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Nuno Portas* e J. P. Martins Barata** A Universidade na Cidade: problemas arquitectónicos e de inserção no espaço urbano Na concepção das Universidades modernas, atribui-se importância crucial à sua infra- -estrutura física, arquitectónica e urbanís- tica. Dois arquitectos, que largamente se têm dedicado ao estudo da arquitectura universi- tária, acederam a debater, em diálogo que foi gravado e seguidamente se reproduz, os prin- cipais aspectos desse problema. Três pontos essenciais foram discutidos: as razões que justificam a concentração espacial dos edifí- cios universitários, a forma de inserção das Universidades no tecido urbano e a flexibili- dade indispensável às suas instalações. 1. A concentração universitária e a estrutura inter-departamental N. P. — Começaremos por falar de algumas correntes que, so- bretudo no estrangeiro, começaram, ou estão começando, a ser exploradas, quanto ao problema das instalações para o ensino supe- rior. Naturalmente que muitos problemas ficarão de fora, nomea- damente o das relações com os equipamentos de outros graus do ensino e com a residência. Tais problemas só aparecerão indirecta- mente, a propósito de um dos pontos a que daremos grande impor- tância e que é o das relações entre a universidade e a cidade. Como ponto de partida, exporemos uma tese — a da concen- tração universitária—, mas não para corresponder a uma acadé- mica concepção de símbolo da síntese do saber, que esteve na base da «cidade universitária» de tipo monumentalista e que se traduziu, no nosso caso, no esboço de cidade universitária de Lisboa e na remodelação da de Coimbra. Retomamos hoje essa tese, que depois não foi seguida, para lhe dar um conteúdo renovado. * Nuno Martins PORTAS (N. P.)—Arquitecto. Professor agregado da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Especialista do Laboratório Nacio- nal de Engenharia Civil. ** José Pedro MARTINS BARATA (M. B.) —Arquitecto. Membro da Comis- são Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra (Ministério das Obras Públicas).

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NunoPortas*

eJ. P.

MartinsBarata**

A Universidade na Cidade:problemas arquitectónicose de inserção no espaço urbano

Na concepção das Universidades modernas,atribui-se importância crucial à sua infra--estrutura física, arquitectónica e urbanís-tica. Dois arquitectos, que largamente se têmdedicado ao estudo da arquitectura universi-tária, acederam a debater, em diálogo que foigravado e seguidamente se reproduz, os prin-cipais aspectos desse problema. Três pontosessenciais foram discutidos: as razões quejustificam a concentração espacial dos edifí-cios universitários, a forma de inserção dasUniversidades no tecido urbano e a flexibili-dade indispensável às suas instalações.

1. A concentração universitária e a estrutura inter-departamental

N. P. — Começaremos por falar de algumas correntes que, so-bretudo no estrangeiro, começaram, ou estão começando, a serexploradas, quanto ao problema das instalações para o ensino supe-rior. Naturalmente que muitos problemas ficarão de fora, nomea-damente o das relações com os equipamentos de outros graus doensino e com a residência. Tais problemas só aparecerão indirecta-mente, a propósito de um dos pontos a que daremos grande impor-tância e que é o das relações entre a universidade e a cidade.

Como ponto de partida, exporemos uma tese — a da concen-tração universitária—, mas não para corresponder a uma acadé-mica concepção de símbolo da síntese do saber, que esteve na baseda «cidade universitária» de tipo monumentalista e que se traduziu,no nosso caso, no esboço de cidade universitária de Lisboa e naremodelação da de Coimbra. Retomamos hoje essa tese, que depoisnão foi seguida, para lhe dar um conteúdo renovado.

* Nuno Martins PORTAS (N. P.)—Arquitecto. Professor agregado daEscola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Especialista do Laboratório Nacio-nal de Engenharia Civil.

** José Pedro MARTINS BARATA (M. B.) —Arquitecto. Membro da Comis-são Administrativa do Plano de Obras da Cidade Universitária de Coimbra(Ministério das Obras Públicas).

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Associada ao conceito de concentração universitária, afirmou--se uma outra ideia, presente nas universidades americanas, as demaior escala neste aspecto: a do isolamento da universidade emrelação à cidade, ou seja, o princípio do «campus». A este respeito,propomos uma segunda tese: a integração do conjunto universi-tário concentrado na cidade, em oposição portanto ao «campus».

