o ato de brincar na escola: um estudo sobre o seu...
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA
GABRIEL DA COSTA SPOLAOR
O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA:
UM ESTUDO SOBRE O SEU PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO
Campinas
2019
GABRIEL DA COSTA SPOLAOR
O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA:
UM ESTUDO SOBRE O SEU PROCESSO DE SIGNIFICAÇÃO
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação Física
da Universidade Estadual de Campinas como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em
EDUCAÇÃO FÍSICA na área de EDUCAÇÃO FÍSICA E
SOCIEDADE.
Orientadora: Prof(a). Dra. Elaine Prodócimo.
ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO
ALUNO GABRIEL DA COSTA SPOLAOR, E
ORIENTADA PELA PROF(A). DR(A). ELAINE
PRODÓCIMO.
Campinas
2019
COMISSÃO EXAMINADORA
Dra. Elaine Prodócimo
Orientadora
Dra. Ana Cristina Zimmermann
Membro titular da banca
Dr. Guilherme do Val Toledo Prado
Membro titular da banca
A ata da defesa, com assinatura dos membros da comissão organizadora consta no SIGA/
Sistema de fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer os meus pais, Arnaldo e Rosely. Obrigado
por todo o carinho, amor, respeito e possibilidade de diálogo com que me educaram! Esse
trabalho é fruto de todo esforço que vocês tiveram ao longo dos anos, para garantir que eu
tivesse uma boa educação, assim como, para que eu me tornasse uma pessoa melhor a cada
dia! Acho que tudo começou com vocês, né? Vocês foram as minhas primeiras referências
sobre o brincar!
Agradeço a minha parceira Juliana, por todo companheirismo e amor em todos os
nossos momentos juntos! Obrigado por toda a paciência e carinho durante todo o processo
de escrita, assim como, sua leitura cuidadosa! Nossos diálogos e trocas me constituem um
sujeito mais sensível, espero contar com a sua presença por muito tempo ainda!
Agradeço as minhas sobrinhas de coração Bia e Agnes, que sempre brincaram muito
comigo e não deixaram meu ser brincante adormecer!
Agradeço aos professores com quem pude dialogar durante o Mestrado! Mário
Nunes, Inês Bragança, Ana Aragão, Ana Zimmermann e Tizuco Kishimoto, vocês me
proporcionaram importantes momentos de reflexão e aprendizado durante as aulas!
Agradeço também a minha querida professora, orientadora, amiga, brincante, Elaine,
pelo companheirismo e orientação carinhosa desde a graduação! Sempre muito paciente e
cuidadosa com meus processos de estudo e escrita, permitiu que eu traçasse meu caminho
com liberdade! Ser seu aluno e ter a oportunidade de trabalhar contigo tem sido muito
importante para a minha constituição, não só de professor, mas, sobretudo, como pessoa!
Agradeço aos parceiros do Grupo EscolaR, pelas ótimas reuniões, discussões e
espaços de diálogo sobre Educação Física e Educação! Muito obrigado!
Agradeço aos parceiros do GRUBAKH, Guilherme, Liana, Marissol, Vanessa, Ruy,
Heloísa, Adriana, Grace, Luciane, Márcia, Marcos, Ana Cristina, Nara e Fernando! Tenho
muito carinho por tudo o que vocês me ensinam!
Agradeço a todos os meus alunos e parceiros de trabalho, em especial, Natália, Zezé,
Ana Helena, Adilson, Gilson, Maria Ida, Alba, Sandra, Marcos, Vanessa, Dani, Gabi,
Juliana, Cris, Dri, Lilia, Silmara, Silvinha, Maria Helena, Sérgio, Fátima, Fernanda, Rita,
João, Edu, Magali e Caio! Cada um com seu modo singular, me permite aprender e
amadurecer como professor!
Agradeço aos meus amigos, André, Giovane, Gustavo, Lari, Poliana, Marcela,
Leonora, Aninha, Rogério, Gilson e Debora! Sou muito feliz pelo apoio e carinho de vocês!
Agradeço a diretoria, professoras e crianças da escola onde a pesquisa foi realizada!
Muito obrigado pela confiança e por compartilharem um pouco do trabalho e esforço diário
para construir uma escola comprometida com uma Educação Pública, crítica, laica, gratuita
e democrática!
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
RESUMO
O brincar como ato expressado nas relações dialógicas e sociais permeia os diferentes
momentos do cotidiano escolar. Há muitos anos, seu uso e potencial educativo nos processos
de ensino-aprendizado são objeto de estudo, porém, encontramos poucas pesquisas que
buscam compreender os diversos sentidos e significados que o brincar assume na cultura
escolar, assim como, os efeitos na prática pedagógica dos professores. Neste trabalho me
propus a compreender como o brincar é significado no cotidiano das aulas de uma professora
da rede municipal de Campinas. O estudo se configura com uma Pesquisa Narrativa de
perspectiva bakhtiniana, construída por meio de observações das aulas e encontros para
conversas realizados durante o período de um semestre, no ano de 2018. Narrativas verbais,
escritas e imagéticas foram tratadas como possibilidades, reflexão e produção de
conhecimentos, entre os professores/pesquisadores/brincantes que construíram a investigação
em diálogo. Nas tramas da cultura escolar, para que o trabalho educativo se concretize, as
regras, normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e criam variados efeitos em
relação à importância do brincar. Esses discursos orientam a postura da professora, fazendo
com que esta busque agir de maneira mais aberta, dialógica, curiosa ou também, controladora
em relação ao agir das crianças. Diversas possibilidades de ser professora entrelaçam e
constituem sua prática pedagógica frente ao brincar. Nesse alinhavado de intencionalidades, o
brincar assumia diferentes significações. Nas narrativas apresentadas, refletimos e
compreendemos, principalmente, como em algumas dinâmicas de aula se fazia presente uma
tentativa de controle, também, de busca por se permitir brincar e dialogar com as crianças,
valorizando outras formas de expressividade. Ao tentar assumir esse posicionamento
pedagógico brincante, a professora abriu mão de ser a controladora de tudo o que acontecia
nas aulas e passou a construir sua atuação na relação com o vivido, com a cultura e modos de
agir das crianças com quem dialogava. Ser professor-brincante não tem a ver com abrir mão
das regras e fundamentações pedagógica, mas permite que as compreensões ganhem vida na
relação com o chão da escola. Busca-se a potência da infância, expressividade humana e
liberdade de criação de novas formas de significar e agir no mundo, como possibilidade de
educação.
Palavras-chave: Brincar; Escola; Pesquisa narrativa; Prática Pedagógica.
ABSTRACT
Playing as an act expressed in dialogical and social relations permeates the different moments
of daily school life. For many years, it’s use and educational potential in teaching-learning
processes have been the object of study, however, we found few researches that seek to
understand the various senses and meanings that play assumes in school culture, as well as the
effects on the pedagogical practice of the teachers. In this paper I proposed to understand
what is the meaning of playing in the daily classes of a teacher from the Campinas municipal
schools. The study is configured as a Narrative Bakhtinian Perspective Research, constructed
through observations of the classes and meetings for conversations held during a semester, in
2018. Verbal, written, and imagery narratives were treated as possibilities, reflection, and
knowledge production among the teachers / researchers / playmates who built the research in
dialogue. In the plots of school culture, for the educational work to be realized, rules, norms
and discourses cross pedagogical practices and create various effects in relation to the
importance of playing. These speeches guide the teacher's posture, making her seek to act in a
more open, dialogical, curious or controlling way in relation to the children's acting. Several
possibilities of being a teacher intertwine and constitute their pedagogical practice when
playing. In this tangle of intentionality, play assumed different meanings. In the narratives
presented, we reflect and understand, mainly, how in some class dynamics there was an
attempt to control, also seeking to allow themselves to play and dialogue with children,
valuing other forms of expressiveness. In trying to assume this playful pedagogical position,
the teacher gave up being the controller of everything that happened in the classes and began
to build her role in relation to the lived, the culture and ways of acting of the children with
whom she dialogued. Being a teacher-playing is not about giving up the rules and pedagogical
foundation, but it allows understanding to come to life in relation to the school floor. It seeks
the power of childhood, human expressiveness and freedom to create new ways of meaning
and act in the world, as a possibility of education.
Keywords: Play; School; Narrative research; Pedagogical practice.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
ETI – Escola de Tempo Integral
IC – Iniciação Científica
GRUBAKH – Grupo de Estudos Bakhtinianos
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
FEF – Faculdade de Educação Física
SUMÁRIO
BUSCANDO UMA ESCRITA BRINCANTE.................................
1. SOBRE AS MARCAS DO BRINCAR.......................................
1.1 O que estou chamando de brincar?................................................
1.2 Brincar na/com a cultura escolar....................................................
1.3 Demarcando as questões da pesquisa ............................................
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2. APRENDENDO POSSÍVEIS CAMINHOS PARA UMA
METODOLOGIA BRINCANTE...............................................
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2.1 O local do estudo e a professora parceira de diálogo.................... 48
2.2 Construindo um diálogo brincante................................................. 49
3. O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA......................................... 54
3.1 Agora não é hora de brincar!..........................................................
3.2 O brincar como tema da aula.........................................................
3.3 O brincar como ato responsável.....................................................
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4. POR UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA BRINCANTE............
5. ACABAMENTO PROVISÓRIO................................................
Referências bibliográficas.................................................................
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BUSCANDO UMA ESCRITA BRINCANTE
Na minha família, sempre tivemos o costume de tirar fotos dos nossos momentos
juntos, em casa e nos passeios. Temos caixas e caixas de fotos guardadas!
Ao olhar para as fotos e buscar aquelas que me mostravam brincando, percebi que
tinha um acervo enorme!
Emocionei-me ao perceber o quanto o brincar se fez presente em minha constituição
humana. Alguns elementos destas experiências resgato e dialogo até hoje no meu modo de
pesquisar!
Percebi que já fui
brinquedo
dos meus pais!
Revisitei momentos do meu
aprender a brincar com o
corpo!
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Meu pai, sempre foi aquele amigo mais experiente, que nos apresenta esse mundo do
brincar...
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Foi com ele,
que aprendi
a jogar bolinha de
gude...
subir nas coisas...
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montar e
empinar pipa...
dirigir carros em alta
velocidade...
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e bicicletas também!
Levei tombos nesses trajetos e descobri que
algumas brincadeiras
machucam!
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Descobri
que adorava subir
nas árvores!
Tinha inúmeras
fotos lá no alto!
Talvez, ensaios
de olhar o mundo
de outro lugar...
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Sempre adorei uma bola!
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Porém, o que mais me chamou atenção ao entrar nesse mundo das memórias...
Foi perceber que todas essas experiências que me constituíram ser brincante, me
permitiram aprender, sobretudo, como olhar para o brincar!
Olhar cuidadoso e amoroso do meu pai, que ao brincar comigo, via, de dentro da
brincadeira, possibilidades para me ensinar a caminhar de forma sensível pelo mundo...
Mas, sobretudo, de minha mãe, fotógrafa e narradora de todos esses momentos que
partilho, aqui, agora!
Em tudo
eu via a voz de minha mãe
Em tudo
eu via nóis (EMICIDA)
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O ato de olhar para o mundo, as coisas, os outros...
Olhar reconhecido, mediado...
Olhar humanizado no encontro...
Olhar que escuta, que responde...
Olhar dialógico...
Olhar que não se restringe aos olhos...
Olhar com os ouvidos, com as mãos, com as emoções, com o coração...
Olhar de Corpo Inteiro...
Olhar sempre com um ponto de vista...
Olhar que se permite ampliar com os outros?
Olhar que impõe e não permite borrar sua identidade?
Olhar diferente, mas não indiferente...
Olhar que precisa de outro olhar para se perceber...
Olhar inconcluso, inacabado...
Como sensibilizar e tornar o olhar dialógico?
Como sensibilizar o olhar que se fecha para outros olhares?
Olhar que constrói, desconstrói e dinamiza realidades provisórias...
Como seria o mundo, as coisas, os outros, se apenas alguns olhares fossem possíveis?
Como seria, se vários olhares fossem possíveis?
Que mundos poderíamos borrar?
Que outros mundos poderíamos criar?
Percebi que muito do que realizo no meu ato de pesquisar e olhar o brincar no
cotidiano da escola tem diálogo com o que meus pais já faziam comigo na infância. Sem
saber, minha mãe, narradora fotográfica do brincar, mostrou caminhos para o que hoje realizo
como pesquisador. Sinto que o processo de construção da minha metodologia de pesquisa seja
anterior ao estudo na graduação. Talvez, ela tenha começado, nas marcas da minha
experiência como brincante, nos diálogos e aprendizados que tive com os meus pais que, no
decorrer da formação, encontrou caminhos para se renovar e (re)contextualizar.
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Com essas compreensões em processo de amadurecimento, sentia que, cada vez mais,
me aproximava do encontro com um campo que me interessava. Foi com Elaine, minha
orientadora e parceira de diálogo, desde 2013, que a vontade de estudar o brincar se
concretizou. Durante suas aulas, aprendi a valorizar o meu modo de olhar para o brincar e
ampliar a compreensão sobre sua inserção no mundo cultural, sua importância no contexto
educativo, assim como, problematizar o seu significado no contexto escolar. Quantas vezes fiz
a sua disciplina de Jogo? A cada leitura, ampliação do olhar e confirmação da escolha do tema
de estudo.
Encontrei com ela, mais do que uma oportunidade de estudo, aprofundamento em um
tema específico, mas, sobretudo, fui acolhido e tive abertura para reaproximar minha história
brincante com minha atuação profissional e acadêmica.
Elaine é daquelas que brinca de dar aula, brinca de ensinar, brinca de viver e nos
convida, com seu sorriso, a brincar junto.
Vislumbrar esta possibilidade de existir no mundo, me encantou na época e me faz
continuar na parceria até hoje!
Percebo que essa abertura para o diálogo, para a reflexão conjunta que sempre
tivemos, algo tão familiar na minha constituição humana, potencializou a minha formação de
pesquisador.
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá, onde a criança diz:
Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
para cor, mas para som.
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Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta,
que é a voz de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.
(MANOEL DE BARROS)
Como fazer nascimento do contínuo? Como (re)iniciar o contínuo do processo de
investigação, que aconteceu em tempo-espaço outro da escrita atual? Como fazer nascimento
de uma pesquisa, de uma escrita sem ter dúvidas? Ou melhor, sem mostrar as dúvidas que me
permitiram chegar até aqui? É possível produzir novos conhecimentos sem ter perguntas a
serem respondidas? É possível compreender o processo de produção de respostas sem
conhecer as dúvidas?
Estou cheio de dúvidas que me mobilizam, me deslocam, me deixam com medo de
começar a escrever.
O que fazer? Passar por cima e fingir que elas não estão aqui? Tentar me abrir para
escutar e compreender o porquê tanto elas me mobilizam?
Talvez sim...
Talvez não...
Possibilidades...
Vou arriscar um primeiro ato, um primeiro passo então. Talvez, nem tudo precise de
respostas acabadas, talvez nem tudo “funcione” como a regra diz. Escolho, então, o caminho
de não esconder a constante existência das dúvidas. Mesmo que sem respostas prontas, a sua
presença cotidiana na nossa existência é o que, talvez, nos permita continuar o caminhar e
agir.
Se já soubéssemos as respostas, se as respostas já encontradas acabassem em si
mesmas, não haveria a necessidade de olhar por outros pontos de vista, traçar novos caminhos
e novas perguntas.
Qual seria a importância de uma investigação, se as respostas já produzidas apagassem
por completo a possibilidade de re(com)figurar as respostas e, sobretudo, as perguntas?
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Chamo sentidos às respostas a perguntas. Aquilo que não responde a
nenhuma pergunta não tem sentido para nós (BAKHTIN, 2017, p.41)
Ao longo da pesquisa fiz muitas perguntas, sobre o brincar na escola e na Educação
Física; sobre identidade, linguagem, diálogo e escrita; sobre como pesquisar e investigar o
brincar na relação com o campo e os sujeitos que atuam ali.
Penso que esta narrativa, além de tratar destes temas, na medida em que escolhe o
caminho das dúvidas, tem uma dupla responsabilidade: a primeira justamente de explicitar e
partilhar estas dúvidas, inquietações, incertezas, incompletudes, medos e perguntas. Todavia,
percebo também a responsabilidade de contar como construí respostas, como dei sentido e
resolvi provisoriamente algumas questões que atravessaram a minha trajetória de investigação
sobre o brincar.
Diante desta dupla responsabilidade, de mostrar e contar sobre as dúvidas que me
permitiram deslocamento e as experiências de investigação, é possível perceber que o que
pretendo escrever neste texto já anuncia a necessidade de um tipo diferente de comunicação.
Talvez, mais coerente e fiel ao conteúdo.
Todavia, outras inquietações começam a rondar meu pensamento:
Quem estará do outro lado lendo minhas palavras?
Para quem estou escrevendo?
Com quem quero me comunicar?
Com quem quero partilhar o que descobri no percurso da pesquisa?
Não consigo começar a escrever sem ter claro, para mim mesmo, que tipo de texto
estou escrevendo. Escrevo rascunhos... descumpro prazos de entrega.
Dependendo de quem ler, muda tudo! Muda minha maneira de dialogar e interlocutar!
De imediato, sei que minha orientadora e minha banca, com certeza lerão! Talvez alguns
amigos também...
Mas, ficaria muito feliz se professores se aproximassem desta escrita! Penso que
talvez, ao partilhar e contar as minhas experiências de investigação, eles... vocês... sintam-se
tocados, mobilizados ou instigados para também começar a ouvir suas dúvidas, organizar e
sistematizar as suas próprias narrativas.
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Gostaria que este texto, que busca brincar com os limites que afastam a academia da
escola, o professor do pesquisador, contribuísse com a abertura de novos espaços de diálogo e
possibilidades de compreensão sobre a produção de conhecimento.
Aqui não pretendo apresentar soluções rápidas e imediatas para os desafios do brincar
na escola. Tampouco gostaria de fazer discussões cansativas sobre um brincar “abstrato”,
desconectado do cotidiano, desconectado da vida e da atuação docente. Esse é um tipo de
escrita e produção de conhecimento que não me agrada. Não me agrada porque parece que se
afasta e não se responsabiliza necessariamente pelo encontro com quem está lendo.
Assim, me agrada mais pensar e tentar estabelecer um diálogo. Diálogo com quem
deveria mais importar em um texto preocupado com a Educação... os professores.
Na maioria das vezes, até mesmo em textos que tratam de prática pedagógica e
atuação docente, vocês, nós, professores, somos deixados de lado e não somos convidados
para a conversa. Não somos convidados para brincar na interpretação e reflexão conjunta!
Por conta disso, gostaria que vocês se aproximassem desta narrativa, que propõe uma
escrita outra. Escrita outra que não subestima a sua capacidade de reflexão sobre o cotidiano
escolar, e, tampouco, exige e pretende que você seja um leitor assíduo de Bakhtin, Vigotski
ou qualquer outro pensador que citarei aqui, para se sentir implicado com o que estou
discutindo. Eu também estou em processo de constituição como escritor, pesquisador e trago
as citações, justamente para me ajudar no aprofundamento das reflexões e amadurecimento
das compreensões.
Penso que para que se consiga ser compreendido, é necessário mais do que a escrita
rebuscada, mas, talvez, como nos disse Manoel, um caminho possível seja mais simples... o
investimento no delírio do verbo, no delírio da palavra, no delírio das expressões, como
possibilidade de tecer respostas e sentidos para as perguntas da pesquisa.
