o anticristo - fichamento didático

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FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA FELIPE FURTADO DA SILVA THAÍS LUCIANY BOMBASSARO FICHAMENTO DE LIVRO: O ANTICRISTO Ponte Nova - MG 2012

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Fichamento didático do livro O Anticristo de Nietzsche. Trabalho Interdisciplinar - 1º Período Direito

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Page 1: O Anticristo - Fichamento Didático

FACULDADE DINÂMICA DO VALE DO PIRANGA

FELIPE FURTADO DA SILVA

THAÍS LUCIANY BOMBASSARO

FICHAMENTO DE LIVRO:

O ANTICRISTO

Ponte Nova - MG

2012

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FELIPE FURTADO DA SILVA

THAÍS LUCIANY BOMBASSARO

FICHAMENTO DE LIVRO:

O ANTICRISTO

Trabalho Interdisciplinar Extraclasse apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Gilberto Santana.

Ponte Nova - MG

2012

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NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo . Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Editora Martin Claret Ltda., 2000. 112 p. (Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, 50)

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo resumir os pontos principais da obra O Anticristo,

de Nietzsche, através de um fichamento didático, destacando a influência do judaísmo na

origem do cristianismo, o conceito de Deus, a nova moral criada pela religião cristã e o

verdadeiro Evangelho de Jesus.

Ao final, iremos analisar a inversão de valores, na instauração da religião cristã e

como isso influenciou o ser humano e a sociedade.

2 RESUMO

Nietzsche inicia o livro dedicando-o aos homens mais raros, àqueles que levam a

sua integridade até às últimas consequências, que tenham coragem para enfrentar questões

tradicionais e inquestionáveis e uma inclinação para o proibido. Sente-se um autor póstumo e,

ao mesmo tempo, sabe que suas ideias estão à frente de seu tempo.

O homem moderno é um ser fraco e domesticado, pensa falsamente que a tudo

compreende e capaz de perdoar a tudo. Encontrou o caminho da felicidade em fórmulas

prontas. Na visão do autor, o bom é o que desperta a vontade de poder; o mau é a fraqueza; a

felicidade é a sensação do poder crescente, de vencer resistências.

O tipo de homem mais valioso, mais digno de viver e mais seguro do futuro é um

mero acaso e é o mais temido. Contra ele, o cristianismo travou uma guerra de morte,

tomando o partido de tudo o que é fraco, baixo e incapaz, criando o tipo inverso: o animal

domesticado – o cristão. O ideal cristão era oposto aos instintos de preservação da vida

saudável e corrompeu os valores intelectuais.

O progresso da humanidade é uma ideia falsa, que não representa uma evolução

para algo melhor. O homem moderno tem menos valor do que o de antigamente, corrompido

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pelos valores de decadência, desprezando seus sentidos e optando pelo que lhe é prejudicial. É

um ser degenerado.

O cristianismo é a religião da piedade. A piedade não é uma virtude e sim uma

fraqueza mórbida e doentia. Com ela, o homem perde o seu poder e a sua vitalidade. Os

padres, com seus votos de humildade, castidade e pobreza, se passam por seres superiores,

manipulando a verdade: “O puro espírito, eis a pura mentira...” (2000, p.42). É contra este

instinto teológico que Nietzsche move guerra. Do sangue do teólogo emana um sentimento

chamado fé, que significa fechar os olhos perante si mesmo a fim de evitar o sofrimento.

Através dos teólogos e sacerdotes, os valores foram invertidos. Tudo o que afirma e justifica a

vida e a conduz ao sucesso passou a ser considerado falso, errado; tudo o que é prejudicial à

vida passou a verdadeiro.

A filosofia alemã também foi corrompida pelo sangue teólogo, lembrando que os

pastores protestantes fazem parte de suas raízes. Através de Kant, a noção de moral tornou-se

essência do mundo e a realidade, apenas um mundo forjado. “Haverá por acaso algo que

destrua alguém mais rapidamente do que trabalhar, pensar, sentir, sem a necessidade interior,

sem uma escolha profundamente pessoal, sem prazer, como autômato do ‘dever’?” (2000,

p.45). A razão prática de Kant nada mais era do que essa corrupção, essa falta de consciência

intelectual, em forma ciência: ele especificou os casos onde não há de se dar atenção à razão,

apenas seguir a moral e às exigências do “tu deves”. Nesse âmbito, o êxito de Kant foi apenas

teológico, assim como Lutero e Leibniz, que se situaram acima da ciência, determinando os

conceitos de “verdadeiro” e “falso”.