Quais as razões que estão na base da defesa actual da concen-tração dos centros de ensino superior? Há uma razão de caráctersocial e cultural e uma razão de carácter económico. A primeiraresulta de se pretender que este conjunto de espaços constitua ummeio social, na medida em que hoje se não sabe bem se a formaçãouniversitária progride mais pelos corredores, bibliotecas, institutos,se pelas aulas propriamente ditas; se progride mais pelos intervalos— tempo de estudo de grupos e convívio—, se pelos tempos deensino rigorosamente programados. E o mesmo quanto à própriaprojecção da universidade sobre a cidade, que se mede sobretudopela permeabilidade que aquela consiga com a vida quotidiana napromoção generalizada da sociedade. Pretende-se, portanto, criarum meio social não especializado, onde se encontrem pessoas detodas as formações, que procurem, na convivência, uma compensa-ção crítica à atomização dos conhecimentos, à extrema especiali-zação, a que, nomeadamente nos países neo-capitalistas, as pressõeseconómicas tendem a reduzir a ideia de reforma do ensino. Pensoque esta criação de um meio social interdepartamental e não-hie-rarquizado é, neste momento, um ponto-chave. Na sua negação sefundamenta, significativamente, uma reacção contra o princípio daconcentração das Faculdades, que se esboça de alguns anos a estaparte. Parece existir também a ideia, consciente ou não, de quecertas «misturas de formações» podem ser perigosas para a maisrápida especialização que as pressões económicas solicitam doensino, nomeadamente nas disciplinas mais acentuadamente tecno-lógicas. E, consequentemente, teríamos o agravamento da oposiçãoentre humanistas e técnicos, com as conhecidas tendências para aalienação daqueles e para a impotência contestativa destes.

Outro ponto, certamente o decisivo, é a importância crescentedas relações interdepartamentais. Fundamentalmente, a ideia é amesma, mas transposta para os conteúdos do ensino. Bastariareflectir um pouco, para entender a urgência da liquidação dasFaculdades sob a forma como nós as conhecemos: «um palácioonde só se ensina uma coisa, ou um certo ramo de coisas». A maiorparte dos conhecimentos dos últimos decénios desenvolveu-se emterrenos «neutros», em terras de ninguém; a maior parte da inves-tigação científica fez-se, não dentro dos limites tradicionais decada disciplina, mas na confluência e na interacção de váriasmatérias. Torna-se mais importante o que une as Faculdades do queo que as separa, e esta relação deve ter uma transcrição arquitec-

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tónica. Note-se ainda que os departamentos especializados, a exis-tirem, são exactamente aqueles que ficam sob uma maior pressãoda obsolescência; portanto, pedem fronteiras móveis e facilidadesde reconversão. Criar, neste contexto, qualquer espécie de identifi-cação ou de separação entre aquilo a que estamos habituados achamar Faculdades é algo que está a ser negado pela própria prá-tica: há ramos de conhecimento e profissões que quase desapare-cem, há outros que surgem com toda a pujança por força do desen-volvimento de novos ramos de produção e de novas necessidades dasociedade, criando constantemente desequilíbrios entre as forma-ções.

M. B. — Ê de assinalar que, mesmo na nossa Universidade, severifica ou se verificou um fenómeno que representa, digamos, umajustificação histórica de tal processo: a evolução de certas escolas,que responderam a necessidades da Administração, e que foramdepois subindo até atingirem o estatuto universitário, sendo absor-vidas pela universidade, ou melhor: formando a chamada Univer-sidade Técnica. Não foram emitidas do seio da universidade.Temos, nomeadamente, o Instituto Superior Técnico, criado peloMinistério das Obras Publicas, o Instituto Superior de EstudosUltramarinos, pelo Ministério das Colónias, o Instituto Superiorde Agronomia, pelo que seria, suponho, na altura, o Ministério daAgricultura, etc. Estão entre nós já cristalizados sob a forma deescolas universitárias, mas foram resultado dessa necessidade deencher lugares vagos entre as Faculdades pre-existentes.

N. P. — Um caso que tem agora plena actualidade é o dasCiências Humanas. A maior parte destas disciplinas estão consti-tuídas numa espécie de campo de disputa entre as Faculdades deLetras, o I. S. C. S. P. U., o I. E. S. e talvez outras Escolas. A mesmaindecisão deve rodear a criação de um Instituto para o planeamentoterritorial e urbano. Parece que esta polémica sobre um novocampo de estudos que aparece é perfeitamente sintomática: nofundo, é a própria arquitectura (ou seja, a separação física entreas Faculdades atomizadas e em vasos estanques) que, de certomodo, obriga à indecisão e ao conflito. Se, ao contrário, a estru-

Figura 1 — Universidade de Leeds (Inglaterra): interrelação dos Departa-mentos. Diagrama extraído do modelar estudo preparatório para o plano deexpansão da antiga Universidade. Representa o movimento dos estudantesentre os vários Departamentos.

A coluna central indica os números relativos dos alunos (proporcionaisàs larguras dos rectângulos negros) que efectuam «estudos especiais» emcada Departamento. As dimensões dos símbolos «em flecha» nas margensdireita e esquerda da mesma coluna indicam os números relativos dos estu-dantes enviados para e recebidos de outros Departamentos de outras Faculda-des. O número dos estudantes é representado pela espessura das linhas queligam os Departamentos entre si.

