no balanço das redes_o individual e o coletivo nas relações clientelista

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  • 7/25/2019 No Balano Das Redes_o Individual e o Coletivo Nas Relaes Clientelista

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    No balano das redes:

    o individual e o coletivo nas relaes clientelistas

    Carlos Eduardo Sarmento

    O objetivo desta comunicao apresentar, a partir da experincia emprica de pesquisa,reflexes acerca dos conceitos de clientelismo e patronagem aplicados s sociedadesindustriais complexas. A origem dos conceitos remonta, no entanto, etnografia e antropologia e estavam nestes campos do conhecimento mais vinculados definio derelaes mais diretas e menos complexas. A definio destes conceitos est atrelada a umadicotomia estabelecida entre fenmenos ditos tradicionais e arcaicos e processos demodernizao e complexificao das sociedades Para alguns autores o clientelismo umelemento inerente a estas fases de transio (devemos retomar este ponto e defini-lomelhor)

    1) Definies do clientelismo

    Segundo os trabalhos de Luigi Graziano e George Simmel o clientelismo pode ser definidocomo uma relao essencialmente didica (ou seja, envolvendo dois elementos que atuamde maneira intercambiante):

    a) assimtrica, entre atores (ou grupos) que controlam recursos desiguais

    b) particularista, privada e que pressupe envolvimento afetivo

    c) na qual os atores auferem benefcios mtuos, reciprocidade.

    Apesar de ser visto como um modelo geral de definio, alguns trabalhos mais recentesvm problematizando esta viso por demais abrangente. Robert Kaufman (The patron-client concept and macro-politics) aponta para dois eixos centrais que devem nortear adiscusso sobre o rigor e a operacionalidade dos conceitos de clientelismo e patronagem:

    a) definio do nvel do enfoque do problema, o que vai balizar o nvel da anlise

    (micro-anlise ou ao coletiva; fenmeno pontual ou sistmico)

    b) Diferenciao precisa entre clientelismo e outras formas de associativismo

    Para uma abordagem mais rigorosa dos fenmenos clientelsticos, propomos ento umadiscusso dos trs elementos definidores presentes nas obras de Simmel e Graziano.

    SARMENTO, Carlos Eduardo. No balano das redes: o individual e o coletivo nas relaes clientelistas. Rio deJaneiro, CPDOC , 2001. [8] f.

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    II) Sobre a questo da assimetria (controle de recursos desiguais)

    - Como mensurar de forma universal status, riqueza e influncia em sociedadescomplexas?

    - Estes recursos podem ser efetivamente intercambiveis?- Patronos e clientes comungam do mesmo sistema de valores?

    Proposta de diferenciao entre os laos/relaes (Jeremy Boissevain):

    a) relaes verticais : relao entre sujeitos assimtricos troca no-complementar

    b) relaes horizontais: relao entre sujeitos simtricos troca complementar (isto

    , com recursos semelhantes)

    Esta definio de Boissevain bastante problemtica quando se transcende uma relaodidica, portanto no muito segura para as aplicaes em anlises de fenmenos polticosmais complexos.

    James Scott (Patron client politics and political change in Southeast Asia) define aorigem/natureza dos recursos intercambiveis na esfera poltica:

    a) exclusivamente polticos (votos, direitos, privilgios)

    b) oriundos de outras esferas e transferidos para a arena poltica (cultural,

    econmico) depende do grau em que as estruturas polticas se estendem paraoutros campos da vida social

    Ainda James Scott: o fenmeno poltico do moderno clientelismo est associado emergncia das instituies liberais do sculo XIX penetrao das estruturas do Estadoem regies perifricas e alargamento do sistema representativo.