Nietzsche identifica-se com os homens de espírito livre, que representam a

transmutação dos valores e declaram guerra às antigas concepções do “verdadeiro” e do

“falso”. Foram por séculos desprezados e considerados inimigos de Deus, por apresentarem

métodos e suposições científicas que tentaram trazer à luz diversos tipos de conhecimento.

No cristianismo, a moral e a religião são imaginárias:

Somente encontramos nele causas imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, o “livre-arbítrio” ou também o “não-livre”); efeitos imaginários (“pecado”, “salvação”, “graça”, “castigo”, “remissão dos pecados”); um comércio entre seres imaginários (“Deus”, “espíritos”, “almas”); uma ciência natural imaginária (antropocentrismo, ausência do conceito de causa natural); uma psicologia imaginária (só erros sobre si próprio, interpretações de sentimentos gerais agradáveis ou desagradáveis, [...] com o auxílio da linguagem figurada da idiossincrasia religioso-moral – “arrependimento”, “remorso”, “tentação do demônio”, “presença de Deus”); uma teologia imaginária (“o reino de Deus”, “o juízo final”, a “vida eterna”). (2000, p.48-49).

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Só terá razões para fugir da realidade através desse universo de ficção, quem ela

fizer sofrer. O sentimento de pena causado pelo sofrimento, que se sobrepõe ao sentimento de

prazer, é a causa da moral cristã.

A concepção de Deus é reflexo de seu povo. Um povo orgulhoso, que acredita em

si, possui um Deus forte, venerado por suas virtudes e pelas condições que o tornam vitorioso;

projeta um sentimento de poder, pelo qual seu povo pode agradecer. Tal Deus, tanto serve

quanto prejudica, deve ser amigo e também inimigo e é admirado tanto no bem como no mal.

Deus representa a vontade de poder. Porém, quando seu povo perece, torna-se forçosamente

bom: o Deus da impotência do poder; o Deus da hipocrisia, do medo e da humildade; o Deus

da “paz da alma”, da “ausência de ódio”, do respeito, e do “amor” aos amigos e inimigos; o

Deus dos doentes, dos fracos e dos oprimidos. Os “fracos” se intitulam os “bons”. Deus

transforma-se em algo cada vez mais pálido, mais tênue, ao se fazer “ideal”, “espírito puro” e

“absoluto”. Deus está em ruínas. A concepção cristã de Deus é a mais corrupta que já existiu;

Deus não afirma e glorifica a vida, vai em contradição a ela.

O budismo e o cristianismo se assemelham enquanto religiões niilistas, porém o

budismo lhe é superior, por ser uma religião mais realista e objetiva. Surgido após séculos de

atividade filosófica, em sua formação o conceito de Deus não tem qualquer valor. Sua

doutrina professa a luta contra o sofrimento, e não a luta contra o pecado; nada repudia, a não

ser os sentimentos de vingança, aversão e ressentimento; dirige os interesses espirituais para a

própria pessoa. Não é uma religião que aspira unicamente à perfeição, visto que a perfeição é

o caso normal.

Enquanto o budismo tem o foco de seu movimento nas classes mais altas e cultas,

quem procura a salvação no cristianismo são as castas mais baixas. Os instintos dos servos e

dos oprimidos são colocados em primeiro lugar:

O que é cristão é um certo instinto de crueldade para consigo e para com os outros; o ódio aos que pensam de maneira diferente; a vontade de perseguir. [...]O que é cristão é o ódio de morte contra os senhores da terra, contra os “nobres” [...]. O que é cristão é o ódio contra o espírito, contra o orgulho, a coragem, a liberdade, a libertinagem do espírito; o que é cristão é o ódio contra os sentidos, contra a alegria dos sentidos, contra a alegria em geral... (2000, p.54-55).

Após conquistar as castas inferiores, de homens fatigados, o cristianismo procurou

poder entre os povos bárbaros. Diante de si, tinha homens vigorosos, porém interiormente

empobrecidos. Para dominá-los, passou a se valer de conceitos e valores bárbaros: “o

sacrifício do primogênito, a ingestão de sangue na comunhão, o desprezo pelo espírito e pela

cultura; a tortura sob todas as suas formas, corporal e espiritual; a grande pompa do culto”.

