o anúncio da palavra de deus

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INSTITUTO TEOLÓGICO DE SANTA CATARINA EWERTON MARTINS GERENT O ANÚNCIO DA PALAVRA DE DEUS NA CELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA FLORIANÓPOLIS 2011

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Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do grau de Bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico de Santa Catarina. Acadêmico: Ewerton Martins Gerent Orientador: Dr. Valter Mauricio Goedert

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  • INSTITUTO TEOLGICO DE SANTA CATARINA

    EWERTON MARTINS GERENT

    O ANNCIO DA PALAVRA DE DEUS

    NA CELEBRAO EUCARSTICA

    FLORIANPOLIS

    2011

  • EWERTON MARTINS GERENT

    O ANNCIO DA PALAVRA DE DEUS

    NA CELEBRAO EUCARSTICA

    Trabalho de Concluso de Curso para obteno do grau de Bacharel em Teologia pelo Instituto Teolgico de Santa Catarina. Orientador: Dr. Valter Mauricio Goedert

    FLORIANPOLIS

    2011

  • DEDICATRIA

    Dedico a todos que buscam celebrar

    vivamente a Liturgia da Palavra nas

    Celebraes Eucarsticas.

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus.

    Aos meus amigos e familiares, por

    estarem sempre me apoiando e incentivando.

    E aos meus professores, orientador

    e colegas do curso.

  • A proclamao da Palavra de Deus

    na celebrao comporta reconhecer que o

    prprio Cristo que Se faz presente e

    Se dirige a ns para ser acolhido.

    (Verbum Domini, n.56)

  • RESUMO

    O Conclio Vaticano II foi para a Igreja Catlica um marco de renovao na dimenso litrgica. E o Anncio da Palavra de Deus teve um destaque especial. O Conclio contribui para darmos hoje uma maior nfase ao anncio da Palavra de Deus durante a Celebrao Eucarstica. atravs da Liturgia da Palavra que a Palavra de Deus refletida e abordada mais profundamente, e mistaggicamente. O povo tem o direito de se alimentar da Palavra de Deus, que o primeiro e necessrio alimento da vida crist. Este anncio, na Liturgia da Palavra, tem seu contexto dentro da Celebrao Eucarstica. Os documentos da Igreja auxiliam para melhor conhecimento para a preparao, a execuo e a escuta deste anncio. Como exemplo podemos ter os momentos de anncio nas Sagradas Escrituras. O leitor um ministro indispensvel, como Jesus tambm foi na Sinagoga (Lc 4,16-22). Para o anncio na Celebrao existe um espao litrgico especfico, que a Mesa da Palavra, em que se evoca a presena viva do Senhor que fala para seu povo. Assim, a Palavra anunciada deve ser emitida, deve haver a recepo e a resposta.

    PALAVRAS - CHAVE:

    1. Anncio 2. Liturgia da Palavra 3. Celebrao Eucarstica

  • SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................ 9

    1. O ANNCIO DA PALAVRA NAS ESCRITURAS ............................................... 12

    1.1. Do Antigo Testamento Neemias 7,72b-8,12 ................................................ 12

    1.2. Do Novo Testamento Lucas 4,16-22 ........................................................... 15

    1.3. Do Novo Testamento Lucas 24,13-27 ......................................................... 16

    2. A LITURGIA DA PALAVRA NO PROCESSO HISTRICO ................................ 18

    2.1. Igreja Primitiva I-VI ......................................................................................... 18

    2.2. Igreja Medieval VI-XV ..................................................................................... 23

    2.3. Igreja Moderna XVI-XX ................................................................................... 25

    2.4. Conclio Vaticano II ......................................................................................... 26

    3. O LEITOR E OS LIVROS .................................................................................... 27

    3.1. O Leitor ........................................................................................................... 27

    3.2. Os Livros ......................................................................................................... 31

    3.2.1. Lecionrio ................................................................................................... 32

    3.2.2. Evangelirio ............................................................................................... 34

    4. A LITURGIA DA PALAVRA ................................................................................ 37

    4.1. Liturgia da Palavra parte por parte ................................................................. 38

    4.1.1. Leituras ...................................................................................................... 38

    4.1.2 Salmo Responsorial .................................................................................... 41

    4.1.3. Aclamao ao Evangelho .......................................................................... 42

    4.1.4. Evangelho .................................................................................................. 43

    4.1.5. Homilia ....................................................................................................... 45

    4.1.6. Profisso de F ................................................................................................. 49

    4.1.7. Orao dos fiis ......................................................................................... 50

    4.2. Silncio ........................................................................................................... 52

  • 5. O ANNCIO DA PALAVRA NOS DOCUMENTOS DA IGREJA ........................ 54

    5.1. Constituio Sacrosanctum Concilium ........................................................... 54

    5.2. Constituio Dogmtica Dei Verbum .............................................................. 55

    5.3. Instruo Geral sobre o Missal Romano ......................................................... 56

    5.4. Cerimonial dos Bispos Cerimonial da Igreja ................................................ 60

    5.5. Catecismo da Igreja Catlica .......................................................................... 61

    5.6. Cdigo de Direito Cannico ............................................................................ 62

    5.7. Exortao Apostlica Ps-Sinodal Sacramentum Caritatis ............................. 63

    5.8. Instruo Redemptionis Sacramentum ........................................................... 64

    5.9. Guia Litrgico-Pastoral da CNBB ................................................................... 67

    5.10. Lineamenta do XII Snodo dos Bispos: A Palavra de Deus na vida e na

    misso da Igreja .................................................................................................... 68

    5.11. Mensagem do XII Snodo dos Bispos ao povo de Deus: A Palavra de Deus

    na vida e na misso da Igreja ................................................................................ 68

    5.12. Exortao Apostlica Ps-Sinodal Verbum Domini ...................................... 69

    6. O ESPAO LITRGICO DO ANNCIO DA PALAVRA ..................................... 74

    6.1. Percurso Histrico da Mesa da Palavra .......................................................... 75

    6.2. A Mesa da Palavra na Liturgia ........................................................................ 79

    CONCLUSO ........................................................................................................... 82

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 84

    ANEXO ..................................................................................................................... 92

  • INTRODUO

    A Liturgia da Palavra foi durante muito tempo como que um anexo da missa:

    O padre fazia esta parte em voz baixa, ressaltando somente o momento da homilia.

    O Conclio Vaticano II, porm, deu um grande avano no reavivamento da Liturgia

    da Palavra. A Sacrosanctum Concilium nos diz que a Liturgia da Palavra e a Liturgia

    Eucarstica esto estritamente unidas, formam um s ato de culto1. O mistrio da

    Palavra, como a Eucaristia, levam ao mistrio de Jesus Cristo. So Jernimo j

    dizia: Quanto a mim, penso que o Evangelho o corpo de Cristo e que a Sagrada

    Escritura sua doutrina. Quando o Senhor fala em comer sua carne e beber seu

    sangue, certo que fala do mistrio (da Eucaristia). Entretanto, seu verdadeiro corpo

    e verdadeiro sangue so (tambm) a Palavra da Escritura e sua doutrina2.

    Atravs da Liturgia da Palavra, a Palavra de Deus refletida, abordada mais

    profundamente, e mistagogicamente. Se considerarmos bem os vrios modos de

    presena da Palavra de Deus, temos de reconhecer que ela no existe totalmente

    seno no momento da sua proclamao cultual na igreja, ou melhor, diante da

    Igreja3. O povo tem o direito de se alimentar tambm da Palavra de Deus, que o

    primeiro e necessrio alimento da vida crist.

    Infelizmente, a Igreja ficou durante muito tempo sem dar a importncia

    devida Palavra. Durante a Celebrao Eucarstica, a Liturgia da Palavra era

    realizada pelo padre e em voz baixa.

    Para refletir sobre A Palavra de Deus na vida e na misso da Igreja, em

    2008 aconteceu em Roma o Snodo dos Bispos. Na lineamenta em preparao est

    escrito:

    1 CONCLIO ECUMNICO VATICANO II. Constituio Sacrosanctum Concilium: Sobre a

    Sagrada Liturgia. In: Documentos Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965). So Paulo: Paulus, 1997. n.56.

    2 DEISS, L. A Palavra de Deus celebrada. Petrpolis: Vozes, 1996, p.36.

    3 GIRAUDO, C. Admirao Eucarstica. Para uma mistagogia da missa luz da encclica

    Ecclesia de Eucharistia. So Paulo: Loyola, 2008, p.84.

  • 10

    A finalidade deste Snodo eminentemente pastoral: aprofundando as razes doutrinais e deixando-se iluminar por elas, procura-se estender e reforar a prtica de encontro com a Palavra como fonte de vida nos diversos mbitos da experincia, propondo, para tal, aos cristos e a todas as pessoas de boa vontade, caminhos justos e fceis para poder escutar Deus e falar com Ele4.

    Tal a importncia da Palavra, que a Exortao Apostlica Ps-sinodal,

    deste mesmo snodo fala da sacramentalidade da Palavra.

    (...) na origem da sacramentalidade da Palavra de Deus, esteja precisamente o mistrio da encarnao: o Verbo fez-Se carne (Jo 1, 14), a realidade do mistrio revelado oferece-se a ns na carne do Filho. A Palavra de Deus torna-se perceptvel f atravs do sinal de palavras e gestos humanos. A f reconhece o Verbo de Deus, acolhendo os gestos e as palavras com que Ele mesmo se nos apresenta. Portanto, o horizonte sacramental da revelao indica a modalidade histrico-salvfica com que o Verbo de Deus entra no tempo e no espao, tornando-Se interlocutor do homem, chamado a acolher na f o seu dom5.

    Com toda a realidade da Liturgia da Palavra, somos questionados: qual o

    sentido da Palavra de Deus na Celebrao Eucarstica? o anncio da Palavra de

    Deus tambm um elemento central na Celebrao Eucarstica? quais as

    dimenses do anncio da Palavra de Deus? a Palavra de Deus age na comunidade

    durante a Liturgia da Palavra? o que a Liturgia da Palavra expressa aos fiis, ou,

    pelo menos, o que ela deve expressar? quem l a Escritura durante a Celebrao

    Eucarstica tem seu valor na liturgia?

    Esta pesquisa procura contribuir para um aprofundamento maior da

    realidade do anncio, Liturgia da Palavra, na Celebrao Eucarstica, contribuio

    esta que busca: analisar seus aspectos constitutivos, suas partes, sua dimenso

    litrgica e falar sobre o local onde acontece a Liturgia da Palavra. Assim, refletindo

    sobre o anncio da Palavra de Deus na celebrao litrgica.

    4 SNODO GERAL DOS BISPOS. Lineamenta. Disponvel em : . Acesso em: 21 de abr. de 2010. n.5.

    5 BENTO XVI. Exortao Apostlica Ps-Sinodal Verbum Domini. So Paulo: Paulinas, 2010.

    n.56.

