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NIDIFICAÇÃO DE Synallaxis cmerascensTEMMINCK, 1823 (AVES, FURNARIlDAE)NO ESTADO DE MINAS GERAIS, BRASIL
JOSÉ EDUARDO SIMONl e SERGIO PACHECOI,2
[Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem de Minas Gerais (SPVS-MG)
2Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Viçosa - 36571-000 Viçosa, MG, Brasil
(Com 2 figuras)
ABSTRACT
Synallaxis cinerascens Temminck, 1823 (Aves, Furnariidae)nesting in the Minas Gerais State, Brasil.
This report describes, for the first time, two completely built nests of Synallaxis cinerascens
in activity, found in Viçosa, Minas Gerais State, Brazil. Both lied,on the ground, exactly in thesame place, within one year interval, and were probably built by the same couple, The nestspresented the shape of a laboratory tlask and two main compartiments could be distinguishedin them, the oological chamber and its access tunel. Both nests were built with dried sticks,with barks and pieces of stems on the chamber roof, with total length of 540 and 560 mm,weighing 3,740 and 3,930 g,
Key words: Furnariidae, nesting, Synallaxis cinerascens.
RESUMO
O presente trabalho descreve, pela primeira vez, dois ninhos ativos e completamente construídos de Synallaxis cinerascens encontrados em Viçosa, Estado de Minas Gerais, Brasil.Ambos foram construídos exatamente no mesmo local, com um intervalo de um ano, presumivelmente pelo mesmo casal. Com a forma de retorta, possuíam dois compartimentos principais: a câmara oológica e seu túnel de acesso. Construídos sobre o solo de uma grota comgravetos secos, além de cascas e lascas de troncos depositados sobre a câmara, os ninhos mediam 540 e 580 mm de comprimento total, pesando 3.740 e 3.930 g.
Palavras-chave: Fumariidae, nidificação, Synallaxis cinerascens.
INTRODUÇÃO
Recebido em 27 de janeiro de 1995Aceito em II de abril de 1996
Distribuído em 31 de agosto de 1996
Correspondência para: S. PachecoRua Soares Cabral 65/303
22240-070 - Laranjeiras, RJ.
A família Fumariidae, de distribuição exclusivamente neotropical (Vaurie, 1980; Sick, 1985),tem em Synallaxis seu gênero mais diversificado,com 25 espécies, das quais muitas são politípicas(Meyer de Schauensee, 1982).
Por possuírem vozes onomatopaicas, váriasespécies de Synallaxis receberam nomes populares
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característicos. No Brasil citam-se, entre outros, o
joão-teneném (S. spixi) , o pichororé (S. ruficapilIa), o petrim (S. frontalis) e o uipi (S. albescens)(Willis e Oniki, 1991a), todos com ampla distribuição geográfica (Meyer de Schauensee, 1966).Contudo, por serem visualmente pouco conspícuos em seus habitats (Sick, 1985) e muito semelhantes em tamanho e aparência (Mitchell, 1954),o povo, que os distingue pelas vozes, normalmente não reconhece suas formas. O mesmo ocorre
com seus ninhos que, ainda que sejam construçõesvolumosas de gravetos (Vaurie, 1980; Sick, 1985),são também de difícil observação, contrastandocom a nidificação de outros Fumariidae, comorepresentantes de Furnarius, Phacellodomus.Pseudoseissura e Anumbius (Narosky et alii,1983; Sick, 1985). Como conseqüência, permanecem desconhecidos em várias espécies.
Existem bons ou razoáveis relatos sobre a
nidificação de S. frontalis (Pereyra, 1938), S. spixi(Euler, 1900), S. albescens e S. brachyura
(Skutch, 1969), cujos habitats encontram-se quasesempre associados com áreas antrópicas. Por outrolado, os estudos são poucos elucidativos para S.albigularis (Cherrie, 1916), S. guianensis e S. rutilans (Pinto, 1953), S. cinnamomea e S. stictotho
rax (Vaurie, 1980), S. ruficapilla (lhering, 1900),S. superciliosa (Hartert e Venturi, 1909), S. azarae(Miller, 1960), S. subpudica (Olivares, 1969) e S.cinerascens (Belton, 1984), e inexistem para asoutras 1i espécies. Em S. cinerascens, particularmente, os dados disponíveis baseiam-se num único ninho, encontrado em construção no Estado doRio Grande do Sul, Brasil.
