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O AUMENTO DA PRODUÇÃO FRIGORÍFICA DE AVES NO OESTE E SUDOESTE
DO PARANÁ ENTRE AS DÉCADAS DE 1970 a 2010: algumas reflexões.
Rinaldo José Varussa1
Eixo temático: CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS
RESUMO: este texto visa discutir o processo de ampliação da produção industrial da avicultura de
corte no Oeste e Sudoeste do Paraná, levando em conta a presença das cooperativas agroindustriais
neste setor. Partindo de um levantamento estatístico desta produção e dialogando com parte da
bibliografia atinente à temática, notadamente a produzida regionalmente, o trabalho pretende apontar
alguns aspectos referentes às dinâmicas vividas pelos trabalhadores, principalmente com relação à
identificada e conceituada, pelo setor empresarial, “rotatividades da mão-de-obra”.
PALAVRAS-CHAVE: frigoríficos de frango; industrialização e cooperativas; trabalhadores e
rotatividade da mão-de-obra
1 INTRODUÇÃO
Em 1975, a produção de carne de frangos no Brasil, totalizava 534 mil toneladas, o
que colocava o país na sexta colocação, correspondendo a 3,3% da produção global que se
aproximava, então, de 16,4 milhões de toneladas. O maior produtor, então, eram os EUA, com
3.911 mil toneladas, perfazendo 23,9% na sua participação mundial.2
Naquele momento, a configuração nacional daquela produção apresentava o Estado de
São Paulo como principal produtor, contribuindo com 46,6%, seguido de longe pelos Estados
1 (UNIOESTE – [email protected] )
2 Com base em dados da Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAOSTAT), capturados no
sitio http://faostat.fao.org/, em 23/05/2011.
de Santa Catarina (15,5%), Minas Gerais (12,7%) e Rio Grande do Sul (7,6%), somente então
apareceria o Estado do Paraná, ocupando a quinta posição com 3,9 % de participação.3
Numa redução de escala, o quadro I abaixo apresenta o ranque dos 14 principais
abatedouros de aves do país, no ano de 1978, que permitia certa reprodução dos coeficientes
de participação dos estados na produção nacional apresentados acima.
Quadro 1. Capacidade de abate de aves no Brasil, 1978 – maioresempresas
Empresa Produção (em milhões de
cabeças)
Sadia* (SC) 72
Perdigão* (SC) 70,8
Granjas Rezende (MG) 62,4
Cooperativa Cotia (SP) 36
Cargil (SP) 24
Abatedouro Louveira (SP) 24
Pena Branca (SP) 24
Rio Branco (MG) ** 24
Granja Betinha (SP) 18
Coopave (RS) 16,8
Minuano (RS) 16,8
Granjas Ito (SP) 14,4
Seara (SC) 12
Só Frango (DF) 6
Fonte: LIMA (1984)
Obs.: os valores originais da tabela construída por Lima (1984),
que apresentavam uma produção mensal, foram multiplicados
por 12, visando à produção anual.
Obs.2: a sigla do estado à frente do nome da empresa refere à
localização da matriz.
(*) o conjunto dos frigoríficos da empresa
(**) Nome fantasia “Pif-Paf”.
Pouco mais de três décadas foram suficientes para mudanças expressivas no panorama
acima descrito.
É em relação a estas mudanças e a participação das cooperativas agroindustriais no
Oeste e Sudoeste do Estado do Paraná, bem como a algumas situações e dinâmicas vividas
pelos trabalhadores que este artigo busca elencar e discutir.
2 AUMENTO DA PRODUÇÃO PARANAENSE E PARTICIPAÇÃO DAS
AGROINDÚSTRIAS NO OESTE E SUDOESTE
Em 2010, num universo em que a produção global de carne de frango saltara para
75,99 milhões de toneladas, multiplicando quase que por cinco os valores de 19754, a
3 Dados do Instituto de Economia Agrícola e do Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, apud
SORJ, B. et alli (2008), p.36.
produção brasileira apresentava-se como a terceira maior do mundo, totalizando 12.230
milhões de toneladas ou 16,09 % da produção mundial, encostando, neste ranque, na China,
segundo maior produtor com 12.550 milhões de toneladas (16,71% de participação global).