  • 11

    Para melhor compreenso do assunto, esta reflexo est dividida em seis

    captulos: no primeiro captulo teremos uma abordagem sobre o anncio da Palavra

    nas Sagradas Escrituras, perpassando trs textos importantes do Antigo (Ne 7,72b-

    8,12) e Novo Testamentos (Lc 4,16-22 e 24,13-27). No segundo, faremos uma

    retrospectiva histrica e evolutiva da Liturgia da Palavra, percorrendo desde os

    primeiros sculos do Cristianismo, passando pelo perodo de abafamento, e

    chegando renovao feita com o Conclio Vaticano II. No terceiro, analisaremos o

    papel do leitor e falaremos sobre os livros litrgicos usados para o anncio da

    Palavra. No quarto, sero analisadas as partes da Liturgia da Palavra e os abusos

    que acontecem. No quinto, sero elencados os documentos magisteriais e seus

    respectivos textos sobre a Liturgia da Palavra e seus constituintes. No sexto, ser

    analisado o espao (fisco) central da Liturgia da Palavra, a sua mesa (ambo).

    Ao final desta pesquisa (anexo) consta o Elenco das Leituras da Missa.

    Este, como o documento magisterial que mais fala sobre essa realidade da Liturgia

    da Palavra, est disponvel na integra para que possa ser consultado. E, sempre que

    no decorrer da pesquisa for mencionado o ELM, o leitor convidado a consultar este

    documento em anexo.

  • 1. O ANNCIO DA PALAVRA NAS ESCRITURAS

    Para comear a reflexo sobre o anncio da Palavra, iremos, neste captulo,

    ver trs passagens bblicas que nos fazem lembrar o seu anncio atravs da Liturgia

    da Palavra. Do Antigo Testamento, a passagem de Neemias 7,72b-8,12, e do Novo

    Testamento, as de Lucas 4,16-22, e 24,13-35. Neste captulo, no pretendemos

    fazer uma exegese, mas sim uma anlise litrgica.

    1.1. Do Antigo Testamento Neemias 7,72b-8,12

    [72b] Ora, quando chegou o stimo ms os filhos de Israel estavam assim instalados em suas cidades -, [1] todo o povo se reuniu como um s homem na praa situada defronte da porta das guas. Disseram ao escriba Esdras que trouxe o livro da Lei de Moiss, que Iahweh6 havia prescrito para Israel. [2] Ento o sacerdote Esdras trouxe a Lei diante da assembleia, que se compunha de homens, mulheres e de todos os que tinham o uso da razo. Era o primeiro dia do stimo ms. [3] Na praa situada diante da porta das guas, ele leu o livro desde a aurora at o meio-dia, na presena dos homens, das mulheres e dos que tinham o uso da razo: todo o povo ouvia atentamente a leitura do livro da Lei. [4] O escriba Esdras estava sobre um estrado de madeira, construdo para a ocasio; perto dele estavam, sua direita, Matatias, Sema, Anias, Urias, Helcias, Maasias; e sua esquerda, Fadaas, Misael, Melquias, Hasum, Hasbadana, Zacarias e Mosolam. [5] Esdras abriu o livro vista de todo o povo pois ele dominava todo o povo e, quando ele o abriu todo o povo se ps de p. [6] Ento Esdras bendisse a Iaweh,o grande Deus; todo o povo, com as mos erguidas, respondeu: Amm! Amm!, e depois se inclinaram e se prostraram diante de Iaweh, com o rosto em terra. [7] Josu, Bani, Serebias, Jamin, Acub, Sabatai, Hodias, Maasias, Celita, Azarias, Jozabad, Han, Falaas, que eram levitas, explicavam a Lei ao povo, enquanto todo o povo estava de p. [8] E Esdras leu no livro da Lei de Deus, traduzindo e dando o sentido: assim podia-se compreender a leitura.

    6 A Congregao para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, no ano de 2008, enviou

    s conferncias episcopais do mundo uma instruo na qual pede que no se use o termo Iahweh nas liturgias, oraes e cantos. Este termo deve traduzir-se de acordo com o equivalente hebraico Adonai ou do grego Kyrios Senhor, em portugus. Ou seja, ao ver a palavra Iahweh, devemos ver Senhor.

  • 13

    [9] Ento Esdras, o sacerdote-escriba, disse a todo o povo: Hoje um dia consagrado a Iaweh, vosso Deus! No vos entristeais nem choreis! que todo o povo chorava ao ouvir as Palavras da Lei.7

    Os sobreviventes da deportao se renem como um s homem, no mesmo

    dia e no mesmo lugar (v.1). Eles estavam com sede espiritual. Esta sede somente a

    Palavra de Deus pode saciar. E o povo se dirige a Esdras (escriba). Giraudo nos diz

    o termo escriba (sofr), com que no texto hebraico qualificada a funo de Esdras, deve ser entendido em relao expresso o livro (sfer) da Lei. Do originrio significado de funcionrio real encarregado de narrar os anais da dinastia, o termo escriba passou no perodo do ps-exlio, a que pertence o nosso texto, a significar o pregador da Tor (lei) ou, se quisermos, o narrador qualificado dos empreendimentos divinos. Consideramos importante numa traduo de estudo manter a relao escriba-escrito, com o fim de perceber em contexto litrgico o ntimo nexo que existe entre o leitor e o livro da Palavra de Deus.8

    Esdras, de acordo com o que lhe designado, pega o rolo diante de todo o

    povo. O texto em determinado ponto chama Esdras de escriba e em outro momento

    de sacerdote.

    Esdras apresentado em 8,1.4 como escriba, 8,2 como sacerdote e em 8,9 como sacerdote e escriba. No quadro da celebrao, Esdras intervm formalmente como leitor. Nesse sentido, pode-se observar que, se a traduo cannica dos Setenta transforma sofr em grammatus [escriba], a traduo apcrifa sacerdote ultrapassa a funo de leitor. Ela, com efeito, alm de corresponder ao estatuto social de Esdras, encontra confirmao na prtica sinagogal, que reserva ainda a leitura da primeira percope da Tor a um kohn [sacerdote].9

    A percope bblica tambm nos mostra que, enquanto Esdras explicava,

    dava sentido ao escrito, o povo entendia o que era proclamado (v.8). Por

    7 BBLIA. Portugus. A Bblia de Jerusalm. Nova edio revista e ampliada. So Paulo:

    Paulus, 2004. 8 GIRAUDO, C. Admirao Eucarstica. Para uma mistagogia da missa luz da encclica

    Ecclesia de Eucharistia. So Paulo: Loyola, 2008. p.73-74. 9 Ibid., p. 74.

  • 14

    conseguinte, todo o povo percebia a importncia da Palavra de Deus. Podemos

    remeter esse momento nossa atual homilia.

    Um detalhe importante: o livro de Neemias relata que Esdras lia desde a

    aurora at o meio-dia, ou seja, ele fala longamente, sem se preocupar com o tempo.

    Esdras l, e esse ler provm do hebraico qar, que corresponde ao latim clamare e

    ao nosso proclamar, clamar diante da assembleia. Assim, a Palavra na liturgia deve

    ser uma proclamao, uma leitura dirigida assembleia que ouve. O leitor que

    proclama faz o papel de mediador entre os ouvidos do povo e o texto da Lei.

    Lendo o versculo quatro, percebemos que mencionado uma espcie de

    ambo (estrado de madeira) que fora construdo para o momento. Sobre esse

    estrado, o leitor toma seu lugar para a funo, e com ele est um grupo que o

    auxiliar.

    No versculo cinco, Esdras abre o livro. Neste gesto de abrir o livro, o leitor

    empresta sua boca para que Deus fale a seu povo. E o povo vigilante, escuta a

    Palavra de p.

    O versculo seis lembra um momento importante: antes de ler, Esdras

    bendiz a Deus. Esse bendizer tem relao com a liturgia sinagogal, onde o verbo

    bendizer significa pronunciar a bno.

    No podemos pretender estabelecer com exatido que frmula de bno era pronunciada no tempo de Esdras; mas licito supor que ela devia ter mais ou menos o seguinte teor: Bendito sejas tu, Senhor nosso Deus, rei do mundo, que nos escolheste dentre todos os povos e nos deste a Lei. Bendito sejas tu, Senhor, doador da Lei.10

    Portanto, o povo todo entende a proclamao. A comunidade se rene para

    entender a Lei e a Palavra.

    10

    GIRAUDO, 2008, p.78-79.

  • 15

    1.2. Do Novo Testamento Lucas 4,16-22

    [16] Ele fora a Nazar, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sbado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura. [17] Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaas; desenrolou-o, encontrando o lugar onde est escrito: [18] O Esprito do Senhor est sobre mim, porque ele me consagrou pela uno para evangelizar os pobres; [19] enviou-me para proclamar a libertao aos presos e aos cegos a recuperao da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graa do Senhor. [20] Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no atentos. [21] Ento comeou a dizer-lhes: Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura. [22] Todos testemunhavam a seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graa que saam de sua boca.11

    Nesta passagem, o prprio Jesus o que faz o papel do leitor. O evangelista

    no quer descrever o que todos conhecem. Quer, a partir de uma circunstncia

    especfica, anunciar a mensagem. Neste texto, Jesus, que o Verbo de Deus,

    fazendo as vezes do leitor, se identifica totalmente com a Palavra que anuncia ser

    ele quem d cumprimento profecia12.

    O versculo dezesseis nos mostra que Jesus costumava estar, aos sbados,

    na reunio, para a proclamao cultual da Palavra na sinagoga.

    A expresso entrou... na sinagoga, embora significando imediatamente o material ingresso de Jesus e dos seus conterrneos na casa da reunio (synagogh), contm subtendida a noo de reunio teolgica; de modo que, parafraseando, poderamos dizer que naquele dia Jesus e os nazarenos se constituram em Sinagoga, ou seja, em Igreja.13

    Como j foi mencionado anteriormente, Jesus aqui o leitor. Pela prtica

    sinagogal, ele deve ter sido convidado pelo chefe da sinagoga, primeiro a ler e, em

    seguida, a tomar a palavra. Fora convidado pelo chefe da sinagoga, pois este que

    o encarregado de presidir celebrao, de cuidar de seu desenvolvimento e de

    escolher os leitores e os que faro o aprofundamento do assunto.

    11

    BBLIA, 2004. 12

    Cf. GIRAUDO, 2008, p. 80-81. 13

    GIRAUDO, loc. cit.

  • 16

    Neste trecho do Evangelho tambm nos deparamos com a dignidade do livro

    sagrado. Nos versculos dezessete e vinte, o evangelista enfatiza os gestos de

    entrega, de desenrolamento e enrolamento do livro. Com este gesto, Jesus

    encontrou o local onde a passagem estava escrita.

    No versculo vinte e um, h uma espcie de homilia. Lucas menciona

    somente uma frase. Mas, provavelmente, o evangelista mostra o ponto central da

    mensagem, a sntese do que quer anunciar. Jesus, ao ler a Palavra, ao emprestar a

    sua boca a Deus, est atualizando a Palavra, colocando em condio de ser

    proclamada ao povo reunido. Jesus proclama que a profecia acaba de se cumprir

    em sua pessoa, procurando, assim, centrar sua mensagem no ano da graa do

    Senhor. No faz referncia a vinganas e castigos contra o imprio.

    No ltimo versculo desta percope aparecem os verbos testemunhar e

    admirar. Com o termo testemunhas, v-se que o evangelista mostra toda a

    convico que est numa testemunha, algum que confere veracidade a um fato, a

    uma realidade. E o termo admiravam-se, mostra a reao paraltica de quem est

    diante da revelao divina14.