S. cinerascens habita o estrato inferior de
matas, distribuindo-se pelo nordeste da Argentina,Paraguai, Uruguai e pela porção oriental do Brasilaté os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais
(Pinto, 1978; Sick, 1985; Willis e Oniki, 199Ib).No município de Viçosa, Estado de Minas Gerais,esta espécie foi coletada por João Moojen em1935 (Museu de Zoologia, Universidade Federalde Viçosa, exemplar N° 321) e posteriormente assinalada por Erickson e Mumford (1976) e Monteiro et alii (1983).
O presente trabalho descreve, pela primeiravez, ninhos ativos e completamente construídos deS. cinerascens, encontrados em Viçosa, Minas Gerais, no intuito de melhor caracterizar a nidifica
ção desta espécie. O mesmo trabalho ainda
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menciona alguns taxa de invertebrados coletadosnestes ninhos, visando contribuir para o conhecimento da fauna nidícola de Fumariidae.
ÁREA DE ESTUDO
Este estudo foi realizado em uma mata me
sófila semidecídua de 196 ha, denominada Centrode Estudos de Florestas Naturais da Universidade
Federal de Viçosa (popularmente chamada deMata do Paraíso), situada no município de Viçosa,Minas Gerais (20045'S e 42°53'W). Formada emsua maior parte por vegetação secundária bem regenerada, sobre terreno com altitudes variando de700 a 850 m, tal área possui um relevo fortementeondulado, com declividades variando de O a 60%.
O clima da região é do tipo Cwa, segundo a classificação de Koppen, com média anual de temperatura de 19°C e de precipitação de 1.500 mm.
MATERIAL E MÉTODOS
Os esforços para a localização dos ninhos deS. cinerascens se concentraram num polígono irregular com área de aproximadamente 4 ha. As inspeções da área seguiram a metodologia adotadapara Corythopis delalandi (Tyrannidae) por Simone Pacheco (1992), onde o terreno foi dividido emtrês diferentes setores (terraço, grota e encosta),tendo em vista que, a exemplo deste pássaro, S. cinerascens também nidifica no solo (Belton, 1984).As atividades de campo foram desenvolvidas nosanos de 1991 e 1992, com auxílio de binóculos
Gembox 8 x 30, redes mist-nets de 12 m de com
primento e malha de 36 mm, régua de metal Kawasa de 300 mm e dinamômetro Pesola de 500 e
50 g de capacidade.
RESULTADOS
Dois ninhos ativos de S. cinerascens foram
encontrados numa grota situada dentro da área demarcada. O primeiro (ninho A) foi localizado em11 de novembro de 1991 e o segundo (ninho B)em 25 de novembro de 1992, construído exatamente no mesmo local do ninho A, o qual haviasido removido para estudos.
A exemplo de outras espécies de Synallaxis,os ninhos foram construídos em forma de retorta,
constando de dois compartimentos principais: acâmara oológica e o túnel de acesso a ela. Emborao terreno fosse íngreme, o solo sob os comparti-
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mentos das câmaras apresentava-se ligeiramentenivelado, formando um degrau de 20 mm (ninhoB). Os túneis projetavam-se horizontalmente àscâmaras, sustentados por gravetos à semelhançade pilares (Fig. 1). Constatou-se que toda a construção, formada basicamente por gravetos secos,se desmancha na tentativa de removê-Ia do local
em que foi elaborada.O diâmetro externo do compartimento da câ
mara oológica mediu 300 e 280 mm e o interno 90e 80 mm para os ninhos A e B, respectivamente(Fig. 2). Com relação ao material de nidificação,três secções eram discerníveis no compartimentoda câmara: teto, corpo e revestimento interno (Fig.2). O teto, depositado sobre o corpo da câmara, foiconstruído com pedaços de cascas lenhos as e lascas de troncos. Sua espessura máxima mediu 90mm no ninho A e 120 mm no B. A largura, comprimento e peso das maiores lascas variaram de 25a 30 mm, 30 a llO mm e 3,0 a 8,5 g, respectivamente. Os maiores pedaços de cascas mediram de30 a 40 mm de largura e 50 a 80 mm de comprimento, pesando até 8,0 g. O corpo da câmara, for-
mado por gravetos secos intrincadamente entrelaçados entre si, era contínuo e provia a estruturadesse compartimento. Os maiores gravetos variaram de 120 a 220 mm de comprimento por 3 a 13mm de diâmetro, com peso de até 11,0 g. O revestimento da câmara, muito macio, estava formado
por folhas coletadas ainda frescas, com espessuramáxima de 20 mm (ninho B).