Ao tentar escrever de forma outra, percebo que ela exige esforço, dedicação, reflexão
tanto de quem constrói o texto, quanto de quem o lê, pois busca-se, sobretudo, o encontro no
diálogo!
Assim, para dialogar precisamos de abertura para encontrar com outros. Outros que,
por serem diferentes, nos colocam em movimento, em dinâmica. Minha escrita brincante
dialoga com os outros que leio, com os outros que me circundam, com os outros de mim
mesmo para se constituir texto!
Mas também com você, meu caro leitor, para se constituir sentido!
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Por isso, como busco diálogo, me esforço aqui para construir essa escrita brincante.
Todavia, necessito da sua abertura e implicação para brincar junto comigo!
Como pesquisador brincante, acredito que o texto de dissertação é espaço de reflexão,
mas, sobretudo, possibilidade de tensão, disputa e transgressão.
Como autor desta investigação, cada vez mais, acho necessário romper com os limites
do suposto distanciamento, neutralidade e assumir minha condição de autor participante desta
pesquisa! Penso, sobretudo, no meu lugar dentro deste tipo de escrita!
Coloco-me na primeira pessoa do singular e assumo uma identidade! Todavia, na
perspectiva que gostaria de adotar, assumir identidade, representa algo diferente de me fechar
e fixar em um lugar acabado, enquadrado. Significa, sobretudo, colocar-me em lugar
constantemente provisório, circunscrito, inacabado, cheio de dúvidas... como um EU que no
ato de observar, dialogar e interlocutar com OUTROS, se abre para transformar e constituir
junto.
Esse movimento de olhar e escutar com mais sensibilidade, me parece uma
possibilidade interessante para contribuir com mudanças na escola.
Para muitos, esse movimento seria indevido, para outros, apenas uma mudança no
lugar de escrita! Todavia, coloco como um esforço possível e, talvez, fundamental para
escrever brincando sobre o brincar escolar!
O que eu via antes, no agora já mudou, tornou-se outro. O que desloca, excede, muda,
normalmente é apagado em uma escrita acadêmica que preza pela certeza, pela verdade
universal, pelo distanciamento e neutralidade do pesquisador com seu objeto.
Falar do meu lugar singular, do EU em diálogo com OUTROS, significa que não estou
concordando com a rigidez de ocupar uma identidade fechada, um lugar fixo e acabado.
Rigidez também encontrada no contexto da escola, na atuação dos professores.
Significa que estou me assumindo como sujeito, como interlocutor e me colocando,
sim, em algum lugar! No lugar do movimento do brincar de pesquisar o brincar!
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Assumo, assim, caminhar em um terreno movediço, sempre provisório, inconcluso,
incerto, turbulento e aberto para as descontinuidades e incertezas. Coloco-me no estudo como
pesquisador que reflete sobre o próprio processo de constituição na relação com o tema e com
os sujeitos do estudo!
Brincar de pesquisar o brincar, se constitui nesse gesto constante e ininterrupto de
pular de um lado para o outro e tentar compreender como o diálogo e a compreensão se
construiu... diria então, que sou um professor-pesquisador-brincante em estado de
incompletude e constituição no diálogo!
A maior riqueza do homem é a sua incompletude [...]
Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas,
que olha o relógio,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros."
(MANOEL DE BARROS)
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1. SOBRE AS MARCAS DO BRINCAR
1.1 O que estou chamando de brincar?
Gostaria de começar esta narrativa, partilhando algumas reflexões que teci com as
minhas leituras sobre o brincar, assim como, com investigação das marcas do meu próprio
envolvimento como brincante.
O psicólogo russo, Vigotski (2007), percebe em seus estudos a relação do aprendizado
do ato de brincar com o desenvolvimento psicológico dos seres humanos. Para ele, brincar é
parte fundante do processo de aquisição das capacidades de se utilizar linguagem, capacidade
de se comunicar e pensar, não mais por meio de estímulos e respostas, mas de forma mediada
pela cultura, pelos signos.
Compreendo cultura como esse conjunto complexo, inacabado, dinâmico de signos,
produzidos pelo próprio ser humano em suas relações sociais e históricas. Ao entrar em
contato, acessar e incorporar estes signos, nos constituímos humanos, afirmando nosso
pertencimento social.
Segundo Vigotski (2007), no encontro, no diálogo com outros seres humanos
iniciamos nosso processo de imersão neste mundo cultural, neste mundo semiótico. Desde o
nosso nascimento, os gestos dos nossos pais, o som das suas palavras, as roupas vestidas, a
comida que nos é dada, enfim, todo esse conjunto de atos corporais, afetivos, culturais,
deixam marcas na nossa constituição (PINO, 2005).
No nosso desenvolvimento, o que antes era exterior, do outro, torna-se nosso,
partilhado. Os signos que nos permitem dialogar, tornam-se material da consciência,
permitem a nossa participação no processo de significar o mundo, as coisas, assim como as
nossas próprias experiências. Vigotski (2007) e Bakhtin (2017) chamam atenção para a
constituição semiótica de nossa consciência.
Trago estas considerações, pois concordo com Vigotski e acredito que, para brincar,
necessitamos deste processo de incorporação da cultura, processo de marcar na carne, no
corpo, os signos.
Em perspectiva próxima, Brougère (1998) sociólogo francês, nos mostra que o brincar
é manifestação produzida pelos próprios seres humanos, nas relações sociais e históricas. É
parte da cultura socialmente compartilhada que precisa de aprendizado para se realizar. E que,
como qualquer ato humano, pode ser significado de diferentes formas, de acordo com o
contexto de sua realização.
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Todavia, o mundo da cultura, apesar de complexo, inacabado, dinâmico, se mantém,
sobretudo, na repetição, na identificação das coisas, dos atos e das experiências. O brincar,
como ato criativo, curioso, contestador, se consolida no descolamento dos significados das
coisas, dos objetos, das ações. Ele deflagra o caráter de provisoriedade dos significados, pois
tecemos outras relações, imaginamos outras possibilidades, criamos outras realidades e
conferimos outros sentidos.
Assim, chamo atenção para uma importante questão: Apesar de ser manifestação
produzida coletivamente, não podemos esquecer que brincar é ato, ato singular e
espontâneo de conferir sentidos outros ao mundo.
Certamente, dentro do escopo do jogo ou do brincar, as crianças encontram
muitos objetivos e finalidades intrínsecas aos próprios atos. Desejam subir, e
se esforçam até conseguir. Constroem cabanas que acolham seus desejos.
Jogam para ganhar. Nisso aplicam conhecimento, finalidades, relações
causais, desenvolvimento motor [...] os objetivos e finalidades estão
colocados pela criança, na manifestação genuína de seu brincar. Por isso,
dizemos de um brincar espontâneo. (MEIRELLES et al, 2016, p. 9)
Assim, quando brincamos junto com colegas, parceiros, no que aparentemente
parece ser o mesmo ato, com significação social estabilizada, quando olhado mais de perto,
com mais cuidado, com mais atenção, para o sentido e percepção singular da realidade
atribuído por cada sujeito brincante, revela-se outro.
Diante da provisória estabilidade do significado, das identidades, da repetição, da
aproximação e semelhança concedida pela cultura ao ato de brincar, rompemos com essa
lógica e brincamos em outra dimensão, muito mais próxima do imaginário, da relação
dialógica, do campo da produção de sentidos! Nossos atos respondem a outros atos e abrem
possibilidade de novas respostas.
É justamente nesse encontro do mesmo com o outro, da identidade com a alteridade,
da repetição com a diferença, da pergunta com a resposta, da cultura com a vida, que a
dinâmica do brincar se concretiza.
Como ato, o brincar está circunscrito e contextualizado em tempo e espaço presente.
Brincamos no existir histórico do agora! Sim, nesse agora que nos escapa constantemente,
como o vento que nos atravessa no simples balançar.
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(FOTO DO ACERVO PESSOAL DO PESQUISADOR)
O gesto brincante, que escapa assim como o agora, nessa perspectiva, torna-se
único e irrepetível. Apesar de aparentemente ser o mesmo balançar, nessa dinâmica de vai e
vem, revela-se sempre outro!
Porém, não se engane, apesar de único e irrepetível, o ato presente deixa suas marcas e
dialoga com atos do passado para se constituir. O que já existe no mundo estabelece diálogo,
torna-se base para o presente e se renova nesse encontro. Encontro que conserva, mas também
afasta o que os sujeitos consideram adequado, permitindo a produção de efeitos e abertura de
possibilidades de futuros outros. O ato de brincar é, sobretudo, um ato dialógico entre
presente, passado e futuro.
(FOTO DO ACERVO PESSOAL DO PESQUISADOR)
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Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).
Mesmo os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos
passados, jamais podem ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por
todas): eles sempre hão de mudar (renovando-se) no processo do futuro
desenvolvimento do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do
diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em
determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do diálogo, tais
sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em um novo
contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa
de renovação. (BAKHTIN, 2017, p. 79)
Fico pensando, então, que o brincar, é agir que não se fecha nos significados
estabilizados socialmente, mas que tenta compreendê-los e abrir-se para festejar a renovação
dos sentidos. Como ato, o brincar é um modo de utilizar e dar nova vida à cultura, um
modo de utilizar a linguagem, um modo outro e possível de se expressar, pensar e existir
no mundo que nos cerca!
Eu encontrei um bando de crianças com uma pipa na mão e os outros
atrás dizendo: Batiza! Batiza! Batiza!
Eu parei e perguntei: Gente o que vocês estão batizando?
O menino, disse assim: Aquela pipa, porque o menino usou o fio
inteiro da linha. A pipa é batizada e ninguém mais pode cortar ela!
Ai eu associei: Brincar para mim, é usar o fio inteiro de cada ser!
Quando você está usando o fio de vida inteiro, você está brincando! E
é profundamente sério isso!
(MARIA AMÉLIA PEREIRA)
1.2 Brincar na/com a cultura escolar
ENTRE DRIBLES E FUGAS1
Em 2001, eu, Gabriel, pequeno, magrelo, ligeiro, brincante, estava na
segunda série. Nessa época senti algo que acho que todo mundo já sentiu
um dia... sabe quando a gente aprende uma brincadeira nova? Aquela
sensação de arrebatamento que nos movimenta e coloca em tensão!
Parece que brincar só uma vez, não basta! Queremos sempre uma vez mais,
na tentativa de tentar sentir novamente o que passou. Repetir as
1 Optamos por destacar as narrativas com outra fonte, como forma de diferenciação no texto.
30
experiências vivenciadas antes! Pois é, senti isso quando aprendi o Pique
Bandeira!
Lembro bem daquela sensação... me sentia um guerreiro dentro de uma
arena de batalha! Era muito legal perceber como meus adversários se
organizavam, como o terreno se produzia, configurava, fechava caminhos,
abria brechas e frestas nas diversas movimentações... poder construir
estratégias de ataque e correr o mais rápido possível desviando, com fintas e
giros, de quem estivesse na frente...
Admito, não gostava tanto de ficar na defesa! Defesa tem outras formas de
ação. No momento da corrida, da fuga, do drible, a visão em estado de
turbulência e o vento batendo veloz no corpo eram as sensações que mais
me encantavam!
Aprendi o jogo nas aulas de Educação Física e, a todo momento que podia,
junto com meus colegas de escola, tentávamos organizar uma nova partida.
Brincávamos no/com o pátio, sala, quadra... enfim, onde conseguíamos.
Para representar as bandeiras, utilizávamos estojos, tênis, caixinhas de bala,
papel! O que tínhamos por perto! Era uma daquelas práticas que viram febre
na escola, sabe? Porém, como febre, dependendo da perspectiva, ela
também pode ser controlada e combatida...
Um certo dia, bem cedinho, antes do começo das aulas, começamos a
brincar no pátio da escola, que, para nós, era espaço mais que propício
para a prática! Chão plano de cimento, as linhas marcadas com uma pedra
do “bosquinho”!
Brincamos bastante naquele dia e o que no começo era um pequeno
grupo, ficou cada vez maior com a chegada de outros colegas. As
inspetoras olhavam de longe, parecendo avaliar os riscos, mas não falavam
nada, sinal de que não estávamos fazendo nada de errado, certo? Nem
tanto!
Eis que desce a Diretora da escola, com passos largos, expressão fechada,
sem muita conversa e solicita que a brincadeira termine! Segundo ela,
estávamos brincando em tempo e espaço inapropriado.
31
Quando a gente tem 7 anos, os códigos da cultura escolar ainda estão em
processo de incorporação, ainda não compreendemos muito bem os seus
significados. O que é certo e errado? O que é apropriado e o que não é?
Assim, perguntamos o motivo de não ser permitido brincar ali. Realmente
ficamos na dúvida, pois era uma brincadeira que havíamos aprendido
dentro da escola, na própria aula de Educação Física! Como agora ela
poderia ser proibida? A Diretora sem muita paciência, entendeu o
questionamento como uma afronta às normas e além de acabar com a
brincadeira, pediu que eu e mais três colegas subíssemos na sua sala para
uma conversa!
Fiquei extremamente apreensivo! Ser chamado na sala da Direção
provocava em mim tensão similar à de alguém que cometeu um delito
grave!
Sentamos todos nas cadeiras, em volta de uma grande mesa de madeira.
Sem explicar novamente o que tínhamos feito de errado, ela solicitou nossas
agendas. Na época elas eram utilizadas para que a escola se comunicasse
com as famílias. Todos entregamos, menos um dos meus colegas. Ele havia
esquecido a agenda no dia e recebeu a anotação em um papel.
O escrito curto era o mesmo para todos, lembro pouco do que estava
escrito de fato, mas me recordo muito bem das marcas daquelas palavras
na minha constituição! Suspeito que era algo mais ou menos assim:
“Senhores pais, encaminho esta carta para informar que nesta manhã, antes
do início das aulas, o aluno Gabriel Spolaor, descumpriu as normas da escola
ao brincar em espaço e tempo inapropriado! Peço que uma conversa seja
feita para que isso não volte a acontecer! Lembro também que a escola é
espaço de estudo e aprendizado! Atenciosamente Diretoria do Colégio!”.
Fiquei extremamente chateado no dia, era a primeira anotação que
ganhara em toda a minha vida escolar. Fiquei me sentindo como o pior
aluno da escola. Ocupar esse lugar de infrator não era algo que me parecia
confortável. Passei o resto da manhã quieto nas aulas. No recreio decidi não
participar de nenhuma outra brincadeira, fiquei apenas comendo sentado
32
em um banco. Na volta para casa, ainda em silêncio, decidi não contar
para a minha mãe. Esperei meu pai chegar em casa e mostrei o bilhete para
os dois juntos. Contei o que aconteceu e levei uma boa chamada de
atenção!
Ver meus pais decepcionados comigo, diante de tanto esforço que eles
tinham para possibilitar o meu estudo, era uma sensação horrível de sentir!
Além da bronca, passei a noite proibido de brincar, pensando no que fiz de
errado. O único problema era que ainda não havia compreendido o que de
fato eu tinha feito de errado!
As chamadas de atenção me deixaram triste, me marcaram com uma
identidade que eu não concordava em assumir. Além disso, a dúvida de
não compreender o que havia feito de errado, me deixou com raiva! Nos
dias seguintes da semana, observei vários momentos da rotina da escola e
junto com alguns colegas armamos o contragolpe, decidimos mudar o local
da brincadeira, pois ficar sem brincar não era uma opção válida para nós!
Mais ou menos no mesmo horário de entrada, organizamos uma partida não
mais no pátio, mas em um corredor largo, nos fundos da escola. Sabíamos
que ali não seríamos vistos. Tensão a flor da pele pela dinâmica do brincar e
também pelo medo de levar outra anotação. Porém, com apenas alguns
minutos de brincadeira, resultado incerto, uma das inspetoras da escola nos
avistou! Aproximou-se rápido, gritando e pedindo que parássemos de
brincar!
Saímos em debandada! O que antes era uma disputa entre guerreiros de
reinos rivais, transformou-se em um grupo de fugitivos da “polícia”!
Abandonamos as bandeiras/caixinhas de bala no chão, que logo tornaram-
se provas do nosso “crime”. Nos escondemos até o início da aula, sentia
aquele frio na barriga, de quem sabe que fez coisa errada (mesmo quando
não entendíamos muito bem o que era).
No meio da primeira aula, a porta bate, vejo a Diretora pelo vidro. Boa coisa
não vinha! Não era mesmo, eu e meus “camaradas” fomos chamados
33
novamente para uma conversa! A segunda vez na semana! Novo record da
turma!
Em sua sala, a Diretora repreendeu nossa atitude de brincar em
espaço/tempo indevido e ainda fugir da inspetora! Indisciplina como esta
era inadmissível no contexto escolar! Dessa vez ela explicou que não
podíamos brincar porque esta prática atrapalha nosso rendimento e
concentração no estudo, além de logo cedo já ficarmos todos suados e
fedidos.
Novamente ela solicitou a agenda para fazer a anotação. Porém, sabendo
dos efeitos que aquilo traria quando chegasse em casa, sem concordar
muito com o que acabara de escutar, em questão de segundos lembrei da
cena do meu colega recebendo o bilhete no papel e sem pensar duas
vezes, eu minto! Disse que esqueci a agenda em casa!
Naquele momento senti chateação por novamente estar ocupando o lugar
de aluno infrator, indisciplinado, mas também, alegria e vontade de rir, por
me perceber no meio de uma finta, muito bem feita, na adversária que
estava quase me pegando e congelando! Escapei de raspão!
Com o bilhete/bandeira na mão, tinha de retornar para meu território sem
ser pego novamente. O território agora não era mais a minha casa, mas o
lixo! Chegar nele, garantiria a minha liberdade! No entanto, não podia ser
qualquer lixo... passei as aulas pensando, refletindo e preparando uma
estratégia.
Se jogo na sala, a professora me pega...
O banheiro na época, por algum motivo que não me recordo agora, não
veio na minha cabeça.
Em casa, meus pais poderiam ver e ficar sabendo do ocorrido...
Sobrava apenas o lixo do pátio, perto da saída da escola!
Sinal toca, bandeira no bolso. Observo o campo adversário e nenhuma
inspetora a vista. A brecha estava aberta! Corro o mais rápido que posso...
visão novamente em estado de turbulência, desvio dos alunos do ensino
médio, chego perto do lixo e solto o papel amassado! Nesse instante,
34
consegui transgredir o limite que dividia o campo da brincadeira... o campo
das normas... o campo das identidades... volto a ser Gabriel, pequeno,
magrelo, ligeiro... brincante!
Apesar das inúmeras características descritas sobre o brincar, quando o observamos na
escola, temos que compreender a sua relação de tensão no encontro com a cultura escolar.
Entendo cultura escolar por um conjunto de práticas, valores, normas, ideias e
procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano da escola. Esses
modos de agir e de pensar (representações, atitudes, discursos, ações, punições, formas de
controle e avaliação, dentre outros) são compartilhados, assumidos e internalizados (muitas
vezes não refletidos e/ou colocados em debate) pelos sujeitos na e da escola, tendo como
objetivo a orientação, a inculcação de valores e o direcionamento desses sujeitos para
desempenharem determinadas tarefas cotidianas com eficiência e disciplina, segundo as
normas postas pela instituição (CANDAU, 2013).
A cultura escolar torna-se, assim, elemento resultante sempre provisório e inacabado
da negociação entre diferentes culturas, do encontro entre sujeitos de diferentes lugares
sociais, que, no agir, deixam suas marcas no processo de significação da escola (CANDAU,
2013). Nesse sentido, podemos dizer que todo o conjunto de práticas que acontecem no
interior da escola, é permeado e atravessado pela cultura escolar, inclusive o brincar.