Os EUA mantinham a liderança com 16.648 milhões de toneladas, com 21,79 % da produção
mundial5.
Igualmente na configuração nacional, ocorreu uma mudança significativa na
participação produtiva dos estados. O Estado do Paraná saltara para a primeira posição com
27,77% da produção, seguido por Santa Catarina (18,59%), Rio Grande do Sul (16,23%), São
Paulo (13,98%) e Minas Gerais (7,17%).
Quadro 2. Participação dos Estados na produção de carne de frango no Brasil
Estado Produção 1975* Produção 2010* Proporção de
Crescimento
Paraná 20,8 3.396,27 16.328 %
Santa Catarina 82,7 2.273,55 2.749 %
Rio Grande do Sul 40,5 1.984,92 4.901 %
São Paulo 248,8 1.709,75 687 %
Minas Gerais 67,8 876,89 1.293 %
(*) Em milhares de toneladas
Fonte: ABABEF (2011). Organização do autor
Como sugere o quadro II, para atingir o montante da produção verificada em 2010, o
conjunto dos Estados brasileiros apresentou um crescimento expressivo, sem exceções.
Comparativamente, no entanto, chama atenção a proporção de crescimento observado
no Paraná, que para atingir a liderança nacional no período, teve multiplicada por mais de 163
vezes a sua produção, 23 vezes mais do que se observa em São Paulo, antigo líder deste
ranque (para um maior detalhamento cronológico deste crescimento, ver quadro III).
Seguindo o movimento anterior, ao reduzir a escala de observação, atentando para a
produção de carne de frango por empresas, com base no quadro IV, podem ser observadas
também significativas mudanças na construção nacional.
Em que pese a manutenção das duas empresas que lideravam o mercado e na mesma
colocação (Sadia e Perdigão), em relação a 1978, em 2007 os demais postos passaram a ser
4 Para uma comparação, apontando para o aumento do consumo deste produto, a população mundial no mesmo
período passara de 3,7 bilhões em 1975 para 6,9 bilhões em 2010, ou seja, a população menos que dobrara no
período. 5 Fonte: Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), apud UBABEF (2011), p.13.
ocupados por empresas
diversas, não só na denominação
como na localização das
plantas produtivas.
Quadro 3. Abate de aves com inspeção
federal no Paraná Fonte: SFA-MAPA/PR e empresas6. Organizado
pelo autor
Quadro 4. Abate de frangos no Brasil 2007 – maiores empresas
Ainda nesta linha, outra mobilidade seria provocada pelas incorporações igualmente
ocorridas no período e posteriormente, como ocorreu com a Granja Rezende e a Só Frango,
ambas adquiridas pela Sadia, respectivamente em 1999 e 2004. Da mesma forma, a Da Granja
(em 2008), a Pena Branca (em 2008), e a Seara (em 2009, que pertencia à Cargil), sofreriam o
mesmo processo ao passarem ao controle do grupo Marfrig, um conglomerado do ramo
alimentício de origem nacional que até então atuava com carne bovina e que manteria no setor
de frangos a marca Seara; e a Eleva/Avipal (no setor desde 1959), que em 2007 seria
6 Dados capturados no site do SINDICARNE - Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Estado do
Paraná (http://www.sindicarne.com.br/content/category/2/2/6/), em 05/04/2011. 7 A Frango Forte faliu em 2009.
