITO SUPRAPOSITIVO ............................................................................................................ 6
Direito Natural ....................................................................................................................... 7
Direito Positivo “supra regna” ................................................................................................ 7
Cúria de Coimbra 1211 ............................................................................................................. 9
DIREITO GERMÂNICO ............................................................................................................... 10
DIREITO MUÇULMANO............................................................................................................. 10
DIREITO OUTORGADO E PACTÍCIO ........................................................................................... 11
Costume ................................................................................................................................... 11
DIREITO PRUDENCIAL ............................................................................................................. 12
DIREITO LEGISLADO .................................................................................................................. 13
Direito Régio ........................................................................................................................ 13
CONTEÚDO DO DIREITO ................................................................................................ 15
Período Monista (a partir de 1415) .............................................................................................. 26
Ordenações Afonsinas (1446-1447, D. Afonso V) .................................................................. 26
Fontes Subsidiárias (A) ........................................................................................................ 27
Ordenações Manuelinas (1512-1514, D. Manuel I) ............................................................... 28
Fontes Subsidiárias (M) ....................................................................................................... 28
Ordenações Filipinas (1603, D. Filipe II) ................................................................................. 29
Fontes Subsidiárias (F) ......................................................................................................... 29
Lei da Boa Razão (18 de Agosto de 1769) .............................................................................. 30
Reforma da Universidade ................................................................................................... 31
Questão do Novo Código ........................................................................................................ 33
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O Direito Português repercute-se à fundação da nacionalidade.
Que muitos discutem ser entre 1140, 1143 (assinatura do
tratado de Zamora) e 1179 (publicação da Bula “Manifestus
Probatum” em que se reconhece o reino de Portugal pela
Santa Sé1)
Pluralismo Jurídico – período em que há uma grande quantidade de fontes de Direito.
Direito Consuetudinário, Direito Canónico, Direito Local2, Direito Romano, Direito
Castelhano, Direito Germânico (visigótico), Direito Muçulmano, Direito Natural,
Direito Régio.
Inexistência de um domínio do Direito emanado do poder central – neste regime feudal ou
senhorial, os juristas eram criadores de Direito.
Em 1211, Afonso II, primeiro monarca legislador – assume que a tarefa habitual do monarca é
a de fazer leis -> ao contrário do que se passava anteriormente em que o Rei tinha preocupações
militares de definição material do território (fronteiras) – reúne a cúria3 do imperador em
Coimbra e inicia-se o Direito Régio4.
Entre 1140 e 1211 o que prevaleceu foi o Costume como fonte de Direito.
O direito Canónico também teve grande importância
o Confusão e interpenetração das matérias do domínio espiritual (Canónico)
e temporal (Costume). Ex: contratos
O pluralismo jurídico no direito português inicia-se no séc. XII e a doutrina diverge quanto à data
do término
Ruy e Martim de Albuquerque: até 1415
o Facto histórico, militar e económico da conquista de Ceuta teve influências
económicas, políticas, sociais e jurídicas – união estrutural e político-social que
unia clero, nobreza e povo num objetivo comum. Levaram à criação de um
aparelho político-administrativo interno baseado em conceitos de
1 Há teses que alegam que não há uma verdadeira independência da Igreja mas que D. Afonso Henriques é imperator terris – rex de um território.
2 Difere do Costume pois engloba-o, mas também engloba os forais e etc. – pretende regular uma parcela local. Tendência a ser positivado nas cartas de forais mas vindo de uma base consuetudinária
3 Reunião que versa sobre matérias temporais. Concílio versava sobre matérias espirituais
4 Vera-Cruz: embora toda a primeira dinastia tenha sido de combate e só a partir de D. João é que há unificação e concentração de poderes no Rei para a empreitada das Descobertas.
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descentralização – recurso ao Direito Romano para suprir o nacional,
inadequado para regular situações além-mar nele não previstas. Mentalidade
administrativa formadora do Estado5. Desta nova união surge um novo Direito
– alteração da administração e o aumento territorial por mar obriga a que se
resolvam novos problemas jurídicos. Integrou-se o que se via de novo no
ordenamento jurídico pré-existente – a alteração na regulação de certas
matérias enformou uma mescla.
Almeida e Costa: até 1446
o Valoriza a produção normativa (visão positivista que valora os factos jurídicos)
das Ordenações Afonsinas
Duarte Nogueira: até 1820
o O conhecimento das Ordenações era tão limitado que o que se aplicava para
regular era o Direito Romano e o Canónico. Nas Universidades estudava-se o
Romano ou Canónico, portanto havia a tendência para aplicar o que se estudava
– desfasamento entre o que se aplicava e o que se produzia
Monismo Jurídico – período em que há uma principal fonte de Direito
Período Monista Formal – situado de 1415 a 1820 – estabilidade do Direito Público e
permanência das linhas mestras do Direito Privado. O Direito Régio é a fonte privilegiada.
Direito Régio: o monarca assumiu que a sua tarefa normal era a de legislar – limita as
outras fontes de Direito pois expressamente quer que se aplique a sua lei.
o Afasta principalmente o Direito Canónico numa disputa de poder com a Igreja e
regula segunda a sua vontade – para isto separa a esfera espiritual da esfera
temporal.
Corrente jusracionalista da Contra-Reforma manifesta-se e desvaloriza-
se a parte Canónica do Direito e atribui-se à razão humana a chave do
Direito
o Para não chocar diretamente com o Costume, redu-lo a escrito pois as partes
iam naturalmente aceitá-lo.
o Também ainda se aplicava Direito Romano, pelo que o monarca teve
necessidade de aplicar o seu Direito dando prioridade à lei – uma das mais
importantes foi a Lei da Boa Razão (1769)
Período Monista Material – a partir de 1820 – ideias de Estado e de indivíduo ganham força e
há uma tendência para prevalecer a lei. Há as primeiras Constituições (1822). As fontes de
Direito mudam e não estão mais no Rei.
5 Com as Descobertas há uma laicização do Direito internacional que era muito hierarquizado pela cristandade.
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Período Pluralista (1140 a 1415) No entendimento dos profs. Albuquerque
O Direito é entendido como Justiça porque surgiu para a atingir e validar, sendo mesmo o seu
instrumento fundamental.
Elemento volitivo humano – vontade do homem ser justo – virtude do Homem, fortalece
as potencialidades do homem, a realização da ação virtuosa promove as suas
faculdades.
Elemento da habitualidade – permanência dessa vontade para se atingir a justiça
Na Idade Média, imperava uma desigualdade social quer no acesso ao trabalho, quer no acesso
a locais, quer ainda no uso de vestuário.
O direito aplicável não era igual, pois os nobres eram julgados em tribunais específicos
e os impostos eram desiguais.
O objetivo principal do homem medieval da classe do povo era a salvação da alma, daí que o
conceito de justiça se encontrasse também limitado por esta ideia – tudo possui uma dimensão
espiritual e o Homem tem um fim metafísico.
JUSTIÇA Fundamento da vida social – nas Partidas de Álvaro Pais – a sociedade era o resultado do
múltiplo e diversificado operar humano, tendente à realização da perfeição individual.
Natureza da justiça (vontade constante) e o propósito desta (atribuição do seu) – meio é o
direito.
Justiça Objetiva – corresponde a um padrão de conduta (à imagem de Deus – a justiça humana
era um reflexo da divina); forma de retidão plena e normativa. É inalterável e mantém-se
inalterada, postulando sempre as mesmas condutas mas com que critério? Não o do Santo nem
o do criminoso, sim o do Bonus Pater Famílias – ideia do homem médio, relacionado com o
comportamento padrão do próprio sujeito e alcançável por todos (Bonus Pater Familia = homem
médio, membro da comunidade diligente e correto para a situação – comportamento que se
pauta pela razoabilidade)
Justiça Subjetiva – permite variações – envolve outras modalidades.
Justiça Universal6: soma a síntese de todas as virtudes do Homem – diz respeito ao caráter
e consciência de casa sujeito (intrassubjetiva)7
Aquele que é virtuoso (tem virtudes e pratica-as) é o que compõe a sociedade
(idealmente) – homens bons
Justiça Particular: o que pertence a cada um – determina o seu e atribui o seu numa lógica
de relação com os elementos duma comunidade – virtudes que regulam a nossa conduta
em relação aos demais8.
6 Vera-Cruz: Justiça não é o que cada homem quer, é o que é.
7 Homem justo = Homem perfeito -> justiça universal como a síntese de todas as virtudes, prevalecia sobre as demais.
8 Conceção de justiça como virtude específica -> Justiça Particular
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Ulpiano – A justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o que é
seu9
o Operar cognoscitivo da adaptação de um ser ao seu fim e à existência de várias
pessoas com interesses próprios.
o Álvaro Pais diz-nos que o “seu” é determinado de acordo com o Direito Natural
o Justiça Comutativa/Sinalagmática (Igualdade Aritmética – Aristóteles):
relações entre iguais e uma igualdade absoluta na relação jurídica
o Justiça Distributiva (Igualdade Geométrica – Aristóteles): relações entre a
comunidade política e cada um dos seus membros. Não trata de forma igual
o que é desigual Justiça Redistributiva espelha a Justiça Distributiva – o que cada um deve à
comunidade
Profunda ligação entre Igualdade e Justiça – respeita-se sempre a igualdade mesmo
que seja necessário um reajustamento para eliminar a desigualdade
Justiça é a fonte e o fim do Direito
O Direito só existe porque existe a Justiça – o que é justo é Direito, que existe em função
da justiça para a concretizar 10
Álvaro Pais: Partidas – Direito brota da Justiça e têm a mesma natureza
Se for injusto, Direito Nulo, não existe Direito
DIREITO SUPRAPOSITIVO Direito Positivo – todo aquele produzido pelo homem, independentemente da fonte
Direito Suprapositivo – todo aquele acima do Homem e produzido por Deus
S. Tomás de Aquino11 recorre as categorias de Santo Agostinho e trabalha-as numa lógica de
umas derivarem de outras
1. Lei Eterna: razão e vontade do próprio Deus – inacessível ao Homem mas com
manifestações acessíveis ao homem pela Lei Divina. Ex: Bíblia12. Lei governadora do
mundo
2. Lei Natural: razão de Deus inscrita no coração de todos os Homens (Santo Agostinho) –
participação da Lei Eterna no Homem que o orienta e faz ver o bem e o mal. Impõe-se e
vincula todos. Imutável (pois não tem origem humana).