Incluímos também, nesse conjunto de práticas, a própria educação do corpo dos
sujeitos que ali interagem. Corpo que acessa, aprende, incorpora esse conjunto de sentidos e
significados presentes e circulantes na cultura escolar. Corpo que, na relação com a cultura,
encontra limites e restrições, caminhos e possibilidades para agir e se constituir. Corpo como
signo a ser interpretado e compreendido, mas também, modelado, controlado, docilizado em
sua possibilidade de expressão na trama cultural complexa e contraditória das práticas
escolares. Práticas que acontecem a cada instante, a cada momento da rotina. São olhares,
gestos, discursos que deixam marcas e inscrevem nos corpos, as formas de ser e agir no
contexto da escola (FONTANA, 2001).
Em cada tempo e espaço da rotina escolar os corpos encontram diferentes
possibilidades de expressão. Cada escola pensa no seu funcionamento, distribuição de tempos
e ritmos em relação com os diversos espaços físicos, organização da jornada de trabalho dos
funcionários, número de alunos, além das demandas colocadas pelas diferentes redes de
ensino (FORQUIN, 1993).
35
Assim, a forma como o corpo interage, aprende e se constitui na rotina escolar é
produzida a partir de um sistema de significação e hierarquia específico de cada contexto
cultural, e está permeada por intencionalidades políticas e ideológicas, portanto, não é neutra
(CANDAU, 2013).
Apesar das importantes contribuições do brincar no processo de desenvolvimento da
criança, no contexto da escola atual, dá-se pouco valor ao brincar por ser encarado, muitas
vezes, como perda de tempo, atividade subversiva, sem benefícios que não sejam o
relaxamento ou gasto de energia. Outras vezes é introduzido com um caráter utilitário,
servindo para outros objetivos que não são o próprio brincar, como brincar para ensinar
tabuada, para ensinar as letras ou outros conteúdos (SPOLAOR et al, 2019).
Nessas condições, o corpo na escola passa a ser objeto de controle, medido e
examinado, gerando uma espécie de “assujeitamento” do aluno (FOUCAULT, 1995). Em
virtude disso, a escola sendo detentora de mecanismos disciplinares, reprodutora e reguladora
de ações, carrega consigo dispositivos de controle advindos da própria sociedade.
Sob essa perspectiva, no âmbito escolar, o corpo controlado sobrevém das relações de
poder que ocorrem mediante um misto de táticas e estratégias que fomentam a normalização.
Esse poder, por consequência, promove a disciplinarização e a naturalização quanto às
práticas escolares e o governo dos corpos em tempos e espaços esquadrinhados. O corpo
controlado é produto de um processo de produção e reprodução de normas, regras e discursos
que, por seu turno, normatizam e limitam as possibilidades de expressão das crianças
(FOUCAULT, 1995).
Devido ao contexto e suas especificidades, muito diferentes de outros lugares, o
brincar na/com a cultura escolar deixa algumas marcas. Marcas corporais que nos concedem
identidades produzidas tanto pelas narrativas das próprias brincadeiras, mas, sobretudo, pelas
narrativas da cultura escolar que significam o brincar.
Somos Corpo Aprendiz, no sentido que Fontana (2001) trabalha em seu texto. Quando
entramos no contexto escolar e acessamos as culturas que ali circulam aprendemos
corporalmente as formas permitidas ou não de gestualidade, expressão, pensamento e ação.
Nossos corpos são modelados, conformados para se encaixar nas identidades desejadas pela
instituição no processo disciplinar de formação.
Ao estudar o brincar escolar, penso que não há possibilidade de fuga e isenção desta
lógica disciplinar por completo. Porém, acredito na existência de formas de questionamento
36
possíveis. Por isso, tratar do brincar no contexto escolar, se aproxima muito de uma
possibilidade de resistência e tentativa de transgredir o que está posto.
Transgredir se constitui nesse movimento dialógico de ler, interpretar o contexto, o
lugar, as identidades em que estamos inseridos, imersos, conformados... compreender as
linhas, os limites, as brechas, as fissuras na busca de deslocamentos, rupturas provisórias e
possíveis naquele instante... instante, pois nosso movimento produzirá efeitos... e, certamente,
no momento seguinte, o contexto já será outro, reorganizado para que novos escapes e
rupturas não voltem a acontecer.
Brincar na/com a cultura escolar deixa marcas que nos constituem como sujeitos.
Assumimos identidades dentro das brincadeiras. Identidades estas que nem sempre
correspondem com a identidade de estudante desejada dentro da escola. A escola tem a função
republicana de garantir o acesso à cultura produzida pela humanidade. Ela é responsável pelo
processo de humanização dos sujeitos, na medida em que trata pedagogicamente da cultura
(GONZÁLEZ e FENSTERSEIFER, 2009).
Porém, para cumprir com esta responsabilidade, durante o processo de realização, atua
como maquinaria de um sistema mais amplo de formação, que disciplina, controla e conforma
os corpos (VARELA e ALVAREZ-URIA, 1992).
Assim, no contexto escolar é possível perceber o encontro, tensão e atrito, destes
diferentes modos de ser, agir, pensar as identidades dos sujeitos. Justamente nesta disputa por
maior legitimidade, disputa de narrativas médicas, psicológicas, pedagógicas e também,
brincantes, que a escola torna-se palco de luta e resistências, de modos de controle e
transgressão, que visam manter ou alterar as regras e normas institucionais.
1.3 Demarcando as questões da pesquisa
Diante do que partilhei sobre meu olhar para o brincar, para a cultura escolar e para o
processo de investigação, gostaria de dividir as questões que provocaram o início deste
estudo, assim como os objetivos que orientaram a pesquisa.
Acredito que um primeiro motivo de estudar o brincar na escola, já ficou explicitado.
Tem relação com a minha própria constituição e história de brincante. A narrativa sobre o
pique-bandeira é apenas uma, de várias outras experiências que vivenciei. Nelas, a rigidez das
escolas que estudei, muitas vezes, sem sentido claro, me chamava muita atenção. Mais que
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isso, me permitiram, hoje, aproximação com outros brincantes e a compreensão de seus atos
de forma mais sensível.
Todavia, para além destas experiências, quando entrei na graduação em Educação
Física, comecei a estudar o brincar. As leituras e discussões me movimentaram, me deixaram
com dúvidas. Permitiram-me resgatar o Gabriel brincante e também, aprender sobre um outro
lugar, o de Gabriel professor.
As dúvidas também me fizeram ir atrás de mais pesquisas que tivessem tratado do
tema do brincar. Ao ler alguns estudos (NAVARRO, 2009; SILVA, 2010; AZEVEDO, 2012;
OLIVEIRA, 2013; FABIANI, 2016), percebi, na época, que eles tinham como foco principal,
compreender como o brincar aparecia no contexto da escola, em diferentes níveis de ensino e
propostas. Eles trouxeram muitas contribuições para a minha formação, assim como para a
área da Educação, principalmente por tratarem do brincar/jogar na Educação Infantil, na
transição para os anos iniciais do Ensino Fundamental I, na Escola de Tempo Integral (ETI),
do papel exercido pelos professores, sua relação com os conhecimentos tratados nas aulas,
sobre o recreio, entre outros temas.
No início, o brincar nos diferentes momentos da rotina me chamava atenção. No
entanto, mais do que o mapeamento e descrição que aquele conjunto de pesquisas ofereceu, as
questões que o Gabriel pesquisador de Iniciação Científica (IC) tentava responder eram: Qual
o significado do brincar no contexto escolar? Como as/os docentes significam o brincar nos
diferentes momentos da rotina?
Estas foram as perguntas principais das minhas primeiras pesquisas, que
posteriormente transformaram-se em TCC. Na época, devido a grande proliferação de
discursos e políticas públicas de implementação de Escolas de Tempo Integral, esse foi o
contexto escolhido para a investigação. Acompanhei uma turma de 1º ano durante toda sua
rotina escolar em contato com uma pedagoga e professoras de Educação Física, Artes e
Projetos. Tentava observar, ouvir, sentir, registrar e refletir tudo o que encontrava ali sobre o
brincar. Falas, comentários, broncas, risos, gestos, objetos, compunham o meu material de
trabalho.
Com estas pesquisas, dei continuidade no meu processo de constituição de pesquisador
brincante. Estar na escola, atento para a cultura que circula ali, é, sem dúvida, experiência
muito rica de se vivenciar durante a graduação. Perceber que não só você, mas professores,
professoras e crianças nas relações, nos encontros, estão também em processo de constituição
e formação como sujeitos, incorporando discursos, narrativas, tradições e marcas.
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Sobre o brincar em específico, percebi que ele assume diversos significados de acordo
com os momentos da rotina, assim como, com os espaços onde aparece. Vários são os
discursos veiculados para permitir ou não a sua presença na escola, assim como, sua
ancoragem na pedagogia, psicologia, medicina, experiência, senso comum, entre outros:
“O brincar permite o desenvolvimento motor e cognitivo das
crianças...”
“Chega de brincar, agora é hora de trabalhar, vamos pegar o
caderno!”
“Vocês acabaram de comer, não podem brincar agora, tem que
esperar!”
“Fila não é lugar de brincadeira!!!”
“Se vocês continuarem a brincar, vão ficar sentados do meu lado no
recreio!”
“Brincar é uma forma de expressão da criança, momento de
liberdade dela!”
(FALAS DAS PROFESSORAS INVESTIGADAS - SPOLAOR, 2016)
Ao entrar em contato com a escola, foi possível observar, que, ao mesmo tempo em
que o brincar representa prática divertida, espontânea, descontraída, podia também ser
entendido como um meio para tornar o aprendizado mais prazeroso, como algo
contrário ao estudo e trabalho escolar. Como conteúdo principal das aulas, mas também
como bagunça, indisciplina e mau comportamento. Moeda de troca, forma de
resistência, produção cultural, objeto de ameaças e chamadas de atenção, violência,
entre outros.
Esses discursos mostram não só a pluralidade de sentidos e significados que
circulam e atravessam o contexto escolar, mas, sobretudo, a diversidade de processos de
formação propiciados, tanto para as crianças quanto para os professores, uma vez que isso é
compartilhado, negociado, reformulado, sempre nas relações sociais, inscrevendo a
constituição dos sujeitos.
Nos diálogos e tensões sobre os modos de agir, pensar e se expressar no contexto
escolar, as identidades tornam-se arena de luta e disputa. O discurso que exercer mais poder
para significar a palavra brincar, torna-se legítimo.
No mestrado, com esta pesquisa narrativa, pretendi aprofundar os estudos que realizei
anteriormente. Decidi acompanhar uma professora de Educação Física, na mesma escola em
que realizei as pesquisas anteriores. Todavia, nesta nova investigação algumas questões ainda
pareciam carecer de novas compreensões:
39
Quais sentidos/significados constituem o brincar na escola?
Como eles mudam de acordo com os momentos da rotina?
Que tipos de brincar são permitidos?
Que tipos de brincar não são permitidos?
Por que as crianças brincam mesmo quando não podem?
Por que elas brincam no meio de outras brincadeiras?
O que o(a) docente faz diante destas situações?
Como o(a) docente reflete e constrói estratégias para lidar com esse brincar?
Elas dizem respeito ao brincar na escola, não só como conteúdo e meio para o
aprendizado do tema da aula como convencionalmente é estudado, mas também, como forma
de resistência, transgressão e, talvez, pedido de uma prática pedagógica outra, mais dialógica.
Essa multiplicidade de significações do brincar, materializada nas expressões docentes
e também das crianças no cotidiano escolar me provoca. Tira minhas certezas sobre a atuação
docente. Gostaria de compreender melhor, complementando os questionamentos pontuados
acima:
Como, na relação dialógica, docente e crianças produzem ou criam, reproduzem ou
mantém, negociam as significações sobre o brincar?
Como são significadas as ações que escapam da norma? Elas são combatidas,
controladas, ignoradas, permitidas, incentivadas ou ainda algo mais?
Como o brincar torna-se possibilidade de ruptura e resistência às normas da aula?
Quais efeitos ele produz?
Teriam mais inúmeras outras questões para listar aqui, porém, digo, desde já, que,
apesar de buscar refletir e me aprofundar no assunto, a maioria continua ainda sem resposta,
em aberto. Considero isso muito bom, na verdade. Todas servem como pano de fundo para o
movimento da investigação.
Diante destas problemáticas, delimito como objetivo desta pesquisa, compreender as
diferentes significações do brincar que permeiam o cotidiano da escola, assim como, refletir
sobre seus efeitos na constituição e atuação de uma docente de Educação Física.
Na tentativa de elaborar uma narrativa que permitisse partilha dos caminhos traçados e
respostas provisórias para as questões encontradas, organizei o texto da seguinte forma:
40
No presente capítulo da narrativa, intitulado “Sobre as marcas do brincar” trago,
sobretudo, o início de uma reflexão sobre as marcas e sentidos que compõem a minha
compreensão do brincar, que constituem as justificativas desta pesquisa existir, assim como, o
olhar para o problema de investigação.
No segundo capítulo intitulado “Aprendendo possíveis caminhos para uma
metodologia brincante”, busco narrar a forma como aprendi, refleti e amadureci esta questão
no meu processo de formação como pesquisador. Penso que esse texto diz muito a respeito de
um modo de olhar o mundo, perceber sua dinâmica e compreender como o conhecimento se
produz e pode ser compartilhado.
No terceiro capítulo começo a partilhar as reflexões que teci, a partir das narrativas
sobre “O ato de brincar na escola”. Ali, é possível compreender os efeitos e aproximações que
as diferentes significações do brincar estabelecem com a prática pedagógica da professora
investigada.
No último capítulo avanço nos desdobramentos da pesquisa, que possibilitaram a
professora participante, refletir e problematizar seu lugar, como controladora do agir das
crianças e passar a buscar “Por uma prática pedagógica brincante”
41
2. APRENDENDO POSSÍVEIS CAMINHOS PARA UMA METODOLOGIA
BRINCANTE
Escrever de forma reflexiva sobre o processo de construção da metodologia não é
prática fácil de se realizar. Esse tipo de escrita demanda maturidade, humildade e abertura
para, no diálogo, deslocar o olhar para o próprio caminhar como pesquisador.
Minha orientadora soube, como ninguém, o quanto isso era importante para mim e me
abriu espaço para tentar traçar meu trajeto com autonomia. Mesmo nos momentos em que fui
mais teimoso na argumentação, ela esteve sempre ali, para deslocar meu olhar. Às vezes, com
considerações tão simples, me permitiu compreender elementos que persistiram, por tanto
tempo, no meu pensar. Suas provocações me fazem lembrar, que se não tivesse vivenciado
outros modos de pesquisar, não teria percebido o valor deste processo reflexivo em minha
constituição.
Olhar para si próprio, como outro e refletir sobre como aprendi, e venho aprendendo, a
ser pesquisador no processo das pesquisas, é algo que julgo de extrema importância. Sinto
necessidade de aprender e tomar cuidado com o lugar que, às vezes, insisto em querer ocupar.
Tenho muito o que aprender e compreender ainda, escrever me ajuda a refletir.
No percurso do mestrado, busquei iniciar uma reflexão mais cuidadosa para tentar
encontrar possibilidades para o estudo do brincar. Na procura por caminhos percebi que não
estava só. Encontrei outros brincantes (PRADO, 1992; SERODIO, 2014; PREZOTTO, 2015;
CHAUTZ, 2017; SIMAS, 2018) que também sentiram necessidade de brincar no/com o
processo de investigação.
Resolvi me aproximar, dialogar e aprender. Antes de mim, eles já haviam percebido
que, para produzir uma pesquisa dialógica, brincante, o gênero discursivo e a maneira de
articular sentidos e interpretações sobre os temas de estudo, poderiam e deveriam ser
tensionados, para que conhecimentos outros fossem possíveis de se explicitar.
O mundo da cultura e da literatura é, em essência, tão ilimitado quanto o
universo. Não estamos falando de sua amplitude geográfica (aqui ela é
limitada) mas das profundas idades dos seus sentidos, as quais são tão
insondáveis quanto as profundezas da matéria. A infinita diversidade de
interpretações, imagens, combinações figuradas dos sentidos, de materiais e
de suas interpretações, etc. Nós o restringimos terrivelmente por meio de
seleção e modernização do material selecionado. Empobrecemos o passado e
não nos enriquecemos. Ficamos sufocados na prisão das interpretações
estreitas e do mesmo tipo (BAKHTIN, 2017, p. 33).
42
Narrativas, poemas, fotos, memórias, reflexões e tantas outras formas de expressão
possíveis, que marcam a autoria e criação do pesquisador, quase sempre são suprimidas ou
afastadas para as margens dos textos acadêmicos. Porém, aqui, em diálogo com os parceiros
que encontrei na caminhada, outras formas de expressão começaram a ser consideradas como
centrais e principais possibilidades de produção de conhecimento.
Não queria uma pesquisa distanciada e impessoal, mas sim, construída com diálogo.
Talvez, por isso, buscava no campo da linguagem uma abertura. A pesquisa narrativa me
pareceu possibilidade.
Voltei no meu diário de campo do TCC e comecei a reler e refletir sobre meus
escritos. Percebi que durante todas as pesquisas anteriores, nas observações eu escrevia em
forma de narrativa. Algo tão cotidiano para a minha forma de pesquisar, que até então, não
havia tomado consciência. Partilho uma das narrativas que me permitiram esta compreensão:
O brincar e suas várias facetas
A professora pergunta o que eles fizeram na outra aula e fala que eles
precisam se acalmar. Para isso ela chama todos para uma roda e começa a
cantar: "Levanta o braço, faz bambolê, mexe o pescoço, olha para o céu,
vem me dar um abraço..."
Após a música a professora escuta pedido de uma menina e começa a
fazer uma brincadeira de morto/vivo: "morto, vivo, zumbi, vivo em dia de
festa". Quem erra, senta nas cadeiras novamente. Durante a atividade a
professora assume o papel de juíza, além dela falar "vivo ou morto", com
gestos ela faz sinais para cima, para baixo, muitas vezes trocando o sentido
como pegadinha para as crianças. As crianças se arrebatam rápido na
brincadeira, quem vai saindo torce pelos colegas. Quando sobram dois eles
cantam em coro o nome de uma das meninas. Ela ganha e todos vão se
abraçar no meio da sala.
Muitos gritos e a professora faz cara de susto, percebendo que a sala não
para de fazer barulho. Ela escolhe uma criança que empurrou várias outras
para dar bronca! No fim a bronca se estende para todos: "Nós já brincamos,
nós já relaxamos, agora é hora de focar no trabalho e na escrita! Quem não
43
conseguir parar de brincar agora, vai ficar sentado comigo no recreio!". Um
dos meninos já havia perdido 5 minutos antes, toma nova bronca da
professora: "Já era perdeu todo o recreio, já era!".
Após a bronca a turma volta à calma, a professora começaria a passar
vídeos para ideias de brinquedos para a caixa do recreio. Porém, o menino
que ela tirou o recreio não para de brincar, ela perde a paciência e decide
tirá-lo da sala. Quando ela sai e deixa a turma sozinha vários alunos
levantam, se empurram, dão estrela e uma menina fala: "O tio tá aqui, senta,
senta!" Eu era o tio que a menina falava. Estava sentado no canto da sala,
olhando para o caderno, fingindo não prestar atenção no que acontecia.
