o atributo constitucional de cláusula pétrea do art 195 par 7 da crfb
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Monografia por Kildare Araújo MeiraTRANSCRIPT
O atributo constitucional de cláusula
pétrea do artigo 195 §7º da
Constituição da República.
Dr. KILDARE ARAÚJO MEIRA
Brasília, 10 de setembro de 2003.
2
I. INTRODUÇÃO.
O presente estudo pretende trazer a baila reflexões
sobre o tema da imunidade tributária do 195, §7º da Constituição da República,
objeto de preocupação do autor em seu Curso de Especialização em Direito
Tributário da Universidade Católica de Brasília, ano 2002/2003, e do exercício
profissional da advocacia em prol das instituições beneficentes de assistência
social perante o Conselho Nacional de Assistência Social, Conselho de Recurso da
Previdência Social, Instituto Nacional do Seguro Social e Poder Judiciário.
O objeto do estudo parte da definição da imunidade
tributária como instituto político científico para chegar ao disposto no artigo 195,
§7º da Constituição, fonte da imunidade da Contribuição para a Seguridade Social
das instituições beneficentes de assistência social.
O escopo do presente trabalho é refletir a
possibilidade jurídica da imunidade das contribuições sociais da instituições
beneficentes de assistência social, prevista no dispositivo do artigo 195 citado no
parágrafo anterior, ser limitada ou até mesmo revogada por Emenda
Constitucional, solução comumente ventilada pela política governamental como
saída ao déficit da previdência social neste país.
3
É corriqueiro quando se discute reforma do sistema
previdenciário se apresentar na pauta das mudanças constitucionais alimitação e
até mesmo o fim do benefício fiscal concedido às entidades beneficentes de
assistência prevista no artigo 195, §7º da Constituição da República, diante desta
realidade, é salutar a indagação da possibilidade da referida modificação em face
da proteção constitucional às clausulas pétreas estabelecida no artigo 60, §4º.
A tese que encerra esta indagação foi fruto de
pesquisa na doutrina constitucional e tributária, análise de precedentes
jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal sobre os temas: da imunidade
tributária; interpretação do artigo 195, §7º da Constituição da República e cláusulas
pétreas.
A ausência de reflexões específicas sobre a
impossibilidade de reforma constitucional para revogar a imunidade das entidades
filantrópicas das contribuições para a seguridade social, obrigaram o estudo a
lançar mão da instrumentalização dos conceitos abordados na doutrina consultada,
aproximando-os da realidade pesquisada e criando, a partir desta, premissas que
produzissem soluções as principais indagações condutoras deste trabalho, quais
sejam: qual o mecanismo axiológico do instituto da imunidade tributária? Qual
valor constitucional está protegido pelo disposto no artigo 195, §7º da
Constituição? Os valores protegidos como cláusulas pétreas abrangem os valores
contidos no citado artigo da Constituição?
Respondendo as indagações supra, o presente
trabalho desenvolveu em sua estrutura uma reflexão primeira sobre a imunidade
tributária, buscando as raízes históricas do instituto, os pontos de vista em disputa
4
sobre o seu conceito, a acepção dela como princípio constitucional, obtendo ao
final um conceito de imunidade que traça o perfil axiológico do instituto e ainda
caracterizando as diversas espécies de imunidade tributária.
No segundo momento o foco do trabalho dirige-se a
interpretar o disposto no artigo 195, §7º da Constituição, identificando-o como
garantia de imunidade tributária, estabelecendo o seu alcance objetivo e subjetivo e
nesta perspectiva fazendo uma breve análise sobre as características das entidades
filantrópicas para a partir daí investigar os valores consagrados na imunidade em
comento e assim começar a responder se estes autorizam alteração constitucional.
No terceiro momento discorre a presente pesquisa
sobre o modelo constitucional brasileiro na perspectiva de seus mecanismos de
alteração, contextualizando o sentido das clausulas pétreas, preparando terreno
para o quarto e último momento do trabalho que investiga às clausulas pétreas, seu
histórico, conceito, teor da previsão constitucional do artigo 60, §4º, por último a
dignidade constitucional de cláusula pétrea do artigo 195, §7º da Constituição da
República, tema central do presente estudo.
Em finalização, o texto apresenta as conclusões
obtidas, cumprindo assim, todos os seus escopos.
II. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.
5
II.I. ANTECEDENTES HISTÓRICOS.
A noção de imunidade tributária, como fenômeno
jurídico do Estado Moderno, surgiu historicamente como corolário do sistema
federativo do estado, a partir da construção jurisprudencial norte americana sobre
imunidade recíproca. Américo Lourenço Masset Lacombe1 situa, em sua obra a
respeito dos princípios constitucionais tributários, a implementação do Banco dos
Estados Unidos, em sua segunda tentativa, no ano de 1816, como causador da
situação fática que criou o conflito de interesses no qual foi estabelecida a noção
de imunidade da federação sobre a cobrança de taxas dos estados membros por
meio do caso McCulloch x Maryland.
Diante da necessidade de criar uma instituição
financeira nacional na recém criada federação americana o Presidente Madison
sancionou, após outras frustradas tentativas, em 1816, a criação do Banco dos
Estados Unidos, medida recebida com hostilidade pelos estados membros que
criaram leis negando a autorização de funcionamento ao novo Banco Nacional ou
passaram a taxar excessivamente suas atividades.
O Estado de Maryland estipulou uma taxa de 15 mil
dólares anuais sobre as notas do Banco, ocasionando a provocação do Gerente do
Banco de Baltimore que deu origem ao referido caso McCulloch x Mariland.
1 LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Princípios Constitucionais Tributários. 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 84-91.
6
Na solução da referida contenda a Suprema Corte
Americana reafirma os princípios básicos do federalismo e como conseqüente
deste a impossibilidade de tributação dos instrumentos do Governo Federal. A
referida decisão traz no seu bojo a firmação que “a tributação é considerada como
poder absoluto, que não conhece outros limites a não ser os expressos na
Constituição, e, como exercício do poder soberano, em qualquer das suas
manifestações, só está subordinado à discrição do seu titular. Os termos do
argumento, porém, concorrem precisamente, para demonstrar que a soberania dos
Estados no que se refere ao poder tributário é subordinada ou sujeita ao controle da
Constituição dos Estados Unidos. A extensão deste controle resultará da
construção do instrumento constitucional. Na sua construção, porém, nenhum
princípio, que nele não seja expresso, poderá ser admitido, desde que frustre a
legítima atividade do Governo Federal. É de essência da supremacia a remoção de
todos os obstáculos à sua atividade na esfera que lhe é reservada, e, assim, a
remoção de qualquer poder investido em governos subordinados, de maneira a
isentar da influência destes as operações que lhe são próprias”.2
O conceito de imunidade trazido pelo precedente
histórico americano limita-se a asseverar o benefício fiscal constitucional da
federação, havendo ainda outros antecedentes ao longo do tempo para se construir
a idéia perfeita e acabada de imunidade recíproca como hoje adotada, mas a
relevância deste fato judicial para o conceito de imunidade reside em duas idéias
centrais às quais serão pontos característicos e definidores do conceito de
2 McCulloch x Maryland in Lacombe, Américo Lourenço Masset. Ob. Cit., p.88.
7
imunidade tributária, quais sejam: a imunidade deriva de um valor constitucional
que se pretende proteger e ela é uma limitação constitucional ao poder constituído.
Ora, a idéia de impossibilidade de tributação dos
entes do Governo Federal no mencionado caso americano surge sem expressa
disposição constitucional, mas como mecanismo de efetivação do valor
constitucional federação, ou seja, a imunidade tributária é expressão de um valor
constitucional que deve ser preservado.
Quanto à idéia de limitação do poder estatal essa é a
perspectiva de afirmação da imunidade, ou seja, a supremacia de um valor
constitucional frente aos poderes instituídos por esta constituição. A imunidade é
corolário da própria afirmação do Estado Democrático de Direito, limitando o
poder tributante.
II.II. CARACTERÍSTICAS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.
A expressão imunidade tributária tem duas
acepções: uma ampla, construída a partir da interpretação dos dispositivos
constitucionais que proíbem ou vedam a atuação tributante, estabelecendo a
incompetência da pessoa política para tributar em face dos fatos fora da fronteira
do campo tributário ou do respeito aos princípios constitucionais tributários
(estatuto do contribuinte: princípio da estrita legalidade; não confisco; não
existência de tributos de barreira e uniformidade geográfica.)