    Ren Lemarchand prope um modelo geral de intercmbio no qual geralmente osbenefcios materiais so concedidos aos clientes e um benefcio simblico, poltico, auferido pelos patronos. Alm disto, as relaes clientelsticas no se esgotamimediatamente no intercmbio, diferentemente das relaes comerciais.A hierarquia dos recursos intercambiveis varia ao longo do tempo. Portanto necessria aperfeita contextualizao dos fenmenos clientelsticos.Pe em questo a motivao da relao clientelstica. Os interesses concretos dos clientes(necessidade econmica, emprego, insegurana) no so constantes, nem facilmentedemarcados. Alm disto, na grande maioria das vezes a iniciativa de estabelecer a relaoparte do patrono objetiva o acmulo de um capital poltico.O capital poltico local dos patronos permite a estes acessos a outras instncias polticasPortanto, a relao clientelstica pode ser compreendida como uma relao de apoio difusoem troca da possibilidade de obteno de acessos.

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    James Scott prope que o problema da assimetria nas relaes clientelsticas deva serenunciado como uma relao entre elementos que controlam recursos no-comparveis( eno desiguais), tendo sempre a necessidade de definio das motivaes destas relaes (observao tambm presente na obra de Robert PainePatrons and Brokers in East Artic).

    III) Sobre a questo do envolvimento afetivo e do personalismo

    Michael Kenny (A Spanish tapestry: town and conutry in Castille) abandona a premissa danecessidade da relao clientelstica ter uma base afetiva.A relao clientelstica para Kenny baseia-se no reconhecimento mtuo das identidadesenvolvidas. Gerando ento obrigaes mtuas.

    Karl Lande, no entanto, ressalta que a afetividade um fator a ser considerado por estar emcontraste com coero e autoridade. O clientelismo seria portanto uma forma de controleamenizada.

    Karl Lande: a geral e potencial obrigao gerada pela relao patrono/cliente, e no ostermos e recursos envolvidos nesta relao, que so cruciais para a dinmica doclientelismo. Esta obrigao generalizada cria a relao difusa que contribui para aestabilidade do vnculo patrono/cliente.

    John Duncan Powell (Peasant society and clientelistic politics) afirma que coero,autoridade e manipulao podem estar presentes em uma relao de patronagem, mas seestes fatores tornam-se dominantes o vnculo estabelecido no pode mais ser definido comoo de patrono/cliente.Powell chega a defender a necessidade do contato face-a-face, pessoal (o que reduziriasubstancialmente a potencialidade de alargamento das clientelas). Posteriormente,estabelece uma outra possibilidade de compreenso dos vnculos clientelsticos ao falar dospatronos institucionais.

    Keith Legg acentua que em sociedades industriais as tecnologias modernas de comunicaopermitem novas formas de contato (defensores comunitrios, paladinos) Problema docontrole do trnsito de informaes.

    A afetividade, portanto, deve ser atenuada com atributo implcito s relaes clientelsticas.

    IV) Sobre a questo da reciprocidade

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    Se o status um elemento determinante da assimetria de poder, logo o poder de barganhados patronos maior que o dos clientes. Nesta medida como podemos perceber e identificaro princpio de reciprocidade que regeria as relaes clientelsticas?

    James Scott afirma que cada parceiro providencia um servio/bem cujo valor

    hierarquizado e avaliado pelo outro parceiro na relao clientelstica. A troca se daria emum intercmbio de bens simblicos que so auferidos pelo patrono e bens materiais quebeneficiariam os clientes. A literatura existente no confirma este princpio como universal.

    Milton Freeman (Tolerance and rejection of patron roles in na Eskimo settlement) percebeque o maior objetivo dos elementos envolvidos em relaes clientelsticas a obteno debens e servios que no so facilmente obtidos de outra forma, a no ser atravs de umcusto social/econmico muito alto, invivel e inaceitvel.O poder do patrono reside no controle de um recurso escasso valorizado e desejado pelocliente, gerando uma obrigao generalizada que no percebida como altamente custosapelo cliente..Reciprocidade, portanto, no representa necessariamente equilbrio. Satisfao deexpectativas distintas.