Logo em seguida, uma outra menina percebendo o meu movimento,
responde: "Ele não é professor, ele não vai contar nada!". Por alguns
momentos eles ficaram na dúvida, mas decidiram continuar brincando,
rindo, pulando, se jogando no chão. A primeira menina começa a cantar a
música da vaca amarela: "Vaca amarela, pulou a janela, quem falar
primeiro, come a bosta dela!". Nesse momento a turma toda canta a música
junto com ela e assim voltam para os lugares, sentando-se em silêncio. Logo
em seguida a professora retorna para a sala e vê as crianças cantando a
música. Ela fala que na semana que vem ninguém fará aula na sala de
vídeo, porque não estão aproveitando o espaço da aula, estão brincando
demais. Além disso, complementa: "Não tem problema brincar, no meio da
aula a gente parou para brincar não foi? [tinham feito o morto-vivo] Mas tem
que saber brincar na hora certa, não dá para brincar o tempo todo!"
(TRECHO EXTRAÍDO DO DIÁRIO DE CAMPO, 06/04/2015).
Sentia que depois de tanta busca, havia encontrado um caminho para definir uma
metodologia mais coerente com o conteúdo da pesquisa que gostaria de fazer. Todavia, sabia
que tinha muito o que aprender ainda. Com as aulas, reuniões, estudos e diálogos com meus
interlocutores comecei a tatear esse campo desconhecido.
De acordo com Simas (2018) o surgimento das metodologias narrativas tem relação
com a mudança de um paradigma positivista para um paradigma compreensivo.
44
a noção de ciência positivista começou a ser contestada, pois os referenciais
teóricos e metodológicos das ciências naturais já não eram vistos como
meios para compreender as questões das ciências sociais — que possibilitou
que as memórias, as narrativas e as biografias e autobiografias ganhassem
espaço e reconhecimento, como fontes de produção de conhecimentos nas
pesquisas (SIMAS, 2018, p. 200-201).
Pude compreender que a origem da pesquisa narrativa não é propriamente do campo
da Educação, mas sim, das Ciências Sociais de maneira mais ampla. A tentativa era construir
uma forma de produzir conhecimento a respeito da experiência do ser humano no mundo.
Rabelo (2011) em diálogo com Bolívar (2002) diz que a narrativa é um relato que permite a
percepção da experiência, pois capta a riqueza e os detalhes dos significados dos vários
assuntos humanos. Ao narrar “reconstrói-se a experiência refletindo sobre o vivido e dando
significado ao sucedido” (RABELO, 2011, p. 172).
Nessa perspectiva, a própria maneira do ser humano vivenciar o mundo já é
atravessada pelas narrativas aprendidas com os outros, que compõem a sua forma particular
de olhar para a realidade. O que estas pesquisas tentam fazer é compreender, por meio das
narrativas dos sujeitos, como eles atribuem significado para as suas experiências.
Se eu queria compreender o significado do brincar no cotidiano das aulas e da escola,
talvez, ao invés de fazer perguntas gerais, poderia propor outro movimento, com mais
momentos de conversa, solicitando narrativas sobre determinadas situações ou passagens que
aconteceram durante as aulas.
Talvez, algumas perguntas possíveis fossem: Conta como foi aquela aula que você
estava tematizando a caixa de brinquedos do recreio com as crianças? O que aconteceu?
Ao mudar o tipo de pergunta, a resposta também poderia mudar, chegar em forma de
narrativa. Poderia revelar outros elementos, saberes e conhecimentos docentes que eu não
tinha percebido do meu lugar de pesquisador com a observação e registro no diário de campo.
Simas (2018) conta que no campo da Educação esse tipo de pesquisa passa a ser
incorporado como forma de possibilitar que os conhecimentos da prática pedagógica
pudessem ser revelados, refletidos e discutidos. A ênfase anteriormente atribuída ao
conhecimento científico, abstrato, distante da vida cotidiana da escola começa a ser
questionada como possibilidade de responder as questões mais próximas da atuação e
formação docente.
Ela descreve vários tipos de pesquisa que se utilizam da narrativa como parte do
processo de investigação, como, por exemplo, a pesquisa-ação e a pesquisa autobiográfica,
entre outras. Em algumas delas o pesquisador assume o lugar daquele que “coleta” as
45
narrativas de outros sujeitos; em outras, o próprio pesquisador é o narrador; em algumas a
narrativa é utilizada e analisada apenas como fonte de dados; em outras se constrói um texto
narrativo para dialogar e refletir sobre as narrativas escolhidas para compor os dados da
pesquisa (SIMAS, 2018).
Essas diferentes formas de abordar as narrativas na investigação, marcam diferenças
de apropriação dos grupos de pesquisa, assim como, as compreensões quanto à produção de
conhecimento, linguagem e constituição humana.
Na época, eu não compreendia bem estas questões, mas sentia que havia alguma
especificidade que marcava a singularidade da pesquisa narrativa realizada no GRUBAKH
(Grupo de Estudos Bakhtinianos), grupo que comecei a participar.
Comecei a compreender que quando autores deste círculo de estudos bakhtinianos
falam de narrativa, eles trazem em suas palavras mais do que a compreensão difundida de
maneira geral nas abordagens narrativas. Eles olham para as narrativas a partir de um lugar
singular, com ancoragem na filosofia bakhtiniana, apropriada por cada um, a sua maneira e
unicidade.
A narrativa extrapola uma metodologia, deixa de ser meramente uma fonte de dados a
ser coletada, analisada e discutida. É tomada como modo de produzir conhecimento, como
modo de se construir sentido para a vivência, como postura investigativa, como possibilidade
de constituição humana.
Na maneira de olhar do grupo, a narrativa, é compreendida, como ato. Para mim, essa
noção era elemento importante, pois possibilitava diálogo com a minha maneira de
compreender o ato de brincar. Ato que, na filosofia bakhtiniana (BAKHTIN, 2012), tem
sentido de “dar um passo”. Ato como gesto.
A narrativa, então, não é percebida como fonte de conteúdo, de dados coletáveis a
serem analisados, mas, sobretudo, como material verbal ou escrito resultante do ato de narrar
experiências de um sujeito singular. Conjunto de signos, constituído de sentidos a serem
interpretados e respondidos por aquele que escuta ou lê a narrativa. Pois, mesmo circunscritos
em tempo-espaço, contextualizados na vivência única e irrepetível do narrador, está sempre
direcionado para um Outro que se busca em diálogo, que se busca em partilha da experiência.
Serodio e Prado (2017), em um de seus trabalhos, falam sobre a radicalidade da narrativa
como existir-evento, como ato singular de um EU que busca diálogo com OUTROS.
Assim, o ato do qual estou falando, apesar de singular, único e irrepetível, não é
percebido de maneira individualista, isolada de relação, de história, de diálogo. Falo de um
46
ato responsável em seu duplo sentido: responsivo, dialógico a outros atos meus e dos outros
que me circundam e que me antecederam; e responsável, por seus efeitos de continuidade
possível, de novos passos possíveis.
O EU que age nesse sentido, não é um EU isolado, fechado em si mesmo, pois em sua
responsabilidade, reside, sobretudo, a sua necessidade de OUTROS. Sua incompletude e
necessidade de participação, sua não indiferença.
Quando realizo o ato de pensar, narrar, me comunicar, dar um passo, existo sem álibi,
responsavelmente pelo gesto/resposta que construí, pela continuidade no diálogo que
propiciei, pelos efeitos do que realizei na relação. Esse deslocamento no olhar parece algo tão
singelo, tão pequeno. Porém, foi algo muito complexo de compreender.
Deixar de olhar exclusivamente para a narrativa como fonte de informação, como
conjunto de significados a serem analisados e passar a olhar, como material semiótico prenhe
de sentidos, como expressão de um ato responsável, como resultado do existir singular,
circunscrito, contextualizado de um sujeito em diálogo, parece pouco, mas é um deslocamento
que marca a singularidade do tipo de pesquisa narrativa realizada no GRUBAKH, do qual me
aproximei para fundamentar este estudo brincante.
[...] a questão não é simplesmente se é possível o conhecimento da
singularidade, se é possível uma mathesis singularis, ou, antes
inevitavelmente, apenas uma mathesis universalis. Questão bastante
inusitada, dado que resulta óbvio que o conhecimento deva ser
necessariamente conhecimento do geral, procedendo por conceitos, por
classificações, por montagem, sobre a base de conjuntos, de gêneros, nos
quais o singular, de um modo ou de outro, reaparece sob a forma de
indivíduo identificado pelo pertencimento a este ou àquele conjunto, a este
ou àquele gênero. (PONZIO, 2012, p. 16-17)
No distanciamento entre o que a professora falava sobre o brincar e o que ela fazia; no
distanciamento entre mim, Gabriel pesquisador, e ela, professora; uma questão importante
começava a se revelar para a continuidade da minha maneira de investigar: Qual o meu lugar
como pesquisador na pesquisa narrativa de perspectiva bakhtiniana?
Essa questão se manteve durante toda a pesquisa de campo, demorei até compreender
o meu lugar e as formas de agir possíveis, que, mesmo em diálogo com a professora, eram
diferentes.
Considero que dentro do GRUBAKH, minha pesquisa tinha ainda uma singularidade
perante as outras construídas ali. As outras pesquisas eram sobre a própria prática. Pesquisas
produzidas pelas próprias professoras, que assumiam, pelo menos, um duplo lugar de
professoras-pesquisadoras (SERODIO, 2014; CHAUTZ, 2017; SIMAS, 2018).
47
Nessa perspectiva, quando olhavam para as suas narrativas docentes, procuravam
compreender os sentidos de seus atos e seus pensamentos de um lugar privilegiado, de dentro,
apesar de já ser outro. O trabalho consistia em tentar compreender e refletir o contexto
daquela narrativa, que diálogos e relações passadas com os outros permitiram aquele ato,
assim como, seus efeitos futuros.
Todavia, no meu caso, o meu lugar de interpretação era outro, diferente das
professoras que estavam investigando a própria prática. No meu caso, eu investigava a prática
pedagógica de uma outra professora.
Diante destas questões complexas, revelava-se a compreensão de que, assim como a
narrativa docente não era mais simples fonte de informação a ser analisada, era expressão do
ato responsável de uma professora singular, a interpretação desta, também passaria a ser
resultante do ato responsável de um pesquisador singular, que buscaria diálogo e
aproximação. Nesse processo, se materializava a radicalidade da pesquisa narrativa
(SERODIO e PRADO, 2017).
Até hoje ainda existem na linguística burguesa ficções como o “ouvinte” e o
“entendedor” (parceiros do “falante”, do “fluxo único da fala”, etc). Tais
ficções dão uma noção absolutamente deturpada do processo complexo e
amplamente ativo da comunicação discursiva. Nos cursos de linguística
geral (inclusive em alguns tão sérios quanto o de Saussure) aparecem com
frequência representações evidentemente esquemáticas dos dois parceiros da
comunicação discursiva – o falante e o ouvinte (o receptor do discurso);
sugere-se um esquema de processos ativos de discurso no falante e de
respectivos processos passivos de recepção e compreensão do discurso no
ouvinte. Não se pode dizer que esses esquemas sejam falsos e que não
correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando
passam ao objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em
ficção científica. De fato, o ouvinte, ao perceber e compreender o significado
(linguístico) do discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa
posição responsiva; concorda ou discorda dele (total ou parcialmente),
completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do
ouvinte se forma ao longo de todo o processo de audição e compreensão
desde o seu início, às vezes literalmente a partir da primeira palavra do
falante. Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso);
toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente; o ouvinte se torna falante. (BAKHTIN, 2016, p.24-25)
Tornei-me, então, sujeito da minha própria investigação. Professor-pesquisador-
brincante que buscaria diálogo com a professora, implicado em um exercício de tessitura
conjunta sobre o processo de significação do ato de brincar na escola.
48
2.1 O local do estudo e a professora parceira de diálogo
A pesquisa foi realizada em uma Escola de Tempo Integral de uma prefeitura do
interior de São Paulo. Desde 2014, realizo pesquisa nesse local.
Nesses anos pude acompanhar as mudanças e amadurecimento da proposta de
educação integral. Para além das pesquisas de IC e TCC, participei de outras pesquisas junto a
um coletivo de estudos da FEF. Refletimos sobre as possibilidades de Educação para o lazer
na Escola de Tempo Integral (RIBEIRO et al, 2017). Em outra buscamos compreender o lugar
dos professores de Educação Física no processo de implementação dessa proposta de escola
(ZAMBELLI et al, 2019, no prelo).
Em relação à necessidade de reforma do espaço físico, um dos desdobramentos do
meu TCC, contribui com um projeto mais amplo da escola para mobilização e organização de
mutirões comunitários, assim como, parceria com a prefeitura, para revitalização dos espaços
de brincar na escola.
A narrativa deste processo foi compartilhada no Seminário Fala Outra Escola, no eixo
“Escola como experiência política” (BISSE et al, 2017). Considero sua importância pois
mostra não só meu envolvimento com esta escola, mas sobretudo, os efeitos que as pesquisas
sobre o brincar movimentaram ali.
A escola é localizada na região noroeste da cidade, especificamente em um bairro
residencial, com pequenos estabelecimentos comerciais. A população é de classe econômica
baixa e grande parte das crianças moradoras da comunidade está matriculada na escola.
Porém, crianças de outros bairros também frequentam o contexto, visto que, nos horários de
entrada e saída é comum ver algumas chegando de ônibus e carro.
Para atender cerca de 600 alunos de Ensino Fundamental I, a escola pode ser
considerada com grande espaço físico. Apesar disso, os quase 50 professores que atuavam ali,
enfrentavam problemas com o número de salas de aula disponível para o número de turmas.
Algumas aulas aconteciam em quiosques sem preparação para comportar algumas ações
pedagógicas.
Quanto aos espaços de brincar, apesar da falta de manutenção no parque realizada pela
prefeitura, a escola tem privilégio de contar com muitas árvores, pátio, quadra e espaços
abertos. Durante as narrativas, trarei algumas fotos sobre lugares específicos, para que seja
possível visualizar melhor o contexto da escola.
49
Como forma de dar continuidade nas pesquisas anteriores, decidi convidar uma
professora que eu sabia que daria abertura para se colocar em diálogo comigo. Escolhi a
professora Joana2, para me acompanhar no processo de investigação. Ela é uma professora
com mais de quinze anos de carreira docente no setor público, grande incentivadora do
brincar na escola, que já havia participado de outras pesquisas comigo durante os anos
anteriores. Sua abertura para reflexão sobre sua atuação pedagógica, foi elemento de suma
importância para a definição da parceria.
2.2 Construindo um diálogo brincante
Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
com que não há comunicação possível,
com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
senão da nossa;
As dos outros são olhares,
são gestos, são palavras,
com a suposição de qualquer semelhança
no fundo.
(Fernando Pessoa)
Gosto deste poema, porque ele consegue expressar em poucas palavras uma das
maiores dúvidas que carreguei durante todo o estudo. Ele anuncia pistas, caminhos que
dialogam muito com o que procurava em minhas pesquisas anteriores e que daria ainda mais
atenção no Mestrado.
No distanciamento destes dois universos, o meu olhar e o da professora, não há
verdadeiro entendimento. Todavia, penso que há possibilidade de busca de aproximação,
diálogo, interlocução, no sentido de tecermos juntos uma compreensão comum, provisória e
inacabada.
Busquei os olhares, os gestos, as palavras para compreender a relação de Joana com o
brincar em suas aulas. Olhares, gestos, palavras, expressões corporais, signos que, para além
de sua materialidade, refletem e refratam uma outra realidade fora dos seus limites, um outro
mundo inacabado, complexo, acessível apenas no encontro, na presença, na troca, na
interpretação.
2 A professora solicitou a criação de um nome fictício, devido ao contexto político em que vivemos atualmente
com a perseguição aos professores.
50
Para Volóchinov (2017), o signo representa e substitui algo encontrado fora dele.
Representar e substituir. Relacionar. É a relação que constitui o signo, pois sozinho ele se
fixa, não responde a nada, perde sentido. Ele depende do encontro com outros signos para se
manter em dinâmica. Signos do passado, em diálogo com o presente, abrindo possibilidades
de futuro. A cadeia criativa, dialógica, não se quebra, está sempre em terreno intersubjetivo.
Não é criação individual, solitária, mas sim, social, colaborativa.
A partir do segundo semestre de 2017 iniciamos a pesquisa e estabelecemos um
momento semanal, para conversar sobre o que aconteceu na aula observada daquela mesma
semana. Não sabíamos ao certo se conseguiríamos e nem quanto tempo teríamos para isso.
Tinha em linhas gerais, como intencionalidade, ouvir a professora, compreender o seu olhar
para as diferentes situações, para conseguir deslocar o meu próprio olhar. Pensei que, ao ouvir
suas narrativas, conseguiria me colocar no lugar dela, estranhar o que eu não via do meu,
perceber as diferenças e retornar, com olhar modificado. Exercitar a alteridade, na intenção de
dinamizar as identidades.
Nesses encontros para conversar, na partilha das narrativas e compreensões do que foi
vivenciado, dinamizamos essa cadeia dialógica. Todavia, senti dúvidas sobre o meu lugar
como interlocutor: Até onde poderia falar? Que efeitos isso teria na prática da Joana? Poderia
eu responder as suas perguntas? Partilhar também as minhas narrativas e observações?
Ela também teve dúvidas: Teria que tomar cuidado na seleção das narrativas para não
fugir do tema? Como responder as perguntas? Quais palavras escolher para compor os
enunciados?
No processo de aproximação e construção do diálogo, descobrimos, juntos, que não
havia protocolo ou jeito certo ou errado de tecer os encontros, apenas a necessidade de buscar
a compreensão do olhar do outro. Sabíamos da diferença de lugares e papéis que estávamos
ocupando no movimento dialógico e alteritário de construção da pesquisa. Mas até
compreender a brincadeira proposta, realizamos um duplo movimento, de experimentação das
possibilidades de agir e se relacionar, como professores – pesquisadores – brincantes. Na
radicalidade de uma pesquisa assim, o simples fato, de estarmos em diálogo e reflexão, já
mudava completamente a dinâmica do campo.
A escola, por sua vez, estava cheia de signos a serem observados e interpretados. Seus
espaços, objetos, sons, a forma como tudo isso é organizado na temporalidade, são signos. O
uso dos espaços, as gestualidades dos alunos e das professoras no brincar, nos modos de se
comunicar, dialogar, eram compostos por signos. A escola como produção humana, era
51
espaço de circulação, movimentação, produção de signos. A cada ato, a cada encontro, a cada
diálogo, a dinâmica semiótica ganhava novo impulso, nova composição, cabia a mim,
movimento de interpretação.
Quando olhava para a escola, sua arquitetura, seus espaços, salas de aula, cadeiras,
lousa, quadra, bolas, cordas, via signos. Quando escutava os gritos, as palavras, os discursos
cotidianos, signos que rondavam o meu pensamento, me permitiam perceber suas
materialidades, que não se limitavam às coisas, às palavras, aos gestos em si, mas às relações
dialógicas que estabelecia. O encontro dialógico que compõe a significação daqueles
elementos era sempre inacabado, aberto, cheio de possibilidades. Ele compunha uma outra
dimensão que me permitia identificar, significar e dizer que tudo aquilo que está no meu
entorno era escola, sala de aula, cadeira, lousa, professora, alunos. Que me permitia relembrar
experiências que já vivi anteriormente; que me permitia sentir emoções que marcaram as
relações afetivas com aquele lugar, objetos e sujeitos.