    1.3. Do Novo Testamento Lucas 24,13-27

    [13] Eis que dois deles viajavam nesse mesmo dia para um povoado chamado Emas, a sessenta estdios de Jerusalm; [14] e conversavam sobre todos esses acontecimentos. [15] Ora, enquanto conversavam e discutiam entre si, o prprio Jesus aproximou-se e ps-se a caminhar com eles; [16] seus olhos, porm estavam impedidos de reconhec-lo. [17] Ele lhes disse: Que palavras so essas que trocais enquanto ides caminhando? E eles pararam, com o rosto sombrio. [18] Um deles, chamado Clofas, lhe perguntou: Tu s o nico forasteiro em Jerusalm que ignora os fatos que nela aconteceram nestes dias? [19] Quais?, disse-lhes ele. Responderam: O que aconteceu a Jesus, o Nazareno, que foi profeta poderoso em obras e em palavras, diante de Deus e diante de todo o povo: [20] como nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado morte e o crucificaram. [21] Ns espervamos que fosse ele quem redimiria Israel; mas, com tudo isso, faz trs dias que todas essas coisas aconteceram! [22] verdade que algumas mulheres, que so dos nossos, nos assustaram. Tendo ido muito cedo ao tmulo [23] e no tendo encontrado o corpo, voltaram dizendo que haviam tido uma viso de

    14

    Cf. GIRAUDO, 2008, p. 84.

  • 17

    anjos a declararem que ele est vivo. [24] Alguns dos nossos foram ao tmulo e encontraram as coisas tais como as mulheres haviam dito, mas no o viram! [25] Ele, ento, lhes disse: Insensatos e lentos de corao para crer tudo o que os profetas anunciaram! [26] No era preciso que o Cristo sofresse tudo isso e entrasse em sua glria? [27] E, comeando por Moiss e percorrendo todos os Profetas, interpretou-lhes em todas as Escrituras o que a ele dizia respeito (...).15

    Lucas descreve este episdio, para que os discpulos saibam o caminho que

    devem fazer para reconhecer a presena de Jesus na histria.

    Ao ler esta percope lucana, Discpulos de Emas, contemplamos a estrutura

    bsica da Missa (Liturgia da Palavra e Liturgia Eucarstica). No que se refere

    Liturgia da Palavra, a partir do versculo vinte e cinco Jesus interroga os discpulos,

    dizendo que no creram no que os profetas anunciaram. E comea, no versculo

    vinte e sete, a falar sobre as Escrituras, percorrendo o Antigo Testamento e

    interpretando-as. O versculo sobre a passagem pelas Escrituras remete s leituras;

    sobre a interpretao das Escrituras, homilia, uma interpretao da Palavra na

    Missa.

    Esta percope faz lembrar a Sacrosanctum Concilium quando diz: presente

    est o Cristo pela sua Palavra, pois ele mesmo que fala quando se leem as

    sagradas Escrituras na Igreja16.

    15

    BBLIA, 2004. 16

    CONCLIO ECUMNICO VATICANO II. Constituio Sacrosanctum Concilium: Sobre a Sagrada Liturgia. In: Documentos Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965). So Paulo: Paulus, 1997. n.7.

  • 2. A LITURGIA DA PALAVRA NO PROCESSO HISTRICO

    2.1. Igreja Primitiva I-VI

    No incio da Igreja Primitiva, a celebrao da Palavra foi separada da

    Celebrao Eucarstica, mas depois aconteceu o vnculo.

    A comunidade primitiva deve ter modelado esta celebrao da palavra logo mais no sentido de um rito cristo independente, em reunies prprias dentro dos prticos do templo e, depois da ruptura introduzida pela perseguio no ano 44, separado de l. Aos poucos, este rito se ligou, como celebrao da palavra, com a Celebrao Eucarstica17.

    Justino, em sua Apologia, trata da eucaristia dominical. Ele descreve a

    estrutura desenvolvida na Liturgia da Palavra, com cantos, leituras, exortaes e

    preces.

    No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunio de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e a se leem, enquanto o tempo o permite, as Memrias dos apstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortao e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. [...] Celebramos essa reunio geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matria, fez o mundo, e tambm o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno, e no dia seguinte ao de Saturno, que o dia do Sol, ele apareceu a seus apstolos e discpulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame18.

    17

    JUNGMANN, J.A. Missarum Sollemnia. So Paulo: Paulus, 2009. p.37. 18

    JUSTINO DE ROMA. I e II Apologias, Dilogo com Tristo. So Paulo: Paulus, 1997, p.83-84.

  • 19

    Na origem da liturgia crist, o livro litrgico no existia, a no ser as

    Sagradas Escrituras do Antigo Testamento, e posteriormente do Novo Testamento.

    Os textos eram escritos em rolos ou fragmentos de papiro.

    Supe-se que a leitura era feita empregando o mesmo ritual da sinagoga judaica. O encarregado entregava o volume ao leitor, o qual lia o texto sagrado comeando no ponto onde havia sido interrompida a leitura na reunio anterior. Esse procedimento conhecido como leitura continuada, e pode-se supor que foi seguido tambm na leitura dos Evangelhos e das cartas dos apstolos19.

    Todas as leituras eram proclamadas por leigos, at mesmo o Evangelho.

    Esses leigos leitores, durante a perseguio Igreja, guardavam as Sagradas

    Escrituras, pois, nestes tempos de perseguio, os livros eram confiscados.

    [...] os leitores guardavam os Lecionrios de ento, em suas casas, e muitos deles pagaram com a vida esse servio prestado comunidade a que pertenciam, enquanto outros, talvez menos corajosos, perante o nmero e a fora das autoridades judiciais que lhes entravam, de repente, pelo porta dentro, nada mais podiam fazer do que entregar os Cdices ou Escrituras que tinham em seu poder20.

    Hiplito de Roma e Atansio falam sobre a leitura dos salmos. Segundo a

    Ordem da gape de Hiplito de Roma, os fiis devem dizer aleluia quando, no

    incio da gape, so lidos os salmos. [...] Atansio manda em determinada ocasio o

    dicono ler um salmo diante do povo reunido [...]21. No sc. IV, os salmos esto

    inseridos no contexto da Liturgia da Palavra. [...] Encontramos o canto dos salmos

    explicitamente atestado tambm na celebrao das leituras na Liturgia da Palavra, a

    saber, no modo responsorial, que era o costume geral. O aleluia ganha uma especial

    importncia22.

    Mas com as homilias de Santo Agostinho que conhecemos o canto

    responsorial dos salmos. Ele menciona o salmo que escutamos ser cantado e ao

    19

    SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA. O livro do leitor. Ftima/Portugal: Secretariado Nacional de Liturgia, 2007. p.30.

    20 Ibid., p.201.

    21 JUNGMANN, 2009, p. 413.

    22 Ibid., p.414.

  • 20

    qual respondemos. [...] O refro da comunidade parece ter abrangido sempre um

    versculo inteiro do respectivo salmo23.

    Na Igreja primitiva era conhecida a exposio do Evangelirio.

    o Evangelirio e o corpo de Cristo eram os nicos que gozavam desse privilgio, costume conservado at hoje pela Igreja grega. Nos conclios, como em feso em 431, o Evangelirio era colocado num trono como para significar a presena de Cristo presidindo sua Igreja24.

    Este livro dos Evangelhos era feito com maior decoro.

    Desde os sculos V-VI, certos livros so escritos em letras de ouro sobre pergaminhos de cor prpura. nos Evangelirios que a arte da iluminatura atinge o pice do seu esplendor. As capas so surpreendentemente suntuosas. [...] com razo, dizia Ruperto de Deutz (+1129/1130), que os livros dos Evangelhos so decorados com ouro, prata e pedras preciosas. Com efeito, neles resplandece o ouro da sabedoria celeste, brilha a prata da eloquncia da f, cintilam as pedras preciosas dos milagres operados pelas mos de Cristo25.

    A partir do sculo IV so realizadas leituras, mas a ltima sempre o

    Evangelho. Na igreja Antioquena [...] usava-se, como antigamente na sinagoga,

    uma leitura da Lei e uma dos Profetas, e a estas seguiam-se ainda uma leitura das

    Cartas dos Apstolos e uma dos Evangelhos26. E assim comeam a surgir os

    primeiros indcios de uma ordem fixa das leituras, que podem ser observadas

    nas homilias de santo Ambrsio de Milo (340-397), santo Agostinho (354-430), so Cesrio de Arles (470-543) e de outros Padres. As listas de percopes bblicas com o comeo e o final das leituras, seguindo o calendrio litrgico, eram chamadas capitularia lectionum as leituras no evanglicas; capitularia evangeliorum os

    23

    JUNGMANN, 2009, p. 414. 24

    DEISS, L. A Missa da comunidade crist. Porto/Portugal: Editorial Perptuo Socorro, 1998. p.39

    25 CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano). Manual de Liturgia 2 - A celebrao do

    mistrio pascal: fundamentos teolgicos e elementos constitutivos. So Paulo: Paulus, 2005b. p.134. 26

    JUNGMANN, 2009, p.388.

  • 21

    Evangelhos, e cotationes epistolarum et evangeliorum ambas as sries de textos27.

    Na liturgia romana provavelmente chegaram a ser proclamadas trs leituras,

    [...] a saber, de tal modo, pelo menos parcialmente, que uma leitura

    veterotestamentria se encontrava ao lado de duas neotestamentrias. Mais tarde, a

    leitura veterotestamentria desapareceu do plano fixo da liturgia da missa28.

    Sobre a homilia, existem vrias vertentes da prtica. H indcios de que no

    sculo IV,

    em concelebraes, cada um dos celebrantes podia fazer seu comentrio sobre as leituras bblicas, cabendo ao bispo ser o ltimo a falar. No entanto, em Alexandria, por causa dos desvarios teolgicos de rio, ou mesmo na frica do Norte at Santo Agostinho, era vedada aos sacerdotes a pregao. O mesmo aconteceu em Roma e em outros lugares durante muito tempo. Pregaes de Padres da Igreja, bispos ou simples sacerdotes constituem uma riqueza teolgica de insuspeitada beleza e grandeza29.

    E tambm haviam lugares em que os sacerdotes eram proibidos de realizar

    a prtica da homilia, por exemplo em Alexandria e no Norte da frica30. Mas Santo

    Agostinho teve autorizao para tal prtica. [...] as barreiras foram transpostas

    apenas no tempo de Santo Agostinho, que pessoalmente tambm j podia pregar

    enquanto sacerdote31.

    Somente o bispo poderia fazer a pregao diante da comunidade, deixando

    clara a exaltao da figura do bispo como autoridade doutrinal. Mas depois os

    presbteros tambm comearam a receber a autorizao para pregar.

    Se os tempos primitivos do cristianismo reservaram frequentemente a homilia diante da comunidade reunida para o bispo, isso expressava a autoridade doutrinal dele. [...] Na Glia, [...] o conclio de Vaison (529), estimulado por So Cesrio, atribuiu o direito de

    27

    JUNGMANN, 2009, p.389. 28

    JUNGMANN, loc. cit. 29

    LIBANIO, J. B. Como saborear a Celebrao Eucarstica? So Paulo: Paulus, 2008. p.52. 30

    Cf. JUNGMANN, 2009, p.445. 31

    JUNGMANN, loc. cit.