(2000, p.55). Os homens ferozes tornaram-se doentes e, assim, foram domesticados.

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O cristianismo utiliza o pecado como uma explicação prévia, que justifica o ato de

sofrer. Diferentemente do budismo, ao qual não se tem a necessidade de justificar o

sofrimento ou a capacidade de sofrer através da interpretação do pecado. Para que o homem

seja pecador, não é necessário que ele realmente tenha pecado, mas que se sinta pecador e

assim possa encontrar a felicidade ao se livrar de todos os pecados. A crença tornou-se algo

mais importante do que a própria verdade, por isso é imprescindível lançar o descrédito sobre

a razão, o conhecimento e a pesquisa.

A esperança é mais estimulante do que a felicidade. Para os que sofrem, é

necessária uma esperança à qual a realidade não possa contradizer e satisfação nenhuma possa

afastá-la – a esperança do além-túmulo.

Através do amor as pessoas não são capazes de ver as coisas como elas realmente

são, suporta-se mais do que o habitual e tolera-se tudo. Foi inventada, então, uma religião

onde se pudesse amar e, com esse amor, esquecer o que de pior a vida tem.

Nietzsche analisa a origem do cristianismo através de dois pontos. Primeiro:

[...] o cristianismo só pode ser compreendido a partir do terreno em que se desenvolveu – não é de modo algum um movimento de reação contra o instinto judaico, mas a própria consequência dele, um avanço na sua lógica temível, na fórmula do Redentor: “A salvação vem pelos judeus”. (200, p.57).

O segundo ponto diz respeito ao próprio Cristo: ainda podemos reconhecer o seu

tipo psicológico original, mas, para ser utilizado como o Salvador da humanidade, ele foi

completamente desfigurado (mutilado e suas características fisionômicas alteradas).

Os judeus diante do dilema do ser ou não ser, escolheram o ser por qualquer

preço. O preço pago foi uma completa falsificação da natureza e da realidade, do mundo

interior e exterior. Posicionaram-se contra todas as condições que permitiam que um povo, até

então, tivesse a possibilidade e o direito de viver; fizeram de si uma antítese das condições

naturais e, dessa forma, perverteram a religião, o culto, a moral e a psicologia. A igreja cristã

surge como uma cópia do judaísmo, elevando a grandes proporções estes mesmos fenômenos.

A história de Israel é um exemplo de desfiguração dos valores naturais. Enquanto

seu povo possuía o poder, seu Deus era a expressão do sentimento de poder, do prazer e da

esperança. Quando Israel sucumbiu pela anarquia interna e pelos assírios, Deus já não era

mais a expressão de orgulho de um povo; para ser mantido, foi modificado e tornou-se um

deus condicionado.

Não podendo servir-se de toda a sua história, os hebreus desfizeram-se dela. Seu passado nacional foi transcrito em sentido religioso e utilizado como um mecanismo de salvação, onde a ofensa contra Deus merece punição e o amor, recompensa. Surge, então, uma “ordem moral universal”: [...] existe uma vontade de Deus, que decide tudo o que o homem deve ou não fazer; que o valor de um povo ou de um

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indivíduo se gradua segundo a sua maior ou menor obediência à vontade de Deus; que nos destinos de um povo ou de um indivíduo mostra-se dominante a vontade divina que castiga ou recompensa segundo o grau de obediência. (2000, p.60).

O sacerdote é um tipo parasita de homem, que abusa do nome de Deus, chama de

“reino de Deus” a sociedade na qual é ele quem fixa os valores e se utiliza da “vontade de

Deus” como meio para conservar o seu poder. As “sagradas escrituras” legitimam essa

“vontade de Deus”, mas não passam de grandes falsificações literárias. De acordo com as

escrituras, o sacerdote torna-se indispensável em todos os acontecimentos naturais da vida

para santificá-los: nascimento, casamento, doença, morte.

A desobediência a Deus, ou seja, ao sacerdote, chamada de pecado, é um

verdadeiro instrumento de poder. O sacerdote vive do pecado.