Deve ser o móbil da ação humana. Se uma lei contraria a lei natural deve-se
desobedecer: Direito de Resistência – não sujeição a uma lei injusta que fere as
consciências.
i. Face ao tirano pelo título e ao tirano pelo exercício.
Assenta em princípios inerentes à dignidade da pessoa humana (na aceção
kantiana) – poder político não pode dispor contrariamente à lei natural
9Vontade de cada um em ter o mínimo indispensável para satisfazer as suas necessidades básicas, numa perspetiva de que cada um receba, à luz da lei divina, uma recompensa por aquilo que lutou, correspondendo esta recompensa à salvação da alma Conforme a atuação, a sociedade deve dar de volta – reciprocidade tendo em conta a nossa prestação na sociedade 10 Vera-Cruz: Sem justiça nunca há paz e o meio para se alcançar a paz é o Direito 11 Pensador da Escolástica (pensamento dominado pelas revelações divinas) 12 Direito suprapositivo positivo
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i. Limitação do poder político a iniciar-se na Idade Média – governantes
subordinados à lei divina e à lei natural
3. Lei Divina: revelação da Lei Eterna aos Homens através das Sagradas Escrituras
4. Lei Humana: resulta da confluência das anteriores.
Direito Natural Algo inerente ao Homem que o rege na vivência em sociedade.
Imutável e Inderrogável13
Juristas romanos com conceções aproveitadas nos textos medievais
Ulpiano – baseia-se no instinto (acessível aos animais)
Gaio – baseia-se na RAZÃO (exclusivamente humano): a razão que está no próprio Homem e é fruto de Deus
a) É de origem divina – na total dependência de Deus -> Sacra
b) Allan de Lille: Deus estabeleceu as regras do Direito Natural que funcionarão devido à
autonomia dos Homens -> menos Sacra
c) Conceção em que o Direito Natural é a expressão da vontade de Deus, posta a cada
momento.
Direito visto como vontade -> positivismo (vontade do legislador)
Diferente da conceção racional do Direito em que este é iminentemente razão (natural)
Direito Positivo “supra regna” Direito que vigoraram principalmente até ao séc. XV
Direito supraestadual -> acima do Estado: ordenamentos que se impuseram aos Estados
Direito Canónico14: D. Afonso II assumiu que o Direito Canónico prevalecia no Reino15 (há quem
entenda que eram só para matérias de Igreja – Braga da Cruz: leis pátrias só não valeriam contra os
cânones que estabelecessem privilégios em favor da igreja); conceito de clérigo era muito abrangente
e havia muito que pertencia ao mundo eclesiástico – sendo julgados num tribunal eclesiástico16.
Regulava as relações da comunidade dos crentes com Deus
As leis designam-se Cânones – podendo ser decretos de pontífices ou estatutos de concílios
Fontes Essendi – modos de formação das normas:
o Sagradas Escrituras – Antigo Testamento: cerimoniais (do culto), judiciais
(aplicação da justiça), morais (da ética); Novo Testamento: direito divino
(expressão vontade Deus), divino apostólico (ação dos apóstolos), apostólico
(apóstolos).
13 Intérpretes procuraram vias de flexibilização da imobilidade e eternidade estática do Direito Natural: princípios auto-evidentes e não auto-evidentes (S. Tomás de Aquino)
14 Direito divino positivo (com legislador vivo, ao passo que o Direito Romano não tinha legislador vivo e vinha do séc. VI do Corpus Iuris Civile) – sem confessionalismo de Estado absoluto.
15 Restringido por: Beneplácito Régio (D. Pedro I – as regras apostólicas tinham que ser aprovadas pelo Rei – supostamente para a confirmação da veracidade mas que eram na verdade formas de controlo do Rei); Anti-clericalismo da população; Dourinas Heréticas (Franciscanos e Averroismo);
Abolição do juramento dos contratos; leis que obrigavam clérigos a responder nos tribunais civis em matéria criminal
16 Nos tribunais civis também eram clérigos a julgar – monopólio da decisão jurídica no mundo eclesiástico
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o Tradição – transmite-se através das gerações – inhesiva (escrita explicitamente
nas escrituras), declarativa/interpretativa, constitutiva (apareceu depois das
escrituras).
o Costume – antigo (mais de 10 ou 20 anos), racional e consensual
o Cânones – normas escritas englobadas no Corpus Iuris Canonici
o Decretos e Decretais – formalizam a oposição dos estatutos (respostas de
clérigos); normas que o Papa determina sozinho (esclarecimentos ou respostas
do papa)
o Concórdias e Concordatas – acordos entre Rei e Clero nacionais; acordos entre
Rei e Santa Sé
o Doutrina
Fontes Cognoscendi – modos de revelação dos conhecimentos que constituem o Direito
o Corpus Iuris Canonici
Direito Romano: os monarcas recusam que ao aplicar Direito Romano estão a ser subservientes
a Roma – “usam o Direito pelo império da razão e não pela razão de império” – os monarcas
assumem que eles mandam; o Direito Romano dotou o Direito Canónico de muitos dos seus
princípios.
Muitos autores consideram o Ius Gentium como supraestadual pois regulava as relações
entre Estados – mas este advém essencialmente de Direito Romano
Na Cúria de Coimbra reconheceu-se o Direito “supra regna” como o Direito Canónico e Direito
Romano.
Privilégio do Direito Canónico – relações entre Portugal e a Santa Sé eram pendulares (ora muito
má, ora muito boa)
Direito Comum = Ius Commune = Utrumque Ius – resulta do Direito dos sécs. XIII e XIV:
mistura de Direito Romano e Direito Canónico
o Direito Romano ampliado, modificado e transformado pela interpretação dos
doutores (que o adaptaram ao canónico)
o D. Afonso II tem uma tarefa pontual de estabelecer leis mas ainda não é a tarefa
normal do legislador.
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Cúria de Coimbra 1211 Revela o contexto do Direito na época – não está dentro da atuação normal do monarca mas
começa a haver uma centralização de poder no Rei.
Relações com a Igreja
Direito canónico prevalecente – lei II
o Perspetiva tradicional: elemento da igreja é poderoso e subordina o Reino
(quando há conflito prevalece a autoridade canónica)
o Braga da Cruz: aplica-se Direito Canónico nas matérias especiais dos privilégios da
Igreja.
Privilégios fiscais à Igreja – lei XV
Na mesma Cúria há leis que dão privilégios à Igreja e outras que os retiram.
Ataque a privilégios da Igreja – lei XI de aquisição de bens por mosteiros e ordens
religiosas
o Revela caráter desconfiado do Rei que não queria conceder tanto poder à Igreja
que podia utilizar a sua influência sobre as terras de forma indesejável para o
monarca – e a Igreja já aumentava o seu património com as indulgências
o Alexandre Herculano: lei inútil e com muitas exceções
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DIREITO GERMÂNICO Após a invasão Romana, também os povos germânicos (fortemente romanizados, pois viveram
sob a alçada do império durante 2 séculos) se estabeleceram na Península Ibérica (séc. V)
Visigodos – povo germânico forte e nómada com feição guerreira
Suevos – povo germânico estabelecido na zona de Braga vencidos pelos Visigodos e
depois integrados
Vandâlos – povo germânico que passou pela Península Ibérica e tudo destruiu à sua
passagem
Direito Rudimentar de base consuetudinária (devido à natureza nómada)
Monumentos Jurídicos:
Código de Eurico (476) – Teodorico II – correspondia a Direito Romano Vulgar
Breviário de Alarico/ Lex Romana Visigothorum (506) – código com conteúdo romano
Código Leovigildo/ Lex Leovigildo (572-586) – revisão do Código de Eurico e progressiva
germanicidade
Código Visigótico (654) – Recesvindo – aplicado e com soluções que vigoraram até ao
séc. XII como a Lex Visigothorum. Vigorou nas fontes do pluralismo, no início da
nacionalidade e progressivamente perde influência – encontrou-se um Código Visigótico
no espólio dum bispo do Porto17
Articulação das primeiras obras:
Tese Territorialidade – Garcia-Gallo – Breviário de Alarico revogou o Código de Eurico:
aplicava-se o Direito do povo dominador do território
Tese Personalidade – Paulo Merêa – Código e Lex vigoravam ao mesmo tempo: aplicava-
se Direitos diferentes a povos diferentes que tinham diferentes etnias e que estão no
mesmo território (visigodos – Código; hispano-romanos – Lex)
O Reino Visigótico cai, pois numa disputa dinástica dos filhos de Vitisa (entre um partido romano
vs. partido germânico) uma das partes pede ajuda a Tarik – os árabes ajudam e depois invadem
a Península.
DIREITO MUÇULMANO Após colonizarem África, os Árabes estiveram 7 séculos na península Ibérica.
Deixaram marcas demográficas mas muito poucas normas jurídicas
Era um Direito de Religião – subordinado aos dictates do Corão18 (vertente confecional)
bem como à Sunna (ensinamentos de Maomé na sua conduta pessoal)
Guerra pela reconquista cristã procurou apagar todas as marcas islâmicas.
17 Vera-Cruz: não crê que tenha vigorado em Portugal (e em Espanha sim) apenas porque se encontrou o código; mas o testamento faz referências à lei dos Godos 18 Enquanto que na Cristandade os evangelhos não eram livros jurídicos – havia a escola de cânones e outras civis. O Alcorão era encarado como livro jurídico
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DIREITO OUTORGADO E PACTÍCIO Uma das partes tem supremacia sobre a outra (e pode oferecer regulação e etc.)
Foi-se concretizando ao longo do reino através de vários institutos
Cartas de Privilégios: stricto sensu19, regime jurídico específico para certe território ou
certa comunidade (âmbito delimitado)
1. Cartas de Povoação (finais séc. XII, início séc. XIII)
Durante a Reconquista Cristã, as pessoas fugiram das suas terras devido à brutalidade da guerra.
Após a Reconquista:
a) Monarca estabelecia condições favoráveis para que as pessoas permanecessem (ou
voltassem) em certas localidades – as pessoas aceitavam as condições impostas.
Visava atrair habitantes para zonas escassamente povoadas. Fixava conjunto de
normas do estatuto dos futuros colonos – fisionomia económica (de exploração
da terra).
Tomás y Valiente – povoadores debaixo da dependência pessoal do senhor. Ato
unilateral outorgado com regras para o futuro e entrando no domínio da
disciplina senhorial. Articulação do aspeto negocial com o aspeto normativo
(contratos de adesão).
b) Monarca ia para as recém-formadas povoações, indagava o Direito e reconhecia-o
2. Cartas de Foral
Mais extensas que as cartas de povoação e abarcam mais matérias – preceitos não só de
assentamento na terra.
