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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ
O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS
CONFLITOS DO TRABALHO
MARÍLIA
2015
RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ
O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS
CONFLITOS DO TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Direito, sob orientação
do Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira, e coorientação do
Prof. Dr. Lourival José de Oliveira.
MARÍLIA
2015
Cruz, Rodolfo Menderico Costa
O aperfeiçoamento da arbitragem para a solução dos conflitos do trabalho. / Rodolfo Menderico Costa Cruz. – Marília: UNIMAR, 2015.
95f.
Dissertação (Mestrado em Direito - Empreendimentos econômicos, desenvolvimento e mudança social) – Faculdade de Direito da Universidade de Marília, Marília, 2015.
1. Acesso à Justiça 2. Arbitragem 3. Direito do Trabalho I. Cruz, Rodolfo Menderico Costa
CDD -- 341.6
RODOLFO MENDERICO COSTA CRUZ
O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
DO TRABALHO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação do Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira, e coorientação do Prof. Dr. Lourival
José de Oliveira.
Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______
___________________________________________
Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira
Orientador
___________________________________________
Prof. Dr. Lourival José de Oliveira
Coorientador
___________________________________________
Profa. Dra. Tânia Lobo Muniz
Agradeço aos professores que fizeram parte da
minha vida pelo aprendizado adquirido e
determinação no propósito de ensinar.
Aos pais, Osvaldo e Vilma, a minha irmã Natália e a
minha esposa Juliana pelo incentivo, apoio e
compreensão incondicionais.
Agradeço em particular ao orientador Prof. Dr.
Daniel Barile da Silveira e ao co-orientador Prof. Dr.
Lourival José de Oliveira pelos conselhos de grande
sabedoria.
Que os vossos esforços desafiem as
impossibilidades, lembrai-vos de que as grandes
coisas do homem foram conquistadas do que parecia
impossível.
Charles Chaplin
O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM PARA A SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
DO TRABALHO
Resumo: O acesso à justiça no Brasil se realiza, fundamentalmente, através do judiciário,
muito embora devesse ser entendido de forma mais ampla. Resulta desse fato um grande
número de processos e, consequentemente, morosidade na prestação jurisdicional, causando
sérios prejuízos à efetividade do acesso à justiça no Brasil. Nesse contexto, a arbitragem, por
ser meio extrajudicial de solução de conflitos, pode contribuir para desafogar o poder
judiciário e ampliar a efetividade do acesso à justiça. Entretanto, há grande discussão sobre a
abrangência de aplicação da arbitragem na resolução dos conflitos individuais do trabalho.
Analisando a Constituição Federal em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor
poder-se-ia estender a aplicação da arbitragem para além dos tradicionais conflitos coletivos
do trabalho, abrangendo, também, os conflitos individuais homogêneos trabalhistas. Para
realização do estudo adotou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas na área
jurídica e afins.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Arbitragem. Direito do Trabalho.
THE IMPROVEMENT OF ARBITRATION TO RESOLVE LABOR CONFLICTS
Abstract: Access to justice in Brazil takes place primarily through the judiciary, although it
should be understood more widely. Results of this fact a large number of processes and,
consequently, delay of judgment, causing serious damage to the effectiveness of access to
justice in Brazil. In this context, arbitration, an extrajudicial way to resolve conflicts, can help
to relieve the judiciary and increase the effectiveness of access to justice. However, there is a
lot of discussion about the scope of application of arbitration to resolve individual labor
disputes. Analyzing the Brazilian Federal Constitution and the Consumer Code the
application of arbitration could be extended beyond the traditional collective labor disputes
also covering homogeneous individual labor conflicts. For this study was adopted the
deductive method, with literature search in the legal field and similar.
Keywords: Access to Justice. Arbitration. Labour Law.
LISTA DE ABREVIATURAS
CDC - Código de Defesa do Consumidor
CF - Constituição Federal
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
CP - Código Penal
CPC - Código de Processo Civil
CPP - Código de Processo Penal
DEJT - Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho
EPI - Equipamento de Proteção Individual
EUA - Estados Unidos da América
LACP - Lei de Ação Civil Pública
LOMPU - Lei Orgânica do Ministério Público da União
OIT - Organização Internacional do Trabalho
PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro
RR - Recurso de Revista
TST - Tribunal Superior do Trabalho
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - ACESSO À JUSTIÇA ................................................................................. 13
1 CONCEITO ....................................................................................................................... 13
2 EFETIVIDADE ................................................................................................................. 15
2.1 Entraves do judiciário que afetam o acesso à justiça .................................................. 17
2.1.1 Restrições econômicas .......................................................................................... 17
2.1.2 Restrições socioculturais ...................................................................................... 19
2.1.3 Restrições psicológicas ......................................................................................... 20
2.1.4 Restrições Jurídicas e Judiciárias ......................................................................... 21
3 FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA................................................................................. 22
4 O ACESSO À JUSTIÇA E A ORDEM ECONÔMICA ..................................................... 27
4.1 Efeitos da Globalização e neoliberalismo ................................................................... 27
4.2 A precarização do trabalho, o aumento dos conflitos coletivos e o acesso à justiça .. 31
CAPÍTULO II - ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA .............. 35
1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO .............................................................................. 35
1.1 Arbitragem no Brasil ................................................................................................... 38
2 CONCEITO DE ARBITRAGEM ...................................................................................... 38
2.1 Tipos de arbitragem ..................................................................................................... 40
2.2 Vantagens e desvantagens da arbitragem .................................................................... 41
2.3 Natureza Jurídica ......................................................................................................... 43
2.4 Convenção Arbitral ..................................................................................................... 44
2.5 Princípios norteadores da arbitragem .......................................................................... 46
3 DAS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NO BRASIL .............. 49
3.1 Princípio da inafastabilidade do poder judiciário ........................................................ 50
3.2 Soberania do Estado .................................................................................................... 51
3.3 Garantias processuais .................................................................................................. 51
3.4 Dupla instância de julgamento .................................................................................... 52
3.5 Juiz natural e vedação aos tribunais de exceção ......................................................... 52
3.6 Direitos disponíveis ..................................................................................................... 52
CAPÍTULO III – A ARBITRAGEM COMO FORMA DE SOLUCIONAR
CONFLITOS DO TRABALHO ............................................................................................ 54
1 FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO NO BRASIL ............... 54
1.1 Via judicial (tutela individual versus tutela coletiva) ................................................. 54
1.2 Via extrajudicial (conciliação, mediação e arbitragem) .............................................. 56
2. APLICABILIDADE DA ARBITRAGEM AO DIREITO DO TRABALHO ................... 57
3 POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO ..... 61
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM NA SEARA
TRABALHISTA ................................................................................................................... 64
4.1 A questão da segurança jurídica no instituto da arbitragem ........................................ 65
4.2 A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas ............................................ 68
4.3 O aperfeiçoamento da arbitragem à luz do Código de Defesa do Consumidor .......... 71
5 PROJETO DE LEI 7108/2014............................................................................................ 73
6 O CORPORATIVISMO E OS ENTRAVES À INSTAURAÇÃO DE NOVOS MÉTODOS
DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ...................................................................................... 75
7 A CONTRIBUIÇÃO DA ARBITRAGEM PARA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA ............................................................ 78
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 80
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 82
ANEXO .................................................................................................................................... 85
11
INTRODUÇÃO
O acesso à justiça deve ser entendido de forma mais abrangente como o acesso a uma
ordem jurídica justa e não de forma limitada como sendo, tão somente, o acesso ao judiciário
como instituição estatal. Essa interpretação restritiva é consequência da adoção do judiciário
como principal forma de resolução dos conflitos no Brasil.
Sendo assim, o acesso à justiça pode se efetivar tanto por meio do judiciário, através
de ações individuais ou coletivas, como por meios extrajudiciais, dentre os quais a arbitragem
é o de maior relevância para este estudo. Dentre todos esses meios de se alcançar o acesso à
justiça, tem-se priorizado, infelizmente, a forma judiciária na modalidade individual.
Resulta desse fato um grande número de processos judiciais e, consequentemente,
morosidade na prestação jurisdicional. Dessa forma, cabe discutir meios de se quebrar esse
paradigma através da desjudicialização com a efetiva implantação de formas extrajudiciais de
resolução dos conflitos.
É nesse contexto que está inserida a arbitragem, uma vez que por ser meio
extrajudicial de solução de conflitos, poderia servir de alternativa ao sistema judiciário,
trazendo inúmeras vantagens. Sendo assim, a discussão não pode se finalizar na mera análise
dos problemas enfrentados internamente pelo judiciário. É necessário ir mais além e
questionar certas tradições socioculturais e buscar soluções inclusive em formas extrajudiciais
de solução de conflitos.
Essa pesquisa tem por objetivo analisar a arbitragem como meio constitucionalmente
preconizado para solução dos conflitos originários das relações de trabalho e apresentar
proposta para o seu entendimento e aperfeiçoamento, valendo-se, para tanto, do conceito de
tutelas coletivas presente no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para ampliar o alcance
de aplicação da arbitragem para abranger, também, os conflitos individuais homogêneos do
trabalho.
Para tanto, cabe analisar, previamente, o conceito de acesso à justiça e os entraves a
sua real efetivação no Brasil, para, posteriormente, engendrar pelo estudo da arbitragem como
alternativa válida para a concretização do direito de acesso à justiça dos cidadãos. Somente
então, analisar-se-á as especificidades que permeiam o uso da arbitragem na seara do Direito
do Trabalho a fim de desenvolver uma linha de raciocínio jurídico que permita ampliar a
utilização do instituto na área trabalhista, levando em consideração as principais críticas
quanto a sua larga aplicação na área.
12
A utilização de meios alternativos para a resolução dos conflitos do trabalho vem de
encontro com os princípios que regem a ordem econômica constitucional, já que fica difícil,
por exemplo, falar em pleno emprego, redução das desigualdades sociais ou função social da
propriedade, sem que haja efetiva garantia a uma rápida, segura e econômica forma de
solução para os conflitos de interesse.
Com o intuito de alcançar os objetivos do trabalho, adotou-se o método dedutivo com
a realização de pesquisa bibliográfica para, ao final, apresentar de forma estruturada um plano
para aperfeiçoar a utilização da arbitragem na resolução dos conflitos oriundos das relações
trabalhistas. As fontes consultadas foram: livros, artigos, periódicos e publicações on-line,
com a finalidade de identificar os posicionamentos mais relevantes para a análise proposta,
possibilitando a realização de um estudo aprofundado sobre o tema.
13
CAPÍTULO I - ACESSO À JUSTIÇA
1 CONCEITO
O conceito de acesso à justiça foi evoluindo ao longo do tempo. Primeiramente,
acreditava-se que o acesso à justiça era tão somente o direito formal do ofendido de ingressar
com ação ou contestá-la. Essa visão não levava em conta as diferenças existentes entre os
litigantes e nem a impossibilidade de alguns em arcar com os altos custos de um processo. O
acesso à justiça era entendido como um direito natural que não requeria nenhum tipo de
proteção do Estado. Bastava que este disponibilizasse os meios para se buscar o acesso à
justiça, e aqueles que não pudessem obtê-lo eram os únicos responsáveis por seu infortúnio.
Dessa forma, garantia-se, apenas, o acesso formal à justiça, mas não o acesso efetivo.
Com o intuito de dar mais efetividade ao direito de acesso à justiça, algumas reformas
judiciárias foram sendo realizadas, inclusive no Brasil, e o papel do Estado nesse contexto foi,
aos poucos, ampliado. Primeiramente, vieram os programas de assistência judiciária que
disponibilizam advogados para aqueles que antes não podiam custear seus serviços fazendo
com que as pessoas se tornem cada vez mais conscientes de seus direitos. Em segundo lugar,
foram criados mecanismos de proteção aos direitos difusos, em especial os direitos do
consumidor e do meio ambiente.
De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido
como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e
sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na
ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça
pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico
dos direitos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.1
Nesse contexto, o conceito de acesso à justiça foi, aos poucos, sendo ampliado a fim
de abranger não somente o acesso formal a justiça, mas também o acesso efetivo. Os meios de
proteção aos direitos formalmente garantidos também precisam atender aos anseios e
necessidades das mais distintas classes sociais e fim de garantir sua real efetividade.
Atualmente, o acesso à justiça não fica reduzido, como no senso comum, a simples
ideia de acesso de todos ao judiciário e suas instituições. Não é o acesso a Fóruns e Tribunais
que faz com que os cidadãos tenham ou não acesso à Justiça. Apesar desse conceito advindo
1 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.11-
12.
14
do senso comum, sem dúvida alguma, fazer parte do que é verdadeiramente o acesso à justiça,
é necessário analisá-lo de maneira um pouco mais abrangente.
Assim também é o entendimento de Kazuo Watanabe:
A problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados
limites dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar
o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à
ordem jurídica justa.2
Sob essa ótica, Alexandre Cesar3 entende que leis justas e que não discriminem ou
privilegiem determinadas pessoas ou grupos e que sejam capazes de assegurar determinados
direitos e garantias tidos como fundamentais integram o conceito de acesso à justiça, mas não
correspondem ao seu todo. Quando se tem um descumprimento desse ordenamento jurídico
justo necessita-se de meios aptos a garantir seu devido cumprimento a fim de que se possa
efetivar o direito de acesso à justiça. Sem dúvida, um desses meios, e o mais utilizado
hodiernamente, é o judiciário, entretanto, ele não é o único. Devem integrar, também, esse
conceito mais amplo de acesso à justiça, as formas extrajudiciais de resolução de conflitos.
O acesso à justiça se dá na medida em que os mecanismos de resolução de conflitos
estejam aptos a produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos. Sob essa
perspectiva uma justiça funcional, mas morosa, não é capaz de atender ao conceito mais
amplo de acesso à justiça.
A globalização e a revolução tecnológica trouxeram relações sociais cada vez mais
complexas e sujeitas a uma infinidade de litígios, gerando aumento considerável na demanda
pelo judiciário já que este, especialmente no Brasil, é considerado como o principal meio de
resolução dos conflitos.
Ocorre que, mesmo que investimentos materiais e humanos fossem realizados no
judiciário, ele dificilmente atenderia aos anseios sociais, pois sua estrutura é pautada na
segurança e na cautela e, portanto, morosa demais para atender a dinâmica sociedade atual
como única forma de resolução de conflitos.4
2 WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords). Participação e Processo. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1988, p. 128. 3 CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 49-50.
4 ZANFERDINI. Flávia de Almeida Montingelli. Desjudicializar conflitos: uma necessária releitura do acesso à
justiça. Disponível em:
< http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:FJetcWdVZCAJ:siaiweb06.univali.br/seer/index.php/
nej/article/download/3970/2313+&cd=14&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br> Acesso em: 22 ago. 2013.
15
É por isso que, há muito tempo, o judiciário brasileiro enfrenta verdadeira crise de
confiança e legitimidade motivada por sua excessiva morosidade que, em alguns casos, faz
com que o cidadão busque formas de solução de litígios ilícitas como, por exemplo, a justiça
pelas próprias mãos.
A resolução dessa crise não passa apenas pelo investimento no judiciário e sim pela
redução na quantidade exagerada de processos. Mas como reduzir a quantidade de processos
sem prejudicar o acesso à justiça? Talvez a resposta para essa questão esteja além da
remodelação do judiciário, passando também pela adoção de formas extrajudiciais de
resolução dos conflitos (mediação, conciliação e arbitragem) como formas prioritárias, sendo
o judiciário acionado apenas em último caso, e não o inverso como ocorre hoje.
Até mesmo na China do século VII o imperador Hang Hsi já identificava esse mesmo
problema, levando a edição do decreto a seguir:
Ordeno que todos aqueles que se dirigirem aos tribunais sejam tratados sem
nenhuma piedade, sem nenhuma consideração, de tal forma que se
desgostem tanto da ideia do Direito quanto se apavorem com a perspectiva
de comparecerem perante um magistrado.
Assim o desejo para evitar que os processos não se multipliquem
assombrosamente, o que ocorreria se não existisse o temor de se ir aos
tribunais.
O que ocorreria se os homens concebessem a falsa ideia de que teriam a sua
disposição uma justiça acessível e ágil.
O que ocorreria se pensassem que os juízes são sérios e competentes.
Se essa falsa ideia se formar, os litígios ocorrerão em número infinito e a
metade da população será insuficiente para julgar os litígios da outra metade
da população.5
É claro que tal pensamento é, evidentemente, radical e extemporâneo, mas dele pode-
se extrair que a crise na prestação jurisdicional pelo Estado se arrasta há vários séculos e que
novas formas de resolução dos litígios são cada vez mais necessárias e bem-vindas.
No entanto, torna-se necessário aprofundamento prévio no estudo sobre a falta de
efetividade da prestação jurisdicional, bem como a caracterização dos principais entraves que
permeiam o aparelho judiciário estatal e impedem a real efetivação do direito de acesso à
justiça a todos os cidadãos.
2 EFETIVIDADE
5 SPRENKEL, Van der apud ANDRIGHI, Fátima Nancy. Formas alternativas de solução de conflitos.
Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001118/texto%20ministra%20seecionado-
formas%20alternativas%20de%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20conflitos.doc>. Acesso em: 22 ago. 2013.
16
Para que uma lei tenha validade deve-se cumprir uma série de procedimentos e
formalidades desde a sua elaboração pelo Congresso até a sanção do Poder Executivo.
Entretanto, a validade técnico-jurídica não é o único requisito necessário para que a norma
possa cumprir com sua finalidade. Para tanto, além da eficácia jurídica é necessário que se
tenha eficácia social, também denominada de efetividade.
Segundo ensinamento de Miguel Reale:
O Direito autêntico não é apenas declarado mas reconhecido, é vivido pela
sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de
conduzir-se. A regra de direito deve, por conseguinte, ser formalmente
válida e socialmente eficaz.6
Conforme entendimento de Hans Kelsen7, para que o Direito goze de efetividade ele
deve contar com uma aceitação mínima da sociedade. Ou seja, a ordem jurídica deve estar em
consonância com a realidade social. Não se pode exigir, entretanto, que a conduta dos
indivíduos esteja em conformidade absoluta com a lei, certo antagonismo é necessário, pois o
intuito da lei é justamente o de reprimir e desestimular os comportamentos antagônicos e, sem
eles, a lei perde seu significado.
Quando a norma jurídica não é cumprida espontaneamente por significativa parcela da
sociedade, o Estado pode se valer da coação impondo sua observância de forma compulsória
e, assim, alcançando a efetividade. Nas palavras de Luís Roberto Barroso: “é precisamente a
presença da sanção que garante a eficácia de uma norma jurídica, ensejando sua aplicação
coativa quando não é espontaneamente observada”.8
A não observância generalizada da sociedade a uma determinada norma jurídica seja
por ela não se amoldar aos costumes daquela sociedade, seja pela ineficiência estatal em
garantir seu cumprimento, acarretará, por certo, em sua falta de efetividade.
Diante do exposto, Luis Roberto Barroso assim conceitua a efetividade:
A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho
concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos
6 REALE. Miguel. Lições preliminares de direito. 27. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 113.
7 KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.175-176.
8 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da
Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar: 1993, p. 81.
17
fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto
possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.9
O Direito existe para realizar-se, ou seja, existe para que venha a produzir os efeitos
sociais pretendidos. Todavia, observa-se, hodiernamente, uma grande quantidade de normas
que caíram em desuso pela falta de efetividade. E, como se verá adiante, muitas vezes a
própria ineficiência dos órgãos estatais pode contribuir para que certos direitos não encontrem
efetividade.
2.1 Entraves do judiciário que afetam o acesso à justiça
Sendo o judiciário a principal forma para resolução dos conflitos trabalhistas no
Brasil, qualquer entrave que impeça ou dificulte sua utilização por aqueles que dele
necessitam constitui séria ameaça à efetivação do direito de acesso à justiça. Uma justiça
morosa, burocrática, formalista ou custosa, por exemplo, pode impedir que grande parte da
população venha a ter efetivo acesso ao judiciário estatal para resolução de sua lide.
O estudo dos entraves em questão faz-se necessário para compreender o teor de uma
verdadeira crise de efetividade vivenciada, hodiernamente, no judiciário e também serve de
estímulo para que soluções, tanto no âmbito judicial como no extrajudicial, sejam pesquisadas
e examinadas.10
O acesso à justiça vai se realizando na medida em que os direitos se tornem cada vez
mais efetivos. Infelizmente, são muitos os entraves existentes no judiciário. Pode-se agrupá-
los da seguinte forma a fim de facilitar o estudo: restrições econômicas, restrições
socioculturais, restrições psicológicas e restrições jurídicas/ judiciárias.
Não é objetivo do presente estudo buscar solução para cada um dos entraves do
judiciário. É necessário apenas conhecê-los e compreendê-los a fim de subsidiar o
entendimento de que o judiciário não mais pode ser visto como único meio para solução de
todos os tipos de conflitos, abrindo caminho para futura análise da arbitragem como relevante
meio extrajudicial para resolução de litígios.
2.1.1 Restrições econômicas
9 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da
Constituição brasileira. Rio de Janeiro: Renovar: 1993, p. 79. 10
D’URSO, Luiz Flávio Borges. Crise no poder judiciário. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/sobre-
oabsp/palavra-do-presidente/2008/113>. Acesso em: 05 mar. 2015.
18
O custo processual no Brasil é muito alto: honorários advocatícios, custas de
distribuição, produção de provas, preparo de recursos eventualmente interpostos e, por fim, o
ônus da sucumbência para aquele que teve suas alegações improvidas, arcando com as
despesas da parte vencedora. Soma-se a isso, ainda, uma das piores distribuições de renda do
globo e elevado grau de miserabilidade e tem-se um grande entrave à efetividade do acesso à
justiça.