O túnel de acesso dos dois ninhos era forma
do por gravetos mais longos, delgados e leves doque os encontrados nas câmaras, frouxamente dispostos entre si (Fig. 2). Os túneis mediam 240 mm(ninho A) e 280 mm (ninho B) de comprimento,170 mm (ninho A) e 150 mm (ninho B) de diâmetró externo e 50 mm (ninho A) e 45 mm (ninho B)de diâmetro interno na abertura para o exterior.Suas alturas máximas em relação ao solo foram de2lO e 270 mm para os ninhos A e B, respectivamente (Fig. 2). O peso total do ninho A foi de3.740 g e o do B 3.930 g.
O primeiro ninho foi encontrado com filhotes, que a 2l/12/l991 já o haviam abandonado.Como a presença da prole foi anotada apenas por
o~
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Fig. I - Ninho de SYllallaxis cillerascells, mostrando como o compartimento da câmara e seu túnel de acesso se apoiam no solo(desenho com base no ninho B).
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como não estavam habitados, os autores decidiram
excluí-Ios do presente relato.Por algumas vezes S. cinerascens foi vista
ao lado de S. ruficapilla, forrageando a vegetaçãomais rasteira da mata. Ambas vasculhavam o ma
terial da serrapilheira e o limbo inferior das folhas,através de saltos e vôos curtos. Ao contrário de S.
cinerascens, no entanto, S. ruficapilla em certosmomentos também explorava o dossel superiormais próximo, com deslocamentos verticais demaior alcance.
Fig. 2 - Dimensõcs do ninho dc Synallaxis cinerascens. DECe DIC: Diâmetro externo e interno do compartimento dacâmara, respectivamente; CT e DET: comprimento e diâmetrocxtcrno do túnel de acesso à câmara, respectivamente; DAE:diâmetro da abertura do túnel para o exterior; AMS: alturamáxima do túnel em relação ao solo. Disposição dos materiais:a: tcto da câmara; b: corpo da câmara; c: revestimento internoda câmara; d: túnel de acesso à câmara.
contato auditivo e durante os instantes em que osadultos lhe ofertavam alimento, não foi possíveldeterminar o número de ninhegos presentes. Nãohouve postura no segundo ninho, o qual foi descoberto ao final de sua construção, pouco antes deseu abandono, quando as aves transportavam material para o revestimento interno da câmara. Emtais ocasiões, verificou-se que ambos os sexos participaram da nidificação e alimentação da prole.
A 21/12/91, quando foi mensurado, o ninhoA estava colonizado por formigas (Camponotussp., Hymenoptera) e provavelmente não seria reutilizado pelos pássaros, já que seu interior estavatotalmente obstruído por terra e detritos orgânicos.Entre os gravetos que formavam o corpo da câmara encontrou-se também representantes de Diplopoda (lulius sp), Opilionidae e Aracnidae. Oninho B, além de aracnídeos, opilionídeos e diplópodes, estava habitado por um gastrópode terrestre, com 50 mm de comprimento.
Dois outros ninhos foram encontrados, umem 14/11/1993, na Mata do Paraíso, mas fora do
polígono relatado neste trabalho, e o outro em04/02/1994, numa outra mata de 54 ha (Mata da
Biologia), situada dentro do campus da Universidade Federal de Viçosa, a 4.5 km da área estudada. Ambos concordavam em todos os detalhes
com as duas construções aqui descritas, incluindoa grota como local de nidificação. Entretanto,
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DISCUSSÃO
A retorta, construída basicamente de gravetos secos, como aqui descrita para S. cinerascens,aparece invariavelmente como a forma dos ninhosde Synallaxis já conhecidos, embora em S. rufica
pilla o túnel de acesso à câmara possa estar presente (Ihering, 1900; Silva, N. F., Simon, 1. E. ePacheco, S., dados não publicados) ou ausente(Hofling et a!ii, 1986).