O povo de Israel, com seu novo Deus, passa a negar a si mesmo e a própria

realidade judaica. Jesus passou, então, a ser o promotor de uma insurreição contra a Igreja

judaica, contra “os bons e os justos”, contra os “santos de Israel”, contra a hierarquia da

sociedade, a casta, o privilégio, a ordem. Era um santo anarquista e criminoso político (dentro

do possível). Morreu exclusivamente pelos seus pecados e não pelos pecados dos outros.

O tipo do Salvador foi conservado com uma grande desfiguração. Suas

idiossincrasias e seus traços originais penosamente estranhos foram apagados e sua imagem

enriquecida, com o intuito de se fazer propaganda cristã. Colocaram ideias em sua boca

contrárias ao verdadeiro Evangelho e das quais não mais poderia se separar: a “volta de

Cristo”, o “juízo final”, as esperanças e as promessas temporais.

O Evangelho trazido por Jesus:

[...] consiste precisamente em não existirem mais contradições: o reino de Deus pertence às crianças; a fé que aqui se revela não é uma fé adquirida por lutas; ela existe desde o princípio; é, por assim dizer, uma candidez infantil que se refugiou no espiritual. [...] Uma fé tal não se irrita, não acusa, não defende; não usa “espada”; não imagina sequer o conflito que poderia provocar algum dia. Não se manifesta nem por milagres, nem por recompensas, nem por promessas, muito menos “pelas Escrituras”; é ela própria, e a cada instante, o seu próprio milagre, a sua recompensa, a sua prova, o seu “reino de Deus”. Esta fé tampouco se formula – vive, recusa as fórmulas. [...] A ideia de “vida”, como uma experiência, a única que ele conhece, opõe-se no seu ensino a toda a espécie de palavra, de fórmula, de lei, de fé, de dogma. Fala unicamente das coisas interiores: “vida”, ou “verdade”, ou “luz”, são as suas palavras para o universo interior. (2000, p.66-67).

Em seu Evangelho não existe a noção de culpa e de castigo, nem a ideia de

recompensa. A felicidade eterna não é algo prometido e nem exige o cumprimento de

condições pré-estabelecidas – é a única realidade.

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“[...] só a prática cristã, uma vida tal como a viveu aquele que morreu na cruz, é

cristã...” (2000, p.74). Dessa forma, o único cristão que realmente existiu morreu na cruz. O

Evangelho que havia professado, a “boa-nova”, também morreu com ele na cruz.

A história do cristianismo é a história da incompreensão de seu simbolismo

original. Seu destino encontrou-se na necessidade de tornar sua crença mais baixa, mais

vulgar e mais enferma, tal como eram as necessidades às quais deveria satisfazer.

A morte de Jesus foi a demonstração de sua doutrina, porém foi mal

compreendida por seus discípulos, ávidos por vingança. O judaísmo reinante foi tido como

culpado e os apóstolos de Cristo se rebelaram contra a ordem. A reparação desta morte, bem

como seu julgamento, se deu através da promessa de que o reino de Deus desceria sobre a

Terra e os seus inimigos seriam julgados (o juízo final). A vingança dos apóstolos consistiu

numa elevação exagerada do nome de Jesus, tornando o seu Deus o único.

Como poderia Deus permitir a morte de seu único filho? A explicação encontrada

é um verdadeiro absurdo: Deus teria dado seu filho em sacrifício para a remissão de todos os

pecados. Jesus, em sua vida, havia eliminado a ideia de pecado e o abismo que existia entre

Deus e o homem, tornando-os uma unidade. Aos poucos foram incorporadas à imagem de

Cristo as ideias de juízo final, morte por sacrifício, ressurreição, salvação e a falsa promessa

de imortalidade pessoal. Assim deu-se início à doutrina que Paulo apresentou como uma

recompensa. Paulo era completamente o oposto de Jesus, movido pelo ódio e pela sede de

poder foi o maior dos apóstolos da vingança. Nada do que professou conservou aspectos do

que realmente havia acontecido. Falsificou novamente a história de Israel, para apresenta-la

como a pré-história do cristianismo, na qual os profetas anunciavam a vinda de um Salvador.

Com ele, os sacerdotes viram nova chance de conseguir poder e até Maomé utilizou as suas

técnicas de tirania sacerdotal.