Direito Público: Definição das estruturas públicas – competências e órgãos.
Alexandre Herculano – associa a carta de foral ao surgimento do município (surgimento
de condições estruturais para a exploração)
3. Estatutos Municipais
Acervo de normas muito maior que os dos forais. Maior número de disposições de Direito
Privado se bem que esta distinção “não existia cientificamente” como escrito por Alexandre
Herculano. A origem destas regras era consuetudinária (muitas repercursões de direito
visigótico como: cojuramento, penhora extrajudicial, vingança privada, perda da paz)
Direito Privado: foros e cartas de direitos civis
Após se compreender quais são os órgãos e como se estruturam (há necessidade de
uma pré-existência de um poder político)
o Preocupação da aplicação das leis às pessoas – já está definido, pela existência
dum documento político quem tem competência para o quê
Ao lado do Direito Pactuado tinha-se o Direito Consuetudinário
Costume No período da fundação da nacionalidade era a fonte jurídica por excelência. Traduz um
assentimento comum e tem por base a tradição.
Comunidades de costumes decorrentes das famílias de forais e estatutos – vai ganhando
generalização crescente. Tem que ser antigo (nas Partidas: 10 anos); conforme a razão;
consenso da comunidade.
19 Lato sensu, documentos que atribuem prerrogativas, liberdades e isenções de qualquer ordem.
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Estilo: costume judicial que se autonomiza como direito não escrito. Subsidiário do costume.
Façanhas: ato heroico fora do normal que passa a ser seguido por todos – caso notável que fica
como padrão normativo para o futuro (sentenças que valiam para todos – julgamentos por
exemplos)
José Anastásio de Figueiredo: juízo sobre ação notável que fica como padrão normativo
para o futuro, em virtude da autoridade de quem a praticou ou aprovou.
Alvidros: Decisões dos juízes arbitrais, escolhidos livremente pelas partes – sentenças dos
alvidros eram suscetíveis de serem utilizadas e alegadas noutros casos. Faculdade da justiça
integrar uma lacuna ou criar uma norma (mas a atuação não era ilimitada).
DIREITO PRUDENCIAL Escola de Direito Prudencial desenvolvida a partir do séc. XII em Itália (Bolonha) – fundada por
Irnério – renascimento do Direito Romano justinianeu.
Ordem normativa criada pelos prudentes e cuja autoridade lhes permitia declarar a
verdade jurídica nos casos concretos.
o Era necessário superar as lacunas de um ordenamento jurídico da idade média,
rudimentar e escasso.
Resiste ao monarca e tem função criadora, interpretativa e integradora de normas
jurídicas.
Código Justinianeiro (séc. VI) volta a ser estudado e recuperado – reconhece-se a dignidade do
texto e adaptam-no às realidades do séc. XII20
Escolas sucessivas que definem etapas cronologicamente separadas:
Glosasadores, Glosas – interlineares e/ou marginais – explicitação e simplificação do texto
para se entender o escrito (com interpretação subjacente também ao espírito da lei21).
Acúrsio: “Magna Glosa de Acúrsio” (pós-acursianos destacam-se Odofredo, Alberto Gandino,
Guilherme Durante e etc.)
Hespanha: mais teóricas – não se queria alterar o conteúdo do texto
Vera-Cruz: Extinguiram-se quando o Digesto ficou completo – comentários ao Corpus
Iuris Civile.
Comentadores, Comentários – preocupações de Direito prático, relacionamento desse
Direito Romano de boa qualidade com a sua integração em casos práticos de direitos Locais –
visão sintética em torno de um tema.
Bártolo (Digesto) e Baldo (canónico).
Receção Portuguesa:
Glosa de Acúrsio e Comentário de Bártolo valeram até ao séc. XVIII22 - a valorização feita a cada
um deles é que foi sendo alterada (iniciada no séc. XIII)
20 Alejandre Garcia: apagamento dos direitos particulares e indígenas em virtude de o direito Romano se tornar o único oficial. 21 Interpretação errada por falta de conhecimento – crítica dos Humanistas (séc. XVII) 22 Terminaram com a Lei da Boa-Razão
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DIREITO LEGISLADO Reaparecimento da lei como modo de formação do direito, desde o séc. XI (depois de 3 séculos de domínio
exclusivo do costume)
Direito Germânico: Códigos Visigóticos
Direito Castelhano: Leis de Leão, Coiança e Oviedo.
Alguns monumentos foram trazidos: Flores del Derecho; Nueve Tiempos del Juicio;
Fuero Real23; Partidas24
o E depois foram usados como fontes subsidiárias
Leis portuguesas verdadeiramente se autonomizam do Direito leonês e castelhano – a partir do
séc. XIII em diante
Direito Régio Produção régia de direito positivo – função legislativa como tarefa normal do monarca25, a partir
de 1211.
Fortalecimento da ideia que a lei é produto exclusivo da vontade do monarca
Legislava conjuntamente com a Cúria26 e as Cortes27.
o A partir de D. Afonso III a atividade legislativa intensifica-se e individualizasse totalmente
na pessoa do Rei, dando a cúria um mero apoio técnico
Rei consulta as cortes, mas o poder legislativo era só do monarca (exceto na quebra de
moeda e impostos – quo dominus regi)
Centralização de poder no Rei – o Monarca chama a si as principais competências que hoje se
atribuiriam ao Estado:
1. Função legislativa (em que primeiramente positivou os costumes, que iriam de certeza
ser acatados; por pedidos feitos junto do rei para se regular certas matérias)
2. Função Executiva
3. Função Judicial (regulando os meios de autotutela, por exemplo)
Leis na Idade Média
Mera ordenação social e serviam para a generalidade da polis.
Para dar paz ao reino e consagrar a justiça ao serviço do bem comum.
D. Duarte: “poder não é para mim mas por mim”
Dispensa de lei (= dispensa fiscal) – a algumas figuras não se aplicava a lei (pois tinham investido
dinheiro nas descobertas e etc.): leis não eram de aplicação geral
Requisito para a dispensa era a “justa causa”
23 Em que estas três faziam parte da compilação do “Caderno dos Foros da Guarda” 24 Fonte das ordenações Afonsinas 25 Atividade corrente e normal do exercício de soberania régia 26 Sánchez-Albornoz: a Cúria Régia surgiu como organismo auxiliar que colaborasse com a realeza no governo, após esta ter assumido a direção da monarquia 27 Ligadas à transformação da Cúria plenária mediante a participação dos representantes dos concelhos (Marcello Caetano) – só se pode falar em cortes após assembleia de Leiria de 1254
Caráter consultivo (António Caetano do Amaral e Rebelo da Silva)
Caráter deliberativo (Coelho da Rocha)
Ambos, dependendo da época (Gama Barros)
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Vacatio legis para as pessoas saberem a lei – lidas após a missa de Domingo (embora não
houvesse um princípio definido e invariável sobre a publicação das leis).
Vera-Cruz: Lei na Idade Média termina quando o Rei toma tudo.
No séc. XV fazem-se as Ordenações com o intuito de ordenar/organizar as leis do reino
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CONTEÚDO DO DIREITO A família
É difícil à ordem jurídica exprimir o conteúdo das instituições familiares e definir o termo família devido à
sua fluidez e variação de acordo com as circunstâncias (havendo, por isso, diferentes consagrações
históricas).
Em períodos de forte instabilidade política e social, a família adquire relevância política como factor
fundamental de organização social e princípio de defesa e conservação das pessoas e bens.
O clan agrupa o conjunto de pessoas que descendem de um mesmo antepassado e a sua identidade resulta
de vínculos religiosos (divindades comuns), propriedade comum, comunhão doméstica e trabalho
colectivo. O totem é o símbolo denominador comum (uma crença antropológica comum) a todos os
membros (que se consideram antepassados dele) e o sinal que determina o parentesco: os membros do clan
são parentes porque usam todos o nome de um animal ou planta (não sendo necessária a consanguinidade).
Esta forma de organização social existiu em todas as sociedades.
A família patriarcal (consagrada na Roma Antiga) é fundada na autoridade do chefe (o pater familiae) que
agrega à sua volta e sob sua autoridade um grupo de pessoas e o património deste. A situação familiar
define-se não pela sanguinidade (parentesco “cognatício”, definido pela descendência ou ascendência de
gerações ou pela existência de um descendente comum) mas pela submissão ao poder do pater familiae
(parentesco “agnatício”). O parentesco “agnatício” acaba por ter o elemento da sanguinidade pois o poder
familiar (“manus” – relação jurídica de domínio e dependência) passa através da linha paterna, produzindo
efeitos na esfera da sucessão e da tutela. Com a filosofia cristã, Justiniano suprime os efeitos jurídico-
familiares da “agnaticio”.
A família conjugal assenta na institucionalização da relação dos cônjuges (através de acto jurídico) e os
efeitos estendem-se a graus próximos de parentesco. Apresenta-se sob variadas formas, devido à sua
articulação com outras instituições políticas e sociais, sendo necessário estudar cada momento da história.
Em períodos de instabilidade política (em que não é assegurada a protecção e subsistência dos indivíduos)
procuram-se formas comunitárias de organização, o grupo parental adquire maior coesão e a importância
do parentesco estende-se a graus mais afastados (em períodos filosóficos individualistas e quando a
estabilidade economico-social permite o sucesso pessoal, acontece o inverso).
Os esponsais
Os esponsais são uma promessa recíproca de casamento (a celebrar pelos noivos ou por seus
representantes). Acaba por não estar autonomamente definido, sendo, por vezes, considerado a primeira
parte do casamento (que, no direito germânico, só terminava com a traditio – solenidades que simbolizavam
a transmissão da mulher do pai para o marido).
No período romano, os efeitos do matrimónio e dos esponsais tendem para a equiparação, através da
legislação dos imperadores Constantino e Justiniano (embora só o sejam totalmente na Idade Média) e o
noivo fazia uma doação à noiva (numa perspectiva de segurança no cumprimento da promessa e garantia
da situação económica da mulher, em caso de viuvez ou incumprimento do noivo) – donatio ante nubias
No direito visigótico (e subsequentes), os esponsais contraíam-se por escrito ou perante testemunhas, era
entregue um anel como penhor do cumprimento do contrato, era redigida a escritura dotal e a celebração
(obrigatória) do casamento fazia-se nos dois anos seguintes.