Embora o material de construção varie, vários outros Synallaxinae possuem ninhos de formas parecidas à forma básica de Synallaxis,sobretudo em se tratando de gêneros aparentados aeste último (Vaurie, 1980), como Schoeniophylaxe Certhiaxis (Narosky et alii, 1983) e Poecilurus(Teixeira e Luigi, 1993). Fato similar ocorre também entre outros taxa de Furnariidae, daí a nidifi
cação servir, nessa família, de subsídio a estudosfilogenéticos (Sick, 1985).
S. cinerascens, ao que se sabe, é a única espécie do gênero que nidifica diretamente sobre osolo. S. ruficapilla, espécie sintópica de S. cine
rascens, explora o habitat diferentemente, nidificando sobre a ramagem densa do sub-bosque(Silva, N. F., Simon, J. E. e Pacheco, S., dados nãopublicados).
A literatura registra apenas a descrição deum único ninho de S. cinerascens, encontrado noRio Grande do Sul (Belton, 1984). Belton, emboradescrevendo uma construção ainda inacabada, parece considerar que as dimensões interna e externada câmara, bem como o comprimento total do túnel, já estavam fixadas. Assim, o ninho descritopara o Rio Grande do Sul parece ser bem menordo que os aqui relatados. Além disso, no RioGrande do Sul o ninho alojava-se numa cavidadeescavada no solo, de 35 mm de profundidade, aocontrário dos ninhos agora descobertos em Viçosa,
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onde o solo havia apenas sido levemente nivelado.Tais diferenças, ainda que significativas, não permitem por ora nenhuma conclusão sobre a possível variação regional da nidificação de S.cinerascens, devendo-se aguardar que mais ninhossejam examinados em outras localidades.
Embora o casal de novembro/91 não tenha
sido anilhado, presume-se que seja o mesmo observado em novembro/92, tendo em vista a reutili
zação do local de nidificação e os freqüentescontatos com a espécie na área demarcada ao longo do período estudado. Portanto, é possível queS. cinerascens mantenha seu território, ao menos
durante a época reprodutiva.
Desconhece-se a maneira pela qual a avetransportou os pedaços de madeira, com peso devalor próximo ao dela (13 g), do local de coletaaté o ninho. Em Phacellodomus rufifrons, um ou
tro Synallaxinae cuja nidificação também envolveo uso de gravetos, muitas vezes maiores que o tamanho da ave, a estratégia adotada quanto a tal
questão, sobretudo para pontos distantes do soloou do local de coleta, parece ter sido o transportedo material em "escala", isto é, pousando ao longodo trecho em poleiros cada vez mais próximos doninho (Viçosa, Minas Gerais; Simon, J. E., obs.pes.).
Ajulgar pela invasão do ninho de S. cinerascens por Camponotus sp (Hymenoptera), tal inseto pode se constituir numa ameaça para areprodução desse fumarídeo, caso a colonizaçãovenha a ocorrer em ninhos ainda ativos. Entretan
to, este fato, mesmo se verdadeiro, não parece sercomum, visto que em nenhum dos outros ninhosfoi constatada a presença dessa formiga. A merapresença de aracnídeos, opilionídeos, diplópodes egastrópodes nos ninhos de S. cinerascens não indica, por si só, se tais construções atuam comoabrigo ou se teriam outra função específica paraesses invertebrados. Para alguns artrópodes nidícolas-arborícolas foi mencionado que os ninhosdos pássaros não passam simplesmente de umaextensão de seus habitats (Sick, 1985). Entretanto,a literatura cita para a fauna nidícola de Synallaxissp um hemíptero (Psammolestes coreodes) (CostaLima, 1934) e um díptero (Omithoctonafusciven
tris) (Bequaert, 1953).
Agradecimentos - Nossos agradecimentos ao CNPq pelo
apoio financeiro; a Nyam F. da Silva (Museu Municipal de Ar
quivo Histórico, Geográfico e Científico de Carangola, Minas
Gerais), Geraldo T. Mattos (Ministério da Agricultura, Viçosa,
MG) e Rômulo Ribon (SPVS-MG) pelo auxílio nas atividades
de campo; a Eduardo P. Brettas (Juiz de Fora, MG) pela ilus
tração do ninho e à pror Terezinha Della Lucia (Dep. BiologiaAnimal - UFV) pela identificação da formiga.
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