    Keith Legg: Controle de recursos no-comparveis torna possvel a relao de benefciomtuo e reciprocidade. imprescindvel levar em considerao os sistemas de valores dospatronos/clientes que orientam as relaes estabelecidas. Portanto, o autor defineclientelismo como:

    a) relao didica

    b) parceiros controlam recursos no-comparveisc) a deciso de estabelecimento da relao baseia-se na reciprocidade

    d) os contatos, apesar de no necessariamente afetivos, so personalizados

    V) O papel dos intermedirios (brokers) nas relaes clientelsticas

    O sistema poltico clientelstico, fenmeno observado com freqncia no campo poltico,apresenta ramificaes para alm da mera relao didica, estabelecendo-se portanto ascondies para a formao das redes de clientela. Neste processo fundamental o papel dosintermedirios (brokers).

    O que distingue o intermedirio do patrono, ou mesmo do cliente?Definio mais simplista e insatisfatria aponta para a soluo desta indefinio pelaobservao das posies hierrquicas destes agentes.

    John D. Powell: o processo de transformao/complexificao das estruturas sociais, econsequentemente das relaes clientelsticas, faz com que alguns patronos passem a

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    desempenhar o papel de intermedirio no percurso da centralizao das esferas de poder Os papis no esto pr-fixados, podem ser variveis ao longo da relao: um patronotornar-se cliente ou intermedirio e vice-versa.

    Ren Lemarchand: O clientelismo no essencialmente uma relao didica ou

    unidirecional, mas sim uma rede de reciprocidades.Robert Paine: Observao dos status diferentes e dos diferentes nveis de controle sobrevalores intercambiveis: patronos e intermedirios possuem recursos cambiveis maioresque os dos clientes. No entanto os patronos possuem controle direto sobre tais recursos, osintermedirios no. Os intermedirios geralmente do acesso a recursos que no so seus.Crtica abordagem de Paine: intermedirios seriam meros condutores?

    Jeremy Boissevain: A intermediao deve ser vista como um negcio. O intermedirio no apenas um intermedirio, pois tambm aufere benefcios. Seu capital a rede de relaese seu crdito a percepo deste capital por outros atores polticos.Necessidade de compreenso das diferentes posies/papis desempenhados nas redes declientela.O intermedirio recebe valores em comisso que podem ser utilizados para a suamanuteno pessoal ou para a ampliao de seus contatos.

    VI) Clientelismo e processos de transformao

    Karl Lande: tradicionalmente a teoria poltica associa clientelismo a:

    a) Ausncia de associaes voluntrias e cvicas

    b) Ineficcia das instituies polticas

    c) Regulao e legislao assumem carter privado, particularista.

    Robert Kaufman: As redes clientelsticas podem desempenhar o papel de grupos polticosou de mquinas partidrias estveis. Fontes de recursos discricionrios que permitem oestabelecimento de redes de clientela. Oriundo da indefinio entre as esferas pblicas eprivadas.

    De maneira simplista os clientes buscariam saciar problemas de escassez e insegurana.Aos patronos interessaria o acmulo de um capital poltico.

    John D. Powell afirma que em ltima anlise a iniciativa de estabelecimento da relaoclientelstica tomada pelo patrono. Gerao de um estado de dependncia e obrigao.

    Luigi Graziano: Os patronos So movidos pelo desejo de acmulo de um capital poltico.As relaes clientelsticas tm ramificaes com o sistema poltico mais abrangente.

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    As redes de clientela servem como substituto para as estruturas polticas mais formais(partidos, grupos de interesses) e para estruturas burocrticas. H, portanto, umaconvergncia observvel entre burocracia e clientela, fenmenos que pelas abordagensclssicas seriam excludentes.

    Keith Legg identifica como elemento dinmico das relaes clientelsticas a transmissodas demandas dos nveis mais baixos ao topo do sistema poltico e a distribuio dediferentes recursos entre os diversos nveis hierrquicos do sistema.