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Figura 2 (Vd. nota na pág* seguinte)

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tura da Universidade fosse interdepartamental — ou, como diziaDarcy RIBEIRO, no projecto da Universidade de Brasília, se a Fa-culdade fosse quase que só uma «secretaria» ou um guichet onde oaluno, com certas «entradas», receberia um diploma correspondenteàquelas «entradas», tendo ido a diversos Departamentos ou a di-versos Institutos procurar elementos de formação de um determi-nado curriculum em grande parte escolhido por si próprio—, oque se substituiria à nossa noção rígida de Faculdade seria umlocal onde se sancionaria todo um (mrriculum de interesse e depesquisas, prosseguido pelo aluno em diversos pontos do espaçoda universidade.

Estas são algumas das razões que parecem impor uma flexibi-lidade no planeamento e realização de universidades. Em vez decristalizar uma das muitas fórmulas possíveis, por melhor que seafigure — Brasília, um «College» inglês, ou uma Faculdade de tipodiferente —, o que nos parece é que a arquitectura universitáriadeveria prever uma estrutura física que, em cada momento-chave,permitisse à Universidade mudar de estrutura orgânica.

Recorde-se que de toda a reflexão sobre a Universidade, que seestá a fazer na própria acção, o mais significativo é o futuro ser,nestes domínios, uma incógnita e não se estar a lutar concreta-mente por algo muito definido que, aliás, no momento em que fosseconseguido, estaria já ultrapassado. A arquitectura tem de res-ponder a esta necessária agilidade, tem de ser um campo aberto,não um «congelador». Se não pudesse favorecer a «abertura», teriapelo menos de não gerar atritos. É esse o espírito com que, nospaíses onde o problema tem sido maduramente pensado, se procura,neste momento, planear Universidades: não só não gerar atrito,mas facilitar a maleabilidade. Neste sentido, fazer algures umnovo edifício para uma Faculdade cuja natureza se conserva in-tacta, significa comprometer o futuro em nome de uma conveniên-cia de momento.

O terceiro grupo das razões que militam a favor de uma con-centração, são as de economia: a carência de professores, de meiosde ensino, de capitais para investir na educação superior (e pareceque é gritante em Portugal, essa carência: a prova está em quenão se conseguem, por vezes, mobilizar recursos, no actual mo-mento, mesmo para os mais elementares equipamentos didácticos).

Figura 2 — A importância das relações de ensino entre Departamentos dediferentes Faculdades da Universidade de Leeds (Inglaterra), mostrando asintensidades relativas dos trajectos a pé, previstos para 1970, em consequênciada entrada em funcionamento da primeira fase de expansão (ao centro dagravura) da antiga Universidade (ao alto). Trata-se, neste plano, de umcontínuo de espaços de ensino e trabalho, com um bloco centralizado de anfi-teatros sobrepostos em «coluna», que servem todos os Departamentos (nagravura, este bloco é identificável pela sua localização logo acima da palavraZOOLOGY).

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Qualquer política que tenda a dispersar os «centros de ensino»implicará a revisão dos equipamentos, e até dos mais onerosos,num futuro próximo: logo que se faça uma reforma do ensino.Por outro lado, um anfiteatro como, por exemplo, o da reitoria daUniversidade de Lisboa, representa, de facto, um capital em regimede subutilização, o que não se pode deixar de julgar contraditóriocom o facto de, ao lado, a Faculdade de Letras não ter espaçospara ensino devidamente equipados, sobretudo para o ensino demassa. Assim, toda uma série de equipamentos da mesma natu-reza (não vinculados a uma determinada especialidade e onerosos)deveriam ser comuns e estar ao alcance de todas as Faculdades,sujeitos a horários que permitissem o seu pleno emprego. Sirvamde exemplo os «centros de computação» (centros que receio veja-mos multiplicarem-se por várias Faculdades, igualmente sub-utili-zados), os centros de documentação, as bibliotecas universitárias,muitos dos serviços estudantis, que se não podem repetir onerosa-mente em cada Escola.

Todas estas razões militam a favor de uma estrutura univer-sitária na qual haja um grupo de equipamentos de serviço, comunsa todas as Faculdades, ou melhor: a todos os Departamentos eCentros de Investigação, construídos à medida que as verbas pos-sam ser canalizadas e pedindo articulações muito fáceis, quer porsistemas electrónicos (caso do computador, de um serviço de do-cumentação moderno, etc), quer e subretudo através de pequenasdistâncias e de tempos de trajecto curtos, essenciais para se obtero máximo rendimento dos Centros de Estudo, comuns aos docentese discentes disponíveis.

Este é o corpo das razões principais que nos parece militama favor de uma concentração dos equipamentos universitários,sobretudo num momento de penúria como o actual.