  • 22

    pregar explicitamente aos presbteros da cidade e do campo; se o presbtero estivesse impedido, por exemplo, por doena, diconos deviam ler das homilias dos Padres da Igreja32.

    A orao dos fiis era celebrada duplamente: uma se fazia logo depois das

    leituras e homilia, antes, portanto, do Credo, de que os catecmenos participavam e

    eram eles mesmos objetos dela. Depois eles recebiam a bno e eram despedidos.

    Aps sua sada, se faziam outras oraes dos fiis prprias para serem rezadas por

    cristos33.

    So Clemente de Roma utilizava, como orao dos fiis, uma orao de

    intercesso.

    Salva entre ns os oprimidos. Levanta os cados. Mostra-te aos que rezam. Cura os fracos. Liberta os nossos presos. Consola os pusilnimes. Conheam-te todos os povos... Pois tu, Senhor dos seus, Rei dos sculos, ds aos filhos dos homens glria, honra e poder sobre o que existe na terra. Tu, Senhor, diriges sua vontade no sentido do que bom e agradvel aos teus olhos em tua presena, a fim de que exeram a autoridade que lhes destes na paz e mansido, e obtenham tua graa34.

    A partir do sculo III, na liturgia romana conhecemos uma forma de orao

    dos fiis parecida com a utilizada hoje na sexta-feira santa.

    Rezamos nesta ocasio pela santa Igreja, pelo papa, pelo clero, pelos leigos, pelos que no creem no Cristo, pelos que no creem em Deus, pelos poderes pblicos e por todos os que sofrem provaes. Cada vez prope-se primeiro a inteno; depois de um silncio, que d tempo para a orao particular, o presidente profere a orao em nome de todos. Finalmente a assembleia aclama com o Amm35.

    Em Agostinho percebemos a prtica da orao dos fiis. [...] um grande

    nmero de homilias termina com a frmula: Conversi ad Dominum, ou seja, tambm

    32

    JUNGMANN, 2009, p.445-446. 33

    LIBANIO, 2008, p.71. 34

    LUTZ, G. Liturgia ontem e hoje. So Paulo: Paulus, 1995. p.35. 35

    Ibid., p.35-36.

  • 23

    aqui segue homilia uma orao comunitria, durante a qual as pessoas se

    voltavam, como sempre quando a comunidade rezava, para o leste36.

    Infelizmente, a partir do sculo VI, a orao dos fiis praticamente

    desapareceu. Assim, na missa, at antes da reforma do Conclio Vaticano II,

    terminado o credo, o sacerdote saudava o povo com Dominus vobiscum e dizia

    simplesmente oremus, rezando em voz baixa a antfona do ofertrio, que era um

    texto bblico, para logo em seguida fazer as ofertas do po e do vinho37.

    2.2. Igreja Medieval VI-XV

    Os lecionrios propriamente ditos aparecem a partir do sculo VIII e

    receberam diversos nomes: Comes, Apostulus, Epistolare, Evangelium excerptum,

    Evangeliare, Comes Epistulae cum Evangeliis e Lectionarium38.

    Com os estudos das homilias de Agostinho e de outros Padres da Igreja, foi

    possvel

    reconstituir as leituras que se faziam nas diferentes igrejas. A procura da passagem certa nem sempre era fcil para o leitor. E por vezes havia enganos. Foi principalmente para facilitar o ministrio dos leitores que comearam a surgir livros com o texto completo das leituras, dispostas pela ordem do calendrio e do ano litrgico. Isto aconteceu a partir do ano 700. Tinha nascido o lecionrio39.

    Mas, no sculo XI, os lecionrios, em si, deixariam de existir. Nesta poca

    aparecem os missais plenrios, que continham a totalidade dos textos necessrios

    para a Celebrao Eucarstica. Os lecionrios deixaram de existir como livros

    independentes, embora se tenha conservado o costume de usar o Epistolrio e o

    Evangelirio para a missa solene.

    O Evangelirio era mais ricamente ornado, com encadernaes de capa de

    ouro, prata ou marfim: era, por assim dizer, o tabernculo da Palavra. Em 1379,

    36

    JUNGMANN, 2009, p.466. 37

    LIBANIO, 2008, p.71. 38

    SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA, 2007, p.194. 39

    SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA, loc. cit.

  • 24

    Carlos V ofereceu um Evangelirio de ouro, do sculo X-XI, em que brilhavam 35

    safiras, 24 rubis, 30 esmeraldas e 104 prolas40. Retornando ao sculo VIII,

    percebe-se que todo o clero venerava o Evangelirio, beijando-o. Nalgumas

    comunidades (coptas e etopes), toda a comunidade que beija o livro. Tal como

    ns costumamos fazer com a cruz de Cristo, na Sexta-feira Santa41.

    Sobre a prtica da recitao do salmo responsorial, no sculo VII,

    depois da epstola, os cantores subiam ao ambo, primeiro aquele que entoava o responsrio, e depois o segundo, que entoava o Aleluia. [...] Eles ficavam como que elos autnomos entre as leituras, como um momento de meditao devota, como um alegre cantar e jubilar depois de a Palavra de Deus ter atingido o ouvido humano42.

    Neste perodo, a homilia entrou em decadncia.

    Durante algum tempo, ficou restrita aos bispos, tanto para garantir-lhes o poder doutrinal, quanto pela falta de preparo dos sacerdotes. Em outros momentos, o descuido pela pregao cresceu, afetando at os bispos que j no pregavam. Houve um ressurgimento da pregao por obra e graa dos frades mendicantes [...]43.

    Infelizmente, este forte retrocesso do anncio da Palavra na homilia

    perceptvel. A homilia saiu do uso de algumas comunidades eclesisticas.

    Sobre a profisso de f, percebe-se que foi tardiamente introduzida na

    liturgia romana.

    No sculo XI (1041), o Imperador Henrique II, fazendo-se coroar em Roma pelo Papa Bento VIII, estranhou que na Igreja de Roma no se proclamasse o Credo, como nas igrejas do norte da Europa e da Espanha. O papa lhe respondeu que no havia necessidade, pois no havia em Roma o problema das heresias. No entanto, diante deste estranhamento do imperador, aos poucos o Credo foi sendo

    40

    DEISS, 1998, p.42. 41

    DEISS, loc. cit. 42

    JUNGMANN, 2009, p.422. 43

    LIBANIO, 2008, p.53.

  • 25

    introduzido tambm no rito romano da Missa, mas apenas aos domingos e solenidades maiores44.

    Neste perodo, algumas regies sentiram falta da orao dos fiis, como ao

    norte dos Alpes. Por causa disso, foram criadas vrias formas de orao de

    intercesso depois da homilia, que substituram a antiga orao dos fiis. Estas

    formas sobreviveram, em parte, at o tempo do movimento litrgico em nosso

    sculo45.

    2.3. Igreja Moderna XVI-XX

    Neste perodo da Igreja, o rito da missa encontra pouco interesse, sendo ele

    apenas o quadro para o Santssimo. A Missa algo em si, ao redor do qual se

    encontram o sermo e a comunho46. Comeam a aparecer elementos perifricos,

    e secundrios, fazendo com que a Palavra de Deus fique ofuscada e no ressaltada.

    Com a Reforma de Trento ficou ressaltada a rigidez litrgica e o

    devocionalismo. Sobre as leituras, nesta poca existiam trs: uma leitura, retirada

    geralmente do Novo Testamento, o gradual, e o Evangelho.

    Acontece tambm uma diluio do carter homiltico da pregao. E este

    acaba deixando o contexto da Missa, ficando somente no sermo. O Conclio de

    Trento imps a obrigao aos procos e bispos de pregarem aos domingos e dias

    de festa47.

    Neste perodo continua a no existncia da orao dos fiis, aparecendo

    depois da pregao uma orao do Pai-Nosso ou uma Ave-Maria. Mas, no sc. XX,

    o Movimento Litrgico conseguiu uma renovao da orao dos fiis segundo seu

    sentido e plano das origens.

    44

    BECKHEUSER, A. Celebrar Bem. Petrpolis: Vozes, 2010. p.141. 45

    LUTZ, 1995, p.36 46

    LUTZ, G. Histria geral da liturgia: das origens at o Conclio Vaticano II. So Paulo: Paulus, 2010. p.57-58.

    47 LIBANIO, 2008, p.53.

  • 26

    Uma primeira tentativa de formular uma nova Orao Universal da Igreja que varia de acordo com os tempos litrgicos e as preocupaes, orientada na forma de litania (ouvi-nos, Senhor!) e inspirada nas leis formais da ectenia, encontra-se nos esboos de J. Gulden48.

    2.4. Conclio Vaticano II

    O Conclio Vaticano II, inspirado por algumas iniciativas do Movimento

    Litrgico, trouxe grandes renovaes liturgia, e, em especial, Liturgia da Palavra,

    renovaes estas que podemos considerar um retorno s fontes. A Constituio

    Sacrosanctum Concilium traz algumas recomendaes em relao orao dos

    fiis49, homilia50, e sobre a seleo das leituras. No que diz respeito seleo das

    leituras, o documento menciona para que a mesa da Palavra de Deus seja

    preparada, com a maior abundncia, para os fiis, abram-se largamente os tesouros

    da Bblia, de modo que, dentro de certo nmero de anos, sejam lidas ao povo as

    partes mais importantes da Sagrada Escritura51.

    A reforma litrgica do Vaticano II realizou a separao do lecionrio e do

    missal, recomendando a edio e utilizao do Evangelirio. Tambm foi restaurado

    o salmo responsorial.

    Assim, este Conclio resgatou a venerao pelas sagradas Escrituras. A

    Igreja sempre venerou as divinas Escrituras como fez tambm para o prprio Corpo

    do Senhor, ela que no cessa, sobretudo na santa Liturgia, de tomar o po da vida

    na mesa da Palavra e na do Corpo de Cristo para oferec-lo aos fiis52.

    48

    JUNGMANN, 2009, p.475. 49

    Cf. p.54. 50

    A homilia reintroduzida na prtica da Igreja, deixando o chamado sermo. Cf. p.54. 51

    CONCLIO ECUMNICO VATICANO II. Constituio Sacrosanctum Concilium: Sobre a Sagrada Liturgia. In: Documentos Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965). So Paulo: Paulus, 1997.n.51.

    52 CONCLIO ECUMNICO VATICANO II. Constituio Dogmtica Dei Verbum: Sobre a

    Revelao Divina. In: Documentos Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965). So Paulo: Paulus, 1997. n.21.

  • 3. O LEITOR E OS LIVROS

    Neste presente captulo iremos tratar sobre quem o leitor, qual sua funo

    e os livros que so utilizados para o anncio da Palavra.

    3.1. O Leitor

    A Igreja possui o ministrio institudo do leitor. E a este deve ser dada

    importncia.