Empresa (estado onde há unidades
de abate)
Produção (em milhões
de cabeças)
Sadia (SC, PR, MG, RS, DF) 729,058
Perdigão (SC-RS-PR-GO-MT) 605,209
Seara (SC-PR-SP-MS, da Cargil) 270,170
Doux Frangosul (RS-MS) 255,941
Eleva (RS-MS-BA) 198,182
Diplomata (PR-MS-SC) 130,952
Aurora (SC-RS-MS) 113,813
Da granja (PR-MG) 104,234
Big Frango/Jandelle (PR) 75,887
Pena Branca (SP) 71,622
Copacol (PR) 69,889
Kaefer Avicultura - Globoaves (PR-
RO-SP-ES)
63,949
Frango Forte SP7 56,253
Rei Frango SP 54,928
Ano Produção (em cabeças abatidas)
1981 79.615.939
1992 260.764.402
2001 671.585.744
2010 1.351.306.802
Fonte: União Brasileira de Avicultura (UBA), Relatório Anual
2007/2008. Organização do autor.
comprada pela Perdigão, tornando esta última a maior empresa do setor a época,
ultrapassando a Sadia8.
A essas duas situações promotoras de mudanças nas participações empresariais na
produção de carne de frango, alia-se uma terceira: a formação e/ou entrada no setor de novas
empresas. No panorama apresentado no quadro IV, isto se apresentaria, além da Marfrig, no
caso do Grupo Doux - de capital originalmente francês que entrou no mercando nacional a
partir da aquisição da Frangosul, em 1998 -, da Diplomata - que entrou no setor em 1978, em
Cascavel-PR -, da Globoaves (em 1988, em Cascavel-PR), a Big Frango (em Rolândia - PR,
em 1980) e a Rei Frango (São Carlos-SP, 2001) 9.
Esta dinâmica de ingressos de novas empresas, porém, aponta para outro fenômeno
parcialmente representado na quadro IV pelas marcas Aurora10
e Copacol11
: a intensificação
da presença das cooperativas agroindustriais no setor.
Esta presença fica mais bem visualizada se estendido o quadro das empresas
produtoras para além daquele apontado acima: da 15ª a 50ª posição, nove são ocupadas por
cooperativas agroindustriais, ou 25 % do total.
No Oeste e Sudoeste do Paraná, esta participação é mais destacada, como se apresenta
na tabela I: dos dez frigoríficos instalados na região, cinco são vinculados às cooperativas
agroindustriais, ou 50% do total.
Tabela 1. Abate de aves no Oeste e Sudoeste do Paraná
Frigorífico/Cidade da
unidade/inicio do funcionamento
Produção mensal
(milhões de cabeças em
2010) **
Posição no ranque
nacional em 2007***
C.Vale (Palotina,1997) 12 (500 mil/dia) 15ª.
Sadia* (Dois Vizinhos,1976) 12 (500 mil/dia) 2ª.
Sadia* (Fco.Beltrão, 1991) 9,1 (380 mil/dia) *
Sadia* (Toledo, 1975) 8,6 (360 mil/dia) *
Copacol (Cafelândia, 1982) 7,9 (330 mil/dia) 11ª.
Coop. Agroind. Lar
(Matelândia,1999)
5,2 (220 mil/dia) 24ª.
Coopavel (Cascavel,1994) 4,5 (190 mil/dia) 28ª.
Copagril
(Mal.C.Rondon,200512
)
3,2 (160 mil/dia) 43ª.
8 Em 2009, a Sadia teria seus ativos comprados pela Perdigão, constituindo a Brasil Foods (BRF, atual razão
social da Perdigão). O processo, porém, encontrava-se em 2011 sob análise do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE, autarquia vinculada ao Ministério de Justiça brasileiro). 9 A Rei Frangos Abatedouro entraria em processo de recuperação judicial em 2009, condição que perdurava até
2011. 10
Marca da Cooperativa Alfa com sede em Chapecó-SC, que inaugurou seu primeiro frigorífico de aves em
1988. 11
Cooperativa Agrícola Consolata Ltda, no setor desde 1982 com a inauguração de seu frigorífico em
Cafelândia. 12
Frigorífico adquirido da empresa Chapecó.
Globoaves (Cascavel,2003) 3,1 (155 mil/dia) 12ª.
Diplomata (Capanema, 1978) 1,6 (80 mil/dia) 6ª.