Por essa razão é que Cândido Rangel Dinamarco afirma que:
O custo do processo e a miserabilidade das pessoas ocupam, apesar de não
preencherem todo o espaço, lugar de muito destaque nas preocupações
acerca da universalidade da tutela jurisdicional. A justiça é cara e da
brasileira pode-se dizer o que com sarcástico humor britânico fora dito: is
open to all, like the Ritz Hotel. 11
Agravando ainda mais o cenário exposto, pesquisas coordenadas por Mauro
Cappelletti12
, demonstram que as ações de menor valor são as que possuem os custos
proporcionalmente mais elevados em relação ao valor da ação. Dessa forma, pode-se
constatar que a justiça é cara de forma geral, mas é proporcionalmente mais cara aos cidadãos
mais pobres que são, geralmente, os autores das ações de menor valor.
É evidente que a exclusão social e a pobreza são os maiores obstáculos do
livre acesso à justiça. O pleno acesso à justiça só será possível com a
erradicação da pobreza ou com a inclusão dos excluídos no processo de
democratização da justiça ou ainda, com a intervenção do judiciário
ofertando oportunidades iguais aos desiguais e, criando um mecanismo de
contrapeso, dotando os mais fracos e miseráveis, da possibilidade, real e
efetiva, de acesso a uma ordem jurídica justa e equânime.13
Seguindo essa linha, percebe-se logo a importância da Assistência Judiciária e da
Justiça Gratuita (asseguradas pelo artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal) como
mecanismos de contrapeso para proteção dos economicamente desfavorecidos, alcançando,
assim, maior efetividade no direito de acesso à justiça.
11
DINAMARCO, Cândido Rangel apud CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT,
2002, p. 94-95. 12
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.19. 13 MELO, Nehemias Domingos de. Da Justiça gratuita como Instrumento de Democratização do Acesso ao
Judiciário. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1075>. Acesso em: maio
2014.
19
O instituto da Assistência Judiciária garante aos mais necessitados o acesso a serviços
de advocacia, seja por meio da Defensoria Pública, seja por meio de profissional designado
pelo juiz. Já a Justiça Gratuita visa garantir a isenção de todas as despesas inerentes a um
processo judicial.
A justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e
desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou-se o direito de administra-
la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos.
Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios
para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é
justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas.14
O Código de Defesa do Consumidor, ao considerar os consumidores como
hipossuficientes em comparação com os grandes conglomerados econômicos, torna-se um
importante mecanismo para alargar a efetividade do acesso à justiça aos economicamente
menos favorecidos.
Também a Lei 9.099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foi um
grande avanço nessa área já que visa atender demandas de baixo valor (menos de quarenta
salários mínimos), dispensando os litigantes do pagamento de custas, taxas e despesas,
conforme artigo 54 da referida lei. Faculta, também, a assistência de advogado nas causas de
valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/95).
Em que pese os esforços do judiciário em minimizar as restrições econômicas ao
acesso à justiça, deve-se levar em consideração que os parâmetros para decidir quem é de fato
merecedor da Assistência Judiciária e/ou Justiça Gratuita são demasiadamente subjetivos o
que tem levado a distorções quando da sua aplicação pelos juízes de direito, ferindo, dessa
forma, o direito de acesso à justiça de alguns cidadãos.
Outro fator limitante do efetivo acesso à justiça é a longa duração dos processos.
Quanto mais moroso, maiores são os custos. Além do mais, outra vez, aqueles que possuem
pior renda são os mais afetados pela demora, por não terem recursos suficientes para arcar
com a espera, e se veem pressionados a aceitarem acordos desfavoráveis ou, até mesmo,
abandonarem a causa.15
2.1.2 Restrições socioculturais
14
REZENDE FILHO, Gabriel de apud MELO, Nehemias Domingos de. Da Justiça gratuita como Instrumento
de Democratização do Acesso ao Judiciário. Disponível em:
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1075>. Acesso em: maio 2014. 15
CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 95.
20
Esse tipo de entrave é decorrente da desigualdade social, porém, vai mais além,
adentrando em questões de cunho cultural. Em regra, quanto menor o nível econômico de um
cidadão, menor seu grau de instrução e, portanto, menor a capacidade de identificar um direito
violado e passível de reparação judicial. Essa situação ainda é agravada com o péssimo ensino
público a que a população brasileira mais carente tem acesso.
Entretanto, essas barreiras que obstam o acesso à justiça não atingem somente as
camadas mais pobres da população. Como bem explicita Mauro Cappelletti e Bryant Garth,
mesmo:
[...] consumidores bem informados, por exemplo, só raramente se dão conta
de que sua assinatura em um contrato não significa que precisem,
obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias.
Falta-lhes conhecimento jurídico básico não apenas para fazer objeção a
esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de
objeção.16
Dessa forma, a falta de conhecimento jurídico, principalmente, mas não
exclusivamente, da parcela mais pobre da população, afeta consideravelmente a afetividade
do acesso à justiça.
2.1.3 Restrições psicológicas
O receio de estar em juízo é uma restrição psicológica que parece, em um primeiro
momento, estar ligada somente ao íntimo da pessoa, não havendo nenhuma medida cabível ao
Estado para amenizá-la. Entretanto, uma breve análise das causas de tal receio aponta que o
Estado está diretamente ligado a ele.
No sentido comum do brasileiro, o Poder Judiciário, assim como a maioria
das instituições, é inacessível, não é confiável e não faz justiça; o magistrado
é visto como um ser superior, diferente do restante dos mortais, e os
advogados são vistos como ‘pessoas em quem se deve confiar,
desconfiando’.17
Além do mais, o excesso de formalismo, a linguagem e vestimentas rebuscadas, entre
outros, são capazes de intimidar, principalmente os mais pobres, e contribuir, sobremaneira,
para o surgimento de certo receio de se estar em juízo.
16
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.23. 17
CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002, p. 99.
21
Observa-se, portanto, que as causas de tal receio são, em sua maioria, oriundas da
forma como a atividade jurisdicional é organizada pelo Estado e, também, decorrência da
própria ineficiência das instituições judiciárias. Como se não bastasse, até a falta de segurança
pública ameaça a efetividade do acesso à justiça uma vez que muitos temem sofrer represálias
se entrarem com ação, fato que o Estado deveria coibir.
2.1.4 Restrições Jurídicas e Judiciárias
O judiciário brasileiro apresenta algumas particularidades que acabam por desmotivar,
dificultar ou, até mesmo, restringir o acesso à justiça para alguns cidadãos. Entre elas, pode-se
destacar: o elevado tempo de duração dos feitos; o discurso jurídico de difícil compreensão e
a abundância de normas.
As excessivas espécies de recursos existentes acabam fornecendo meios para que uma
das partes procrastine a resolução da lide demasiadamente. Necessita-se, portanto, de uma
urgente reforma processual no judiciário brasileiro com vistas a tornar os processos
efetivamente mais céleres tendo, como uma das medidas, a diminuição da enorme quantidade
de recursos existentes.
Outro fator que contribui para a longa duração dos processos é o excesso de
burocracia, o apego excessivo à forma. Estes não podem ser mais relevantes do que a
premência da decisão. Inúmeras vezes o judiciário acaba por se perder no excessivo número
de regras e rituais esquecendo-se que o mais importante é entregar aos envolvidos uma
solução concreta para a lide. O meio, que deveria ser apenas um processo no qual se deve
passar para obter o resultado pretendido, acaba por se tornar mais importante do que o fim
almejado.
Por fim, o discurso jurídico de difícil compreensão e linguagem excessivamente
rebuscada, aliado a constante proliferação de normas, acaba por dificultar ou inibir a
participação, principalmente da parcela menos instruída da população, tornando o judiciário e
os ordenamentos cada vez mais distantes da realidade do cidadão comum.
O objetivo da linguagem é a transmissão de informações. Na medida em que se tem
uma linguagem jurídica excessivamente técnica, rebuscada, com uso exagerado de expressões
em latim e tendência em bajular as autoridades judiciárias, o real objetivo da linguagem fica
significativamente comprometido. Dessa forma, o direito de acesso à justiça dos cidadãos
também é seriamente prejudicado.
22
Incapaz de compreender os autos do próprio processo em que figura como parte, o
cidadão fica a mercê do conhecimento jurídico de seu advogado para atualizá-lo dos últimos
acontecimentos processuais. Sendo assim, a linguagem jurídica quase incompreensível parece
ter como intuito proteger o mercado de trabalho dos advogados tendo como efeito colateral a
marginalização da grande parcela da população que não detém saber jurídico.
É certo que o uso de algumas expressões técnicas é natural e essencial tanto no ramo
do Direito como nos demais ramos da ciência (medicina, filosofia, astronomia, entre outros).
Para tanto, a melhor solução seria o ensino jurídico escolar, já que o Direito está diretamente
relacionado a todos os que vivem em sociedade e não apenas ao seleto grupo de cidadãos que
escolheram trabalhar nos órgãos judiciários como advogados, juízes, promotores etc.
Realizada esta observação, cabe ressaltar que a linguagem jurídica rebuscada,
inclusive pelo uso excessivo do latim e bajulação de autoridades (por exemplo:
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz), prejudica, sobremaneira, a compreensão de seu conteúdo
pelo cidadão. Entretanto, a resolução desse entrave não passa somente pela educação jurídica
da população. É necessário abolir tais práticas do sistema judiciário, já que as peças
processuais e as sentenças não podem ter outro objetivo a não ser o de atender ao cidadão que
acionou o judiciário para ver seu conflito resolvido.
A linguagem jurídica rebuscada não pode mais continuar a ser usada como
instrumento para reserva de mercado ou como demonstração de habilidades intelectuais pelos
juízes e advogados. Quanto mais prolixa e rebuscada é a linguagem, menos célere será o
andamento do processo. Dessa forma, é preciso difundir o uso de uma linguagem jurídica
mais clara e objetiva a fim de tornar a justiça mais rápida e a participação dos cidadãos mais
efetiva.
3 FORMAS DE ACESSO À JUSTIÇA
Existem diversos métodos para se solucionar um determinado conflito e,
consequentemente, diversas formas de se obter acesso à justiça. São elas: autotutela,
autocomposição e heterocomposição.
A autotutela já foi a forma predominante de se buscar justiça. Nela o próprio
indivíduo, unilateralmente, impõe uma determinada decisão ou situação com o emprego de
força. Explicando de outra forma, o particular utiliza-se da coerção para impor um
determinado interesse pessoal diante de outro indivíduo ou coletividade.
23
Nos primórdios da civilização inexistia a figura de um Estado que pudesse impor o
direito acima da vontade dos particulares. Além do mais, nem se quer existiam as Leis. Dessa
forma, as pretensões de um particular sempre que obstaculizadas por outrem só poderiam ser
satisfeitas por meio da força. Não havia garantia de justiça nas decisões. O mais forte ou
astuto garantia sua vitória sobre o mais fraco.
Thomas Hobbes assim descrevia esse período onde a autotutela era a forma
predominante de resolução dos conflitos humanos:
E dado que a condição do homem é uma condição de guerra de todos contra
todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, e não
havendo nada, de que possa lançar mão, que não possa servir-lhe de ajuda
para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que
numa tal condição todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os
corpos dos outros. Portanto, enquanto perdurar este direito de cada homem a
todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem (por mais forte e
sábio que seja) a segurança de viver todo o tempo que geralmente a natureza
permite aos homens viver. Consequentemente é um preceito ou regra geral
da razão, que todo homem deve esforçar-se pela paz, na medida em que
tenha esperança de consegui-la, e caso não a consiga pode procurar e usar
todas as ajudas e vantagens da guerra. A primeira parte desta regra encerra a
lei primeira e fundamental de natureza, isto é, procurara paz, e segui-la. A
segunda encerra a suma do direito de natureza, isto é, por todos os meios que
pudermos, defendermo-nos a nós mesmos.
Desta lei fundamental de natureza, mediante a qual se ordena a todos os
homens que procurem a paz, deriva esta segunda lei: Que um homem
concorde, quando outros também o façam, e na medida em que tal considere
necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em renunciar a seu direito
a todas as coisas, contentando-se, em relação aos outros homens, com a
mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.18
Em busca da paz, a razão humana levou ao estabelecimento de concessões mútuas
entre os homens levando, em última instância, a instauração do Estado, capaz de garantir a
ordem social. Com o surgimento e consolidação do Estado, a autotutela foi sendo colocada
em desuso e passou, até mesmo, a ser proibida no âmbito interno pelos ordenamentos
jurídicos atuais. O poder de coerção passou a ser atribuição, quase que exclusiva, do Estado.
Os indivíduos escolheram abrir mão de parcela da sua liberdade sujeitando-se ao controle
estatal com o objetivo de conquistar uma convivência mais pacífica entre os homens.
Como bem lembra Mauricio Godinho Delgado19
, atualmente, no Brasil, “a autotutela é
definida como crime, seja quando praticada pelo particular (‘exercício arbitrário das próprias
18
MALMESBURY, Thomas Hobbes de. Leviatã. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf>. Acesso em: 08 dez. 2014. 19
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1475.
24
razões’, art 345, CP), seja pelo próprio Estado (‘exercício arbitrário ou abuso de poder’, art.
350)”.
Alguns poucos casos ficaram de fora dessa vedação da autotutela. Cite-se, como
exemplo mais conhecido, o instituto da legítima defesa estabelecido no art. 188, I, do Código
Civil brasileiro. Já no campo do Direito Coletivo do Trabalho, temos a figura da greve como
patente exemplo de autotutela.
A Lei 7.783/89 assegura o exercício e impõe certas limitações ao direito de greve no
Brasil. A greve é uma atitude extrema dos trabalhadores que, geralmente representados pelo
seu sindicato, paralisam a execução dos contratos de trabalho como forma de pressionar seus
empregadores para que prossigam com as negociações coletivas.
Nas palavras de Maurício Godinho Delgado20
, greve é:
[...] a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos
trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com
o objetivo de exercer-lhes pressão, visando à defesa ou conquista de
interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos.
Por outro lado, a Lei 7.783/89, em seu art. 17, veda a figura do lockout, que é a
paralização das atividades pelos próprios empregadores com o intuito de exercer pressão na
negociação com seus empregados. Ao assegurar o direito de greve e vedar o lockout, o
legislador parece reconhecer a condição de hipossuficiência do trabalhador perante seu
empregador e, consequentemente, a necessidade de uma proteção legal mais ampla.
Outra forma possível e muito utilizada primitivamente para resolver os conflitos é
através da autocomposição onde o conflito é solucionado pelas próprias partes sem o uso da
coerção. Não há, portanto, a participação de um terceiro dando solução para o conflito, seja
direitamente, julgando a lide, seja indiretamente, sugerindo, persuadindo e induzindo uma
solução.
Pela via autocompositiva as partes podem chegar a um acordo de concessões
recíprocas, onde cada uma das partes envolvidas abre mão de algo pretendido para que, ao
final, um acordo possa ser efetivado, ou, o resultado final pode ser um acordo onde uma das
partes aceita totalmente os interesses da outra em detrimento dos seus.
Sendo assim, são três as formas de autocomposição, formas estas que são, de certa
maneira, utilizadas até hoje: a desistência (renúncia à pretensão); a submissão (renúncia à
resistência oferecida à pretensão) e a transação (concessões recíprocas).
20
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1446.
25
Hodiernamente, a autocomposição pode se dar tanto no âmbito da sociedade civil, ou
seja, extrajudicialmente, como no âmbito de um processo judicial. No campo do Direito do
Trabalho a negociação coletiva figura como principal meio de resolução dos conflitos pela via
autocompositiva.
Assim é definido o termo “negociação coletiva” na obra de Fábio Túlio Barroso:
A negociação coletiva é o instrumento utilizado para que, por meio do
diálogo promovido pelas partes, seja possível encontrar uma solução
autônoma para as divergências existentes entre sindicatos profissionais e
econômicos ou entre sindicato profissional e empresas, nos casos das
convenções e acordos coletivos de trabalho, respectivamente.21
Embora ainda utilizada nos dias atuais, à medida que o Estado foi se impondo aos
particulares como alternativa válida e imparcial para resolução dos conflitos, a autotutela e a
autocomposição experimentaram significativo enfraquecimento e a solução heterocompositiva
foi ganhando força.
Diferentemente das formas anteriores, na heterocomposição a solução do conflito
passa pela intervenção de um agente externo às partes. Os litigantes (ou um deles) submetem
o conflito a um terceiro objetivando uma possível solução.
Inicialmente, essa intervenção era confiada aos sacerdotes, cuja relação com os deuses
permitia uma resolução acertada para o conflito, ou então aos anciãos, possuidores de grande
sabedoria. Mas, com o surgimento e fortalecimento da figura do Estado, os cidadãos foram
abrindo mão de parcela de sua liberdade para conceder a ele o poder de solucionar os
conflitos. No princípio do Império Romano os conflitos já eram levados, desde que de comum
acordo entre as partes, ao pretor. As partes então deviam se comprometer a aceitar a decisão
proferida e elegiam árbitro para julgar a controvérsia, arbitro este a quem o pretor conferia os
poderes necessários para julgamento da lide. Em suma, tinha-se uma espécie de arbitragem
facultativa. Após o século II d.C, o Estado romano intensificou sua participação na resolução
dos conflitos através da conquista do poder de nomear os árbitros. Evoluiu-se, então, para
uma espécie de arbitragem obrigatória.22
Para que as partes se sujeitassem mais facilmente às decisões estatais, o poder público
começou a preestabelecer de forma abstrata as regras que vinculariam suas decisões
garantindo maior segurança para as partes. Surgem então as Leis (a Lei das XII Tábuas, do
21
BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.191. 22
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral
do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 26-30.
26
ano 450 a.C. é um marco dessa época). Por fim, no século III d.C, passou o próprio pretor a
julgar e sentenciar ao invés de nomear ou aceitar a nomeação de árbitro para tal propósito e,
assim, completou-se o ciclo histórico de evolução da justiça privada para a justiça pública
surgindo a figura do monopólio estatal da jurisdição. O Estado, finalmente, passa a impor
autoritariamente a sua solução para os conflitos de interesses. Salvo algumas exceções, as
partes não mais podem fazer justiça pelas próprias mãos (vedação da autotutela), restando a
elas a possibilidade de provocar o exercício da função jurisdicional pelo Estado.23
Levando-se em consideração toda essa evolução histórica da heterocomposição como
forma de resolução dos conflitos, Mauricio Godinho Delgado descreve a heterocomposição na
modalidade jurisdicional da seguinte forma:
Na heterocomposição também não há exercício de coerção pelos
sujeitos envolvidos. Entretanto pode haver, sim, exercício coercitivo
pelo agente exterior ao conflito original – como se passa no caso da
jurisdição. A heterocomposição, em sua fórmula jurisdicional,
distingue-se, pois, da autocomposição (e até mesmo das demais
modalidades heterocompositivas) pelo fato de comportar exercício
institucionalizado de coerção ao longo do processo de análise do
conflito, assim como no instante de efetivação concreta do resultado
final estabelecido.24
Apesar de o principal meio heterocompositivo de resolução dos conflitos ser a via
judicial, ela não é a única. No entendimento de autores como Mauricio Godinho Delgado,
Fábio Túlio Barroso25
e Sergio Pinto Martins26
, a mediação, a conciliação e a arbitragem são
institutos extrajudiciais que também figuram como meios heterocompositivos de resolução
dos conflitos já que terceira pessoa, alheia ao conflito, intervém para sua resolução, seja
decidindo a questão como no caso da arbitragem, seja meramente auxiliando no entendimento
entre as partes como no caso da mediação e da conciliação.
Estando o judiciário repleto de entraves que impedem seu perfeito funcionamento e
limitam o direito de acesso à justiça dos cidadãos, o fortalecimento da arbitragem, da
mediação e da conciliação para resolução de conflitos é alternativa válida para ampliação da
efetividade do direito de acesso à justiça no Brasil.
23
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral
do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 26-30. 24
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1477. 25
BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p.191. 26
MARTINS, Sergio Pinto. Curso de direito do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 273.
27
4 O ACESSO À JUSTIÇA E A ORDEM ECONÔMICA
A efetividade do direito de acesso à justiça sofre forte influência, inclusive, de
aspectos econômicos. Nas últimas décadas experimentou-se um grande avanço nas
tecnologias de transporte e comunicação, causando significativas mudanças na forma de
organização da economia mundial. Teve início um processo de globalização do mercado
financeiro e, também, uma forte expansão do ideário liberal de mínima intervenção do Estado
na economia.
Interessa ao presente estudo, primeiramente, analisar de que forma a globalização
aliada aos ideais liberalistas enfraquecem o poder dos trabalhadores e de seus sindicatos e
acabam gerando precarização dos trabalhos como consequência lógica de um desrespeito
reiterado das normas protetivas aos trabalhadores.
Entendida a relação entre as dimensões econômica e a trabalhista, cabe relacionar de
que forma o gradual processo de precarização do trabalho humano e, consequentemente,
elevação da quantidade de processos judiciais pode interferir na qualidade da prestação
jurisdicional do Estado e, assim, reduzir a efetividade do direito de acesso à justiça.
Somente após delimitação e exposição do contexto histórico e evolutivo vivenciado
nas relações econômicas e laborais é que se pode adentrar na discussão sobre a necessidade de
quebra do paradigma da individualidade e buscar no coletivo a solução para maximizar o
direito de acesso à justiça dos cidadãos.
Essa busca leva a uma prévia análise dos malefícios causados pelo uso quase
exclusivo das ações judiciais individuais para resolução dos conflitos trabalhistas e dos
possíveis benefícios que podem advir do uso das ações judiciais coletivas e da arbitragem
para solução das lides trabalhistas.
4.1 Efeitos da Globalização e neoliberalismo
Não é possível precisar com certeza quando se deu o início da globalização, entretanto
o uso deste termo cresceu consideravelmente desde meados dos anos 1970. O processo de
globalização foi uma tentativa de recuperar as históricas taxas de acumulação de riquezas
vivenciadas no início do capitalismo. Sua principal característica é, sem dúvida, a
mundialização do capital financeiro ou capital especulativo. Esse tipo de capital é aquele que
percorre o globo nas chamadas bolsas de valores em busca de oportunidades de ganho sem
28
necessariamente ter relação direita com a produção ou comercialização de determinado bem
ou serviço.