8
A segunda acepção do termo imunidade tributária,
que vai interessar diretamente a este trabalho, sendo o seu objeto de estudo, é o
sentido estrito da expressão, entendido como as normas que de modo expresso,
declaram ser vedado às pessoas políticas tributar determinados bens, pessoas e
situações jurídicas, quer pela natureza ou pelo ramo de atividade que atuam.
No esteio do antecedente histórico há que se refutar
a crítica que parte da doutrina faz a qualificação da Constituição Brasileira de 1988
ao inserir a imunidade tributária restrita na seção das limitações ao poder de
tributar.
Paulo de Barros Carvalho3 critica a referida
qualificação por entender que “Inexiste cronologia que justifique a outorga de
prerrogativas de inovar a ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias
definidas pelo legislador constitucional, para, em momento subseqüente, ser
mutilada ou limitada pelo recurso da imunidade”.
Nessa mesma direção Márcio Pestana em sua obra
“O Princípio da imunidade tributária”4 afirma que “os enunciados jurídicos
imunizantes integram o desenho das competências constitucionais, não se
consubstanciando, pois, em limitações do poder de tributário”.
Data maxima venia, a imunidade tributária antes de
ser meio negativo de definição de competência tributária é instrumento para a
consecução de valores constitucionais, nos dizeres de Luciano Amaro5 “o
3 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 123. 4 PESTANA, Márcio. Princípio da Imunidade Tributária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 67. 5 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 145.
9
fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa
relevantes”.
As imunidades surgiram no mundo jurídico em face
de considerações políticas, objetivando a preservação de valores políticos,
religiosos, educacionais, de solidariedade social, culturais e econômicos para
resguardar o equilíbrio federativo, as liberdades: de associação, de pensamento,
política, de religião, de expressão, de manifestação cultural e ainda a proteção aos
mais carentes da sociedade.
Não se pode negar o caráter de limitação ao poder de
tributar que a imunidade possui, e o fato cronológico supra apontado por parte da
mencionada doutrina, não é óbice a esta constatação, a uma, porque o valor
constitucional a ser protegido antecede a própria forma constitucional, estando
palpitante na idéia política vigente no período pré-constitucional; a duas, porque a
imunidade é também direito subjetivo público do seu destinatário.
Assim, há que se entender a imunidade em seu duplo
papel, como bem leciona Roque Antônio Carraza6 (citando José Wilson Ferreira
Sobrinho), na sua função de delinear a competência tributária e no seu papel de
outorga ao imune de direito público subjetivo, sendo nesta última função bastião
contra o poder tributante. Ou seja, o pensamento político expresso na Constituição,
ao objetivar preservar determinado valor constitucionalmente consagrado, impede
aos poderes instituídos o exercício do poder tributante, por meio de uma regra de
6 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p. 636.
10
competência negativa e institui ao sujeito beneficiário daquele, direito subjetivo a
ser exercido contra o poder constituído.
Analisando as chamadas imunidades amplas,
observa-se que sua estrutura axiológica é idêntica a das imunidades em sentido
estrito, ou seja, estabelecem a limitação da competência do poder tributante em
face de um valor constitucional intrínseco ao estado democrático de direito
(legalidade, não confisco...). A diferença entre as duas espécies de imunidade
reside no meio utilizado para realização desta limitação, no segundo caso usa-se a
norma negativa de competência, no primeiro caso, a omissão dos fatos, deixando-
os, fora da fronteira do campo tributário ou pelos princípios constitucionais
tributários que quando respeitados criam limites ao poder tributante.
A caracterização da imunidade tributária estrito
senso como limitação ao poder de tributar ganha relevância aos fins que se propõe
este trabalho, qual seja, de buscar na imunidade prevista no artigo 195, §7º da
Constituição a presença, ou não, da qualidade de cláusula pétrea.
A pesquisa sobre as hipóteses de norma
constitucional imutável é fruto de um trabalho hermenêutico no qual a
interpretação axiológica constitucional prevalece, ou seja, é importante para tal
intento definir os valores motivadores da norma constitucional e derivar desta
operação a subsunção destes àqueles previstos na norma instituidora da cláusulas
pétreas.
Apesar de só adiante se faz uma análise apurada do
teor das cláusulas pétreas no Brasil, cabe neste momento, consignar que se a
caracterização do fenômeno tributário da imunidade estrito senso, limitar-se a uma
11
regra de competência negativa, sem a sua identificação como limitação ao poder
tributante, o seu universo valorativo perde força, haja vista, o caráter unilateral do
seu comando, que passa a ser interpretado como uma mera ordem negativa à
pessoa de direito público, enfraquecendo o liame extra jurídico que orientou o
surgimento do imperativo constitucional.
Por outro lado, a caracterização da imunidade como
limitação ao poder exacional traz de forma intrínseca a existência de um direito
subjetivo público que se opõe ao poder tributante, tendo relação direta com valores
extra jurídicos desaguados no Magno Texto. De forma pragmática, poderia se
contornar a relevância da caracterização da imunidade em seu aspecto dúplice na
perspectiva de entendida aquela apenas como regra de competência, poder-se-ia
concluir ser a imunidade um benefício individual, renúncia de receita ou privilégio,
passível de reforma constitucional até para se restabelecer a igualdade e a justiça,
ao passo que vislumbrando a imunidade como limitação do poder tributante,
percebe-se o seu caráter de direito subjetivo, o sentido de resguardar valores da
comunidade expressos na Constituição daí a necessidade de uma reflexão
axiológica mais profunda antes de qualquer supressão por emenda constitucional
para verificar a constitucionalidade de tal medida.
Contudo, os valores protegidos nas atuais regras
constitucionais imunizatórias trazem em seu bojo a defesa da forma federativa de
estado; estado democrático de direito; tripartição dos poderes ou direitos e
garantias individuais, à maneira que as tornam cláusulas imutáveis, sem o
pressuposto de situação revolucional. Nesta perspectiva, Roque Antônio Carraza7
7 Ob. Cit, p. 639.
12
asseverou com muita propriedade que “Nem a emenda constitucional pode anular
ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição” e ainda que
“o constituinte derivado e o legislador ordinário não podem ignorar as imunidades
tributárias (...)”.
Essa origem axiológica ligada aos motivos pétreos
do estado constitucional brasileiro começa a responder o objeto desta pesquisa.
Entretanto, não é uma resposta definitiva, pois ainda carece de identificar os
valores específicos que estão no comando da imunidade do artigo 195, §7º da
Constituição Cidadã e operar sua interpretação em face do rol constitucional das
cláusulas pétreas.
As características das imunidades permitem concluir
que ela pode se inserir em qualquer espécie tributária, sendo equivocada a posição
da doutrina tradicional que pugnava sua incidência meramente aos impostos. Ora,
o valor constitucional a ser protegido pode se materializa tanto na imunidade de
taxas como de impostos. A Constituição de 1988 atribuiu imunidades tributárias
sobre impostos, taxas e contribuições sociais desmentindo de vez a teoria
tradicional que pugnava sua manifestação apenas sobre os impostos.
II.III. CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.
Diante do leque de enunciados e normas jurídicas
abrangidas pela imunidade tributária, realizados com consistência e relevância,
13
pode se pugnar que a imunidade tributária constitui-se verdadeiro princípio
constitucional de garantia e proteção aos contribuintes.