Veremos depois se, efectivamente, o local da Cidade Universi-tária de Lisboa serve. Poder-se-ia tomar, para exemplo, igualmenteCoimbra, ou o Porto, ou qualquer outro novo polo universitárioque se proponha. Mas iremos centrar-nos, como exemplificação, nocaso de Lisboa, que está mais próximo da nossa experiência. E tal-vez coubesse agora introduzir o problema da localização e seuscritérios, porque esse será o ponto de partida para o nosso segundotema, que é a ligação entre a universidade e a cidade.

M. B. — Poder-se-iam alegar outras razões em favor da con-centração, razões que podem, evidentemente, ser controversas.Se se estabelecer uma escala ascendente nos graus do ensino, ver--se-á com maior clareza, quanto a mim, que essa concentração nãodeve existir só pelas razões apontadas por N. P. — em função dasquais teríamos uma concentração, digamos, só requerida pela natu-reza da Universidade — mas também por motivos que derivam darelação conveniente com a própria cidade.

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No grau mais baixo do ensino, que é a escola maternal, adependência da localização é máxima. A sua instalação tem deapresentar-se forçosamente disseminada; não se pode construirum jardim-escola ou uma escola maternal, para toda a cidade.Da mesma maneira, e acompanhando esse grau, a dependência doaluno em relação à sociedade é também total. A escola primária járepresenta um primeiro grau de independência em relação à posiçãona cidade: já se verifica nela uma certa autonomia do estudante etambém uma certa participação, ainda que rudimentar, na vida dacolectividade. No liceu, esta evolução acentua-se um pouco mais:c estabelecimento liceal está relativamente solto do contexto dacidade, não se encontra ligado a uma unidade imediata de vizi-nhança. Por fim, a universidade está praticamente isolada da rela-ção imediata com a cidade; os «centros de estudo» relativamenteavançados estão-no completamente (um «centro de pesquisas cien-tíficas» em Genebra, para a Europa toda, não depende em nadade Campo de Ourique...). Portanto, a independência está associadaà concentração, razão que me parece importante aduzir. Quando sedispersam as escolas superiores, está-se a reduzi-las ao estatutode escolas primárias, está-se a colocá-las num contexto que territo-rialmente tem significado diferente.

O sentido ascendente na complexidade e no «grau» de ensinotem um significado territorial que nem sempre é apreendido e quejulgo dever voltar a acentuar.

Há uma escala de dependências do enquadramento socio-eco-lógico, no sentido restrito, que faz mudar a perspectiva das rela-ções entre a escola e a cidade. Essas relações podem situar-segraficamente em paralelo, considerando dois sentidos opostos numasemi-recta: na origem a escola maternal e, no outro extremo aUniversidade (ou a super-Universidade):

escolamaternal

escolaprimária ensino liceal

(neste sentido) <—máxima dependência do núcleo fami-

liar e social

ensino jmédio |

superior 1universidade super-uni-

versidade

-> (neste sentido)prática independência do grupo fami-

liar e social

aceitação de conhecimentos sriação de conhecimentospassividade social

dispersão dos equipamentos

aplicação imediata e individual dosaber

participação social

concentração dos equipamentos

aplicação mediata e colectiva do sa-ber

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Deste esquema, apesar de bastante simplista, resulta o reco-nhecer-se que o sentido em que se desenvolve a Universidade é oda criação de uma imagem modelar da «Cidade». De uma partici-pação na sociedade, imediata, passiva, por inclusão, que é a doescolar primário, vai gradualmente o estudante passando a umaoutra forma de participar na vida social, cada vez mais dentro deum modelo progressivamente aproximado, mas distinto, da própriasociedade; participação mediata, portanto, que é realizada atravésda própria vida universitária e activa: esta é uma réplica da vidada sociedade em que se insere.

2. A localização regional e urbana das Universidades e a ligaçãocom a vida da cidade

N. P. — Tomo a última ideia, que M. B. desenvolveu, parafazer a ponte para a segunda parte do nosso tema.

O desenvolvimento ou lançamento de uma nova Universidade,problema que se põe talvez no nosso País, é indissociável do con-ceito de polo de desenvolvimento, ou pelo menos de um projecto dedesenvolvimento económico, social, cultural e urbano que se pode-ria designar de «polo de desenvolvimento e factor de democratiza-ção urbana». A este respeito, poderíamos antever centros universi-tários novos, num polo de desenvolvimento implantado no territórioainda não urbanizado da região metropolitana de Lisboa, possivel-mente na margem Sul, em relação com a rede de transportes res-pectiva e como estrutura que, não só abrisse perspectivas a outrascamadas da população, como alimentasse a vida urbana do meiosub-desenvolvido desse território.