Entretanto, para que o processo de globalização possa se consolidar cada vez mais são
necessárias grandes mudanças econômicas, políticas e sociais. Muitas delas são bem
conhecidas hodiernamente já que o capitalismo globalizado se encontra em pleno processo de
expansão. São elas: privatização, desregulamentação econômica, abertura de mercado, Estado
mínimo, entre outros. Esse conjunto de medidas integram uma linha de pensamento
denominada de neoliberalismo ou novo liberalismo e visam diminuir a interferência do Estado
na economia.
O neoliberalismo nasceu após a II Guerra Mundial como reação ao estado de bem
estar social que começou a vigorar naquele período. Friedrich Hayek e outros se juntaram
para combater essa tendência social sob a alegação de que o excesso de intervenção do Estado
na economia ameaça a liberdade e é uma forma de servidão moderna. Acrescentam ainda que
o relativo igualitarismo gerado por essas políticas ferem a liberdade e a desigualdade que
seriam imprescindíveis para o capitalismo.
Era difícil difundir as ideias neoliberais, pois o capitalismo, pós II Guerra Mundial,
vivia um de seus melhores momentos, no entanto, a partir de 1973 teve início uma profunda
recessão e as ideias neoliberais começaram a se difundir. Segundo elas, o excesso de poder
dos sindicatos e os crescentes direitos sociais que oneravam o Estado eram as causas da crise
na medida em que prejudicavam o processo de acumulação capitalista.27
O remédio para a crise, segundo os neoliberalistas, era diminuir o poder dos
sindicatos, os gastos sociais (controle de gastos) e as intervenções econômicas. A taxa natural
de desemprego deveria ser restaurada a fim de reestabelecer um exército de reserva de
trabalho e diminuir a força dos sindicatos. Além disso, o imposto sobre as maiores rendas
deveria ser reduzido a fim de incentivar o crescimento econômico.
Ao longo do tempo o ideal neoliberalista foi tomando força com Margaret Thatcher na
Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos. Com a guerra fria o ideário anticomunista
somente fez aumentar a força do neoliberalismo que era tido como o oposto das práticas
comunistas. Thatcher elevou os juros para controlar a inflação, privatizou empresas, diminuiu
os gastos públicos, reprimiu os sindicatos e fortaleceu o exército trabalhista de reserva
(desempregados). Já nos EUA, o país nunca teve elevados gastos públicos com social, mas
27
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir
(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
1995, p. 10.
29
devido a corrida armamentista gerada pela guerra fria, os gastos públicos foram sem
precedentes e, também, precisavam ser reduzidos.28
Aos poucos até mesmo governos de esquerda ou sociais democratas de diversos países
começaram a adotar os ideais neoliberais. Mas o neoliberalismo foi capaz de cumprir suas
promessas? Segundo Perry Anderson29
, a inflação média caiu e os lucros das empresas
aumentaram, os sindicatos perderam força e a taxa de desemprego aumentou como queriam
os neoliberalistas e, por último, a tributação dos salários mais altos reduziu
consideravelmente. Entretanto, apesar de ter alcançado todos esses objetivos o neoliberalismo
não alcançou o principal deles: altas taxas de crescimento como se via antes da crise dos anos
70, aliás, as taxas de crescimentos permaneceram em queda.
Então, porque o aumento dos lucros não gerou aumento nos investimentos? Primeiro,
que a desregulamentação financeira gerou aumento na especulação financeira ao invés de
incremento na produção de bens. Segundo, que a diminuição dos gastos sociais não se
efetivou devido ao aumento no número de aposentados e de benefícios aos desempregados.30
Em 1991 o capitalismo entrou em nova recessão e a dívida pública da maioria dos
países atingiu nível sem precedentes, entretanto, ao contrário do que se podia esperar, os
ideais neoliberalista continuam muito fortes.
Até mesmo os antigos países comunistas passaram a ser um dos principais defensores
da ideologia neoliberal. Mais tardiamente, os ideais neoliberais acabaram por chegar, também,
na América Latina onde foi implantado principalmente por regimes ditatoriais ou em países
com hiperinflação onde os malefícios causados por ela pediam medidas mais drásticas. Fato é
que, hodiernamente, as regiões do globo que apresentam os maiores crescimentos econômicos
são aquelas que não aderiram ao neoliberalismo como, por exemplo, o oriente. Mas, até
mesmo esses países já começam a sofrer forte pressão para se juntar aos ideais neoliberalistas.
Perry Anderson fez um brilhante balanço provisório do neoliberalismo:
Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma
revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o
neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades
28
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir
(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
1995, p. 12. 29
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir
(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
1995, p. 14-15. 30
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir
(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
1995, p. 16.
30
marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria.
Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num
grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam,
disseminando a simples ideia de que não há alternativas para os seus
princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas
normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um
predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje.
Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de
pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes.31
A adoção de uma política neoliberal foi fundamental para o avanço do processo de
globalização, entretanto, não menos importante foi à verdadeira revolução tecnológica
experimentada nas últimas décadas. O desenvolvimento dos meios informatizados de
comunicação proporcionou a rapidez necessária para viabilizar investimentos em tempo real
nos mais remotos locais do globo. Dessa forma, o capital especulativo encontrou no
neoliberalismo e na tecnologia das comunicações a liberdade e rapidez necessárias para que
uma grande quantidade de capitais possa, enfim, circular por todo o globo, consolidando, em
definitivo, o processo de globalização a ponto de ser entendido inclusive como irreversível
por alguns estudiosos.
A globalização e o neoliberalismo também acarretaram reflexos expressivos no campo
das relações trabalhistas. Tem havido uma forte pressão para que essas relações sejam
flexibilizadas, ou seja, para que o protecionismo estatal nas questões trabalhistas dê lugar a
livre negociação entre trabalhadores e empregadores. Entretanto, para compreender melhor
esse movimento de flexibilização das relações trabalhistas, torna-se necessário analisar a
recente história do processo produtivo mundial.
Décadas atrás o modelo de produção em vigor nas indústrias mundiais era basicamente
o taylorista/fordista. Nesse modelo de produção o trabalho era subdividido em tarefas simples
e repetitivas realizadas por mão de obra pouco instruída e intensamente explorada com
excessivas jornadas de trabalho, locais insalubres, baixa remuneração e, muitas vezes,
trabalho infantil.
A grande quantidade de trabalhadores concentrados em um mesmo local ou região e
intensamente explorados por seus empregadores criou um ambiente propício para a
mobilização dos operários e o seu fortalecimento como classe. Sindicatos de trabalhadores
foram criados e teve início uma verdadeira luta que culminou na conquista de diversos
direitos e garantias pelos empregados.
31
ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: GENTILI, Pablo A. A.; SADER, Emir
(organizadores). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra,
1995, p. 22-23.
31
Entretanto, com a intensificação da automação nas indústrias e o fortalecimento dos
ideais neoliberais, um grande contingente de trabalhadores perderam seus postos de trabalho
acarretando um aumento nos níveis gerais de desemprego e, consequentemente, redução do
poder de negociação dos trabalhadores.32
É nesse cenário que a discussão sobre flexibilização das relações trabalhistas ganha
cada vez mais força, já que atrás da ideia de liberdade de negociação entre empregados e
empregadores está a real intenção de reduzir os elevados custos gerados pelos direitos e
garantias conquistados pelos trabalhadores no período anterior. Com o desemprego em alta
não restaria escolha aos trabalhadores a não ser aceitar contratos de trabalho desfavoráveis,
abrindo mão de certos direitos e garantias a fim de garantir seu sustento.
Walkiria Martinez Heirinch Ferrer analisa mais profundamente esta questão:
A flexibilização do processo produtivo reflete-se no mundo do trabalho com
a flexibilização das relações trabalhistas, que são forçadas a acompanhar e se
adaptar às inovações tecnológicas, com a alteração das relações contratuais.
No novo contexto, a integração vertical do modelo fordista, em que as
diversas etapas de montagem eram realizadas na própria empresa, foi
substituída pela chamada horizontalização ou terceirização do processo
produtivo, que consiste no repasse de determinadas fases da produção aos
serviços de terceiros. Esta subcontratação de serviços externos ao quadro
funcional da empresa debilita a organização dos trabalhadores, acentuando a
precarização e informalidade do trabalho, por meio dos contratos provisórios
que limitam os direitos trabalhistas.33
Esse processo generalizado de precarização do trabalho humano gera um aumento
significativo dos conflitos coletivos do trabalho e, por sua vez, requer meios eficientes de
solução a fim de garantir o direito de acesso à justiça aos cidadãos.
4.2 A precarização do trabalho, o aumento dos conflitos coletivos e o acesso à justiça
A globalização intensificou a busca das empresas pelo corte nos custos de produção,
seja para garantir a viabilidade das mercadorias frente a um cenário concorrencial mundial,
seja para que possa haver uma elevação do lucro.
32
FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e
soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 122 - 123. 33
FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e
soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123.
32
Esse corte de custos vem se dando, dentre outras formas, pela precarização do trabalho
humano. Muitas empresas instalam suas fábricas em países onde os direitos trabalhistas não
são fortalecidos, com o intuído de elevar sua vantagem competitiva e/ou ampliar seus lucros.
Já em 1776, até mesmo Adam Smith, um dos maiores ícones do denominado
liberalismo econômico, reconhecia a existência de um intenso conflito entre classes.
Anteriormente ao capitalismo os indivíduos possuíam os meios de produção e a força de
trabalho, agora, eles possuem somente a força de trabalho, sendo que os meios de produção
ficam concentrados nas mãos de poucos homens. Estes poucos ganham dinheiro empregando
pessoas; ficam com uma parte do valor que é produzido por esses trabalhadores e a outra parte
retorna aos trabalhadores como salário. Smith reconhecia que os empregadores querem
sempre pagar o menor salário possível aos empregados a fim de ter maior lucro e, por sua vez,
os empregados querem salários maiores. Nessa luta, ainda segundo Smith, os empregadores
levam vantagem pela sua riqueza, capacidade de influenciar a opinião pública e de controlar o
governo.34
Fala-se muito, hodiernamente, sobre a importância da flexibilização das normas
trabalhistas a fim de adequar o país ao mundo globalizado. Isso decorre do fato de que a
vantagem competitiva proporcionada às empresas que precarizaram as condições de trabalho
forçam as outras empresas do globo a fazerem o mesmo a fim de se manterem competitivas.
Boaventura de Sousa Santos expôs de forma precisa os reflexos do atual pensamento
neoliberal no campo social:
No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o
crescimento e a estabilidade econômicos assentam na redução dos custos
salariais, para o que é necessário liberalizar o mercado de trabalho,
reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos salários aos ganhos
de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e eliminando
a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto
inflacionário dos aumentos salariais”. A contração do poder de compra
interno que resulta desta política deve ser suprida pela busca de mercados
externos. A economia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor
substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para
passar a ser a solvência.35
Entretanto, em que pese o consenso neoliberal, não se pode esquecer que as
legislações trabalhistas foram criadas no intuito de proteger os trabalhadores, parte mais fraca
34
SMITH, Adam apud HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2005,
p. 45-46. 35
SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento; 2001, p. 40.
33
da relação de emprego, frente à busca desenfreada pelo lucro que é o objeto norteador do
sistema capitalista de produção.
De acordo com os artigos 1º, incisos III e IV, e 170, caput, ambos da Constituição
Federal, são fundamentos da República Federativa do Brasil e fins da ordem econômica, a
dignidade da pessoal humana e a valorização do trabalho. Ou seja, se a atividade produtiva
capitalista objetiva o lucro, é dever do Estado garantir que esse interesse seja compatibilizado
com a valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana. De nada adianta crescimento
econômico por si só se ele não está fundado no desenvolvimento social.
Conforme bem salienta Dinaura Godinho Pimentel Gomes:
Por isso, incumbe a toda empresa, no pleno exercício de sua livre iniciativa,
exercer sua função social, a fim de assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, nos termos do art. 170 da Constituição
Federal Vigente. Assim, ao satisfazer a exigência de assegurar a todos, sem
distinção (seja na condição de empregados, de fornecedores, de
trabalhadores terceirizados, entre outros) existência digna, conforme os
ditames da justiça social, os agentes econômicos assumem o perfil de
verdadeiros partícipes dos objetivos e finalidades próprios do Estado
Democrático de Direito (CF, art. 3º).36
Nessa sociedade globalizada, a busca por lucro tem levado as empresas, cada vez
mais, a descumprirem os fundamentos da dignidade da pessoa humana e da valorização do
trabalho, atingindo, com isso, um grupo cada vez mais abrangente de pessoas, levando a um
aumento considerável no número de conflitos de natureza coletiva em detrimento dos de
natureza individual.
Apesar dessa coletivização dos conflitos estar em curso há décadas, o Direito do
Trabalho brasileiro ainda mantêm uma forte tradição individualista. Prova disso é que a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não possui normas voltadas especificamente para o
atendimento dos interesses coletivos.
Um passo muito importante para possibilitar uma transição da tradição individualista
para a coletiva foi dado primeiramente pela Constituição Federal de 1988 e, recentemente,
pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A Norma Maior, em seu art. 129, inciso III, diz que são funções institucionais do
Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
36
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação
das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros
Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,
econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.128.
34
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”
(grifo nosso). Entretanto, somente em 1990, com o Código de Defesa do Consumidor, ficou
estabelecido os conceitos que integram a noção de interesses difusos e coletivos com
aplicação em qualquer ramo do direito que necessite de tal conceituação:
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código,
os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por
uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os
decorrentes de origem comum.
Dessa forma, apesar da CLT não regulamentar especificamente os conflitos coletivos,
a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor assim o fazem, possibilitando
um avanço na área da tutela coletiva e a ampliação do acesso à justiça no país.
É, também, nesse contexto, que ganha importância o estudo da arbitragem como meio
constitucionalmente anunciado (art. 114, § 1º e § 2º) para resolução dos conflitos coletivos do
trabalho. A precarização do trabalho, cada vez mais agravada pelo fenômeno da globalização,
tem levado a um aumento significativo do número de ações trabalhistas e, como reflexo, tem-
se, hodiernamente, um judiciário que não é capaz de cumprir com seu papel da forma
almejada pela sociedade. É, portanto, essencial o estudo de novas formas de resolução dos
conflitos para maximização do direito de acesso à justiça, onde se encontra inserido o instituto
da arbitragem.
35
CAPÍTULO II - ARBITRAGEM COMO FORMA DE ACESSO À JUSTIÇA
O judiciário é a principal forma de acesso à justiça no Brasil. Sendo assim, toda vez
que ele se encontra parcialmente obstruído pelos inúmeros entraves citados anteriormente, a
efetividade do acesso à justiça como um todo também acaba sendo prejudicada.
É nesse cenário que surge a arbitragem, a mediação e a conciliação como alternativas
ao judiciário e seus problemas, apresentando uma nova fórmula para resolução dos conflitos,
trazendo em si a possibilidade de desafogar o judiciário e de maximizar o acesso à justiça no
seu sentido mais amplo.
Sendo a arbitragem o foco principal do presente estudo, antes de analisá-la como
alternativa viável para efetivação do direito de acesso à justiça na área trabalhista, torna-se
necessário, previamente, entender suas características mais relevantes, tais como:
desenvolvimento histórico, conceito, classificação, natureza jurídica, princípios norteadores e
aplicabilidade no Brasil.
Esses conceitos gerais sobre o instituto da arbitragem servirão de alicerce para
posterior análise sobre a viabilidade de utilização deste instituto na seara trabalhista como
alternativa aos entraves que permeiam o sistema judiciário pátrio. O Direito do Trabalho
possui uma série de especificidades que acabam por interferir na aplicabilidade da arbitragem
e, para uma análise mais apurada, faz-se necessário, inicialmente, compreender o instituto da
arbitragem de modo geral para, em um momento posterior, analisar a aplicação do instituto
especificamente ao Direito do Trabalho.
1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO
Desde os mais remotos tempos da história da humanidade imperou a existência dos
conflitos, seja dentro dos próprios grupos sociais, seja entre grupos sociais distintos, levando
os homens a buscar meios de solucioná-los.
No início o método empregado não era, na maioria das vezes, um método pacífico. Os
conflitos se resolviam na base da força bruta ou por meio das armas. Entretanto, com o passar
dos anos, foram se disseminando formas pacíficas de solução, dentre as quais estão o poder
judiciário (monopólio do Estado) e a arbitragem.
É difícil precisar, exatamente, quando e onde surgiu a arbitragem, pois quanto mais se
caminha para a antiguidade menor é a documentação histórica disponível para análise.
36
Todavia, segundo Carlos Alberto Carmona37
, é possível identificar o uso da arbitragem como
forma de “solução de controvérsias entre cidades-estado da Babilônia, cerca de 3.000 anos
antes de Cristo”. Entretanto, é na Grécia que se pode verificar mais claramente o
desenvolvimento e aplicação desse instituto, tanto nos conflitos envolvendo cidades-estado
quanto no interior das próprias cidades gregas.
A prática da arbitragem era reflexo da própria religião grega cuja cultura
trazia em sua mitologia a resolução das questões entre deuses e heróis
através da presença de um terceiro chamado a intervir. A evolução do
instituto acompanhou o desenvolvimento da sociedade grega, a princípio
dentro da delimitação de cada cidade e, aos poucos, foi se inserindo e
delineando sua forma nos costumes, leis e tratados firmados entre as cidades
gregas.38
Em 445 a.C. Atenas e Esparta assinaram tratado contendo cláusula que remetia as
partes à via arbitral em caso de litígio, desde que as duas partes estivessem de acordo com a
utilização desse instrumento.39
No campo do direito interno cabe lembrar que as cortes gregas eram formadas por
inúmeros juízes, o que trazia certa lentidão nos julgamentos como é de se esperar. Nesse
contexto, ganha força a utilização de um árbitro escolhido por sorteio para dirimir os litígios
com maior brevidade.
Ademais, a peculiaridade do Império Romano de manter os usos e costumes dos povos
conquistados favoreceu a continuidade do instituto de arbitragem entre os gregos mesmo após
o domínio da região pelos romanos.
Em que pese o surgimento da arbitragem remontar de tempos mais antigos, conforme
salientado, foi somente no Império Romano que a arbitragem ganhou aspectos
verdadeiramente jurídicos.
Inicialmente, as decisões dos árbitros, apesar de irrecorríveis, não poderiam ser
executadas, ou seja, a parte vencida não poderia ser forçada a cumprir a decisão prolatada.
Somente com o Imperador Justiniano é que a sentença arbitral passa a ser executável,
entretanto, para ser reconhecida, era imprescindível prévio juramento do árbitro e das partes.
Nota-se que não era reconhecida eficácia jurídica a decisão, apenas uma eficácia de fato
destinada a fazer cumprir o juramento que foi realizado.40
37
CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.38 38
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 21. 39
CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.38 40
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 22-23.
37
Avançando um pouco mais na linha de evolução histórica da arbitragem temos as
invasões bárbaras como importante fonte de desenvolvimento do instituto da arbitragem,
tendo em vista que o povo invasor impõe ao povo invadido as suas leis e a única forma que
este último tem de continuar utilizando suas leis nativas é a escolha de árbitro a fim de julgar
determinada lide valendo-se das normas do povo invadido.
Posteriormente, com o fim do feudalismo e avanço das relações comerciais, o Direito
não consegue acompanhar as grandes mudanças sociais ocorridas, abrindo espaço para um
maior desenvolvimento do instituto da arbitragem. Algumas características importantes desse
período histórico (Idade Média) foram fundamentais para esse desenvolvimento, dentre elas:
ausência de leis ou sua excessiva dureza, grande variedade de ordenamentos, fraqueza dos
Estados e conflitos entre Estado e Igreja.
No período feudal o poder era exercido, basicamente, pelos nobres e pela Igreja. Com
o seu término a figura do Estado ainda encontrava-se bastante enfraquecida. Como forma de
preservar parcela de seu poder, a Igreja valia-se da arbitragem para resolução de determinados
conflitos sociais mantendo sob seu domínio o poder de julgar certas questões. Posicionamento
que era embasado na proibição de São Paulo de se recorrer à justiça dos homens (1 Coríntios
6, versículo 1, da Bíblia).
Além do direito canônico, que contribuiu sobremaneira para a instrumentalização da
arbitragem, também a figura medieval da “arbitragem obrigatória”, utilizada principalmente
na Itália nas lides entre parentes, contribuiu para consolidação cada vez maior desse instituto.
Entretanto, no início da era moderna, a arbitragem experimentou um retrocesso. Em
um primeiro momento o instituto da arbitragem se destacou durante a Revolução Francesa
como instrumento ideal contra os abusos da justiça do rei. Mas, a reação veio no início do
século XIX. Foi publicada lei limitando a esfera de aplicação do instituto e revestindo-o de
inúmeras formalidades a fim de desestimular sua utilização.41
Ainda no século XIX a arbitragem enfrentou mais um duro golpe. A concentração de
poder nos Estados, ligada à noção de soberania, culminou em movimento de estatização
absoluta da justiça, que logo se espalhou por todo o globo, levando a uma inevitável contração
do instituto da arbitragem.
Somente no século XX é que a arbitragem recupera seu prestígio de outrora e surge
como mecanismo imprescindível de solução de conflitos em um mundo onde o volume de
41
CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p.45.
38
relações comerciais internacionais se eleva exponencialmente, gerando uma infinidade de
novos litígios que precisam ser rapidamente resolvidos.
1.1 Arbitragem no Brasil
Com a proclamação da independência do Brasil, na falta de um ordenamento jurídico
pátrio, as Ordenações Filipinas continuaram em vigor e, entre outras coisas, elas
disciplinavam, também, sobre a arbitragem. Todavia, previam a possibilidade de recurso de
uma decisão arbitral ainda que no compromisso contivesse cláusula “sem recurso”, cabendo
uma sanção ao requerente caso o recurso não fosse provido.