Nos reinos cristãos, (depois da reconquista) é praticada a lei do ósculo (se o noivo falecesse depois da
cerimónia do beijo, a noiva tinha direito a receber metade das erras) – baseada na “donatio ante nubias” do
período romano. Os presentes esponsalícios vieram a institucionalizar-se e a sofrer regulamentação.
O direito canónico vai considerar os esponsais a primeira fase do casamento. Se depois deles ocorressem
relações sexuais entre os promitentes, haveria um “casamento presumido”, existindo matrimónio, para
todos os efeitos.
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O casamento
O casamento é o acto que inicia um estado de comunhão de vida entre duas pessoas (regulado por um
conjunto de normas que regulam direitos e deveres de ordem pessoal e patrimonial) e expressa o
consentimento delas. Neste período, já existe alguma liberdade do casamento:
No direito visigótico, a liberdade do casamento é ignorada no casamento tradicional (dominava a ideia de
patrimonialidade, compra e venda) mas surge no casamento por rapto (entre um homem e uma mulher
livres) que só tinha efeitos jurídicos com o consenso da mulher.
No direito canónico, o consenso e a livre expressão da vontade de contrair matrimónio têm grande
importância, tornando-se o momento decisivo da consumação (e já não a união sexual) e produtor de efeitos.
O matrimónio é um puro pacto privado e livre entre duas pessoas com a vontade como pano de fundo, a
ausência de impedimentos legais como condição e a bênção do sacerdote como solenidade.
Contudo, os noivos nem sempre podem decidir com quem casar, não havendo grande liberdade de escolha
devido à estrutura e aos preconceitos sociais (que originavam pouca mobilidade) e ao poder paternal. Os
nossos monarcas tentaram legislar no sentido de afirmar a liberdade do casamento.
Formas do casamento:
Casamento de bênção – casamento religioso. Sacramento ministrado numa Igreja, por um sacerdote
Casamento de juras – promessa entre os cônjuges de uma vida em comum (pode haver um clérigo como
testemunha) sem se dar o sacramento, pelo que é inferior ao casamento de bênção.
Casamento de pública forma – não chega a haver um acto de celebração. Resulta de uma situação factual.
Trata-se, pois, de um casamento realizado à margem e sem as formalidades da Igreja, sem sacramentalidade,
de valor social inferior mas com diversos efeitos jurídicos.
Para Cabral de Moncada só existe um conceito jurídico, social e religioso do casamento, pois só existe um
regime jurídico para todos eles (a família goza das mesmas garantias, os cônjuges têm os mesmos deveres
e direitos, os efeitos patrimoniais são os mesmos, os direitos de sucessão são iguais). A Igreja contribui
para a unificação do conceito de matrimónio ao considerar a validade e os efeitos religiosos
(sacramentalidade indissolúvel) iguais para qualquer forma de casamento.
Os casamentos clandestinos
A Igreja tenta combater os casamentos clandestinos, ameaçando com penas espirituais. Os reis legislam
presumindo a existência necessária de casamento legal mas D. Dinis introduz a presunção de pública-fama
(aqueles que fizessem vida de casados durante 7 anos e fossem conhecidos como tal, mesmo que não fossem
casados pela Igreja, eram considerados cônjuges).
O registo dos matrimónios
D. Afonso IV ordena que os clérigos sejam casados perante o prior da Igreja a que pertencem e perante os
tabeliães do reino, para que fossem escritos os casamentos que se faziam. O registo seria aplicado apenas
aos casamentos dos clérigos e não terá tido grande concretização.
Relações patrimoniais dos cônjuges
A comunhão de vida que resulta do matrimónio exprime-se num complexo de direitos e obrigações de
natureza pessoal e patrimonial, sendo necessário determinar o regime de bens.
Bens próprios - bens que os cônjuges tinham recebido por herança ou doação.
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Bens comuns - bens adquiridos pelos cônjuges durante o matrimónio.
Os cônjuges mantinham a propriedade dos bens que tinham até à data do casamento (não havendo
comunicação ou limitação dos bens próprios da mulher ou do homem). A administração desses bens
próprios era feita pelo marido (que podia aliená-los sem consentimento da mulher) e a mulher não podia
contratar ou afiançar sem o consentimento daquele (a não ser que fosse comerciante).
A esposa possuía as “arras”, dote constituído pelo marido em favor e garantia da situação da mulher (umas
vezes determinava-se uma parte da fortuna do noivo, outras vezes determinava-se um valor absoluto).
Durante o matrimónio, as arras tinham um regime jurídico idêntico aos bens próprios da mulher (eram
administradas pelo marido, sem este ter poderes autónomos de disposição). A mulher só se encontrava
como proprietária do património em caso de morte do marido.
O regime de comunhão geral de bens começa a ser aplicado de forma supletiva (quando nada fosse
declarado) ou em concorrência e detrimento claro do regime da comunhão de adquiridos (o regime
tradicional), especialmente, no sul do território (Estremadura, Alentejo e Algarve – onde era o regime
supletivo), enquanto no resto do país os cônjuges precisavam de referir expressamente se desejassem o
regime geral de bens.
O poder paternal
No direito romano, as manifestações de um ordenamento familiar são intensas e duradouras: a autoridade
do pater sobre a família é suprema e este assume a titularidade dos bens e as relações do grupo com o
exterior. Assim, o ordenamento familiar é a esfera de soberania do pater.
No direito visigótico, é afastada a omnipotência paterna e o pater tem um poder-dever (obrigação de
educação, protecção e direcção dos filhos). A patria potestas (responsabilidade do comando da família)
pertencia ao pai pelo que a mãe viuva exerce uma mera tutela sobre os filhos menores e os bens adquiridos
pelos filhos eram propriedade paterna (com excepção dos bens herdados da mãe e doações do Rei ou do
patrono) e estavam sujeitos à partilha.
No direito nacional, a mãe alcança já a patria potestas e o poder paternal cessa com a morte de qualquer
dos cônjuges (exercendo o viúvo a tutela sobre os filhos menores com o conselho dos parentes mais
próximos, e herdando o filho os bens). Também aqui o filho adquire os bens para os pais (sendo sujeitos a
partilha) e não pode contratar ou responder em julgamento. Esta sujeição acaba quando o filho deixa de
viver em economia familiar (com o casamento) e constitui família em casa própria.
A adopção
No direito romano, a adopção revestia a forma de “adrogatio” (sujeição de um pater-familiae a outro) e de
“adoptio” (adopção de um “filius-familiae”). Com a filosofia cristã, só o segundo prevalece.
No direito nacional, a adopção toma o nome de perfilatio e divergem as suas finalidades (é um processo
desvirtuado para intenções patrimonialistas - iludir as regras sucessórias, obter isenções fiscais, legitimar
filhos fora do matrimónio...). No séc. XII, a perfilatio aproxima-se da “adoptio”, sendo esta ressuscitada
inequivocamente com as Partidas.
DIREITO SUCESSÓRIO
A sucessão é a transmissão subjectiva de bens (transferência patrimonial) de um indivíduo para a esfera
jurídica de outros (substituindo-se à posição jurídica que o outro ocupava). Distingue-se:
I. Sucessão inter-vivos (entre sujeitos actuantes na ordem jurídica)
II. Sucessão mortis causa (por morte daquele em cuja posição jurídica outros vão ingressar, substituindo o
de cujus)
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I. Sucessão universal – o novo sujeito substitui o de cujus na totalidade das relações jurídicas (tomando o
nome de herdeiro)
II. Sucessão singular – apenas sucede na titularidade de certos direitos (ligados a bens determinados)
III. Herança – património geral/total do de cujus (ou remanescente dos bens depois de retirado o legado)
ao qual sucede o herdeiro
IV. Legado – bem certo (a título singular, ao qual sucede o legatário)
V. Chamamento – vocação (no momento da morte) dos que estão em condição de serem chamados a
suceder – tem uma grande diversidade de fundamento jurídico, com duas origens:
0 Voluntária - decorrente do direito romano - a vontade do de cujus – autor da sucessão – define
quem sucede e como sucede
0 Testamentária – acto jurídico unilateral de entrega dos bens e definição dos sucessores
1 Contratual – acto jurídico bilateral de entrega dos bens e definição dos sucessores
Nos dois casos, a doação é escrita mas só obtém efeitos depois da morte.
1 Legal – decorrente do direito germano - o direito fixa quem recebe e como recebe, definindo
categorias
0 Legítima – é supletiva – a lei faz a distinção de herdeiros quando o de cujus não expressa
vontade. A vontade aplica-se respeitando e assegurando as regras da sucessão legitimária.
1 Legitimária – regras fundamentais, imperativas e necessárias da sucessão; os herdeiros
legitimários são definidos pela lei e não podem ser afastados pela vontade do testador; define a
quota indisponível (não pode ser alterada) que vai corresponder aos legitimários;
As duas fontes (direito romano e germânico) não se excluem: há um equilíbrio das ordens jurídicas
que estiveram na base do nosso direito:
VI. Direito germano:
0 A vontade está limitada pelo direito (que age supletivamente) – a sucessão voluntária conforma-se com
a rigidez de princípios do direito germano
1 O direito define tipos de parentes que não podem ser afastados da sucessão (necessária e obrigatória)
– não havia possibilidade de, em vida, legar todos os bens a alguém que não fosse da família (manutenção
dos bens na família, pelo menos, da quota indisponível)
VII. Direito romano
0 Possibilidade de deixar os bens a alguém que não seja da família
Não existe possibilidade total de dispor dos bens (de acordo com o alvedrio da vontade), nem
impossibilidade total de dispor dos bens (por estarem sujeitos à sucessão necessária da família).
Princípios da sucessão medieval:
I. Igualdade dos sexos (tradição visigótica)
II. Os parentes mais próximos afastam os mais distantes
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Excepções:
I. Direito de representação (excepção à proximidade de graus – os netos têm a possibilidade de representar
o pai na sucessão do avô quando o pai tenha morrido, esteja desaparecido, não possa ou não queira
suceder. Repartiam-se, então, os bens por estirpes, formando-se tantos quinhões quantos fossem os
filhos do herdado, e só dentro de cada repartição primária se exercia o direito de representação)
II. Direito de troncalidade – não havendo descendentes, faz retornar/devolve os bens próprios que vieram
do lado do pai aos parentes desse ramo, e os da mãe regressam à família da mãe (os bens adquiridos são
divididos ao meio pelas duas famílias). Logo, para a sucessão, relevaria a origem dos bens.