Essa localização nas várias observações que realizei ao longo do semestre de pesquisa,
marcou meu acesso àquele conjunto de signos; marcou a forma como percebi e compreendi
sua movimentação, assim como, a forma como narrei minhas experiências. Alterar a posição
de observação, não só quanto ao lugar, mas também quanto à identidade, me permitiu outros
pontos de vista, um deslocamento em relação ao meu olhar da margem.
Nas narrativas tentei contar sobre minhas experiências, dizer o que percebi, senti,
estranhei, pensei, além de tentar uma aproximação da compreensão de brincar revelada pela
Joana durante seu trabalho. Dependia de suas expressões, seus gestos, enunciados para
significar as minhas palavras na narrativa. Palavras outras, tornando-se palavras minhas
(BAKHTIN, 2017).
Retomar o costume de observar e escrever no diário de campo, se mostrou, também,
algo complexo de se realizar. Fazia isso com facilidade anteriormente, porém, sinto que
perceber essa dinâmica semiótica da escola, mudou minha percepção.
Traduzir aquelas imagens, sons, experiências de observador em enunciado, ganhava
outra importância também. Senti que meu próprio processo narrativo havia mudado. Talvez,
tenha compreendido que o que fazia com o diário de campo na verdade era muito mais do que
uma descrição, mas sim uma narrativa. Precisava de mais tempo para que as situações
observadas se fizessem presença em meu pensar, que estabelecessem relação dialógica com
outros elementos e se transformassem em palavras.
52
Passei a refletir sobre a questão do gênero discursivo. Para Bakhtin, (2017) o gênero
do discurso, tem relação com o conjunto de elementos que mantém os enunciados
estabilizados em sua forma de expressão, sejam eles verbais ou orais. Apesar dos estilos
individuais possibilitarem variação de sujeito para sujeito, falante ou escritor, é possível
identificar algo comum, estável, no que constitui os gêneros, enfim, no modo de construir os
enunciados.
No caso da narrativa, apesar da ampla variedade de possibilidades de escrita e
expressão, desde as narrativas cotidianas, até as grandes obras literárias, um elemento que
mantém o gênero estabilizado, é a intencionalidade do sujeito enunciador em partilhar com
um outro, alguma vivência, situação, experiência. Apesar do estilo, a intencionalidade do ato
enunciativo se mantém circunscrita a uma certa maneira de se expressar e narrar.
Tentei ao máximo preservar essa intencionalidade assumindo a posição de narrador.
Contava o que vivenciava na escola para um outro. Imaginava um EU do futuro, acessando
aqueles registros de observações, não mais na dinâmica da experiência em si, mas já
distanciado em outro tempo-espaço.
Com base nestas reflexões, influenciado, sobretudo, pelo trabalho de Almeida Junior e
Prado (2013), abri possibilidade também da Joana partilhar suas narrativas em outros
contextos e formas de linguagem. Criamos um grupo no WhatsApp3 e sempre que ela
quisesse poderia partilhar áudios, fotos, vídeos, contando de suas experiências com o brincar
no cotidiano escolar. Ficamos surpresos com a potência desta forma de partilhar e produzir
conhecimento sobre o brincar. Nessa proposta, ficou claro o esforço de Joana em se deslocar
do seu lugar de professora e atuar também como pesquisadora em um determinado nível,
professora – pesquisadora – narradora.
De acordo com os dias e horários que tinha para frequentar a escola, definimos que eu
acompanharia uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental I, o 2º A, todas as segundas-feiras
no último bloco de aulas do dia, que acontecia das 13:00 às 15:30.
Foram quase cinco meses de parceria, com observações, trocas de narrativa e
conversas sobre as aulas. Salientamos que durante a realização do estudo, no ano de 2017,
seguimos todos os procedimentos éticos e o projeto foi aprovado no Comitê de Ética e
Pesquisa da UNICAMP, com o CAAE: 71182217.6.0000.5404.
3 WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones.
Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e documentos em PDF, além de fazer
ligações grátis por meio de uma conexão com a internet.
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Todo o material de dados composto por narrativas, conversas e fotos foi organizado e
sistematizado para compor a interpretação. Selecionamos algumas narrativas principais para
serem interpretadas no próximo capítulo.
Como critério para escolher as narrativas deste capítulo, optamos por aquelas que nos
permitiram contar sobre o brincar na escola, assim como, da postura da professora frente a
situação. Ao delimitar o foco na prática pedagógica da docente, acabamos optando por deixar
de trabalhar com algumas outras narrativas encontradas durante a pesquisa.
A partir delas, buscamos tecer reflexões, no sentido de ampliar o olhar e as
compreensões em relação àquele momento vivido e narrado (PRADO, et al, 2015). Estas
compreensões ampliadas ajudaram a responder as questões explicitadas no capítulo anterior,
sobre os diferentes sentidos do ato de brincar na escola e a sua relação com o processo de
constituição e atuação docente.
Assim, organizamos a próxima parte do trabalho, a partir das seguintes temáticas:
“Agora não é hora de brincar!”; “O brincar como tema da aula”; “O brincar como ato
responsável” e “Por uma prática pedagógica brincante”.
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3. O ATO DE BRINCAR NA ESCOLA
A escola com suas regras e cultura, cria uma dinâmica de uso e vivência dos tempos e
espaços, que permite diversas ações, mas que também proíbe e constrange várias outras.
Nesse contexto, as normas vigentes nos diferentes momentos do cotidiano, constituem e
educam os corpos das crianças, dos professores e dos tantos outros personagens que ali atuam.
Corpos educados na sua possibilidade de expressão e comunicação com outros corpos.
Corpos que no seu agir, aprendem, interagem e também dinamizam a cultura escolar
(FONTANA, 2001).
O brincar como ato, como expressão destes corpos, aparece em diversos momentos do
cotidiano escolar, assumindo diferentes sentidos de acordo com a interpretação dos sujeitos.
Investigar o brincar em sua pluralidade de significações, permite reflexão sobre como a
cultura escolar opera no processo de educação corporal dos envolvidos. Nos enunciados das
narrativas tecidas na relação dialógica com a Joana, encontrei possibilidade de compreender
como o encontro do brincar com a cultura escolar, permeou e constituiu sua atuação docente.
A partir de agora, trarei algumas destas narrativas selecionadas, para, a partir delas,
construir interpretações, problematizando e refletindo sobre o ato de brincar na escola.
3.1 Agora não é hora de brincar!
Era só uma brincadeira!
Joana está em roda com as crianças fazendo a chamada para iniciar a
aula. Alguns meninos mais ao canto, jogam bolinhas de papel uns nos outros.
Cada vez que Joana anuncia um possível olhar para o lado deles, eles
escondem as bolinhas e fingem prestar atenção.
Eles jogam, jogam e jogam até que ela termina a chamada, percebe uma
bolinha no chão e fala para o menino que estava mais próximo: “Viu, pode
parar com essas bolinhas, agora não é hora disso!”
Em resposta, ele diz bravo que não estava fazendo nada, que eram os outros
meninos da turma! Com um gesto ele aponta para os meninos que tomam
um susto!
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Um deles comenta: “Ixi, ele ficou nervoso! Agora ele vai pegar o caderno
inteiro e fazer bolinha para jogar na gente!”
Mesmo com a fala baixa, Joana escuta o comentário e com tom de
repreensão, fala: “Não, vocês não vão jogar mais nada em ninguém!”
Percebendo que havia passado dos limites, o mesmo menino tenta amenizar
a situação: “Tudo bem professora, era só uma brincadeira!”
“Era só uma brincadeira”
Na fala de uma criança a presença da minimização da importância do ato de brincar na
escola.
Que efeitos esse simples ato de brincar com bolinhas de papel produziu no grupo?
A professora que tentava fazer a chamada e iniciar a aula, vendo indícios da
brincadeira (bolinha no chão) deu bronca em um dos meninos que estava mais próximo.
O menino que antes estava prestando atenção, recebeu a bronca, ficou nervoso e
contou quem realmente estava brincando.
Os meninos da brincadeira, seguros como brincantes, além de jogar as bolinhas, se
escondiam do olhar da professora, disfarçando com seus gestos, a suposta atenção.
Quando o brincar foi revelado, perceberam no olhar da professora, que aquele ato não
era permitido. Na desqualificação de sua importância tentaram se esconder. Sentiram com o
tom de voz da professora que haviam ultrapassado a linha e que deveriam retornar para “os
limites” da aula.
Por meio de um aprendizado continuado e sutil, gestos, ritmos, movimentos,
cadências, disposição física, posturas e sentidos iam sendo inscritos em
nossos corpos. Na escola aprendíamos a olhar e a nos olhar, a modular a voz
ao falar, a ouvir, a calar, a regular os movimentos do corpo. (FONTANA,
2001, p. 43)
O brincar nessa situação, se constituía nesse vai e vem dos corpos dos meninos, para
dentro e fora dos limites da aula. A linha foi construída na relação, nos combinados, nos
gestos e discursos do que podia ou não ser realizado naquele momento. Os corpos que
aprendem na cultura escolar, com seus atos, também criam e dinamizam outras possibilidades
de ser e existir.
Aula e brincar como limites de dois universos opostos!? A interrogação é o que o
brincar tenta provocar. No caso em específico, provocar, mas não romper. Ao esconderem-se,
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mudando a gestualidade para uma postura mais “comportada”, demonstravam certo respeito e
cuidado com a norma. Todavia, quando descobertos, seguindo o discurso presente na cultura
da escola, tentaram reduzir a importância do brincar. Era só uma brincadeira.
O menino que levou a bronca, também compreendia as tramas da cultura, ficou
nervoso porque, de alguma forma, sua identidade de bom aluno, foi deslocada para a de
bagunceiro. A bolinha de papel torna-se “batata quente” e se ele ficasse segurando por muito
tempo, ficaria com as mãos queimadas, assumiria a culpa e a identidade de bagunceiro. Mais
do que depressa, se rebela, não aceita e joga a “batata” para os meninos que estavam
realmente brincando. Mas como ele sabia quem eram? Será que, de alguma forma, ele
também estava na brincadeira, fingindo não saber o que estava acontecendo, e mantendo a
postura comportada? O que leva uma criança a escolher deixar a brincadeira de lado, para
prestar atenção na aula? Respeito? Interesse? Medo?
A professora, por sua vez, buscando iniciar a aula, durante a chamada não conseguiu
observar e compreender tudo o que as crianças faziam. Apesar do suposto lugar de controle,
seu olhar é sempre limitado, dependente de diálogo e encontros para tecer compreensões
provisórias sobre os aprendizados, sobre os atos, sobre quem são as crianças a sua volta.
Suas palavras, gestos e olhares, deixam marcas nos alunos. Os combinados da aula não
são estanques, acabados, a todo momento necessitam ser relembrados, circunscritos,
ganhando novo contexto, novo sentido.
Talvez, esse embate com os alunos seja necessário para a tarefa da escola de educar. E,
talvez, para que isso realmente aconteça, seja necessário tornar aquilo que os meninos
estavam fazendo, como “apenas” uma brincadeira!
Vamos descansar!
A última aula do dia começa! Os 15 minutos iniciais são destinados para o
descanso das crianças, visto que, já é de tarde e elas passaram o restante
do dia sentados nas outras aulas.
Joana libera a turma para entrar na sala de Corpo e Movimento, mas
chama 3 meninos para fora da sala, para conversar um pouco mais. Ela fala
que eles tiveram tempo para brincar no recreio. Eles conseguiram bater
figurinha, correr, pular, conversar, porém, a partir dali eles precisavam seguir
as regras da aula e do momento do descanso.
57
Durante sua fala era perceptível que eles não queriam ouvir a advertência.
Eles criavam maneiras de interromper e mudar o tema da conversa: “Mas,
olha lá na sala! Eles estão fazendo barulho! Não é horário de descanso? Por
que estão fazendo barulho?” Suas falas tentavam resistir e contradizer o que
Joana estava falando. Ela ficou firme e tentou reforçar os combinados sobre
os horários do brincar e do descansar, mostrando sua separação.
Porém, logo em seguida, uma menina saiu correndo de dentro da sala, se
aproximou da conversa e começou a narrar o que outro menino fez
enquanto Joana estava fora: “Olha, eu não quero ser dedo duro, mas o
Gustavo pegou a blusa do João e jogou lá para longe! Tem um monte de
gente brincando e eu não consigo descansar, só estou avisando só, ok?”
Assim que terminou de contar, a menina voltou correndo para a sala,
abrindo um sorriso largo para os meninos que haviam participado da
situação.
Joana olhou novamente para os 3 meninos, que sorriam para ela também,
respirou fundo e reafirmou: “Agora não é hora de brincar!”.
A escola com seus tempos e horários. Cada momento da rotina escolar marca os
ritmos, os atos, os gestos e possibilidades de existência. O brincar espontâneo, ainda
negligenciado, acaba permitido ou suportado nas margens, nas pequenas frações de tempo do
recreio e intervalos entre uma e outra aula. A Educação Física como espaço possível para o
brincar, defendido por esta professora, ainda assim, é aula, tem regras e modos de agir como
qualquer outra disciplina.
Na conversa inicial, os meninos ainda não haviam começado a brincar. Foram
advertidos com antecedência, devido ao que aconteceu em aulas anteriores.
A regra como limite e linha provisória, que separa atos que podem ou não serem
realizados naquele momento. Crianças e professora sabem desta condição e quando não
conseguem encontrar ponto de encontro, inicia-se imposição pelo lugar destes limites.
Por trás das falas dos meninos, a pergunta: Por que estamos sendo prevenidos (ou
advertidos) por algo que ainda não fizemos? Por que quem está descumprindo as regras não
está aqui conosco? A linha se movimenta com suas falas explicitando as contradições do
momento.
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A fala da menina, que estava apenas narrando o que observou faz eco às questões dos
meninos. Entre olhares e sorrisos, as crianças, de alguma forma, acreditam estar na vantagem
da brincadeira.
A aceitação [e a recusa] das mensagens e dos modelos opera-se sempre
através de ordenamentos, de desvios, de reempregos singulares. Em sua
singularidade, professores e alunos são, a um só tempo, portadores de signos
e aprendizes. Seus corpos, em si mesmo, já são linguagem, e como tal,
oferecem-se, reciprocamente, possibilidades de ver, de falar, de pensar, de
existir. (FONTANA, 2001, p. 51-52)
A professora se percebe defendendo algo que, naquele momento, não tinha sentido.
Foi pega na contradição e a provocação brincante das crianças reverbera por vários dos nossos
encontros da pesquisa. Narrar e ouvir as crianças com mais atenção, permite a reflexão sobre
sua atuação. Porém, algumas questões ficam latentes nos diálogos: O brincar é de extrema
importância, mas será que tudo precisa ser brincadeira? Será que outros elementos não são,
também, importantes para a educação das crianças?
Ainda sem resposta definitiva para as questões, ela se utiliza da maneira já existente de
lidar com a situação, e assim, reafirma com prontidão: “Agora não é hora de brincar!”
Todavia, não seria possível pensar em outras formas de descanso? Será que brincar por
quinze minutos também não possibilitaria momento de descanso? Ao optar pelo descanso
deitado e comportado, a professora revela que, apesar de valorizar o brincar, o percebe como
elemento que poderia desorganizar e produzir outros efeitos nesse momento da aula.
Quem pode brincar?
Joana entra na sala e pede para as crianças se deitarem e ficarem em
silêncio para o momento do descanso. Sua fala é atravessada por um tom
leve, mas sério.
Algumas ficam quietas, deitam e obedecem. Outras, fingem que estão de
olho fechado, só que assim que percebem o som dos passos da professora
ganharem distância, viram de costas, abrem os olhos, começam a se
comunicar por sorrisos, sons com a boca, palmas e barulhos no chão com as
mãos. As meninas deitam, fazem uma cabana, com as cabeças em baixo
do banco sueco, cobrindo-se com as blusas de frio, como se fossem
59
cobertores. Alguns meninos mais próximos se cutucam e outro brinca com
seu handspiner na mão.
Tudo parece que gira em torno da presença da professora. O caminhar de
Joana na sala, sua forma e direcionamento do olhar, criam uma espécie de
linhas de tensão, com o ato de brincar das crianças. A maior parte das
brincadeiras é revelada nas brechas, sempre muito rápidas de serem
percebidas.
Nessa dinâmica ela anda pela sala, passando, olhando para as crianças,
pedindo silêncio para alguns que ainda não se acalmaram; fazendo carinho
na cabeça de outros; novamente aparece a figura do “dedo duro” que
conta para a professora algo de errado que está acontecendo. Joana
escuta com atenção e chegando perto da criança, diz que é momento
para descansar, sem mudar o tom leve do início da proposta.
São 15 minutos de descanso. Joana no centro das atenções, conduzindo a
proposta com calma e observando o movimento das crianças. Ela mantém
a postura séria o tempo inteiro e as crianças interpretam sua atitude como
algo a ser respeitado.
Todavia, quando ela percebe que as crianças não estão olhando, observo
que ela visualiza algumas brincadeiras acontecendo e com um olhar
brincante, faz sinal para que eu visualize também.
Com essa situação, me pergunto, quem estava brincando, as crianças ou a
professora?
Para Joana, o momento do descanso tinha sentido de voltar atenção para si mesmos,
para a respiração, para o que estavam sentindo, reorganizando os corpos para as propostas
posteriores. Em uma das conversas que tivemos ela disse: “Penso que esse momento seja
necessário para que possamos, primeiro, acessar nossa dimensão individual, singular, para
então, avançar para um olhar de grupo, coletivo”.
A escolha do tom de voz, do modo de conduzir a proposta e dialogar com as crianças,
parecia estar ancorada nessa intencionalidade primeira. Ela sabia que um clima de descanso e
olhar para si, não seria possível ao som de gritarias ou broncas, quando algo escapasse do
controle.
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A seriedade na mediação de Joana, provocava cuidado e atenção por parte das
crianças. O ato de brincar aparecendo de modo muito calculado para não ser descoberto.
Brincar nas brechas dos olhares, como conhecimento imprescindível e necessário para o bom
brincante, pois permite que a brincadeira se mantenha viva, em dinâmica, protegida das
possíveis proibições.
Todavia, porque optar por deixar a brincadeira nesse contexto de brecha? Por que não
assumir o brincar como possibilidade de descanso e acesso dessa dimensão individual do ser?
Esses quinze minutos de descanso, de encontro consigo, poderiam ser ocupados por um
brincar livre, com oferecimento de materiais como jogos de tabuleiro, livros, assim como,
colchonete para a livre escolha da criança de ficar em silêncio deitada.
No distanciamento de lugares e compreensões, a professora, proibindo a escolha e
insistindo no controle dos sons e dos corpos, passava a ser identificada pelas crianças como
uma espécie de vigia, sentinela. Joana, por sua vez, interpretando e brincando com essa
condição, fingia ocupar esse lugar, para propiciar constituição de um espaço adequado para a
proposta, mas, também, para olhar e investigar o brincar das crianças com mais atenção. Na
busca por outras compreensões, ela parecia querer começar a flertar com esse terreno do
brincar.
Cada um ali valorizava o momento de maneira singular. Joana em sua investigação,
parecia buscar compreender melhor, essa relação do ato de brincar, como possibilidade de
olhar e encontro consigo mesmo.
Nos diálogos com Joana, percebia sua compreensão do brincar, como possibilidade de
inteireza e liberdade de expressão. No entanto, quando investigamos esse ato no contexto
escolar, a dúvida que se revelou foi a de como o universo da escola, tão rígido, fragmentado e
controlador, poderia dialogar com o mundo do brincar, potente e criativo? Quais os limites e
potencialidades? Qual lugar ocupar o professor? Seria possível sair do lugar de controlador e
assumir posição de abertura para a aula como acontecimento?