Somente com a Constituição de 1824 foi eliminada essa possibilidade de recursos das
sentenças arbitrais caso assim convencionado pelas partes. Dessa forma, a sentença arbitral
passou a ter o mesmo valor da sentença dada por um juiz togado, ou seja, houve uma
jurisdicionalização da arbitragem.
Em 1850 o Código Comercial brasileiro instituiu a arbitragem obrigatória para
resolução das questões entre sócios durante a existência da companhia ou sociedade.
Com o advento da República ficou a cargo dos próprios Estados editarem seus
Códigos de Processo fazendo com que o instituto da arbitragem fosse tratado de forma
diversificada pelo país.
Somente em 1916, com a promulgação do Código Civil Brasileiro, é que a disciplina
processual foi nacionalmente reunificada. Posteriormente, em 1939, foi promulgado novo
Código de Processo Civil, entretanto, apesar de ambos abordarem a arbitragem em seus
textos, nenhum deles dispôs acerca da cláusula compromissória arbitral, pela qual as partes se
obrigam antecipadamente a solucionar os conflitos que venham a surgir através da arbitragem.
O Código de Processo Civil de 1973 também pouco modificou as disposições legais sobre a
arbitragem. O grande avanço nesse e em outros quesitos foi experimentado, somente, com o
advento da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, denominada Lei de Arbitragem.
2 CONCEITO DE ARBITRAGEM
Inicialmente, cabe diferenciar mediação, conciliação e arbitragem. Todas elas são
formas de resolução de conflitos que contam com a participação de um terceiro não
interessado, porém na mediação e na conciliação esse terceiro não toma decisão alguma, ele
apenas promove o entendimento das partes conduzindo o processo e apresentando sugestões
39
para que ao final as próprias partes cheguem a um entendimento. Na arbitragem é justamente
o oposto, um terceiro eleito pelas partes terá o mesmo papel de um juiz, ou seja, ouvirá as
partes e ao final tomará sua decisão com relação ao conflito.
Nas palavras de Sérgio Pinto Martins:
Na arbitragem, uma terceira pessoa ou órgão, escolhido pelas partes, vem a
decidir a controvérsia, impondo a solução aos litigantes. É uma forma
voluntária de terminar o conflito, o que importa dizer que não é obrigatória.
A pessoa designada chama-se árbitro. A sua decisão denomina-se laudo
arbitral.
As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo
arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendidos a cláusula
compromissória e o compromisso arbitral (art. 3º da Lei nº 9.307/96).
Cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir
a surgir relativamente a tal contrato (art. 4º da Lei 9.307). Compromisso
arbitral é a convenção por meio da qual as partes submetem um litígio à
arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial
(art. 9º da Lei nº 9.307).42
Entretanto, no que concerne ao enquadramento jurídico da arbitragem pode-se
constatar certa controvérsia. Os meios de solução de conflitos podem ser divididos em
autotutela, autocomposição e heterocomposição, sendo que na autotutela e na autocomposição
a controvérsia é resolvida pelas partes (por uma das partes no caso da autotutela) e sem
interferência de terceiros; já na heterocomposição há a intervenção de um agente externo
alheio as partes.
Consoante parte dos autores a conciliação e a mediação são meios autocompositivos já
que o conflito é resolvido pelas próprias partes, apenas com o auxilio de um terceiro que
apesar de conduzir o processo não tem poderes para impor decisões. Caberia, então, a
arbitragem a classificação de meio heterocompositivo, uma vez que um terceiro escolhido
pelas partes agirá como um juiz, analisando os argumentos das partes e impondo uma decisão.
Ocorre que alguns autores entendem que a arbitragem consensual, em que o árbitro é
escolhido pelas partes, deveria ser enquadrada como autocomposição, pois o terceiro
responsável pela sentença foi escolhido de comum acordo pelas partes.
Há outros autores, como Mauricio Godinho Delgado, que entendem que, assim como a
jurisdição é meio heterocompositivo; a arbitragem, a conciliação e a mediação também o são.
Assim é explicado tal entendimento por Godinho:
42
MARTINS, Sérgio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2009, p. 290.
40
É que a diferenciação essencial entre os métodos de solução dos conflitos
encontra-se, como visto, nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional
do processo utilizado. Na autocomposição, apenas os sujeitos originais em
confronto é que se relacionam na busca da extinção do conflito, conferindo
origem a uma sistemática de análise e solução da controvérsia autogerida
pelas próprias partes. Já na heterocomposição, ao contrário, dá-se a
intervenção de um agente exterior aos sujeitos originais na dinâmica de
solução do conflito, transferindo, como já exposto, em maior ou menor grau,
para este agente exterior a direção dessa própria dinâmica. Isso significa que
a sistemática de análise e solução da controvérsia deixa de ser
exclusivamente gerida pelas partes, transferindo-se em alguma extensão para
a entidade interveniente.43
Dessa forma, julgando ser este o posicionamento mais acertado acerca do assunto,
entende-se que tanto a arbitragem como a mediação e a conciliação são mais corretamente
classificados como meios heterocompositivos de solução dos conflitos.
2.1 Tipos de arbitragem
A arbitragem pode ser classificada levando-se em consideração diversos parâmetros.
Os mais relevantes são: arbitragem obrigatória e voluntária; arbitragem por oferta final e livre;
arbitragem de direito e de equidade.
A arbitragem obrigatória é aquela que é imposta às partes pela lei, ou seja, o Estado
determina que vindo a surgir determinado conflito entre as partes, este será submetido à
arbitragem. Já na arbitragem voluntária ou facultativa as partes decidem espontaneamente
pela utilização do procedimento arbitral.
Outra distinção interessante é a arbitragem por oferta final. Nessa modalidade a
decisão do árbitro deve ser a proposta de uma das duas partes sem alterá-la. Essa sistemática
“[...] tem a finalidade de fazer com que as propostas que as partes apresentarem para que o
árbitro venha a decidir sejam próximas da realidade e não se distanciem muito uma da outra
para evitar riscos”.44
Quando o árbitro não possui tal limitação denomina-se a arbitragem de
livre.
Por fim, a arbitragem de direito tem como objeto da lide leis ou princípios jurídicos,
enquanto que a arbitragem de equidade tem por objeto interesses de cunho meramente
econômico.
43
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª edição. São Paulo: LTr, 2013, p. 1477-
1478. 44
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 23ª edição. São Paulo: Saraiva,
2008, p.20.
41
2.2 Vantagens e desvantagens da arbitragem
A arbitragem possui vantagens significativas, a saber: celeridade; informalidade;
confiabilidade; flexibilidade e sigilo.
Trata-se de um procedimento célere, que busca uma solução rápida para a divergência,
até porque é dotado também de certa informalidade, ou seja, não possui apego excessivo a
certas formalidades e burocracias que acabam por retardar a rápida solução da lide.
Pode-se dizer, também, que a arbitragem é uma forma confiável de resolução dos
conflitos, uma vez que os árbitros são escolhidos de comum acordo pelas partes. A esse
respeito, acrescenta, oportunamente, José Cláudio Monteiro de Brito Filho:
Voltando à questão de tanto o mediador como o árbitro serem escolhidos
pelas partes, conveniente indicar uma das grandes vantagens que podem ser
extraídas desses dois meios de solução de conflitos, que é o fato de que
podem as partes indicar, dependendo do assunto em pauta, pessoa
especializada na matéria, o que, na mediação, pode ser o grande diferencial
em relação à negociação direta e, na arbitragem, contrapõe-se ao
conhecimento limitado do juiz, conhecedor do Direito mas, regra geral, leigo
em relação às demais ciências.45
Entretanto, na área trabalhista o Brasil conta com a Justiça do Trabalho, órgão
especializado em questões laborais, o que minimiza a vantagem de se ter um árbitro
especializado na matéria julgando o conflito, entretanto não anula essa vantagem por
completo, já que algumas matérias trabalhistas são tão específicas que mesmo um juiz
trabalhista não tem o conhecimento necessário para julgar adequadamente a lide.
Outro fator de segurança para as partes é que a sentença arbitral tem a eficácia de
título executivo judicial (art. 584, VI, do CPC), podendo ser executada, caso não venha a ser
cumprida.
Outro ponto positivo que nos cabe ressaltar é seu caráter flexível. Existe, por exemplo,
a possibilidade do julgamento por equidade onde o árbitro julga sem se prender às leis e
ordenamentos possuindo elevado grau de liberdade para tomar a decisão que julga ser a mais
justa. Aliás, por esse motivo, a arbitragem é muito utilizada para dirimir meras “divergências
de interesse” entre empresas, já que decisões desse tipo não encontram amparo legal. Além do
45
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Mediação e arbitragem como meios de solução de conflitos
coletivos de trabalho: Atuação do Ministério Público do Trabalho. In: Revista LTr. V. 62, n. 3, São Paulo: LTr,
1998, p. 350.
42
mais, no caso de conflitos de normas, fato que ocorre principalmente no âmbito internacional,
as partes também tem a liberdade de escolher qual norma será aplicada para a resolução do
litígio poupando um tempo precioso em comparação com o poder judiciário onde o juiz teria
que primeiramente decidir a norma aplicável para posteriormente adentrar na questão
litigiosa.
A flexibilidade também pode ser analisada sob o ponto de vista do procedimento
arbitral que, mais uma vez, também não se prende a regras rígidas, podendo, a qualquer
momento, ser alterado de comum acordo pelas partes.
Por fim, no procedimento arbitral, ao contrário do judiciário, não há o que se falar em
publicidade dos atos, portanto, a arbitragem é revestida pelo sigilo. Ou seja, a publicidade da
sentença arbitral não é imposta por lei como no processo judicial, podendo as partes
envolvidas decidirem pela divulgação ou não da sentença proferida.
É claro que a justiça também concede sigilo para alguns tipos de processos (vide art.
37, § 3º, II, da Constituição Federal), entretanto para aqueles que não gozam desse privilégio
o instituto da arbitragem tem um grande benefício a oferecer.
Todavia, a arbitragem também possui pontos negativos que merecem ser observados.
Um deles é o alto custo, uma vez que para atuar na função de árbitro geralmente é contratado
indivíduo de renomado saber na área do conflito e, como se pode supor, o valor cobrado por
tal indivíduo, na maioria das vezes, é bastante elevado. Entretanto, algumas soluções para o
problema do alto custo já foram sugeridas por alguns doutrinadores:
Embora o juízo arbitral possa ser um processo relativamente rápido e
pouco dispendioso, tende a tornar-se muito caro para as partes, porque elas
devem suportar o ônus dos honorários do árbitro. Por isso, não é de
surpreender que recentemente tenha sido proposto que o Estado pague os
árbitros ou permita que os juízes atuem como árbitros. Dadas as delongas e
despesas frequentemente características dos litígios, essas alternativas
podem reduzir as barreiras de custas para as partes e, pela utilização de
julgadores mais ativos e informais, beneficiar substancialmente as partes
mais fracas.46
Outra possibilidade, em matéria trabalhista, para vencer a barreira das custas é de se
estipular, em convenção coletiva de trabalho, que as despesas com a arbitragem fiquem a
cargo do empregador já que os trabalhadores são a parte hipossuficiente da relação trabalhista.
De acordo com a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), da decisão arbitral não cabe
recurso quanto ao mérito, nem mesmo ao poder judiciário. Tal fato pode ser visto como séria
46
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.82.
43
desvantagem ao procedimento arbitral ou como vantagem por tornar o instituto mais célere.
Entretanto, apesar de não caber recurso, o Poder Judiciário pode declarar a sentença nula
sempre que ela não atender aos aspectos formais e exigências da Lei de Arbitragem. Dessa
forma, não basta ao árbitro ser especialista no assunto em análise. É necessário ter ele
conhecimento jurídico a fim de não incorrer em nulidade.
A sentença arbitral faz título executivo, ou seja, a parte vitoriosa precisa ir à justiça
para executar a decisão do árbitro caso a parte vencida não cumpra a sentença de livre e
espontânea vontade. Apesar do procedimento arbitral ser mais célere e não comportar
recursos, a execução judicial de sua sentença estará sujeita aos procedimentos judiciais
ordinários, com direito a recursos e medidas protelatórias, o que pode ser visto como uma
desvantagem.
Por último, sendo o trabalhador a parte mais fraca financeiramente, pode o processo
arbitral ser tendencioso em prol do empregador que se aproveitaria de seu poderio econômico
para influenciar na decisão do árbitro ou para intimidar o empregado a fim de obter um
acordo que lhe seja mais favorável. Dessa forma, a arbitragem poderia ser usada como forma
de fugir do judiciário buscando decisões mais rápidas e mais aprazíveis aos olhos do
empregador.
2.3 Natureza Jurídica
Para alguns doutrinadores, a arbitragem tem natureza “jurisdicional”, pois o arbitro
atua dizendo o direito ao caso concreto. Para outros, no entanto, a arbitragem possui natureza
jurídica puramente “contratual”, já que o poder do árbitro é resultado de uma mera convenção
entre as partes. Há também os que conseguem identificar ambos os aspectos no instituto da
arbitragem e, por isso, classificam sua natureza jurídica como “híbrida”.
Aos adeptos da teoria jurisdicional, como Carlos Alberto Carmona47
, a arbitragem age
como substituta da jurisdição com o fim de aplicar o direito ao caso concreto para decidir
litígios. Os árbitros exercem a mesma função dos juízes, sujeitando-se as mesmas normas e
princípios.
Em que pese à semelhança do juízo arbitral com o processo estatal, falta-lhe uma
característica fundamental: poder coercitivo e executório. Os defensores da natureza jurídica
contratual da arbitragem evocam esse argumento para rebater os jurisdicionalistas.
47
CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993.
44
Tânia Lobo Muniz bem explicita esse embate doutrinário entre a natureza jurisdicional
e natureza contratual da arbitragem.
Segundo os privatistas, a arbitragem tem natureza puramente contratual,
prevalece a figura da convenção arbitral na qual as partes acordam a
resolução do conflito, entregando a decisão a terceiros (os árbitros),
outorgando-lhes poderes. Estes atuam como mandatários das partes e sua
decisão nada mais é que a manifestação da vontade das partes,
assemelhando-se a sentença arbitral a um contrato que põe fim ao litígio.
Baseiam-se, conforme já expendido, na ausência de coatividade da sentença
arbitral, necessitando da presença do poder estatal para que possa ser
executada e dando prevalência à verdade “jurisdictio sine coercitione nulla
est”, não havendo como prosperar a teoria da jurisdição para seus adeptos.48
Na realidade, deve-se dividir a arbitragem em duas partes a fim de verificar com maior
exatidão qual sua natureza jurídica. O nascimento dela se dá com uma convenção arbitral, ou
seja, para que ela tenha início, as partes devem manifestar sua vontade em resolver o litígio
via procedimento arbitral. Sendo assim, pode-se identificar de forma clara a natureza
contratual nessa primeira fase.
Uma vez instaurada a arbitragem, o árbitro deve se pautar pelos direitos, deveres e
princípios estabelecidos em lei para que o procedimento arbitral não possa vir a ser
considerado nulo pela justiça. O Estado cede uma parcela de seu poder a um árbitro particular
escolhido pelas partes para que ele atue na causa como se juiz fosse. Sua decisão é
denominada pela Lei de Arbitragem (lei 9.307/96) como sentença arbitral e não está sujeita a
recurso ou homologação pelo Poder Judiciário (art. 18), entretanto sua execução só pode ser
realizada pelo judiciário que é o único detentor do poder de coerção.
Diante do exposto, nota-se claramente a natureza jurisdicional da segunda fase da
arbitragem. Sendo assim, com a identificação tanto da natureza contratual como da
jurisdicional no instituto da arbitragem, pode-se concluir que a posição mais acertada vem a
ser aquela que classifica sua natureza jurídica da arbitragem como híbrida.
2.4 Convenção Arbitral
Consoante o art. 3º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) a convenção arbitral é gênero
que se subdivide em “cláusula compromissória” e “compromisso arbitral”. Na cláusula
compromissória as partes se obrigam, voluntária e antecipadamente, a solucionar as
48
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 34.
45
divergências que porventura apareçam por meio do juízo arbitral. Assim dispõe o art. 4º da
Lei de Arbitragem, a seguir:
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes
em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que
possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
Já no compromisso arbitral as partes efetivamente constituem o juízo arbitral para
solução de determinado conflito já existente e comprometem-se a acatar seu veredicto. O art.
9º da Lei de Arbitragem trás a seguinte definição:
Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes
submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser
judicial ou extrajudicial.
Feita essa distinção preliminar entre a cláusula compromissória e o compromisso
arbitral, torna-se necessário salientar certas características fundamentais de ambos. No que diz
respeito à cláusula compromissória, com o advento da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) ela
não mais se trata de mera promessa. Ou seja, passa a obrigar as partes a instituírem a
arbitragem e, em sendo desrespeitada por uma delas, a outra poderá mover ação judicial para
que se cumpra com o acordado e seja instaurado juízo arbitral para resolução da lide (vide art.
7º da Lei 9.307/96).
A cláusula compromissória diz respeito a litígios futuros e estabelece a arbitragem
como meio de resolução das divergências que possam surgir. Ela deve, necessariamente, ser
por escrito, podendo estar inserta em contrato celebrado entre as partes, inclusive contrato
trabalhista, ou pode ser realizada em documento a parte que faça referência ao contrato. (vide
art. 4º, § 1º da Lei 9.307/96).
Pequena ressalva se faz para a cláusula compromissória inserta em contratos de
adesão que por não darem margem à negociação entre as partes requer da parte aderente, para
que tenha validade, que tome a iniciativa de instituir o juízo arbitral ou concorde, por escrito,
com sua instituição (art. 4º, § 2º da Lei 9.307/96).
Independente de existir ou não cláusula compromissória, o juízo arbitral deverá ser
sempre instituído via compromisso arbitral firmado entre as partes. Assim como a cláusula
compromissória, o compromisso arbitral tem necessariamente a forma escrita (art. 9º, § 2º da
Lei 9.307/96), entretanto, refere-se a litígio já existente e bem definido. É por meio dele que a
46
arbitragem é instaurada e as normas aplicáveis são definidas, se assim já não foram na
cláusula compromissória.
2.5 Princípios norteadores da arbitragem
O instituto da arbitragem é regido por inúmeros princípios legais e constitucionais que
devem ser obrigatoriamente respeitados sob pena de nulidade do procedimento arbitral.
Dentre estes princípios destacam-se: princípio da autonomia da vontade, princípio do
contraditório, princípio da igualdade, princípio do livre convencimento do julgador, princípio
da imparcialidade do julgador e princípio da obrigatoriedade da sentença.
O princípio da autonomia da vontade é o poder que as partes devem possuir de
estipular livremente, de acordo com suas próprias vontades, sobre a disciplina que lhes
convierem. Todavia essa liberdade encontra limitação nos limites impostos pela lei. A
autonomia dos indivíduos esbarra nas restrições legais que foram, em sua maioria, criadas
para proteger a sociedade contra interesses individuais egoísticos.
Tal princípio, acima de tudo, é garantido pela própria Constituição Federal do Brasil
em seu artigo 5º, inciso II, onde se lê: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.
Assim também é no que se refere especificamente à arbitragem. Por esta possuir
natureza contratual também predomina a autonomia da vontade como própria essência do
instituto.
A nova lei de Arbitragem privilegiou a autonomia da vontade tanto no
campo material, quanto processual, manifestando-se na possibilidade de as
partes criarem normas processuais específicas, reportarem-se às normas de
um órgão arbitral institucional, adotarem as normas procedimentais de um
Código de Processo Civil estrangeiro, terem a liberdade de escolher o direito
material aplicável à solução da controvérsia, optarem pela equidade;
utilizarem-se dos princípios gerais de direito, usos e costumes e/ou das
normas de comércio internacional.49
Apesar da ampla autonomia dada pela nova Lei de Arbitragem ao instituto, muitos
doutrinadores salientam veementemente sobre a impossibilidade de se utilizar o método
arbitral em lides envolvendo direitos indisponíveis, já que o indivíduo não poderia dispor
deles de acordo com sua vontade.
49
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 71.
47
Já o princípio do contraditório e da igualdade estão previstos no art. 5º, caput e LV, da
Constituição Federal; no art. 125, I, do Código de Processo Civil; e no art. 21, § 2º, da Lei de
Arbitragem (Lei 9.307/96). Este último dizendo o seguinte:
Art. 21
§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu
livre convencimento (grifo nosso).
O contraditório é decorrência da igualdade. Reservado, as partes, tratamento
igualitário, elas também deverão ter as mesmas oportunidades processuais a fim de que
possam se defender a contento. O contraditório nada mais é do que a efetivação do próprio
direito de defesa. Para cada acusação ou prova nova deve ser dada a parte contrária a
oportunidade de manifestar sua versão dos fatos e sua interpretação jurídica do acontecido.
O juiz deve se manter equidistante das partes, ou seja, ouvindo uma parte não pode
deixar de ouvir a outra. Ambas devem ter a possibilidade de apresentar suas versões para os
fatos e suas provas a fim de poder influenciar no convencimento do juiz. “Somente pela soma
da parcialidade das partes (uma representando a tese e a outra, a antítese) o juiz pode
corporificar a síntese, em um processo dialético”.50
Com relação especificamente ao princípio da igualdade, cabe, porém, salientar que o
tratamento igualitário dos indivíduos pela lei nem sempre é suficiente para alcançar a
igualdade de fato. Muitas vezes o tratamento desigual é imprescindível para suprir certas
desigualdades sociais e atingir a igualdade substancial.
A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade
econômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa
(a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-
se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva
da isonomia (iguais oportunidades para todos - a serem propiciadas pelo
Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade
proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos
substancialmente iguais.