O Cristianismo espalhou o veneno de uma doutrina baseada nos “direitos iguais

para todos”, na qual todas as almas são imortais e é possível a salvação de qualquer pessoa. O

ressentimento tornou-se sua arma principal contra tudo o que há de nobre, alegre e

magnânimo sobre a face da Terra, contra a felicidade sobre a Terra. A fé nos “direitos da

maioria” sempre promoveu e promoverá revoluções, com as apreciações do cristianismo, se

transformam em revoluções de sangue e crime. Para conservar a sociedade, a desigualdade

dos direitos é a primeira condição para a existência dos direitos. A injustiça não se encontra

nunca nos direitos desiguais, encontra-se na pretensão dos direitos iguais.

Os Evangelhos são um testemunho da corrupção. Monopolizaram as ideias de

Deus, verdade, luz, espírito, amor, sabedoria e vida e criaram um limite entre cristãos e o resto

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do mundo. Toda a humanidade deixou-se enganar por esses livros de sedução moral. Os

sacerdotes, amparados pelas Escrituras, pregam o “não julgueis”, mas mandam para o inferno

tudo o que encontram em seu caminho; deixam Deus julgar, quando na verdade são eles

mesmos os juízes; quando glorificam a Deus, é a si que glorificam; colocam os bons e os

justos de um lado, o lado da “verdade”, e o resto do mundo do outro lado; valorizam as coisas

segundo o seu critério, como se o cristão fosse a medida de todas as coisas.

As pessoas esclarecidas (as de espírito livre) sabem que cada palavra que sai da

boca de um cristão é uma mentira, cada ato uma falsidade instintiva, seus valores e seus fins

vergonhosos. O que separa estas pessoas dos cristãos não é o fato de que os primeiros não

encontraram Deus, mas o fato de que não experimentaram o sentimento do divino respeito ao

que é honrado pelo como Deus, o fato de descobrir como isso é lamentável, absurdo e nocivo;

o fato de verem nisso não só um erro, senão um atentado à vida. (2000, p.85).

O cristianismo é uma religião que não toca a realidade. A ciência, a “sabedoria do

mundo”, tornou-se seu inimigo mortal, por trazer à tona a realidade com risco de desvanecê-

lo. O anticristo, ou anticristão, é o conhecedor da ciência, capaz de contestar a fé professada

pelos cristãos com argumentos fundamentados. Como defender-se da ciência? Se a felicidade

evoca pensamentos, então o homem não deve pensar. O sacerdote inventou meios para tornar

o homem fraco, doente e miserável. A miséria não permite que o homem pense e o mantém

afastado da ciência. Transformando as consequências naturais de um ato em consequências

não mais naturais, provocadas por um Deus, espíritos ou almas, como formas de recompensa,

pena, advertência ou meio de educação, destrói-se a condição primária do conhecimento.

Tudo está explicado no divino.

Se a fé salva, conclui-se que ela seja verdadeira. A salvação não está demonstrada,

apenas prometida, e sua condição é a fé. Se crê, é salvo. O que sustenta o cristianismo é a

crença na realização do que a fé promete. A fé ignora o que é verdade, mente.

O homem de fé, o crente, é um homem dependente e alheio a si. Se considerarmos

que a maioria das pessoas precisa de um conjunto de regras que as regulem, então, essa é a

única condição que permite os homens de vontade fraca prosperar. Assim compreende-se a fé,

a convicção. “O crente não possui a liberdade de ter uma consciência para a questão do

‘verdadeiro’ e do ‘falso’.” (2000, p.94). A dependência da sua ótica sobre as coisas faz do

convicto um fanático. O cristão acredita no sacerdote como porta-voz de Deus e toma como

corretas as suas proposições.

Todo o trabalho do mundo antigo, as culturas grega e romana, todos os métodos

científicos até então desenvolvidos, a filologia, tudo foi em vão. O cristianismo nos fez perder

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as heranças da cultura antiga que se convertiam em realidade, verdade e vida: a nobreza dos

instintos, o gosto, a investigação metódica, o gênio da organização e da administração, a fé e a

vontade para o futuro humano, a grande afirmação de todas as coisas, visível sob a forma do

Império Romano, visível para todos os sentidos.