Identificada à imunidade como princípio, no seu
aspecto dúplice de norma de competência e direito subjetivo público, como
instrumento de realização de valor constitucional pétreo, abrangendo qualquer
espécie tributária, tem-se condições de formular-se definição sobre este instituto de
direito tributário. Contudo, antes de fazê-lo traz-se a baila algumas definições da
nossa doutrina, com o escopo de situar às posições em disputa e facilitar a
identificação dos aspectos negados e afirmados pela definição apresentada no
presente trabalho:
“A imunidade tributária é, assim, a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que, à vista de alguma especificidade pessoal ou material dessa situação, deixou-a de fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo”.(Luciano Amaro)8
“A norma imunizante não tem apenas função de delinear à competência tributária, senão que também outorga ao imune direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo, razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um direito subjetivo como norma jurídica
8 Ob. Cit, p. 145.
14
atributiva, por conferir ao imune o direito referido”. (José Wilson Ferreira Sobrinho).9
“A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.” (Roque Antônio Carraza).10
“Princípio da Imunidade Tributária é o feche de valores jurídicos, depositados na Constituição Federal, que permitem construir normas jurídicas que revelam a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituir tributos nas situações especificadas no Texto Constitucional”.(Márcio Pestana)11
“A imunidade é o mais relevante dos institutos desonerativos. Corresponde a vedação total ao poder de tributar. A imunidade cria área colocada, constitucionalmente, fora do alcance impositivo, por intenção do constituinte, área necessariamente de salvaguarda absoluta para os contribuintes nela hospedados. A relevância é de tal ordem que a jurisprudência tem entendido ser impossível a adoção de interpretação restritiva a seus comandos legais, sendo obrigatoriamente, a exegese de seus dispositivos ampla.
9 In CARRAZA, Roque Antônio. Ob. Cit, p. 636. 10 Ob. Cit, p.634. 11 Ob. Cit, p.62.
15
(...).
Na Imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do conseqüente crédito, em face de sua substância fática está colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional. Independe, portanto, das vontades legislativas das competências outorgadas pela Lei Maior.” (Ives Gandra da Silva Martins)12
À evidencia das características identificadas neste
trabalho à imunidade tributária, esta pode ser definida como princípio
constitucional aplicável a todas às espécies de tributo, que como corolário de
valores constitucionais atinente à política de estado pétrea é imutável sem uma
situação revolucional e estabelece ao mesmo tempo uma norma de competência
tributária negativa ao poder instituído e um direito subjetivo público ao
contribuinte beneficiário, configurando-se em limitação ao poder de tributar, na
medida que impede o nascimento da obrigação tributária.
O mecanismo normativo das imunidades pode
apresentar no seu antecedente como hipótese imunizante fatos, bens ou situações
no que a doutrina classifica em imunidade objetiva; ou ainda, pessoas pela sua
natureza jurídica, quando se teria a imunidade subjetiva e por último uma situação
híbrida na chamada imunidade mista. Contudo, há que se consignar que a
imunidade sempre beneficia pessoas, ou seja, como sujeito beneficiado do
conseqüente sempre estará pessoas.
12 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário Nacional na Constituição de 1988. 5 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998, p.135.
16
Além da imunidade existem outras espécies
tributárias desonerativas que merecem ser distinguidas daquela, até para facilitar a
compreensão do seu conceito, assim, far-se-á a distinção da não incidência; isenção
e alíquota zero.
A não incidência tem estrutura material semelhante à
imunidade, haja vista que em ambas se quer há a formação da obrigação tributária,
porém, a diferença reside que na não incidência o poder tributante apesar de poder
fazer nascer a obrigação tributária simplesmente abdica do exercício de sua
capacidade e poderá a qualquer tempo por meio de ato legislativo próprio voltar
atrás da sua decisão fazendo cobrir a lacuna gerada, enquanto na imunidade existe
uma limitação ao poder tributante, ou seja o poder tributante não tem força alguma
de fazer impor a obrigação tributária.
A distinção axiológica entre os institutos é flagrante,
na imunidade há realização de um valor constitucional e na não incidência uma
mera decisão de governo.
Em relação à isenção a técnica tem semelhanças
com a da imunidade, na proporção que ao se descrever em sede de lei ordinária o
gênero das situações impositivas do tributo, seleciona espécies para declarar
isentas. A diferença entre os dois institutos reside que a isenção atua no campo do
exercício da competência e nesta nasce a obrigação tributária com a exclusão do
crédito tributário, enquanto, a imunidade atua no campo da definição de
competência e há a verdadeira limitação ao poder de tributar, impedindo o
nascimento da obrigação tributária. No campo axiológico tem-se a imunidade
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como expressão de valores constitucionais pétreos de estado e a isenção como
expressão de valores de política governamental.
Quanto à diferenciação da imunidade e da técnica da
alíquota zero é flagrante a distinção entre ambas pela própria natureza da segunda,
pois, nesta existem a obrigação tributária e o crédito tributário que são reduzidos à
expressão nula por decisão governamental.
Traçado o perfil conceitual, classificação, distinção
de institutos afins e a estrutura axiológica do princípio da imunidade tributária, há
condições de buscar-se a interpretação do artigo 195, §7º da Constituição, para
estabelecer o verdadeiro alcance deste dispositivo e a carga de valores que lhe
permeiam.
III. TEOR DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ARTIGO 195, §7º DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA.
III.I. HISTÓRICO.
A desoneração fiscal das entidades beneficentes de
assistência social das obrigações previdenciárias é fato histórico, motivado pela
própria origem da seguridade social no Brasil, guindada em ações da sociedade
18
civil organizada pelos ideais religiosos, tal acontecimento produziu no momento da
institucionalização da seguridade a opção legislativa pela concessão de benefícios
fiscais às entidades privadas assistenciais, até como reconhecimento de que estas
faziam ações de seguridade social antes mesmo do estado organizar o referido
sistema.
A institucionalização da Lei n.o 3.577, de 4 de julho
de 1959 cria bases para a isenção das entidades filantrópicas, verbis:
“Art. 1o Ficam isentas de taxa de contribuição de previdência aos Institutos e Caixa de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos, reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de suas diretorias não percebam remuneração.
Art. 2o As entidades beneficiadas pela isenção instituída pela presente lei ficam obrigadas a recolher aos Institutos, apenas, a parte devida pelos seus empregados, sem prejuízo dos direitos aos mesmos conferidos pela legislação previdenciária.”
O Decreto n.o 1.117, de 1o de junho de 1962, que
regulamentou a citada Lei n.o 3.577, de 1959, condicionou a isenção das
contribuições para os antigos institutos de pensão à obtenção do Certificado de
Entidade de Fins Filantrópicos, verbis:
“Art 1.º Compete ao Conselho Nacional de Serviço Social, certificar a condição de entidade filantrópica para servir de prova no Instituto de Previdência a
19
que estiver sujeita a Instituição beneficiária da isenção, prevista na Lei n.º 3.577, de 4 de julho de 1959.”
Essa situação jurídica permaneceu em vigor até
1977, quando as mencionadas normas foram então revogadas pelo Decreto-Lei N.o
1.572, de 1o de setembro de 1977, que estabeleceu o seguinte no artigo 1o:
“Art. 1º Fica revogada a Lei n.º 3.577, de 4 de julho de 1959, que isenta da contribuição de previdência devida aos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões unificados no Instituto nacional de Previdência Social - IAPAS, as entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos diretores não percebam remuneração.
§ 1º A revogação a que se refere este artigo não prejudicará a instituição que tenha sido reconhecida como de utilidade pública pelo Governo Federal até a data da publicação deste Decreto-Lei, seja portadora de certificado de entidade de fins filantrópicos com validade por prazo indeterminado e esteja isenta daquela contribuição.”
Portanto, as instituições filantrópicas que obtiveram
o registro e o Certificado de Entidade Fins Filantrópicos (CEFF) no então
Conselho Nacional do Serviço Social (CNSS) ficaram isentas das contribuições
sociais para a previdência. Cabe destacar, neste ponto, algumas particularidades
das mutações das naturezas jurídicas das contribuições sociais e também da
isenção.
20
O Código Tributário Nacional (CTN), instituído pela
Lei n.o 5.172, de 25 de outubro de 1966, abarcou também as contribuições
previdenciárias13, à época, devidas a cada instituto previdenciário. Assim, já não
mais se aplicava a isenção instituída pela Lei n.o 3.577, de 1959, porquanto
derrogada pelo artigo 14 do CTN, haja vista a subsunção dessas obrigações fiscais
aos artigos 3o e 4o do CTN, que definem a natureza jurídica do tributo em função
da compulsoriedade da versão dos recursos particulares ao erário independente da
nomenclatura da prestação pecuniária14.