Uma Universidade constitui um dos possíveis serviços propul-sores de uma sociedade terciária, de um polo urbano moderno, soba condição de não surgir isolada, de se estabelecer relação entre aUniversidade, como centro de produção e de estudo dos problemasduma região, e as forças de trabalho dessa mesma região. Podeesta, nas condições actuais, ser muito vasta e chegar a ter projec-ção internacional. Tomemos, no entanto, uma posição mais mo-desta, considerando o alcance da função progressiva da Universi-dade em relação a um dado território, pelos problemas que tomapara si, para objecto ou conteúdo do seu próprio ensino, parareflexão e pesquisa comum dos estudantes e professores; ou seja:considerando a Universidade como produtora de investigação cien-tífica, aberta e integrada como serviço e componente da vidaurbana.

Em oposição ao tradicional espírito do «campus», tende-se acriar presentemente um tipo de relações entre a Cidade e a Univer-sidade, a que alguém chamou um principio de intromissão contro-

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íaâa (ou selectiva), de não isolamento, de nao dispersão. Entre âUniversidade e os outros «centros de decisão» de uma região deter-minada, em desenvolvimento, devem estabelecer-se relações detroca extremamente apertadas, das quais o imiscuir do «edifíciouniversitário» na própria cidade é, de certo modo, uma consequên-cia prática e, ao mesmo tempo, uma expressão algo simbólica.As Universidades medievais tiveram muito essa característica, maspor outras razões. O modelo do «Quartier Latin» está ainda pre-sente, na medida em que há nele uma fusão muito nítida entre obairro, não só residencial, e os centros de ensino e de produçãocultural; apenas não existem hoje relações tão contínuas entreestes centros, como seria para desejar e como seria possível conse-guir mediante uma planificação em termos modernos. Esta relaçãoda Universidade com o território leva-nos a pôr à frente de outrasas relações entre a Universidade e os demais «centros de decisão»de uma sociedade moderna.

Por outro lado, as relações entre a Universidade e toda a Re-gião urbanizada ou a Cidade-Região, donde provém a maior partedos utentes da Universidade, situam em posição fulcral o problemados transportes e da localização da Universidade em relação àrede dos transportes urbanos e suburbanos, o que é, com certeza,um aspecto importante para a democratização do ensino, como,de resto, o é, em primeira análise, para a democratização urbana.Uma Universidade implantada num local onde a acessibilidadetenha valores equivalentes em relação a todos os pontos do territó-rio por ela servido — mesmo aqueles que representam actualmenteas zonas subdesenvolvidas de uma cidade como Lisboa: Moscavide,Amadora, Queluz, Sintra e até, dentro da fímbria de Lisboa, osbairros novos, como Olivais e a futura Cheias — parece absoluta-mente vital para uma política de democratização do acesso aoensino de nível superior.

Em seguida, temos a influência directa da Universidade sobreo bairro, ou melhor: sobre o centro (ou área social) em que maisimediatamente se insere, influência que não se exerce apenas aonível dos «centros de decisão», mas também ao nível da vida sociale cultural. A vida da Universidade tenderá (ou deverá tender),cada vez mais, a projectar-se no exterior, a «invadir» (e a ser «in-vadida» por) a cidade e outros corpos da sociedade, como toda apopulação secundária e terciária que procurará utilizar a Univer-sidade, o que pressupõe — ao nível de um urbanismo pensado, nãosomente no plano material, mas também no plano simbólico — rela-ções muito estreitas e grande abertura a outros equipamentos e,com ela, a desmitificação da Universidade como lugar privilegiadoe arquitectònicamente monumentalista.

Uma Universidade pode crescer a partir de um centro urbano,como um centro urbano se pode desenvolver a partir de uma Uni-

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Vêrsidade. Quando a Chiado erà uin polo cuíturai importante deLisboa, as relações entre a Escola de Belas-Artes e o Chiado eramextremamente densas e contribuíam para uma integração dosartistas com outros intelectuais. Naturalmente, essa integração eradiferente da que pretendemos hoje, na medida em que se reduziaà integração do estudante na vida cultural exterior que se produzao nível post-universitário. De resto, esta noção de nível post--universitário é exactamente um dos pontos que hoje estão maisem questão na Universidade. Em termos de «educação perma-nente», a Universidade não será no futuro frequentada apenas porindivíduos com uma idade especial, que são os estudantes jovensque passaram, por privilégio, os degraus de ensino anteriores:tenderá, pelo contrário, a ser frequentada por muitos grupos deidades, não raras vezes em regime de acumulação do trabalho pro-fissional com a frequência da Universidade, durante algumas horaspor dia, ou por um certo período da vida, para efeitos de «refresca-gem» ou reciclagem. Neste contexto de relações, a Universidadenão pode senão conceber-se como um de entre muitos outros «ser-viços» urbanos, como os Centros Culturais, os Sindicatos profissio-nais, os próprios locais de trabalho.