As Cruzadas foram um tipo de pirataria em grande escala. Com a ajuda da

nobreza alemã, a Igreja fez a sua guerra de morte, contra tudo o que é nobre sobre a Terra. A

Renascença foi uma tentativa empreendida com todos os meios, com todos os instintos, com

todo o gênio, para dar a vitória aos valores contrários, aos valores nobres. Teria significado a

transmutação dos valores cristãos, porém, Lutero não compreendendo que o cristianismo

estava vencido, atacou a Igreja e acabou por restabelecê-la. Dessa forma, a Renascença

converteu-se num acontecimento desprovido de sentido, numa eterna futilidade.

Nietzsche termina a sua obra condenando o cristianismo, a maior corrupção

imaginável. “A Igreja cristã nada poupou à sua corrupção: de cada valor fez um não-valor, de

cada verdade uma mentira, de cada integridade uma baixeza de alma.” (2000, p.106). Viveu

de angústias, as inventou para se eternizar. A “igualdade das almas perante Deus” se

transformou no princípio de degeneração de toda a ordem social. A única prática da Igreja é o

parasitismo. O além é utilizado como negação da realidade. A cruz, o emblema da

conspiração contra a saúde, a beleza, a retidão, o valor, o espírito, a beleza da alma, contra a

própria vida. Uma imortal desonra da humanidade.

O autor, então, decreta o fim do cristianismo através da transmutação de todos os

valores.

3 CONSIDERAÇÕES PESSOAIS

Nietzsche, em sua obra O Anticristo, apresenta pensamentos inovadores para o

seu tempo. Ataca diretamente o cristianismo, desde sua origem, passando pelo novo conceito

de Deus, a imagem deturbada de Jesus e o Evangelho inventado por Paulo de Tarso.

O cristianismo deturpou completamente a ideia de virtude. O que era bom passou

a ser ruim e o que era mau passou a ser bom. Na Renascença, Lutero teve a chance de

confirmar o fim da Igreja, mas acabou por reafirma-la. O cristianismo é apontado como o

grande culpado pela degenerescência humana. A moral cristã é repressora e vai contra os

instintos do homem, sufocando a sua vontade de poder e tornando-o um ser fraco.

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A ideia de pecado é o que garante o poder dos sacerdotes sobre os fiéis, pois

impossibilita sua emancipação. Como poderíamos nascer pecadores? Porque carregamos a

herança do pecado original? O pecado é uma ideia que só tem sentido se for entendido como

uma forma de repressão, necessária para a Igreja manter a sua dominação.

O único cristão que realmente existiu sobre a face da Terra, Jesus, morreu na cruz.

Seu Evangelho e o que poderia ter sido o verdadeiro cristianismo, morrera com ele. Cristo

aboliu a ideia de pecado e de punição, aproximou Deus do homem e trouxe o reino de Deus

para a Terra; deu exemplos de tolerância, resignação e superioridade sobre qualquer ideia de

ressentimento; aceitou o mundo como ele realmente é e mostrou uma nova forma de viver.

Revisitando a história da Filosofia, na Grécia Antiga de Sócrates, Platão e

Aristóteles, percebemos uma constante busca pela felicidade. O que Cristo tentou nos mostrar

foi a uma forma de viver bem, que tornaria os homens livres e mais próximos da felicidade.

Enquanto existirem homens corrompidos pelo ódio e pela sede de poder e pessoas

cegas, enfermas e sem esclarecimento, haverá cristianismo. A Igreja de hoje aos poucos

percebe que tem de ser mais aberta e criar novos atrativos. Assim, podemos ver uma ênfase

maior na fé como elemento motivador e no viver os ideais cristãos no dia-a-dia, desviando um

pouco o enfoque do pecado e dos castigos. Fenômenos como Padre Marcelo Rossi e Padre

Fábio de Melo mostram como a Igreja pode se tornar atrativa, professando uma fé alegre

capaz de alcançar até mesmo os não-católicos. Com base nisso, podemos concluir que a Igreja

é capaz de se reinventar, especialmente se conseguir afirmar o que de bom e de virtuoso os

homens têm. Não sabemos até que ponto ela conseguirá se reinventar e se isso é realmente

uma intenção, visto que suas características originais são muito fortes e ainda permanecem.

Será mesmo possível abraçar as ideias de bondade e de amor sem nos tornarmos

fracos como os cristãos? Provavelmente sim, porém, como pessoas esclarecidas, não podemos

negar a nossa essência, os nossos instintos naturais e a nossa virtude; não podemos deixar de

querer ser sempre o melhor que pudermos ser.