    Os que foram institudos como leitores, se os houver, devem exercer sua funo prpria, pelo menos nos domingos e festas, durante a missa principal. Alm disso, pode-se confiar a eles o encargo de ajudar na organizao da Liturgia da Palavra, e de cuidar, se for necessrio, da preparao de outros fiis que, por designao tempornea, devem fazer as Leituras na celebrao da missa53.

    Esta instituio conferida somente aos homens. Buyst lamenta que

    as mulheres esto excludas desta instituio. Talvez seja por isso que, na pastoral, esta instituio praticamente inexistente. Ficamos com os leitores e leitoras reconhecidos(as), que assumem o ministrio sem titulo oficial especial. Atuam por conta de seu sacerdcio batismal54.

    53

    ELENCO das leituras da missa. Restaurado por decreto do Sagrado Conclio Ecumnico Vaticano II e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Trad. Portuguesa da segunda edio tpica para o Brasil realizada e publicada pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil e aprovada pela S Apostlica. So Paulo: Paulus, 1997. n.51.

    54 BUYST, I. A Palavra de Deus na liturgia. So Paulo: Paulinas, 2001. p.12-13.

  • 28

    Como j lembra Buyst, nossas igrejas possuem os leitores reconhecidos. E o

    Elenco das Leituras da Missa nos diz que a assembleia litrgica precisa ter leitores,

    ainda que no tenham sido institudos para esta funo. Por isso, preciso procurar

    que haja alguns leigos, os mais aptos, que estejam preparados para desempenhar

    este ministrio55.

    O leitor no possui o monoplio da Palavra. toda a comunidade que possui

    o tesouro e que o partilha. Conforme a antiga tradio da liturgia sinagogal, a

    Leitura da Palavra era assegurada por trs leitores nas celebraes ordinrias, e at

    por sete leitores nos dias de sbado e de festas56.

    O ministrio do leitor no um servio qualquer, um servio da Palavra de

    Deus em benefcio da comunidade celebrante. Tomando aqueles que estiverem

    aptos para a funo, se for um homem, que se tome esse homem; se for uma

    mulher, que se tome essa mulher; e se for um menino ou uma menina, que se tome

    esse menino ou essa menina57.

    O leitor desempenha um verdadeiro servio litrgico.

    Os leitores no esto a para ajudar o padre, como muitos continuam pensando. Assumem um ministrio prprio. Atuam a partir de seu sacerdcio de batizados. No trabalham por conta prpria, mas como representantes de Cristo, animados por seu Esprito. (...) Esto a no para exercer um poder sobre a comunidade ou para aparecer. Ao contrrio, trata-se de um servio comunitrio, eclesial. So chamados a prestar um servio aos irmos e irms reunidos em assembleia58.

    O leitor anuncia a Palavra em nome de quem um dia a pronunciou

    suscitando vida nova. Deve tornar presente Jesus Cristo, sendo profeta e pregador

    deste anncio da Boa Nova aos irmos e irms que escutam sua Palavra e louvam o

    Pai. A proclamao da Palavra na assembleia litrgica sempre uma realidade

    densa da presena atual do Ressuscitado. Cristo vivo que, pela voz do leitor,

    55

    ELENCO, 1997, n.52. 56

    DEISS, L. A Palavra de Deus Celebrada. Teologia da Celebrao da Palavra de Deus. Petrpolis: Vozes, 1996. p.127.

    57 Cf. Ibid., p.126.

    58 BUYST, 2001, p.13.

  • 29

    convida os ouvintes a viver o memorial de sua vida, morte e ressurreio, com vistas

    converso e salvao.

    A questo dos leitores, no ps-Vaticano II, de incio foi discriminatria.

    A primeira edio do novo missal, em 1969, s permitia que as mulheres lessem, com a autorizao das conferncias episcopais, se no houvesse um homem apto a exercer a funo de leitor [mesmo o leitor reconhecido]. Parece que se preferia antes um mau leitor do que uma mulher lendo com clareza59.

    Para a proclamao das leituras inconcebvel a falta de entusiasmo, de

    autoconscincia, de uma convico que proceda do corao. O leitor no pode ter a

    postura de um leitor de jornal. Se ele no transmite vibrao nem convico

    assembleia, d mostras de um desempenho deficiente de seu ministrio.

    Por isso,

    [...] seu rosto, sua voz, sua postura e tudo nele deve expressar essa feliz novidade. Quando a palavra proclamada com os sentimentos que correspondem sua mensagem (alegria, esperana, tristeza, ameaa), abre-se o caminho para a compreenso e a vivncia do mistrio anunciado60.

    O leitor proclama, anuncia a Palavra de Deus assembleia. Transforma a

    palavra escrita em palavra viva acolhida pelo ouvido e pelo corao da comunidade.

    Por isso, mais do que leitor, essa pessoa deveria denominar-se pregador da

    Palavra de Deus comunidade61.

    Assim, mesmo as leituras devem ter entonao de proclamao. Proclamar

    diferente de ler.

    Fazer a Leitura significa ir l na frente, ler o que est escrito, para informao minha e da comunidade. Ou, no pior dos casos, apenas uma formalidade: celebrao supe Leitura, algum deve faz-la;

    59

    DEISS, 1996, p.126. 60

    CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano). Manual de Liturgia 2 - A celebrao do mistrio pascal: fundamentos teolgicos e elementos constitutivos. So Paulo: Paulus, 2005b. p.174.

    61 Ibid., p.172.

  • 30

    pouco importa se os presentes entenderam o que foi dito ou se foram atingidos pelo que ouviram. Proclamar a Palavra um gesto sacramental. Coloco-me a servio de Jesus Cristo que, atravs da minha Leitura, da minha voz, da minha comunicao... quer falar pessoalmente com seu povo reunido62.

    O leitor raramente executa sua funo com perfeio. Para fazer uma

    perfeita execuo, o leitor deve se preparar. Pois, trata-se de proclamar a Palavra

    de Deus comunidade celebrante de maneira plenamente inteligvel, com clareza e

    sabedoria. (...) A voz do leitor a clara voz do Cristo que devemos escutar63. A

    Sacrosanctum Concilium diz que Cristo que fala enquanto se leem na igreja as

    Escrituras Sagradas64.

    A preparao do leitor deve ser espiritual e tcnica.

    A preparao espiritual supe pelo menos dupla instruo: bblica e litrgica. A instruo bblica deve encaminhar-se no sentido de que os leitores possam compreender as Leituras em seu contexto prprio e entender luz da f o ncleo central da mensagem revelada. A instruo litrgica deve facilitar aos leitores certa percepo do sentido e da estrutura da Liturgia da Palavra e a relao entre a Liturgia da Palavra e a liturgia eucarstica. A preparao tcnica deve capacitar os leitores para que se tornem sempre mais aptos na arte de ler diante do povo, seja de viva voz, seja com a ajuda de instrumentos modernos para a amplificao vocal65.

    O leitor deve ler e meditar a Leitura em casa, durante a semana, para poder

    ser um bom anunciador da Palavra. Ele dever desaparecer diante do Cristo que

    pega emprestada sua voz. Ele, enquanto proclama a Palavra, presta ateno, com

    toda a comunidade, para tentar perceber o que o Esprito est querendo dizer

    Igreja naquele dia.

    Ento, necessrio que o leitor entenda aquilo que est lendo. Devendo

    saber sobre o texto em si, seu contexto, a circunstncia em que foi escrito, a quem

    foi dirigido, a quem est falando e qual seu objetivo. Tambm saber o sentido do

    62

    BUYST, 2001, p.14-15. 63

    DEISS, 1996, p.124. 64

    Cf. CONCLIO ECUMNICO VATICANO II. Constituio Sacrosanctum Concilium: Sobre a Sagrada Liturgia. In: Documentos Conclio Ecumnico Vaticano II (1962-1965). So Paulo: Paulus, 1997. n.7.

    65 ELENCO, 1997, n.55.

  • 31

    texto no conjunto da revelao de Jesus Cristo, para que o texto possa se tornar

    uma Palavra de salvao para ns. O leitor que no entende o que l, transmitir

    dvida. Somente o leitor que entende o que l, far um verdadeiro anncio da

    Palavra. Na preparao pessoal, a lectio divina66 pode ser um bom mtodo de

    preparao para a Leitura.

    O leitor no deve fazer sucessivamente a primeira leitura, depois o, com sua

    prpria voz, renova-se a ateno da comunidade. Salienta-se tambm a

    especificidade de cada leitura. Tambm o leitor no deve dizer Primeira leitura ou

    Segunda leitura, muito menos ler com pressa. E no deve falar Palavras do

    Senhor ou Palavras da Salvao, pois Cristo a nica Palavra do Pai, a Palavra

    do Senhor, a Palavra da Salvao.

    3.2. Os Livros

    O Conclio Vaticano II promoveu o reaparecimento dos livros litrgicos, e

    entre eles esto o Lecionrio e o Evangelirio. Esses dois livros lembram aos fiis a

    presena de Deus que fala a seu povo. Portanto, preciso procurar que os prprios

    livros, que so sinais e smbolos das realidades do alto na ao litrgica, sejam

    verdadeiramente dignos, decorosos e belos67.

    Para a Liturgia da Palavra, especificamente, existem alguns livros litrgicos:

    Lecionrio, Evangelirio, e algumas Conferncias Episcopais, por exemplo Portugal,

    possuem o livro da orao dos fiis. Mas, neste, iremos tratar dos livros comuns em

    todas as Conferncias Episcopais: o Lecionrio e o Evangelirio.

    66

    A lectio divina um mtodo de orao com a Sagrada Escritura. um empenho de assiduidade com as sagradas Escrituras que a contm: assiduidade feita da leitura [bblica] (lectio), de profunda reflexo do texto (meditatio), de orao (oratio), de experincia diria vivida sob o juzo da palavra de Deus (contemplatio) (BIANCHI, E. Presbteros: Palavra e Liturgia. So Paulo: Paulus, 2010. p.44-45).

    67 ELENCO, 1997, n.35.

  • 32

    3.2.1. Lecionrio

    O lecionrio o livro litrgico que contm os textos da Sagrada Escritura que

    so selecionados e organizados para serem proclamados nas celebraes litrgicas.

    [...] fruto da seleo e organizao dos textos bblicos destinados s celebraes, e reflete a exigncia de que cada Igreja tome em mos a palavra divina para medit-la, proclam-la e viv-la segundo a prpria sensibilidade espiritual e histrica. [...] [Ele] aparece como um sinal da interpretao e do aprofundamento perene que a Igreja faz da Palavra em cada tempo e lugar, guiada pela luz do Espirito Santo68.

    O lecionrio muito mais que um livro, o modo, habitual e prprio,

    segundo o qual a Igreja l nas Escrituras a Palavra viva de Deus, seguindo os

    diferentes fatos e palavras de salvao realizados por Cristo e, ordenados ao redor

    desses atos e palavras, os demais contedos da Bblia. Respondendo

    necessidade de proclamar os fatos e palavras de Cristo segundo os Evangelhos, e

    de reorganizar, ao redor dele, o restante das Escrituras. Deve-se conhecer o

    lecionrio para compreender aquilo que a Igreja celebra e aquilo que ela vive.