A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo,
obedece exatamente ao princípio da igualdade real e proporcional, que
impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as
diferenças, se atinja a igualdade substancial.51
50
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral
do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 61. 51
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral
do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 59-60.
48
O princípio do livre convencimento do julgador, por sua vez, pode ser encontrado no
art. 131, do Código de Processo Civil, além do art. 21, da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem),
já citado anteriormente.
Por meio deste princípio fica estabelecido, inclusive para a arbitragem, que o juiz é
livre para formar sua decisão e valorar as provas apresentadas pelas partes de acordo com
critérios críticos e racionais de sua escolha.
O juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos
(quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende
de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos
elementos existentes no processo, mas os avalia segundo critérios críticos e
racionais (CPC, arts. 131 e 436; CPP, arts. 157 e 182).52
Isto não significa que o juiz ou arbitro é totalmente livre em sua decisão, podendo
desconsiderar certas provas e fatos. Ele tem apenas a liberdade de avaliar racionalmente a
importância de cada prova e fato apresentados no processo para, ao final, dar decisão
fundamentada (art. 93, IX, da Constituição Federal) onde deve constar, obrigatoriamente, a
linha de raciocínio utilizada para alcançá-la.
Já com relação ao princípio da imparcialidade do julgador cabe ressaltar que ele está
intimamente ligado aos princípios da igualdade e ao do livre convencimento, uma vez que
somente sendo imparcial poderá, o juiz ou árbitro, tratar as partes igualitariamente e tomar sua
decisão pautado na busca pela justiça, sem pender para nenhum dos lados.
Sendo assim, a imparcialidade pode ser vista como uma garantia de justiça para as
partes e, também, como um pressuposto de validade do julgamento e do juízo arbitral. O
Estado, ao reservar para si o exercício da função jurisdicional, tem o dever de agir de forma
imparcial nas causas que lhe são submetidas. A imparcialidade afeta profundamente a
credibilidade na jurisdição estatal e é por esse motivo que a Constituição pátria, em seu art.
95, assegura certas garantias aos juízes e impõe-lhes vedações específicas, a fim de assegurar
a manutenção da imparcialidade.
Sua importância é tão grande para a arbitragem que, além de estar previsto no art. 21
da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), também encontramos, na mesma lei, previsão que
sujeita os árbitros aos mesmos casos de impedimento e suspeição previstos para os juízes de
direito equiparando, inclusive, os árbitros a funcionários públicos para efeito da legislação
penal.
52
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido R.; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral
do processo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 74.
49
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham,
com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações
que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes,
aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades,
conforme previsto no Código de Processo Civil.
Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas,
ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação
penal.
Todavia, de nada valeria os princípios anteriores, que visam garantir a regularidade e
justiça do juízo arbitral, se não houvesse os meios necessários para que a decisão emanada
desse procedimento fosse acatada. Nesse caso, a arbitragem serviria apenas como meio
protelatório ao invés de ser meio mais célere para resolução de conflitos, quando comparada
com a justiça estatal.
O princípio da obrigatoriedade da sentença visa garantir segurança e estabilidade nas
relações jurídicas e plena efetivação dos direitos dela decorrentes. Na Lei de Arbitragem (Lei
9.307/96), encontramos tal princípio no art. 18, a seguir:
Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não
fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (grifo nosso).
Dessa forma, a sentença arbitral tem a mesma força da sentença judicial, não cabendo
recurso dela ao judiciário e constituindo-se em título executivo judicial sem necessidade de
homologação da justiça para tanto.
3 DAS POSSIBILIDADES DE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NO BRASIL
Com a publicação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), cada vez mais vem ganhando
força a ideia de que o instituto da arbitragem está em harmonia com a Constituição Federal.
Entretanto, cabe análise mais detalhada dos principais argumentos contrários a
constitucionalidade da arbitragem a fim de buscar maior entendimento sobre as minúcias
desse instituto.
Para tanto, é interessante iniciar este estudo partindo-se da análise de alguns princípios
constitucionais para, de forma mais detalhada, ir refutando os argumentos contrários e
solidificando o posicionamento pela constitucionalidade do instituto da arbitragem.
50
3.1 Princípio da inafastabilidade do poder judiciário
A ampla adoção de meios extrajudiciais para solução de controvérsias esbarra, muitas
vezes, no denominado princípio da inafastabilidade do poder judiciário, expresso no art. 5º,
XXXV, da Constituição Federal do Brasil, que dispõe o seguinte: “a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Entretanto, ao analisar esse princípio deve-se fazê-lo conjugado ao princípio da
autonomia da vontade. Não se pode coibir alguém, de forma alguma, de ter sua lide analisada
e julgada pelo poder judiciário. Todavia, se as partes decidem de comum acordo pelo
julgamento da lide através da arbitragem ao invés do judiciário, não há que se falar em
descumprimento do princípio da inafastabilidade do poder judiciário, uma vez que não houve
impedimento para que a questão alcançasse o judiciário e, sim, uma mera decisão das partes
oriunda da autonomia de vontade que possuem e que lhes é assegurada pela lei.
A arbitragem não ofende os princípios constitucionais da inafastabilidade do
controle jurisdicional [...]. A Lei de Arbitragem deixa a cargo das partes a
escolha, isto é, se querem ver sua lide julgada por juiz estatal ou por juiz
privado. Seria inconstitucional a Lei de Arbitragem se estipulasse arbitragem
compulsória, excluindo do exame, pelo poder Judiciário, a ameaça ou lesão a
direito.53
Analisando historicamente esse princípio, percebe-se que sua inserção no ordenamento
jurídico brasileiro decorreu dos abusos cometidos no regime ditatorial de Getúlio Vargas,
quando comissões eram formadas para julgar sem qualquer respeito ao contraditório, ampla
defesa e demais princípios processuais. Sendo assim, a intenção do legislador ao estabelecer o
princípio da inafastabilidade do poder judiciário foi de proteger o cidadão contra atos
arbitrários oriundos dos poderes executivo ou legislativo trazendo a efetiva possibilidade de
controle destes poderes pelo judiciário.54
No âmbito da liberdade de contratar e da autonomia da vontade, podem as
pessoas renunciar a direitos de que são titulares e, assim, submeter as
controvérsias à apreciação de um Juízo Arbitral. Tal disposição não traz em
si qualquer ilicitude ou abuso que pudesse ocasionar infringência ao previsto
na norma constitucional em questão. Mormente quando se sabe que a longa
53
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado: e legislação
extravagante. 9. Ed. São Paulo: RT, 2006. p. 1164. 54
MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado
78/92. Disponível em: <http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/artigos/anoarbraproleisen.htm>. Acesso
em: 26 jul. 2014.
51
manus do Poder Judiciário não está de todo afastada, pois a este é possível
recorrer quando a sentença arbitral contiver vícios de nulidade.55
Ademais, com a promulgação da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o Estado delega
parte de seu poder jurisdicional ao particular, através da arbitragem, regulando todo o
procedimento arbitral, sob pena de nulidade quando do seu descumprimento, e reserva para si
o monopólio do uso da força, exigindo que a sentença arbitral seja executada somente via
judicial.
3.2 Soberania do Estado
A arbitragem não pode ser considerada como atentado a soberania Estatal uma vez
que, apesar de haver delegação estatal da função jurisdicional para um particular (árbitro), não
há delegação do uso da força, permanecendo esta como monopólio do Estado.
O juízo arbitral se encerra com a sentença que tem força de título executivo judicial e
o cumprimento desta depende, portanto, do Judiciário, através de ação de execução, para
coercitivamente obrigar as partes a cumprirem com o acordado perante o juízo arbitral. Sendo
assim, o Estado, por meio da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), entrega a um particular o
poder jurisdicional de dizer o direito, condicionando, entretanto, a arbitragem a certos
procedimentos legais e princípios que deverão ser necessariamente seguidos sob pena de
nulidade da sentença arbitral.
3.3 Garantias processuais
Conforme previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Ocorre que o citado artigo da Constituição está em consonância com o art. 21, § 2º, da
Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem) que estabelece como princípios norteadores do
procedimento arbitral, sob pena de nulidade quando do seu descumprimento, o contraditório,
a igualdade das partes, a imparcialidade do árbitro e seu livre convencimento. Dessa forma,
não há o que se falar em prejuízo das garantias processuais no juízo arbitral.
55
MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado
78/92. Disponível em: <http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/artigos/anoarbraproleisen.htm>. Acesso
em: 26 jul. 2014.
52
3.4 Dupla instância de julgamento
O mesmo art. 5º, LV, da Constituição Federal, que contém os princípios processuais
também, no seu final, garante aos litigantes a possibilidade do recurso. Ocorre que no art. 18
da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), fica estabelecido que a sentença arbitral não está sujeita
a recurso ou homologação pelo Poder Judiciário.
Apesar da aparente contrariedade, “cumpre salientar que as partes podem estabelecer
órgão revisor a quem caberá julgar possíveis recursos, dentro do próprio juízo arbitral. Cabe,
ainda, revisão pelo Judiciário através de ação de nulidade”.56
Dessa forma, não há o que se
falar em descumprimento dos preceitos constitucionais.
3.5 Juiz natural e vedação aos tribunais de exceção
Previstas no art. 5º, LIII e XXXVII, da Constituição Federal, respectivamente, as
garantias do juiz natural e da vedação aos tribunais de exceção não entram em conflito com o
instituto da arbitragem. As partes têm autonomia para estabelecer previamente que em caso de
lide a jurisdição se dará via procedimento arbitral, sendo assim, antes mesmo da lide ocorrer
fica estabelecido que o juiz natural da lide superveniente será um árbitro, em nada ferindo a
garantia constitucional.
Não fere o juiz natural, pois as partes já estabelecem, previamente, como
será julgada eventual lide existente entre elas. O requisito da pré-
constituição na forma da lei, caracterizador do princípio do juiz natural,
está presente no juízo arbitral.57
Mesmo que a opção pelo juízo arbitral não tenha ocorrido previamente ao surgimento
da lide, sua escolha posterior decorre da autonomia de vontade das partes, não constituindo
ameaça ao bem jurídico tutelado pelo princípio do juiz natural.
A arbitragem, tampouco, pode ser vista como tribunal de exceção uma vez que a
possibilidade de criação e todas as normas que irão regê-la estão previstas em lei.
3.6 Direitos disponíveis
56
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 64. 57
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado: e legislação
extravagante. 9. Ed. São Paulo: RT, 2006. p. 1164.
53
Neste momento cabe salientar que, em tese, a arbitragem somente pode ser utilizada
quando a lide versar sobre direitos disponíveis. Sobre os direitos indisponíveis não caberia
juízo arbitral, pois, por força de lei, seus titulares não podem, com eles, transacionar. Somente
os direitos disponíveis são abrangidos pelo campo da autonomia da vontade e, por isso,
podem ser objeto contratual.
São denominados como indisponíveis aqueles direitos tão intimamente ligados à
pessoa que a sua perda a degrade de forma insuportável. São exemplos de direitos
indisponíveis os direitos da personalidade, tais como: direito a vida, liberdade, honra,
intimidade, incolumidade física etc.
Além dessas hipóteses de indisponibilidade também há casos em que determinada
condição especial da pessoa impede que ela possa vir a dispor de seus direitos. Cita-se, nesse
momento, as pessoas tidas como incapazes (menores de idade ou que por algum motivo não
tenham o necessário discernimento para a prática dos atos).
Corrobora com esse entendimento o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96):
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Entretanto, o que é bastante discutível é quais são os direitos considerados disponíveis
e quais são os indisponíveis. Nessa seara, muitos autores divergem, principalmente no que
tange a aplicação da arbitragem ao Direito do Trabalho. Alguns entendem que o caráter
público dos direitos trabalhistas gera sua indisponibilidade, já outros defendem sua
disponibilidade. Entretanto, o necessário aprofundamento da questão será dado mais a frente,
em momento oportuno.
54
CAPÍTULO III – A ARBITRAGEM COMO FORMA DE SOLUCIONAR
CONFLITOS DO TRABALHO
1 FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS DO TRABALHO NO BRASIL
Instaurado um litígio, sem a possibilidade de resolução diretamente pelas próprias
partes envolvidas (autocomposição), devem ser disponibilizados meios pelos quais justa
solução possa ser dada às partes. Esses meios podem ser divididos didaticamente em judiciais
e extrajudiciais. Os judiciais abrangem tanto as ações individuais quanto as ações coletivas; já
os extrajudiciais abrangem, entre outros, a arbitragem, objeto principal deste estudo.
É imprescindível compreender de quais formas os conflitos trabalhistas podem ser
solucionados, haja vista que o entendimento da dinâmica de resolução para esses tipos de
conflitos permitirá posterior analise da arbitragem como alternativa viável para maximização
do direito de acesso à justiça trabalhista no Brasil.
O Direito do Trabalho apresenta inúmeras particularidades que merecem ser
destacadas e que, inevitavelmente, devem ser consideradas quando se pretende estudar formas
de aperfeiçoar os meios para resolução dos conflitos trabalhistas. Dentre essas formas,
destaca-se o instituto da arbitragem, ainda pouco utilizado na seara trabalhista, mas que pode
ser de grande valia quando bem compreendido e corretamente empregado respeitando-se as
inúmeras particularidades inerentes à área do trabalho.
1.1 Via judicial (tutela individual versus tutela coletiva)
No Brasil, o principal meio para resolução dos conflitos do trabalho ainda é a tutela
judicial individual de direitos. Entretanto, observa-se que ações individuais trazem uma série
de malefícios que em nada combinam com o conceito de “justiça”. Cabe, portanto, uma
análise comparativa entre a tutela individual e a tutela coletiva de direitos no âmbito judicial,
a fim de compreender seus reflexos na justiça do trabalho e na efetividade do direito de acesso
à justiça.
Hodiernamente, os empregados veem-se compelidos a buscar seus direitos na justiça
apenas após o término da relação de trabalho já que o ingresso de ação individual na
constância do contrato de trabalho poderia resultar na demissão do trabalhador como forma de
represália. Ocorre que a espera do empregado pelo término do contrato de trabalho leva
55
muitos dos seus direitos a serem alcançados pela prescrição de 5 (anos) estabelecida no art. 7º,
inciso XXIX, da Constituição Federal.58
Além do mais, se esses empregados estiverem trabalhando, por exemplo, sem
equipamentos de proteção, essa espera pelo término do contrato de trabalho para ingresso da
ação trabalhista pode resultar em prejuízos irreversíveis a saúde do empregado.
Sendo assim, as ações individuais trabalhistas muitas vezes não se mostram eficazes
para resolver os conflitos de forma justa. Não se pode ignorar que ser forçado pelas
circunstâncias a ingressar com ação trabalhista apenas após o término da relação de trabalho
agride o conceito universal da palavra “justiça” e, portanto, é uma agressão a efetividade do
acesso à justiça no país.
Dessa forma, torna-se necessário buscar outros meios que possibilitem aos
empregados ingressarem com suas ações mesmo na constância do contrato de trabalho a fim
de que possam ter seus direitos imediatamente reparados e que não venham a sofrer com a
prescrição. Entretanto, esse meio também deve dificultar ou impossibilitar as represálias por
parte do empregador, ou seja, o empregado não pode ser identificado na ação para que não
venha a ser demitido pelo empregador.
Uma solução imediata para derrubar esse verdadeiro entrave ao acesso à justiça é o
fortalecimento das denominadas ações coletivas que podem ser movidas pelo Ministério
Público do Trabalho, conforme estabelecido no art. 129, inciso III, da Constituição Federal e
art.83, III da Lei Complementar n. 75/93, ou subsidiariamente pelos sindicatos, conforme art.
129, § 1º e art. 8º, III, ambos da CF e art. 5º, V, da Lei 7.347/85.
As ações coletivas, uma vez que são promovidas pelo Ministério Público ou sindicato,
geram a despersonalização dos trabalhadores em face dos empregadores permitindo o
ingresso de ações no curso da relação de trabalho e o reparo imediato de lesões a direitos.
Apesar da CLT não normatizar a tutela coletiva de direitos, o Brasil conta com
verdadeiro conjunto de normas, algumas delas já citadas anteriormente, que tornaria possível
esse fortalecimento das ações coletivas. Fala-se, aqui, da Constituição Federal (arts. 129,III e
IX, 8º, III, e 114), da LOMPU (Lei Complementar nº 75/93, arts. 83, III, 84, caput), da LACP
(Lei nº 7.347/85) e do Título III do CDC.59
58
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação
das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros
Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,
econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.134. 59
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7. Ed. São Paulo: LTr, 2009, p.
137.
56
Além do mais, a tutela coletiva também auxilia na resolução de outro grande entrave
ao acesso à justiça que é a morosidade. Ela traz maior celeridade para a prestação
jurisdicional na medida em que reduz consideravelmente o número de processos uma vez que
ações individuais diversas podem ser substituídas por uma única ação coletiva já que os
interesses são os mesmos. Tem-se, dessa forma, maior efetividade dos direitos trabalhistas e,
portanto, maior efetividade do acesso à justiça.
1.2 Via extrajudicial (conciliação, mediação e arbitragem)
A conciliação e a mediação são institutos que podem, perfeitamente, ser aplicados na
resolução dos litígios provenientes das relações de trabalho. Sua principal característica, em
ambos os casos, é a participação de um terceiro alheio ao conflito instaurado entre duas partes
com o objetivo de induzir uma composição amigável entre elas, evitando assim, que a lide
venha a se desenrolar pela via judicial.
Entretanto, duas diferenças pequenas, porém de grande importância, distinguem os
dois institutos anteriormente abordados. Primeiramente, a conciliação pode se dar tanto pela
via judicial como pela extrajudicial. É muito comum a utilização da conciliação na justiça do
trabalho anteriormente ao início de uma audiência. Tal procedimento vem descrito no art. 764
da CLT e é amplamente utilizado pelos juízes do trabalho como forma de buscar uma maior
celeridade no acesso à justiça em vista da grande quantidade de ações trabalhistas no Brasil.
Além da elencada possibilidade de utilização do instituto da conciliação pela via
judicial, outra importante diferença entre esse instituto e a mediação reside no fato dele
permitir ao conciliador a apresentação de propostas para resolução do dissídio, enquanto que
na mediação o mediador tem em vista apenas aproximar as partes sem, contudo, indicar
qualquer caminho para a resolução do litígio, sob pena de desvirtuar o instituto.
Diferentemente da conciliação e da mediação, onde o terceiro designado para auxiliar
na resolução do conflito não possui poder decisório, servindo apenas como intermediador
entre as partes, na arbitragem, o árbitro, escolhido de comum acordo entre as partes, tem
poder decisório, constituindo sua sentença em título executivo de acordo com a Lei de
Arbitragem (Lei nº 9.307/96). Em outras palavras:
Em qualquer destes casos – conciliação e mediação – são as partes que
decidem. Na arbitragem (voluntária ou obrigatória) a decisão é cometida a
57
um terceiro que tem a incumbência de decidir de forma vinculativa, cabendo
às partes o respectivo cumprimento.60
Realizada tal distinção, cabe, neste momento, aprofundar especificamente no estudo
da arbitragem na seara trabalhista.
2. APLICABILIDADE DA ARBITRAGEM AO DIREITO DO TRABALHO
A arbitragem é forma constitucionalmente preconizada para resolução de conflitos
trabalhistas no Brasil, entretanto a doutrina diverge bastante sobre sua larga aplicação na seara
trabalhista, onde muitos dos direitos são vistos, de modo geral, como indisponíveis e
insuscetíveis à transação. Dessa forma, tem-se a instauração de uma grande celeuma jurídica
com fortes argumentos de ambos os lados.
Apesar do instituto estar devidamente regulamentado, nos dias atuais, pela Lei nº
9.307, de 23 de setembro de 1996, a sua aplicação ao direito do trabalho ainda não encontra
parâmetros legais, gerando grandes discussões. A utilização da arbitragem no âmbito dos
conflitos coletivos do trabalho é amplamente aceita, até porque se encontra embasada em
disposição constitucional constante no art. 114, § 1º e § 2º, a seguir:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...)
§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger
árbitros.
§ 2º - Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio
coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho
decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de
proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.
Ocorre que para os conflitos individuais trabalhistas a análise não é tão simples assim.
Aqueles que se opõe a sua utilização na esfera individual evocam o próprio artigo 114 da
Constituição Federal, onde consta apenas a possibilidade de utilização da arbitragem nos
litígios coletivos. Citam, também, o art. 643 da CLT, a seguir, que dispõe que os litígios entre
empregados e empregadores devem ser levados à Justiça do Trabalho.
Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e
empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores
de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão
60
SILVA, Luís Gonçalves da apud CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos
individuais do trabalho. Curitiba: Juruá, 2010, p. 47.
58
dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e
na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.
Além do mais, a aplicação do instituto da arbitragem aos dissídios individuais do
trabalho afrontaria o primeiro artigo da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), uma vez que a
arbitragem somente deve ser aplicada aos dissídios envolvendo direitos disponíveis e os
direitos individuais trabalhistas seriam, em regra, indisponíveis. A lei 9.307/96 estabelece o
seguinte:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Outra questão importante quando se fala da aplicação da arbitragem aos conflitos
individuais do trabalho é a presunção de hipossuficiência do trabalhador em relação ao seu
empregador. Essa hipossuficiência, mais sentida nos conflitos individuais do trabalho,
deixaria o trabalhador vulnerável a aceitar eventuais propostas de solução de conflitos pela via
arbitral ao invés do judiciário corrompendo a livre manifestação de vontade do empregador e
tornando nula a arbitragem.
Em que pese à importância dos argumentos anteriormente alencados, se o artigo 114
da Constituição Federal (anteriormente citado) não contempla a arbitragem nos conflitos
individuais do trabalho, ele também não veda sua aplicação. Além do mais, o raciocínio de
que os direitos trabalhistas individuais, por serem de ordem pública, são indisponíveis e que
por isso não foram contemplados pela Lei de Arbitragem não é totalmente verdadeiro. Tanto
isso é verdade que o próprio artigo 764 da CLT dispõe que tanto os dissídios individuais
como os coletivos estão sujeitos à conciliação pela Justiça do trabalho:
Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à
apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.