Total 67,2 (2875 mil/dia) (*) 2006 (**) Cálculo considerando 20 dias de produção por mês (***) Total das unidades
Organização do autor
Destaque-se antes disso, que no total, esta região, com 806,4 milhões de frangos
abatidos em 2010, respondeu por 59,6 % da produção paranaense, o que a colocaria no lugar
do Rio Grande do Sul (3º.maior produtor) na produção nacional.
De maneira geral, a inserção deste tipo de empresa marca o estabelecimento de mais
um degrau no sistema de integração.
Iniciado no início da década de 1970 pela quase totalidade dos empreendimentos que
lideravam o mercado de carne avícola, aquele sistema, inicialmente, vinculava o frigorífico
aos criadores de frangos, fornecendo-lhes os pintinhos, ração e assistência técnica, quando
não também linhas de financiamentos para a construção das instalações, em conjunto a uma
série de prescrições e normas de produção dos frangos.
Àquele conjunto de práticas, que vem sendo destacado pela bibliografia como
dinamizador da produção a partir daquele período (ver SORJ ET ALLI, 2008; DALLA
COSTA, 1997), as cooperativas, que nas suas origens comportavam atividades agrícolas,
notadamente a produção de grãos (matéria prima das rações), ao tornarem-se agroindustriais
com o acréscimo da fabricação de ração, o abate e processamento frigorífico do frango,
somaram aquela atividade ao sistema de integração, detendo o controle de quase toda a cadeia
da produção frigorífica de aves.
Por sua vez, na região em questão, a implantação dos frigoríficos de aves intensificou
um processo de industrialização, principalmente a partir da década de 1990: conforme aponta
a tabela I, dentre as cooperativas, apenas a Copacol iniciou abate de frango antes deste
período.
Além do universo de aproximadamente 32 mil cooperados, 3,6 mil avicultores
integrados e os trabalhadores dos setores intermediários (transporte, produção de ração,
incubadoras, etc.), os frigoríficos de aves das cooperativas empregam em torno de 14 mil
trabalhadores.
Que sentidos e significados este processo assume para os trabalhadores? Esta é uma
questão sobre a qual alguns pesquisadores vêm se detendo e sobre alguns pontos produzidos
por estes me deterei na sequência.
3 DEBATE BIBLIOGRÁFICO
Este aumento da produção frigorífica no Oeste e Sudoeste do Paraná, a presença das
cooperativas agroindustriais neste processo e a correspondente geração de postos de trabalho
não vêm passando despercebidos pela produção acadêmica, seja na análise centrada âmbito
empresarial ou, mais propriamente, da gestão dos empreendimentos, seja sob o ponto de vista
das relações vividas pelos diferentes personagens que constroem o processo.
É com este referencial que delimito a discussão aqui, direcionando-a para o universo
dos trabalhadores. Assim, para além daquela pujança numérica apresentada acima, o que
representaria para estes sujeitos este processo de intensificação e ampliação da produção
frigorífica?
De maneira geral, esta bibliografia tem constatado que para os trabalhadores os
sentidos e significados do emprego nos frigoríficos avícolas contrastam com a comemoração
empresarial.
Num primeiro campo, destaco a investigação a cerca das condições de trabalho. Neste
ponto, o acento tem recaído sobre a saúde do trabalhador, se estabelecendo um quadro em que
os ritmos e rotinas intensos, com movimentos repetitivos, em baixas temperaturas, que
acabam por decretar uma drástica redução na vida produtiva na categoria (CÊA &
MARAFUSE, 2003; FINKLER, 2007), situação que teria motivado a formação de uma
organização – a Associação de Portadores de Lesão por Esforço Repetitivo (AP-LER).