    Modernizao poltica: ampliao das redes de influncia do centro burocrtico-administrativo para as regies perifricas. Fator que indica a associao com as redes declientela. No entanto, algumas redes de clientela sobrevivem sem o contato com o centro

    James Scott: efeitos sobre as relaes clientelsticas do processo de modernizao poltica esocial

    a) Diferenciao poltica e social e o crescimento das estruturas estatais/administrativasaumentou o nmero de posies que se estabelecem como conexes entre sistemaslocais e mais amplos.

    b) Criao de um potencial de competitividade entre os patronos locais ampliando apossibilidade de barganha nas relaes de intercmbio e conexo.

    c) Mudana no carter e padro do intercmbio. Ampliao da cidadania pelo voto. Osufrgio universal inseriu forosamente mais clientes nas redes (tambm pelo aumentoda necessidade de acesso a bens e servios pblicos)

    d) O Estado passa a ser o palco e a fonte de recursos das relaes clientelsticas.e) Muitas vezes ocorre a vinculao direta das comunidades cvicas locais com as redes de

    clientela, funcionando como elemento de conexo com as estruturas estatais.

    VII) Questionando o declnio na relao patrono/cliente

    Keith Legg aponta alguns fatores que implicariam no declnio do clientelismo:

    a) Perspectiva de tratamento igualitrio perante a lei.

    b) Padres de justia econmica e social.c) Responsabilidade burocrtica.

    No entanto, mesmo em sociedade democrticas industriais nem todas as demandas soatendidas por polticas pblicas gerais.O declnio do clientelismo tambm pode ser associado ao desenvolvimento das instituiespblicas/cvicas alternativas (religiosas )

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    A ampliao do Welfare State suplantaria necessariamente as chamadas mquinaspolticas? Como se processa a regulao do acesso?

    Robert Fried (The Italian prefects: a study in administrative politics) Clientelismo eregimes autoritrios: Apesar da base eleitoral de muitos sistemas clientelsticos, o

    clientelismo vigora tambm em regimes autoritrios ou quando as eleies so mantidasapenas com propsitos simblicos. Exemplo: Itlis fascista quando as barganhas foramestabelecidas com elementos ligados burocracia estatal.

    Fried: O clientelismo est diretamente associado a padres de recrutamento poltico noestruturados.

    Controle sobre o recrutamento e seleo de novas elites: quando as possibilidades deavano e mobilidade poltica e social tornam-se institucionalizadas as redes clientelsticasperdem sentido e importncia. Novos padres polticos combinados com processos desocializao mais regulados enfraquecem os liames clientelsticos.

    Relaes assimtricas em redes piramidais valorizam os quadros arraigados, a centralizaointerna e o carter oligrquico do sistema poltico.

    A repartio de bens divisveis nas redes clientelsticas acentua o menosprezo darepresentao global da coletividade e a sobrepoposio de laos pessoais aos vnculosburocrticos.

    Keith Legg identifica sinais das prticas clientelsticas em sistemas polticos complexosquando h baixo padro de institucionalizao na forma de ocupao das posies polticascentrais e na orientao normativa dos atores.

    Ao contrrio das concepes tradicionais no h vnculo direto entre aumento do processode burocratizao e decrscimo das prticas clientelsticas. A burocracia faz aumentar aspossibilidades de manuteno de redes clientelsticas, pos burocracia envolve exercciodiscricionrio de poder.

    Em quadros de modernizao/transio h a necessidade de agentes polticos atuarem comoelementos de intermediao, forando relaes personalizadas e de carter clientelstico.

    Sociedades mais complexas propiciam condies para a flutuao e o intercmbio entrediferentes papis (patronos, clientes, intermedirios)

    Keith Legg: proposta de associar clientelismo a contextos de mudanas sociais(clientelismo de transio). O que implica em analisar a lgica dos parmetrosestabelecidos, motivaes pessoais e ambientes institucionais.