Nesse flerte investigativo inicial, Joana parecia ainda não conseguir abrir mão de seu
lugar de controle. Porém, começava também a perceber a transgressão como elemento
inerente ao ato de brincar na escola. Transgressão como modo de expressão que ultrapassa os
limites, normas e identidades estabelecidos, visto que nem sempre o brincar poderia ser
permitido. As crianças ao brincarem nas brechas e a professora ao querer o controle de tudo,
se aproximavam, a cada ato do terreno híbrido do brincar. Aquele não era o momento de
brincar, mas mesmo assim, ele se fez presente nas brechas da cultura escolar.
61
3.2 O brincar como tema da aula
Sobre as regras da brincadeira
Hoje a aula é sobre jogos e brincadeiras. As crianças montaram uma lista de
brincadeiras e dentre as várias opções, a escolhida pela turma foi o
esconde-esconde. Todas as crianças comemoram, parece ser uma prática
querida por todos!
Joana está sentada junto com elas em roda, ainda dentro de sala e pede
para que duas crianças levantem para explicar a brincadeira. Há uma certa
disputa, mãos levantadas suplicando para assumir o papel. Joana escolhe
um menino e uma menina.
Eles levantam comemorando, os outros tristes por não terem sido escolhidos,
começam a conversar com outros colegas sem se importar com a atividade.
Aos poucos as conversas aumentam e os dois responsáveis pela explicação
passam a explicar apenas para a professora que parece ser a única que
ainda presta atenção.
Joana percebendo que a proposta não está dando certo, demonstra
descontentamento com a postura da turma, falando mais alto que todos,
com um tom de voz bem sério: “Olha, é importante ter atenção enquanto
alguém está explicando a brincadeira! Como vocês vão brincar se não
sabem as regras? Se não combinam de forma coletiva? Não tem problema
nenhum não ser escolhido para explicar hoje, teremos outras brincadeiras
nos outros dias, mas o respeito aos colegas tem que existir! Se vocês não se
comportarem aqui, não levarei vocês lá para fora para brincar!”.
A turma percebe o tom de voz da professora e fica mais quieta, alguns
comentam baixo já conhecerem as regras da brincadeira, mas mesmo
assim, a dinâmica proposta tem continuidade. Joana deixa os dois
explicarem do jeito deles e depois intervêm com algumas problematizações
62
quanto aos espaços permitidos e os combinados de “bater cara” e “salvar o
mundo”.
Fica estabelecido que as crianças poderiam utilizar apenas o pátio e o
parque para se esconderem, que era proibido subir para o teatro, salas de
aula e quiosques.
Depois dos combinados, todos saem da sala e vão para o pátio. As crianças
estão muito animadas, pulam, gritam e correm para o local de início da
brincadeira.
Joana, organiza quem vai contar e procurar os colegas. Ela faz a mediação
retomando as regras, os espaços onde a prática iria acontecer. Com tudo
combinado, a brincadeira tem início autorizado, promovendo um
verdadeiro “estouro da boiada”!
(FOTO DO PESQUISADOR)
No entanto, mesmo com a grande animação das crianças, Joana se
aproxima e comenta comigo: “Cada vez mais estou preocupada com a
construção dos momentos de diálogo com a turma, eles não se escutam e
comprometem o trabalho coletivo!”
A brincadeira como tema da aula. Saber suas regras e dinâmicas como conhecimento
produzido pelos seres humanos constitui-se como objeto de ensino e aprendizado nas aulas de
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Educação Física. Pretende-se que, a partir das vivências e discussões, as crianças acessem e se
apropriem destes elementos da Cultura Corporal (SOARES et al, 1992).
Nas intencionalidades pedagógicas de Joana, a lista de brincadeiras, aparece como
recurso para mapear as práticas conhecidas pelas crianças, organizar a sequência de vivências,
assim como, dividir a responsabilidade de contar para a turma como a brincadeira poderia
acontecer.
Ao iniciar a tematização pela construção da lista, Joana mostra abertura e sensibilidade
para valorizar os saberes das crianças, afinal, elas já estão inseridas e atuantes na Cultura
Corporal. Trazer práticas de fora da escola para o seu interior, partir dos conhecimentos dos
estudantes e no diálogo com suas compreensões, organizar o processo de aprofundamento e
desvelamento da temática de estudo, torna-se passo importante para o professor dialógico
(FREIRE, 2011).
A oralidade nesta proposta é reconhecida como maneira de partilha e construção de
conhecimento sobre a brincadeira. Em alguns casos, Joana conta que conseguiu, após a
realização de um trabalho com entrevistas com os familiares, trazer para as aulas até mesmo
os avós das crianças, para contar e vivenciar brincadeiras desconhecidas do grupo.
Olhar para a brincadeira em sua relação com a cultura, parece ser uma marca deste
trabalho. Avanço no trato pedagógico da manifestação, uma vez que retira o estatuto
instrumental da brincadeira, utilizada, muitas vezes, para ensinar habilidades e outros
conteúdos, e relembra que ela é produção humana, importante de ser aprendida, vivenciada e
reconstruída.
Todavia, nas súplicas para explicar as regras da brincadeira, as crianças demonstravam
certa apropriação da sua dinâmica. Pareciam sentir-se confortáveis para falar em público e
dividir seus saberes com a turma. Da animação inicial passam ao sentimento de frustração
pela não escolha, por não poderem assumir a responsabilidade maior daquele momento da
proposta. Talvez, para além do deslocamento dos alunos para o lugar de expositores da
brincadeira, para que a proposta se concretizasse dialógica de fato, fosse necessária a
assunção da participação de todos para a construção das regras da brincadeira e não só de
alguns. Ao passo que apenas alguns são convidados a assumir esse papel, o sentimento
entusiasmo pela possibilidade de participação é ocupado pela frustração.
Em que medida, a falta de preocupação com a escuta e explicação dos colegas, não
demonstra um limite da própria proposta, que acaba organizando e estruturando saberes que
os alunos já possuem? Em que medida, as intencionalidades pedagógicas no trato das
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brincadeiras, criam uma forma de organização que limita a própria experiência de descoberta
de como brincar?
Escolas e instituições ainda encontram dificuldade para assumir o
espontâneo como construtivo, formador e um primordial espaço de escuta de
si e do outro [...] sem espaços livres e autônomos, crianças crescem afastadas
de seus desejos, aprendendo que escutar o que estão lhe dizendo ou
propondo, vem antes de uma escuta interna (MEIRELLES et al, 2016, p. 6-
7)
Aprendemos a brincar ouvindo explicações, observando outros brincantes, mas,
sobretudo, brincando junto. Durante o processo de aprendizado e tematização, esses diferentes
lugares, às vezes, acabam esquecidos, ou hierarquizados de forma a desvalorizar o saber da
vivência. Não seria possível brincar com esta organização?
O acesso aos saberes do brincar nem sempre se dá pela linguagem verbal, na fala sobre
como brincar. Existem outras possibilidades de comunicação e diálogo que em alguns
momentos a escola negligencia, sem sensibilidade para a sua compreensão.
O corpo e sua gestualidade, mais uma vez, fragmentados na sua potencialidade de
expressão. O brincar, organizado e estruturado, perde seu estatuto de ato, torna-se brincadeira,
conteúdo curricular.
Brincar ou não? Eis a questão?
O comentário de Joana sobre a falta de diálogo com a turma rodava no
meu pensar. Sentia que ela estava mais séria do que nos dias anteriores...
Quando um dos meninos começa a contar, vejo as crianças correndo...
deixo meu caderno no chão e saio correndo para me esconder.
Sinceramente não pensei muito nos efeitos que aquilo traria para a pesquisa,
mas me senti extremamente provocado a olhar o brincar de dentro. No meio
do trajeto, percebo que Joana me olha estranhada, de impulso, puxo sua
mão para entrar na brincadeira, ela não resiste e vai se esconder junto
comigo!
Nos escondemos junto com outras crianças e a recepção delas foi muito
interessante. Elas abriram sorrisos, começaram rapidamente a incluir a gente
nas estratégias, indicando por onde correr e o que fazer caso o colega que
65
estava procurando os outros, chegasse perto. Falavam em tom baixo para
não serem ouvidas, uma escutando a outra e combinando um plano
coletivo. Eu e Joana ficamos juntos nesse primeiro momento e depois nas
rodadas seguintes nos separamos para ficar com as crianças, éramos alvo
fácil de ser encontrado!
Quando entro novamente na brincadeira, sinto a cultura escolar,
atravessando o meu agir. As regras da brincadeira foram combinadas de
acordo com as regras mais amplas da escola. Sentir isso, novamente, de
dentro da brincadeira, não somente de fora, potencializou sobremaneira a
compreensão. Aproximou-me das preocupações de Joana quanto ao
diálogo.
Além de brincar, procuro Joana em alguns momentos para observar o que
ela está fazendo, a percebo como brincante, junto com seus parceiros de
fuga!
(FOTO DO PESQUISADOR)
Quando entro novamente na brincadeira, sinto a cultura escolar,
atravessando o meu agir. As regras da brincadeira foram combinadas de
acordo com as regras mais amplas da escola. Sentir isso, novamente, de
dentro da brincadeira, não somente de fora, potencializou sobremaneira a
66
compreensão. Aproximou-me das preocupações de Joana quanto ao
diálogo.
No fim da brincadeira, estou escondido com várias crianças. Estavam quase
nos encontrando. Percebendo isso, resolvi correr para dar a volta no teatro
aberto. Em vez de passar pelo lugar permitido e ser pego!
Dei a volta no lugar proibido, subindo as rampas, passando perto da
diretoria, para sair do outro lado. No momento que corri, não chamei
ninguém, mas me dei conta que as crianças entenderam a estratégia e
subiram junto comigo! Cerca de 6 ou 7 vieram atrás de mim. Não tinha mais
volta, era continuar correndo ou ser pego! Escolhi correr e quando cheguei
na parte mais alta da escola, percebi o olhar de estranhamento das
inspetoras e professoras que passavam por nós. Algo como: “Ué, por que
esse adulto está correndo aqui? E essas crianças correndo atrás dele? O que
está acontecendo?” Senti-me constrangido e diminui a velocidade
orientando as crianças para correrem mais devagar. No fim, a gente
conseguiu bater cara e não ser encontrado!
Logo em seguida veio a Joana e falou, dando risadas com a situação: “Para
onde você levou meus pequenos, Gabriel? Você está colocando a escola
do avesso!”.
Percebi, então, que assim como eu a observava, ela também observou
onde suas crianças foram levadas por mim!
A aula como acontecimento. Aula como espaço de encontro, de vivência, que no
diálogo entre professora e crianças, constrói vias de circulação de conhecimentos e saberes
(GERALDI, 2015).
Dependendo do lugar que ocupamos como professores e estudantes a circulação de
conhecimentos muda, pulsa, ou estabiliza, fixa, enrijece.
Qual identidade o docente deve assumir? Qual identidade de estudante seguir?
Em determinados momentos da aula, para entrar em contato com as crianças e tratar
dos conhecimentos, é necessário assumir lugar de docência comumente encontrado. Percebia
que a preocupação de Joana com a construção de regras tinha a ver com as normas da própria
escola, mas também com o nível das relações entre as crianças. O aprendizado em si da
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brincadeira havia ficado em outro plano. Na falta de aproximação com as crianças, Joana se
escondia, se esquecia brincante e se deixava fixar nas tramas da cultura escolar que controlava
não só os corpos das crianças, mas também, o seu, como docente.
A falta de diálogo, gerava incômodo, frustração, mas também, impulso para reflexão.
Quando conversamos nos encontros essa percepção se fazia presente. Estava ela tentando
organizar o processo de tematização do brincar de maneira interessante, intencional, mas sem
atenção das crianças, sem deslocamento do olhar. Do que estava a se apropriar? Que formas
de relação estava a construir?
Joana era professora experiente. Mostrava no cotidiano das aulas, conhecimento de
estratégias pedagógicas para propor uma boa mediação do brincar (NAVARRO, 2009).
Durante esses momentos iniciais e no próprio brincar, ficava nas margens, problematizando e
organizando questões de espaço, de regras. Assumia com muita clareza, o papel de professora
que tematizava as brincadeiras, por se tratarem de manifestações da Cultura Corporal
(SOARES et al, 1992).
Porém, com essa turma em específico, não se permitia e também não era permitida em
muitos momentos, ir além desse papel. Em alguns momentos via no brincar, a bagunça, falta
de atenção, que atrapalhavam o diálogo, a construção coletiva. Todo o projeto poderia ruir, se
uma questão anterior, de relação, não indiferença com o outro, disponibilidade para escuta,
não fossem exercitados. Não podia ela incentivar ou deixar continuar a desordem. O grito, a
ameaça, foram maneiras encontradas para podar a “bagunça”. Ela sentia não ser esse o melhor
caminho, mas naquele momento específico, circunscrito, era o ato pedagógico “que tinha em
mãos”.
Será que Joana, na busca do diálogo e construção coletiva com as crianças, não estava
fechada no seu ponto de vista? Será que estava aberta a olhar e perceber as outras maneiras de
se comunicar existentes na turma?
Entre o olhar de Joana e o das crianças (não entendidas como bloco único, mas plural
e dinâmico) havia diferenças na maneira de perceber a dinâmica da aula. A aula como
acontecimento nos passa, atravessa, torna-se experiência ou não. O professor nunca sabe ao
certo o que ficou, marcou, mobilizou os alunos. Cada um, apesar de membro de um coletivo,
está no seu lugar, no seu olhar, na sua singularidade, na sua compreensão. Para dialogar torna-
se necessário deslocamento do olhar e ampliação do horizonte de percepção. Desejar esse
encontro no contexto pedagógico implica o professor assumir não mais um movimento
autoritário, mas sobretudo, alteritário (FREIRE, 2011).
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A alteridade é o espaço da constituição das individualidades: é sempre o
outro que dá ao eu uma completude provisória e necessária, fornece os
elementos que o encorpam e que o fazem ser o que é. No corpo biológico
que somos constituímos histórica e geograficamente o sujeito que seremos –
não sempre o mesmo, mutável segundo suas relações, incompleto e
inconcluso. Muitos em um só: unidade e unicidade, que por histórica não
significa permanência do mesmo, mas mutabilidade no supostamente
mesmo. (GERALDI, 2013, p.12-13)
Deslocar e flexibilizar as identidades, talvez fossem passos interessantes. Incertos,
cheios de dúvidas sim, mas necessários para o encontro.
Dentro da brincadeira, a dinâmica dos signos, da linguagem e comunicação assume
outro movimento, outro processo de significação. O que antes era barreira, fronteira, limite,
torna-se caminho, trajeto, possibilidade. O ato de brincar é o ato de redinamizar a cultura,
reorganizar os signos e construir outras formas de circulação.
Escola, pátio, parque, tornam-se provisoriamente arena de batalha, campo de
esconderijo. Espaço que, apesar de esconder, revela outros modos de ser. Outras identidades
possíveis de assumir. Alunos, professora, por breves momentos, tornam-se brincantes.
O campo de batalha, após o brincar volta a ser a escola. Os brincantes voltam aos seus
papéis primeiros, mas também descobrem, aprendem, relembram no processo, a capacidade
de entrar e sair, ir e voltar (GADAMER, 1998). Não se deixar fechar em uma identidade
única, mas compreender o momento certo de se colocar e aparecer. Eu, apesar de brincante,
estava também atuando como pesquisador, buscando compreender os movimentos das
crianças e da Joana. Ela, por sua vez, mantinha um olho no brincar e o outro nos alunos, para
não deixar “a escola ficar do avesso”. Ou talvez, deixar, mas de maneira moderada.
Com essa experiência, percebo que o professor brincante é aquele que permite seus
alunos e a si mesmo, criar espaço de movimento, dinamismo, pluralidade, incerteza e
transformação cultural. Ele não perde de vista as questões pedagógicas, as regras e normas da
cultura escolar, mas busca, também, compreender e sentir seus limites, suas possibilidades,
não deixando as identidades encontrarem rigidez!
O dia do esconde-esconde foi um marco como o início das brincadeiras do lado de fora da sala e começamos com uma brincadeira que eles gostam muito. Foi muito bom! A turma se envolveu bastante no brincar. Também foi interessante a provocação de me tirar de meu lugar de professora e me colocar no lugar de brincante. Foi uma boa “cutucada”, pois como eu vinha de um momento um tanto delicado e tenso com a turma no que tange à
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questão da organização, eu estava com bastante dificuldade de sair deste lugar, de quem está o tempo inteiro observando e controlando, ou ao menos tentando... pois eu acho que, na maior parte do tempo, eu somente tento e isso quase nunca dá certo… (risos). Isso é uma constatação! (COMENTÁRIO DA PROFESSORA)
Nesse dia, Joana foi recebida e acolhida pelas crianças. Foi incluída rapidamente nas
estratégias e percebeu que elas conseguiam sim, dialogar, se escutar, construir maneiras de
agir coletivamente. Ainda levou algum tempo para essa compreensão amadurecer e se
constituir ação, porém, essa experiência foi impulso para o movimento seguinte, de retomar
não só seu modo de Ser Professora – brincante, mas também, pesquisadora.
Se perder para se encontrar
Joana pede para que todas as crianças se levantem, se espalhem no
espaço e ao som da música busquem se movimentar de acordo com o
ritmo.
Todos ficam animamados com a proposta, parecem já conhecer a
brincadeira. Quando ela tira de sua bolsa um instrumento musical de
percussão, que segundo sua explicação tinha origem africana e era
chamado de Djembê, alguns arregalam os olhos, batem palmas, saltitam na
espera da música.
As batidas começam mais leves no início, provocando alguns
deslocamentos, risos e aos poucos fica mais intensa, mais forte. Braços
balançam no ar, pés batem no chão, cabeças acompanham o ritmo das
mãos da professora.
A proposta dura apenas alguns instantes, era uma pequena provocação
para a atividade principal. Assim que Joana percebe que a turma está de
corpo presente, atenta ao seu ritmo, ela reduz a velocidade das batidas e
fala: “Nós vamos brincar da dança do Siri! Agora nessa brincadeira ao invés
de se movimentar livre, nós seremos os Siris!"
As batidas ganham velocidade novamente, a turma se anima, pega fogo
nos deslocamentos laterais. Os gestos mimetizam o caminhar dos Siris. Joana
enquanto toca o instrumento, brinca junto com as crianças, se entrega na
70
proposta e começa a cantar uma música que todos parecem já conhecer.
É uma música da Região Nordeste que eles apresentarão no próximo festival
da escola.
Com o passar do tempo, alguns meninos começam a brincar de pega-
pega, correndo pelo espaço; outras meninas, saem da postura de Siri e com
os braços para o alto, começam a dançar separadas do grupo; um menino
sozinho senta, dizendo que não vai mais dançar. Mesmo assim, Joana
continua a brincar com quem sobrou da turma, até a música terminar.
No fecho, diz, ofegante e sorridente: “Ufa, foi muito bom!”
Andar perdido
é melhor
que estar parado.
Quem anda perdido
pode se encontrar.
Mas quem está parado
pode nunca
se perder
(MANOEL DE AREIA) A dança como possibilidade de brincar. Brincar com o corpo, com os gestos, com os
ritmos. Incorporar um personagem na narrativa da música. No vai e vem lúdico (GADAMER,
1998), se perder e se encontrar.