13 A expressão contribuições previdenciárias é cientificamente correta no periodo anterior à atual Constituição da República e também posterior à promulgação da Emenda Constitucional N.o 20, de 12 de dezembro de 1998, pois nesses intervalos de tempo as contribuições sociais das empresas incidentes sobre a folha de salários eram destinadas exclusivamente ao institutos de previdência. Durante a vigência da nova Carta até a citada emenda as contribuições sociais para seguridade social a cargo das empresas foram dividas em três categorias (art. 195, I), quais sejam: Sobre o lucro, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sobre o faturamento, conhecida também como COFINS (contribuição social para financiamento da seguridade social) e por fim sobre a folha de salários, coloquialmente denominada de quota patronal. Essas contribuições sociais financiam a seguridade social, formada pela previdência, pela assistência social e pela saúde, segundo a previsão constitucional originária, daí não se poder falar de contribuições previdenciárias, porquanto o alcance da destinação dos valores tinha um conteúdo mais abrangente. 14 O Colendo Supremo Tribunal Federal firmou sólida jurisprudência de que as contribuições previdenciárias eram tributos até a
edição da Emenda Constitucional nº. 8, de 14 de abril de 1977: “Contribuições Previdenciárias. Conceituação. EMENDA N.o 8.
A Emenda Constitucional nº. 8 é tida, na jurisprudência da corte, como vertente de concepções diferenciadas sobre as
contribuições previdenciárias, antes e depois de seu advento, sendo admitido que, em data anterior, tinham conotação de tributo,
com suas implicações. Agravo Regimental Improvido.” ( AGRAG-103561/SP, Rel. Min. Rafael Mayer, in DJ 21/6/85, pág.
10.088, 1a Turma, por unanimidade).
A edição da Emenda Constitucional Nº. 8, de 1977, por disposição formal, tão-só, expressamente exclui da subsunção do artigo
3º do CTN as contribuições previdenciárias, razão esta pela qual não mais se tratava de obrigação exacional as referidas
contribuições e por via de conseqüência não se lhe mais aplicavam o CTN.
21
O Decreto-Lei N.o 1.572, de 1977, como assinalado,
posterior à Emenda Consticional n.o 8, de 1977, numerus clausus, manteve o
direito à isenção daquelas entidades filantrópicas que possuíam o registro e o
CEFF no ex-CNSS, além da declaração de utilidade pública federal. Essa norma
previa uma isenção haja vista a ausência de disposição constitucional limitadora do
poder de tributar.
Em outubro de 1988, com a promulgação da nova
Carta da República, as contribuições prevideniciárias transformaram-se em
contribuições sociais para seguridade social e novamente readquirem a
característica de tributos. Quanto à isenção, a mesma adquire ares constitucionais
conforme norma prevista no parágrafo 7o do artigo 195 da Constituição:
Art. 195. (...)
§7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
E na perspectiva de norma constitucional que se tem
ser analisado o texto do artigo 195, parágrafo 7o sob pena de distorcermos a
natureza do instituto ali delineado.
III.II. NATUREZA JURÍDICA DO INSTITUTO CONTIDO NO ART. 195, §7O DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
22
A redação do artigo 195, §7o da Constituição de
1988 produz um certo sentimento de dúvida sobre a natureza jurídica do instituto
desonerativo contido no seu comando, haja vista, o texto falar expressamente em
isenção.
Contudo, é preciso lembrar que a linguagem do
constituinte é marcada por imprecisões e lacunas, esta constatação é fruto da
própria composição heterogênea que o sistema democrático impõe. Os autores da
constituinte não foram apenas juristas, mas sindicalistas, trabalhadores rurais,
engenheiros, médicos, comerciantes, dentistas, industriais o que permite concluir a
ausência de exímia técnica jurídica em todo o texto.
Apesar do constituinte ter optado pela expressão
isentas, assinale-se que se está diante de uma imunidade. Não importa o nomen
iuris. A Lei Maior, embora tenha escrito “isentas”, quis dizer “imunes”.
O dispositivo constitucional em estudo traz uma
norma negativa de competência para a União, ente político autorizado à cobrança
das contribuições para a seguridade social, em implemento a política de estado de
seguridade social, como corolário da assistência social e fator de implementação
dos valores constitucionais daquela política pública.
A Constituição concede imunidade subjetiva às
entidades beneficentes de assistência social, para que elas pratiquem a política de
assistência social nos termos do artigo 203 da Magna Carta, sendo instrumentos de
uma ação de estado.
Por outro lado, as entidades filantrópicas são
beneficiárias de um direito subjetivo público que impede o nascimento da
23
obrigação tributária e constitui-se verdadeira limitação ao poder de tributar. Ora, a
exegese do art. 175 do Código Tributário Nacional, afasta a existência de isenção,
pois, esta se limita a excluir o crédito tributário, isso somente pode ocorrer após o
nascimento da obrigação e por meio de lei, no presente caso estar-se diante do não
nascimento da obrigação tributária concedida pela Constituição, para consecução
de valores desta, não restando dúvida que trata o texto de imunidade tributária
subjetiva.
O Supremo Tribunal Federal ao interpretar o
referido dispositivo reconheceu neste verdadeira imunidade tributária:
“A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei.”15
III.III. ALCANCE CONSTITUCIONAL OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 195, §7O
DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
O intuito do presente trabalho é analisar a condição,
ou não de cláusula pétrea do dispositivo constitucional em comento, portanto, os
24
elementos informadores normativos para a resposta ao objeto da investigação estão
contidos no texto constitucional.
Contudo, cabe situar a polêmica sobre qual
instrumento normativo seria legítimo (Lei ordinária ou Complementar) para
regulamentar o texto constitucional do pré-falado art. 195, §7º da Constituição, na
proporção que a caracterização da imunidade tributária como limitação ao poder
tributante, como já referida no presente texto, nos conduz a aplicação do disposto
no artigo 146, II da Constituição de 1988, que exige a forma de Lei Complementar
para regulamentar as limitações constitucionais ao poder tributante.
Agora é mister estabelecer qual o conteúdo de
princípios e valores constitucionais que a imunidade tributária pesquisada é
corolário. Para tanto é importante situar o contexto que se insere, identificando os
fundamentos constitucionais que criam o ambiente para os valores que vão se
cristalizar no capítulo da ordem social e permeiam o texto em comento.
O estado brasileiro formado a partir da Constituição
de 1988 adotou nos seus fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana
(art. 1º da Constituição) produzindo objetivos decorrentes destes fundamentos a
construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, inciso I da Constituição); a
erradicação da pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais (art.
3º, inciso III da Constituição) e a promoção do bem de todos sem qualquer
preconceito (art. 3º, inciso IV da Constituição).
15 Mandado de Segurança n.º 22.192-9 – Distrito Federal (Serviço de jurisprudência D. J. 19.12.96, Ementário 1855 –01, relator Ministro Celso de Mello).
25
Nesta perspectiva programática e principiológica o
sistema constitucional de 1988 adentra no título da ordem social (Título VIII),
estabelecendo como primado o trabalho e como objetivos específicos o bem-estar e
a justiça social. Ou seja, no título em tela há compromisso com os objetivos e
fundamentos do estado brasileiro mencionados no parágrafo anterior, o que
confirma a perspectiva constitucional como sistema e a vinculação do disposto
aqui com os valores principiológicos lá estabelecidos.
Traçada a missão da organização da ordem social no
estado que o texto constitucional desenha; passa-se a discorrer sobre a seguridade
social (capítulo II), tendo esta como um conjunto de ações de iniciativa dos
poderes constituídos e da sociedade no campo da saúde, previdência e assistência
social que tem como beneficiário a sociedade.
A tônica de todo o capítulo da seguridade social é a
presença da sociedade civil como gestor e beneficiário do sistema, a ponto de se
inserir nos objetivos desta o caráter democrático da sua gestão com a participação
de setores da sociedade conjuntamente com o governo.
A opção constitucional foi por uma política de
seguridade social com a participação da sociedade civil desde a gestão do sistema,
passando pelo financiamento e também como rede de distribuição dos serviços de
seguridade social.
É na perspectiva da seguridade social, inclusive
contida neste capítulo na seção das disposições gerais, que está inserido o disposto
no artigo 195, §7º da Constituição. A imunidade ali prevista é o mecanismo de
viabilizar a rede de assistência social mantida pela sociedade civil organizada
26
dentro da consecução da política de estado pensada pela Constituição para o
sistema de seguridade social, especificamente quanto à assistência social.