Sucessão voluntária
O direito romano (individualista) defende a liberdade total para testar. O direito germânico caracteriza-se
pela impossibilidade absoluta de testar (como expressão de ordem comunitária).
Contudo, o direito visigodo reconhece o testamento romano, que cai em desuso com a reconquista. Neste
período fala-se apenas em disposições causa mortis (doações a instituições religiosas para salvar a alma).
Com o renascimento do direito justinianeu (séc. XIII) volta-se a dispor do testamento, sob três formas:
I. Por escrito particular (com testemunhas mas sem interferência de um tabelião)
II. Por declaração verbal (na presença de testemunhas)
III. Perante um notário (tabelião)
Sucessão legítima
Na sucessão legítima, a lei só define os herdeiros quando o de cujus não o faz (respeitando as regras da
sucessão legitimária). Qual o critério determinado pela ordem jurídica? (tendo em conta o princípio da
igualdade de sexos e da proximidade de grau)
I. Descendentes
II. Ascendentes
III. Colaterais
IV. Cônjuge
A sucessão necessária ou legitimária
No período romano, o pater gozava da totalidade dos direitos e da plenitude de poderes relativos à família.
No período visigodo, prefere-se a sucessão necessária: o de cujus não pode dispor do seu património, no
todo ou em parte (com a finalidade de o manter dentro da família), o que apenas se aplica aos bens próprios.
Assim, limita-se a capacidade para testar (encontrando-se, mais tarde, uma quota de livre disposição).
A reconquista traz a solidariedade familiar, expressa na laudatio parentum (para a alienação de um bem em
vida, o alienador necessitava da autorização dos seus parentes, que o condicionavam com a sua esperança
de sucessão).
Reserva hereditária - Posteriormente, o direito de dispor circunscreve-se aos bens próprios e fixa-se o
montante da quota disponível (de que todos os parentes sucessíveis usufruem, sem distinção de classe).
Sempre que houvesse sucessores, haveria limitação da reserva.
Este princípio foi substituído pela sucessão legitimária - a sucessão necessária só beneficiaria os
descendentes e ascendentes (e não todos os sucessíveis) e abrangeria bens próprios e adquiridos.
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No sul do país, fruto da influência árabe, aplicava-se a terça (1/3 do património era quota disponível, 2/3
eram quota indisponível), enquanto no norte prevaleceu a quinta (1/5 de quota disponível e 4/5 de quota
indisponível), sendo aqui mais variável consoante o costume local.
O direito português
No direito português, prossegue-se o sistema visigótico e aplica-se mais amplamente o princípio da
troncalidade (não aplicado quando o bem provinha de um ascendente colateral ou para além dos avós). A
recepção do direito romano não provocou alterações.
DIREITO DOS CONTRATOS
Um contrato é um acto vinculativo de duas ou mais declarações de vontade distintas mas correspondentes,
com vista a uma regulamentação unitária e equilibrada de interesses contrapostos (contrários ou
dissonantes) e harmonizáveis.
O contractus romano abrangia actos unilaterais e bilaterais e limitava-se ao actual direito das obrigações.
O direito romano determinava também institutos que asseguravam o cumprimento do contrato.
Capacidade contratual
A capacidade contratual (possibilidade de um indivíduo produzir as declarações de vontade sobre as quais
repousa o vínculo contratual) era concedida a todos os que podiam exprimir vontade livre e esclarecida
(quando formulam conscientemente a sua vontade).
A capacidade para contratar dependia:
I. da idade (a menoridade – alieni juris - terminava aos 12 anos para as raparigas e aos 14 anos para os
rapazes). Para lá da rebora comprida (momento em que acabava a alieni juris), existia a curadoria (para
os homens dos 14 aos 20 anos), que fixava a menoridade mais tarde.
II. do género (as mulheres têm uma capacidade deferida da autorização do pai ou do marido)
III. da pessoa jurídica (os servos e os escravos apenas podiam ser outorgantes com autorização dos donos)
Assim, os escravos, os servos, os menores, as mulheres e os dementes não tinham essa capacidade (ou era
restringida) e o suprimento da incapacidade fazia-se através de representantes legais.
No direito romano, como contrapartida da incapacidade de contratar, a mulher tinha de outorgar os actos
de alienação do marido.
Requisitos da venda e objecto
Para a validade do acto era, ainda, necessário que a vontade fosse expressa livremente (sem coacção) e que
o objecto não fosse proibido pelo direito.
Forma e formalidades
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O contrato tinha de respeitar formalidades para produzir efeitos jurídicos: no direito romano, os contratos
têm forma escrita; no direito visigótico, a forma preponderante dos contratos é a escritura; contudo, no
princípio da nacionalidade existem contratos orais (na classe popular e relativamente a bens móveis).
A evolução faz-se no sentido da redução dos contratos a escrito. A escrituração de um documento constituía
um meio de prova e uma formalidade que vai aumentando de rigor – o contrato tem validade se for feito
pelo tabelião (ou selado com o selo autêntico) ou magistrado municipal (ou selado com o selo do conselho),
declarando-se o mês e o dia. D. Fernando exige a escritura pública a contratos superiores a certa quantia.
Os contratos celebrados entre judeus e cristãos exigem a presença de um alvasil e um tabelião, que os
escrevem num livro à parte.
Prova dos contratos
As testemunhas tinham um papel fundamental na prova dos contratos escritos e orais (principalmente nos
de compra e venda). No geral, eram suficientes três testemunhas. São também mencionadas ou assinadas
outras pessoas, com uma função de publicidade ou confirmação. Em 1305 exige-se, para casos
excepcionais, cinco testemunhas.
Garantia dos contratos
As garantias constituem cautelas quanto ao comportamento da parte contrária. A garantia era feita,
sobretudo, através de cláusulas penais, divididas em:
I. Cláusulas materiais – pena de tipo pecuniário sobre o valor ou um múltiplo do valor do objecto do
contrato, com liberdade total de fixação (podia obrigar a pessoa do devedor). Por vezes, a pena era
remetida para o Código Visigótico. A pena podia, também, reverter a favor de terceiros (Rei, Senhor,
Juiz...)
0 Fiança – garantia pessoal do cumprimento do contrato (existe uma pessoa que assegura que o contrato
é respeitado)
1 Penhor – entrega de um bem que faz a garantia do contrato. Em 1211 estabelece-se que só se pode
penhorar os bens do devedor e do fiador (antes o credor podia executar património que não fosse do
devedor)
2 Sinal ou arras
3 Multa
II. Cláusulas espirituais – anátemas, superstições ou maldições. Inserem-se nas doações mortis causa
Espécies de contratos
I. Onerosos
II. Gratuitos
III. Unilaterais – existe desequilíbrio de obrigações e deveres entre as partes
IV. Sinalagmáticos – há correlação de deveres
V. Nominados ou tipificados – respondiam com frequência a determinadas situações
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VI. Inominados ou não tipificados – geravam casualmente uma obrigação civil e, por isso, não estavam
definidos/positivados na lei
Na Idade Média, a tipificação dos contratos perde os contornos porque importava mais a
intenção/finalidade/objectivo/vontade real das partes, do que a qualificação negocial.
Não era suficiente a celebração de escritura. A coisa passava da esfera de um indivíduo para a esfera de
outro indivíduo quando se processava uma entrega real ou fictícia. Existia um ritual que fazia a translação
do domínio da coisa do património do devedor para o património do credor.
Até ao séc. XIII, por influência do direito visigótico, para a consumação da alienação e transferência da
propriedade bastava a traditio (os transferentes da propriedade redigiam um documento de acordo com os
preceitos legais onde declaravam a sua vontade), as formalidades da roboratio (colocação das mãos sobre
a carta em sinal de juramento) e a entrega para as mãos da outra parte.
A partir do séc. XIII, com o renascimento do direito justinianeu, passa a haver distinção entre a declaração
do abandono da propriedade (por parte do vendedor, doador ou permutador) e a investidura simbólica da
posse do adquirente (do direito real de domínio). Para Ruy de Albuquerque, a declaração do abandono da
propriedade (perda de direito) era uma simples declaração de vontade, não existindo uma expressa
necessidade de demissão dos direitos (coenvolvida nas fórmulas de transferência).
Os contratos do direito medieval português eram essencialmente translativos (contratos de transferência de
domínio ou direitos de uma coisa)
I. Compra e venda – transmissão da propriedade de uma coisa ou de um direito mediante um preço. D.
Afonso III determinou que as coisas litigiosas não eram susceptíveis de venda sem decisão ou acordo
judicial. Existia, também, uma entrega – a rebora – e a evicção, mas não o sinal (as arras)
II. Escambo (permuta/troca) com as mesmas regras da compra e venda
III. Doação inter vivos ou mortis causa (que se confundia com o testamento). As doações eram
consideradas irrevocáveis e irreversíveis, principalmente se fossem a favor da Igreja.
IV. Incomuniação – contrato de condomínio de prédios
Haveria ainda contratos agrários de tipo enfitêutico (complantação, compra e venda de rendas e penhor
imobiliários)
SISTEMA PENAL
Em Portugal, o direito penal tem uma base de direito não estatal (auto-tutela) em tensão com a vontade do
poder central controlar ou assegurar o monopólio da punição (servindo-se do direito canónico e do direito
justinianeu). A justiça do rei significa a aplicação de uma sanção penal (numa época marcada pela força).
As origens. Regime de auto-tutela
Durante o período da reconquista, a fragmentação do poder público e o sistema penal romano deixaram a
reparação dos crimes entregue a formas privadas de reacção criminal (a auto-defesa do ofendido ou da
família em que se integra) sem recurso aos esquemas de justiça pública. Voltadas sobre si, as comunidades
locais fazem renascer formas privadas de protecção social através de esquemas primitivos de justiça pessoal
e familiar (vingança privada) alimentados com a instabilidade social.
Tendência de transição da vingança privada para o monopólio estadual da punição
I. A comunidade estabelece as condições em que pode ser exercida a vingança privada
Sebenta HDP – DNB 2015/2016
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II. Exige-se que a vingança seja proporcional à ofensa
III. A autoridade comunitária exige e garante a execução de uma composição pecuniária que redime a
ofensa
IV. Estabelecimento do regime de arbitragem
0 a arbitragem é facultativa e o árbitro uma entidade privada
1 a arbitragem é obrigatória e o árbitro uma entidade privada
2 a arbitragem torna-se pública (primeiro, nos casos de ofensa dos valores sociais; depois, no caso da
generalidade das ofensas; por fim, o Estado define os crimes e aplica as sanções)
Contudo, a nível local, permanecem vestígios de vingança privada.