O lúdico como uma manifestação de expressividade humana plena, uma linguagem
singular presente no âmago da experiência singular de várias práticas sociais como o brincar,
a dança, a literatura, as artes plásticas, a música, as ciências, o trabalho, entre outras,
possibilita, ao homem dialogar, criar e romper com as suas limitações (LUCKESI, 2004).
Para Cazeneuve (1967), pelo lúdico o homem encontra um lugar de distensão que
alivia as coerções do cotidiano, e, por isso, pode ser algo transgressor.
Joana conhecedora e participante de grupos de manifestações populares percebe que
ao trazer esses saberes para a escola, pode criar espaço de expressão e valorização da ação
brincante das crianças. Nas manifestações populares,
[...] o conhecimento é transmitido de maneira alegre, dinâmica, útil, não de
maneira estagnada como em tantos locais que são expostas. Os gestos de
cada personagem e cada função são reproduzidos pelas crianças, que vão se
apropriando deles com o passar do tempo e imprimindo uma identidade
própria, só sua: a criação. Na prática universal que é a educação, esta
formação nada mais é do que um processo hereditário e iniciático intenso,
71
onde se transita de um momento a outro de desenvolvimento, sendo o mestre
em primeira instância o condutor, mediador disto que se revela como
conhecer-se em forma e potência (MEIRELLES et al, 2016, p. 9).
O corpo brincante do professor, como condutor e mediador da proposta pode provocar
o movimento e expressão do corpo das crianças. Atos que respondem a outros atos e
constroem, assim, um diálogo brincante. Porém, apesar da provocação, o brincar insiste em
não se deixar controlar.
Há várias possibilidades de ser brincante. Além daquele que participa e entra nas
brincadeiras em si, existem também aqueles que mobilizados pelo agir dos outros, vibram,
comemoram, ou também, ficam apenas na observação, porém arrebatados por aquilo que
observam. A dinâmica brincante se apresenta nesta pluralidade de expressões.
acho que a gente tem uma diversidade de seres ali, com intencionalidades
diferentes naquele momento. Para alguns pode estar muito divertido e para
outros pode não provocar nada. Acho que isso vai acontecer sempre na
escola. Acho que quando procuramos, encontramos momentos em que isso
acontece, que a gente olha e fala: Nossa que legal! Está todo mundo se
divertindo! Mas, confesso, isso é super oscilante (COMENTÁRIO DA
PROFESSORA)
Nem sempre o brincar aparece nos momentos em que é permitido pelas normas
escolares. Há o brincar transgressor que surge no meio das rodas de conversa, das explicações
do professor, dentro de outras atividades, mas há, também, o brincar que não vinga, que não
se expressa mesmo quando a escola permite.
Saber lidar com esse silêncio, tanto quanto saber provocar animação, parece ser
conhecimento importante para a docência. É possível encontrar brincadeiras que as crianças
não se sentem arrebatadas, e tudo bem que isso aconteça. O professor sensível a essa questão,
pode tentar criar outras possibilidades de participação, de vivência, ou até mesmo respeitar a
liberdade daqueles que não se propõe a brincar.
Na escola, há formas de expressão comuns, usuais, normalizadas, mas há também
aquelas que escapam, que ampliam o potencial de comunicação dos corpos das crianças.
Talvez, na leitura e mapeamento desta cultura, o papel de um professor brincante possa ser o
de tensionar os limites de expressão, as normas, as brechas, para que o brincar se faça
presente em mais contextos que não apenas os usualmente permitidos. Esse parece ser
conhecimento importante de ser aprendido com as crianças.
72
3.3 O brincar como ato responsável
Precisamos de maior concentração
Joana pede para as crianças formarem uma roda de conversa. Cada um
senta próximo daqueles com quem tem mais afinidade. Antes de começar a
tratar do tema da aula, ela conversa com as crianças sobre a importância
da escuta e do respeito para com a fala dos outros naquele espaço.
Em um primeiro momento as regras da roda são respeitadas, Joana
consegue explicar a proposta da aula e as crianças participam da
dinâmica, levantando a mão para falar, esperando o término da fala do
outro para iniciar a sua.
Aos poucos, algumas crianças começam a se cansar da roda, da dinâmica,
das regras e começam a conversar com os parceiros do lado, brincam de
bater as mãos no chão, estalar a língua, começam a girar o corpo no
próprio lugar. Pequenos atos que não escapam ao olhar da professora.
Joana, assim que percebe a movimentação, em resposta, decide iniciar a
primeira atividade da aula. É um alongamento orientado.
A cada novo movimento, Joana direciona a atenção das crianças para
algum elemento do corpo: “Agora quero que vocês levantem os braços
bem lá no alto, como se estivessem puxando um zíper e se fechando dentro
de um casulo!”. As crianças imitam seus movimentos, mas também,
imprimem pequenas variações no momento de realização. Elas pulam
fazendo de conta de que o zíper fica emperrado. Algumas giram o corpo e
conversam com os colegas do lado. Outras abrem os braços e fingem bater
asas de borboleta. Cada uma expressa o que a atividade provoca em seus
corpos.
Joana, percebendo o descompasso dos gestos, parece não contente com
a participação da turma e pede para todos voltarem para a roda de
conversa. Suas palavras e gestos provocam outros efeitos, mobilizam outras
respostas nas crianças. Em tom um pouco mais forte, ela diz: “Gente, vocês
73
estão realmente aproveitando a proposta da aula? No nosso alongamento,
precisamos de atenção e cuidado com o nosso corpo! Vocês estão muito
desconcentrados, estão parecendo uns robôs...”
No momento em que a palavra “robôs” é enunciada por Joana, um dos
meninos que está ao seu lado na roda, começa a imitar com gestos, o
deslocamento de um robô. Alguns meninos da turma, acham graça e
decidem entrar juntos na brincadeira.
Joana dessa vez, não percebe o diálogo brincante que sua fala provocou.
Chama todos de volta para o alongamento e diz que eles precisavam
acompanhar suas orientações com maior atenção!
Nossos atos são vistos de pelo menos dois lugares. O ato visto de dentro, do ponto de
vista de quem age. E o ato visto de fora, do ponto de visto do outro (BAKHTIN, 2011). O que
é diferente do lugar de quem age (aqui-agora-único-singular-irrepetível) torna-se outro.
Apesar de distantes, o dentro e o fora, o eu e o outro, complementam-se, misturam-se,
imbricam-se de um modo que eu - outro, interno - externo, dialogam de forma tão intensa que
somente nessa relação, o sentido do mundo e das coisas pode ser produzido.
O que mantém a relação de aprendizado no contexto escolar, é a assunção de que o
outro sempre vê o que desconheço. O outro sempre nos apresenta uma forma de ver o mundo
que só é possível do seu ponto de vista. Somos limitados, e não conseguimos ver nosso
próprio corpo por inteiro, não temos olhos na nuca. Nesse existir inconcluso, crianças e
professora em diálogo se constituem como sujeitos singulares em conjunto com outros
sujeitos singulares. A partir desta diferença de pontos de vista, chamado por Bakhtin (2011)
de excedente de visão, em réplica, em diálogo, atribuímos e tecemos sentidos para nós
mesmos, mas também aos outros e ao mundo (BUBNOVA, 2011).
A situação da roda de conversa mostra bem como essa diferença de pontos de vista
está presente no cotidiano escolar. Todos ali se percebem do seu ponto de vista, mas também
são percebidos a partir do ponto de vista dos outros. Uma professora observando e dialogando
com trinta crianças. O que ela consegue perceber de si e das crianças que estão ao seu lado?
Trinta crianças observando uma professora. O que elas percebem e ensinam para a
professora? Será possível todos olharem para o mesmo tema da mesma forma? Ou assumir e
lidar com a diferença seria possibilidade viável?
74
Bakhtin (2012), ao tratar do ato, se opõe radicalmente ao ato desencarnado, abstrato,
mecânico. Para ele, o ato é sempre responsivo, uma réplica, uma resposta a outros atos, que
logo em seguida já mobilizam novos atos. Além de responsivo, é responsável, no sentido de
responsabilidade com os efeitos destes atos (BUBNOVA, 2011).
Na dinâmica das aulas, na relação docente - crianças, quando conseguem escapar da
mecanização do existir escolar, são responsáveis pelo que fazem, não existe álibi para seus
atos. Agir os coloca na centralidade única do existir, que por sua vez, reverbera no existir dos
outros que os acompanham. O ato no presente dialoga com o passado, renovando os sentidos
antes atribuídos e abrindo caminho para que o futuro seja produzido. Cada ato responsável é
único, irrepetível, singular e entrelaça, presente, passado e futuro, em um contínuo
interminável (BAKHTIN, 2012).
O agir docente se constitui nesse movimento, de resgatar o passado no presente e criar
possibilidades de futuro. Isso acontece com a escolha dos temas a serem ensinados ou não;
das práticas realizadas e permitidas em aulas ou não; assim como, das maneiras de agir ou não
presentes naquele contexto. Professora que em resposta ao que as crianças dizem e fazem,
coloca em dialogo, também a sua própria história e experiências como estudante e escolhe um
caminho a seguir.
Nessa dinâmica dialógica, o ato responsável conecta dois mundos que muitas vezes a
própria escola parece tratar de forma isolada. O mundo da vida na historicidade única e
singular de existir de cada sujeito, a partir do ato, aproxima-se do mundo da cultura, conjunto
de todas as produções humanas (BAKHTIN, 2012).
Dessa forma, a cada ato singular, irrepetível, cria-se um novo acabamento estético,
criativo e produtor de conhecimento. Cada ato revela o inacabamento da cultura e a
capacidade humana de inscrever novos sentidos e significações ao mundo. Isso fica evidente
na forma com que crianças e professora atribuem sentidos completamente singulares para ato
do alongamento, para a palavra robô, para a dinâmica da aula. No distanciamento dos pontos
de vista, emergia a possibilidade de construção de diálogo, mas também, a possibilidade de
tentativa de controle por parte da professora.
O diálogo só acontece no encontro, na relação com o outro que nos é diferente. Na
velocidade da rotina escolar e busca pela padronização do agir dos corpos, nem sempre os
professores abrem espaço para essa ação. Quando fechados para a possibilidade de atribuição
de novas significações no agir das crianças, ganha espaço a tentativa de controle de tudo
aquilo que parece diferente do ponto de vista inicial.
75
O ato responsável questiona essas representações que visam a reprodução, na medida
que possibilita a criação estética, a produção de conhecimento, na relação do mundo da vida
com o mundo da cultura. Diante desta questão, nos deparamos com a dinâmica de um dos
elementos mais importantes no ato responsável, o signo.
Os signos são material especificamente humano, de criação social, entre indivíduos
organizados, servindo-lhes como meio de comunicação. São produto da capacidade humana
de modelizar sua experiência em materiais de possível compartilhamento com outros
humanos (PONZIO, 2015). Assim, a linguagem é tratada em seu sentido mais amplo,
expressada a partir de signos de diferentes naturezas (verbal, gestual, musical, imagético,
etc.).
Eles são fenômenos externos, assumem objetividade e materialidade nos sons, nas
cores, nas estruturas físicas, no movimento dos corpos, entre outros. São parte da realidade.
Refletem, mas também refratam outras realidades, abrindo espaço para a sua distorção,
manutenção e tensão (VOLÓCHINOV, 2017).
Refletem a realidade porque utilizam-se de outros signos já existentes para se
constituir como elo de uma cadeia criativa. Ao mesmo tempo, também refratam, na medida
que cada signo, carregado de sentido, dialoga com outros signos e cria uma realidade única do
ponto de vista de cada sujeito. Esse movimento de reflexão e refração inerente ao signo,
permite a estabilidade sempre provisória da realidade pois, a cada novo signo expressado, o
que antes era percebido, passa a ser atualizado e reconstruído.
Percebemos esse movimento do signo nos diálogos estabelecidos por Joana com as
crianças. Diálogos em que palavras e gestos, tinham de ser imitados e reproduzidos, porém,
no agir das crianças, acabaram sendo atualizados com outros sentidos. Será que como
professores estamos abertos para essa possibilidade de criação de novas significações? Ou
será que estamos na busca do controle e estreitamento das maneiras de olhar o mundo?
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a
imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta que o
rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que
fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
(MANOEL DE BARROS)
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O ato responsável, como signo, carrega em seu interior a historicidade e apropriação
singular dos sujeitos ao conjunto das produções humanas acessadas. Por isso, os signos são ao
mesmo tempo, expressão singular e social. Relacionam-se com signos já existentes,
direcionam-se e abrem caminho para outros que ainda estão por vir. São elos materiais de
uma cadeia dialógica, criativa, ininterrupta, que reconfigura a realidade (BAKHTIN, 2012;
VOLOCHÍNOV, 2017).
Apesar dos signos serem parte, constituírem e permitirem a reprodução da significação
das coisas, dos objetos, dos sons, das cores, dos atos, enfim, do mundo, devido a
singularidade contida em seu interior, seu acabamento estético inconcluso e a possibilidade de
refração, a realidade está sempre passível de transformação (FARACO, 2009). As crianças no
movimento de resposta aos atos da professora, explicitam essa possibilidade de resistência,
questionamento e transgressão.
Repetir repetir – até ficar diferente.
Repetir é o dom do estilo.
(MANOEL DE BARROS)
O ato carrega o sentido/resposta de seu autor em diálogo com tantos outros
interlocutores e abre possibilidade para diversas outras interpretações, outros
sentidos/respostas. Os sentidos necessitam do ato para serem expressos (BUBNOVA, 2011).
Apesar de enunciarmos as mesmas palavras, realizarmos os mesmos gestos, de forma
aparente nas aulas, o ato responsável é sempre singular e situado em tempo e espaço. Seus
sentidos são sempre únicos e irrepetíveis, diferentes para cada um que realiza. Crianças e
professora apesar de fazerem as mesmas ações, podem estar significando de formas
completamente diferentes.
É principalmente o movimento de refração que permite a dinâmica e produção
incessante da cultura e de signos atualizados. Atos produzindo sentidos em diálogo com atos
alheios. Os sentidos produzindo tensões nos significados, significação em movimento
ininterrupto. Não existe significação sem refração (FARACO, 2009).
Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.
77
Hoje eu desenho o cheiro das árvores.
(MANOEL DE BARROS)
No ato de brincar, as regras são implícitas à cultura, à ideologia, aos papéis sociais, ao
contexto onde o ato é realizado. E mesmo sofrendo determinações, sua essência tem a ver
com a refração, alteração, subversão, transgressão desta realidade provisória, desta cultura.
Quando a criança brinca no contexto da roda de conversa, ou do alongamento, criando novos
sentidos ao que a professora e colegas falam e fazem, ela está refratando, subvertendo,
alterando os significados já existentes, ao atribuir novos sentidos. O que antes era
provisoriamente estável, é refratado, no ato de transformação e criação de uma nova
interpretação.
A refração pode ser em menor ou maior acento, dependendo do contexto. Às vezes, o
ato de transformar o sentido das palavras ou gestos, já é algo determinado e ensinado às
crianças na vivência e aprendizado da cultura lúdica escolar.
Há que se considerar também, que esse ato de refração, de criação de signos e
movimento ininterrupto de construção da realidade, que aqui estamos chamando de brincar,
assume diferentes significações e nomes nos vários contextos da sociedade, inclusive na
escola. Isso tem que ser considerado, visto que, permite compreender como os grupos sociais
se relacionam com esta forma de agir.
No contexto escolar, como mostrado nas narrativas, em vários momentos as crianças
dizem que estavam brincando e ao mesmo tempo, a professora chama atenção, porque de
acordo com a sua interpretação, o que elas estavam fazendo era bagunça, falta de respeito.
Então, ao passo que buscamos compreensão do brincar como ato responsável, como
movimento de refração na criação de uma realidade outra, é importante também não cair em
um relativismo, onde tudo é brincar. Para isso, torna-se necessário, considerar a forma com a
que a escola em sua história e construção cultural, nomeia e interpreta os atos como brincar ou
não. Somente na relação com o cotidiano, com o uso concreto das palavras na dinâmica
social, podemos compreender como o brincar é percebido e nomeado na cultura escolar.
Assim, diante da brincadeira dos “robôs”, penso no ato de brincar como a
possibilidade de reflexão e refração do signo. Ato responsável que, como forma de
linguagem, em funcionamento nas relações eu-outro, aproveita-se do inacabamento da
realidade para se manifestar. Ele deflagra a provisoriedade desta realidade, do significado das
coisas, do mundo e abre a possibilidade de romper com o que está posto como universal. O
ato de brincar cria novos mundos, novas realidades possíveis e desloca o brincante como ser
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ativo, criativo, participante e responsável pelos seus atos, na relação com os outros. Diante
desta compreensão, pergunto-me: Será possível a existência de professores e crianças
brincantes no contexto escolar?
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4. POR UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA BRINCANTE
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases,
mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel,
um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda:
Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas…
E se riu.
Você não é de bugre? – ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios,
não anda em estradas -
pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel
foi o meu primeiro professor de agramática.
(MANOEL DE BARROS)
Nas tramas da cultura escolar, para que o trabalho educativo se concretize, as regras,
normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e criam variados efeitos em relação à
importância do brincar. Esses discursos orientam a postura docente de Joana, fazendo com
que esta busque agir de maneira mais aberta, espontânea, curiosa ou, também, controladora
em relação à ação das crianças. Seus olhares, gestos e atos, com intencionalidades diferentes,
deixam marcas nos corpos. Contribuem com a educação e constituição humana de cada um,
com quem se relaciona.
Acompanhando Joana em suas aulas, tomei contato com diversas facetas que se
entrelaçam e constituem sua prática pedagógica frente ao brincar. Nesse alinhavado de
intencionalidades, o brincar assumia diferentes significações.
Nas primeiras narrativas apresentadas no capítulo anterior, refletimos e
compreendemos principalmente, como em algumas dinâmicas de aula se fazia presente uma
tentativa de controle, que acabava legitimando uma aceitação de que o brincar era ato oposto
e contraditório ao ato de aprender, de se relacionar, se expressar e se conhecer.
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Cada momento da rotina escolar, com seus ritmos, tempos e discursos, cria um sistema
de controle dos corpos que atravessa as possibilidades de brincar e expressar-se das crianças.
Em alguns momentos, vimos que antes mesmo delas realizarem o ato de brincar, acabavam
levando broncas e sendo advertidas. Era preferível o controle dos corpos à abertura para as
possibilidades de criação de outras maneiras de ser e existir. Todavia, mesmo com esta
perspectiva, Joana já parecia perceber as limitações desta forma de agir e ser educadora.
Diante deste contexto, de constante negação, o brincar começa a aparecer nas brechas,
nas entrelinhas, na tentativa de tensionar e transgredir as regras e normas da escola. A
professora quando assume o lugar de controladora das ações e expressões, no ato de brincar, é
transformada em oponente, em sujeito a ser combatido e enfrentado.
Como construir relação educativa nesta posição? Como ser educadora dialógica
assumindo essa identidade? Eram questões que Joana fazia para si mesma, ao longo da
pesquisa.
A escolha por um lugar de controle dos corpos e das expressões, marca principalmente
uma escolha de concepção pedagógica. A insistência por esta forma de atuar encobre, talvez,
medo e insegurança do que aconteceria com a escola se o brincar fosse permitido e aceito
como possibilidade de diálogo e expressão em meio às aulas e momentos de estudo.