Articulando a investigação sobre as condições que desencadeiam um quadro no qual
os trabalhadores vem sua saúde comprometida em curto espaço de tempo - 18 meses em
média para o aparecimento das primeiras manifestações; 5 anos de “vida produtiva” na
categoria, segundo estudos do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do SUL (2010)
– à denúncia, esta produção não permite dar visibilidade à situação, se contrapondo aos
“arautos do progresso”, como para vem contribuindo para um enfrentamento por parte dos
trabalhadores, através, por exemplo, da criação de mecanismos de informação, como a
“Cartilha do Trabalhador em Frigorífico” (MUROFOSE ET ALLI, 2008).
Um segundo campo de investigações parece se firmar em relação às dinâmicas
produtivas enquanto constituidoras de territórios, discussões essas caras à geografia, em
estreito diálogo, assim como o faz a área de saúde, com parte da sociologia do trabalho.
Tendo em conta os limites presentes, dentre inúmeros estudos nesta linha, destacaria a
investigação pautada por Marcelo Carvalhal e Diane Gemelli quanto à mobilidade do trabalho
na região, mais especificamente dos trabalhadores do Frigorífico de Aves da Copagril, em
Marechal Cândido Rondon.
Partindo da constatação de que aproximadamente 60% dos trabalhadores têm
residência em outros municípios que não o da sede da empresa, o que coloca a necessidade
diária daquele deslocamento, condição que estabelece, por vezes, percursos superiores a 200
km (ida e volta), a pesquisa de Carvalhal e Gemelli buscou estabelecer as razões de tais
deslocamentos no que se refere aos trabalhadores.
Neste sentido, os autores tomam como elemento constituinte do trabalho nos
frigorífico a sua subordinação aos ditames do capital, o que torna “alheio aos trabalhadores
todo o processo, desde a escolha das matrizes até o frango estar embalado no supermercado
para o consumo” e que, portanto,
[...] a finalidade do trabalho não é mais determinada pelo trabalhador, da
mesma forma que sua relação com a natureza também é estranha, uma vez
que a transforma, por exemplo, não para atender às suas necessidades de
sobrevivência, mas a necessidade de acumulação do capital, condição
paradoxal, visto que para sobreviver na sociedade capitalista existem duas
condições: ser dono dos meios de produção, ou vender sua força de trabalho
ao dono dos meios de produção. (CARVALHAL & GEMELLI, 2011: 46)
Assim, para os autores, é dentro desta condição que se inscrevem os deslocamentos
realizados, já que
[...] não resta outra alternativa ao trabalhador, ou ele se submete aos
interesses do capital, se mobilizando para o trabalho, ou fica a sorte da
sobrevivência na sociedade capitalista.(...) a mobilidade da força de trabalho
é assim introduzida, em primeiro lugar, como a condição de exercício da sua
liberdade de se deixar sujeitar ao capital, de se tornar mercadoria cujo
consumo criará o valor e assim produzirá o capital. (CARVALHAL &
GEMELLI, 2011:50-51)
Curiosamente, esta mesma caracterização geral do trabalho no capitalismo e sua
identificação como causa das circunstâncias vividas pelos trabalhadores parece ser
compartilhada com Cêa e Murofose:
E o trabalhador e os demais meios de trabalho ficam subordinados a essas
finalidades, ficando subordinados a uma organização do processo de
trabalho e com os seus ritmos, intensidade, quantidade e metas de produção.
A necessidade de sobrevivência obriga o trabalhador a subordinar-se às
exigências (...) (CÊA & MUROFOSE, 2008:430)
Ao que parece, o diálogo estreito com uma matriz da sociologia do trabalho, que tem
investigado as mudanças contemporâneas nas relações de trabalho, pautando-a a partir de uma
perspectiva que as entenda como um movimento quase que inexorável do capital no sentido
de “capturar a subjetividade” dos trabalhadores, tenha estabelecido esta
linearidade/sobreposição de interpretações.
No caso de Carvalhal e Gemelli, aquela subordinação vem em resposta à indagação
sobre “o porquê de tantos trabalhadores aceitarem/procurarem o trabalho no frigorífico”,
tornando-os “disponíveis para tais formas de trabalho” (CARVALHAL & GEMELLI, 2011:
59).