Portanto, quando contextualizado o debate sobre a
imunidade tributária como renúncia ou exclusão de receita para a previdência
social é distorção sistêmica, posto que, o escopo da imunidade é mais amplo e
engloba a política de seguridade social na sua perspectiva de rede de serviços de
assistência social, não se pode resumir o debate sobre a imunidade em questão ao
critério de arrecadação previdenciária.
O sujeito beneficiário da exoneração fiscal
constitucional é a entidade beneficente de assistência social, portanto, agente da
sociedade civil executor da política de assistência social, como bem deixa claro o
artigo 204, inciso I da Constituição:
“Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.” ( Grifos Editados).
27
Percebe-se que o caput do dispositivo supracitado
deixa claro a natureza de verba para a seguridade social da imunidade em comento,
ao afirmar que “As ações governamentais na área da assistência social serão
realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstas no art. 195”.
Ora, a desoneração fiscal estabelecida no §7º do dispositivo Constitucional em
estudo é verba para o desenvolvimento da assistência social, à evidência, para
realização de políticas de estado por meio de entidades da sociedade, tanto é assim,
que sua previsão está situada dentro do artigo 195 da Constituição, dispositivo que
se detém sobre a arrecadação e organização orçamentária da seguridade social
como o todo.
A missão dos sujeitos beneficiários da referida
imunidade está expressa no rol de objetivos da assistência social, explicitamente
descritos no artigo 203 da Constituição, verbis:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
28
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.
Assim, percebe-se que pela perspectiva traçada na
Magna Carta para a missão das entidades beneficentes de assistência social, estas
carregam no exercício de sua atividade “medidas protetivas dos hipossuficientes
(...) voltada para a redução – quando não eliminação – de desigualdades, carências
e injustiças. (...) Tais entidades coadjuvam o Poder Público no atendimento aos
interesses coletivos. Melhor dizendo, avocam atribuições que são típicas do
Estado”.16
Entretanto, a identificação do alcance subjetivo da
imunidade em comento, carece de uma distinção em relação ao sujeito da
imunidade do artigo 150, VI, “c”, que institui a imunidade de impostos sobre
patrimônio renda ou serviços das “instituições de assistência social”, que no
acertado magistério de Ives Gandra da Silva Martins17 interpreta como
destinatários desta última desoneração constitucional a denominadas entidades de
assistência social lato sensu, ou seja, aquelas que praticam atividades ligadas ao
conceito de seguridade social, abrangendo atividades de assistência social strictu
sensu, saúde e previdência social.
Já os sujeitos da imunidade tributária prevista no
artigo 195, §7º da Constituição abrangeria as chamadas entidades de assistência
social strictu sensu, aquelas que como já exposta perseguem os objetivos do pré-
16In CARRAZA, Roque Antônio. Ob. Cit, p. 740.
29
mencionado artigo 203 da Constituição. No esteio do raciocínio constitucional aqui
desenvolvido pode-se construir o silogismo que toda entidade que goza da
imunidade das contribuições para a seguridade social também possui condições
subjetivas de ser beneficiária da imunidade de impostos das entidades assistenciais
em sentido amplo, já a afirmação contrária não se verifica, haja vista, a presença
nesta última categoria de instituições daquelas com compromissos exclusivos com
previdência e saúde.
O compromisso das instituições sujeitas da
imunidade de contribuições sociais com os objetivos da assistência social é algo
marcante na sua identificação constitucional, sendo este o seu adjetivo
diferenciador, que qualifica o substantivo entidade beneficente sobre o qual cabe
agora fechar o foco da presente investigação.
José Eduardo Sabo Paes18 em vistosa obra sobre
entidades de interesse social traz duas definições importantes para se compreender
o que seja entidades beneficentes, as quais transcreve-se:
“Entidades sem fins lucrativos ou entidades beneficentes são aquelas que buscam interesses de outrem ou atuam em benefício de outrem que não a própria entidade ou os que a integram.”
“Entidade filantrópica é aquela que atua em benefício de outrem com dispêndio de seu patrimônio, sem contrapartida ou, em outras palavras pelo atendimento sem ônus direto do beneficiado.”
17 Ob. Cit. p. 133. 18 PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 2ª ed. ver. Atual e ampl. Brasília: Brasília Jurídica, 2000. p. 419.
30
Os conceitos de entidades beneficentes e
filantrópicas devem ser trabalhados juntos, em face da grande confusão que a
legislação ordinária19, parte da doutrina20 e jurisprudência realiza, devendo se
estabelecer entre ambos a relação entre gênero e espécie, onde, o conceito de
entidade beneficente englobaria o de entidade filantrópica, e não seria requisito
essencial a esta a realização de atividades sem contrapartida.
Desenhado o perfil subjetivo da imunidade em
estudo, faz-se necessário o último retoque sobre este quadro, para concordando
com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal afirmar que o conceito de
entidade beneficente de assistência social em comento comporta a existência de
entidade beneficente de saúde e de educação21. Desde que as entidades
educacionais e de saúde se insiram no escopo da assistência social traçado pelo
artigo 203 da Constituição, não há óbices ao meio de atuação da referida política
de estado.
Ademais, quanto às entidades de saúde o próprio
artigo 199, §1º prevê a possibilidade de atuação no Sistema Único de Saúde das
entidades privadas que sejam beneficentes de assistência social.
O alcance subjetivo da imunidade das contribuições
sociais cria mecanismos de produção dos valores constitucionais da assistência
19 A Lei nº 9.732/1998 entre as muitas inconstitucionalidades que produziu criava a idéia de que a imunidade das contribuições só poderia ser gozada por entidades filantrópicas, que agissem sem qualquer contrapartida, criando para as entidades beneficentes a absurda idéia de imunidade parcial, felizmente o Plenário do STF, no dia 11/11/99 referendou a concessão de liminar, dada na ADIN 2.028-5 e suspendeu a eficácia de dispositivos da referida Lei. 20 Celso Barroso Leite em sua obra filantropia e contribuição social (São Paulo: LTr, 1998.) faz uma inversão dos conceitos e a partir daí conclui que a partir da Constituição de 1988 só poderiam gozar da isenção do artigo 195, §7º da Constituição (SIC) as entidades beneficentes de assistência social, não tendo este direito as chamadas entidades filantrópicas, conclusão inteiramente equivocada, posto que toda filantrópica é por definição entidade beneficente. 21 ADIN 2.036-6.
31
social, objetivamente protegidos no mecanismo imunizatório, a ponto de se afastar
deste qualquer qualificação de mero privilégio fiscal, mas antes disso um corolário
de construção de uma ordem social justa e que promova o bem estar do cidadão.
À evidência, os valores intrínsecos do artigo 195,
§7º da Constituição Cidadã elevam este dispositivo a categoria de direitos e
garantias individuais. Direito e garantia na perspectiva de estabelecer ao cidadão a
possibilidade de contar com uma rede de serviços de assistência social mais ampla,
a qual ele como sujeito da ordem social possa ser usuário ou gestor, mas que
definitivamente seja parte viva da política de estado de assistência social.
Numa primeira visão, qualificado o dispositivo
constitucional em comento como direito e garantia individual é mister se debruçar
sobre este conceito para responder a pergunta focal deste trabalho, qual seja: sobre
a possibilidade de emenda constitucional suprimir a imunidade do artigo 195, §7º
da Constituição, ante a sua possível capitulação como cláusula pétrea nos termos
do artigo 60, §4º, inciso IV do texto Magno.
Contudo, antes de adentrar-se na questão da
interpretação da cláusula pétrea que se especula, a prudência determina que se
revise o Sistema Constitucional Brasileiro de reforma da Lei Magna, para se obter
assim um caminho mais célere e seguro às respostas buscadas.
IV. O PROCESSO DE ALTERAÇÃO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E AS
CLÁUSULAS PÉTREAS.
32
A hodierna Constituição brasileira ao prever a
possibilidade de reforma do seu texto por meio de processo legislativo que exige
quorum maior que o do processo de elaboração de leis infraconstitucionais adotou
como modelo a de uma Constituição rígida, seguindo a tradição constitucional
brasileira, à exceção da Carta de 1937, que tinha caráter dúplice ( pois a emenda
sugerida pelo Presidente era submetida a processo ordinário, portanto, flexível),
sempre adotou a sistemática constitucional rígida.