Na tentativa de amenizar os anseios das crianças, a escola cria tempos fragmentados
em que pequenas possibilidades de brincar são permitidas. O recreio, os momentos nos finais
das aulas e os momentos de brincadeiras com finalidade de ensinar outros conteúdos, passam
a ser legitimados pelo discurso pedagógico, como os tempos permitidos para as crianças
brincarem na escola. Porém, no que parece ser uma abertura, o controle se mantém como
marcador da ação pedagógica dos professores. As incertezas e possibilidades das brincadeiras
são reduzidas ao máximo para que as respostas e ações das crianças sigam sempre para uma
mesma direção.
Especificamente na área pedagógica, existe uma tendência – ainda a ser
superada – de considerar o brincar como um meio para se atingir
determinados objetivos: o brincar justifica-se na dimensão escolar como um
recurso para se apreender determinadas habilidades. Aprender a contar, por
exemplo. Ou para a aquisição de habilidades motoras. Isso também é
possível. Mas há uma diferença entre admitir o brincar como um meio para
cumprir determinadas metas de aprendizagem ou de considera-lo como
expressão máxima da criança, e assim, como um fim em si mesmo. (SAURA
et al, 2015, p.22)
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Joana em diversos momentos incorporava o discurso pedagógico do controle,
acompanhava os direcionamentos da cultura escolar posta. Mas também, percebia suas
limitações. Sabia que quando o brincar era tratado sem fim em si mesmo, acabava reduzido na
sua potencialidade. Era tratado como instrumento ou mera moeda de troca, que serve para
chantagear e obrigar as crianças a obedecerem às normas do trabalho escolar. Na medida em
que a escola identifica o brincar como elemento de desejo das crianças, ela finge abrir
possibilidades de sua manifestação, em troca da realização das obrigações de estudante.
Brincar e aprender novamente colocados em polos opostos, como se não fosse possível a sua
aproximação. Seria essa, a única via possível de educação?
As mesmas marcas e discursos que podam a expressividade de tantas crianças
impõem, também, aos professores, que delas tomam parte, assumir lugar de restrição de sua
própria expressividade e espontaneidade. Professor que enrijecido pela cultura escolar,
restringe sua sensibilidade ao que é funcional, ao que é objetivo, ao que promove algum
resultado. Aquilo que escapa, que demanda olhar cuidadoso e curioso, deixa de ser procurado
e passa a ser proibido.
Na tentativa de chegar em resultados comuns, em detrimento das intencionalidades
singulares dos gestos brincantes frente as demandas da brincadeira, observa-se como as letras,
os números, as habilidades são exercitadas. A dimensão humana da expressão no ato de
brincar, colocada em segundo, terceiro plano, frente aos resultados e fixação dos conteúdos,
preocupava eu e Joana que buscávamos com a pesquisa, refletir, resgatar e construir outros
caminhos para a nossa prática pedagógica com as crianças. Sentíamo-nos enquadrados nessa
forma de atuar, buscávamos no brincar possibilidade outra de nos constituirmos educadores.
A poesia está guardada nas palavras —
é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que
descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
(MANOEL DE BARROS)
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Uma prática pedagógica outra, talvez, fosse possível e, sobretudo, necessária naquele
momento. Ao acompanhar Joana em suas aulas, começamos a refletir e resgatar
possibilidades de se construir uma atuação brincante. Movimento desafiador e nada fácil de se
concretizar, porém, revelador de uma sensibilidade e preocupação com a importância de uma
educação dialógica e humanizadora.
No processo, descobrimos que havia diferentes formas de se afirmar professor-
brincante. Mas talvez, um primeiro movimento necessário, fosse a reaproximação com o olhar
das crianças. Reaprender a brincar com quem ainda detém esses saberes.
Em uma atitude de agachamento e comunicação olho no olho, a intenção é
nos colocarmos lado a lado da criança, anulando hierarquias autoritárias
vindas primeiro pelo mero tamanho físico de um adulto, representação de
sua suposta superioridade em relação aos saberes infantis. O movimento é
oposto: é de aproximação do olhar, em foco e intenção, vendo por meio da
lente própria das crianças. Olhar em estado de devaneio, onde a consciência
possa relaxar o suficiente para assegurar que o subjetivo esteja envolvido.
Recorrer ao mais brando estado de presença e estar aberto ao inesperado,
inusitado, a ponto de poder assumir e reconhecer nosso despreparo para, de
repente, ver o que foi visto. (MEIRELLES et al, 2016, p. 4-5)
Ao olhar o brincar com maior atenção, Joana começou a desvelar a cultura e o
imaginário de suas crianças. Percebeu o quão diverso e contraditório era o universo lúdico
delas.
Como primeira medida pedagógica, ampliou novamente os momentos de brincar livre
em suas aulas, apostando na sua potência e começou a se permitir encantar-se com as
situações que surgiam nos encontros com as crianças.
Descobriu a beleza de acompanhar um grupo de meninos que sempre brincava no
parque, imaginando um combate entre cavaleiros com escudos e espadas feitos de elementos
da natureza.
Observava também, as crianças que encontravam na terra, possibilidade de construir
novas moradas. Passou a admirar os gestos manuais no processo de construção e acabamento
estético das casas.
83
(FOTOS DA PROFESSORA)
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Ao contar sobre o que observava, Joana dizia: “Algumas sementes desse respiro, desse
brincar livre, dessa re-existência, vão se sustentar, crescer e continuar tensionando e
deflagrando a necessidade de uma escola outra!”. Uma escola outra, construída por
professores outros, que não se permitem acomodar no lugar de controle. Professores que
encontram nos estranhamentos e encantamentos, na incerteza da abertura, possibilidade de
encontro e diálogo com as crianças.
Em outra situação observada, um grupo de crianças sabendo que teriam possibilidade
de brincar na escola, confeccionou uma espécie de massinha em casa. Joana vendo o material,
ficou curiosa e começou a acompanhar a brincadeira:
Colorindo a massinha
Eles começaram a pensar como eles iam fazer para colorir a massinha. Na
discussão, surgiu a ideia de raspar o giz de lousa. Só que foi assim, esse
grupinho pediu o giz e eu tinha pouco, eu tinha pouco giz comigo. Eu
entreguei os que eu tinha e sai para conversar com os outros grupos da
turma. Quando eu olho de volta, já estava a Roseli, que era inspetora,
descendo com as crianças e dizendo: Joana é o seguinte, as crianças foram
lá na sala de aula pedir giz e me falaram que foi você quem deixou! Para
acobertar as crianças, eu falei que sim, que eles estavam precisando mesmo
e que haviam me avisado que iriam. As crianças ficaram até preocupadas
com a possibilidade de bronca, mas quando viram que estava tudo
resolvido, voltaram a brincar. Fiquei contente porque eles meio que tiveram
uma autonomia do tipo: ah, se a gente precisa, a gente vai procurar onde
tem!
(NARRATIVA DA PROFESSORA)
No brincar as crianças se deparam com dúvidas e necessidades que quando não
conseguem resolver sozinhas, buscam ajuda de outros para solucionar. A abertura de Joana,
demonstra capacidade de flexibilidade para com o agir das crianças. Ela não estava mais no
controle, mas tornava-se mediadora de possibilidades. Brincou junto, frente à necessidade de
acobertar as crianças perante o chamado da inspetora. Nas tramas da cultura escolar, aquilo
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que foge à regra, rapidamente é percebido e coibido. É necessário conhecimento para saber
driblar e saltar os obstáculos do caminho. É papel do professor-brincante, mais do que propor
brincadeiras estruturadas, oferecer as condições necessárias de tempo, espaço, materiais, para
que o brincar construído pelas próprias crianças aconteça. Em alguns momentos, torna-se
necessário também, fingir certo posicionamento de controle, para acobertar algumas ações das
crianças e permitir que o brincar continue.
Este brincar espontâneo acontece usualmente quando a criança encontra
tempo, espaço e materiais para tal. É o uso livre e não arbitrário do seu
próprio fazer. Uma escuta interna que propicia expressões genuínas de ser.
(MEIRELLES et al, 2016, p. 6)
Nesse movimento de busca por uma escola outra, Joana percebia as crianças se
espalhando pelos mais diversos cantos. A sombra da árvore se mostrava lugar potente para
pular corda, balançar e brincar de escalar. Na medida em que a professora tentava se recordar
como brincante, permitia que o lugar das crianças também fosse deslocado. Seus corpos, não
mais podados, buscavam desafiar o ar, a terra e outros elementos que encontravam no vasto
espaço escolar.
(FOTO DA PROFESSORA)
Na abertura para novas expressões, Joana encontrava no repertório das crianças,
diversas manifestações de brincadeiras populares; outras criadas e inventadas a partir de
desenhos e filmes que elas tinham acesso; mas, também, se deparava com brincadeiras
relacionadas ao funk, religião e até mesmo, a questões sexuais. No livre brincar, elementos da
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cultura acessada pelas crianças eram levados para dentro dos muros da escola. Como lidar
com questões tão densas, com crianças tão novas?
Depois de muito pensar, Joana, ao invés de proibir ou dar bronca quando percebia a
ocorrência das práticas, optou pelo diálogo. Tentou aproximação com o ponto de vista das
crianças. Buscou compreender até onde elas tinham acessado aquelas temáticas e se no ato de
brincar o sentido dos gestos era o mesmo do contexto social mais amplo. Nas conversas,
percebeu que apesar da reprodução dos gestos e algumas falas, o imaginário infantil
extrapolava a compreensão adulta e refratava aquelas manifestações com outros sentidos e
outras intencionalidades.
Apesar desta constatação, resolveu conversar com os pais da turma sobre a noção de
infância que as famílias tinham e permitiam as crianças acessar. Para além da escola, era
necessário um trabalho de conscientização com os responsáveis de cada criança.
Na conversa com os pais, procurou provocar reflexão sobre o lugar da criança na
sociedade e como o acesso a determinados elementos da cultura influenciavam na sua
constituição humana. Para além das problematizações, Joana queria aproximação das famílias
com a escola, queria mostrar com o diálogo que uma outra noção de infância era possível de
ser construída e vivenciada.
Na partilha de cenas encontradas nos momentos de brincar das crianças, ela apostava
em uma infância mais potente, criativa, expressiva, participativa. Queria engajar as crianças
em outro lugar de participação no contexto escolar.
O professor-brincante, ao contrário do controlador, percebe na adversidade
possibilidade de agir pedagogicamente. O que poderia ser coibido, apagado, afastado do
contexto escolar, torna-se tema de diálogo. Como parte constituinte da cultura das crianças
daquele grupo social, provocar reflexão e conscientização na comunidade é movimento que
aproxima, acolhe e possibilita reconstrução de novas compreensões.
Esse mesmo movimento aconteceu fora dos momentos de brincar livre. O brincar
transgressor também passou a ser olhado por Joana, a partir de outra perspectiva. Nos
momentos de roda e outras dinâmicas da aula, nem tudo precisa ser brincar, mas também,
nem tudo precisa ser proibido. Descobrimos que ser professor-brincante, está para além da
proposição e permissão do brincar, mas, sobretudo, da capacidade de olhar com maior
sensibilidade o agir das crianças.
Nos momentos em que elas pareciam mais desconcentradas, Joana buscou diálogo.
Em pequenos grupos de conversa, ouviu as crianças, tentou compreender os motivos da
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agitação e depois com fala simples e cuidadosa explicitou suas preocupações pedagógicas
tentando trazer as crianças para perto. Ao invés do embate, percebeu na parceria outras
possibilidades de resolução de conflitos e recriação de regras. Regras provisórias, que
precisavam ser reconstruídas em vários momentos, mas que com a participação das crianças
no diálogo participativo, incluía e não afastava.
Ser professor-brincante, nada tem a ver com ser um sujeito “legal”, permissivo, que
não considera as regras como elemento importante do espaço educativo. Significa, porém,
assumir o brincar como elemento importante de ser respeitado e considerado na escola, na
vida das crianças, assim como, na sua própria prática pedagógica.
Ao assumir esse posicionamento pedagógico, o professor abre mão de ser o
controlador de tudo o que acontece na aula e passa a construir sua atuação na relação com o
vivido, com a cultura e modos de agir das crianças com quem dialoga. Nem por isso, ele abre
mão das regras e fundamentações pedagógica, mas permite que as compreensões ganhem vida
na relação com o chão da escola. Busca-se a potência da infância, expressividade humana e
liberdade de criação de novas formas de significar e agir no mundo.
Joana, em sua prática pedagógica, se constituía professora, nesse alinhavado de formas
de agir. Em algumas situações recorria ao controle, em outras ao brincar. Nesse vai e vem
reflexivo, responsável, dialógico, tentava a cada dia, a cada ato, tornar-se professora melhor.
Tornar-se professor-brincante, parece ser movimento contínuo, inconcluso, difícil, porém,
cada vez mais necessário para contribuir com a construção de uma escola humanizadora e
libertadora.
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5. ACABAMENTO PROVISÓRIO
O brincar está intimamente ligado com a constituição do ser humano, que se constrói
em cada ato a cada ação no mundo. É sempre um relacionar-se com os outros. Como modo de
utilizar a linguagem, deixa marcas na história. Para poder brincar é necessário aprender, mas,
sobretudo, não deixar restringir sua expressividade e espontaneidade.
A escola se constitui como um importante espaço educativo. É ali que as crianças
tomam contato com diversos conhecimentos produzidos pela humanidade, dentre eles, nosso
trabalho destacou o brincar. Ele não é melhor ou pior do que os outros saberes ali tratados,
mas, como vimos na pesquisa, dentro do contexto escolar, o brincar passa por um processo de
significação que hierarquiza, designa funções dentro do cotidiano e marca a atividade escolar.
Sua relação com a cultura escolar é dialógica e complexa de ser compreendida.
Diante disso, nessa pesquisa tive o objetivo de compreender as diferentes significações
do ato de brincar que permeiam o cotidiano de uma escola, assim como, refletir sobre seus
efeitos na constituição e atuação de uma docente de Educação Física.
Assim, essa pesquisa permitiu tomar contato com grande diversidade de compreensões
e sentidos sobre o brincar, e mesmo sabendo da inesgotável incompletude da interpretação,
durante as conversas e as observações conseguimos acessar vários elementos, que nos
permitiram tecer algumas respostas para as questões levantadas no início da investigação.
A partir das narrativas, destaquei a relação da significação do brincar com o modo de
atuação docente. Busquei refletir e compreender principalmente, como em algumas dinâmicas
de aula, se fazia presente uma tentativa de controle dos corpos e modos de agir das crianças.
Regras, normas e discursos atravessam as práticas pedagógicas e orientam a postura da
professora, que com seus olhares, gestos e atos, com intencionalidades diferentes, deixam
marcas nos corpos das crianças. Contribuem com a educação e constituição humana de cada
um, com quem se relacionam.
Assim, o brincar começa a aparecer nas brechas, nas entrelinhas, na tentativa de
transgredir as regras e normas da escola. Quando a docente assume o lugar de controladora
das expressões no ato de brincar, ela é transformada em oponente, em sujeito a ser enfrentado.
Diante deste contexto de tensão, o ato de brincar surge como possibilidade de reflexão
e refração dos signos da cultura escolar. Ato responsável que, como forma de linguagem, em
funcionamento nas relações eu-outro, aproveita-se do inacabamento da realidade para se
manifestar. Deflagrando a provisoriedade das regras escolares, abre possibilidade de romper
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com o que está posto. O ato de brincar cria novos mundos, novas realidades possíveis e
desloca o brincante como ser ativo, criativo, participante e responsável pelos seus atos.
Todavia, quando a professora busca outras compreensões sobre os gestos brincantes.
Quando busca diálogo com as crianças, acaba por flexibilizar e deslocar sua identidade
docente, assim como, a das crianças. Ao se propor a brincar junto, as tensões antes
encontradas, parecem ganhar outras configurações. A professora passa a ser parceira e não
mais oponente na relação.
Como mostrado na interpretação, essa relação das significações sobre o brincar com a
prática docente, não são simples de serem observadas e compreendidas. Todavia, considero
que aproximar a pesquisa narrativa do estudo do brincar, ocorreu um avanço importante, pois
possibilitou um modo sensível de acessar essa variedade de sentidos e significados. Nos
enunciados das narrativas, consegui entrar em contato e acessar as diferentes compreensões e
identidades docentes frente ao brincar.
Considero, entretanto, que apesar dos avanços, o trabalho interpretativo nesse modo de
pesquisa necessita de maior cuidado e, talvez, tempo para ampliação do olhar e
aprofundamento das diversas questões possíveis de serem refletidas. Por outro lado, mesmo
sabendo das dificuldades encontradas no processo, considero que a pesquisa deixa
contribuições no destaque do brincar como uma ação fundamental de ser valorizada e
legitimada pelos professores que atuam em escola. Somente nesse esforço, poderemos
desnaturalizar alguns códigos da cultura escolar, que passam despercebidos, no cotidiano, mas
que carregam toda uma história social e ideológica ao longo da sua produção. Ter atenção na
forma com que o brincar aparece nos discursos e nas ações, significa, sobretudo, compreender
como se dá a educação corporal e expressiva que a escola propicia e permite.
Outros trabalhos já realizaram análises importantes levando em consideração escolas
de diferentes níveis de ensino, no entanto, considero que esta pesquisa, torna-se importante
para a área da educação, uma vez que, buscou entender como se dá essa relação do brincar
com a prática pedagógica de uma docente disposta a refletir e problematizar sua própria
atuação.
Longe de tentar impor uma maneira certa e apropriada para o brincar aparecer na
escola e na prática pedagógica dos professores, teci uma reflexão para compreender a
pluralidade de significações deste ato. Assim, encontrei o brincar que não é permitido nas
aulas e no cotidiano escolar mais amplo; o brincar como tema central das aulas; o brincar
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como possibilidade de transgressão; o brincar bagunça; o brincar como possibilidade prática
docente; o brincar livre e espontâneo.
Busquei chamar atenção também, para as possíveis implicações que grande parte das
vezes os professores e a escola, não param para analisar e repensar. Espero que este trabalho
possa contribuir para as discussões, formação e atuação de professores dentro da escola.
O brincar não é bom ou mau em si, não é certo ou errado em si. O ato de brincar
depende das significações presentes no contexto em que está inserido, para assim, ganhar
sentido. Sentidos múltiplos e muitas vezes contraditórios de acordo com quem observa. Ao
entrar em contato com as crianças brincando e, ao mesmo tempo, preocupadas, com medo do
que poderia ser feito pela professora, frente aos seus atos, deixo o questionamento: brincar na
escola é errado porque a professora pode dar bronca, chamar atenção? Ou pode ser errado,
porque dependendo do que for feito no brincar, pode atrapalhar o trabalho pedagógico e o
aprendizado de outras crianças? A distância entre as duas noções de escola que respondem às
questões é muito grande e necessita de mais estudos para continuar a ser refletida com maior
atenção.
O brincar não resolve todos os problemas, não é receita para nada e nem deveria ser
tratado assim, porém, inserido na dinâmica cultural da escola mostra alguns sinais, algumas
marcas, de que, mesmo sendo colocado nas margens das preocupações pedagógicas, pode
estar inscrevendo a constituição de sujeitos, de corpos podados em sua expressividade,
sensibilidade, criatividade e participação social.
Diante desta constatação, ainda sinto necessidade de buscar outras compreensões
sobre as possibilidades, do professor tornar-se brincante!
Sinto que, ao longo da pesquisa consegui aprender e tecer novos sentidos para o
brincar. Percebi o quão importante e potente ele é em nossa existência. Que a possibilidade
que tive de reencontrar o encanto nesse ato tão singular, possa ser partilhado com outros
colegas de atuação, preocupados com a criação de uma escola outra!
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