§ 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho
empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de
uma solução conciliatória dos conflitos.
Ora, se é admitida a conciliação para direitos individuais é porque esses seriam
disponíveis e, portanto, também estariam sujeitos a arbitragem. Em outras palavras, a própria
CLT parece entender pela disponibilidade de certos direitos individuais trabalhistas quando
regula o instituto da conciliação, especialmente no art. 764, já que direitos indisponíveis, em
tese, também não poderiam estar sujeitos à aplicação do instituto da conciliação.
59
Mesmo entendendo pela irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, cabe salientar que
seu descumprimento pelo empregador gera direito patrimonial, ou seja, direito a uma
reparação de ordem pecuniária por ter seu direito trabalhista violado. Os direitos trabalhistas
podem até ser entendidos como irrenunciáveis, entretanto o direito a uma reparação
pecuniária que decorre de sua violação é direito patrimonial disponível e, portanto, objeto de
arbitragem consoante art. 1º da Lei de Arbitragem.61
Exemplificando, o empregado não pode abrir mão do seu direito de utilizar
Equipamento de Proteção Individual (EPI), pois ele é irrenunciável, entretanto pode
transacionar com o direito patrimonial de receber reparação pecuniária por não ter tido seu
direito trabalhista a segurança respeitado pelo empregador, sendo esse direito patrimonial,
portanto, disponível.
Nas palavras de Raimundo Simão de Melo:
Mas há quem entenda, e com bastante razoabilidade, que, em regra, após o
desfazimento do vínculo empregatício, os direitos decorrentes perdem a
proteção da irrenunciabilidade (salvo aqueles de ordem pública, garantidos
por normas imperativas) porque transformam-se, em geral, em indenização,
comportando, dessa forma, a solução de eventual conflito por meio da
arbitragem.62
Entretanto, deve-se ter cautela com a utilização da arbitragem, principalmente quanto
aos direitos individuais, pois, nem sempre, a cláusula compromissória arbitral firmada entre
empregador e empregado é feita de livre vontade por parte deste último. Sendo o trabalhador
a parte mais vulnerável da relação de emprego ele, muitas vezes, se vê obrigado a assinar
contrato de trabalho contendo cláusula compromissória mesmo não concordando com a
resolução das controvérsias por árbitro ou, até mesmo, ignorando a existência da cláusula ou
do que se trata.
Para a maioria dos trabalhadores, exceto os que ocupam cargos que requerem elevado
grau de conhecimento e possuem grande remuneração, os contratos de trabalho são típicos
contrato de adesão, ou seja, não há possibilidade de discussão de suas cláusulas entre o
empregado e empregadores. O contrato é redigido pela empresa e o empregado tem apenas
61
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,
2010, p. 114 - 115. 62
MELO, Raimundo Simão de apud CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos
individuais do trabalho. Curitiba: Juruá, 2010, p. 115.
60
duas opções: assinar, concordando com os seus termos; ou não assinar e perder o emprego de
que tanto necessita para seu sustento.63
A arbitragem, muitas vezes é utilizada pelas empresas como forma de impedir
reclamações trabalhistas futuras, uma vez que da sentença arbitral não cabe recurso, tendo
força de coisa julgada. O instituto da arbitragem, que traria promessa de agilidade e permitiria
a maximização do acesso à justiça para os cidadãos, estaria sendo usado pelas empresas, na
área trabalhista, com o objetivo de dificultar o acesso à justiça.64
Devido a essa situação é que muitos doutrinadores e juristas vedam veementemente a
aplicação da arbitragem para litígios que envolvam direitos individuais trabalhistas.
Entretanto, não se pode simplesmente vedar a aplicação da arbitragem como solução para o
problema apresentado. É necessário encontrar formas de se compatibilizar a arbitragem na
área trabalhista sem prejudicar a parte hipossuficiente da relação de trabalho, ou seja, o
trabalhador.
Com esse propósito, sustenta-se que apesar da convenção arbitral realizada
anteriormente ou na constância do contrato de trabalho não ter valor já que o empregado se
encontra em situação de dependência econômica para com o seu empregador, a opção pela via
arbitral também pode ser oriunda de negociação coletiva, maximizando, dessa forma, o poder
dos trabalhadores através da participação do sindicato e, assim, eliminando sua
hipossuficiência. Neste último caso, a opção pela via arbitral, mesmo anteriormente ou na
constância do contrato de trabalho, tornar-se-ia válida inclusive nas lides envolvendo direitos
individuais trabalhistas.
Conclui Paula Corina Santone Carajelescov65
:
De qualquer sorte, resta evidenciado que a forma de implementação da
arbitragem para a solução de conflitos individuais do trabalho tampouco
pode servir de argumento para a não-utilização da via alternativa nessa seara.
Isso porque, tanto a inserção de cláusulas arbitrais em convenções coletivas,
como a instituição do compromisso com a assistência do trabalhador pelo
seu sindicato de classe serviriam como salvaguarda dos interesses do
trabalhador, conferindo a segurança necessária para que estes, considerados
parte mais frágil na relação contratual, não sejam prejudicados.
63
ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no
direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 14. 64
ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no
direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 15. 65
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,
2010, p. 125.
61
De qualquer forma, findo o contrato de trabalho, opção de ambas as partes pelo juízo
arbitral deveria ser respeitada, pois ela é fruto da livre vontade das partes já que a relação de
dependência econômica não mais está configurada.
Uma importante exceção se faz aos executivos ou demais cargos que necessitam de
profissional extremamente qualificado e que por isso fazem jus a elevada remuneração. Esses
trabalhadores, em particular, estão em pé de igualdade na relação de trabalho, podendo, até
mesmo, exigir a inclusão ou retirada de certas cláusulas em seu contrato de trabalho. Sendo
assim, nesses casos, a cláusula compromissória arbitral firmada previamente ou na constância
do contrato de trabalho conta com a presunção de que foi proveniente da livre vontade das
partes e, portanto, não pode ser anulada pela justiça trabalhista, salvo se contar com outros
tipos de irregularidade.
Em suma, o âmbito de aplicação da arbitragem com relação aos direitos individuais
trabalhistas deve ser analisado no caso concreto a fim de que os possíveis benefícios do
instituto não venham a se transformar em arma na mão dos empregadores contra a efetividade
do acesso à justiça.
3 POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
São denominadas organizações internacionais as associações voluntárias de Estados
com objetivos em comum e constituídas por meio de tratado. Nesses termos pode-se definir
organização internacional nas palavras de Ricardo Seitenfus66
como “associações voluntárias
de Estados” ou mais especificamente “trata-se de uma sociedade entre Estados, constituída
através de um Tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns através de uma
permanente cooperação entre seus membros”.
Entre as diversas organizações internacionais existentes figura a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) que, fundada em 1919 pelo Tratado de Versalhes, tem sede
em Genebra, Suíça.
Sua criação e importância se baseiam no fato de que a melhoria das condições de
trabalho realizada de forma isolada pelos países esbarra na vantagem econômica obtida pelas
nações que não adotam condições humanitárias de trabalho e que, devido a isso, possuem
custos de produção menores.
66 SEITENFUS, Ricardo Antônio Silva. Manual das organizações internacionais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2003, p. 26-27.
62
Para tanto, os países têm a faculdade de ingressar na OIT, desde que aprove o
estabelecido na Constituição dessa organização. Uma vez membro, o país poderá escolher as
convenções que deseja ratificar e, portanto, incorporá-las ao conjunto normativo do país.
O processo de ratificação de uma convenção se inicia com a assinatura da referida pelo
poder executivo e aprovação pelo legislativo na figura do Congresso Nacional, sem a qual não
é possível a ratificação pelo Presidente da República.
Em busca do tão sonhado ideal de paz e justiça trazido pelo período pós-guerra, a OIT
foi criada para que todos aqueles que tinham interesses diretos nas questões trabalhistas
tivessem suas vozes ouvidas e se fizessem representar. Sendo assim, foi implementado o
tripartismo, ou seja, em suas reuniões participam representantes dos governos, sindicatos de
trabalhadores e organizações de empregadores. Os representantes das duas últimas deverão
ser em igual número e escolhidos livremente pelas organizações que os representam.
O meio jurídico pelo qual a OIT se utiliza para realizar seus objetivos e políticas são as
convenções e recomendações. As últimas têm a função de sugerir normas que poderiam ser
adotadas pelos Estados membros enquanto as primeiras são tratados multilaterais abertos à
ratificação dos Estados membros que, uma vez ratificados, ingressam ao ordenamento jurídico
nacional.
Enquanto as convenções ratificadas são fontes formais de direito, uma vez que são
capazes de gerar direitos, as convenções não ratificadas e as recomendações são meramente
fontes materiais de direito, uma vez que servem apenas de parâmetro ou inspiração para
elaboração de normas jurídicas.
Tanto as convenções como as recomendações exigem a aprovação por dois terços dos
delegados presentes a Conferência. Já as resoluções, utilizadas para resolução de problemas
relativos às finalidades da OIT, devem ser aprovadas por maioria simples, não podendo o total
de votos ser inferior a metade dos delegados presentes a reunião.
No que tange a aplicação da arbitragem aos conflitos trabalhistas, tem-se a
Recomendação n. 92 e a Convenção Internacional n. 154, ambas da OIT, que abordam de
forma sucinta o assunto. Nesse sentido, a Constituição Federal do Brasil, ao prever a
aplicação da arbitragem na seara trabalhista em seu art. 114, § 1º e § 2º, vai de encontro com o
posicionamento da OIT.
Datada de 29 de junho de 1951, a Recomendação n. 92 da OIT demonstra que a
Organização Internacional do Trabalho reconhece o uso do instituto da arbitragem voluntária
na área trabalhista. A partir do momento em que as partes decidem voluntariamente resolver
63
determinado conflito pela via arbitral, a sentença proveniente da aplicação desse instituto deve
ser respeitada pelas partes.
Cabe lembrar, nesse momento, que tal reconhecimento é dado somente para a
arbitragem na forma voluntária, já que a OIT tem condenado o uso da arbitragem obrigatória
por entender que ela desvirtua o próprio instituto da arbitragem, além de enfraquecer os
sindicatos e prejudicar o direito de greve dos trabalhadores.67
RECOMENDAÇÃO N. 92 SOBRE CONCILIAÇÃO E ARBITRAGEM
VOLUNTÁRIAS
ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA
Se um conflito com o consentimento das partes envolvidas vier a ser
submetido a arbitragem para uma solução final, estas devem ser estimuladas
a se absterem de greves e locautes enquanto durar a arbitragem e a aceitarem
a sentença arbitral.68
Posteriormente, entrou em vigor no plano internacional em 11 de agosto de 1983, a
Convenção n. 154 da OIT que foi ratificada pelo Brasil e passou a viger no âmbito nacional
somente em 10 de julho de 1993. Preconizando o uso da arbitragem voluntária como uma das
formas de resolução dos conflitos trabalhistas, a Convenção n. 154 expõe, mais uma vez, a
posição favorável da Organização Internacional do Trabalho quanto ou uso da arbitragem na
seara trabalhista e sua ratificação reforça o comprometimento do Brasil, no âmbito nacional e
internacional, em atuar pela não obstrução da aplicação do instituto da arbitragem nos
conflitos envolvendo os direitos do trabalho.
CONVENÇÃO N. 154 – FOMENTO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
I — Aprovada na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho
(Genebra — 1981), entrou em vigor no plano internacional em 11.8.83.
II — Dados referentes ao Brasil:
a) aprovação = Decreto Legislativo n. 22, de 12.5.92, do Congresso
Nacional;
b) ratificação = 10.7.92;
c) promulgação = Decreto n. 1.256, de 29.9.94;
d) vigência nacional = 10 de julho de 1993.
Art. 6 — As disposições da presente Convenção não obstruirão o
funcionamento de sistemas de relações de trabalho, nos quais a negociação
coletiva ocorra num quadro de mecanismos ou de instituições de conciliação
67
FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. A Arbitragem e os Conflitos Coletivos de Trabalho no Brasil. São
Paulo: LTr, 1990, p. 36 e 49. 68
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Recomendação n. 92. Disponível em:
<http://www.ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO:12100:P12100_INSTRUMENT_ID:31
2430:NO>. Acesso em: 27 set. 2014.
64
ou de arbitragem, ou de ambos, nos quais tomem parte voluntariamente as
partes na negociação coletiva.69
Assim, resta evidenciado, na recomendação e convenção anteriormente expostas, o
reconhecimento, por parte da OIT, do instituto da arbitragem para resolução dos conflitos
trabalhistas desde que de forma voluntária ou facultativa. Da mesma forma, o art. 114, § 1º e
§ 2º, da Constituição Federal, em consonância com a OIT, também traz previsão expressa
quanto à utilização da arbitragem voluntária no campo do Direito do Trabalho, nada citando
sobre a arbitragem obrigatória.
4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DA ARBITRAGEM NA SEARA
TRABALHISTA
O acesso a uma ordem jurídica justa através do poder judiciário, muitas vezes, esbarra
em restrições econômicas (alto custo dos processos), restrições socioculturais (pouco
conhecimento dos seus direitos), restrições psicológicas (“medo” do judiciário) e restrições
jurídicas / judiciárias (morosidade, excesso de recursos etc.).70
Sendo assim, faz-se necessário, além resolver alguns desses entraves ao poder
judiciário, buscar outros meios para resolução dos litígios que possam maximizar a efetivação
do direito de acesso à justiça.
No que tange a área do direito do trabalho a falta de efetividade do acesso à justiça
ainda ganha mais um agravante. A globalização, acompanhada da disseminação do ideal
neoliberalista de mínima intervenção do Estado na economia, vem agravando o processo de
precarização do trabalho e, consequentemente, provocando um aumento significativo no
número de litígios levados à justiça do trabalho, já que a intensificação da concorrência
empresarial, em decorrência da globalização, levou a uma necessidade global de redução dos
custos de produção, incluindo, aqui, os altos custos decorrentes das garantias trabalhistas
asseguradas em lei. 71
Esse processo de precarização do trabalho faz a tutela coletiva de direitos ganhar
importância cada vez maior em detrimento da tutela individual. O desrespeito aos direitos
69
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção n. 154. Disponível em:
<http://www.oitbrasil.org.br/node/503>. Acesso em: 27 set. 2014. 70
CESAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002; CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 71
SANTOS, Boaventura de Sousa. Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Afrontamento; 2001, p. 40;
FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e soberania.
São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123.
65
trabalhistas passa a ser algo menos pontual para ganhar características mais generalizantes.72
Sendo a arbitragem meio constitucionalmente preconizado (artigo 114, § 1º, da Constituição
Federal) justamente para resolução de conflitos coletivos do trabalho, seu estudo e aplicação
constitui em alternativa viável aos problemas do judiciário.
É nesse contexto que os meios extrajudiciais de resolução de conflitos, principalmente
a arbitragem, ganham importância na atualidade para fazer frente aos diversos entraves que
permeiam o judiciário, principalmente na seara trabalhista, onde o volume de conflitos é cada
vez maior, sobrecarregando a justiça do trabalho e prejudicando ainda mais a efetiva garantia
do direito de acesso à justiça.
4.1 A questão da segurança jurídica no instituto da arbitragem
O sistema judiciário ainda é o principal meio de resolução dos conflitos do trabalho no
Brasil, em boa parte, pela segurança jurídica que ele é capaz de proporcionar aos litigantes,
tendo que seguir, compulsoriamente, aos ditames constitucionais e processuais. Dessa forma,
antes de se falar em arbitragem como alternativa válida para resolução dos conflitos
trabalhistas, deve-se averiguar em que medida tal instituto é capaz de garantir segurança
jurídica aos seus usuários. Para tanto, deve-se analisar a questão em duas vertentes: o respeito,
pela arbitragem, aos princípios legais e a influência da desigualdade entre as partes de uma
relação trabalhista sobre o juízo arbitral.
Com a promulgação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), o instituto recebeu novos
contornos jurídicos, inclusive garantias processuais, sob pena de nulidade da sentença arbitral
quando do seu descumprimento. Dessa forma, o art. 21, § 2º da referida lei institui que “serão,
sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das
partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento”.73
O Estado delega a um particular, denominado árbitro, parcela de seu poder
jurisdicional, entretanto, impõe certas regras que devem ser respeitadas, sob pena de nulidade
do procedimento arbitral (art. 32 e art. 33, Lei 9.307/96). Salienta-se, contudo, que o uso da
72
GOMES, Dinaura Godinho Pimentel. Exigência de efetividade dos direitos assegurados pela Consolidação
das Leis do Trabalho, através de medidas judiciais de tutela coletiva. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros
Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Org.). CLT 70 anos de consolidação: uma reflexão social,
econômica e jurídica. São Paulo: Atlas, 2013, p.130. 73
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 72 – 80; CRETELLA
NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei brasileira de arbitragem,
Instituições internacionais de arbitragem, Convenções internacionais sobre arbitragem. Rio de Janeiro: Forense,
2004, p. 93 – 101; FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho.
São Paulo: LTr, 1997, p. 50.
66
força continua sendo monopólio do Estado, uma vez que entregue a sentença arbitral, apesar
de não necessitar de homologação judicial para alcançar validade (art. 18, Lei 9.307/96), sua
execução somente pode ser realizada via judiciário, o único detentor do poder coercitivo (art.
31, Lei 9.307/96).
Percebe-se, portanto, que ao transferir parcela de seu poder jurisdicional a outrem, o
Estado se preocupou em assegurar o cumprimento das regras e princípios processuais e
constitucionais a fim de tornar a via arbitral segura aos que dela desejam fazer uso. Ou seja, a
arbitragem se reveste, praticamente, dos mesmos regramentos do judiciário, a fim de
assegurar a segurança jurídica do instituto.
Sem dúvida, outro fator de insegurança quando se fala na larga utilização da
arbitragem como meio para resolução de conflitos, fundamentalmente na área trabalhista, é a
questão da hipossuficiência dos trabalhadores em relação aos seus empregadores. A
arbitragem, para ser válida, deve decorrer da livre manifestação de vontades. Ocorre que
grande parte dos empregados encontra-se em relação de dependência econômica com seus
empregadores, seja antes de assinado o contrato de trabalho por necessitarem do novo
emprego, seja na constância do contrato de trabalho por dependerem dele para seu sustento.74
Dessa forma, o trabalhador, tanto previamente como na constância do contrato de
trabalho, pode se ver obrigado a assinar cláusula compromissória violando, assim, a
necessária livre manifestação de vontades. É por isso que a justiça trabalhista é tão avessa à
utilização da arbitragem como meio de resolução de conflitos individuais.
ARBITRAGEM. DISSÍDIOS INDIVIDUAIS TRABALHISTAS.
INCOMPATIBILIDADE. Nos dissídios coletivos, os sindicatos
representativos de determinada classe de trabalhadores buscam a tutela de
interesses gerais e abstratos de uma categoria profissional, como melhores
condições de trabalho e remuneração. Os direitos discutidos são, na maior
parte das vezes, disponíveis e passíveis de negociação, a exemplo da redução
ou não da jornada de trabalho e de salário. Nessa hipótese, como defende a
grande maioria dos doutrinadores, a arbitragem é viável, pois empregados e
empregadores têm respaldo igualitário de seus sindicatos. No âmbito da
Justiça do Trabalho, em que se pretende a tutela de interesses individuais e
concretos de pessoas identificáveis, como, por exemplo, o salário e as férias,
a arbitragem é desaconselhável, porque outro é o contexto: aqui, imperativa
é a observância do princípio protetivo, fundamento do direito individual do
trabalhador, que se justifica em face do desequilíbrio existente nas relações
entre trabalhador - hipossuficiente - e empregador. Esse princípio, que alça
patamar constitucional, busca, efetivamente, tratar os empregados de forma
desigual para reduzir a desigualdade nas relações trabalhistas, de modo a
74
ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no
direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 13-14.
67
limitar a autonomia privada. Imperativa, também, é a observância do
princípio da irrenunciabilidade, que nada mais é do que o desdobramento do
primeiro. São tratados aqui os direitos do trabalho indisponíveis previstos,
quase sempre, em normas cogentes, que confirmam o princípio protetivo do
trabalhador. Incompatível, portanto, o instituto da arbitragem nos
dissídios individuais trabalhistas. Recurso de revista não conhecido." (RR -
551-85.2010.5.09.0411, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta,
data de julgamento: 11/9/2013, 2ª Turma, data de publicação: DEJT
20/9/2013).
Nos conflitos coletivos a situação é a inversa, pois há um envolvimento mais amplo,
inclusive com a participação dos sindicatos, o que extirpa essa relação de hipossuficiência,
além do que, a arbitragem nas tutelas coletivas trabalhistas está sedimentada em previsão
constitucional (artigo 114, § 1º, da Constituição Federal), não gerando contestações quanto ao
seu uso.
Ocorre que, nem sempre, um empregado encontra-se em relação de hipossuficiência
com seu empregador, não sendo este motivo, isoladamente, justificativa para abolir a
arbitragem como meio juridicamente seguro de resolução dos conflitos individuais
trabalhistas. Rescindido o contrato de trabalho, por exemplo, o trabalhador não mais se
encontra em posição de hipossuficiência e pode manifestar livremente sua vontade em
resolver eventuais litígios via procedimento arbitral. Também, executivos, especialistas e
outros profissionais de alto nível hierárquico e remuneratório podem figurar em posição de
igualdade com as organizações empresariais, até mesmo anteriormente ou durante o contrato
de trabalho, sendo válida a opção pela via arbitral nesses casos.75
Ao menos, esse tem sido o
posicionamento observado em alguns julgados.
RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – (...) DISSÍDIO INDIVIDUAL
- SENTENÇA ARBITRAL VALIDADE EFEITOS - EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO ART. 267, VII, DO CPC. I -
O art. 1º da Lei nº 9.307/96, ao estabelecer ser a arbitragem meio adequado
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, não se
constitui em óbice absoluto à sua aplicação nos dissídios individuais
decorrentes da relação de emprego. II - Isso porque o princípio da
irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas deve ser examinado a partir de
momentos temporais distintos, relacionados, respectivamente, com o ato da
admissão do empregado, com a vigência da pactuação e a sua posterior
dissolução. III - Nesse sentido, sobressai o relevo institucional do ato de
contratação do empregado e da vigência do contrato de trabalho, em função
75
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,
2010, p. 121; CONFEDERAÇÃO Nacional de Indústria. 101 propostas para modernização trabalhista. Brasília,
2012. Disponível em:
<http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.pdf>.
Acesso em: 10 out. 2013, p. 115.
68
do qual impõe-se realçar a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, visto
que, numa e noutra situação, é nítida a posição de inferioridade econômica
do empregado, circunstância que dilucida a evidência de seu eventual
consentimento achar-se intrinsecamente maculado por essa difusa e
incontornável superioridade de quem está em vias de o contratar ou já o
tenha contratado. IV - Isso porque o contrato de emprego identifica-se
com os contratos de adesão, atraindo a nulidade das chamadas cláusulas
leoninas, a teor do 424 do Código Civil de 2002, com as quais guarda íntima
correlação eventual cláusula compromissória de eleição da via arbitral, para
solução de possíveis conflitos trabalhistas, no ato da admissão do trabalhador
ou na constância do pacto, a qual por isso mesmo se afigura jurídica e
legalmente inválida. V - Diferentemente dessas situações
contemporâneas à contratação do empregado e à vigência da pactuação, cabe
destacar que, após a dissolução do contrato de trabalho, acha-se minimizada
a sua vulnerabilidade oriunda da sua hipossuficiência econômico-financeira,
na medida em que se esgarçam significativamente os laços de dependência e
subordinação do trabalhador face àquele que o pretenda admitir ou que já o
tenha admitido, cujos direitos trabalhistas, por conta da sua
patrimonialidade, passam a ostentar relativa disponibilidade. VI - Desse
modo, não se depara, previamente, com nenhum óbice intransponível para
que ex-empregado e ex-empregador possam eleger a via arbitral para
solucionar conflitos trabalhistas, provenientes do extinto contrato de
trabalho, desde que essa opção seja manifestada em clima de ampla
liberdade, reservado o acesso ao Judiciário para dirimir possível controvérsia
sobre a higidez da manifestação volitiva do ex-trabalhador, na esteira do
artigo 5º, inciso XXXV da Constituição. VII - Tendo em conta que no
acórdão impugnado não há nenhum registro sobre eventual vício de
consentimento do recorrido, ao eleger, após a extinção do contrato de
trabalho, a arbitragem como meio de composição de conflito trabalhista,
uma vez que a tese ali sufragada ficara circunscrita à inadmissibilidade da
solução arbitral em sede de dissídio individual,não se sustenta a conclusão
ali exarada sobre a nulidade do acordo firmado pelas partes perante o
Tribunal Arbitral. Recurso conhecido e provido.(...).”(TST – 4 ª Turma -
RR 144300-80.2005.5.02.0040 – Min. Rel. Barros Levenhagem – j.
15.12.2010 – Pub. DEJT 04.02.2011).
Além do mais, a alardeada incompatibilidade entre a arbitragem e os direitos
trabalhistas individuais não se restringe, somente, a essa questão da hipossuficiência. Muitos
veem os direitos individuais trabalhistas como indisponíveis e, portanto, insuscetíveis à
renúncia ou transação, motivo pelo qual não podem ser objeto da arbitragem.
Cabe, portanto, entrar previamente na questão da indisponibilidade dos direitos
individuais trabalhistas para, posteriormente, sugerir solução que amplie o campo de ação da
arbitragem na esfera trabalhista, compatibilizando com a questão da hipossuficiência que
afeta grande parte dos trabalhadores.
4.2 A questão da indisponibilidade dos direitos trabalhistas
69
A tese da indisponibilidade dos direitos trabalhistas ganhou força após a promulgação
da CLT, já que ela se coadunava com o contexto histórico de intenso paternalismo estatal
experimentado durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas.76
Entretanto, principalmente nos últimos trinta anos, a sociedade passou por uma
revolução tecnológica nas áreas de comunicação e transporte que impactou diretamente nas
relações trabalhistas. Teve início um processo de terceirização da produção, onde todas as
etapas do processo produtivo não são mais realizadas dentro de uma mesma empresa.
Terceiros são contratados, inclusive em outras partes do globo, para efetuar determinadas
etapas da produção a custos menores, no que se convencionou chamar de Globalização. Isso
se reflete em um aumento significativo da informalidade e da precarização do trabalho,
levando as atuais discussões sobre flexibilização das normas trabalhistas e indisponibilidade
de direitos.77
Primeiramente, no entanto, cabe salientar que a questão da indisponibilidade dos
direitos do trabalho como fator limitante ao uso da arbitragem na área trabalhista não abrange
a tutela dos direitos coletivos, pois, para estes, a arbitragem pode ser utilizada por expressa
disposição constitucional (artigo 114, § 1º, da Constituição Federal). Sendo assim, a
problemática se restringe ao campo dos direitos individuais trabalhistas.
Não é porque a Constituição não prevê expressamente a aplicação da arbitragem nos
dissídios que envolvem direitos individuais que podemos dizer que esta é vedada. Tal
hipótese não combina com o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal) que
prevê não se presumirem proibições da mera omissão da lei.
Tendo o art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) limitado a aplicação do instituto
apenas aos litígios que envolvem direitos patrimoniais disponíveis, é necessário analisar se os
direitos individuais trabalhistas são, de fato, indisponíveis, o que impediria a aplicação do
instituto da arbitragem.
Alguns doutrinadores alegam que no supracitado artigo 1º, da Lei de Arbitragem,
devido as dificuldades terminológicas do termo “direitos disponíveis”, seria preferível a
substituição deste por “direitos que possam ser objeto de transação”, assim como faz diversas
76
YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização. Coordenador, José Maria Rossani Garcez; Autores,
Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 91. 77
FERRER, Walkiria Martinez Heirinch; RIBEIRO, Maria de Fátima. Globalização, neoliberalismo e
soberania. São Paulo: Arte & Ciência, 2012, p. 123; YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização.
Coordenador, José Maria Rossani Garcez; Autores, Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 92.
70
legislações estrangeiras, haja vista que o poder de transigir é mais amplo, abarcando tanto
direitos disponíveis como indisponíveis.78
Em que pese tal sugestão, nota-se que a própria Constituição Federal e CLT, em
alguns de seus dispositivos, levam ao entendimento de que os direitos trabalhistas não são
totalmente indisponíveis. A Constituição admite, sob determinadas condições, a redução
salarial (art. 7º, VI) e a alteração, modificação ou compensação da jornada de trabalho (art. 7º,
XIII).79
Já o art. 764, da CLT disciplina o instituto da conciliação, estendendo sua aplicação
tanto aos direitos coletivos quanto aos individuais trabalhistas. Ora, em sendo possível
realizar conciliação nos direitos individuais do trabalho, estes seriam, de certa forma,
disponíveis.80
Na realidade, ocorre que tanto na conciliação como na arbitragem, o objeto efetivo da
transação não é o direito trabalhista em si. O objeto a ser transacionado é, na maioria das
vezes, o direito patrimonial (pecuniário) que surge em decorrência do direito trabalhista,
direito este que é disponível. Sendo assim, os litígios envolvendo direitos trabalhistas acabam
se tornado litígios sobre direitos patrimoniais (pecuniários) disponíveis, atendendo a
exigência prevista no art. 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96).81
As normas trabalhistas são consideradas de ordem pública e, por isso, não poderiam
ser afastadas pela vontade das partes. Não pode, o trabalhador, renunciar a sua garantia de ter
mínimas condições de trabalho. Ocorre que a apreciação pecuniária desses direitos pode, sim,
ser objeto de transação.82
Sendo disponíveis os direitos patrimoniais que decorrem dos
direitos individuais trabalhistas, poderiam ser eles, em tese, objeto da autonomia de vontade
das partes e, portanto, seriam arbitráveis.
Entretanto, de nada adiantaria postular sobre a disponibilidade dos direitos trabalhistas
individuais, possibilitando, assim, a aplicação do instituto da arbitragem nesses casos, se a
hipossuficiência do trabalhador pode corromper sua livre manifestação de vontade quanto à
78
CRETELLA NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei brasileira
de arbitragem, Instituições internacionais de arbitragem, Convenções internacionais sobre arbitragem. Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 56 – 57. 79
CARAJELESCOV, Paula Corina Santone. Arbitragem nos conflitos individuais do trabalho. Curitiba: Juruá,
2010, p. 108-109; YOSHIDA, Márcio. A arbitragem na era da globalização. Coordenador, José Maria Rossani
Garcez; Autores, Adriana Noemi Pucci... [Et al.]. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 91. 80
ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no
direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 08-09. 81
PEREIRA, Ana Lúcia. Considerações sobre a utilização da arbitragem nos contratos individuais de trabalho.
Revista de Arbitragem e Mediação, n. 23, dez. 2009, p. 94. 82
ROQUE, Andre Vasconcelos. Novos paradigmas e perspectivas para a arbitragem de dissídios individuais no
direito do trabalho. XXII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2013. Disponível em:
<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=6cc6e45d2f9cf66f>. Acesso em: 28 jul. 2014, p. 11-12.
71
escolha da via arbitral para resolução de determinado conflito, causando prejuízos ao
trabalhador ou tornando nula a arbitragem.
Sendo assim, é preciso ampliar o escopo de aplicação da arbitragem para fazer frente
aos problemas do judiciário e maximizar o direito de acesso à justiça dos cidadãos, porém,
sem incorrer nos problemas causados pela hipossuficiência do trabalhador.
4.3 O aperfeiçoamento da arbitragem à luz do Código de Defesa do Consumidor
Superada a questão da indisponibilidade dos direitos individuais trabalhistas, a
utilização do instituto da arbitragem como meio de resolução dos dissídios individuais do
trabalho ainda esbarra na questão da hipossuficiência. Ocorre que nos conflitos que envolvem
direitos coletivos trabalhistas, tem-se a participação de outros agentes, como, por exemplo, os
sindicatos, que extinguem a posição de hipossuficiência do trabalhador perante seu
empregador.
Já nos conflitos envolvendo direitos individuais trabalhistas, o empregador,
aproveitando-se da hipossuficiência do empregado, pode coagir este último a resolver o litígio
pela via arbitral obtendo, para si, sentença mais favorável, uma vez que o empregado não se
encontra fortalecido pela presença de seu órgão de classe, tanto para negociar pelo uso da
arbitragem como para fiscalizar sua correta aplicação.
Talvez a resolução para esse problema esteja inserta no Código de Defesa do
Consumidor. Em seu art. 81, parágrafo único, o CDC inclui os direitos individuais
homogêneos, assim entendidos aqueles decorrentes de uma origem comum, no rol dos
denominados "direitos coletivos".
Cabe, nesse momento, lembrar que os direitos coletivos vêm ganhando cada vez mais
importância atualmente, uma vez que a globalização intensifica a concorrência entre as
organizações e gera, dentre outras consequências, uma busca pela redução dos custos de
produção através da precarização do trabalho humano e desrespeito reiterado às normas
trabalhistas. Dessa forma, o descumprimento de certas normas trabalhistas deixa de ser fato
isolado para se tornar algo frequentemente compartilhado por todos os trabalhadores de uma
mesma empresa ou setor. Sendo assim, experimentou-se, nas últimas décadas, um aumento
significativo dos conflitos envolvendo direitos individuais homogêneos trabalhistas,
entretanto, eles não estão devidamente amparados na Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) que teve sua vigência iniciada setenta anos atrás.
72
Ora, se os direitos individuais homogêneos são abarcados pelos direitos coletivos,
segundo o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, então o artigo 114, § 1º, da
Constituição Federal, pode ser interpretado à luz desse conhecimento, ou seja, se o texto
constitucional dispõe que a arbitragem é aplicável na resolução dos conflitos trabalhistas que
possam ser objeto de negociação coletiva, então se deduz que a arbitragem também pode ser
aplicada aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos do trabalho, já que
integram o gênero dos direitos coletivos.
Assim dispõe os artigos em comento:
Art. 114, § 1º (Constituição Federal) - Frustrada a negociação coletiva, as
partes poderão eleger árbitros.
Art. 81 (Código de Defesa do Consumidor) - A defesa dos interesses e
direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste
código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares
pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos
deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte
contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos
os decorrentes de origem comum.
A interpretação do art. 114, § 1º, da Constituição Federal, através do conceito de
direitos coletivos advindo do Código de Defesa do Consumidor possibilita a aplicação do
instituto da arbitragem aos conflitos que envolvam direitos individuais homogêneos
trabalhistas que, em tese, são menos suscetíveis ao problema da hipossuficiência, já que por
pertencerem ao gênero dos direitos coletivos, podem contar com o envolvimento das
organizações sindicais a fim de retirar o trabalhador de sua posição de hipossuficiente. Dessa
forma, seria preferível, nesses casos, que a convenção arbitral se desse por meio de acordo ou
convenção coletiva a fim de não obstar a livre manifestação de vontade do hipossuficiente que
tornaria nula a arbitragem.
Sendo assim, a tese de que por força constitucional a arbitragem não pode ser aplicada
aos conflitos envolvendo direitos individuais trabalhistas não prosperaria em relação aos
direitos individuais homogêneos. Ela somente teria fundamento no que diz respeito aos
direitos individuais puros.
73
Entendendo pela disponibilidade dos direitos individuais do trabalho, requisito
necessário para aplicação do instituto da arbitragem de acordo com a Lei 9.307/96, e pela
interpretação do dispositivo constitucional que trata da arbitragem trabalhista à luz da
definição de direitos coletivos do Código de Defesa do Consumidor, pode-se, ao harmonizar
esses três ordenamentos jurídicos, estender a aplicação da arbitragem aos conflitos que
envolvam direitos individuais homogêneos do trabalho, sem incorrer nos problemas causados
pela hipossuficiência dos empregados. Dessa forma, estar-se-ia ajudando a elevar o grau de
efetividade do direito de acesso à justiça dos cidadãos e fazendo frente a alguns dos
problemas enfrentados pelo judiciário na área trabalhista.
5 PROJETO DE LEI 7108/2014
Transita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7108/201483
que amplia o
âmbito de aplicação do instituto da arbitragem para resolução dos conflitos e dá outras
providências. De autoria do Senador Renan Calheiros (PMDB-AL), o projeto objetiva reduzir
significativamente o crescente número de ações judiciais que sobrecarregam o Poder
Judiciário e ameaça a efetividade do direito de acesso à justiça dos cidadãos.
Em breves linhas, o Projeto de Lei altera alguns artigos da Lei de Arbitragem (Lei
9.307/96) criando, entre outras coisas, a possibilidade da Administração Pública direita e
indireta valer-se do instituto da arbitragem de direito (sendo vedado pelo Projeto de Lei o uso
da arbitragem por equidade neste caso) para resolução de conflitos que envolvam direitos
patrimoniais disponíveis, desde que respeitado o princípio da publicidade.
O Projeto também contempla a utilização da arbitragem nas relações de consumo
desde que o consumidor tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou concorde expressamente
com a sua instituição. Também estabelece o referido texto que a arbitragem interrompe o
prazo prescricional, retroagindo à data do requerimento de instauração da arbitragem, ainda
que ela seja extinta por ausência de jurisdição.
Ademais, permite-se, pelo novo texto, que os árbitros profiram sentenças parciais,
podendo a parte interessada ingressar em juízo para requerer a prolação de sentença arbitral
complementar se o árbitro não decidir todas as questões submetidas à arbitragem.
83
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 7108/2014. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1225529&filename=PL+7108/2014.
Acesso em: 28 nov. 2014.
74
O Projeto de Lei 7108/2014 também prevê que, antes de instituída a arbitragem, as
partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para requerer medida cautelar que perderá sua
eficácia se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta)
dias. Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida
cautelar. Poderão também, as partes, requerer a medida cautelar diretamente ao árbitro quando
já instituída a arbitragem.
Ainda segundo o Projeto de Lei, o texto também confere aos árbitros a possibilidade
de expedir carta arbitral a fim de que órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o
cumprimento de ato solicitado pelo árbitro.
Além das alterações na Lei de Arbitragem, o projeto de Lei também altera
significativamente a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) ao admitir a arbitragem
como forma de solucionar conflitos societários mediante aprovação da inserção de convenção
de arbitragem no estatuto social.
Entretanto, a mudança mais relevante trazida pelo Projeto de Lei 7108/2014 para o
presente estudo é a validade da cláusula compromissória em contratos individuais do trabalho,
desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor
estatutário e tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou concorde expressamente com a sua
instituição.
Tal proposta de estender a aplicação da arbitragem aos contratos individuais do
trabalho, mesmo que nas condições específicas anteriormente expostas, reacende a
importância do debate objeto desta obra quanto à necessidade de estender a aplicação da
arbitragem para além dos direitos coletivos do trabalho, alcançando, também, certos conflitos
que envolvam direitos individuais trabalhistas, desde que observados os procedimentos
necessários à manutenção da segurança jurídica e considerando-se a condição de
hipossuficiência do trabalhador, conforme devidamente abordado nos itens precedentes.
Também o Projeto do novo Código de Processo Civil brasileiro (Projeto de Lei do
Senado nº 166, de 2010), que atualmente aguarda sanção presidencial, ratifica a importância
que o legislativo começa a dar aos meios extrajudiciais de solução de conflitos. Nele, fica
estabelecida a obrigatoriedade de audiência de conciliação e mediação logo após a citação do
réu, antes mesmo de sua contestação, com o objetivo de tornar o processo judicial mais célere.
Somente após frustrada a transação ou manifestado o desinteresse de uma das partes pela
composição consensual é que se tem início a contagem do prazo para contestação (vide arts.
323 e 324 do Projeto de Lei). Nota-se, portanto, a contribuição que os meios extrajudiciais de
75
solução de conflitos têm a oferecer no que diz respeito à celeridade processual e efetividade
do acesso à justiça.
6 O CORPORATIVISMO E OS ENTRAVES À INSTAURAÇÃO DE NOVOS MÉTODOS
DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
No Brasil, encontra-se arraigada uma forte tradição paternalista do Estado que se
irradia por toda a sociedade. A autonomia da vontade sede espaço para o poder Estatal visto
como único meio hábil para impor soluções imparciais e zelar pelo interesse de toda a
coletividade. Os indivíduos entregam toda sorte de demandas para serem solucionadas pelo
Estado, ao qual foi incumbida a missão precípua de defensor e garantidor dos direitos
constitucionais.
Os cidadãos acabam se acomodando e almejam que, unilateralmente, o Estado possa
resolver todos os problemas coletivos e individuais. Ocorre que o Estado, apesar de suas
inúmeras virtudes, vem se mostrando inapto como único meio de resolução dos conflitos e
não mais consegue dar conta da grande quantidade de processos que se multiplicam a cada
dia.84
Essa estatização que permeia o consciente coletivo dos brasileiros, por si só, constitui-
se em grande entrave ao desenvolvimento do instituto da arbitragem por aqui. A arbitragem,
nesse sentido, nada mais é do que uma forma de escapar ao monopólio estatal valendo-se da
autonomia da vontade das partes para por fim a um determinado conflito, ou seja, as próprias
partes envolvidas, sem a intervenção estatal, podem encontrar uma solução para alguns tipos
de controvérsias.
Durante muito tempo esse monopólio estatal na resolução dos litígios levou a
jurisprudência a não reconhecer a eficácia da cláusula compromissória. Dessa forma, o
compromisso de se valer da arbitragem para solucionar conflitos futuros era visto como mera
promessa, sem qualquer efeito vinculante.
A falta de efetividade da cláusula arbitral constituía-se em forte entrave para o
desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Entretanto, passo importante foi dado pela Lei de
84
MARTINS, Pedro A. Batista. Arbitragem através dos tempos: obstáculos e preconceitos à sua implementação
no Brasil. Disponível em:
<http://www.tradutoresjuramentados.com/pbm/arbitragem/arbatrtemobspreimpbra.htm>. Acesso em: 07 out
2014.
76
Arbitragem (Lei 9.307/96). Em seu art. 7º ficou instituído, conforme salienta Tânia Lobo
Muniz85
, o caráter obrigatório e o efeito vinculante da cláusula compromissória.
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à
instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da
outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso,
designando o juiz audiência especial para tal fim.
Dessa forma, caso uma das partes se negue a cumprir a cláusula, a parte prejudicada
pode acionar o poder judiciário para reivindicar o cumprimento do que foi acordado, ou seja,
a resolução do conflito pela via arbitral.
Outro entrave ao desenvolvimento da arbitragem no Brasil foi a necessidade de
homologação judicial do laudo arbitral para que este pudesse produzir seus efeitos. Isso
tornava a arbitragem excessivamente dependente do poder judiciário prejudicando o seu
desenvolvimento. Entretanto, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), através do seu art. 18,
eliminou mais esse obstáculo ao consagrar o árbitro como juiz de fato e de direito, não
cabendo, assim, recurso ou homologação de sua sentença. Entretanto, a justiça reserva para si
o papel de decretar a nulidade da sentença arbitral nas hipóteses previstas no art. 32 da mesma
lei.
Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nulo o compromisso;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção
passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III,
desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta
Lei.
Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário
competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos
nesta Lei.
Dessa forma, concede-se maior poder aos árbitros e, em decorrência, ao instituto da
arbitragem como um todo. Todavia, o judiciário não se exime do seu papel de garantidor da
justiça quando alguma irregularidade no procedimento arbitral é informada pela parte
prejudicada.
85
MUNIZ, Tânia Lobo. Arbitragem no Brasil e a Lei 9.307/96. Curitiba: Juruá, 1999, p. 88.