Talvez, ainda que para entender a dinâmica a partir dos trabalhadores – afinal eles se
fazem também nas interações com outras classes -, a pergunta, pudesse ser destinada ao outro
personagem das relações de trabalho: por que os capitalistas arregimentam trabalhadores
naquelas condições?
Parte da resposta, como apontam Carvalhal e Gemelli, encontra-se, avalio, no que os
empresários vem caracterizando como “rotatividade da mão-de-obra”, ou seja, o alto índice de
demissões e o constante e permanente processo de contratações “em aberto” no setor, o que,
no caso de Marechal Cândido Rondon, tem deixado, em média, 200 vagas constantemente
“disponíveis”. Porém, não como apontam os autores, como índice exclusivo das “estratégias
de dominação”, tomando unicamente as respostas dos trabalhadores que permanecem no
emprego, os quais “quando indagados a respeito da razão da elevada rotatividade de
trabalhadores no frigorífico”, respondem em duas direções: “a) o fato do trabalho ser muito
extenuante e, b) porque tem gente que quer trabalho mole, que não quer trabalhar mesmo.”
(CARVALHAL & GEMELLI, 2011:.56)
Evidências em outro sentido parecem estar presentes, por exemplo, nos repetidos
anúncios, em diferentes meios de comunicação, como o reproduzido abaixo, cujo tom permite
estabelecer outros aspectos e significados para o que os autores supõem como indício
exclusivo da subordinação operária:
Um apagão de candidatos, sobra emprego e nada de interessados. Cerca de
200 vagas estão disponíveis só em uma cooperativa de Marechal Rondon. Os
funcionários do RH percorrem toda a região em busca de candidatos, mas a
sala de seleção nunca fica cheia. Quem procura sempre acha emprego. As
exigências são apenas ser maior de idade e ter vontade de trabalhar. Não é
necessário experiência, nem formação mínima.13
13
“Sobram vagas de emprego nos frigoríficos do Paraná”, in Boletim Aveworld, 16/06/2011. Capturado em 20/06/2011 em http://aveworld.com.br/noticias/post/sobram-vags-de-empregos-nos-frigorificos-no-parana
Para este “apagão” – talvez, a caracterização “rotatividade” esteja sendo repensada por
estes sujeitos -, de fato as empresas têm encontrado a solução apontada por Carvalhal e
Gemelli, numa espécie de “se o profeta não vai à montanha...”: “Se falta mão de obra na
cidade, a indústria vai buscar funcionários fora, em outros municípios e até estados vizinhos.
Ônibus rodam até 120 quilômetros atrás de gente que quer trabalhar.” E não param por ai:
“Uma outra indústria oferece ônibus, alimentação e até alojamento para os funcionários das
cidades mais distantes.”14
De fato, a se considerar os números desta “rotatividade” (tabela II), seria mais
pertinente denominar de êxodo ou debandada dos trabalhadores o quadro, numa prática que,
embora, ao que parece, não organizada e deliberada coletivamente, expressa um movimento
de rejeição massiva àquele tipo de emprego, o que deve proporcionar algum tipo de
preocupação ao empresariado, haja vista as demais medidas adotadas para além da provisão
de transporte. O que parece fazer sentido: os números da tabela I apontam que, embora
superavitário, o número de contratações e demissões nos três anos acompanhados15
superam o
de funcionários totais da empresa (em torno de 1550 em 2010). Ou seja, nestes três anos,
estatisticamente, a empresa teria, em cada um deles, mais do que reformulado todo o seu
quadro funcional. E o fato de que, dentre as demissões, no período a porcentagem de
trabalhadores que se demitiram (a seu pedido) foi superior a 54 %, permite reforçar aquela
impressão.
Tabela 2. Demissões e admissões na indústria – Marechal Cândido Rondon.
(*) Abril a dezembro.