A perda de paz relativa
A perda de paz relativa consiste na vingança privada, na forma mais pura de auto-defesa permitida apenas
para os delitos mais graves (violação, homicídio). Esta auto-reacção constituía uma verdadeira instituição
jurídica regulada nas suas condições e efeitos.
I. O ofendido tinha que fazer um desafio formal perante a assembleia do concelho.
II. O autor do delito gozava de uma trégua (um seguro de nove dias) no fim da qual se declarava
solenemente a inimizade. A inimizade podia ter três efeitos:
III. A sanção pecuniária (podia adiar a efectivação da vingança – permitindo ao criminoso abandonar o
lugar num prazo de 8 dias – e revertia para o ofendido e para a comunidade)
IV. O desterro (o réu não podia voltar ao lugar por um período determinado)
V. A faida (o autor do delito era legitimamente perseguido e morto pelo desafiador ou pelos seus parentes)
A perda de paz relativa cessava através da composição (sacrifício facultado ao criminoso para evitar a
posterior vingança do lesado ou dos seus parentes), que revestia diversas formas:
I. Composição per aver - o delinquente comprava a paz através do pagamento do preço equivalente à
perda resultante da ofensa para o ofendido ou para a sua família
II. Composição corporal – no caso de o criminoso não ter bens, este recebia publicamente violências por
parte do agredido
III. Composição por missas – o agressor mandava rezar missas por intenção do ofendido
IV. Composição por prisão – o agressor sujeitava-se ao cárcere privado
Depois de satisfeita a composição, dava-se a reconciliação pública dos inimigos (cerimónia que simbolizava
a amizade reposta)
A perda de paz absoluta
A perda de paz absoluta transformava o criminoso em “inimigo público fora de direito” (perdia todos os
direitos da esfera jurídica, eram-lhe destruídos os bens e todos os indivíduos da comunidade o perseguiam
e matavam). Isto acontecia nos delitos mais graves (traição, homicídio violando as tréguas ou depois da
reconciliação, paz especial, incumprimento de um dever de fidelidade...). Se a ofensa fosse feita ao poder
real, o ofensor incorria na ira régia, podendo ser morto por qualquer membro da comunidade.
A pena de morte terá surgido a partir da perda de paz absoluta.
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A publicização do direito de punir
Reagindo às formas de auto-tutela, os reis portugueses (influenciados pelo direito romano e canónico)
realizaram uma política criminal tendente para a publicização do direito de punir (dentro do movimento
geral de corporização do Estado).
O Código Visigótico já tinha combatido formas privadas de reacção, enumerando uma série de penas, mas
a fragmentação do poder público com a Reconquista produziu o inverso.
Existem penas públicas impostas pela comunidade (como fonte de direito não estatal)
I. Pena de morte, cuja execução mais frequente era o enforcamento
II. Pena pecuniária, frequente como pena autónoma ou subsidiária.
III. Penas corporais, autónomas ou subsidiárias das pecuniárias (se estas não fossem pagas)
IV. Penas privativas da liberdade
0 Servidão – no caso de não pagamento de dívidas ou penas pecuniárias
1 Prisão – eminentemente coercitiva (obrigar o criminoso a cumprir outra pena)
V. Penas infamantes – expunham e humilhavam o condenado perante a comunidade
Reacção da legislação régia contra a vindictas privada
O direito estatal reage contra as formas de auto-tutela, monopolizando o poder punitivo.
Em 1211, proíbe-se a realização de vingança dentro da casa do inimigo, a destruição dos bens imóveis deste
e que a vingança tenha consequências sobre os homens do inimigo. Outra lei estabelece que a luta devia
terminar se num estado de inimizade tivesse morrido uma pessoa de cada parte e se não houvesse mortes a
discórdia era decidida (de acordo com o direito) por juizes.
D. Afonso IV, em 1325, estabelece a ilicitude da vindicta em geral (ressalvando a prevalência do costume
para certos casos), e em 1326, em favor do direito comum e do direito natural, estabelece a proibição geral
da vindicta entre os fidalgos (que teriam de recorrer à justiça pública), recuando pouco depois no sentido
de isto só se aplicar a factos ocorridos antes da publicação e permitindo que os fidalgos enviassem à Corte
os seus procuradores. Em 1330, considera legítima a vindicta quando o ofensor não se apresentasse a
julgamento e andasse “fugido ou escondido do reino”.
A defesa da justiça pública
A luta contra a vindicta privada passava também pela defesa da justiça pública contra a resistência dos seus
ditames ou oficiais (em 1302 e 1307, estabelecem-se penas para os que pretendessem revogar as sentenças
dos sobrejuízes e ouvidores, e em 1304 estabelece-se que ninguém pode ser acoimado por um acto de que
tenha sido absolvido por sentença). São também evitados e punidos os abusos de poder (costumeiramente
instituídos) de representantes régios (ovençais) e poderosos junto das populações desprotegidas: Em 1211,
é abolido o costume de os funcionários régios que administravam terras do Rei ficarem com um terço do
que nelas se produzia, e é proibido que os cavaleiros tomem coisas dos vilãos sem pagarem por elas. Em
1311, impõem-se penas para os oficiais da justiça que excedam as penas de prisão legais e impõe-se que os
juizes apliquem convenientemente a justiça (não podendo aceitar bens de outras pessoas).
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Definição e punição de crimes na legislação geral
A legislação geral dos monarcas estabeleceu esporadicamente a definição e punição de certos crimes (sendo
que a maior parte era conformada pelo direito consuetudinário ou aplicável directamente a partir do direito
canónico e romano).
Não existia o actual princípio da legalidade (ou qualquer princípio penal humanista): funciona a
retroactividade da lei, as penas são arbitrárias, abundam cláusulas gerais, punem-se factos absurdos e delitos
religiosos, estabelecem-se penas cruéis, desproporcionadas, transmissíveis e variáveis consoante a condição
da pessoa...
A lei de 1355 e os “crimes públicos”
Em 1355, D. Afonso IV enumera o que hoje designamos de crimes públicos (para os quais é obrigatória a
investigação oficiosa do juiz, independentemente da queixa do ofendido) e que constituíam os valores
essenciais da sociedade, que o Rei procurava proteger:
I. Crime de lesa majestade – crime de traição política proveniente do Baixo Império, consagrado no
Código Visigótico, nas Partidas e nas Ordenações Afonsinas.
II. Ferimentos graves e homicídio doloso qualificado - em 1302, D. Dinis pune o homicídio com pena
capital. Em 1355, abrangem-se também certas ofensas corporais qualificadas
III. Crimes contra a justiça pública (a resistência à justiça ou a violência em geral)
IV. Crimes religiosos (heresias, blasfémias, sacrilégios...) – D. Afonso II estabelece a confiscação de bens
nos casos de sentença judicial para os heréticos; em 1312, D. Dinis determina que os heréticos e os
blasfemos sejam queimados; D. João I, em 1416, determina que os bens revertam segundo a vontade do
Rei. A heresia é consagrada logo no primeiro título do livro V das Ordenações (por ser considerado
grave o crime contra Deus)
V. Crimes sexuais (violação, adultério, incesto, sodomia, alcovitaria...) – D. Afonso III proibiu o
concubinato para os homens da Corte. D. Dinis estabelece pena de morte para o adultério, a bigamia e
muitas uniões entre familiares; D. Afonso IV restringe a pena de morte aos que não fossem fidalgos.
VI. Crimes de feitiçaria – em 1403, D. João I faz uma lei geral sobre a matéria (onde inclui o circo). As
Ordenações Afonsinas consideram que a feitiçaria participa da arte e conversação diabólica, pelo que
todo o Rei católico (cujo poder vem de Deus) condenou a feitiçaria como crime punível com pena de
morte.
VII. Crimes contra a propriedade (furto ou dano) – no direito foraleiro, o furto era punido com a coima do
anoveado (nove vezes o valor do bem furtado)
Contudo, não existe em todo este domínio criminal um monopólio do direito legalmente positivado
(chegando-se a consagrar a supletividade do direito comum). Pode existir uma pluralidade de punições para
a mesma conduta criminal (o que conduz à indefinição e arbitrariedade) provenientes do direito
consuetudinário, romano, canónico ou real. Esta indefinição fazia com que se verificasse um distanciamento
entre o direito potencialmente aplicável e o efectivamente aplicável, preenchível pela política criminal de
cada monarca (expressa na jurisprudência dos tribunais superiores e em certas obras doutrinárias
“oficiosas”).
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Período Monista (a partir de 1415) A partir de 1211 o monarca assume como tarefa norma a de fazer leis e a lei adquire uma
crescente importância nas fontes de Direito (tendência unitária expressa pela lei que substitui
o pluralismo)
A partir de D. João I – emergência do conceito de Estado – lei encarada como um instrumento
de planeamento, através de uma instituição ou aparelho.
Trabalho prosseguido por D. Duarte28
Identificação da lei com a vontade do monarca
Publicação da lei:
Chanceler-mor do rei tinha que inscrever as leis nos livros da Chancelaria Régia – noção que será
desenvolvida melhor nas Ordenações Manuelinas (obrigação de publicar) e Filipinas (publicar
no próprio dia e enviar para corregedores).
Não era sempre cumprido – aplicavam-se leis que eram desconhecidas
Leis muito dispersas
Surge então a primeira tentativa de organização
Ordenações do Reino
Divisão em Livros, Títulos e Parágrafos
Material não sistematizado: leis repetidas, compilação por pessoas diferentes e sem
coordenação entre elas
Não resolveu as incongruências entre o que se devia aplicar e o que se estudava nas
Universidades
Culminar do poder régio e afirmação do seu poder – diretiva para os juízes e para a
população que era o Direito régio que se aplicava
Ordenações Afonsinas (1446-1447, D. Afonso V) Tentativa de ordenar a vida em sociedade – trazem unidade ao Reino29 (intuito de organizar de
forma una).