A possibilidade de alteração no texto constitucional
não pode representar na desintegração do sistema constitucional, ou a negativa dos
valores constitucionais básicos, ou seja, a emenda à constituição serve para alterar
o texto desta, mas não para mudar o seu sentido sistêmico, não é escopo da emenda
criar valores estatais que neguem o pensamento do constituinte originário.
A sistemática de reforma constitucional é
mecanismo garantidor de atualização da Constituição aos novos valores sociais,
mas por outro lado é um freio ao pensamento revolucionário do sistema que ela
impõe. A ordem constitucional não pode sem uma revolução alterar sua sistemática
e negar os valores estatais esculpidos no texto magno.
Para garantir que valores revolucionários sejam
absorvidos pela Constituição de forma pacífica e dentro da sua sistemática de
emendas, foram criados limites ao poder constituinte derivado que se manifestam
de forma expressa em fronteiras de exercício formal, circunstancial e material e de
forma implícita.
As limitações à reforma constitucional implícitas são
aquelas derivadas das limitações expressas e constituiriam seu mecanismo de
33
garantia, deduzidas para impedir a alteração do titular do poder constituinte
reformador, assegurando a este poder nem menor nem maior do que o designado
pelo constituinte originário e ainda que nenhuma outra figura constitucional poderá
exercer tal prerrogativa. O outro limite implícito que se impõe ao nosso sistema de
emenda constitucional é a impossibilidade de supressão das limitações
constitucionais expressas, logo, não pode existir emenda à Constituição que
suprima limites formais, circunstanciais e materiais ao processo de emenda.
As limitações constitucionais circunstanciais não
devem ser confundidas com as chamadas limitações temporais, pois esta segunda
não tem previsão na atual sistemática e consiste em garantir que por interregno de
tempo designado no texto magno original não poderá ser promovida emenda à
constituição. A limitação circunstancial na carta em vigor está expresso no artigo
60, §1º, que assevera “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de
intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.
As limitações formais à emenda constitucional são
aquelas que traçando regras procedimentais impossibilitam a alteração da
Constituição fora da forma traçada. As limitações de forma se expressam na
iniciativa da proposta (artigo 60, incisos I a III da Constituição), na deliberação do
parlamento e forma de promulgação (artigo 60, §2º e §3º da Constituição) e ainda
criando barreira para que emenda rejeitada não seja apreciada na mesma sessão
legislativa que a rejeitou (artigo 60, §5º da Constituição).
A forma da emenda constitucional cria um roteiro de
produção legislativa mais rígido com duas votações em cada uma das casas do
congresso, com quorum de aprovação de três quintos dos votos do parlamento e
34
garantem ao poder legislativo a condição de detentor exclusivo do poder
constituinte derivado ao depositar sobre seu monopólio a promulgação da emenda
constitucional sem manifestação do executivo e sem apreciação prévia do
judiciário, que só se manifestará em controle de constitucionalidade.
Há que se registrar que o artigo 3º dos Atos e
Disposições Constitucionais Transitórias previu a revisão constitucional, a qual foi
realizada em sessão unicameral, sendo as emendas revisoras aprovadas por maioria
absoluta, havendo esta se encerrado em 7 de junho de 1994.
A última limitação ao poder constituinte derivado é
a que vai interessar diretamente aos objetivos deste trabalho, pois é nas limitações
materiais à emenda constitucional que se encontra o conceito de cláusula pétrea.
Alexandre de Moraes22 leciona que as “limitações expressas materiais são o núcleo
intangível da Constituição”, ou seja, é o garantidor do “DNA” constitucional, que
deve ser imutável sob pena de se revogar a própria constituição.
As limitações materiais ao processo de reforma
constitucional estão inseridas no dispositivo do artigo 60, §4º da Constituição,
verbis:
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
22 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:Atlas, 2002. p. 1085.
35
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Nesse diapasão, qualquer tentativa de mudança
constitucional que tente abolir direitos constitucionais garantidores dos valores
supra referidos estarão sujeitos a controle de constitucionalidade pelo STF, sendo
esta a única hipótese de norma constitucional inconstitucional admitida pelo nosso
Pretório Excelso.23
Quanto à afirmativa sustentada por parte da doutrina
constitucionalista24 que emenda constitucional poderia alterar o rol de cláusulas
pétreas, resumindo assim a garantia de cláusula pétrea à necessidade de uma
reforma constitucional dupla, primeiro para excluir a garantia de cláusula pétrea
depois para atingir o direito que se quer modificar, reconhecendo o quilate dos
pensadores jurídicos que a sustentam, parece equivocado tal raciocínio, pois na
verdade estar-se diante de um limite à emenda constitucional implícito e expresso
ao mesmo tempo.
Na primeira forma, o limite à emenda constitucional
se verifica na necessidade de preservação do sentimento de imutabilidade que o
poder constituinte originário cristalizou, nessa direção, não se pode admitir se quer
a ampliação do rol de cláusulas pétreas, pois só o poder constituinte originário tem
23 “É juridicamente possível o controle abstrato de constitucionalidade que tenha por objeto emenda à Constituição Federal quando se alega a violação de cláusulas pétreas inscritas no artigo 60, § 4º , da CF. Precedente Citado: ADI 939-DF (RTJ 151/755)” ( in MORAES, Alexandre de. Ob. Cit. p. 1082). 24 Como Manoel Gonçalves Ferreira Filho e o português Jorge Miranda.
36
legitimidade para definir o núcleo intangível da constituição, já que respeitando os
direitos humanos este tudo pode e o poder dele derivado, numa perspectiva de
estado de direito, tem que se limitar ao espaço concedido pelo primeiro poder.
Na perspectiva de limitação expressa a
impossibilidade de supressão de cláusula pétrea do rol do artigo 60, § 4º da
Constituição verifica-se pelo raciocínio tautológico a primeira cláusula daquelas
protegidas pelo rol do mencionado dispositivo são elas mesmas, sendo impossível
reformá-las sem incorrer em incostitucionalidade material.
O tema das cláusulas pétreas em face da relevância
para o presente estudo carece de uma maior reflexão histórica e conceitual para que
se tenham subsídios à interpretação do objeto da investigação, sendo este o
próximo e ponto final do presente trabalho, seguindo-se a apresentação das
conclusões.
37
IV.I. NOTÍCIA HISTÓRICA E CONTEÚDO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS.
As limitações materiais ao poder constituinte
reformador tem sua origem na própria idéia de Estado Federal, que por essência,
tem no texto Constitucional a realização da aliança eterna entre as diversas
unidades federadas. O estado federal é uma criação da teoria constitucional, tendo
por desafio formar a União dos estados membros e garantir a estes a sua
sobrevivência e capacidade de administrar-se com autonomia, fazendo existir
esferas nacionais e locais de poder e garantindo a participação de representantes
dos membros na condução política da União.
Entretanto, a constituição originadora da federação
precisa garantir aos membros que a compõe a certeza de que as regras vão se
manter inalteradas.
A lógica federal constitucional faz surgir a idéia de
cláusula pétrea, que se manifesta na primeira Constituição Moderna, a Magna
Carta norte-americana de 1787, que previu a impossibilidade de alteração na
representação paritária dos Estados-membros no Senado Federal.
No Brasil, já na Constituição Republicana de 1891
em seu art.90 consignava-se como cláusula pétrea a República Federativa e a
igualdade dos Estados no Senado Federal.
38
O hodierno texto da Constituição estabelece como
cláusulas imutáveis a forma federativa de Estado; o voto secreto; universal e
periódico; a separação dos poderes; os direitos e garantias individuais.
A nítida ampliação dos valores constitucionais
eleitos para o núcleo intangível da Constituição de 1988 é fruto do processo
histórico que precedeu a Constituinte de 1987, teve força marcante na formação
dos valores sacralizados pela neo-constituição, numa origem a contrário senso da
realidade anterior, fazendo os valores democráticos (esculpidos no voto secreto;
universal e periódico e na da separação dos poderes) e de garantia da cidadania (
representados na acepção direitos e garantias individuais) unir-se ao princípio da
federação (tradicional componente do rol de cláusulas constitucionais inalteráveis)
para compor as atuais cláusulas pétreas, só modificáveis em situação revolucional.