77
Apesar da Lei de Arbitragem ter levado a superação de alguns dos principais entraves
que obstaculizavam o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, na área trabalhista a não
efetividade da cláusula compromissória e da sentença arbitral ainda são uma realidade. O
poder judiciário ainda insiste em entender pela incompatibilidade entre o instituto da
arbitragem e o Direito do Trabalho a despeito das razões em contrário expostas anteriormente
neste estudo.
Quando o judiciário decide pela inaplicabilidade da arbitragem, seja por considerar
que os direitos trabalhistas são indisponíveis e que não podem ser objeto de arbitragem, seja
por entender erroneamente que sempre haverá relação de hipossuficiência do trabalhador para
com seu empregador comprometendo a livre manifestação de vontade, há um prejuízo muito
significativo ao desenvolvimento do instituto da arbitragem trabalhista no Brasil.
Todo o procedimento arbitral que culmina na sentença arbitral é perdido e um novo
procedimento, desta vez judicial, é instaurado. Dessa forma o monopólio judicial é mantido e
incentivado e a arbitragem deixa de ser vista como alternativa válida para resolução dos
conflitos na seara trabalhista.
Também os advogados podem ser vistos, de certa forma, como entraves ao pleno
desenvolvimento do juízo arbitral brasileiro. Conforme o art. 133 da Constituição Federal, “o
advogado é indispensável à administração da justiça”. Ocorre que em alguns casos, como, por
exemplo, em algumas ações do juizado especial (art. 9º da Lei 9.099/95), ou no juízo arbitral
(art. 21, § 3º da Lei 9.307/96), a assistência de um advogado pode até ser aconselhável, porém
não é obrigatória.
Art. 21, § 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado,
respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no
procedimento arbitral.
Dessa forma, para alguns advogados, difundir a arbitragem não está entre suas maiores
aspirações, já que a inexigibilidade de sua atuação no juízo arbitral poderia significar a perda
de potenciais clientes. Não se pode incorrer no erro de generalizar tal afirmativa, entretanto,
com base no raciocínio anteriormente apresentado tal hipótese deve, ao menos, ser levada em
consideração.
Em suma, a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96) contribuiu significativamente para
criação de ambiente propício para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil. Contudo, a
sociedade brasileira ainda não conseguiu se libertar da tradição jurisdicional estatal e, na área
trabalhista, a aplicação da arbitragem ainda não é unanimidade entre os doutrinadores. Sendo
78
assim, o presente estudo pretendeu demonstrar a viabilidade da utilização do instituto da
arbitragem na área trabalhista como forma de efetivar o direito de acesso à justiça dos
cidadãos.
7 A CONTRIBUIÇÃO DA ARBITRAGEM PARA EFETIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA
Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal do Brasil, ao tratar sobre os
princípios gerais da atividade econômica, exalta a livre iniciativa e o respeito à propriedade
privada, ela, por outro lado, demonstra grande preocupação com a valorização do trabalho
humano, a defesa do consumidor e do meio ambiente e a função social da propriedade. Ou
seja, a garantia de livre iniciativa que os empregadores têm no exercício de sua profissão é
limitada pelo potencial prejuízo que certas atitudes suas podem causar a sociedade ou a alguns
de seus integrantes.
Nesse sentido é o entendimento de André Ramos Tavares ao afirmar que “os
condicionamentos à liberdade de iniciativa (privado-econômica) surgem exatamente na
medida em que se constata a necessidade de garantir realização da justiça social e do bem-
estar coletivo”.86
Assim dispõe a Constituição Federal:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei.
86
TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 2. Ed. São Paulo: Método, 2006, p. 242.
79
Fica, portanto, evidente que o conflito de interesses entre trabalhadores e
empregadores existe e é reconhecido pelo ordenamento constitucional pátrio. A fim de que os
empregadores, na sua busca pelo lucro máximo, não atentem contra os direitos de seus
empregados ou dos demais membros da sociedade, torna-se necessário meio eficaz de
repressão aos abusos porventura comentidos.
Hodiernamente, o meio mais utilizado para harmonizar os interesses dos
empreendedores aos interesses sociais é o poder judiciário a quem foi incumbido o papel de
julgar e punir os abusos praticados. Todavia, principalmente após a revolução industrial,
intensificaram-se de tal forma os conflitos de interesses entre trabalhadores e empregadores
que o poder judiciário brasileiro passou a ter sua eficiência questionada por grande parte da
doutrina. Morosidade, burocracia e elevado custo processual são apenas alguns dos entraves
discutidos no primeiro capítulo deste estudo e que afetam seriamente a prestação jurisdicional
estatal.
Diante de tal panorama, pode-se facilmente deduzir que o aperfeiçoamento da forma
de resolução dos conflitos trabalhistas no Brasil ajudaria sobremaneira no cumprimento dos
princípios da ordem econômica dispostos no art. 170 da Constituição Federal do Brasil. Sendo
assim, a adoção do instituto da arbitragem como opção válida para a resolução dos conflitos
coletivos do trabalho - incluindo nesse conceito também os conflitos individuais homogêneos
- constitui alternativa aos problemas enfrentados pelo poder judiciário, assegurando eficaz e
tempestiva repressão aos abusos praticados pelos empregadores em face de seus empregados
e contribuindo para a realização dos preceitos que regem a ordem econômica constitucional.
Uma forma de resolução dos conflitos mais eficiente é passo fundamental para garantir
que os empreendimentos privados possam, enfim, atender com sua função social,
contribuindo para o bem-estar da coletividade. Ademais, a função social da propriedade como
princípio da ordem econômica serve de fundamento para que o próprio Estado brasileiro
venha a realizar políticas que visem reduzir a desigualdade social e garantir o pleno emprego,
harmonizando com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil dispostos no
art. 3º da Constituição Federal.
Em suma, levando-se em consideração os inúmeros problemas enfrentados pelo poder
judiciário, o instituto da arbitragem seria alternativa válida para efetivação do direito de
acesso à justiça dos cidadãos, garantindo meio repressivo tempestivo para que as atividades
econômicas possam vir a atender com sua função social e, assim, auxiliando o país na
realização dos princípios da ordem econômica dispostos no art. 170 da Constituição Federal.
80
CONCLUSÃO
O acesso à justiça não se faz, tão somente, através do judiciário. Existem outras
formas de se garantir o acesso dos cidadãos a uma ordem jurídica justa. A arbitragem é um
meio extrajudicial de resolução de conflitos que também é capaz de proporcionar acesso à
justiça para os que dela se utilizam.
Tradicionalmente, o judiciário é a principal forma de resolução dos conflitos no Brasil,
incluindo aqueles relativos ao Direito do Trabalho. Entretanto, ele contém verdadeiras
barreiras que impedem os cidadãos de terem seu direito de acesso à justiça efetivado. Cite-se,
por exemplo, os altos custos de um processo judicial que é verdadeiro obstáculo aos cidadãos
de menor poder aquisitivo, o ambiente excessivamente formal em termos de vestes e linguajar
que gera certo receio em acionar o judiciário, a excessiva demora na obtenção da prestação
jurisdicional que desestimula a busca pela justiça, o baixo grau de instrução da população
brasileira que muitas vezes desconhece quando tem um direito seu violado, entre outras.
Dessa forma, apesar do judiciário ser, em tese, acessível a todos, na prática sua
utilização como principal forma de resolução de conflitos acaba por minar o direito de acesso
à justiça dos cidadãos. É exatamente nesse contexto que ganha importância o estudo da
arbitragem. Nesta, a escolha de um terceiro de comum acordo entre as partes para atuar como
arbitro em determinado conflito proporciona inúmeras vantagens em comparação com a tutela
jurisdicional, a saber: celeridade; informalidade; confiabilidade; flexibilidade e sigilo, além de
evitar as barreiras existentes na prestação jurisdicional estatal.
Na área trabalhista a situação é agravada pelo uso, em larga escala, da tutela judicial
individual para resolução dos conflitos. Grande parte dos trabalhadores se vê obrigado a
continuar trabalhando em condições abusivas e/ou inseguras e ingressar com sua ação
trabalhista apenas após o término do contrato de trabalho por temer perder sua fonte de renda
caso ingresse com a ação ainda na constância do contrato de trabalho, correndo, como isso, o
risco de ser atingido pela prescrição.
A possibilidade de aplicação da arbitragem aos conflitos coletivos do trabalho é
unânime entre os doutrinadores por se tratar de disposição constitucional (art. 114, §1º da
Constituição Federal), todavia sua aplicabilidade aos conflitos individuais trabalhistas ainda é
muito questionada.
Mesmo entendendo pela disponibilidade dos direitos individuais trabalhistas, e,
portanto, pela aplicabilidade do instituto da arbitragem, inclusive, aos conflitos individuais, a
aplicação da arbitragem nesses casos poderá ser considerada nula devido ao problema da
81
hipossuficiência que afeta a livre manifestação de vontade do trabalhador, principalmente no
decorrer da relação trabalhista.
Entretanto, através do entendimento do art. 114, § 1º, da Constituição, a luz do
conceito de direitos coletivos do Código de Defesa do Consumidor, pode-se estender a
aplicação da arbitragem, ao menos aos direitos individuais homogêneos que são menos
suscetíveis ao problema da hipossuficiência desde que a convenção arbitral seja devidamente
realizada via acordo ou convenção coletiva, fortalecendo, assim, o trabalhador e retirando sua
condição de hipossuficiente, tornando válida a convenção assinada tanto previamente, como
no decorrer da relação trabalhista ou após seu término.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe para o direito brasileiro a definição
do termo “direitos coletivos”. Segundo o CDC, eles abrangem os direitos difusos, coletivos e
individuais homogêneos. Sendo assim, quando a Constituição Federal dispõe que a
arbitragem é aplicável aos conflitos coletivos do trabalho, deve-se interpretar o termo
“coletivos” em conjunto com a definição de direitos coletivos trazida pelo CDC. Assim
fazendo, não restam dúvidas sobre a legalidade da aplicação da arbitragem também aos
conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos do trabalho. Dessa forma, a
arbitragem somente não abarcaria os direitos individuais absolutos.
Assim, minimizar-se-ia o problema do acesso à justiça trabalhista no país sem
descuidar da questão da falta de segurança jurídica que a aplicação da arbitragem aos direitos
individuais trabalhistas poderia causar. Ademais, a utilização da arbitragem na resolução dos
conflitos trabalhistas faria frente aos problemas enfrentados pelo poder judiciário nacional
contribuindo, sobremaneira, para efetivação dos princípios constitucionais da ordem
econômica na medida em que repreenderia de forma mais célere atos atentatórios aos direitos
dos trabalhadores e consumidores, Possibilitar-se-ia, assim, a construção e uma ordem
econômica mais justa e com viés social conforme estabelecido no art. 170 do texto
constitucional.
82
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ANEXO
LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996.
Dispõe sobre a arbitragem.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Capítulo I
Disposições Gerais
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na
arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base
nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
Capítulo II
Da Convenção de Arbitragem e seus Efeitos
Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo
arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o
compromisso arbitral.
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,
relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta
no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente
tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua
86
instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou
visto especialmente para essa cláusula.
Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão
arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de
acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em
outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.
Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte
interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou
por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento,
convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se
a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º
desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da
causa.
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição
da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer
em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
§ 1º O autor indicará, com precisão, o objeto da arbitragem, instruindo o pedido com o
documento que contiver a cláusula compromissória.
§ 2º Comparecendo as partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação
acerca do litígio. Não obtendo sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de
comum acordo, do compromisso arbitral.
§ 3º Não concordando as partes sobre os termos do compromisso, decidirá o juiz, após
ouvir o réu, sobre seu conteúdo, na própria audiência ou no prazo de dez dias, respeitadas as
disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos arts. 10 e 21, § 2º, desta
Lei.
§ 4º Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre a nomeação de árbitros, caberá
ao juiz, ouvidas as partes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do
litígio.
§ 5º A ausência do autor, sem justo motivo, à audiência designada para a lavratura do
compromisso arbitral, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§ 6º Não comparecendo o réu à audiência, caberá ao juiz, ouvido o autor, estatuir a
respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§ 7º A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral.
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Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver
inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula
compromissória.
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as
questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato
que contenha a cláusula compromissória.
Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um
litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
§ 1º O compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo
ou tribunal, onde tem curso a demanda.
§ 2º O compromisso arbitral extrajudicial será celebrado por escrito particular,
assinado por duas testemunhas, ou por instrumento público.
Art. 10. Constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral:
I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes;
II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a
identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros;
III - a matéria que será objeto da arbitragem; e
IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral.
Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter:
I - local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem;
II - a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for
convencionado pelas partes;
III - o prazo para apresentação da sentença arbitral;
IV - a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem,
quando assim convencionarem as partes;
V - a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas
com a arbitragem; e
VI - a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros.
Parágrafo único. Fixando as partes os honorários do árbitro, ou dos árbitros, no
compromisso arbitral, este constituirá título executivo extrajudicial; não havendo tal
estipulação, o árbitro requererá ao órgão do Poder Judiciário que seria competente para julgar,
originariamente, a causa que os fixe por sentença.
Art. 12. Extingue-se o compromisso arbitral:
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I - escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as
partes tenham declarado, expressamente, não aceitar substituto;
II - falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto algum dos árbitros, desde que
as partes declarem, expressamente, não aceitar substituto; e
III - tendo expirado o prazo a que se refere o art. 11, inciso III, desde que a parte
interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o
prazo de dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.
Capítulo III
Dos Árbitros
Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
§ 1º As partes nomearão um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, podendo
nomear, também, os respectivos suplentes.
§ 2º Quando as partes nomearem árbitros em número par, estes estão autorizados,
desde logo, a nomear mais um árbitro. Não havendo acordo, requererão as partes ao órgão do
Poder Judiciário a que tocaria, originariamente, o julgamento da causa a nomeação do árbitro,
aplicável, no que couber, o procedimento previsto no art. 7º desta Lei.
§ 3º As partes poderão, de comum acordo, estabelecer o processo de escolha dos
árbitros, ou adotar as regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada.
§ 4º Sendo nomeados vários árbitros, estes, por maioria, elegerão o presidente do
tribunal arbitral. Não havendo consenso, será designado presidente o mais idoso.
§ 5º O árbitro ou o presidente do tribunal designará, se julgar conveniente, um
secretário, que poderá ser um dos árbitros.
§ 6º No desempenho de sua função, o árbitro deverá proceder com imparcialidade,
independência, competência, diligência e discrição.
§ 7º Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral determinar às partes o adiantamento de
verbas para despesas e diligências que julgar necessárias.
Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as
partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os
casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos
deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.
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§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da
aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade
e independência.
§ 2º O árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido após sua nomeação.
Poderá, entretanto, ser recusado por motivo anterior à sua nomeação, quando:
a) não for nomeado, diretamente, pela parte; ou
b) o motivo para a recusa do árbitro for conhecido posteriormente à sua nomeação.
Art. 15. A parte interessada em argüir a recusa do árbitro apresentará, nos termos do
art. 20, a respectiva exceção, diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral,
deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes.
Parágrafo único. Acolhida a exceção, será afastado o árbitro suspeito ou impedido, que
será substituído, na forma do art. 16 desta Lei.
Art. 16. Se o árbitro escusar-se antes da aceitação da nomeação, ou, após a aceitação,
vier a falecer, tornar-se impossibilitado para o exercício da função, ou for recusado, assumirá
seu lugar o substituto indicado no compromisso, se houver.
§ 1º Não havendo substituto indicado para o árbitro, aplicar-se-ão as regras do órgão
arbitral institucional ou entidade especializada, se as partes as tiverem invocado na convenção
de arbitragem.
§ 2º Nada dispondo a convenção de arbitragem e não chegando as partes a um acordo
sobre a nomeação do árbitro a ser substituído, procederá a parte interessada da forma prevista
no art. 7º desta Lei, a menos que as partes tenham declarado, expressamente, na convenção de
arbitragem, não aceitar substituto.
Art. 17. Os árbitros, quando no exercício de suas funções ou em razão delas, ficam
equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal.
Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a
recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
Capítulo IV
Do Procedimento Arbitral
Art. 19. Considera-se instituída a arbitragem quando aceita a nomeação pelo árbitro, se
for único, ou por todos, se forem vários.
Parágrafo único. Instituída a arbitragem e entendendo o árbitro ou o tribunal arbitral
que há necessidade de explicitar alguma questão disposta na convenção de arbitragem, será
90
elaborado, juntamente com as partes, um adendo, firmado por todos, que passará a fazer parte
integrante da convenção de arbitragem.
Art. 20. A parte que pretender argüir questões relativas à competência, suspeição ou
impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da
convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar,
após a instituição da arbitragem.
§ 1º Acolhida a argüição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos
termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral,
bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes
remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.
§ 2º Não sendo acolhida a argüição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem
prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando
da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.
Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na
convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional
ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao
tribunal arbitral, regular o procedimento.
§ 1º Não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou ao tribunal
arbitral discipliná-lo.
§ 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do
contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre
convencimento.
§ 3º As partes poderão postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a
faculdade de designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral.
§ 4º Competirá ao árbitro ou ao tribunal arbitral, no início do procedimento, tentar a
conciliação das partes, aplicando-se, no que couber, o art. 28 desta Lei.
Art. 22. Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir
testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias,
mediante requerimento das partes ou de ofício.
§ 1º O depoimento das partes e das testemunhas será tomado em local, dia e hora
previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente, ou a seu
rogo, e pelos árbitros.
§ 2º Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar
depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento
91
da parte faltosa, ao proferir sua sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas
circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade
judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de
arbitragem.
§ 3º A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.
§ 4º Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou
cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria,
originariamente, competente para julgar a causa.
§ 5º Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído fica a critério
do substituto repetir as provas já produzidas.
Capítulo V
Da Sentença Arbitral
Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo
sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da
instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.
Parágrafo único. As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo
estipulado.
Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito.
§ 1º Quando forem vários os árbitros, a decisão será tomada por maioria. Se não
houver acordo majoritário, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.
§ 2º O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em
separado.
Art. 25. Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos
indisponíveis e verificando-se que de sua existência, ou não, dependerá o julgamento, o
árbitro ou o tribunal arbitral remeterá as partes à autoridade competente do Poder Judiciário,
suspendendo o procedimento arbitral.
Parágrafo único. Resolvida a questão prejudicial e juntada aos autos a sentença ou
acórdão transitados em julgado, terá normal seguimento a arbitragem.
Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;
II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito,
mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade;
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III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem
submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e
IV - a data e o lugar em que foi proferida.
Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros.
Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder
ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.
Art. 27. A sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das
custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé,
se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver.
Art. 28. Se, no decurso da arbitragem, as partes chegarem a acordo quanto ao litígio, o
árbitro ou o tribunal arbitral poderá, a pedido das partes, declarar tal fato mediante sentença
arbitral, que conterá os requisitos do art. 26 desta Lei.
Art. 29. Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro,
ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por
outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda,
entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.
Art. 30. No prazo de cinco dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência
pessoal da sentença arbitral, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá
solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que:
I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral;
II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se
pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão.
Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá, no prazo de dez dias,
aditando a sentença arbitral e notificando as partes na forma do art. 29.
Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos
efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui
título executivo.
Art. 32. É nula a sentença arbitral se:
I - for nulo o compromisso;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
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VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a
decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.
§ 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o
procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo
de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu
aditamento.
§ 2º A sentença que julgar procedente o pedido:
I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e
VIII;
II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais
hipóteses.
§ 3º A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida
mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de
Processo Civil, se houver execução judicial.
Capítulo VI
Do Reconhecimento e Execução de Sentenças
Arbitrais Estrangeiras
Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de
conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua
ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida
fora do território nacional.
Art. 35. Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira
está sujeita, unicamente, à homologação do Supremo Tribunal Federal.
Art. 36. Aplica-se à homologação para reconhecimento ou execução de sentença
arbitral estrangeira, no que couber, o disposto nos arts. 483 e 484 do Código de Processo
Civil.
Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte
interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art.
282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:
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I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada
pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;
II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada,
acompanhada de tradução oficial.
Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou
execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II - a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a
submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi
proferida;
III - não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou
tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;
IV - a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e
não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou
cláusula compromissória;
VI - a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha
sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral
for prolatada.
Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução
da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por
arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública nacional.
Parágrafo único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a efetivação
da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de
arbitragem ou da lei processual do país onde se realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive,
a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira
tempo hábil para o exercício do direito de defesa.
Art. 40. A denegação da homologação para reconhecimento ou execução de sentença
arbitral estrangeira por vícios formais, não obsta que a parte interessada renove o pedido, uma
vez sanados os vícios apresentados.
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Capítulo VII
Disposições Finais
Art. 41. Os arts. 267, inciso VII; 301, inciso IX; e 584, inciso III, do Código de
Processo Civil passam a ter a seguinte redação:
"Art. 267.........................................................................
VII - pela convenção de arbitragem;"
"Art. 301.........................................................................
IX - convenção de arbitragem;"
"Art. 584...........................................................................
III - a sentença arbitral e a sentença homologatória de transação ou de conciliação;"
Art. 42. O art. 520 do Código de Processo Civil passa a ter mais um inciso, com a
seguinte redação:
"Art. 520...........................................................................
VI - julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem."
Art. 43. Esta Lei entrará em vigor sessenta dias após a data de sua publicação.
Art. 44. Ficam revogados os arts. 1.037 a 1.048 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de
1916, Código Civil Brasileiro; os arts. 101 e 1.072 a 1.102 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro
de 1973, Código de Processo Civil; e demais disposições em contrário.
Brasília, 23 de setembro de 1996; 175º da Independência e 108º da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Nelson A. Jobim
Este texto não substitui o publicado no DOU de 24.9.1996