    Para haver uma concordncia de textos durante as celebraes litrgicas,

    fez-se necessria uma seleo minuciosa. A introduo ao Elenco das Leituras da

    Missa destaca que a sucesso de Leituras est disposta da seguinte forma:

    nos domingos e festas propem-se os textos mais importantes, para que, num conveniente espao de tempo, possam ser lidas diante da assembleia dos fiis as partes mais relevantes da Palavra de Deus. A outra srie de textos da Sagrada Escritura, que de certa forma completa o anncio da salvao desenvolvido nos dias festivos, assinala-se para os dias da semana. [...] A ordem das Leituras dominical-festiva desenvolve-se num trinio, ao posso que a dos dias de semana o faz num binio. Por isso, a ordem das Leituras dominical-festiva procede de maneira independente da dos dias de semana, e vice-versa69.

    68

    CELAM, 2005b, p.175-176. 69

    ELENCO, 1997, n.65.

  • 33

    Em relao s celebraes dos santos, e para missas rituais, ou votivas, ou

    dos defuntos, a seleo de acordo com os prprios rituais70.

    Quanto s divises, o lecionrio se divide, em geral, por gnero. No

    lecionrio dominical constam as Leituras dos Domingos e Solenidades que so

    anunciadas neste dia. O ferial o lecionrio que se utiliza durante a semana. O

    santoral contm as Leituras que esto de acordo com a vida de cada santo, mrtir71.

    Sobre a distribuio das Leituras nos domingos e festas, so trs Leituras:

    A primeira, do Antigo Testamento, a segunda, do Apstolo (isto , das Epstolas dos Apstolos ou do Apocalipse, segundo os diversos tempos do ano), a terceira, do Evangelho. Com esta distribuio sublinha-se a unidade do Antigo e do Novo Testamento, e da Histria da salvao, cujo centro Cristo e seu mistrio pascal que celebramos72.

    importante mencionar que, nos domingos e festas, as Leituras somente se

    repetiro depois de trs anos, pois, como j foi mencionado, elas seguem um

    esquema de trinio.

    Entre a Leitura do Antigo Testamento e do Novo, existe uma composio

    harmnica, principalmente nos casos que os ensinamentos e fatos expostos nos

    textos do Novo Testamento tm uma relao mais ou menos explcita com os

    ensinamentos e fatos do Antigo Testamento. No presente Elenco das Leituras da

    Missa, os textos do Antigo Testamento foram selecionados principalmente por sua

    congruncia com os textos do Novo Testamento, especialmente com o Evangelho

    que se l na mesma missa73.

    Os textos das Leituras, em alguns tempos, tambm possuem princpios,

    caractersticas temticas quanto ao tempo litrgico, para levar o fiel a conhecer mais

    profundamente a f que professam e a histria da salvao. Por exemplo, no tempo

    do Advento, da Quaresma e da Pscoa. Nos domingos do Tempo Comum, que no

    so Solenidades e nem Festas, as Leituras das Cartas e do Evangelho se distribuem

    70

    Cf. ELENCO, 1997, n.65. 71

    Cf. Ibid., n.113-118. 72

    ELENCO, 1997, n.66. 73

    Ibid., n.67.

  • 34

    segundo a ordem da Leitura semi-contnua, e o texto da Leitura do Antigo

    Testamento est em harmonia com o Evangelho74.

    Nos dias de semana, cada missa (ferial) possui duas Leituras. A primeira

    do Antigo Testamento ou do Apstolo, exceto no Tempo Pascal, quando retirada

    dos Atos dos Apstolos. E a segunda Leitura o Evangelho. No Tempo Comum, as

    Leituras variam em ano par e impar, e so semi-contnuas, mas o Evangelho no.

    Nos tempos do Advento, Quaresma e Pscoa, a Leitura e o Evangelho no possuem

    variao.

    Para a traduo, pede-se que seja em lngua verncula e que se conserve o

    uso tradicional dos nomes dos livros bblicos, exceto em alguns casos especiais75.

    Assim, vendo os aspectos do lecionrio, podemos concluir que os princpios

    diretivos da sua organizao so: trs Leituras nos domingos e festas: profeta,

    apstolo e Evangelho; ciclo de trs anos para o lecionrio dominical e festivo, e de

    dois anos para o lecionrio ferial do tempo durante o ano; independncia e

    complementariedade do lecionrio ferial em relao ao dominical; possibilidade de

    seleo de Leituras nas missas rituais, do comum dos santos, votivas, por diversas

    necessidades e de defuntos; conservao do uso tradicional de alguns livros da

    Escritura em determinados tempos litrgicos; maior presena do Antigo Testamento;

    e podemos tambm mencionar a recuperao de alguns textos evanglicos ligados

    ao catecumenato.

    3.2.2. Evangelirio

    O Evangelirio um livro distinto do lecionrio. o livro dos Evangelhos,

    que contm a vida e misso de Jesus Cristo. Nele esto contidos os Evangelhos dos

    Domingos e Solenidades. Ele depositado sobre o altar, bem no centro, onde

    sero colocadas, depois, os dons para o Sacrifcio e a Ceia do Senhor76.

    74

    Cf. ELENCO, 1997, n.67. 75

    Cf. ELENCO, n.111ss. Sobre as excees do uso tradicional do nome dos livros bblicos: n.122.

    76 BECKHUSER, A. Celebrar Bem. Petrpolis: Vozes, 2010. p.132.

  • 35

    O livro dos Evangelhos era, e deve ser, adornado e deve haver uma

    venerao superior do lecionrio, pois nele consta a vida de Jesus. Assim, entre

    os ritos da Liturgia da Palavra, preciso levar em considerao a venerao

    especial devida Leitura do Evangelho77. A Leitura do Evangelho o pice da

    prpria Liturgia da Palavra. conveniente que, em nossos dias, nas catedrais, nas

    parquias e igrejas maiores, haja um Evangelirio. Ele conduzido em procisso: na

    procisso de entrada e durante a aclamao ao Evangelho78.

    O rito da entronizao deve ser valorizado.

    [...] No tem mais sentido receber depois a Palavra de Deus, em rito introduzido, indevidamente, porque se tem a impresso de que ainda no se descobrira o sentido da entrada solene do Evangelirio. As comunidades que no possuem ou ainda no possuem o Evangelirio, podem usar dois lecionrios, um que j est no ambo, do qual se fazem as leituras, e outro, que ser levado em procisso de entrada e ser colocado sobre o altar para a procisso at o ambo na hora da Proclamao do Evangelho. So, ento, dois lecionrios. No o ideal, mas ajuda a viver a autenticidade do rito.79

    O dicono recebe este livro no dia de sua ordenao. E sobre a cabea do

    bispo, em sua ordenao, sustentado o livro dos Evangelhos, simbolizando que

    ele o conhecedor e principal propagador do Evangelho.

    O Evangelirio deve ser levado na procisso de entrada por dicono ou

    leitor. Quando ele estiver sobre o altar, recomendado que

    seja tirado do altar por um dicono ou, se no houver dicono, por um sacerdote, e seja levado para o ambo, acompanhado pelos ministros que levam velas e incenso ou outros sinais de venerao, conforme o costume. Os fiis esto de p e veneram o livro dos Evangelhos com suas aclamaes ao Senhor80.

    O Evangelirio recebe vrios gestos. Deve ser levado entre luzes,

    incensado, beijado, colocado sobre o altar, mostrado ao povo, revestido de capas

    77

    ELENCO, 1997, n.17. 78

    Cf. CNBB. Guia Litrgico-Pastoral. Braslia: Edies CNBB, 2007. p.31. 79

    BECKHUSER, 2010, p.132. 80

    ELENCO, 1997, n.17.

  • 36

    preciosas. E seu lugar prprio o ambo, de onde o ministro l e proclama a

    Palavra.

  • 4. A LITURGIA DA PALAVRA

    A Liturgia da Palavra nasce da liturgia sinagogal da Palavra81.

    A dinmica teolgica da pscoa judaica comportava, com efeito, um conjunto de aes rituais que aconteciam em lugares e tempos diversos. Primeiramente havia a ao propriamente sacrifical [...]. Seguia imediatamente a asperso do sangue [...]. A manducao do cordeiro acontecia pela tardinha, no quadro de uma ceia domstica que era precedida por uma ampla Liturgia da Palavra, feita de perguntas rituais, leituras bblicas e exegeses homilticas.82

    Atravs da Liturgia da Palavra, Deus nos fala. Ele toma a iniciativa, chama,

    ilumina, guia, interroga, impele, forma seu povo com sua Palavra. Esta precisa ser

    escutada e seguida, suscitando uma reao, que a salvao. A Palavra deve ser

    emitida (as leituras e a homilia), haver a recepo (os cantos e o silncio) e a

    resposta (orao dos fiis).

    As leituras tiradas da Sagrada Escritura, com os cnticos que se intercalam,

    constituem a parte principal da Liturgia da Palavra. J a homilia, a profisso de f e a

    orao dos fiis desenvolvem e concluem esta liturgia.

    Baseando-se em Justino, Giraudo explica o quadro abaixo, dizendo: [...]

    podemos identificar duas colunas-mestras estruturais. Elas so para a LITURGIA DA

    PALAVRA: a proclamao atualizante da Palavra de Deus (=leituras + homilia) e a

    resposta suplicante da comunidade (=preces dos fiis).83

    81

    Cf.: GIRAUDO, C. Num s corpo. Tratado mistaggico sobre a eucaristia. So Paulo: Loyola, 2003. p. 553.

    82 Ibid., p. 187.

    83 Ibid., p. 554.

  • 38

    (fonte: GIRAUDO, 2003. p. 553.)

    Da primeira leitura at a homilia acontece um discurso descendente. Deus

    fala por meio do leitor, e a assembleia escuta, o ouvido que escuta Deus falar. Na

    orao dos fiis, os papis se invertem: acontece um discurso ascendente. O povo

    fala e suplica a Deus, que escuta seu povo.

    4.1. Liturgia da Palavra parte por parte

    Aps a introduo dada no incio deste captulo, veremos agora a Liturgia da

    Palavra nas suas peculiaridades. Perpassaremos as leituras (primeira e segunda), o

    salmo responsorial, a aclamao ao Evangelho e sua proclamao, a homilia, a

    profisso de f e a orao dos fiis. Por ltimo, analisaremos o aspecto do silncio

    na Liturgia da Palavra, aspecto que essencial para bem celebrar o mistrio da

    Palavra.

    4.1.1. Leituras

    Nas leituras pe-se aos fiis a mesa da Palavra de Deus e abrem-se os tesouros da Bblia. Convm, por isso, observar uma disposio das leituras bblicas que ilustre a unidade de ambos os Testamentos e da histria da salvao; no lcito substituir as leituras e o salmo

  • 39

    responsorial, que contm a Palavra de Deus, por outros textos no bblicos84.

    atravs da Palavra de Deus escrita que Deus continua falando a seu

    povo, e mediante o uso constante da Sagrada Escritura, o povo de Deus se faz mais

    dcil ao Esprito Santo por meio da luz da f e assim pode dar ao mundo, com sua

    vida e seus costumes, o testemunho de Cristo85.

    Na Celebrao Eucarstica, as leituras devem ser proclamadas sempre do

    ambo. E a primeira pessoa a escutar a Palavra o prprio presidente da

    celebrao.

