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Air France e seus problemas com sindicatosTRANSCRIPT
Reputação no lixo: como a Air France chegou a este ponto?
Quantos franceses são necessários para fazer uma reestruturação? Resposta:
três: um para planejar os cortes, outro para cruzar os braços e um terceiro para
ir às ruas fazer greve.
Ao anunciar na sede da Air France que a companhia pretende fazer cortes de
2.900 postos de trabalho nos próximos dois anos, o vice-presidente de RH
Xavier Broseta foi surpreendido por dezenas de trabalhadores que invadiram a
reunião em que ele explicava seus planos, agredindo-o e rasgando suas roupas.
O presidente da Air France, Frédéric Gagey, havia abandonado o local ao ver os
trabalhadores entrarem. Sem camisa, Broseta foi retirado da reunião por
seguranças.
Como se chegou a este ponto?
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France is in the air
Os cortes atingiriam 1.700 funcionários em terra, 300 pilotos e 900 funcionários
de cabine.
Há mais: para reduzir custos, além do corte de pessoal a Air France anunciou a
intenção de passar a ter 14 aviões a menos fazendo voos de longo alcance,
extinguir cinco rotas e cancelar 37 percursos deficitários. Os executivos da
empresa afirmam que metade das rotas de longa distância da Air France opera
com prejuízo e seus quadros teriam de melhorar a produtividade em 17% para
que a empresa volte a ser competitiva.
A companhia informou também que pretende cancelar seu pedido pela
aeronave Boing Dreamliner; são 19 jatos do modelo 787-9 e seis 787-10, cujas
encomendas já feitas seriam canceladas.
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Rendez-vous à Paris
A Air France é uma empresa de 82 anos. Opera com 238 aviões que vão a 187
destinos. É a maior empresa aérea da França e possui a segunda maior malha
aérea da Europa. Até setembro de 2015, empregava 64 mil trabalhadores.
A empresa detém a segunda melhor malha aérea da Europa. Tem competido
com concorrentes de baixo custo na Europa e companhias aéreas do Golfo que
operam vôos de longa distância.
No início de outubro, os executivos da Air France haviam mencionado a
possibilidade de vir a cancelar rotas, postergar a aquisição de novos aviões e
fazer demissões depois que seus pilotos se negaram a aceitar uma carga maior
de horas de voo, ganhando o mesmo que antes. Os pilotos afirmam que suas
condições são piores do que as dos pilotos de companhias como a British
Airways, Swiss Air e KLM (que é sócia da Air France).
Na semana passada a empresa deu por encerradas as negociações, por
entender que os representantes dos pilotos não tinham intenção de ceder. Em
razão disso, lançou o plano que prevê a redução da atividade e as demissões.
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As posições são claras. Para os trabalhadores, os cortes previstos reduziriam o
pessoal a um patamar inaceitavelmente baixo; os executivos declaram que a
empresa não teria como sobreviver sem os cortes que qualificam como
imprescindíveis. Entre as reformas e o encerramento das operações, todos
procuram uma terceira via.
Déjá vu
Parece familiar. Por um lado, os últimos anos têm sido marcados por forte
oposição sindical aos cortes de custos; por outro, a Air France é impactada pela
preferência de parte dos clientes por empresas aéreas de baixo custo e pelas
rivais do Golfo.
Já em 2013 a companhia anunciava a intenção de reduzir seus quadros em
2.800 funcionários até o ano de 2014, para recuperar sua lucratividade diante
de uma demanda fraca, crise econômica e elevada taxa de desemprego.
Também nessa ocasião, informou que as reduções de funcionários fariam parte
de um acordo composto por incentivo a saídas voluntárias, antecipação de
aposentadorias, redução da jornada de trabalho e rotatividade interna de
pessoal. Em 2012, havia divulgado a necessidade de promover 5.100 cortes de
empregos.
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Em julho de 2015 a companhia anunciou a necessidade de reduzir custos em
300 milhões de euros além do previsto, uma vez que o efeito cumulativo de um
ano de pressão sobre a receita havia revelado a insuficiência dos cortes
planejados até então. Nessa mesma época, divulgou estar sendo afetada por
um ambiente ruim no Japão, no Brasil e em suas rotas africanas.