Referi-me a intromissão selectiva, conceito que pressupõe umacerta dialéctica entre uma presença da instituição na cidade, aindacomo um corpo fisicamente forte, distinto, identificável no tecidourbano, e por outro lado, uma penetração dos já referidos serviçosurbanos — sejam de trabalho, sejam de tempos livres — no espaçosocial das escolas. Repare-se que, nesta exposição, não me des-prendi da Universidade como um meio social que se distingue,que tem uma autonomia relativa, no interior da cidade. Este se-gundo ponto parece-me importante neste momento para Lisboa,sobretudo no actual contexto da «universidade em questão», emque há que relembrar as páginas luminosas de Henri LEFEBVREsobre a relação, em Nanterre, entre as instalações e a vida estu-dantil, por um lado, e o aglomerado e situações das classes traba-lhadoras, por outro.

M. B. — Neste ponto, começamos a divergir. Transpondo umpouco petulantemente para agora as duas definições de Universi-

Figura 3 — Universidade de Bath (Inglaterra). 0 plano de desenvolvimentoa longo-prazo das construções desta nova universidade, segue o actual critériode estabelecer as linhas principais de movimento, as zonas de utilização maisdiferenciáveis e as localizações dos edifícios a realizar e suas direcções de ex-pansão, sem comprometer qualquer tipo de solução arquitectónica que se venhaa dar-lhes futuramente. A solução geral segue uma das tendências presentes— o desenvolvimento linear, ao longo de um «passeio público», equipado comserviços comuns e de convívio e com os departamentos «em denteado», podendoexpandir-se para a periferia.

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Figura 3 (Vd. nota na pág. anterior)

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dade medievais, creio que N. P. se pfêõôupa demais com a «univeí-sitas magistrorum atque scholarium». Parece-me que os problemashoje respeitam mais à «universitas scientiarum», às tensões e aosproblemas próprios da Universidade como tal. Verifica-se presente-mente uma tendência, que me parece exagerada, para dar pesoexcessivo à participação da Universidade na vida da cidade e àsua própria vida comunitária.

N. P. — O problema tem dois aspectos. Esta maior ligaçãoentre a Universidade e os «poios de decisão» parece-me, por umlado, ser pedida, em certos países ou locais mais desenvolvidos,dentro de objectivos que poderemos considerar perfeitamente «neo--capitalistas». Nos E. U. A., por exemplo, a Universidade de Fila-délfia foi posta como uma primeira acção, tomada pelo governodo Estado, para o desenvolvimento de certas indústrias privadas ede certos ramos de investigação aplicada. Por outro lado, numponto quase diametralmente oposto, a ligação entre a Universidadee a Cidade é algo que os movimentos estudantis presentementereivindicavam como fundamental, por uma exigência de não-isola-mento, de contacto e relação da massa estudantil com os outrossectores da sociedade urbana. A questão não se resolve apenascom a relação física ou espacial (e poderia haver, de facto, na ên-fase com que pus este problema a sugestão de que, magicamente,a solução arquitectónica resolveria a crise de reconversão institu-cional) . Mas tem-se desde já, como ponto adquirido, que o planea-mento físico e o projecto arquitectónico de uma Universidade nãodevem constituir um elemento de atrito no desenvolvimento dasestruturas universitárias e fonte de tensões possíveis que se exer-çam na própria Universidade.

O outro aspecto da inter-penetração, mais óbvio, resulta dapossibilidade de pôr a Universidade e os seus conhecimentos aoserviço da animação de um centro urbano que se encontre reduzido,por exemplo, ao comércio e à administração, concebendo a Univer-sidade como foco de cultura actuante sobre os próprios conteúdosque se vivem e se processam num centro urbano normal, presente-mente deformado pelas opções e pelos interesses de um desenvol-vimento económico <Je determinado tipo, virado aos contornosmais passivos.

A base de qualquer projecto desta natureza está nos antípodasda arquitectura universitária conhecida em Portugal. É algo quese concebe sobretudo para mudar: é uma arquitectura que, comalgum exagero, poderíamos dizer «de acampamento» e que se iráfazendo, estruturando, transformando, ao ritmo das experiênciase das transformações que se forem impondo no interior da vidauniversitária e da vida urbana.

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ã. Ò problema da flexibilidade das instalações universitárias

M. B. — A respeito da última afirmação de N. R, creio que énecessário fazer certas distinções, para não cair no exagero. Tenhoa impressão de que hoje se começa a perceber com mais clarezaque se obtiveram grandes insucessos na arquitectura universitária,não digo só no nosso País, mas em toda a parte. Começa-se a reco-nhecer, nomeadamente, que há uma escala de graus de obsolescên-cia, conforme a natureza das funções a que a arquitectura tem de

Figura

responder. Há certas funções universitárias, tais como as daresidência estudantil e docente e do ensino magistral, que são está-veis: — um mestre a falar a um grupo de alunos falava da mesmamaneira, com certeza, no séc. XVIII, como fala em nossos dias; ea cátedra de Fray Luís de Leon ainda está apta para dar aulas.