    As leituras esto dispostas86 de modo tal que durante trs anos se passam

    as principais percopes bblicas. Elas no devem ser substitudas por outros textos

    no bblicos.

    A sucesso de leituras do prprio do tempo foi disposta da seguinte maneira: nos domingos e festas propem-se os textos mais importantes, para que, num conveniente espao de tempo, possam ser lidas diante da assembleia dos fiis as partes mais relevantes da Palavra de Deus. A outra srie de textos da Sagrada Escritura, que de certa forma completa o anncio da salvao desenvolvido nos dias festivos, assinala-se para os dias da semana87.

    Na liturgia dominical, a primeira leitura retirada do Antigo Testamento, e a

    segunda das Epstolas dos Apstolos ou do Apocalipse. Nos tempos litrgicos

    diversos, so respeitados os temas provindos do prprio tempo. Procura-se fazer

    uma relao dos ensinamentos do Antigo com o Novo Testamento.

    A melhor composio harmnica entre as leituras do Antigo e do Novo Testamento tem lugar quando a prpria Escritura a insinua, isto , naqueles casos em que os ensinamentos e fatos expostos nos

    84

    ALDAZBAL, J (com.). Instruo geral sobre o Missal Romano: terceira edio. So Paulo: Paulinas, 2007. n.57.

    85 ELENCO das leituras da missa. Restaurado por decreto do Sagrado Conclio Ecumnico

    Vaticano II e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Trad. Portuguesa da segunda edio tpica para o Brasil realizada e publicada pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil e aprovada pela S Apostlica. So Paulo: Paulus, 1997. n.12.

    86 Cf. Captulo III sobre o leitor e os livros litrgicos.

    87 ELENCO, 1997, n.65.

  • 40

    textos do Novo Testamento tm uma relao mais ou menos explcita com os ensinamentos e fatos do Antigo Testamento. [...] os textos do Antigo Testamento foram selecionados principalmente por sua congruncia com os textos do Novo Testamento, especialmente com o Evangelho que se l na mesma missa88.

    A liturgia dos dias de semana, segue num ciclo de binio. A leitura provm

    do Antigo Testamento ou das Epistolas dos Apstolos ou do Apocalipse, e, no

    Tempo Pascal, dos Atos dos Apstolos.

    Libanio faz uma boa elucidao sobre as palavras de concluso da leitura.

    Ao dizer Palavra do Senhor, os fiis respondem: Graas a Deus. Expresso que tem dois sentidos. O primeiro um agradecimento de ter ouvido a Palavra de Deus. sempre um presente de Deus que merece um sinal de agradecimento. O outro sentido refere-se ao uso que cristos tinham no norte da frica de significar por essa expresso uma aclamao como sinal de aprovao. Equivale a amm. Ou simplesmente queriam dizer que entenderam o que lhes foi anunciado e tomaram conhecimento89.

    A leitura deve ser proclamada a partir do lecionrio, e no de subsdios

    litrgicos, e nem da prpria Bblia. Como, tambm, a assembleia no deve estar

    acompanhando, nem com o folheto e nem com a Bblia. Pois a leitura proclamada

    para toda a assembleia, e no individualmente. A assembleia deve escutar, receber

    a Palavra em comunidade.

    [...] muito comum as leituras serem lidas de folhetos chamados de litrgicos [...]. muito comum ainda o leitor no se comunicar com a assembleia e o povo todo acompanhar a leitura lendo no folheto, cada um por si. Em algumas comunidades insiste-se em que todos tragam a Bblia para fazer este acompanhamento individual.90

    88

    ELENCO, 1997, n.67. 89

    LIBANIO, J. B. Como saborear a Celebrao Eucarstica? So Paulo: Paulus, 2008. p.33. 90

    BUYST, I. A Palavra de Deus na liturgia. So Paulo: Paulinas, 2001. p.14.

  • 41

    4.1.2. Salmo Responsorial

    O salmo a orao mais comum da piedade judaica. Este um dos livros

    do Antigo Testamento mais rezados. Faz parte do patrimnio espiritual de orao

    do judasmo que o cristianismo assumiu e transformou em orao da Igreja91.

    As comunidades crists foram entendendo os salmos como profecias de

    Jesus, o Cristo92. Orientados pelo Esprito Santo, reinterpretaram os salmos a partir

    dos acontecimentos da morte-ressurreio de Jesus. Assim, preciso instruir os

    fiis sobre o modo de escutar a Palavra de Deus que nos transmitida pelos salmos

    e sobre o modo de converter estes salmos em orao da Igreja93.

    O Vaticano II, depois de treze sculos, reintroduziu o salmo de resposta,

    recuperando o seu espao como canto aps a primeira leitura da Liturgia da Palavra.

    O salmo Palavra de Deus. uma leitura bblica cantada, que possui o

    valor das outras leituras. Responde Palavra de Deus ouvida, com a prpria

    Palavra de Deus. Falamos a Deus com as palavras da revelao nascidas no

    decorrer da histria do povo de Deus por inspirao do Esprito Santo e que foram

    moldando a espiritualidade do povo a caminho. O salmo de resposta nunca deveria

    ser substitudo por um canto qualquer94.

    O salmo responsorial deve ser cantado. Se no for cantado, o salmo deve

    ser recitado da maneira mais adequada para a meditao da Palavra de Deus.

    O salmista, do ambo, recita os versculos do salmo; toda a assembleia escuta sentada, ou, de preferncia, nele participa do modo costumado com o refro, a no ser que o salmo seja recitado todo seguido, sem refro. Se o salmo no puder ser cantado, recita-se do modo mais indicado para favorecer a meditao da Palavra de Deus95.

    O Elenco das Leituras da Missa nos mostra que existem duas formas de

    cantar o salmo:

    91

    LIBANIO, 2008, p.35. 92

    BUYST, 2001, p.42. 93

    ELENCO, 1997, n.19. 94

    BUYST, 2001, p.36. 95

    ALDAZBAL, 2007, n.61.

  • 42

    a forma responsorial e a forma direta. Na forma responsorial, o salmista ou o cantor do salmo cantam as estrofes do salmo, e toda a assembleia participa cantando da resposta. Na forma direta, o salmo cantado sem que a assembleia intercale a resposta, e o cantam, ou o salmista ou o cantor do salmo sozinho, e a assembleia escuta, ou ento o salmista e os fiis juntos96.

    Das duas formas de recitao, a primeira a mais indicada.

    A comunidade louva as maravilhas, manifestadas pela Palavra, e atualiza-as

    na celebrao. Responde ao Deus das maravilhas com o salmo responsorial. A

    palavra proclamada na primeira leitura Palavra da Aliana, assim, o salmo que lhe

    responde o cntico da Aliana.

    O salmo no pode ser substitudo.

    [...] como no se pode substituir o Evangelho por uma palavra humana, por muito bela que seja, nem substituir o po eucarstico por po vulgar, tambm o salmo responsorial no pode ser substitudo por um cntico puramente humano, por maravilhoso que seja. Seria cometer uma fraude no servio de Deus ou, ento, como diz So Paulo, Falsificar a Palavra de Deus (2Cor 2,17).97

    4.1.3. Aclamao ao Evangelho

    Na aclamao ao Evangelho, a assembleia dos fiis acolhe e sada o Senhor,

    que lhe vai falar no Evangelho, e professa a sua f por meio do canto 98. Esta?? cantada

    por todos de p, iniciada por um cantor; repete-se o refro, sendo que o versculo cantado

    pelo solista.

    O canto do aleluia entoa-se em todos os tempos fora da Quaresma. E na

    Quaresma, por ser um tempo de penitncia, canta-se em seu lugar, antes do Evangelho, o

    versculo que est proposto no Lecionrio.

    96

    ELENCO, 1997, n.20. 97

    DEISS, L. A Missa da comunidade crist. Porto/Portugal: Editorial Perptuo Socorro, 1998. p.36.

    98 ELENCO, 1997, n.23.

  • 43

    [...] O canto do aleluia tem um toque pascal que se enfatiza no Tempo Pascal, repetindo-o mais vezes, e permanece ao longo do ano como uma ressonncia da Pscoa em toda celebrao, exceto na Quaresma ou em celebraes de toque penitencial ou de tristeza.99

    4.1.4. Evangelho

    A proclamao do Evangelho o ponto culminante da Liturgia da Palavra.

    Por isso, deve-se atribuir-lhe maior venerao.

    [...] Assim o mostra a prpria Liturgia, distinguindo esta leitura das outras com honras especiais, quer por parte do ministro encarregado de anunci-la e pela bno e orao com que se prepara para faz-la, quer por parte dos fiis que, com as suas aclamaes, reconhecem e confessam que Cristo presente no meio deles quem lhes fala, e, por isso, escutam a leitura de p; quer ainda pelos sinais de venerao ao prprio Evangelirio100.

    Existe uma preparao litrgica, na prpria Liturgia da Palavra, para a

    escuta e proclamao do Evangelho. Com as outras leituras, a assembleia se

    prepara, seguindo a partir do Antigo Testamento e chegando ao Novo101.

    A proclamao reserva-se ao ministro ordenado, mais especificamente ao

    dicono. Esta no uma funo presidencial, mas diaconal. Se no houver dicono,

    neste caso o padre proclame o Evangelho102. Mas no permitido a um leigo,

    embora seja religioso, proclamar a leitura evanglica na celebrao da santa Missa;

    nem tampouco nos outros casos, nos quais no seja explicitamente permitido pelas

    normas103.

    Como o prprio nome j indica, Evangelho Boa Nova, isto , Mensagem de

    Salvao. Portanto, o Evangelho se ouve de p,

    99

    LIBANIO, 2008, p.37. 100

    ALDAZBAL, 2007. n. 60. 101

    Cf. ELENCO, 1997. n.13. 102

    Cf. BUYST, 2001, p.12. 103

    CONGREGAO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. Redemptionis Sacramentum sobre alguns aspectos que se deve observar acerca da Santssima Eucaristia. So Paulo: Paulinas, 2004. n.63.

  • 44

    [...] em posio de prontido, do soldado que vigia as portas da caserna ou da cidade. Estamos prontos para ouvir a mensagem maior da f, levando-a ao mundo inteiro. [...] Estamos prontos para viv-la no cotidiano. Estamos prontos, no limite da exigncia, a dar a vida por aquele que nos anunciou a mensagem, como milhes e milhes de mrtires ao longo dos dois mil anos de cristianismo104.

    O Evangelho uma celebrao de Cristo. E em nome dele que a

    assembleia est reunida.

    [...] o dicono ou sacerdote interpela solenemente a comunidade: O Senhor esteja convosco. Ela responde: Ele est no meio de ns. Resposta maravilhosa que faz a comunidade consciente daquele em nome do qual ela est reunida, de quem ela vai ouvir a Palavra, com quem ela se compromete ao escut-la. o Senhor Jesus Cristo Ressuscitado que est no centro da celebrao e em torno do qual todos se congregam na f. Se ele no estivesse conosco, nada poderamos fazer. Estando no nosso meio, tudo possvel105.

    As palavras do Evangelho remetem ao passado, mas so para o agora, para

    o hoje, para o presente. Em cada proclamao do Evangelho acontece um kairs.