Desde 2002, a Air France reduziu cerca de 8.000 postos de trabalho em sua
estrutura, mediante demissões voluntárias e deixando de substituir pessoas
que se aposentaram. Se a intenção anunciada recentemente se efetivar, será a
primeira vez que a Air France-KLM fará demissões em massa.
L'Europe at vos pieds
As tentativas de levar adiante um processo amplo de reestruturação uniram
pilotos, tripulações de cabine e pessoal de terra contra os cortes, e a favor de
uma intervenção do governo.
Mas a decisão conta com a anuência do governo francês, possuidor de 17,6%
das ações da empresa. O governo, ao mesmo tempo que apoia as intenções de
reforma dos executivos da empresa, tem feito apelos no sentido da retomada
das negociações e da boa vontade dos pilotos.
O ministro francês da Economia, Emmanuel Macron, declarou que o
endurecimento da posição dos pilotos foi a causa do fracasso das negociações,
uma vez que levou a Air France-KLM a enrijecer sua própria posição. Ele afirmou
que para melhorar sua competitividade e continuar sendo líder mundial do
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segmento, será forçada a promover reformas. Disse ainda que as portas da
negociação não se fecharam, e que espera dos sindicatos propostas mais
concretas.
Vive les prix mini
As pressões vêm de vários lados. A Air France teve sucesso quando a economia
européia estava fortalecida; atualmente, além de enfrentar a recessão e seus
reflexos sobre as economias do continente, a empresa enfrenta um novo tipo
de concorrência em todos os seus mercados. Sofre o ataque das rivais
tradicionais, como a Deutsche Lufthansa e a British Airways; o impacto de
empresas que operam com baixos custos (como a EasyJet Plc); luta contra as
empresas de aviação do Golfo que atuam nas rotas longas e mais rentáveis,
oferecendo cabines luxuosas e redes globais de maior alcance, como é o caso
da Emirates, de Dubai; e enfrenta a concorrência dos TGVs (trens de alta
velocidade) na França.
La Différence
Depois dos ataques terroristas de 2001, a Europa observou uma fase de
consolidação de empresas aéreas. Em 2004 a Air France adquiriu a holandesa
KLM mas, ao invés de obter as vantagens previstas com a compra,
experimentou um processo lento e dificultoso de integração entre as duas
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empresas; operou por muitos anos com um quadro de pessoal inchado e
elevadas despesas com folha de pagamento.
Enquanto isso, em 2010 a British Airways adquiria a empresa aérea espanhola
Iberia, formando a IAG e praticava cortes de custos significativos, que
transformaram uma empresa antes ineficiente em um negócio lucrativo. Em
2011 o valor de mercado da IAG era 3 bilhões de dólares superior ao da Air
France-KLM; em 2015, este valor chegou a US$ 16 bilhões.
No primeiro semestre de 2015, as receitas da Air France-KLM mostraram uma
queda de 3,6%. No segundo trimestre seu lucro operacional se reduziu em 53
milhões de euros, atingindo 185 milhões. As cotações de suas ações caíram
18% em 2015 enquanto as das concorrentes aumentaram de valor: as da IAG
SA (controladora da concorrente British Airways) cresceram esse mesmo
percentual e a EasyJet teve um crescimento de 5%.
Rebeldes sem causa
Em situações de negociação, ocorre com freqüência que as partes envolvidas
entrem em um processo de escalada: cada parte faz uma demonstração de
força para que a outra reaja com outra maior ou então desista. A escalada pode
ser racional ou não; pode se prolongar ou não; dificilmente conduz a uma
solução que seja satisfatória para todas as partes.
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Em uma conhecida cena do filme Juventude Transviada (Rebel Without a
Cause), dois carros praticam o chamado chicken game: seguem em rota de
colisão, até que o motorista menos corajoso resolva se desviar para evitar o
acidente. Dizem que uma saída para situações assim é arrancar o volante do
veículo e exibi-lo claramente fora da janela, mostrando para o outro condutor a
total impossibilidade de se desviar. O problema acontece quando os dois
motoristas resolvem fazer a mesma coisa.
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José Luís Neves é profissional da área de planejamento e finanças.
Administrador e economista, tem mestrado em Administração pela USP. Possui
mais de 25 anos de experiência em empresas de consultoria e serviços como
gestor de finanças, coordenando processos de controladoria, financeiro e
contábil. Reside em São Paulo, SP.
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