* Figura U — Universidade Livre de Berlim: fragmento do plano para aexpansão da antiga Universidade, premiado e escolhido em concurso interna-cional de projectos. O esquema segue outro princípio — o da grelha —, radical-mente não-diferenciada por departamentos ou tipos de equipamento. É óbviaa analogia deste esquema com um tecido urbano de «ruas e travessas», permi-tindo todas as modificações necessárias no interior dos «quarteirões», ondesurgem os espaços livres sob a forma de pátios. A crítica a este projectopolémico — à extrema indiferenciação de funções — não põe em causa oconceito de planeamento que permite a emergência de arquitecturas maisidentificáveis.

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Instalações para esse tipo âe íungoes, que não mudam, devem séí4construídas com solidez. Depois, há o grau de obsolescência se-guinte, o das funções que mudam com certa lentidão e cujas mu-danças se podem prever com alguma justeza: por exemplo, o ensinoda Geografia, que foi puramente magistral e que agora já começaa exigir equipamento; aí já não há razão para fazer instalaçõesmuito estáveis. Finalmente, há um grau de obsolescência quasetotal. Nomeadamente, nas tecnologias, na Física (nos seus ramosmais avançados), em domínios que exigem grandes espaços, nasHidrodinâmicas, nas Mecânicas dos Fluídos: — o ensino deve f azer--se em instalações flexíveis e provisórias, digamos, exagerando,em «barracas». Não se sabe hoje o que será preciso daqui a dezanos. Construir um edifício para enfrentar os séculos, quandoignoramos quais serão as exigências nos próximos anos, seria puraestultícia. Uma coisa sabemos quase com certeza: que precisarãode muito mais espaço do que nós precisamos! Não se pode dizer,portanto, que tudo deve ser fugaz.

N. P. — O estabelecimento de uma estratégia da flexibilidade,segundo os graus de obsolescência, é a base da metodologia dosmodernos projectos de arquitectura universitária e estava implí-cita nos pontos de vista que anteriormente expus. É algo como umaespinha dorsal, que tem um certo ritmo de crescimento, enquantooutros órgãos evoluem segundo um outro ritmo de desenvolvi-mento, havendo até alguns que se renovam várias vezes numa vida.

M. B. — Há até certos elementos que podem regredir de facto,nomeadamente as bibliotecas, que crònicamente estão sub-dimen-sionadas e superlotadas. Em certas universidades, uma inglesa evárias americanas (pelo menos), estão a projectar-se e a construir--se bibliotecas muito mais pequenas do que as que se teriam pre-visto há cerca de dez anos, com o fundamento de que, dentro de umperíodo curto de tempo, haverá outros modos de armazenar conhe-cimentos que não os livros, nomeadamente a electrónica, e que nãohá necessidade de construir bibliotecas para cinco milhões devolumes, quando estes passam a ser reduzidos a microfilmes e aspesquisas bibliográficas se fazem em computadores.

N. P. — Antes de concluir este debate, gostaria de esboçaruma lista de modificações e de problemas inteiramente novos, queestão a surgir no moderno ensino superior e a alguns dos quais jáaludimos.

Um primeiro problema é o da extensão (ou contracção) dosdepartamentos, ligada a modificações que se estão a produzir comgrande rapidez na procura de determinadas profissões e, conse-quentemente, no acréscimo (ou na compressão) do número dos

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alunos. Verifíca-se o aparecimento de novos departamentos oúfaculdades, eventualmente substituindo ou acrescentando-se aosexistentes. Por outro lado, desenvolvem-se novas relações da uni-versidade com o exterior e com a investigação, conforme vimos.

A escala de cada departamento, surgem alterações, não só naestrutura dos cursos e no agrupamento das disciplinas, como nosmétodos de ensino, o que inclusive pode levar a que se passe daorganização dos estudos na base exclusiva da unidade «ano», únicareconhecida no nosso ensino burocratizado, a outras formas deorganização à base de unidades dimensionadas para projectos con-juntos de estudo e pesquisa, nas quais se confundem alunos devários anos e docentes de diversas disciplinas. Surgem tambémproporções diferentes entre as aulas do tipo seminário, ou do tipoestúdio ou atelier (conforme a natureza do trabalho) e as demais,alterações que se têm revelado ultimamente muito radicais. Final-mente, cresce a importância que, em cada departamento ou con-junto de departamentos, tomam a investigação, a pós-graduação eo ensino permanente.

Todas estas razões convergem no sentido de tornar absurdauma arquitectura de «fato feito a medida», porque no momento emque acabasse de ser feita, deixaria... de estar à medida. O problemareside em conseguir «fatos ajustáveis», o que, não sendo fácil emmatérias tão pesadas como as que maneja a arquitectura, todavianão é impossível, como se pode ver através das soluções que lhetêm sido dadas em excelentes Universidades estrangeiras.