    Quase sempre, as duas primeiras palavras da leitura do Evangelho so: Naquele tempo. Localizam o texto no tempo de Jesus. So palavras de um tempo para alm de todo tempo e que chegam ao nosso com o mesmo valor. A comunidade no as ouve como ditas aos ouvintes de outrora, mas para si hoje. kairs, o tempo privilegiado sagrado do agir de Deus que ultrapassa todas as circunstncias e conjunturas efmeras dos tempos passados para ser hoje uma Palavra dirigida aos presentes106.

    Terminada a proclamao, toda a assembleia, dando glria ao Senhor,

    anuncia e confirma que cr naquilo que ouviu107.

    104

    LIBANIO, 2008, p.39. 105

    Ibid., p.44-45. 106

    Ibid., p.46. 107

    Cf. Ibid., p.48.

  • 45

    4.1.5. Homilia

    Homilia provm do grego que reflete uma experincia humana de

    estar em companhia, de ajuntar-se a, de conversar, de ter e estar num

    relacionamento profundo, de frequentar as pessoas 108. E isto indica o esprito que

    deve marcar a homilia. Ela deve criar entre o pregador e a assembleia um

    relacionamento de proximidade, de companhia, de presena, e no de distncia nem

    de erudio magisterial109. Nela deve-se anunciar Cristo, e somente anunciar a

    Palavra de Deus, e no outras palavras. O pregador ser apenas um sinal que

    mostra o Cristo, pois no deve anunciar a si mesmo, e sim a Jesus Cristo. A homilia

    ao proftica que segue a Palavra, traduzindo-a no hoje de determinada

    comunidade, para lhe orientar a f e a orao, quer dizer, a resposta cultual e

    existencial em direo ao Deus que lhe fala110.

    Mas, anteriormente, no chamado sermo no era assim.

    No sermo falava-se de qualquer assunto, no necessariamente ligado com os textos sagrados. Ele tambm no fazia parte integrante da liturgia: interrompia-se a missa para fazer o sermo, e o padre at tirava a casula para subir ao plpito e fazia o sinal da cruz no incio e no fim. Ento, o sermo era como um corte no meio da missa, uma interpolao.111

    A homilia, ao contrrio do sermo, instrui, d introduo ao Mistrio, faz a

    atualizao do passado, o fortalecimento da F, traz a misericrdia de Deus, opera a

    salvao em Cristo, promove a edificao da Igreja povo de Deus, e mostra a

    misso para o mundo.

    A homilia conduz seus irmos a uma compreenso saborosa da Sagrada Escritura, abre as almas dos fiis ao de graas pelas maravilhas de Deus; alimenta a f dos presentes acerca da Palavra que na celebrao se converte em sacramento pela interveno do

    108

    LIBANIO, 2008, p.51. 109

    Ibid., p.51. 110

    BIANCHI, E. Presbteros: Palavra e Liturgia. So Paulo: Paulus, 2010. p.59-60. 111

    BUYST, I. Homilia, partilha da Palavra. So Paulo: Paulinas, 2001. p.9-10.

  • 46

    Esprito Santo; finalmente, prepara os fiis para uma comunho fecunda e os convida a praticar as exigncias da vida crist.112

    A homilia tem como finalidade que a Palavra de Deus anunciada,

    juntamente com a liturgia eucarstica, seja como uma proclamao das maravilhas

    realizadas por Deus na histria da salvao ou mistrio de Cristo. [...] Cristo est

    sempre presente e operante na pregao de sua Igreja113. E assim, a homilia deve

    levar a assembleia dos fiis a uma ativa participao na Eucaristia, a fim de que

    vivam sempre de acordo com a f que professaram. Com esta explicao viva, a

    Palavra de Deus que se leu e as celebraes que a Igreja realiza podem adquirir

    maior eficcia, com a condio de que a homilia seja realmente fruto da

    meditao114.

    A homilia, normalmente, deve ser feita pelo presidente da celebrao, ou por

    um concelebrante. Proferindo a homilia, o presidente exerce a sua funo prpria de

    ministro da Palavra de Deus. Por isso, o leigo no deve fazer a homilia.

    Deve ser lembrado que, com base no que est prescrito no cnone 767, 1, fica revogada toda norma anterior que tenha permitido a fiis no-ordenados fazer a homilia durante a Celebrao Eucarstica. De fato, tal praxe reprovada e no pode, portanto, ser concedida em virtude de algum costume. A proibio de admisso dos leigos pregao durante a celebrao da missa vale tambm para os seminaristas, para os estudantes de disciplinas teolgicas, para aqueles que tenham recebido o encargo de assistentes pastorais e para qualquer outro tipo, grupo, comunidade ou associao de leigos115.

    A homilia faz parte da liturgia, recomendada e deve ser feita tanto nas

    celebraes dominicais e festas de preceito como tambm nas celebraes

    feriais116. Ela um elemento necessrio para alimentar a vida crist. Deve ser a

    explanao de algum aspecto das leituras da Sagrada Escritura ou de algum texto

    112

    ELENCO, 1997, n.42. 113

    Ibid., n.24. 114

    ELENCO, loc. cit. 115

    CONGREGAO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, 2004, n.65-66.

    116 Cf. IGREJA CATLICA. Cdigo de Direito Cannico. Promulgado por Joo Paulo II, Papa.

    So Paulo: Loyola, 2001. cn. 767.

  • 47

    do Ordinrio ou do Prprio da Missa do dia, tendo sempre em conta o mistrio que

    se celebra, bem como as necessidades peculiares dos ouvintes117

    A homilia deve estar fundamentada nos mistrios da salvao. Deve-se

    expor os textos das leituras bblicas e os textos litrgicos, os mistrios da f e as

    normas da vida crist.

    claro que todas as interpretaes da Sagrada Escritura devem conduzir a Cristo [...]. Ao fazer a homilia, procure-se iluminar, em Cristo, os acontecimentos da vida. Faa-se isto, sem dvida, de tal modo que no se esvazie o sentido autntico e genuno da Palavra de Deus, por exemplo, tratando s de poltica ou de temas profanos, ou tomando como fonte noes que provm de movimentos pseudo-religiosos de nossa poca.118

    Bento XVI, em Sacramentum Caritatis, faz um apelo

    [...] Os ministros ordenados devem preparar cuidadosamente a homilia, baseando-se num adequado conhecimento da Sagrada Escritura. Evitem-se homilias genricas ou abstratas; de modo particular, peo aos ministros para fazerem com que a homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relao com a celebrao sacramental e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de Deus seja realmente apoio e vida da Igreja. Tenha-se presente, portanto, a finalidade catequtica e exortativa da homilia. Considera-se que oportuno oferecer prudentemente, a partir do Lecionrio trienal, homilias temticas aos fiis, que tratem, ao longo do ano litrgico, os grandes temas da f crist, haurindo de quanto est autorizadamente proposto pelo Magistrio nos quatro pilares do Catecismo da Igreja Catlica e no recente Compndio: a profisso da f, a celebrao do mistrio cristo, a vida em Cristo, a orao crist.119

    Para a preparao da homilia, Bento XVI cita os padres sinodais, mostrando

    alguns questionamentos que se devem levar em conta: O que dizem as leituras

    proclamadas? O que dizem a mim pessoalmente? O que devo dizer comunidade,

    tendo em conta a sua situao concreta? De tal modo, o pregador deve deixar-se

    117

    ALDAZBAL, 2007. n.65. 118

    CONGREGAO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, 2004, n.67.

    119 BENTO XVI. Exortao Apostlica Ps-sinodal Sacramentum Caritatis. So Paulo: Paulinas,

    2007. n.46.

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    interpelar primeiro pela Palavra de Deus que anuncia, porque, como diz Santo

    Agostinho, seguramente fica sem fruto aquele que prega exteriormente a Palavra de

    Deus sem a escutar no seu ntimo120.

    A homilia liga os textos sagrados realidade na qual vivemos e ao mistrio

    que estamos celebrando. Assim, ao prepar-la, deve-se ter conscincia de que

    existem 4 eixos bsicos:

    Um anncio (kerigma), um chamado f em Cristo salvador; Um ensinamento (didasclia) sobre o significado dos fatos e das palavras escutadas a partir da Escritura e da liturgia; Uma introduo (paraclese, parnese [exortao converso]), para provocar a resposta viva dos fiis Palavra anunciada; Uma introduo ao mistrio da comunho com o Senhor (mistagogia), devendo conduzir ao encontro pessoal com o Senhor que opera no sacramento e ao reconhecimento como irmos dos que se unem na mesma confisso de f e na mesma ao de graas.121

    A pessoa inseparvel de seu contexto histrico-social. Como a homilia fala

    da relao de Deus com o ser humano, no se pode deixar por esquecido este

    contexto. O Reino de Deus se estabelece nas realidades humanas, visveis,

    sociais... A homilia deve expor um kerigma, e no ficar numa moral. Mais do que

    conselhos, [...] depois do kerigma vem a exortao nossa converso. [...] A homilia

    no um receiturio de normas, mas um convite mudana radical das atitudes

    que, no mbito da liberdade de iniciativa pessoal, ser traduzida em fatos

    concretos122.

    a homilia conduz seus irmos a uma compreenso saborosa da Sagrada Escritura; abre as almas dos fiis ao de graas pelas maravilhas de Deus; alimenta a f dos presentes acerca da Palavra que na celebrao se converte em sacramento pela interveno do Esprito Santo; finalmente, prepara os fiis para uma comunho fecunda e os convida a praticar as exigncias da vida crist.123

    120

    BENTO XVI, 2007. n.59. 121

    CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) Manual de Liturgia 2 - A celebrao do mistrio pascal: fundamentos teolgicos e elementos constitutivos. So Paulo: Paulus, 2005b. passim.

    122 CELAM, 2005b, p.183-184.

    123 ELENCO, 1997, n.41.

  • 49

    4.1.6. Profisso de F

    Foi aos grandes conclios de Nicia (325) e Constantinopla (381) que coube

    a tarefa de dar ao catolicismo formulao definitiva do Credo, embora a maioria das

    diretrizes fosse de uso comum pelo menos desde o sculo III124.

    A liturgia romana adotou as frmulas do Smbolo Niceno-Constantinopolitano

    e do Smbolo Apostlico.

    O primeiro mais longo e, depois do Conclio Vaticano II, se reza raramente nas liturgias, embora conste no missal. Prefere-se comumente o Smbolo Apostlico. Ambas as formulaes conservam a mesma estrutura teolgica. Repete-se trs vezes o termo creio, ou de maneira explcita ou elptica, conforme a traduo, denotando-lhe a estrutura tripartida. Uma vez se refere ao Pai, outra ao Filho e a terceira ao Esprito Santo e sua obra.125

    A finalidade da profisso de f permitir que todo o povo reunido responda

    Palavra de Deus anunciada nas leituras da Sagrada Escritura e exposta na

    homilia, e que, proclamando a regra da f, segundo a frmula aprovada para o uso

    litrgico, recorde e professe os grandes mistrios da f, antes de comearem a ser

    celebrados na Eucaristia126.

    O Credo deve ser cantado ou recitado nos domingos e nas solenidades,

    como tambm em celebraes solenes especiais. Este momento deve ser bem

    preparado, para que no se transforme em mero expediente p