Fonte: CAGED/MET. Organizada pelo autor
A vista destes elementos, seria prudente, avalio, pensar o processo tendo em conta
efetivamente a perspectiva produzida pelos trabalhadores, o que incluiria, por exemplo,
investigar o processo dentre aqueles que se demitiram. Além disso, seria possível um
14
Idem, ibidem. 15
Os dados referentes ao ano de 2005 a 2007 (primeiros de funcionamento do frigorífico) não estão disponíveis
uma vez que a nomenclatura adota pelo CAGED – “alimentadores de linha de produção” – contemplava
atividades exercidas em outras empresas, diferentemente do que ocorre com “abatedor”, exclusivo da empresa
em questão.
Ocupção 2008 2009 2010
Abatedor
Admissões 1341* 1795 1838
Demissões 1318* 1602 1711
A pedido do trabalhador 783 (59,4%) 876 (54,6%) 988 (57,7%)
Saldo 23 193 127
conjunto de outras questões para os que supostamente não se enquadram como “gente que
quer trabalho mole, que não quer trabalhar mesmo”. Como, por exemplo, quantos desses
perfazem o total da categoria, quanto tempo de vínculo com a empresa perfazem, que
perspectivas têm em relação ao trabalho nos frigoríficos, etc. Até porque, mesmo entre esses,
há o reconhecimento “do trabalho ser muito extenuante”, a ponto de restringir-lhes
significativamente a “vida produtiva”, como apontam os demais estudos antes citados.
4 CONCLUSÕES
O expressivo crescimento da produção frigorífica de frangos no Oeste e Sudoeste do
Paraná, a ponto de tornar a região umas das áreas de maior concentração desta produção no
mundo, traz expressivas mudanças no conjunto das relações sociais, as quais têm como um
dos principais pilares a participação das cooperativas agroindustriais. Dentre estas mudanças,
têm chamado atenção dos pesquisadores, de diferentes áreas, as transformações nas relações
de trabalho, sobre tudo aquelas vividas pelos trabalhadores. O alto índice de doenças
funcionais, de admissões e demissões nos frigoríficos e o deslocamento de trabalhadores de
outras cidades e regiões para se empregarem nas indústrias do setor suscitam questões que
vem sendo enfrentadas por aquelas pesquisas. No entanto, a resposta provisória e recorrente
de que tais processos expressam uma unilateral subordinação dos trabalhadores aos ditames
do capital, parece não equacionar a questão, tendo em conta outras evidências que dão conta
de que os trabalhadores interagem neste processo, formulando outras respostas/ações que os
colocam com sujeitos e parte ativa na construção da história e não mero joguete de outras
classes, aspecto este que carece de maiores investigações.
REFERÊNCIAS
DALLA COSTA, Armando João. Agroindústria brasileira contemporânea: inovações
organizacionais e transformações tecnológicas. Paris: Université de La Sorbonne, 1997. Tese
de doutorado.
FINKLER, Anna L. Os Problemas de saúde dos trabalhadores e a relação com o processo de
trabalho em frigoríficos. Cascavel: UNIOESTE/Curso de Enfermagem, 2007. TCC.
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formação do trabalhador para o capital: o frigorífico de aves da Copagril de Marechal
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CÊA, G.S.S. & MUROFUSE, N.T. Associação dos Portadores de LER (AP-LER) na luta
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BATISTA, R.L. (org.) Trabalho, economia e educação. Maringá: Práxis, 2008.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (RS). “A Vida por trás das linhas de produção
nos frigoríficos”. 2010. Capturado em 23/05/2011.
www.jusbrasil.com.br/noticias/2165383/a-vida-por-tras-da-linha-de-producao-nos-
frigorificos.
MUROFOSE, N.T. ET ALLI (org.). Fique de olho para não entrar numa fria. Cartilha do
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SORJ, Bernardo ET ALLI. Camponeses e agroindústria. Transformação social e
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LIMA Marcelo A.A. Mudança tecnológica, organização industrial e expansão de produção
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Paulo: UBABEF, 2011. Disponível no site sitio (capturado em 12/04/2011) http://www.abef.com.br/ubabef/exibenoticiaubabef.php?notcodigo=2761