Desta forma, o rol do artigo 60, §4º da Constituição
traz um conteúdo histórico axiológico de negação de mais de vinte anos de
ditadura militar e de garantia que a sociedade brasileira não viverá mais tempos de
estado de exceção e de desrespeitos à cidadania, marcado pela imobilidade e não
participação da sociedade civil nos grandes problemas de um país amordaçado por
um regime autoritário.
O atual quadro constitucional exige a abrangência da
interpretação do conteúdo das cláusulas pétreas, realizado a partir da expressão
“tendente”, ou seja, há de ser uma interpretação ampliativa, até pelo fato de se estar
resguardando direitos. José Afonso da Silva25 leciona que:
25 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 8.ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 61.
39
“É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: “fica abolida a federação ou a forma federativa de Estado”, “fica abolido o voto direto...”, “passa a vigorar a concentração de Poderes”, ou ainda “fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação..., ou o habeas corpus, o mandado de segurança...”. A vedação atinge também a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emendas tendentes, diz o texto), para a sua abolição.”
Os instrumentos constitucionais de garantia dos
valores adjetivados como cláusula pétreas, por mais indiretos que sejam, em sua
relação com aqueles valores, tem a proteção da imutabilidade na ordem vigente,
pois, está satisfeito o antecedente da norma limitadora apenas na tendência.
Com base na premissa precedente há que se avançar
no conteúdo do disposto no artigo 60, §4º da Constituição para verificar se há
subsunção da imunidade investigada aos incisos relacionais de cláusula pétrea.
Desde já, concordando com Américo Lacombe26,
conclui-se que para efeitos de análise de conteúdo de imunidades tributárias só
dois dos incisos do artigo 60, §4º da Carta de 1988 vão interessar, quais sejam: o
relativo a forma federativa de estado (inciso I) e os direitos e garantias individuais
(inciso II).
26 Ob. Cit. p. 110.
40
No caso da imunidade prevista no artigo 195, §7º da
Constituição os valores sedimentados apontam para consecução do objetivo de
promoção da dignidade da pessoa humana, materializada nos escopos da
assistência social (artigo 203 da Carta de 1988), tendo, portanto, mais que uma
tendência, um compromisso com a garantia e direitos individuais, fato que se
reforça pela limitação ao poder tributante que por definição às imunidades
assumem, o que conduz a conclusão de ser a referida imunidade cláusula pétrea.
Porém, para sedimentar a afirmativa final desta pesquisa, cabe estudar o sentido de
direitos e garantias individuais na Constituição de 1988.
IV.II. DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.
O tema dos direitos e garantias individuais é no
Constitucionalismo um dos seus propulsores, desde da Revolução Francesa, a
declaração de Direitos do Homem e do Cidadão estabelece a presença deste
capítulo como condição sine qua non para a promulgação de Constituição. O
conteúdo dessa declaração de direitos em favor dos indivíduos, que seriam
superiores ao poder que os concedeu tem se ampliado de acordo com a evolução
das lutas sociais.
No primeiro momento, diante de um estado
absolutista, em que a figura do rei se confundia com o estado, no qual os
indivíduos viviam oprimidos em suas liberdades, a declaração de direitos tem por
41
escopo negar a opressão, garantir as liberdades individuais. Superada essa primeira
fase, o quadro social passa a ser de um capitalismo selvagem, explorador e criador
de uma situação de miséria na maioria da sociedade, então, cria-se a idéia de
direitos e garantias individuais de repercussão social e econômica.
Por último, na sociedade atual onde os recursos
naturais começam a ficar escassos, onde a paz entre os povos é condição de
sobrevivência da espécie e que há uma necessidade de proteção do patrimônio da
humanidade, começa a existir uma terceira geração de direitos e garantias
individuais identificadas com a solidariedade humana.
O conceito de direitos individuais alterou-se ao
longo do tempo e da geografia de acordo com a amplitude de seu conteúdo, mas
está intrinsecamente ligado a idéia de direitos humanos e cidadania, sendo a sua
acepção mais atual aquela que os identifica com a declaração de direito que
assegura ao homem além das liberdades (política, religiosa, empresarial,
associativa, de locomoção, de pensamento, de profissão, de ação e sindical);
segurança jurídica (devido processo legal, legalidade, igualdade, ampla defesa,
presunção de inocência, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada e garantias em processo penal ) e propriedade; também garantem ao
cidadão condições de sobrevivência econômica em uma ordem social justa e
solidária.
Ou seja, ao lado dos direitos que impõe ao Estado
limitações, uma postura de não fazer, há que se reconhecer no âmbito dos direitos
individuais um rol de determinações positivas para o Estado, consubstanciada
numa rede de serviços públicos que garantam o primado do bem – estar e da justiça
42
social. Essa nova concepção de direitos do cidadão encontrou guarida desde a
Constituição mexicana de 1917, passando pela alemã de Weimar (1919).
No Brasil a ampliação do conceito de direitos
individuais passou a vigorar na Constituição de 1934, sendo que na atual
Constituição a força dos direitos econômicos e sociais os faz materializar-se em
títulos próprios, sendo o Título VII dedicada a ordem econômica e o Título VIII a
ordem social, estando em alguns dispositivos destes títulos presentes os direitos e
garantias individuais econômicos e sociais.
É oportuno salientar que o sistema constitucional
brasileiro adota o mecanismo de declarar direitos e criar mecanismos de garantias a
estes, assim, as garantias são “barreiras erigidas para proteção dos direitos
consagrados”27 não se confundem com os remédios constitucionais pois estes
buscam corrigir e as garantias prevenir a burla aos direitos individuais.
A noção de garantias de direitos individuais nos
remete ao mecanismo das imunidades tributárias que como normas negativas de
competência são originadoras de direito subjetivo público e limitadora do poder
tributante. Ontologicamente as imunidades são garantias constitucionais, assim,
pode-se afirmar que toda imunidade tributária é em si mesma uma cláusula pétrea,
na medida que é garantia de direito subjetivo público.
A afirmativa precedente já permite concluir que o
disposto no artigo 195, §7º da Carta de 1988 é cláusula pétrea, no silogismo que
sendo a imunidade tributária garantia de direito individual estaria subsumida ao
27 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 251.
43
previsto no inciso IV, artigo 60, §4º da Constituição. Nesta perspectiva, Roque
Antônio Carraza28 asseverou com muita propriedade que “Nem a emenda
constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na
Constituição”.
Porém, não se pode olvidar que as imunidades
tributárias carregam valores constitucionais os quais são corolários, assim, torna-se
relevante fazer a análise se o axioma da imunidade em análise é no mérito valor
digno de cláusula pétrea.
Nesta perspectiva, cabe salientar que o rol dos
direitos individuais não se limita ao artigo 5º da Constituição estando espalhados
por todo texto da Magna Carta29, especialmente no título da ordem social, que está
recheado de direitos à cidadania de segunda geração.
Em conclusão é mister responder ao questionamento
motor deste trabalho, se existe no artigo 195, §7º da Constituição valor corolário de
direito individual. A resposta a essa indagação passa pelo entendimento do
mecanismo de funcionamento da imunidade ali prevista.
O referido artigo concede as entidades beneficentes
de assistências uma imunidade tributária, um direito subjetivo público a ser
exercido contra a União Federal, sendo também uma garantia que esta não vai
cobrar as contribuições sociais daquelas. Por outro lado, a instituição beneficiária
da imunidade tributária tem o dever de prestar serviços assistenciais (nos termos
28 Ob. Cit, p. 639.
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dos objetivos traçados pelo artigo 203 da Constituição) a quem dela precisar no seu
campo de atividades, ou seja, cria-se para o cidadão carente um direito subjetivo
aos serviços prestados pela instituição beneficente.
Então há direitos individuais de duas ordens, o
primeiro de natureza de garantia contra o poder tributante exercido pela entidade
imune e o segundo a rede de assistência social de iniciativa privada, que tem como
beneficiário o cidadão carente. O primeiro tipo de direito individual já foi referido
ao se identificar a imunidade tributária como garantia de direito, fato que
isoladamente já qualifica o dispositivo como cláusula imutável da atual
Constituição.