Defeitos de estrutura por consistir numa reunião e transcrição fiel de normas anteriores
(dos documentos da Chancelaria)
Dificuldade de reprodução e disseminação de uma obra tão ampla
Acentua-se a prioridade do Direito nacional sobre o Romano – evidencia problema em aberto de
abuso de utilização pelos tribunais do Romano, menosprezando o nacional
Estrutura:
1º Livro – cargos públicos (redação por João Mendes)
2º Livro – relações do Rei com a Igreja
3º Livro – processo civil
4º Livro – Direito civil
5ª Livro – Direito penal (Livro Vermelho = Livro de Sangue)
28 Publicando o “Livro das Leis e Posturas” bem como as Ordenações de D. Duarte – há um primeiro esforço de sistematização e prenuncia a passagem para uma nova era de sistematização no Direito 29 Vera Cruz: e harmonizam em relação à Europa
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Fontes Subsidiárias (A) Após a promulgação das Ordenações, o direito nacional não englobava todas as matérias e
situações jurídicas, sendo necessária a integração das lacunas30 do ordenamento jurídico
nacional pelo recurso a outros ordenamentos jurídicos, que muitas vezes se sobrepunham ao
nacional (direito canónico e direito romano).
Tronco fundamental do direito subsidiário31 consistia no direito romano e no direito
canónico.
Intervenção legislativa no sentido de esclarecer o Direito Subsidiário estabelecendo uma
ordem hierárquica de valores
Livro II, Título VIIII: Quando a Ley contradiz aa Degratal, qual dellas se deve guardar.
O monarca afasta, com a sua lei, todas as outras – monarca sente necessidade de
afirmar o poder régio confirmando a sua lei
As Fontes Imediatas não resolvem
o Lei – as lacunas devem preencher-se primeiro com o disposto noutras leis nacionais (ius
commune integrador de lacunas) o Estilo da Corte – decisão judicial do tribunal superior do Reino; jurisprudência
uniforme e constante dos tribunais superiores quanto à praxe de julgar
o Costume antigo – tenha uma duração tal que o monarca já o aceita como
fazendo parte dum património cultural e tradicional
Direito Romano32 – matérias temporais
30 O Direito Subsidiário providenciava, através de compilações romano-canónicas, um manancial de soluções
concretas dos problemas jurídicos e que os tribunais podiam recorrer para suprir as lacunas duma legislação incipiente (e dum Costume cada vez mais ultrapassado)
31 Com D. João I, assiste-se a uma redefinição das fontes de direito subsidiário, caracterizada pela valorização da opinião de Bártolo. Num alvará de 1425, o regente D. Duarte ordena que se retirem os bens aos juizes que julguem contra a opinião de Bártolo. Numa Carta Régia de 1426, D. João I determina que as causas deveriam ser julgadas segundo o Código Justiniano, cujo entendimento é dado pelas Glosas acursianas e conclusões de Bártolo. Contudo, cada preceito era acompanhado de um esclarecimento ou declaração para que não restassem dúvidas. A decisão teria como base o disposto no texto traduzido e o sentido/espírito dado pelo esclarecimento ou declaração. Assim, D. João I mandou exemplares do código com glosas, comentário e as respectivas declarações. Deste modo, a Carta Régia assumia o carácter de exposição de motivos. Discutia-se se os comentários de Bártolo e as Glosas de Acúrsio eram fontes subsidiárias ou fontes principais e directas de Direito. Houve quem entendesse que a Glosa de Acúrsio tinha força vinculativa, conferida na Carta Régia de 1426. Outros, porém, afirmaram que as Glosas de Acúrsio e os comentários de Bártolo eram meramente fontes de direito subsidiário. No Regimento Quatrocentista da Casa da Suplicação, faz-se a distinção da opinião de Bártolo da declaração ou esclarecimento, antepondo-se o direito romano ao nacional. Valoriza-se a opinião de Bártolo, secundarizando-se a opinião de Acúrsio. Segundo alguns autores, esta posição choca com a de D. João I, que colocaria em primeiro lugar Acúrsio e depois Bártolo. No Regimento da Casa da Suplicação, prevalecia o direito romano, mas com a lição dos juristas intermédios. O legislador acentua no proémio das Ordenações Afonsinas a prioridade do direito nacional sobre o romano e a autoridade dos seus cultores. Estipulava ainda como ordenar o valor das opiniões de Bártolo e as de Acúrsio. A obra de Bártolo não foi utilizada na generalidade dos tribunais (apesar de ter valor autêntico e ser reconhecida no mais alto tribunal do país), devido à fraca preparação dos magistrados e à elevada raridade e valor dos livros.
32 Usado pelo império da Razão e não pela razão do Império – conceito de soberania foi fortemente desenvolvido no séc. XV – autoridade intrínseca da “boa razão” em que se fundam os seus preceitos
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o Critério do Pecado: se as matérias temporais, a que Ordem Romana dava
resposta, trouxessem pecado (contrariassem os preceitos instituídos), não se
aplicava direito Romano e sim Canónico
Direito Canónico – matérias espirituais e temporais abrangidas pelo critério do pecado
Duarte Nogueira: à falta de Direito Romano33 não se aplicaria Canónico
mas sim a Glosa de Acúrsio ou o comentário de Bártolo, pois o Canónico
não era subsidiário além das matérias espirituais e temporal de pecado
(tese da concorrência das ordens jurídicas medievais)
Pierro Legendre: decidia-se conjuntamente pelo Direito Romano e
Canónico pois há uma complementaridade das duas ordens jurídicas
(remetendo para o Utrumque Ius)
Profs. Albuquerque: Canónico era subsidiário do Romano onde
estatuísse os casos omissos deste
Braga da Cruz: Glosa e o Comentário fazem parte das “leis imperiais” e
servem de complemento. Na dificuldade de preferências, reme-te para
a apreciação pessoal do monarca.
Glosa de Acúrsio
Opiniões de Bártolo – mesmo contra a opinião dos Doutores (vale por si só), por
sabedoria reconhecida, exclusividade da opinião de Bártolo por maior razoabilidade
Resolução do Rei – devolve-se à fonte principal para o Rei decidir com o seu arbítrio
Ordenações Manuelinas (1512-1514, D. Manuel I) Devido à invenção da imprensa, D. Manuel I decide rever e ampliar as ordenações editando os
5 livros (coautoria de João de Faria34, João Cotrim e Pedro Jorge) – nova mentalidade na evolução
da ciência jurídica com uma Reforma Manuelina no esquema geral da hierarquia das fontes subsidiárias
do Direito35 Conteúdo foi se preenchendo com novas e significativas leis
o Progresso da técnica jurídica
o Incluem a comum opinião dos doutores
o Pretendem unidade no Reino e no Ultramar36
Sistematização e forma semelhantes às anteriores
Fontes Subsidiárias (M) Livro 2, Título V: Como se julguaram os casos que nom forem determinados por Nossas
Ordenaçoens
Mesma lógica de se recorrer às fontes primárias – controláveis pelo monarca e produto
da sua atuação
Direito Romano – usado por ser bom direito
Direito Canónico
33 Lacuna de Romano e conflito de Canónico e Prudencial era o Rei que decidia – por um deles ou por outra solução – recorre-se sempre ao Romano (presume-se a sua condordância com a Razão natural) e em
substituição recorre-se à communis opinio 34 Ruy de Albuquerque discorda pois João Faria só foi chanceler-mor após a morte de D. Manuel 35 Desvanece-se a ideia do conflito de jurisdições entre o poder civil e o poder espiritual – deixa de haver distinção
entre problemas de ordem temporal e espiritual Reconduz-se a problema único onde só conta o critério do pecado qualquer que seja a natureza, implica um
alargamento do campo de aplicação do Romano em detrimento do Canónico 36 Vera Cruz: “Escancara-se a porta para o Atlântico”
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29
Glosa de Acúrsio
Opinião de Bártolo
o Por influência do humanismo jurídico37, invoca-se a razão como capacidade de
todos os Homens e limita-se o Direito Prudencial
o Deixa de ter valor intrínseco
o Atende-se à “comum opinião dos Doutores” – têm que estar em consonância,
não pode haver reprovação pelos posteriores a eles – opinio communis fica a
prevalecer38
Acúrsio: apenas atendível se não for reprovado pela “comum opinião
dos Doutores”
Bártolo: valorizado face aos seus contemporâneos e aos seus anteriores
(com exceção da Glosa) mas os que após Bártolo o criticam devem tidos
em conta
Bártolo > Acúrsio
Ordenações Filipinas (1603, D. Filipe II) Terminadas em 1595 – Lei que as mandava observar nunca entrou em vigor no reinado de D.
Filipe I
Vigência iniciada no reinado de D. Filipe II
Período de renovação do Direito com a reforma (parcial) das antigas Ordenações
Atualização e adaptação das Manuelinas – idêntica na forma
Respeitaram a essência nacional (não foram espanholizantes) – mas são ato político de
afirmação do poder do Rei
Fontes Subsidiárias (F) Conservam as fontes subsidiárias das Ordenações Manuelinas mas ganham um novo
enquadramento formal: deslocam-se da parte reservada às relações da Igreja com o Estado
para o livro do Direito Processual – diferença de como se encara o assunto
Rompe-se a última amarra do conflito de jurisdições entre poder temporal e espiritual
Livro 3, Título LXIV (64): Como se julgarão os casos, que não forem determinados pelas
Ordenações
Mesma lógica que as anteriores Ordenações
o Legislador filipino aceita o critério do pecado e presume o conhecimento dos
conceitos sem ter necessidade de os concretizar.
Revalorização da opinião de Bártolo (regresso ao bartolismo em que atinge o momento
de maior intensidade – na procura de pontos de apoio mais acessíveis) invocando-se a sua
maior razão (influência do humanismo39), mesmo que contrária aos Doutores.
37 Compromisso entre o humanismo jurídico e o bartolismo: limita o recurso à opinio bartoli ao mesmo tempo que valoriza a sua figura e a escola dos comentadores 38 Para uns é porque tinha forma de costume; para a maioria é porque a opinio communis impunha-se por se presumir
a mais verdadeira ou mais razoável (fundamentação a que aderem as Ordenações Manuelinas) 39 Que criticou o trabalho das Escolas de Direito Prudencial – não conheciam a história Romana e a interpretação que faziam era a errada; comentadores ao trabalharem sobre glosas (já elas erradas) mantinham e pioravam os vicíos da lei Romana glosada e comentada
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Lei da Boa Razão (18 de Agosto de 1769)
Diploma de maior projeção e mais transcendente significado na viragem ideológica do Direito português –
consulado pombalino no espírito do iluminismo.