4. Um caso: o sistema universitário na «grande Lisboa»1

4.1. No quadro da «grande Lisboa», pôr-se-á certamente oproblema da criação de uma nova Universidade (porventura diri-gida aos ramos mais tecnológicos do ensino e ao desenvolvimentodas áreas socialmente mais deprimidas da Região) e não nossurpreenderia que uma análise rigorosa, do ponto de vista urbanís-tico, viesse demonstrar que a nova instituição se deveria localizarna margem Sul, articulada aos acessos à Ponte sobre o Tejo,(apoiando, assim, também a margem Norte) e às zonas industriaise vastos aglomerados desordenados e mal equipados da «outrabanda». Impõe-se um estudo de previsão e a consequente aquisiçãopreventiva da vasta área necessária, a salvo da crescente especula-ção predial na zona. O lançamento de uma nova Universidade teriaaí sentido já integrada num «centro direccional» da margem Sul,estruturador dos aglomerados existentes, do mesmo modo como aconstrução da envolvente física da Universidade actual (Campo

1 O texto seguinte é da exclusiva responsabilidade de N. P.

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Grande) se articularia ao desenvolvimento de um centro de trans-portes e de trabalho na zona Norte da «grande Lisboa».

4.2. A actual Universidade de Lisboa (Campo Grande), semque à época da decisão de construir uma «cidade universitária» setivesse apreendido todo o alcance da escolha do respectivo local,dispõe hoje de terrenos provavelmente bastantes para a soluçãode «concentração departamental» e «abertura à cidade», relativa-mente à qual desejamos sublinhar a excelência da sua localização.Minimizado, pela antecipação, o custo do terreno, o sítio CampoGrande-Rêgo é também, por acaso, a chave dos transportes urbanose sub-regionais (estações de camionagem, caminho de ferro e me-tropolitano no Rego), podendo contribuir decisivamente para colo-car o ensino universitário mais ao alcance da população estudantil,seja da cidade tradicional, seja do novo subúrbio urbanizado, atra-vés das conjugações de transportes públicos. Mais: a concentraçãodestes transportes e o «comutador» de tráfego que aí se estabele-cerá (com estacionamento para transportes individuais, cuja pene-tração no centro da cidade se desencorajará) justificarão o desen-volvimento de um amplo centro terciário (tipicamente direccionale recreativo), para o qual podem ser movidas instituições de inves-tigação e administração mais articuladas com a universidade(quando esta for produtiva e não apenas «ensinante»).

E assim, nesta convergência de acções — que implica a con-jugação da política dos transportes terrestres, da urbanística dacapital (e dos concelhos limítrofes) e da Educação Nacional, habi-tualmente não integrados no espaço, como no tempo —, temos umaoportunidade privilegiada, e a custo mínimo, para executar oesquema que outros países estão tentando, mas com a dificuldadede só o poderem pôr em prática onde conseguem obter os terrenossuficientes para as expansões: ou seja, uma concentração interde-partamental, que se não traduz numa «cidadela universitária».

4.3. A concentração interdepartamental conduz a pensar aUniversidade como um sistema único, quer funcional, quer ambien-tal — como um «edifício único». Método para a Universidade loca-lizada no Campo Grande: carrear todo o investimento de que sevenha a dispor, seja do Estado, seja de fundações, para o lança-mento dos equipamentos não vinculados a determinadas Facul-dades (anfiteatros, centros de documentação, centros de vastosespaços para ensino, a distribuir aos departamentos, de acordocom a sua dimensão no momento, mas concebidos arquitectónica-mente por forma flexível e contínua).

Mais concretamente, poderia imaginar-se um eixo principal,prolongando-se para a frente e para trás da actual reitoria; paraa frente, ficariam os equipamentos comuns; para trás, instalações

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estudantis e estabelecimentos culturais abertos à população dacidade. Dois eixos secundários atravessariam este, um por detrásda Biblioteca já existente, outro sobre a via que actualmente ligao Rego ao Hospital Escolar e à cantina da «cidade universitária».A função destes eixos, equipados igualmente e nascendo no con-junto urbano do Rego, seria a de ligar os departamentos a cons-truir dentro de uma malha tridimensional cuidadosamente estudadapara satisfazer os diferentes tipos de espaços de ensino — labora-tórios e oficinas, aulas-seminários, etc. Assim, tanto a expansãoda Faculdade de Letras, como as mais ou menos anunciadas cons-truções da Escola de Artes, da Faculdade de Arquitectura e Dese-nho Urbano, das novas instalações para os Institutos de CiênciasEconómicas, de Matemáticas, de Física, etc, em definitivo ou emprovisório, ocupariam os módulos necessários desta estrutura depreenchimento progressivo.

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