O segundo tipo de direito individual originado pela
imunidade em comento está diretamente relacionada aos fundamentos
constitucionais da dignidade da pessoa humana e aos objetivos estatais de
construção de uma sociedade justa e solidária que busque a erradicação da pobreza,
da marginalização, da redução das desigualdades sociais e produza uma ordem
social com fulcro no trabalho, no bem-estar e justiça social, a partir da colaboração
da sociedade civil organizada. Eis um direito subjetivo do cidadão a promessa
constitucional de dignidade da pessoa humana, autêntico direito individual de
caráter econômico e social.
Portanto, também pelos valores econômicos e
sociais que a imunidade do artigo 195, §7º da Constituição carregam há que se
29 Saliente-se que o §2º do artigo 5º da Constituição ressalva a existência de direitos e garantias implícitos oriundos dos princípios constitucionais adotadas por ela e até em face de tratados internacionais que o Brasil seja signatário.
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reconhecer nestes cláusulas pétreas, em face do disposto no artigo 60, §4º, inciso
IV da Constituição30.
V. CONCLUSÕES.
A noção da história norte-americana de imunidade
trouxe, a partir do caso McCulloch x Mariland, duas idéias centrais definidoras do
conceito deste instituto tributário, quais sejam: a idéia de que a imunidade deriva
de um valor constitucional que se pretende proteger e ela é uma limitação
constitucional ao poder dos entes federados.
A imunidade tributária antes de ser meio negativo de
definição de competência tributária é instrumento para a consecução de valores
constitucionais.Não se pode negar o caráter de limitação ao poder de tributar que a
imunidade possui, o valor constitucional a ser protegido antecede a própria forma
constitucional, estando palpitante na idéia política vigente no período pré-
constitucional e o instituto criar direito subjetivo público do seu destinatário.
A imunidade tributária é princípio constitucional
aplicável a todas às espécies de tributo, que como corolário de valores
constitucionais atinente à política de estado pétrea é imutável sem uma situação
revolucional e estabelece ao mesmo tempo uma norma de competência tributária
30 O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIN nº 939-7/DF, relator Min. Sydnei Sanches, reconheceu a inconstitucionalidade material da Emenda Constitucional nº 3 e da Lei Complementar nº 77/93, relativa à criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, em face do desrespeito entre outras a imunidade tributária
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negativa ao poder instituído e um direito subjetivo público ao contribuinte
beneficiário, configurando-se em limitação ao poder de tributar, na medida que
impede o nascimento da obrigação tributária.
A imunidade tributária prevista no artigo 195,
parágrafo 7o da Constituição tem suas origens históricas na isenção trazida pela Lei
n.o 3.577, de 4 de julho de 1959. Com a promulgação da nova Carta da República,
as contribuições prevideniciárias transformaram-se em contribuições sociais para
seguridade social e novamente readquirem a característica de tributos. Quanto à
isenção, a mesma adquire ares constitucionais.
Apesar do constituinte ter optado pela expressão
isentas, assinale-se que está-se diante de uma imunidade. A constituição concedeu
estar-se imunidade subjetiva às entidades beneficentes de assistência social, para
que elas pratiquem a política de assistência social nos termos do artigo 203 da
Magna Carta, sendo instrumentos de uma política de estado. Por outro lado, as
entidades filantrópicas são beneficiárias de um direito subjetivo público que
impede o nascimento da obrigação tributária e constitui-se verdadeira limitação ao
poder de tributar. O Supremo Tribunal Federal ao interpretar o referido dispositivo
reconheceu neste verdadeira imunidade tributária.
O estado brasileiro formado a partir da Constituição
de 1988 adotou nos seus fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana
(art. 1º da Constituição) e como objetivos decorrentes destes fundamentos a
construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, inciso I da Constituição); a
erradicação da pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais (art.
prevista no artigo 150, III, “c”, incluídas aí as entidades de assistência social, num claro reconhecimento que esta
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3º, inciso III da Constituição) e a promoção do bem de todos sem qualquer
preconceito (art. 3º, inciso IV da Constituição).
A ordem social (Título VIII), estabelece o primado
do trabalho e como objetivos específicos o bem-estar e a justiça social.
A seguridade social (capítulo II) na Constituição de
1988 é um conjunto de ações de iniciativa dos poderes constituídos e da sociedade
no campo da saúde, previdência e assistência social que tem como beneficiário a
sociedade, tendo como fator marcante, a presença da sociedade civil como gestor e
beneficiário do sistema.
A imunidade do artigo 195, §7º da Constituição é o
mecanismo de viabilizar a rede de assistência social mantida pela sociedade civil.
O sujeito beneficiário da exoneração fiscal constitucional é a entidade beneficente
de assistência social, portanto, como bem deixa claro o artigo 204, inciso I da
Constituição.
A missão dos sujeitos beneficiários da referida
imunidade está expressa no rol de objetivos da assistência social, explicitamente
descritos no artigo 203 da Constituição.
O alcance subjetivo da imunidade em comento,
carece de uma distinção em relação ao sujeito da imunidade do artigo 150, VI, “c”,
pois esta última refere-se as entidades de assistência social lato sensu, já os
sujeitos da imunidade tributária prevista no artigo 195, §7º da Constituição
abrangeria as chamadas entidades de assistência social strictu sensu. Toda
entidade que goza da imunidade das contribuições para a seguridade social também
imunidade semelhante a objeto do presente estudo é cláusula pétrea.
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possui condições subjetivas de ser beneficiária da imunidade de impostos das
entidades assistenciais em sentido amplo, já a afirmação contrária não se verifica.
O conceito de entidades beneficentes e filantrópicas
possui relação entre gênero e espécie, onde, o conceito de entidade beneficente
englobaria o de entidade filantrópica, e não seria requisito essencial a esta a
realização de atividades sem contrapartida. As entidades beneficentes podem ser
educacionais e de saúde
A possibilidade de alteração no texto constitucional
não pode representar na desintegração do sistema constitucional. Assim, há limites
ao poder constituinte derivado que se manifestam de forma expressa em fronteiras
de exercício formal, circunstancial e material; e de forma implícita.
As cláusulas pétreas são limitações materiais à
emenda constitucional é o garantidor do “DNA” constitucional, estão inseridas no
dispositivo do artigo 60, §4º da Constituição, e são : a forma federativa de Estado;
o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e
garantias individuais.
Qualquer tentativa de mudança constitucional que
tente abolir direitos constitucionais garantidores dos valores supra referidos estarão
sujeitos a controle de constitucionalidade pelo STF, sendo esta a única hipótese de
norma constitucional inconstitucional admitida pelo nosso Pretório Excelso.
Não se pode admitir a ampliação do rol de cláusulas
pétreas, pois só o poder constituinte originário tem legitimidade para definir o
núcleo intangível da constituição. Ademais, a impossibilidade de supressão de
cláusula pétrea do rol do artigo 60, § 4º incorreria em incostitucionalidade material.
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O antecedente da norma instituidora de cláusulas
pétreas está satisfeito na expressão tendente.
Para efeitos de análise de conteúdo de imunidades
tributárias só dois dos incisos do artigo 60, §4º da Carta de 1988 vão interessar,
quais sejam, o relativo a forma federativa de estado (inciso I) e os direitos e
garantias individuais (inciso II).
No caso da imunidade prevista no artigo 195, §7º da
Constituição os valores sedimentados apontam para consecução do objetivo de
promoção da dignidade da pessoa humana, materializada nos escopos da
assistência social, tendo compromisso com a garantia e direitos individuais, fato
que se reforça pela limitação ao poder tributante que por definição às imunidades
assumem, o que conduz a conclusão de ser a referida imunidade cláusula pétrea.
O conceito de direitos individuais está
intrinsecamente ligado à idéia de direitos humanos e cidadania, sendo a sua
acepção mais atual, adotada pela Constituição Brasileira de 1988, identificando-os
com a declaração de direito que assegura ao homem as liberdades; segurança
jurídica; propriedade e também condições de sobrevivência econômica em uma
ordem social justa e solidária.
Toda imunidade tributária é em si mesma uma
cláusula pétrea, por ser garantia contra o poder tributante, fato que já permite
concluir que o disposto no artigo 195, §7º da Carta de 1988 é cláusula pétrea.
Também pelos valores econômicos e sociais que a
imunidade do artigo 195, §7º da Constituição carregam há que se reconhecer nestes
cláusulas pétreas, em face do disposto no artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição.
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