Ordenações Filipinas vigoraram até aos primeiros códigos no séc. XIX, mas, levaram o primeiro
grande corte com a Lei da Boa Razão de 18 de Agosto de 1769
Intuito de que se aplique a lei do Rei (que continuava a não ser aplicada)
o Corrente humanismo (séc. XVI) – influenciado pela Reforma e Contra-Reforma
sendo a vertente jurídica do Renascimento (escola elegante)
o Corrente do jusracionalismo (séc. XVII) – contexto de medo, insegurança,
totalitarismo – funda-se o absolutismo. D. José I “o poder vem de Deus para o
Rei que o exerce sobre o povo”
Monopolização das fontes de Direito
o A boa interpretação é a Autêntica – leis interpretam-se segundo o
entendimento do legislador e sempre que haja dúvidas deve recorrer-se ao Rei
o As outras fontes são consideradas abusivas.
Em nome da segurança, o Monarca quer que as leis sejam aplicadas de
forma uniforme, mas, o intuito é o de controlar a aplicação das leis pelos
tribunais
Confirmação na Casa da Suplicação – tarefa de centralização em que o
Rei diz se a lei vale ou não e as decisões das Casas Subalternas só valem
se confirmadas pela Casa da Suplicação – tribunal supremo do Reino em
que os poderes do Rei foram transferidos para a Casa da Suplicação embora
sempre que houvesse necessidade de esclarecimento devia ser levado a
apreciação régia (ponto 8)
Confirmou a autoridade da Casa da Suplicação emitir assentos normativos
Elaborada pelo Marquês de Pombal, conde de Oeiras que tinha uma ideia de poder e
sabia que ele estava muito disperso e precisava de ser relegitimado.
Crítica feroz à litigância nos pontos 4, 5, 6 e 7 – devido a abusos por parte da chicana dos advogados
do Direito subsidiário das Ordenações.
Altera as fontes de Direito subsidiário
O poder devia ser absoluto e, portanto, a lei Pátria deve ser seguida – adaptam-se as fontes à nova
ideologia e há novos critérios de interpretação e integração de lacunas.
Abusivamente os tribunais utilizavam o Direito Romano afastando o Direito pátrio e sem atender
à boa razão (conceito que vem do humanismo e jusracionalismo).
Reduz-se tudo ao fundamento na boa razão
Boa Razão (ponto 9): “consiste nos primitivos princípios, que contêm verdades
essenciais, intrínsecas e inalteráveis que a Ética dos mesmos romanos havia
estabelecido e que os direitos divino e natural formalizaram para servirem de regras
morais e civis entre o cristianismo” + “o que se estabelece nas leis políticas, económicas,
mercantís e marítimas que as Nações Cristãs têm promulgado com manifestas utilidades
de sossego público”
o Deixa de ser a boa razão como a reta razão dirigida ao bem comum
o Preenche o termo boa razão injetando nas estruturas do Direito português todo o
pensamento racionalista e iluminista da escola do direito natural e do “usus modernus
Sebenta HDP – DNB 2015/2016
31
pandectarum” – recta ratio dos jusnaturalistas como o supremo padrão da justiça e
felicidade dos povos
o Fonte subsidiária do direito internacional ou das gentes. Bem como a lei estrangeira a
par do direito romano e do direito das gentes
o Boa razão deve ser procurada nos textos de Direito romano que dela não se tenham
desviado e nos princípios do direito das gentes unanimemente aceites pelas nações
civilizadas. Nos outros assuntos, utiliza-se a lei das nações polidas e iluminadas.
Afastamento do Direito Canónico – que deixa de ser aplicado nos tribunais civis (ponto 12)
Aos “Tribunais e Ministros Seculares não toca o conhecimento dos pecados e tão
somente o dos delitos” – nos Tribunais civis aplica-se principalmente Direito pátrio
o Proíbe-se a aplicação subsidiária do Direito canónico
Só passava a vigorar em tribunais eclesiásticos
Questiona-se a autoridade dos prudentes e a sua invocação é afastada (ponto 13)
Bane-se a autoridade dos prudentes
Costume passou a ter fortes requisitos que o afastaram como fonte de Direito (ponto 14). Todos
os outros seriam considerados abusivos e repudiados.
Conformidade à boa razão
Não ser contrário à lei
Ter mais de 100 anos
Críticas e Problemas
Deslocou a confusão para a instabilidade da fixação das características da boa razão e da
concordância da mesma aos preceitos do Direito romano que se invocavam como Direito
subsidiário.
Direito subsidiário passam a ser os códigos das nações europeias – França, Sardenha, Prússia
Reforma da Universidade Continuação da atividade legislativa do Marquês de Pombal, que concluiu que nas Universidades
ainda se ensinava Direito Romano.
Marquês introduz-se nas Universidades e expulsa40 os jesuítas contrários à reforma,
podendo alterar o plano curricular das várias universidades.
Reforma da mentalidade dos juristas
o Para facilitar a aplicação imediata da Lei da Boa Razão, adaptando o espírito da
Universidade às novas gerações e juristas
Vieram completar e desenvolver a Lei da Boa Razão
Alteração do Método Escolástico – método exegético em que se recorre à autoridade e se
invocam obras e opiniões.
Para o Método Compendiário – surge sob a capa de um escrutínio respeitador e
melhoramento do ensino para os alunos, mas é uma forma de controlo do Marquês
sobre o que se ensinava.
40 Vera-Cruz: faz campanha contra os jesuítas, onde residia o mal. Substitui professores arranjando apoios dos que na Universidade querem subir.
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32
Em 1771, há uma análise dos vários aspetos do ensino que se conclui errado.
Os compêndios devem valorizar a antiguidade clássica, mas com a crítica humanista e
chamada de atenção para a história desses povos.
Inspiração nas “nações polidas e iluminadas da Europa” – importância do Direito natural
e das gentes.
1772 – Estatutos Pombalinos da Universidade de Coimbra
Surgem novas disciplinas: História do Direito e Direito Pátrio
Adaptam-se princípios humanistas e racionalistas ao ensino:
o Método Sintético – reduz-se o número de doutores e apenas se focam nas teses
principais (traves-mestras do pensamento)
o Método Demonstrativo – não se explica pela razão divina e o conhecimento
verdadeiro não é aquele que mais argumentação tem. Valoriza-se a Dialética:
suscetibilidade do conhecimento ser explicado e demonstrado (influência de
outras ciências)
o Método Compendiário – vinculava o professor ao disposto no manual (como
expressão da consolidação do seu pensamento). Obrigatoriedade de se fazerem
manuais com as exigências de brevidade, clareza, bem ordenados e
sistematizados.
Inaugurado pelo Direito Natural: que só se ensinava na concórdia da
boa razão e os preceitos da fé41.
41 Direito Natural da cristandade que era controlado pelo Marquês no receio dos professores incitarem à heresia.
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33
Questão do Novo Código D. Maria I, em 31/3/1778, após a morte de D. José I42, decide reformular as Ordenações Filipinas
(ainda em vigor apesar da Machadada da Lei da Boa Razão) motivada pela discricionariedade da
aplicação da lei e pretendia-se averiguar quais as leis antigas já revogadas e ultrapassadas.
Reformulação da parte penal (livro V) – ainda era muito apegada ao medieval
Reformulação dos preceitos de Direito público (livro II)
Constitui-se uma comissão que não dá em nada.
Melo Freire apresenta uma proposta que é contrariado por Ribeiro dos Santos acabando
por nenhum código ser feito – 1789.
A proposta de Pascoal José de Melo Freire ( reconhecido como pombalista e liberal, mas com
ideias absolutistas num contexto pré-liberal de agitação social) é atacada43 pela Junta de
Censura personificada por Ribeiro dos Santos (um iluminista marcado pelo humanitarismo e de
pendor jusnaturalista; lente de cânones).
Ideias sobre a Monarquia
o Melo Freire: autoridade não é recebida do povo; não há lei que limite o poder do Rei; a
sucessão régia é dada pelas atas das cortes de Lamego e não pelo Direito público
universal; Reino é domínio e propriedade do Rei (não é fruto de doação e veio a ele pelo
sangue e pela conquista)
o Ribeiro dos Santos: ataca o absolutismo; monarquia consensualista e representativa,
conformada por uma constituição histórica e limitada pelos foros tradicionais e por um
direito superior aos povos e aos reis.
Ideias sobre o Direito
o Melo Freire: os assentos da casa da suplicação têm força para a interpretação autêntica
(o Tribunal também tem a autoridade de poder interpretar)
o Ribeiro dos Santos: interpretação das leis é feita pelo legislador ou monarca para ser
autêntica. As leis devem ser um simples mandamento que determinam a ação dos
súbditos e não se deve de ensinar as razões das leis (não são lições académicas) pois tal
pode dar origem a más interpretações. Leis devem ser simples, claras e breves.
Ideias sobre o Direito Penal/ Criminal
o Melo Freire: partidário do humanitarismo mas admite penas fortes, cruéis e vexatórias
(até o corte de membros e etc.) e a pena de morte
o Ribeiro dos Santos: critica a mudança de posição de alguém que antes era contra a pena
de morte e agora admitia-a. É abolicionista pois entende a pena de morte como uma
guerra da Nação contra o cidadão.
Movimento geral da codificação
Surge no séc. XIX sendo que as revoluções aceleram a História e há grandes ruturas com o
passado (Vera-Cruz).
O direito subsidiário português cede quase totalmente o seu lugar às codificações modernas em
que o direito subsidiário está rigorosamente previsto na lei – sendo que o CC 1867 vem consagrar
soluções já reconhecidas.
42 Vera-Cruz: tentativa de “despombalizar” 43 Profs. Albuquerque: disputa jurídico-constitucional sobre as causas da crise nacional, uma contradita de argumentos jurídicos, onde, se invocam os nossos prudentes e os nossos documentos fundamentais desde a fundação da nacionalidade, numa tentativa de superação do impasse existente. Eram chamados à revisão crítica a organização política da monarquia e o direito divino.
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34
Os movimentos de alta codificação culminam no 1º código político: Constituição de 1822 (de
onde se partiu para o Direito privado44)
1º Código Comercial: 1833 – Ferreira Borges (que continha explicações de Direito Civil
uma vez que não havia um código civil)
Código Penal: 1852 – progressista com a abolição da pena de morte
Código Civil: 1867 – Visconde de Seabra
2º Código Comercial: 1888 – Veiga Beirão (que já não contém as disposições civis pois
já havia um código civil)
o Dividido em 3 partes – marítimo, terrestre e administração comercial
44 Vera-Cruz: Códigos são monumentos históricos do Direito do séc. XVIII e XIX